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Jesus Morreu por Todos?

R. C. Sproul

Um dos pontos mais controvertidos da teologia reformada tem a ver com


o terceiro item de nossa lista de itens do Capítulo Cinco. É a expiação
limitada. Este tem sido um tal problema de doutrina que há multidões de
cristãos que dizem que abraçar a maioria das doutrinas do calvinismo, mas
saem do barco bem aqui.

Referem-se a si mesmos como os calvinistas dos “quatro pontos”. O


ponto que não podem sustentar é a expiação limitada. Freqüentemente tenho
pensado que, para ser um calvinista de quatro pontos, é preciso que a pessoa
não entenda pelo menos um dos cinco pontos. É difícil imaginar que a pessoa
possa entender os outros quatro pontos do calvinismo e negar a expiação
limitada. Existe sempre a possibilidade, contudo, da feliz inconsistência pela
qual as pessoas sustentam diferentes pontos de vista ao mesmo tempo.

A doutrina da expiação limitada é tão complexa que, para tratá-la


adequadamente, seria preciso um volume completo. Nem mesmo dediquei um
capítulo inteiro a ela neste volume, porque um capítulo inteiro não lhe faria
justiça. Eu pensei em não mencioná-la de todo, porque existe o perigo de que
dizer pouco sobre ela seja pior do que não dizer nada. Mas penso que o leitor
merece pelo menos um breve resumo da doutrina e assim procederei - com
cuidado porque o assunto requer um tratamento mais profundo do que posso
conceder aqui.

A questão da expiação limitada tem a ver com a pergunta: “Por quem


Cristo morreu? Ele morreu por todos ou somente pelos eleitos”?

Todos concordamos que o valor da expiação de Cristo foi


suficientemente grande para cobrir os pecados de todos os seres humanos.
Também concordamos que sua expiação é verdadeiramente oferecida a todos
os seres humanos. Qualquer pessoa que coloca sua confiança na morte
expiatória de Jesus Cristo certamente receberá os completos benefícios dessa
propiciação. Estamos também confiantes de que, qualquer que responde à
oferta universal do Evangelho será salvo.

A questão é: “Para quem a expiação foi designada?”

Deus mandou Jesus ao mundo meramente para tornar a salvação possível


às pessoas? Ou Deus tinha alguma coisa mais definida em mente? (Roger
Nicole, o eminente teólogo batista, prefere chamar a expiação limitada de
“Expiação Definida”).
Alguns argumentam que tudo o que expiação limitada significa é que os
benefícios da expiação são limitados aos crentes que satisfazem as condições
necessárias de fé. Isto é, embora a expiação de Cristo fosse suficiente para
cobrir os pecados de todos os homens e para satisfazer a justiça de Deus
contra todo pecado, ela efetiva a salvação somente para os crentes. A
fórmula diz: Suficiente para todos, eficiente somente para os eleitos.

Esse ponto simplesmente serve para nos distinguir dos universalistas, que
crêem que a expiação assegurou salvação para todos. A doutrina da expiação
limitada vai além disso. Refere-se à questão mais profunda da intenção do Pai
e do Filho na cruz. Declara que a missão e morte de Jesus foi restrita a um
número limitado — a seu povo, suas ovelhas.

Jesus foi chamado de “Jesus” porque Ele salvaria seu povo de seus
pecados (Mt 1.21). O Bom Pastor dá sua vida pelas ovelhas (Jo 10.15). Essas
passagens são encontradas freqüentemente no Novo Testamento.

A missão de Cristo era de salvar os eleitos. “E a vontade de quem me


enviou é esta: Que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário,
eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.39).

Não tivesse havido um número fixo de contemplados por Deus quando Ele
designou que Cristo morresse, então os efeitos da morte de Cristo teriam sido
incertos. É possível que a missão de Cristo tivesse sido uma tristeza e
completo fracasso.

A propiciação de Jesus e sua intercessão são obras conjuntas de seu


sumo sacerdócio. Ele explicitamente exclui os não eleitos de sua grande
oração sumo sacerdotal: “...não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me
deste, porque são teus...” (Jo 17.9). Cristo morreu por aqueles por quem Ele
não orou?

A questão essencial aqui diz respeito à natureza da oferta de Jesus. A


oferta de Jesus inclui tanto expiação quanto a propiciação. Expiação envolve
a remoção que Cristo faz de nossos pecados “para fora” (ex) de nós.
Propiciação envolve uma satisfação pelo pecado “perante ou na presença de”
(pro) Deus.

O arminianismo tem uma oferta que é limitada em valor. Não cobre o


pecado dos incrédulos. Se Jesus morreu por todos os pecados de todos os
homens, se Ele expiou todos os nossos pecados e propiciou todos os nossos
pecados, então todos seriam salvos. Uma oferta potencial não é uma oferta
verdadeira. Jesus realmente fez oferta pelos pecados de suas ovelhas.

O maior problema com a expiação definida ou limitada é encontrado nas


passagens que as Escrituras usam referentes à morte de Cristo “por todos” ou
pelo “mundo todo”. O mundo por quem Cristo morreu não pode significar a
família humana inteira. Deve referir-se à universalidade dos eleitos (povo de
todas as tribos e nações), ou à inclusão dos gentios em acréscimo ao mundo
dos judeus. Foi um judeu que escreveu que Jesus não morreu meramente por
nossos pecados, mas pelos pecados do mundo todo. Será que a palavra nossos
refere-se aos crentes ou aos judeus crentes?

Precisamos nos lembrar de que um dos pontos cardeais do Novo


Testamento refere-se à inclusão dos gentios no plano da salvação de Deus. A
salvação era dos judeus, mas não restrita aos judeus. Onde quer que seja dito
que Cristo morreu por todos, algum limite precisa ser acrescentado, ou a
conclusão teria de ser o universalismo ou a mera expiação potencial.

A expiação de Cristo foi real. Ela efetivava tudo o que Deus e Cristo
pretendiam dela. O desígnio de Deus não foi e não pode ser frustrado pela
incredulidade humana. O Deus soberano soberanamente enviou seu Filho para
propiciar pelo seu povo.

Nossa eleição é em Cristo. Somos salvos por Ele, nele e para Ele. O
motivo para nossa salvação não é meramente o amor que Deus tem por nós. É
especialmente baseada no amor que o Pai tem pelo Filho. Deus insiste que seu
Filho verá o trabalho de sua alma e ficará satisfeito (Is. 53. 10-12). Nunca
houve a menor possibilidade de que Cristo pudesse ter morrido em vão. Se o
homem está verdadeiramente morto no pecado e preso ao pecado, uma mera
expiação potencial ou condicional não somente pode ter acabado em fracasso,
como muito certamente teria acabado em fracasso.

Os arminianos não têm razão verdadeira para crer que Jesus não morreu
em vão. São deixados com um Cristo que tentou salvar a todos, mas na
realidade não salvou ninguém.

Fonte: Eleitos de Deus – R.C. Sproul - Editora Cultura Cristã 2002

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