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Comentário de Livro

Psicoterapia de grupo: teoria e prática – Irvin D. Yalon e Molyn


Leszcz. Editora Artmed, Porto Alegre, 2006
Zacaria Borge Ali Ramadam
Professor-associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

Recebido: 30/01/2007 – Aceito: 12/02/2007


Ramadam, Z.B.A. / Rev. Psiq. Clín 34(5); 254-255, 2007

O interesse pelo estudo do comportamento e psicologia e situação geral da vida de cada um, demonstrando que
dos grupos humanos vem de longa data: já em 1855, o tratamento grupal era extremamente proveitoso.
Gustave Le Bon publicou a Psicologia das multidões, até Por isso, Dr. Pratt, que não era psiquiatra nem psi-
hoje um clássico no assunto, injustamente pouco lembra- coterapeuta, é considerado, com razão, precursor da
do, em virtude das posições políticas radicais do autor. psicoterapia de grupo.
Não obstante, Freud, quando escreveu sobre o tema, Psiquiatras também começaram a utilizar o proce-
utilizou o trabalho de Le Bon como ponto de partida, dimento, em geral com pacientes institucionalizados e
citando-o expressamente. Entretanto, o criador da Psi- quase sempre por motivos econômicos.
canálise, embora tenha produzido importantes reflexões Durante a II Guerra Mundial, em razão da grande
sobre o comportamento das hordas primitivas e criação demanda de pacientes e das limitações das equipes
de mitos coletivos, não contribuiu de modo significativo hospitalares, o tratamento grupal foi amplamente utili-
para a psicoterapia grupal propriamente. zado, sendo objeto de importantes pesquisas, tendo-se
No começo do século passado, Joseph Pratt, um destacado os trabalhos de S. H. Foulkes e Wilfred
médico generalista de Boston, responsável pelo trata- Bion, que, no Brasil, se tornaram autores de referência
mento de um grande número de pacientes tuberculosos obrigatória.
(muitos deles indigentes), por motivos econômicos e Em seu livro clássico, Experiências em grupos, com
de ordem prática passou a atendê-los em grupos de 20 sua teoria dos pressupostos básicos (dependência,
ou 30, duas vezes por semana, em que fazia palestras luta e fuga, acasalamento), Bion desenvolveu modelos
e discutia questões de saúde e respectivas condições interessantes de interpretações dos comportamentos
de vida. grupais; além disso, com suas contribuições à Psicaná-
Observou que a troca de informações entre os pa- lise, tornou-se um dos autores de maior prestígio entre
cientes promovia sensíveis melhoras no quadro clínico os psicanalistas brasileiros.

Endereço para correspondência: Instituto de Psiquiatria. Rua Ovídeo Pires de Campos, 785 – 05403-010 – São Paulo – SP. E-mail: zramadam@usp.br
Ramadam, Z.B.A. / Rev. Psiq. Clín. 34 (5); 254-255, 2007 255

Entre os terapeutas de grupo, desde meados do O autor considera o foco interacional como o motor
século passado, permeia uma controvérsia importante, da psicoterapia e, acima das teorias e técnicas do tera-
com reflexos na prática: deve-se tratar do indivíduo no peuta, suas atitudes, de escuta, interesse, aceitação e
grupo ou do grupo como uma totalidade? empatia com o paciente; enfatiza também a necessidade
Na primeira hipótese, apoiada nos trabalhos de de desfazer a auto-imagem negativa deste.
Foulkes, as intervenções do terapeuta são, na maioria Analisa detidamente os fatores terapêuticos, as tare-
das vezes, dirigidas a cada indivíduo em particular, fas do terapeuta, a seleção dos pacientes e a composição
visando a esclarecer seus conflitos pessoais; grossei- dos grupos, as etapas sucessivas do trabalho grupal e
ramente, seria uma espécie de psicoterapia individual grupos de terapia especializados, tais como pacientes
dentro de um grupo. agudos internados, enfermos com patologias somáticas,
Na segunda proposta, adotada por Bion e seguidores, grupos de auto-ajuda e muitos outros.
nenhuma intervenção deve dirigir-se a um paciente em Além de suas pesquisas pessoais, o autor faz uma
particular; todas as interpretações devem ser única e revisão de algumas dezenas de estudos controlados que
exclusivamente para o grupo como uma totalidade, assi- comparam as terapias de grupo e individual, e observa
nalando aqueles pressupostos básicos já mencionados. que a terapia de grupo se mostrou mais efetiva em 25%
Ou seja, o grupo seria equivalente a um “indivíduo” com dos estudos e em 75% não houve diferenças significativas
personalidade própria e comportamentos diferentes de entre elas.
cada um dos seus membros. Desfaz, portanto, o mito generalizado de que a psi-
O benefício terapêutico de cada paciente seria, então, coterapia grupal, por ser mais acessível e barata, seria
resultado indireto dessas interpretações da totalidade um tratamento de segunda classe.
grupal. Assinala também que psicoterapias com um mesmo
O livro de Irvin Yalon parece ser uma bem-sucedida enfoque doutrinário, se mal conduzidas, produzem
tentativa de superar esse impasse. poucos resultados, enquanto outras, com enfoques di-
Yalon é professor universitário, psicoterapeuta de ferentes, realizadas de modo correto, obtêm resultados
grande experiência clínica e, também, autor de ro- satisfatórios e similares.
mances best-sellers, tais como Quando Nietsche chorou, Caracteriza, assim, a importância da formação do
Mentiras no divã e A cura de Schopenhauer. terapeuta e a utilização adequada do método, indepen-
Grande talento e erudição do autor justificam seu su- dentemente da ideologia ou filiação doutrinária.
cesso, tanto na ficção literária como na obra científica, em O texto é pontilhado com exemplos de situações
que se revela agudo observador e profundo conhecedor práticas e histórias clínicas, ilustrando muito bem as
da Psicologia. No prefácio à edição brasileira, Dr. Luiz questões teóricas apresentadas.
Carlos Osório, também terapeuta de grupo, escreveu: Redigido com estilo fluente e elegante, o livro
“Este é o melhor livro sobre terapias grupais que tive permite uma leitura prazerosa, rica de informações de
em mãos nesses 40 anos como grupoterapeuta!”. psicologia e psicopatologia, de interesse não apenas para
O livro, de 528 páginas, consta de 17 capítulos e psicoterapeutas, mas para os psiquiatras em geral.
um pequeno apêndice, e mais de 60 páginas finais são Tem razão Dr. Luiz Carlos Osório, supervisor e re-
dedicadas às notas e às referências bibliográficas, exaus- visor técnico da edição: é o melhor livro sobre terapia
tivamente comentadas ao longo do volume. grupal nesses 40 anos!

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