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SUMário

Organização:
Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos - IDDH Introdução
Metodologia
Apoio: Sumário Executivo
Friedrich-Ebert-Stiftung Brasil Avaliações
1. Instituição Nacional de Direitos Humanos...........................................................................09
Textos: 2. Defensoras/es de Direitos Humanos..................................................................................... 11
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB 3. Migrantes....................................................................................................................................15
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil 4. Discriminação e violência contra mulheres..........................................................................16
Artigo 19 5. Discriminação e violência contra a população LGBTI........................................................20
Associação Interdisciplinar de AIDS - ABIA 6. Discriminação e violência contra a população negra..........................................................22
Campanha Nacional pelo Direito à Educação 7. Discriminação e violência contra Povos indígenas..............................................................27
CLADEM - Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher 8. Meio ambiente.......................................................................................................................... 33
Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários 9. Empresas e DH......................................................................................................................... 38
Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas 10. Justiça Criminal:
Conectas Direitos Humanos (a) Sistema Prisional.....................................................................................................................42
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (b) Violência policial.....................................................................................................................46
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP (c) Tortura......................................................................................................................................49
Geledés – Instituto da Mulher Negra 11. Ratificação do Protocolo Facultativo ao PIDESC.............................................................. 52
Gestos 12. Trabalho....................................................................................................................................53
Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos - IDDH 13. Saúde........................................................................................................................................ 55
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena - Iepé 14. Educação..................................................................................................................................59
Justiça Global
Movimento Nacional dos Direitos Humanos - MNDH
Plataforma Dhesca
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Terra de Direitos
Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos

Images:
Indigenas (07) - Fotografia/ Bárbara E. Silva de Jesus @_titaco
Outras imagens, todas do site - www.pexels.com

Design
Sintática Comunicação (Capa)
Guido Gelbcke (Layout/ Diagramação)
Introdução Atualmente o Coletivo RPU Brasil é
a rpu integrado pelas seguintes 22

A organizações:
Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo desenvolvido pelo Conselho de Direitos Huma-
nos da Organização das Nações Unidas (ONU). Sua função é verificar o cumprimento das obrigações
e compromissos de direitos humanos assumidos por seus 193 países-membros. O principal objetivo ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos
da RPU é melhorar a situação de direitos humanos em todo o mundo. Mas ela também serve como um instru-
mento internacional que partilha boas práticas de implementação e monitoramento de direitos humanos entre Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
os Estados e outras partes interessadas. Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Na RPU, a cada quatro anos e meio, os países passam por um ciclo de avaliações em que cada Estado-membro
da ONU informa a situação dos direitos humanos dentro de seu país, recebe recomendações dos demais países Artigo 19
e também pode fazer recomendações aos outros. As recomendações são sugestões que os demais Estados ofe-
recem àquele que está sob revisão, quando é verificado se ele está cumprindo as obrigações de direitos huma- Associação Interdisciplinar de AIDS - ABIA
nos estabelecidas na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e nos Campanha Nacional pelo Direito à Educação
demais instrumentos de direitos humanos ratificados pelo Estado.
O Brasil já passou por três ciclos da RPU, em 2008, 2012 e 2017. Neste terceiro, recebeu 246 recomendações, CLADEM - Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
das quais tomou nota (rejeitou) 4.
Para que o mecanismo da RPU seja eficaz, é necessário que o Estado preste contas (accountability) e apresente Conectas Direitos Humanos
à sociedade informações transparentes sobre a implementação das recomendações. Igualmente importante é Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP
a participação da sociedade civil neste mecanismo, que pode ocorrer de variadas formas e em todas as etapas.
Em 2019, durante a 42ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, prevista para ocorrer de 09 a 27 de Geledés – Instituto da Mulher Negra
setembro, o Coletivo RPU Brasil apresentará este relatório de meio período, informando como anda a imple-
mentação das recomendações recebidas no 3º ciclo pelo Estado Brasileiro. Gestos
Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos - IDDH
Histórico do Coletivo RPU Instituto de Migrações e Direitos Humanos - IMDH

D
esde o primeiro ciclo, a sociedade civil bra- tações, como a Oficina “Monitorando Direitos Hu-
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena - IEPÉ
sileira vem acompanhando a RPU. Inicial- manos Econômicos, Sociais e Culturais por meio da Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos - INESC
mente, buscou disseminar informação sobre Revisão Periódica Universal da ONU”, e foi desenvol-
o mecanismo no país, cobrar transparência do Estado vida a Plataforma RPU Brasil (https://plataformarpu. Intervozes
Brasileiro e ampliar o número de relatórios apresen- org.br/), uma ferramenta online para consulta e ava-
tados por organizações e movimentos sociais. Após o liação do cumprimento ou não das recomendações
Justiça Global
3º ciclo, em 2017, além de continuar ampliando a in- da RPU recebidas pelo Estado Brasileiro. Tal necessi- Movimento Nacional dos Direitos Humanos - MNDH
formação e participação, a sociedade civil percebeu a dade ficou ainda mais evidenciada dada a ausência de
necessidade da criação de um mecanismo próprio de um plano nacional de monitoramento. Plataforma Dhesca
acompanhamento (follow up) do cumprimento das Assim, a Plataforma RPU Brasil visa sistematizar o
recomendações, uma vez que o Estado ainda não de- conteúdo das recomendações de forma prática e aces-
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
senvolveu um plano nacional de monitoramento de sível para que possa ser utilizada por todos/as os/as Terra de Direitos
recomendações. defensores/as de direitos humanos brasileiros/as e
Sendo assim, em 2018, um grupo de 25 organiza- disseminar informações sobre o monitoramento das Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos
ções da sociedade civil brasileira que acompanhavam recomendações, aumentando a participação da socie-
o tema da política externa brasileira cria o Coletivo dade civil brasileira no mecanismo da RPU
RPU Brasil, com o intuito de acompanhar a RPU.
Após sua criação, foram realizadas diversas capaci- O Coletivo RPU Brasil tem desenvolvido um amplo trabalho no Brasil para fortalecer o
papel da sociedade civil em atividades antes, durante e depois da revisão pelo Brasil na RPU,
como agora, na elaboração deste presente Relatório de Meio Período.
plataformarpu.org.br
Metodologia Sumário Executivo
As organizações do Coletivo RPU Brasil, desde o 3º Depois de 6 meses neste processo da Plataforma e O relatório que aqui apresentamos usa o mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) do Conse-
ciclo, tem se encontrado anualmente no Escritório de da sistematização dessas avaliações, uma consulta lho de Direitos Humanos da ONU para responder às recomendações feitas ao Brasil no III Ciclo da Revisão.
Direitos Humanos da ONU em Brasília/Brasil bus- foi aberta por e-mail para que o Coletivo RPU Brasil A história recente do país aponta para uma série de retrocessos institucionais, seja em matéria de par-
cando identificar uma metodologia para acompanhar pudesse validar as avaliações feitas online. Por fim, ticipação democrática, desenvolvimento sustentável ou direitos humanos. A democracia que a sociedade civil
o cumprimento ou não das recomendações da RPU. em agosto de 2019, na Casa da ONU em Brasília, foi busca é inclusiva e plural, com respeito à liberdade e à igualdade, valorizando as diversidades e a participação
Em 2018, após o lançamento da Plataforma RPU Bra- realizado o IV Encontro do Coletivo RPU com o ob- social. No entanto, o cenário que estamos vivendo desvelou no país evidente aumento da violência de gêne-
sil, as organizações integrantes decidiram testar a Pla- jetivo de revalidar os temas avaliados, incluir novas ro, das discriminações, das desigualdades e do discurso de ódio. Testemunhamos também a crescente falta
taforma durante a elaboração do Relatório de Meio informações e aprovar a estrutura deste Relatório de de transparência sobre dados oficiais em relação às políticas sociais, econômicas e ambientais e, ainda, um
Período do 3º ciclo. Meio Período. desmonte das políticas de participação social, através da extinção ou precarização dos Conselhos e espaços
de participação, em especial, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), o CONSEA (Conselho de
Portanto, alguns passos foram seguidos para a ela- Destaca-se que a seleção das temáticas do Relató- Segurança Alimentar) e a Comissão Nacional dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Não existe De-
boração deste Relatório: a) as organizações submete- rio foi construída pelas/os participantes do Coletivo mocracia real sem transparência, informação e participação.
ram suas avaliações das recomendações indicando o RPU Brasil levando em consideração os seguintes as- Em relação ao desenvolvimento, o país sofre de estagnação secular há seis anos. Os cortes no orçamento
grau de cumprimento, indicando se as consideravam pectos: a) maior incidência nas Recomendações re- público para promoção de direitos e investimentos sociais impactam visivelmente a contínua luta para a redu-
“Cumprida”, “Parcialmente cumprida” ou “Não cum- cebidas pelo Brasil no 3º ciclo; b) relevância destes ção da pobreza e das desigualdades da primeira década deste século. Ao longo dos últimos três anos, a pobreza
prida”; b) para cada recomendação as organizações direitos no país; e, c) atuação das organizações do Co- voltou a crescer, assim como a mortalidade infantil e materna, sinais evidentes de retrocesso socioeconômico.
poderiam sugerir qual(is) Poder(es) (Executivo, Le- letivo RPU Brasil. Dessa forma, não estão presentes Seguindo a política de austeridade de longo prazo da Emenda Constitucional 95/2016, o governo subsequente
gislativo ou Judiciário) seria(m) responsável(is) pelo as avaliações de todas as recomendações recebidas e continua reduzindo o orçamento social, contingenciando verbas para a Educação e a Saúde Pública, afetando
cumprimento da recomendação; c) também pode- aceitas pelo Brasil, mas sim um conjunto de temáticas de forma direta a população em situação de vulnerabilidade e as ciências, e alargando ainda mais a desigualda-
riam ser associados os direitos humanos com um ou selecionadas que auxiliarão a demonstrar a atual situ- de socioeconômica no país. Em março de 2019, o novo governo cortou quase 30 bilhões de reais para manter
mais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ação de direitos humanos no país. a meta fiscal, sob o argumento de controle do déficit público. Em julho, mediante a queda da previsão de cres-
(ODS) da Agenda 2030. cimento, fez-se novo contingenciamento, próximo a 1,5 bilhões. Todos esses cortes têm impacto sobre a edu-
cação, a saúde, a assistência social, habitação e o meio ambiente, áreas fundamentais para o desenvolvimento
Os temas selecionados estão descritos no sumário e serão apresentados cada um na seguinte divisão: sustentável e a garantia de direitos através de instituições fortes e eficientes. O sucateamento do Estado como
estratégia de governo mostra sinais de enfraquecimento da credibilidade institucional.
a) número e conteúdo das recomendações; Já em relação à trágica política ambiental, ou falta dela, o governo ressuscitou a obsoleta ideia de quase
b) grau de cumprimento (Cumprida; Parcialmente Cumprida e Não cumprida); um século atrás que vê o desenvolvimento econômico na Amazônia associado ao desmatamento, à exploração
desenfreada dos recursos naturais finitos, e à apropriação de terras indígenas homologadas em lei. A narrati-
va sobre destruir a natureza para construir crescimento econômico através de monocultura atropela direitos
adquiridos e o bom senso contemporâneo, particularmente diante de uma emergência climática global. No
entanto, o atual governo adota em seu discurso conspiratório a tese de que a agenda ambiental no Brasil estaria
atrelada a “interesses ideológicos de esquerda” e de organizações não governamentais, nacionais ou internacio-
nais; e que seriam prejudiciais à produção e ao desenvolvimento do país, sem considerar ou debater o modelo
de desenvolvimento sendo proposto e suas externalidades negativas, desde o nível local ao mundial. Ademais,
o próprio Presidente passou a contestar dados e evidências sobre desmatamento das florestas, os impactos para
o meio ambiente e para a vida das comunidades indígenas e populações que residem nos territórios, inclusive
transformando em sigilo de Estado, em ritmo acelerado, documentos de interesse público. A (des)política am-
biental do governo favorece o avanço do agronegócio sobre terras públicas, territórios e áreas de conservação,
da exploração dos bens comuns, sobretudo para a mineração, a pecuária extensiva e a exploração criminosa da
madeira, patrocinando através de discursos e ações a perda de direitos. Agrava-se ainda a liberação desenfre-
c) justificativa com dados; ada de agrotóxicos no país – mais de 290 somente em 2019, até julho – desconsiderando uma série de estudos
d) associação aos ODS sobre os impactos do uso sobre o meio ambiente e a vida das pessoas. Não obstante o fato de que esses produtos
recebem incentivos tributários federais e estaduais para sua comercialização, em detrimento do incentivo à
produção agroecológica e sustentável, contrariando diversas metas (2.3, 2.4, 2.5, 2.a, 3.4, 3.9, 4.7, 6.3, 6.4, 8.2,
13.2 etc.) dos ODS, colocando o país no caminho inverso à Agenda 2030.
Na sequência serão apresentadas tabelas com as matrizes sistematizadas para melhor visualização e consulta.
Em relação aos Direitos Humanos, percebe-se um retrocesso evidente e alarmante na maioria dos ca-
Este Relatório de Meio Período pode ser encontrado na Plataforma RPU Brasil: www.plataformarpu.org.br. sos, que acabam por reduzir o impacto dos poucos avanços institucionais garantidos através de resoluções do
Poder Judiciário, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) tem tido um papel preponderante. Neste relatório do
Coletivo RPU Brasil de meio período do mecanismo da RPU são apresentados dados sobre a situação atual que
comprovam os diversos retrocessos que desafiam e comprometem a ampliação da política de direitos humanos
no país. Recente intervenção no Conselho Nacional de Direitos Humanos, confirmando a posição autoritária
do Governo Federal como prática reincidente.
Outra questão importante é que o governo tem apostado fortemente em um regime despótico de sig-
nificação, explorando uma visão distorcida da moral e dos costumes que aplicam critérios de seletividade aos
direitos humanos – elegendo “humanos de bem” em oposição a “bandidos e quem os defendem”. Por esta via o
governo tem insuflado a intolerância e a violência na sociedade brasileira. Tal discurso tem inclusive se mani-
festado em espaços internacionais, alterando a posição histórica tradicional do Brasil em matéria da garantia e
ampliação dos direitos humanos. A posição brasileira em relação à orientação para o conceito de gênero, como
algo essencialmente biológico, é um exemplo desta mudança que desafia a razoabilidade.
Enquanto assistimos bravatas do Presidente da República contra a convivência pacífica entre os povos
e as diferenças, diversos projetos de lei na Câmara dos Deputados buscam institucionalizar a intolerância,
reduzir direitos, e retirar a responsabilidade do Estado em prover serviços públicos de qualidade, incluindo
projetos do Poder Executivo com amplo viés criminológico, como o “Pacote Anticrime” que amplia a violência A s Recomendações 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 31,
que versam sobre Instituição Nacional de
Direitos Humanos não estão sendo cumpridas.
CNDH não é mais uma Unidade Orçamentária
e foi rebaixado para um Plano Orçamentário.
No que tange à abertura de CNPJ e orde-
institucional do aparato de segurança pública ou o Decreto das Armas. O oximoro das duas medidas mostra
a falta de bom senso do atual governo, colocando em questão sua capacidade de governar sem a destruição da A Lei nº 12.986/2014 nasceu como demanda nação de despesas próprios o Ministério da Mu-
civilidade nacional. Este é o risco que o projeto de um Brasil democrático, desenvolvido e voltado à garantida dos movimentos sociais compromissados com lher, Família e Direitos Humanos não retornou.
dos direitos humanos corre no momento. Mas a sociedade civil organizada segue atenta e perseverante em seu a luta pela cidadania e afirmação dos direitos No dia 27 de agosto de 2019, de forma
objetivo, pois como disse o poeta Mario Quintana, “eles passarão, eu passarinho”. Uma sociedade sustentável humanos, tramitou no Parlamento brasileiro arbitrária e desrespeitando os princípios orien-
se constrói com o trabalho e interesse voltado ao bem comum, como garante a Constituição Cidadã de 1988. durante quase duas décadas e constou como tadores do Conselho Nacional de Direitos Hu-
Resta-nos pô-la em prática. pleito do terceiro Programa Nacional dos Di- manos (CNDH), a Ministra Damares Alves, do
reitos Humanos (PNDH3) - programa constru- Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
ído por um longo processo de diálogo e pelas Humanos, exonerou a Coordenadora-Geral do
resoluções aprovadas na 11ª Conferência Na- conselho que havia sido escolhida pelo órgão
cional dos Direitos Humanos -, instituído pelo colegiado. O ato arbitrário desrespeita a auto-
Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, nomia e independência administrativa do Con-
cuja ação inaugural estabelecia "apoiar, junto selho, estabelecidos nos Princípios Relativos ao
ao Poder Legislativo, a instituição do Conse- Status das Instituições Nacionais de Direitos
lho Nacional dos Direitos Humanos, dotado de Humanos (Princípio de Paris), definidas pelas
recursos humanos, materiais e orçamentários Organizações das Nações Unidas (ONU) em
para o seu pleno funcionamento, e efetuar seu 1992.
credenciamento junto ao Escritório do Alto Co- A Secretária Executiva foi escolhida em
missariado das Nações Unidas para os Direitos dezembro de 2018, através da Resolução n. 15,
Humanos como 'Instituição Nacional Brasilei- após a eleição de seus membros e da mesa di-
ra', como primeiro passo rumo à adoção plena retora para o biênio 2018-2020, procedimento
dos 'Princípios de Paris'". usual e de afirmação de sua autonomia.
Com vistas a avançar com o cumprimento das Importante destacar que a Lei Federal nº
recomendações contidas no terceiro ciclo da 12.986, de 2 junho de 2014, que cria o CNDH,
RPU o CNDH aprovou a Recomendação nº 10, em seu Capítulo IV da estrutura organizacional,
de 11 de julho de 2019, que recomenda a manu- Art. 7º - São órgãos do CNDH: IV - a Secretaria
tenção da Ação Orçamentária 2019, destinada Executiva e a Resolução nº 01, de 09 de junho
ao funcionamento do Conselho Nacional dos de 2015 - Regimento Interno: Da estrutura em
Direitos Humanos no âmbito da Unidade Orça- seu Art. 6º O CNDH tem a seguinte estrutura: V
mentária do Ministério da Mulher, da Família e - Secretaria Executiva. Dessa forma, a Secreta-
dos Direitos Humanos. ria Executiva faz parte da estrutura do CNDH e
Bem como, apresentou o oficio nº sua escolha deve ser realizada pela sua instância
1922/2019/CNDH/SNPG/MMFDH que solicita máxima a Plenária do Conselho.
o pedido de abertura de CNPJ e criação de Uni- Diante desses fatos, todas as Recomendações
dade Orçamentária própria para o CNDH. Em contidas na RPU não foram cumpridas, ao con-
resposta ao oficio nº 1922/2019/CNDH/SNPG/ trário, houve um ataque e uma intervenção no
MMFDH o Ministério da Mulher, Família e Di- CNDH enfraquecendo sua autonomia como
reitos Humanos emitiu a Nota Técnica Conjunta prevê os Princípios de Paris.
nº 11/2019/MDH na qual rebaixou afirma que o
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A s Recomendações 111, 113, 115, 116, 117,
118, 119, 121, 122, que versam sobre o Pro-
grama Nacional de Proteção aos Defensores dos
participação social no PPDDH.
Importante ressaltar que o Programa de
Proteção a Defensores de Direitos Humanos
Direitos Humanos (PPDDH) não estão cumpri- apresenta alguns problemas de ordem legal e
das. O PPDDH está perto de completar 15 anos administrativa. Primeiro porque ele não arti-
e atualmente tem 536 defensores e defensoras de cula órgãos públicos responsáveis pela garan-
direitos humanos (DDH´s) que estão em acom- tia de direitos – como aqueles encarregados da
panhamento em todo Brasil (a chamada “prote- demarcação de terras e dos direitos indígenas,
ção simbólica”), sendo eles 416 incluídos e 120 por exemplo – e não mobiliza políticas públicas
em análise para serem incluídos no programa. que enfrentem as questões estruturais que levam
Mesmo depois desses anos, defensoras/es so- à vulnerabilidade das Defensoras e Defensores
frem com o mesmo descaso e falta de vontade de Direitos Humanos e dos movimentos sociais.
política do Estado brasileiro e dos Estados Fe- Sem contar que participação do sistema de justi-
derados em construir e efetivar uma política pú- ça, responsável por apurações relativas a crimes
blica que possibilite o exercício pleno da cidada- e às ameaças a defensoras e defensores de direi-
nia por parte daquelas e daqueles que lutam por tos humanos segue mais pela via da criminali-
direitos no Brasil. zação de movimentos sociais e DDH que pelo
O governo contratou uma consultoria combate à impunidade.
para a elaboração do Plano Nacional de Proteção Outro grave problema é a ausência de um
aos DDH’s. O processo de elaboração do instru- marco legal para o programa que até hoje não
mento se deu através de oficinas realizadas em foi aprovado, apesar de um Projeto de Lei nº
diversos estados, com entrevistas com integran- 4575/2009 tramitar no Congresso Nacional e ter
tes de movimentos sociais, ONG, acadêmicos e sido aprovado por quatro comissões, a sua apro-
agentes públicos e, apesar de o trabalho ter sido vação no plenário nunca aconteceu. Desta forma
praticamente finalizado, o governo brasileiro o PPDDH não existe formal e legalmente como
não o publicou e não o adotou. Por essa razão, uma política de estado, sustentando-se apenas
no segundo semestre do ano de 2018, o Ministé- pelo decreto presidencial nº 6.044, de 12 de fe-
rio Público Federal do Rio Grande do Sul reali- vereiro de 2007, depois pelo Decreto nº 8724, de
zou uma audiência pública sobre o Programa de 27 de abril de 2016 agora pelo decreto no. 9.937,
proteção a DDH’s e como resultado dela, ajuizou de 24 de julho de 2019, (novo decreto manteve a
uma Ação Civil Pública para firmar um acor- mesma estrutura do programa, sem participação
do com a União para que esta se comprometa a da sociedade civil) que exclui a sociedade civil
elaborar Plano Nacional de Proteção de DDH’s, da coordenação geral e da gestão do programa,
conforme determinação do art. 2º do Decreto acabando assim, com a participação social que
6.044/07. foi sempre um dos pilares dessa política pública.
O CNDH tem contribuído significativa- Não obstante, o PPDDH também enfren-
mente com a sua Comissão de Defensoras/es ta problemas metodológicos em sua implementa-
de Direitos Humanos no monitoramento desta ção:
ação estatal cobrando reiteradamente medidas (a) insere apenas indivíduos, esquecen-
concretas de implantação da política. Contudo, do-se que, de acordo com seu próprio conceito,
esta comissão jamais substituiu a ausência de de que Defensoras e Defensores de Direitos Hu-
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manos são pessoas e grupos, movimentos, orga- proteção. O orçamento desse ano, segundo a co- Humanos fez uma visita no Brasil em 2018 e cha- sões a jornalistas no país em 2018, em grande
nizações da sociedade civil; ordenação do PPDDH, já é menor do que o or- mou a atenção no seu relatório ( 3) para “o clima medida relacionado com o contexto eleitoral. A
(b) ausência procedimentos claros e pa- çamento do ano passado, o que nos indica uma de deslegitimação, ameaça, intimidação, violên- proliferação de estratégias de desinformação e
dronizados que avaliem os riscos que as/os tendência de redução se considerarmos todos os cia e criminalização de defensoras e defensores o discurso público cada vez mais orientado pela
DDHs estão enfrentando para que possa acele- cortes e contingenciamentos que tem sido feito de direitos humanos”. Victoria Tauli Corpuz, Re- crítica à imprensa alavancaram um sentimento
rar o processo de entrada das/dos mesmas/os no pelo atual governo nas políticas públicas de di- latora Especial da ONU sobre os direitos dos povos de desconfiança para com o jornalismo e os jor-
programa. Os processos de análises demoram reitos humanos. indígenas relatou “a impunidade generalizada nalistas. Uma desconfiança que frequentemente
muito e em muitos casos as/os DDHs não po- No tocante à participação da sociedade em relação aos assaltos, assassinatos e intimi- se materializou em discurso de ódio, campanhas
dem esperar o estado incluí-las/los e tem que, civil, o Decreto nº 8724, de 27 de abril de 2016 dação de povos indígenas, particularmente no de difamação, linchamentos virtuais e processos
por conta própria e/ou com ajuda de fundos excluiu a sociedade civil da coordenação geral contexto das ações dos povos indígenas para fa- judiciais abusivos. De forma sistemática, repre-
emergenciais da sociedade civil, buscar formas e da gestão do programa, acabando assim, com zer valer seus direitos sobre suas terras, e anda sentantes do poder público, incluindo dos mais al-
de se proteger das ameaças. a participação social que foi sempre um dos pi- juntamente com a criminalização dos líderes tos escalões do governo, são protagonistas desses
(c) a capacitação da equipe técnica e lares dessa política pública. No ano de 2018 o indígenas.” Ela chegou ao ponto de considerar episódios, incitando de forma direta ou indireta a
aperfeiçoamento das estratégias do PPDDH. No governo editou uma portaria regulamentando o o Brasil como "de longe, o país mais perigoso do violência contra comunicadores.
processo de construção do PL nº 4575/2009, a programa e adicionando a ele duas categorias, mundo para defensores dos direitos humanos de O Estado brasileiro tem feito pouco para
sociedade civil considerou relevante manter na que apesar de serem incluídos como defensores grupos indígenas." responder suas obrigações no que refere à pro-
redação conceitos e diretrizes capazes de dar no programa, não eram expressamente nome- Em relação à Recomendação 57, sobre a teção dos jornalistas. A ampliação do Programa
efetividade à política, tanto em relação aos ele- adas, tornando-se o Programa de Proteção aos alteração da lei antiterrorista, não há cumpri- de Proteção a Defensores de Direitos Humanos,
mentos teóricos e políticos da temática quanto Defensores de Direitos Humanos, Comunicado- mento do recomendado, pois há atualmente no Comunicadores Sociais e Ambientalistas (PPD-
nas questões relacionadas à competência, res- res sociais e ambientalistas. Mais recentemente Congresso Nacional 20 projetos de lei que visam DH) para tratar dos casos de jornalistas amea-
ponsabilidade, forma de gestão, estrutura e or- no dia 24 de julho, o atual governo editou ou alterar referida lei com forte prejuízo às/aos De- çados, em setembro de 2018, é uma das poucas
çamento condizentes com a realidade. Apesar Decreto 9937 regulamentando a portaria do ano fensoras/es de direitos humanos e movimentos medidas concretas que vão nesse sentido. No
disso, falta um marco metodológico ao progra- de 2018 e abrindo a possibilidade de para a cria- sociais. Os projetos versam sobre os seguintes entanto, a inclusão formal ainda não significa
ma, para além de tais diretrizes. ção de grupos de trabalho com participação da temas: a) revogação da salvaguarda que pre- uma inclusão real, já que não foram desenvolvi-
(d) a falta de estratégias de proteção volta- sociedade civil. Ainda assim, esse decreto, man- vê a não aplicação da lei a movimentos sociais dos metodologias e protocolos de atendimento
das para grupos específicos, no sentido de levar teve a sociedade civil de fora do conselho deli- ou a flexibilização da mencionada salvaguarda, específico para receber comunicadores e a pró-
em conta suas especificidades. Não existem me- berativo, apesar de todas as articulações e apelos visando a aplicação da lei antiterrorismo para pria divulgação dessa inclusão foi limitada e de-
didas voltadas para mulheres, público LGBTT, feitos pelas mesmas. casos de “abuso de articulações de movimen- ficitária. Vale destacar também o papel do Con-
quilombolas ou indígenas e povos e comunida- Considerando que toda discussão sobre a tos sociais” (por exemplo: PL 9858/2018 e PL selho Nacional de Direitos Humanos (CNDH),
des tradicionais, por exemplo. De maneira geral, implementação da política de proteção no Bra- 9604); b) inclusão da motivação político-ideo- que tem atuado de forma mais sistemática nesse
as medidas adotadas priorizam ações individu- sil foi elaborada, ao longo dos últimos quatorze lógica ao crime de terrorismo, extensão da fina- tema, como por exemplo a publicação da Reco-
ais, o que em alguns casos além de não ser sufi- anos, com intensa participação da sociedade ci- lidade e condutas (por exemplo: PL 272/2016, mendação n°7 de junho de 2019 que aponta di-
ciente – pois se trata de comunidades ou grupos vil, consideramos que para avançar na constru- 5065/2016); e d) estabelecer a licitude de prova retrizes específicas destinadas a agentes públi-
inteiros ameaçados – também negligencia um ção desta política é fundamental garantir espa- obtida por infiltração policial sem autorização cos para que adotem um discurso que contribua
olhar politizado para os contextos locais. Nes- ços para efetiva participação da sociedade civil judicial (PL 2307). Dessa forma, conclui-se que para prevenir a violência contra comunicadores.
te sentido, é fundamental também que haja um de forma paritária em relação a participação do não foi cumprida referida recomendação ao Es-
tratamento específico para as mulheres defen- Estado. tado brasileiro.
soras de direitos humanos, bem como que haja Não muito diferente, a Recomendação Já as Recomendações 114 e 120, que pre-
uma extensão da proteção às mulheres que são 121, que menciona de forma específica, defenso- veem a adoção de medidas necessárias para a
familiares da liderança ameaçada. ras/es que trabalham com a causa indígena, tam- proteção de jornalistas e Defensoras/es de Direitos
Importante ressaltar que mesmo o gover- bém não está cumprida. Em diferentes ocasiões, Humanos, não estão cumpridas, pois, conside-
no brasileiro tendo, no ano de 2018, aumentado Bolsonaro afirmou que as ONG indigenistas são rando os últimos dez anos, o Brasil é o segundo
significativamente o orçamento do programa, um obstáculo para o plano do governo de in- país das Américas com o maior número de jor-
não vimos um aumento significativo dos pro- tegrar estes povos à sociedade brasileira, e que nalistas assassinados, atrás apenas do México.
gramas sendo executados em novos estados, manipulam os índios para que reivindicarem O Ministério Público informou que em 56% dos
mesmo tendo sido firmados convênios com os terras ( 1). Bolsonaro também declarou que seu casos houve devida apuração e os responsáveis
estados do Rio de Janeiro e Ceará e estarem sen- governo acabaria com toda forma de ativismo pelos crimes foram denunciados à justiça - ain-
do implementados nos estados do Amazonas, no Brasil ( 2). Reiterou por várias vezes que não da que isso não se reflita sempre em condena-
Distrito Federal e Pará, ainda temos mais da me- fará nenhuma demarcação de terras indígenas. ções.
tade dos estados brasileiros sem o programa de A Comissão Interamericana de Direitos As diversas organizações da sociedade
civil que monitoram casos de violência contra
a imprensa registraram um aumento de agres-
1 Folha de São Paulo. Via medida provisória, Bolsonaro cria monitoramento de ONGs e organizações internacionais. 
2 Valor Econômico. Organizações repudiam fala de Bolsonaro contra ativismos. 3 CIDH. Observações preliminares da visita in loco da CIDH ao Brasil.  
12 13
A s recomendações 244 e 245 versam sobre
a implementação da Lei de Migração (Lei
13.445/2017), reconhecendo sua perspectiva de
triação e mesmo a deportação sumária com base
em mera suspeita de envolvimento em crimes,
pautando-se em informações ainda não compro-
direitos humanos, estão parcialmente cumpri- vadas. Vale-se, ainda, de termo vago e inexistente
das. Lamentavelmente, a Lei de Migração vem no ordenamento jurídico interno de “pessoa peri-
sofrendo ataques frontais por parte do Gover- gosa” para implementar tais medidas e coloca sob
no Federal. A versão preliminar do relatório o manto do sigilo os processos nesse contexto, in-
em questão lista uma série de portarias que, se- viabilizando o controle social”.
gundo o governo, disciplinam a maior parte dos O relatório preliminar também omite a
dispositivos da Lei, embora o próprio relatório atuação do Ministério da Justiça e Segurança
preliminar afirme em seu parágrafo 7 que ele se Pública para alterar a Lei 13.445/2017 por meio
refere ao período de setembro de 2017 até agos- de uma emenda ao PL 1928/2019 que tramita
to de 2019, o texto se omite de forma afronto- atualmente no Senado Federal. O PL original vi-
sa de listar a Portaria Nº 666 publicada no dia sava a ampliar a concessão de visto temporário
25 de julho de 2019 no Diário Oficial da União para jovens migrantes que queiram trabalhar no
pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. país, mas a emenda apresentada pelo líder do
De acordo com o artigo 1º da Portaria 666, seu governo no Senado, Senador Fernando Bezerra,
objetivo é regular “o impedimento de ingresso, inclui no texto elementos similares ao da Porta-
a repatriação, a deportação sumária, a redução ria Nº 666. Ao apresentar a emenda, o Senador
ou cancelamento do prazo de estada de pessoa Bezerra afirma que o fez a pedido do Ministério
perigosa para a segurança do Brasil ou de pessoa da Justiça. O relatório preliminar tampouco in-
que tenha praticado ato contrário aos princípios dica a tentativa do Governo Federal de, em con-
e objetivos dispostos na Constituição Federal, fronto direto com a Lei de Migração, deportar
para aplicação do (...) § 6º do art. 50 da Lei nº um cidadão turco naturalizado brasileiro. Por
13.445, de 24 de maio de 2017”. Ou seja, ao listar unanimidade, a Segunda Turma do Supremo
as 12 portarias, o governo omite a de número Tribunal Federal vetou no dia 6 de agosto de
666 embora ela também tenha, segundo o pró- 2019 o pedido de extradição de Ali Sipahi. Em
prio Executivo, objetivo de disciplinar dispositi- seu voto, o relator do processo, ministro Edson
vos da Lei de Migração. Mais de 60 entidades da Fachin, justificou que a Lei de Migração, em seu
sociedade civil que atuam pelos direitos huma- artigo 82, veta a extradição quando “o extradi-
nos e direitos dos migrantes e refugiados emiti- tando tiver de responder, no Estado requerente,
ram nota conjunta de repúdio afirmando que “a perante tribunal ou juízo de exceção” e destacou
referida Portaria ignora a presunção de inocência a falta de garantia de um julgamento imparcial
ao impedir o ingresso no país – inclusive para fins na Turquia.
de solicitação de refúgio- e ao determinar a repa-

14 15
a incapacidade da justiça brasileira em punir os – sexuais e de gênero.
responsáveis pelos crimes. Com relação às ações Em relação ao feminicídio, crime que
da segurança pública, em 2018 foram abertos sensibilizou o Brasil depois da morte da advo-
367 mil novos inquéritos de violência contra gada Tatiane Spitzner em julho de 2018, com a
as mulheres, sendo que no final do ano ainda veiculação pelas mídias das cenas de violência
restavam 359 mil inquéritos pendentes, número que antecederam sua morte, houve a priorização
que em 2016 foi de 412 mil. e endurecimento nos julgamentos. O CNJ apon-
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ta no Diagnóstico das Ações Penais de Compe-
visando o aperfeiçoamento da prestação juris- tência do Tribunal do Júri que, desconsiderando
dicional, tem estabelecido anualmente as Metas as extinções da punibilidade, durante o Mês Na-
Nacionais do Poder Judiciário. Tais metas têm cional do Júri realizado em novembro de 2018,
como foco produtividade, celeridade, conci- as condenações por feminicídio representaram
liação, crimes contra a administração pública, 87%, enquanto a média de condenação de outros

A s recomendações 176 e 182, que dizem res-


peito à igualdade de gênero, não foram
cumpridas, na medida em que houve retrocesso
realizado com interesses eleitorais do antigo go-
verno ( 5).
A recomendação 189, sobre o fortaleci-
improbidade administrativa e ilícitos eleitorais,
processos de execução, priorização das ações
coletivas e maiores litigantes e recursos repeti-
crimes em geral representaram 67,4% dos julga-
mentos.
No Legislativo Federal, duas leis foram
nas políticas para igualdade de gênero. De 2014 a mento de programas de capacitação para profis- tivos, e, em 2019, estabeleceu-se a META 8 que aprovadas em 2019: (1) a Lei nº 13.836, de 4 de
2016, o orçamento para a Política para as Mulhe- sionais da área jurídica, não foi cumprida. Ainda consiste em priorizar o julgamento dos proces- junho de 2019, que acrescenta dispositivo ao
res foi reduzido em 40%, e de 2016 para 2017 em estão em práticas concepções por parte de juízes sos relacionados ao feminicídio e à violência art. 12 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006,
52% (INESC p.22). A EC 95/2016, que estipulou que culpabilizam as mulheres pelas violências doméstica e familiar contra as mulheres. Deste para tornar obrigatória a informação sobre a
um teto para as despesas primárias, resultou na sofridas. Há falta de sensibilidade por parte de modo, estabeleceu-se como meta à Justiça Esta- condição de pessoa com deficiência da mulher
diminuição de recursos para as áreas da saúde, agentes da segurança pública que atendem as dual: “identificar e julgar, até 31/12/2019, 50% vítima de agressão doméstica ou familiar; e (2)
educação, moradia, ou seja, retrocessos nos di- ocorrências, além de acusações de cunho moral dos casos pendentes de julgamento relaciona- a Lei nº 13.827 de 13 de maio de 2019, altera a
reitos humanos, principalmente das mulheres, por parte de advogados e juízes ( 6). dos ao feminicídio distribuídos até 31/12/2018 Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Ma-
afetando prioritariamente as mulheres negras A recomendação 194, sobre a implemen- e 50% dos casos pendentes de julgamento rela- ria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que
e as mais pobres, que são maioria em situação tação de políticas de combate à violência contra cionados à violência doméstica e familiar contra especifica, a aplicação de medida protetiva de
de vulnerabilidade social. Os cortes ameaçam meninas e mulheres, não foi cumprida. Com a a mulher distribuídos até 31/12/2018”. Os dados urgência, pela autoridade judicial ou policial, à
também as políticas de enfrentamento à violên- mudança na administração pública federal após apresentados pelo próprio CNJ apontam que os mulher em situação de violência doméstica e fa-
cia contra a mulher, sendo que o Ministério da a eleição do presidente Jair Bolsonaro, a Campa- tribunais estaduais cumpriram 37,47% da meta miliar, ou a seus dependentes, e para determinar
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não nha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da 8 em relação aos feminicídios e 43,59% em rela- o registro da medida protetiva de urgência em
tem realizado investimentos neste sentido. Além Penha – A lei é mais forte”, cujo objetivo é ga- ção aos casos de violência doméstica e familiar. banco de dados mantido pelo Conselho Nacio-
disso, o mercado de trabalho continua pratican- rantir a correta aplicação da Lei Maria da Penha, Esses percentuais estão aquém daqueles apre- nal de Justiça.
do diferenças salariais: homens têm rendimen- perdeu força e visibilidade, apesar da continui- sentados pelos tribunais estaduais no cumpri- Entretanto, tramitam no Congresso Na-
tos de R$ 3,2 mil por mês, enquanto as mulheres dade das ações do Fórum Nacional de Juízes de mento das demais metas (mesmo se considerado cional diversas proposições que atentam contra
ganham R$ 2,7 mil e as mulheres negras ganham Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher o baixo desempenho - 57,83% - no cumprimen- os direitos das mulheres, como o PL 3369/2019,
cerca de metade do rendimento dos homens (Fonavid), da Comissão Permanente de Com- to da meta 3 – estimular a conciliação). de autoria do Deputado Federal Carlos Jordy
brancos ( 4). bate à Violência Doméstica e Familiar contra a Esses dados demonstram que os tribunais - PSL/RJ, que agrava a pena do crime de de-
A recomendação 177, que trata da ado- Mulher (Copevid), e do Conselho Nacional de estaduais não têm proporcionado serviço célere, nunciação caluniosa quando a falsa imputação
ção de lei que proteja mulheres vulneráveis, em Procuradores Gerais (CNPG), que se constituem eficiente e de qualidade. Já em 2017, menos da se tratar de crimes contra a dignidade sexual,
especial donas de casa e de baixa renda, não foi em importantes espaços de discussão, interação, metade dos tribunais estaduais (48,15%) cum- tendo justificativa não permitir que “mulheres
cumprida. O que já existe é o Programa Bolsa articulação e aprimoramento de ações para ga- priram a meta 8, que consistia em “fortalecer esculpidas de má fé, imputem a prática de fal-
Família, instituído em 2003 e voltado para famí- rantia dos direitos das mulheres em situação de a rede de enfrentamento à violência doméstica sas condutas criminosas a outrem”[1]. Referida
lias em situação de pobreza e extrema pobreza, e violência doméstica e familiar. e familiar contra as mulheres, até 31/12/2018”. proposição foi motivada pela repercussão midi-
que tem nas mulheres a prioridade na concessão A recomendação 191, sobre o julgamento Tais informações se referem apenas à violência ática de uma denúncia de violência sexual en-
do benefício. Entretanto, o Programa está sendo de crimes sexuais e baseados em gênero, não foi de gênero doméstica e familiar contra a mulher volvendo o caso do famoso jogador de futebol
desvalorizado pela atual gestão e acusado de ser cumprida. Dados indicam que, no ano de 2017, (Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006 - Lei Ma- Neymar. O PL, portanto, vai na contramão da
uma forma de manter pessoas dependentes de os tribunais estaduais tinham 10.786 processos ria da Penha) e aos feminicídios (Lei n. 13.104, promoção do julgamento de crimes sexuais e/ou
programas assistenciais do governo e de ter sido de feminicídio pendentes. Esses dados revelam de 09 de março de 2015, que deu nova redação baseados no gênero, na medida em que desenco-
ao artigo 121 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de raja as mulheres a denunciarem os perpetrado-
4 OXFAM Brasil. Monitoramento dos Direitos Humanos em Tempos de Austeridade no Brasil; El País. Após sete meses, Damares não gastou um cen- dezembro de 1940 - Código Penal), não sendo res, dada inclusive a fragilidade de constituição
tavo com a Casa da Mulher Brasileira; Agência Brasil. MPT lança Observatório da Diversidade e da Igualdade de Oportunidade; SmartLab. Observató- possível avaliar o julgamento dos demais crimes de provas ( 7).
rio da Diversidade e da Igualdade de Oportunidades no Trabalho.
5 UOL. Bolsonaro compara Bolsa Família a “tipo de condução coercitiva” do PT.   7 CNJ. O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha; Geledés. Brasil deixou impunes autores de 10.786 casos de assassinato de mulheres em
6 Folha de S. Paulo. Lei Maria da Penha deu frutos, mas falta sensibilizar juízes, mostra estudo do CNJ   2017; Universa. A cada 2 min, uma mulher recebe proteção contra violência doméstica no país.
16 17
As recomendações 109, 178, 179, 180, 183, 184, e monitoramento. Contudo, a falta de ações evi- violência ( 8).
186, 187 e 188, que tratam do combate à violência dencia a descontinuidade do Programa Mulher
contra mulheres e meninas e o programa “Mulher, Viver sem Violência, sob a alegação de que o 8 Plan International. Tirando o véu: estudo sobre casamento infantil no Brasil; IPEA. Atlas da violência 2019  
Viver sem Violência”, não foram cumpridas. No projeto foi reformulado. Houve, na realidade,
último período, o Brasil não só não aumentou drástica redução do investimento a pretexto de
esforços, como descontinuou uma séria de ini- desburocratizar e otimizar os recursos. Dentre
ciativas e políticas na área da prevenção à vio- as ações do Programa, está a implementação da
lência contra as mulheres. Casa da Mulher Brasileira. Embora destinados
O assassinato de mulheres por razão de no orçamento de 2019 o montante de 13,6 mi-
gênero é um crime evitável e os dados demons- lhões de reais para manutenção das Casas da
tram um aumento das estatísticas. O estudo re- Mulher Brasileira, o Portal da Transparência da
alizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Controladoria-Geral da União informa que em
e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de 2019 as despesas executadas no programa foram
Segurança Pública (FBSP) publicado na edição de “R$ 0”, sendo que “este valor equivale a 0,00%
do Atlas da Violência 2019, revela que a taxa de dos gastos públicos”.
homicídio de mulheres (5,4%) cresceu acima da A ausência do repasse dos recursos, além
média nacional em 2017 (4,2%), com 4,7 casos de descumprir os convênios firmados pela União
de mortes de mulheres para cada grupo de 100 com Estados e Municípios, violam princípios
mil habitantes. Essa é a maior taxa desde 2007. A como o da função social do contrato adminis-
taxa de homicídios de mulheres negras cresceu trativo, da indisponibilidade dos bens e serviços
ainda mais. A taxa de homicídios de mulheres públicos, da moralidade administrativa, da con-
não negras teve crescimento de 4,5% entre 2007 tinuidade do serviço público, da razoabilidade
e 2017, enquanto a taxa de homicídios de mulhe- e da eficiência do serviço público. Portanto,
res negras cresceu 29,9%. Outro dado revelado implicam no abandono de uma política pública
pela pesquisa relaciona os casos de feminicídio reconhecida pela sua adequação e eficiência no
e violência doméstica, pois em 28,5% dos homi- enfrentamento à violência contra a mulher.
cídios de mulheres, as mortes ocorreram dentro Apesar de as Casas da Mulher Brasileira terem
de casa (aumentou 17,1% entre 2012 e 2017, en- sido previstas como políticas públicas prioritá-
quanto a taxa de homicídios de mulheres fora da rias, das 25 unidades que deveriam ser entregues
residência caiu 3,3%). Outro destaque feito pela até o final de 2019, apenas 5 estão em funcio-
pesquisa do Ipea se refere ao aumento (29,8%) namento (Campo Grande, São Luís, Fortaleza,
da taxa de homicídios de mulheres por arma de Curitiba e Boa Vista).
fogo dentro das residências. O relatório do Ipea Os novos projetos e campanhas imple-
aponta para a desigualdade racial na medida em mentados pelo governo federal denotam um
que 66% de todas as mulheres assassinadas no viés conservador e desarticulado das políticas
país em 2017 são mulheres negras. que orientavam o programa “Mulher, Viver sem
A violência contra as meninas brasileiras Violência”, tal qual o projeto “Abrace o Marajó”,
se expressa nos dados de casamento infantil no a campanha “Eu Respeito as Muié”, o programa
Brasil. No ano de 2016 foram realizados 137.973 “Salve Uma Mulher” e o projeto “Mulheres Es-
casamentos/uniões de meninas e meninos com calpeladas”. Nesse sentido, o MESECVI - Co-
até 19 anos, sendo 28.379 uniões de meninos e mitê de Expertas do Mecanismo de Seguimen-
109.594 uniões de meninas. As meninas tam- to da Convenção Interamericana para Prevenir,
bém são maioria no trabalho doméstico infantil, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mu-
e em 2015 representavam 94,1% da mão de obra lher (Convenção de Belém do Pará) manifestou
do setor. São dados que ampliam as violências a sua preocupação sobre a exploração sexual de
que as meninas ainda estão expostas no Brasil. meninas, adolescentes e mulheres no Marajó e
Em 2019, foi criado o Ministério da Mu- considerou que a justificativa da Ministra Da-
lher, da Família e dos Direitos Humanos (MM- mares Alves para a violência que elas sofrem é
FDH), em cuja estrutura organizacional está a uma forma adicional de violência contra elas.
Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres Devido a essa justificativa (de que a violência
(SNPM). Na página oficial da SNPM na internet, decorre do fato de elas não usarem calcinhas), a
a informação à população não é clara e acessível, ministra propôs, além de doações, a criação de
inviabilizando o acesso à informação, avaliação fábricas de calcinhas no Marajó para combater a

18 19
como rádio e televisão com programação de ver pessoas que nasceram com sistema reprodu-
cunho religioso. tor, anatomia sexual, gônadas, cromossomos ou
Ademais, de acordo com o Portal da hormônios sexuais que não se encaixam na defi-
Transparência e Siga Brasil, os investimentos nição típica binária de masculino ou feminino”.
federais para ações específicas de combate à ho- A situação atual é de ausência de legisla-
mofobia saíram de pouco mais de R$ 3 milhões ção que proíba a mutilação de bebês e pessoas
em 2008 para R$ 519 mil em 2016. A partir de intersexo com a realização de cirurgia de ade-
2017 o repasse foi zero (0). E para 2019 nem se- quação sexual que ocorrem sem o consentimen-
quer há qualquer rubrica que beneficie a popu- to do indivíduo. Tampouco há legislação que
lação LGBTI diretamente. observe a identidade de gênero da pessoa inter-
Como apontado acima, o governo brasi- sexo, sendo necessário mudar a Lei 6015/1973,
leiro não apresenta respostas quanto a questão contemplando o registro do indivíduo intersexo
intersexo. Dada a invisibilidade e a extrema ne- no sexo diverso e garantindo a futura alteração

H á um conflito e uma contradição entre o


conjunto de intenções de programas e po-
líticas públicas em andamento, e o resultado de
perpetrada contra a população LGBTI. Desta ma-
neira, outro progresso que move na direção de
todas as recomendações feitas nesta área no ter-
cessidade de reconhecimento e políticas públi-
cas específicas para a nossa população. De acor-
do com a definição da Organização Mundial da
de nome e gênero no assentamento de nascimen-
to a partir dos 12 anos de idade. Também urge a
aprovação de legislação que cuide da intersexo-
sua implementação na atual conjuntura política ceiro ciclo da RPU (recomendações 39, 40, 41, Saúde, “Intersexo é o termo usado para descre- fobia nas instituições médicas e de ensino.
do país. Enquanto os provimentos legais conti- 43, 44, 45 e 67), ocorreu em 13 de junho de 2019,
nuam seu caminho de liberalização inaugurado quando o Supremo Tribunal Federal julgou que
pela legalização da união homoafetiva desde o crime de homofobia e transfobia são crimes
2011 (STF ADI 4277/2011), que designa ques- de discriminação equivalente ao racismo (Lei
tões de Direitos Civis e da Família, incluindo 7.716/1989). O Plenário do STF entendeu que
herança; discurso e as ações do atual governo houve omissão inconstitucional do Congresso
condenam abertamente esses avanços que mu- Nacional por não editar lei que criminalize atos
dam o reconhecimento dos direitos da popu- de homofobia e de transfobia. Segundo o texto
lação LGBTI. Declarações inflamatórias de au- do próprio STF, “[o] julgamento da Ação Direta
toridades aumentam a vulnerabilidade dessas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)
populações a diversos tipos de violência, abrup- 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do
ta e institucional. De acordo com o Relatório Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo
Luz do GT Agenda 2030, “pelo menos 420 lés- ministro Edson Fachin, foi concluído na tarde
bicas, gays, bissexuais e transexuais foram as- desta quinta-feira. Por maioria, a Corte reco-
sassinados(as) no Brasil em 2018, país onde a nheceu a mora do Congresso Nacional para in-
expectativa de vida de pessoas trans é de apenas criminar atos atentatórios a direitos fundamen-
35 anos. A UNAIDS confirma que o estigma e a tais dos integrantes da comunidade LGBT.”
discriminação estão entre as principais barrei- As Portarias de Consolidação (GM/MS no 02, de
ras da população LGBT+I no acesso à saúde”. O 28 de setembro de 2017 - Anexo XXI, Capítulo I)
discurso de exclusão à população LGBT, como e Portaria GM/MS no 2.836 de 1o de dezembro
afirmação pública de que “casamento é apenas de 2011, versam sobre a Política Nacional para
entre homem e mulher”, tem mantido o país em populações lésbicas, gays, bissexuais, travestis
primeiro lugar em casos de violência contra essa e transexuais. Ainda não incluíram a popula-
população. ção intersexo. A política se refere à inclusão no
Entretanto, no campo da diversidade se- cartão de saúde as categorias: Orientação Sexual
xual e identidade de gênero o Brasil progrediu, (hetero, homo, bi) e Identidade de Gênero (tra-
o Conselho Nacional de Justiça publicou regras vesti, mulher transexual, homem trans). Tam-
para as pessoas trans mudarem nome e gênero bém fundamentam a força-de-lei para a sobe-
em suas certidões de nascimento ou casamen- rania do nome e da identidade, um instrumento
to diretamente nos cartórios. “O Provimento de afirmação e autoestima importante.
73/2018 afirma que maiores de 18 anos podem Mas, como anunciamos no início, estes
requerer a alteração desses dados “a fim de ade- avanços têm sido contraditos com redução de
quá-los à identidade auto percebida”. Este é um políticas voltadas às populações LGBT, princi-
avanço na recomendação 45, pois influencia a palmente ao que se refere à prevenção ao HIV e
percepção do sujeito no espaço local. AIDS. Materiais de informação tem sido censu-
Todas as recomendações neste capítulo se rados, e o assunto tem se transformado em tabu
alinham com a questão do crime e da violência em diversos meios de comunicação eletrônicos,
20 21
Diante do ocorrido, a Coordenação Na- sos neopentecostais, cristãos e narcotraficantes
cional de Articulação das Comunidades Negras contra pessoas e terreiros de religiões de matriz
Rurais Quilombolas (CONAQ) ( 13) requereu ao africana demonstram que não há compromisso
Ministério Público Federal que promovesse a do Estado brasileiro em proteger o patrimônio
apuração dos fatos. O caso foi levado à Suprema cultural de afrodescendentes.
Corte mediante denúncia da Ministério Público Em razão da expansão do fundamentalis-
pelo crime de racismo, tipificado no art. 20, ca- mo religioso no Brasil nos últimos anos os ca-
beça, da Lei nº 7.716/1989: “praticar, induzir ou sos de racismo religioso, ataques e destruição
incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, de locais de culto, ameaça e até assassinato de
etnia, religião ou procedência nacional”. dirigentes das religiões de matriz africana se in-
No entanto, o STF arquivou o caso me- tensificaram.
diante decisão publicada em agosto de 2019 ( 14),
entendendo que a fala não configuraria conteú- “País registra cada vez mais agressões

A Recomendação 46 indica a necessidade de


reforçar medidas de prevenção e punição do
racismo, também da discriminação, da violência
cresceu 29,9%. Em números absolutos a diferen-
ça é ainda mais brutal, já que entre não negras o
crescimento é de 1,7% e entre mulheres negras
do discriminatório e as manifestações estariam
inseridas na liberdade de expressão e protegidas
pela imunidade parlamentar. Ao considerar líci-
e quebras de terreiros” - A cada 15 horas, uma
queixa de discriminação por motivo religioso
é registrada no Brasil, a maioria contra credos
contra os povos indígenas e pessoas de ascendên- de 60,5%. Considerando apenas o último ano tas as falas que comparam negros e negras qui- afro-brasileiros” ( 16)
cia africana, e da violência contra mulheres e me- disponível, a taxa de homicídios de mulheres lombolas a animais e ao decidir que tal conduta
ninas, não está sendo cumprida. No primeiro não negras foi de 3,2 a cada 100 mil mulheres não merece sequer ser investigada, a decisão do “Traficantes evangélicos causam terror a
caso, há impunidade do Judiciário em relação não negras, ao passo que entre as mulheres ne- Supremo Tribunal no Inquérito 4.694-DF con- religiões africanas - Conversão de cúpula de fac-
aos casos de racismo, que são tipificados como gras a taxa foi de 5,6 para cada 100 mil mulheres tribui para a naturalização da violência contra ção criminosa à religião evangélica cria vertente
injúria racial e na sua maioria são arquivados, neste grupo.” ( 11) as comunidades quilombolas no Brasil e aumen- inédita e aumenta ataques contra religiões de ma-
o que resulta em descrença da população negra Atualmente, o chefe do Poder Executi- ta a vulnerabilidade de uma população histo- trizes africanas” ( 17)
em realizar denúncias. vo, Jair Messias Bolsonaro, corrobora, com suas ricamente atingida pelo racismo estrutural e a
O lançamento em novembro de 2015, do atitudes e manifestações públicas, o racismo falta de direitos básicos ( 15). “Violência em nome de Deus - Ataques
Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres no contra as comunidades quilombolas no Brasil. É sabido que o combate ao racismo pres- contra religiosos crescem em proporção jamais
Brasil, produzido pela Flacso (Faculdade Latino- Condutas racistas de altas autoridades públicas supõe medidas muito além da responsabilização vista no Brasil. Praticantes de cultos afro são os
-Americana de Ciências Sociais), trabalho coor- e a tolerância do sistema de justiça em relação a criminal, mas a tolerância do sistema de justi- maiores alvos de evangélicos...” ( 18)
denado pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz ( 9) elas têm um forte impacto na naturalização do ça com esse tipo de conduta demonstra, de um
visibilizou o alarmante número de homicídio ( 10) racismo no seio da sociedade e das instituições lado, o alto grau de naturalização do racismo no Da perspectiva das comunidades quilom-
de mulheres negras em razão da violência de gê- públicas. Um episódio ocorrido em 2017, com Brasil e, de outro, revela a incapacidade do sis- bolas, pode-se afirmar que nenhuma das duas
nero e raça. A taxa de homicídios de mulheres decisão judicial proferida em 2019, envolven- tema de justiça brasileiro em promover a efetiva recomendações foi cumprida pelo Estado brasi-
negras no Brasil era de 4,5 para cada 100 mil ha- do essa alta autoridade pública merece registro responsabilização desse tipo de crime. O Poder leiro, vez que as comunidades estão submetidas
bitantes. Onze anos depois, em 2013, a taxa su- neste relatório. Judiciário no Brasil é integrado, majoritaria- a um cenário de aumento da violência, milita-
biu para 5,4/100 mil habitantes. Em contraparti- Em evento realizado no Clube Hebraico mente, por homens brancos, uma composição rização, retirada de direitos e de diminuição de
da, as taxas de homicídios de mulheres brancas do Rio de Janeiro em 3 de abril de 2017, o en- sem qualquer correspondência com a diversida- recursos públicos e, ainda maior, lentidão na ti-
caíram de 3,6/100 mil habitantes em 2003 para tão deputado federal Jair Messias Bolsonaro se de étnico racial da sociedade brasileira e que di- tulação dos territórios.
3,2/100 mil habitantes. Sintetizando, um au- referiu de modo discriminatório a quilombo- ficulta muito a aplicação de penalidades raciais. As comunidades quilombolas estão imer-
mento de 54% na morte de mulheres negras em las, indígenas, mulheres, LGBTIs e refugiados, Também não há cumprimento da reco- sas em um contexto de pressão racial secular. O
10 anos e diminuição de 9,7% para as mulheres utilizando termos como “arrobas” e “procriar”, mendação 60, que determina a implementação Brasil foi o último das Américas a abolir juri-
brancas no mesmo período. Mais recentemente igualando-os a bichos. Disse na ocasião, dentre de medidas destinadas a prevenir a violência e a dicamente a escravidão, em 1888, e um dos úl-
o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e IPEA outras ofensas que: “isso aqui é só reserva indíge- discriminação racial contra os afro-brasileiros e timos a garantir em lei o direito quilombola ao
divulgaram os dados da violência desagregado na, está faltando quilombolas, que é outra brin- a proteger seu patrimônio cultural e locais de cul- território, o que só aconteceu com a Constitui-
por genero e raça, nos seguintes termos: “En- cadeira. Eu fui em um quilombola, em Eldorado to, uma vez que ataques sistemáticos de religio- ção Federal de 1988. No entanto, quilombolas
quanto a taxa de homicídios de mulheres não Paulista: olha, o afrodescendente mais leve lá pe-
negras teve crescimento de 1,6% entre 2007 e sava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que  
2017, a taxa de homicídios de mulheres negras nem para procriador eles servem mais” ( 12). 13 A CONAQ, fundada em 1995, englobando 25 estados, é movimento social de abrangência nacional que tem por objetivo atuar em defesa dos direi-
tos fundamentais da população negra quilombola. Uma das principais razões de ser da CONAQ é o combate ao racismo secularmente incrustrado na
sociedade e nas instituições brasileira.  
9 Mapa da Violência de 2015  
14 STF. Inquérito 4.694- DF  
10 Neste relatório o termo utilizado é “homicídio”, pois a lei de feminicídio só foi sancionada em 09 de março de 2015 - Alterando o art. 121 do Decre-
to-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 15 CONAQ. Nota de repúdio da CONAQ sobre o arquivamento pelo STF de inquérito contra Bolsonaro por crime de racismo  
1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.   16 Super Interessante. País registra cada vez mais agressões e quebras de terreiros  
11 IPEA. Atlas da violência 2019   17 Terra. Traficantes evangélicos causam terror a religiões africanas  
12 Degravação da fala do denunciado constante no acórdão proferido nos autos do Inquérito nº 4694/DF que tramitou no Supremo Tribunal Federal. 18 Istoé. Violência em nome de Deus.  
22 23
ainda lutam pelo reconhecimento e efetivação posições políticas de comando do governo civil, gularização fundiária, em seu primeiro dia de OIT.
de direitos básicos, como acesso à saúde, educa- apontam para o incremento da violação de direi- mandato, através da Medida Provisória n° 870, o Frise-se que a postura do Estado brasi-
ção, moradia e terra, entre outros. tos humanos em comunidades que apresentam atual Presidente da República realocou, no orga- leiro contraria posição expressa da Comissão
O Brasil vive hoje um quadro geral de situações de vulnerabilidade, como o Quilombo nograma institucional, o INCRA da Casa Civil Interamericana de Direitos Humanos que, em
retrocessos nas políticas de direitos humanos, Rio dos Macacos (Bahia), Quilombo de Alcânta- da Presidência da República para o Ministério observações preliminares à vista oficial ao esta-
sendo emblemática a aprovação Emenda Cons- ra (Maranhão) e Quilombo de Marambaia (Rio da Agricultura. E a Secretaria de Assuntos Fun- do brasileiro, recomendou que se desenvolvesse
titucional 95 (PEC 95), em dezembro de 2016. de Janeiro). diários, do referido Ministério, a qual coorde- “um plano nacional de titulação dos territórios
Conhecida como “PEC da Morte”, que congela, O Estado brasileiro tampouco tem adota- nará os trabalhos do INCRA, passou a ser co- quilombolas por meio de consulta livre, prévia e
por vinte anos, as despesas primárias de cada do medidas para titular, em prazo razoável, to- mandada pelo presidente da União Democrática informada às comunidades, incluindo metas para
Poder da República, tendo como parâmetro o dos os territórios de comunidades quilombolas, Ruralista, Nabhan Garcia, notório opositor da a estruturação do Instituto Nacional de Coloni-
ano de 2016. Esta diminuição orçamentária im- no marco do art. 68 do ADCT da Constituição política pública de titulação quilombola. Assim, zação e Reforma Agrária (INCRA) e contribuição
pacta, automaticamente, nas políticas públicas Federal brasileira e da Convenção 169 da OIT e a reorganização administrativa realizada vincu- orçamental progressiva, em adequação às normas
que garantiam os direitos quilombolas. Assim, a do Decreto 4.887 de 2003. O Estado reconhece a la a política pública de titulação de territórios interamericanas e a ordem constitucional inter-
proteção de defensoras e defensores de direitos existência de 3.200 quilombos no Brasil, ao pas- quilombolas a um ministério que é hegemoni- na”. Por fim, é importante destacar que a não
humanos quilombolas, a titulação de terras qui- so que CONAQ, movimento social popular de zado politicamente por setores do agronegócio regularização dos territórios tem um impacto
lombolas e a permanências de estudantes qui- representação nacional das comunidades qui- que historicamente se opões à efetivação da po- severo no gozo e exercício de direitos pelas co-
lombolas nas Universidades públicas brasileiras, lombolas, estima que existam cerca de 6 mil. Até lítica de titulação de territórios quilombolas. munidades e perpetuam os conflitos fundiários
por exemplo, são algumas das políticas severa- o momento o Brasil só titulou o território de 2% Importa ressaltar ainda que são as comu- que constituem o cenário em que acontecem
mente impactadas com os cortes promovidos das comunidades quilombolas. Seguindo esse nidades quilombolas e demais povos e comuni- grande parte das violências sofridas por essas
pelo governo federal. ritmo seriam necessários mais 600 anos para ti- dades tradicionais as mais afetadas no âmbito comunidades.
Segundo dados da Comissão Pastoral da tular todas as 3.200 comunidades reconhecidas, dos conflitos socioambientais e de um modelo Da mesma forma, o Brasil não está cum-
Terra1, em 2012 foram 36 “assassinatos por con- realidade que tende a piorar no novo governo e de desenvolvimento que não respeita seus usos prindo a Recomendação 68, que indica o desen-
flitos no campo”, em 2013 foram 34 as ocorrên- o reconhecimento oficial pode parar, diante da e modos de vida nos territórios. Neste sentido, volvimento de estratégias para reduzir a vio-
cias, em 2014 foram 36, em 2015 houve um sal- redução de orçamento para a agenda e do posi- destacam-se as mudanças nas competências e lência armada, particularmente entre os jovens
to para 50 assassinatos e em 2016 ocorreram 61 cionamento do Governo contrário ao direito à atribuições nos procedimentos de licenciamento negros pobres. Segundo o Atlas da Violência
assassinatos por conflitos no campo. Em 2017, o autodefinição. Além disso o novo chefe do Po- ambiental de empreendimentos, obras e ativida- 2019, 75% das vítimas de crimes violentos são
Brasil teve o maior número de assassinatos em der executivo possui público posicionamento des em áreas sobrepostas ou que tenham povos negros , em sua maioria negros, situação que ex-
conflitos no campo dos últimos 14 anos. Foram discriminatório em relação aos quilombolas. e comunidades tradicionais na área de impac- plicita a não existência de uma política de segu-
71 pessoas assassinadas, das quais, 31 das mor- O orçamento para titulações de territó- to. Isso porque no caso das comunidades qui- rança pública com atenção prioritária ao direito
tes ocorreram em 5 massacres, o que correspon- rios quilombolas previsto para o ano de 2019 é lombolas, o Decreto nº 9.667 de 2 de janeiro de à vida da população negra ( 21), razão pela qual
de a 44% do total. de apenas R$ 3.423.082,00. O valor representa 2019, e a Portaria conjunta nº 876 de 30 de abril foi promovida a campanha "Parem de nos Ma-
No que tange às comunidades quilombo- aproximadamente 13% da demanda por desa- de 2019 que cria Grupo de Trabalho para dis- tar", buscando sensibilizar a sociedade civil e vi-
las, apenas no Estado da Bahia foram registrados propriações existentes desde o ano passado, o cutir a transferência das ações de licenciamento sibilizar a ação seletiva das forças de segurança
9 assassinatos, sendo 6 mortes em um massacre qual, em valores não atualizados, corresponde ambiental da FCP para o INCRA, contribuem pública com as pessoas negras, particularmen-
na comunidade de Iúna, município de Lençóis. a R$ 26.068.874,00. Ou seja, o orçamento não para que as comunidades deixem de contar com te homens negros, que explicitam a prática de
Pesquisa promovida pela CONAQ e pela Terra cobre a demanda existente e, por óbvio, não co- o já insuficiente acompanhamento da Fundação filtragem racial nas abordagens, assim como de
de Direitos revela que o número de assassina- brirá novas demandas. Cultural Palmares, posto que pretende-se trans- mortes de civis justificadas como legítima defe-
tos de quilombolas em 2017 foi o maior em dez Além de não destinar orçamento mini- ferir tal atribuição para o INCRA. Atualmente, sa.
anos ( 19) e os atos de violência cometidos contra mamente adequado para a política de titulação uma série de comunidades estão inseridas em A Recomendação 98 prevê a intensifica-
lideranças quilombolas permanecem na impu- de territórios quilombolas, o Brasil não tem áreas de impacto de empreendimentos, obras e ção de esforços para abolir a prática do perfi-
nidade. aparelhado o INCRA, órgão responsável pelas atividades, que não respeitam a necessidade de lamento racial (racial profiling) e a prisão arbi-
Segundo a Comissão Interamericana de titulações. Mesmo dentre os processos de titula- consulta, livre, prévia e informada das dessas, trária praticadas pela polícia e pelas forças de
Direitos Humanos ( 20), a violência contra pessoas ção que se encontram em fase final, existem ao bem como a necessidade de que sejam feitos es- segurança. Tal indicação não tem sido cumpri-
que lutam por terra no Brasil tende a aumentar menos 31 processos paralisados na Casa Civil tudos que condicionem a instalação desses em- da, os jovens negros são a clientela preferencial
dada a incitação à violência que determinados da Presidência da República aguardando apenas preendimentos à não violação dessas comunida- do sistema de justiça no Brasil 64% da popula-
grupos ruralistas têm realizado, em especial a assinatura de decreto. Destaca-se que desde des. ção carcerária é negra e e tem entre 18 a 29 anos.
contra indígenas, quilombolas e trabalhadores e 2018, nenhum decreto de desapropriação de ter- Complementando o quadro de violações, “Com 335 pessoas encarceradas a cada 100 mil,
trabalhadoras rurais sem terra. ritório quilombola foi assinado, atrasando ainda fundamental ressaltar que a referida mudança Brasil tem taxa de aprisionamento superior à
Frise-se, ademais, que a grande presença mais os processos de titulação. administrativa se deu sem a realização de con- maioria dos países do mundo - É a 26ª maior
de pessoas ligadas às forças armadas brasileiras Para agravar a fragilização da estrutura sulta livre, prévia e informada, o que viola de média entre 222 países/territórios, segundo a
em Ministérios do Governo Federal, e em outras administrativa responsável pela política de re- forma frontal o art. 6° da Convenção 169 da 'World Prison Brief ', base de dados da Universi-

19 CONAQ e Terra de Direitos. Racismo e violência contra quilombolas no Brasil   21 Atlas da Violência 2019 - http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/06/Atlas-da-Violencia-2019_05jun_versão-coletiva.pdf,
20 Comunicados de imprensa n° 276/18 e 009/19.   acessado em 03/09/2019  
24 25
dade de Londres. Há, no entanto, discrepâncias Os dados revelam as negligências das políticas
entre os estados...” ( 22) educacionais com a população negra, sendo a
“Sistema carcerário brasileiro: negros e pobres educação ainda um espaço de produção e repro-
na prisão - Além da precariedade do sistema dução de desigualdades entre negros e não ne-
carcerário, as políticas de encarceramento e au- gros. Outro dado relevante sobre a magnitude
mento de pena se voltam, via de regra, contra a do racismo no Brasil é referente ao suicídio de
população negra e pobre. Entre os presos, 61,7% adolescentes e jovens na faixa etária de 10 a 29
são pretos ou pardos. Vale lembrar que 53,63% anos, a partir de dados do Ministério da Saúde
da população brasileira têm essa característi- para o período 2012-2016, onde a taxa de mor-
ca.” ( 23) talidade por suicídio entre jovens e adolescentes
Também não está cumprida a Recomen- brancos permaneceu estável de 2012 a 2016, na
dação 174, que determina a continuidade de es- população negra o número aumentou 12% no
forços para eliminar a discriminação, incluindo período; a análise dos dois grupos em 2016 in-
a racial, na educação. De acordo com dados do
Censo Escolar 2018 (Inep/MEC) apresenta as
desigualdades na educação brasileira a partir
dica que a cada 10 suicídios em adolescentes e
jovens aproximadamente seis ocorreram em ne-
gros e quatro em brancos. ( 24)
A s Recomendações 35, 36, 48, 224, 225, 228,
242 e 243, que tratam de reforçar medidas
de prevenção e punição do racismo, discriminação
sido barrados pelo Congresso Nacional, o go-
verno planeja conseguir a liberação de porte de
arma para proprietários rurais por meio de um
da cor, em que estudantes negros são maioria e violência contra os povos indígenas e aumentar projeto de lei atualmente em negociação com o
na educação de jovens e adultos (EJA), onde re- a conscientização sobre igualdade étnica e ra- poder legislativo.
presentam 72,3% dos estudantes, estando assim cial não foram cumpridas. O Estado brasileiro Também não foram cumpridas as Reco-
distribuídos: 75,7% do EJA fundamental e 67,2% não demonstrou nenhum esforço em cumprir mendações 229, 230, 231, 232, 233 e 240, que
do EJA médio; brancos representam 22,2% do tais recomendações. Ao contrário, suas ações sugerem ampliação da participação democrática
EJA fundamental e 31,6% do EJA médio. têm caminhado no sentido oposto, contribuído dos povos indígenas nos processos de tomada de
para o agravamento do quadro de discriminação decisões e o avanço na agenda do consentimento
e violência contra os povos indígenas. O atual livre, prévio e informado, com a realização de
presidente brasileiro, em manifestações públi- efetivos processos de consulta. Embora a Conven-
cas, tem disseminado informações preconceitu- ção 169, incorporada ao ordenamento jurídico
osas que ferem os direitos humanos dos povos nacional, determine a consulta prévia, livre e
indígenas e reforçam o racismo que os vitima. informada para medidas administrativas e legis-
O presidente comparou as Terras Indígenas (TI) lativas que possam afetar os povos indígenas, o
a zoológicos, os índios que nelas habitam a ani- Estado brasileiro segue sem implementá-la. Di-
mais em cativeiro, e declarou a necessidade de versas obras e empreendimentos são planejados
integrar estes povos, que estariam em uma “situ- e executados sem a observância deste direito.
ação inferior”, ao “Brasil de verdade”. O governo No Congresso Nacional inúmeras proposições
também tem feito sucessivas críticas à extensão de leis seguem sendo discutidas sem consul-
das Terras Indígenas, em especial na Amazônia ta aos povos afetados. O Estado brasileiro não
brasileira, e ao “prejuízo” que resultaria da im- tomou nenhuma medida para regulamentar a
possibilidade de exploração econômica de tais Consulta Livre, Prévia e Informada aos povos in-
territórios, afirmando que não demarcará ne- dígenas. Nem mesmo os protocolos de consul-
nhuma terra indígena e que proporá a abertura ta autônomos elaborados pelos povos indígenas
das mesmas para mineração, garimpo e arrenda- têm sido respeitados. A indisposição do governo
mento. O próprio governo tem disseminado um Bolsonaro em efetivar a consulta prévia no Bra-
discurso que apresenta os povos indígenas como sil ficou caracterizada com as medidas adminis-
pessoas que vivem na miséria, são manipuladas trativas editadas pelo presidente nos primeiros
por Organizações Não Governamentais estran- dias de governo, as quais promoviam mudanças
geiras, e “desperdiçam” um enorme potencial na política indigenista do Estado brasileiro. Sem
de lucro econômico latente em seus territórios. consultar os povos indígenas, e à revelia das
Não bastasse, em seis meses de governo, o presi- manifestações de repúdio da Articulação dos
dente editou seis decretos diferentes para alterar Povos Indígenas do Brasil (APIB), o presiden-
a regulamentação do porte de armas no país, os te pretendia transferir a Funai do Ministério da
quais facilitariam o porte de armas para pro- Justiça para o Ministério da Mulher, Família e
prietários rurais, o que pode ter consequências Direitos Humanos, bem como transferir a com-
22 G1. Com 335 pessoas encarceradas a cada 100 mil, Brasil tem taxa de aprisionamento superior à maioria dos países do mundo.   dramáticas para as populações indígenas, já gra- petência de demarcar Terras Indígenas da Funai
23 Câmara dos Deputados. Sistema carcerário brasileiro: negros e pobres na prisão. vemente vulneráveis à violência motivada por para o Ministério da Agricultura, Pecuária e
24 INEP. Censo escolar 2018; G1. Índice de suicídio entre jovens e adolescentes negros cresce e é 45% maior do que entre brancos.   conflitos fundiários. Apesar dos decretos terem Abastecimento, dominado pela ala mais radical
26 27
dos ruralistas. As diversas manifestações de li- Investigações em ataques contra povos indíge- ambiente e à biodiversidade, mas nos últimos Também não foram cumpridas as reco-
deranças indígenas contrárias às medidas não nas costumam ser precipitadas e raramente são dois anos, o que se verifica é o contrário. Cres- mendações 46 e 47 que versam sobre reforçar as
dissuadiram o presidente de suas decisões, que conduzidas até o fim. ce o cerco às Terras Indígenas desde o governo políticas de prevenção e punição da discrimina-
foram barradas pelo Congresso Nacional. Por Estão descumpridas as Recomendações Michel Temer, tendência acentuada no governo ção de crianças indígenas e de combate à violên-
fim, Bolsonaro também pretende regulamentar 168 e 175 que versam sobre educação intercul- do presidente Jair Bolsonaro. Atualmente, o go- cia contra mulheres e meninas indígenas a partir
a mineração em terras indígenas, e elaborou um tural e inclusiva. Os dados do próprio Minis- verno brasileiro busca abrir terras indígenas à de uma perspectiva integral e intercultural. Bol-
projeto de lei que será submetido à aprovação tério da Educação revelam a precariedade das atividade econômica, com o objetivo de “desen- sonaro colocou à frente do Ministério da Mu-
do Poder Legislativo, mais uma vez sem qual- condições materiais das escolas indígenas, sem volver” o país, mas ignorando totalmente os di- lher, Família e Direitos Humanos, que abriga
quer consulta aos povos indígenas. prédios próprios, sem bibliotecas ou materiais reitos dos povos indígenas e o impacto ao meio o Departamento de Igualdade Racial e Étnica,
As Recomendações 102, 223, 227, 234, didáticos diferenciados. Grande parte dos pro- ambiente. O governo estuda autorizar minera- a advogada e ex-assessora jurídica da bancada
236, 237, 238, 239, que versam sobre a proteção fessores indígenas têm contratos de trabalho ção e garimpo em terras indígenas, bem como evangélica do Congresso Nacional, Damares Al-
dos direitos territoriais dos povos indígenas, a precários e provisórios. O setor de educação conduzir grandes obras de infraestrutura na Ama- ves, que tem se notabilizado pelas declarações
garantia de recursos financeiros para a Funai e escolar indígena no Ministério da Educação zônia, além de liberar a exploração de terras in- polêmicas sobre a temática de gênero. No dia de
para a proteção dos direitos indígenas, e o forta- foi reduzido no governo Bolsonaro, perdendo dígenas por atividades do agronegócio, para cul- sua posse, ela declarou que o país entrava em
lecimento da coordenação entre a Funai e o Iba- status no novo organograma do Ministério da tivo de soja e criação de gado. Além disso, apesar uma “nova era” na qual a normatividade de gê-
ma não foram cumpridas. Agravando tendência Educação, bem como perdeu técnicos e recur- de efeitos devastadores para os povos indígenas nero imperaria, e meninos vestiriam apenas a
de paralisação nos processos de demarcação de sos orçamentários. Programas de melhoria da e o meio ambiente, o governo federal liberou 290 cor azul, e meninas a cor rosa. Afirmou também
Terras Indígenas do governo Temer, o presiden- qualidade de educação nas aldeias e de forma- novos agrotóxicos no país até julho de 2019. Ór- que “de acordo com sua concepção cristã” a mu-
te Bolsonaro, que desde antes de eleito afirmou ção de professores indígenas foram paralisados gãos de fiscalização e proteção ao meio ambien- lher deve ser submissa ao homem no casamen-
que não iria demarcar novas Terras Indígenas, e os Territórios Etnoeducacionais, que foram te, como IBAMA e ICMBIO, foram sucateados e to. Em relação à prevenção à violência contra
não demarcou nenhum território indígena até propostos anos atrás, como um novo modelo de tiveram expressivos cortes orçamentários, bem mulheres e crianças indígenas, as falas racistas
o momento. A Funai também tem sido sucate- gerenciamento da educação escolar indígena no como foram enfraquecidas as políticas de en- do presidente sobre povos indígenas, suas críti-
ada pelo atual governo. Bolsonaro tentou, por país, seguem paralisados e sem implementação. frentamento ao desmatamento e às mudanças cas públicas ao que classifica como “exagerada”
meio de duas Medidas Provisórias, transferir a Não foram cumpridas as Recomendações climáticas. Governo e Congresso Nacional têm extensão das terras indígenas e a defesa de sua
competência de demarcar TI da Funai para o 217, 218, 222, 235 e 241, que dizem respeito à trabalhado no sentido de enfraquecer o licencia- exploração econômica têm estimulado invasões
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci- promoção da saúde indígena, mortalidade infan- mento ambiental no país. Acidentes ambientais desses territórios por grileiros e garimpeiros, fato
mento, dominado pela ala mais radical dos ru- til, alimentação e saneamento nas aldeias indíge- com o rompimento de barragens de mineração que vulnerabiliza especialmente esse público.
ralistas, e nomeou o delegado da Polícia Federal nas. As crianças indígenas têm risco 60% maior e queimadas criminosas têm destruído o meio Segundo o Conselho Indígena Missionário, as
Marcelo Augusto Xavier, indicado pela bancada de morrerem antes de completarem um ano de ambiente, comprometendo a biodiversidade e invasões nas terras indígenas aumentaram 150%
ruralista, para presidir o órgão. A Funai opera, idade em relação às demais crianças. As crian- violado direitos indígenas. desde a eleição de Bolsonaro.
atualmente, com um terço de sua força de traba- ças indígenas também sofrem de insegurança
lho, situação agravada pelo contingenciamento alimentar e nutricional. Uma pesquisa em três
de 90% de seu orçamento previsto na Lei Or- aldeias Guarani-Kaiowá mostrou que 28% dos
çamentária Anual de 2019. O Ibama vem sendo domicílios contavam com pessoas com menos
sistematicamente criticada por Bolsonaro e pelo de 18 anos encontradas em insegurança alimen-
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tar grave. Registram-se retrocessos na condução
afirmam existir uma “indústria de multas am- da política de assistência à saúde indígena e ne-
bientais”. Cumprindo a sua promessa de campa- nhuma nova política foi proposta para melhorar
nha de acabar com tal “indústria”, o presidente os índices de saneamento, segurança alimentar
Jair Bolsonaro (PSL) editou, em abril, o Decreto e mortalidade infantil. Aldeias indígenas estão
9.760/2019, que favorece infratores e criminosos sem assistência médica desde a reestruturação
ambientais ao criar uma burocracia extra na ad- do Programa Mais Médicos (que gerou a per-
ministração federal para fazer “conciliação” de da de 81% do quadro de médicos atuando nos
multas. O discurso anti-indígena do presidente Distritos Sanitários Especiais Indígenas). O go-
Bolsonaro estimulou a invasão e ataques a Ter- verno extinguiu o Fórum dos Presidentes dos
ras Indígenas, bem como ameaças a lideranças, Conselhos Distritais de Saúde Indígena e tentou
o que está em oposição às recomendações 234 e extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indíge-
238. Ao menos 14 Terras Indígenas homologa- na (SESAI) e consequentemente do Subsistema
das estão sob ataque neste momento. Em 2017, de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS), sem
96 casos de invasão, de exploração ilegal de recur- consulta aos povos indígenas.
sos naturais e de danos diversos às terras indíge- Conforme dispõe a Recomendação 226,
nas no Brasil foram registrados. Isso representa as atividades econômicas deveriam levar em
um aumento de 62% em relação ao ano anterior. conta os direitos dos povos indígenas, ao meio

28 29
30 31
A recomendação 55, que diz respeito à Polí-
tica Nacional sobre Mudança do Clima e ao
desmatamento da Amazônia, não foi cumprida.
do que uma das principais barreiras na política
brasileira é a ausência de sistema de avaliação e
monitoramento pelo próprio governo e seus Mi-
A Política foi introduzida no Brasil, em 2008 e, nistérios, o que impossibilita um acompanha-
tinha como objetivo geral incentivar o desen- mento mais rigoroso e periódico do grau de im-
volvimento de ações e colaborar com o esforço plementação dos seus instrumentos e planos ( 27).
mundial de combate às mudanças climáticas. O Dados produzidos pela Climate Watch ( 28) em
Plano ainda pretende criar condições internas fevereiro de 2019 demonstram que as Emissões
para enfrentar as consequências sociais e econô- de Gases de efeito Estufa (GEE) são largamen-
micas das mudanças climáticas e define as ações te produzidas no Estado Brasileiro, e, o Sistema
e medidas que visam à mitigação, bem como a de Estimativas de Emissões de GEE (SEEG), do
adaptação à mudança do clima. O Plano inclui Observatório do Clima, afirma que quase a me-
metas para a redução do desmatamento para a tade das emissões brasileiras em 2017 provêm
região Amazônica, bem como outras medidas do desmatamento das florestas, principalmen-
nas áreas de produção de energia elétrica, car- te da Floresta Amazônica. ( 29) Ainda segundo
vão, biodiesel, álcool, estímulo a fontes renová- o INPE, através do Projeto de Monitoramento
veis e a ampliação de iniciativas de reciclagem. do Desmatamento na Amazônia Legal por Sa-
Em 2009, o governo iniciou uma série de atos télite (PRODES) houve o aumento de 8,5% em
a fim de dar cumprimento às recomendações, 2019 da taxa anual consolidado de desmatamento
que incluíram a sanção da Lei Federal nº 12.187, na Amazônia em comparação a 2017, bem como
que entre outras medidas o Brasil adotaria ações 7.536 km² de corte raso no período de agosto de
para reduzir entre 36,1% e 38,9% de suas emis- 2017 a julho de 2018 ( 30).
sões projetadas até 2020 ( 25). É necessário explicitar que existe uma
Alguns institutos nacionais e internacio- relação estreita entre as queimadas e o desma-
nais sobre mudanças climáticas, como a World tamento na Amazônia, que aceleram o aumento
Resources Institute (WRI) ( 26), buscaram mo- dos dados negativos que o país vem produzindo
nitorar a implementação da Política Nacional durante os últimos anos, segundo a análise do
analisando os avanços e retrocessos, verifican- Laboratório de Ciências Biosféricas da Agência

25 IPAM Amazônia. Qual é o objetivo do Plano e da Política Nacional sobre Mudança do Clima criados no Brasil?. Disponível em:< https://ipam.org.
br/entenda/qual-e-o-objetivo-do-plano-e-da-politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima-criados-no-brasil/> Acesso em: 22 de set. 2019;  
26 WRI Brasil. Monitoramento da implementação da política climática brasileira. Disponível em: <https://wribrasil.org.br/pt/publicacoes/monitora-
mento-da-implementacao-da-politica-climatica-brasileira> Acesso em: 22 de set. 2019;  
27 Speranza, J., Romeiro, V., Betiol, L. e Biderman, R. “Monitoramento da implementação da política climática brasileira: implicações para a Contri-
buição Nacionalmente Determinada”. Working Paper. São Paulo, Brasil: WRI Brasil, 2017.  
28 CLIMATE WATCH. Greenhouse Gas Emissions and Emissions Targets. Disponível em: https://www.climatewatchdata.org/countries/BRA > Acesso
em: 22 de set. 2019;  
29 WRI Brasil. Os países que mais emitiram gases de efeito estufa nos últimos 165 anos. Disponível em: <https://wribrasil.org.br/pt/blog/2019/04/
ranking-paises-que-mais-emitem-carbono-gases-de-efeito-estufa-aquecimento-global > Acesso em: 22 de set. 2019;  
30 PRODES Amazônia. Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite. Disponível em: < http://www.obt.inpe.br/
OBT/assuntos/programas/amazonia/prodes > Acesso em: 22 de set. 2019;  
32 33
Espacial Norte-Americana (NASA). ( 31) Pesquisa do desmatamento, o chefe do poder executivo, gião metropolitana de Belo Horizonte. (FAO).
realizada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental Jair Bolsonaro, exonerou o diretor do Instituto, Ademais, em 11 de abril de 2019 ( 36) com Essas instituições vêm, nos últimos anos,
da Amazônia (Ipam) listou que os dez municí- Ricardo Magnus Osório Galvão, alegando não a publicação do decreto nº 9.759 foram extintos destacando os riscos que o uso de pesticidas traz
pios que mais tiveram focos de incêndios flo- ter verificado a veracidade dos resultados, ainda colegiados instituídos por decretos ou atos infor- para o meio ambiente e para as pessoas, tanto
restais em 2019 também foram os que tiveram que o PRODES já tivesse demonstrado sua efeti- mativos inferior, neste meio estão o Fórum Bra- no meio rural quanto urbano, afetando, os agri-
as maiores taxas de desmatamento, demons- vidade desde sua implantação em 1988. Além de sileiro de Mudança do Clima (FBMC), o Plano cultores e suas famílias, consumidores, crianças,
trando que o desmatamento é um dos grandes muitas outras declarações do governo que des- Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa impactando na qualidade da água. As orienta-
influenciadores para as mudanças atmosféricas moralizam a atuação das organizações de pro- (Planaveg) e sua respectiva Comissão (Cona- ções dessas instituições são unânimes ao alertar
na Amazônia ( 32). As queimadas e as mudanças teção ao meio ambiente, em março de 2019, o veg), a Comissão Nacional da Biodiversidade que o uso dessas substâncias pode provocar cân-
climáticas operam em um ciclo vicioso: quanto presidente através de sua política de contingen- (Conabio) e a Comissão Nacional de Florestas cer e efeitos tóxicos crônicos, problemas repro-
mais queimadas, mais emissões de gases de efei- ciamento dos recursos públicos cortou R$ 11,2 (Conaflor). Depois do congelamento de repasse dutivos e distúrbios comportamentais.
to estufa e, quanto mais o planeta aquece, maior milhões, o equivalente a 95% de corte no orça- de recursos da Alemanha e Noruega para o Fun- Em sentido contrário a essas orientações
será a frequência de eventos extremos, tais como mento, dos recursos para iniciativas de imple- do Amazônia, o governo sob a gestão do presi- e ao acúmulo científico na matéria, o Brasil tem
as grandes secas que passaram a ser recorrentes mentação da Política Nacional sobre Mudança dente Jair Bolsonaro recusou o apoio do G7. ( 37) flexibilizado e aumentado o uso de agrotóxicos
na Amazônia, destacou a Green Peace Brasil ( 33). do Clima, resultando na disponibilização anual Por fim, em 24 de setembro de 2019, em nas suas atividades agrícolas, inclusive, na pro-
O monitoramento realizado pela WRI de apenas R$ 500 mil. discurso na 74ª Assembleia Geral da ONU, o dução de alimentos. Somente nos primeiros oito
em 2017, fez alertas quanto aos resultados ne- No período de agosto, uma série de atos presidente Jair Bolsonaro alegou que o seu go- meses de 2019, foi autorizado o registro de 325
gativos encontrados, afirmando que a inércia ou criminosos organizados por produtores agríco- verno tem trabalhado para a diminuição dos novos agrotóxicos. A liberação do uso dessas
diminuição na atuação de institutos, órgãos di- las no Estado do Pará no dia 10 de agosto de riscos para os negócios por meio da desburocra- substâncias tem sido feita em um ritmo extre-
recionados as mudanças climáticas podem gerar 2019, conhecido como o “Dia do Fogo”, resultou tização, em especial, desregulamentação, além mamente acelerado no e tem incluído inclusi-
futuramente consequências nocivas para a so- em centenas de focos de incêndios em três cida- de aduzir que a Amazônia brasileira permanece ve substâncias banidas em diversos países. Para
ciedade, a economia, e o meio ambiente do país, des no Pará: Novo Progresso, Altamira e São Fé- praticamente intocada. Em contrariedade aos re- exemplificar a gravidade da situação no Brasil,
e, ainda, tornar a norma obsoleta e não aplicável lix do Xingú, segundo dados de satélite colhidos sultados científicos, inclusive estatais, justificou cite-se que dos novos registros, 82 deles já fo-
por falta de aderência a realidade e, ainda afir- pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que as queimadas, espontâneas ou criminosas, fo- ram banidos de outros países.
mou que a mudança da legislação ambiental e (INPE) e compilados pela Secretaria Estadual de ram favorecidas pelo clima seco e os ventos fortes, Cinco dos dez pesticidas mais vendidos
proteção de recursos naturais e direitos indí- Meio Ambiente do Pará. Apesar de as queimadas vilipendiando qualquer estudo sobre o fomento e no Brasil (Atrazina, Acefato, Carbendazim, Pa-
genas (MPs 758 e 759/2017) poderiam aumen- não serem raras na região, muitas são causadas incentivo ao agronegócio predatório e a ineficien- raquat, Imidacloprida) não são autorizados em
tar as emissões de GEE no país e, que poderiam propositalmente como parte do desmatamento e te fiscalização brasileira ( 38). diversos outros países devido a seus riscos à
gerar uma diminuição dos investimentos por criação de pasto para produção de gado e com- A recomendação 226 versa, dentre outros, saúde humana ou ecossistemas. Além disso, os
países como a Noruega e Alemanha para o Fun- modities, como a soja. sobre a necessidade de que as atividades econô- padrões brasileiros existentes permitem níveis
do Amazônia, já que estes investimentos estão O Ministério do Meio Ambiente, através micas levem em consideração o respeito ao meio mais altos de exposição a pesticidas tóxicos do
condicionados á taxa de desmatamento observa- de seu representante Ricardo Salles, tem atuado ambiente. Aqui se insere uma questão ambiental que os equivalentes na Europa.
do ( 34). frontalmente contra o meio ambiente, alinhado e de saúde pública muito relevante na realidade Como consequência direta do aumento
Infelizmente, verifica-se que estas previ- com o agronegócio e indústrias com grandes im- brasileira: o uso dos agrotóxicos nas atividades do número de agrotóxicos registrados eleva-
sões aos poucos estão sendo confirmadas, ainda pactos ambientais. Nessa gestão, foram extintos agrícolas e seus efeitos nocivos ao meio ambien- -se de notificações no Sistema Único de Saúde
que a Política Nacional para Mudanças Climá- conselhos ambientais e foi suspensa a execução te e à saúde humana. (SUS) de pessoas intoxicadas por esses produtos
ticas não possua cunho “ideológico” e seja uma de convênios e termos de parcerias do Estado Sob a perspectiva aqui apresentada, a .“Enquanto o número de validação de agrotóxicos
política permanente de Estado, a atual conjuntu- com as ONGs. Nesse sentido em janeiro de 2019, recomendação mencionada não foi cumprida. pelo Mapa, em 2015, foi de 139, e o do Ministé-
ra política brasileira demonstra ir na contramão foi suspenso por 90 dias ( 35) convênios e parce- Isso porque o Brasil tem caminhado no sentido rio da Saúde sobre intoxicações, de 12.797 casos;
do crescimento e fortalecimento desta Política. rias de órgãos ligados ao Ministério do Meio oposto às orientações sobre o uso desses pro- em 2018, a pasta da Agricultura aprovou o uso
Observou-se a exemplo que, após o INPE Ambiente, a exemplo da paralisação do projeto dutos consolidadas por diversas relatorias espe- de 450 produtos na lavoura; e as notificações de
divulgar os dados demonstrando a aceleração de recuperação de áreas de mananciais da Re- ciais da ONU sobre direito à água, alimentação, enfermidade subiram para 15.107” ( 39).
saúde, dentre outros e, também, pela Organiza- Os dados são alarmantes por si e a rea-
ção Mundial de Saúde (OMS) e Organização das lidade sobre os impactos adversos desses pro-
31 G1. Queimadas e desmatamento estão relacionados na Amazônia. Disponível em: < https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/23/queima- Nações Unidas para Alimentação e Agricultura dutos na saúde humana deve ser ainda maior,
das-e-desmatamento-estao-relacionados-na-amazonia-entenda.ghtml > Acesso em: 22 de set. 2019;  
32 IPAM Amazônia. Queimadas na Amazônia em 2019 seguem o rastro do desmatamento. Disponível em: <https://ipam.org.br/queimadas-na-ama- 36 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. DECRETO Nº 9.759, DE 11 DE ABRIL DE 2019. Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados
zonia-em-2019-seguem-o-rastro-do-desmatamento/> Acesso em: 22 de set. 2019;   da administração pública federal. Disponível em: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/71137350. > Acesso em:
33 Green Peace Brasil. Amazônia sob ataque: queimadas têm aumento de 145% em 2019. Disponível em: <https://www.greenpeace.org/brasil/blog/ 22 de set. 2019;  
amazonia-sob-ataque-queimadas-tem-aumento-de-145-em-2019/> Acesso em: 22 de set. 2019   37 Folha de São Paulo. Salles foca agenda no agronegócio e deixa ambientalistas de lado; G1. Exoneração de diretor do Inpe é publicada no 'Diário
34 Speranza, J., Romeiro, V., Betiol, L. e Biderman, R. “Monitoramento da implementação da política climática brasileira: implicações para a Contri- Oficial'. > Acesso em: 22 de set. 2019;  
buição Nacionalmente Determinada”. Working Paper. São Paulo, Brasil: WRI Brasil, 2017, pg 16 -   38 O GLOBO. Veja a íntegra do discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noti-
35 O GLOBO. Ministério do Meio Ambiente suspende todos os convênios e parcerias com ONGS. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/ cia/2019/09/24/veja-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-abertura-da-assembleia-geral-da-onu.ghtml> Acesso em: 24 de set. 2019;  
ministerio-do-meio-ambiente-suspende-todos-os-convenios-parcerias-com-ongs-23375022 > Acesso em: 22 de set. 2019;   39 Correio Braziliense. Intoxicação por agrotóxicos aumenta com liberação de produtos pelo governo  
34 35
pois os dados disponíveis sobre envenenamento ces and wastes; the Special Rapporteur on the ri- tos. A aprovação da PNARA reposicionaria o
e impactos na saúde decorrentes da exposição ght of everyone to the enjoyment of the highest at- Brasil em termos de salvaguardas mínimas am-
crônica a pesticidas perigosos são limitados e há tainable standard of physical and mental health; bientais e à saúde da população brasileira, com
um déficit de notificação. and the Special Rapporteur on the human rights políticas razoáveis e possíveis de incentivo a
Há, ainda, perspectiva de agravamento to safe drinking water and sanitation ( 42). modelos sustentáveis de produção agrícolas e
dessa situação, pois encontra-se em tramitação De acordo com os relatores, caso aprova- respeito aos princípios constitucionais do país.
no Congresso Nacional brasileiro o Projeto de das, as mudanças legislativas “violarão direitos
Lei 6.299/2002 e diversos apensos que alteram humanos de trabalhadores rurais, comunidades
significativamente a Lei nº 7.802, de 11 de julho locais e consumidores dos alimentos produzidos
de 1989, que “dispõe sobre a pesquisa, a expe- com a ajuda de pesticidas”. Na Comunicação, os
rimentação, a produção, a embalagem e rotula- especialistas da ONU enfatizaram que a impo-
gem, o transporte, o armazenamento, a comer- sição de prazos muito exíguos para autorização
cialização, a propaganda comercial, a utilização, dos pesticidas claramente privilegia o interesse
a importação, a exportação, o destino final dos comercial da indústria sobre a proteção dos di-
resíduos e embalagens, o registro, a classificação, reitos das pessoas à vida e à saúde; e demons-
o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotó- traram grande preocupação com “the evident
xicos, seus componentes e afins” ( 40) . weakening of the role of public health and en-
Esse Projeto de Lei, agora com substitu- vironmental authorities in the decision making
tivo aprovado em comissão especial na Câma- process on the authorization of the use and com-
ra dos Deputados, pretende revisar a regulação mercialization of highly toxic products resulting
do registro de agrotóxicos e o seu uso no Brasil, from the proposed institutional framework.” ( 43)
tornando as regras mais flexíveis, facilitando o Demonstraram, ainda, preocupações com a ca-
registro e a propaganda desse tipo de produto pacidade dos sistemas de fornecimento de água
e pode “enfraquecer a regulação e o controle de de monitorar regularmente a poluição por pes-
pesticidas perigosos no Brasil, maior consumidor ticidas.
e importador desses produtos no mundo” ( 41) . Esse projeto, que pretende flexibilizar,
O PL propõe um novo arranjo institucio- ainda mais, o uso de agrotóxicos no Brasil, en-
nal para a tomada de decisão sobre registro, uso contra-se em estágio avançado de tramitação le-
e comercialização de novos agrotóxicos, con- gislativa e está pronto para ser levado à votação
centrando poderes no Ministério da Agricultu- no Plenário da Câmara dos Deputados ( 44) .
ra, historicamente ocupado e/ou suscetível ao Em contraposição a este PL, denominado
lobby do agronegócio, em detrimento de outras pelos movimentos sociais de “pacote do vene-
instituições como IBAMA e ANVISA, de caráter no”, avançou também na Câmara dos Deputa-
mais técnico e mais comprometidas com a pro- dos o PL 6670/2016, que institui a Política Na-
teção da saúde humana e do meio ambiente. cional de Redução de Agrotóxicos - PNARA. O
Isso ensejou o envio de uma Comunica- PL, também aprovado em comissão especial, foi
ção de diversos Relatores das Nações Unidas ao proposto à Comissão de Legislação Participati-
governo brasileiro, feita em 13 de junho de 2018, va da Câmara pela ABRASCO e pretende esta-
através da qual manifestaram preocupações com belecer regras de transição para uma sociedade
o projeto de lei. Assinaram a Comunicação os com menor utilização desses produtos químicos
mandatos do Special Rapporteur on the issue of agrícolas, que perpassam as áreas de educação,
human rights obligations relating to the enjoy- assessoria técnica agrícola, políticas de incenti-
ment of a safe, clean, healthy and sustainable en- vo à agroecologia e produção orgânica e taxação
vironment; the Special Rapporteur on the right to progressiva de agrotóxicos com base em sua pe-
food; the Special Rapporteur on the implications riculosidade.
for human rights of the environmentally sound Isto é, são dois projetos que tratam do
management and disposal of hazardous substan- mesmo tema, sob vieses absolutamente distin-

40 Câmara dos Deputados. PL 6299/2002  


41 ONU Brasil. Mudanças na lei de agrotóxicos no Brasil violariam direitos humanos, afirmam relatores da ONU  
42 OHCHR. OL BRA 5/2018.  
43 OHCHR. OL BRA 5/2018.  
44 Câmara dos Deputados. PL 6299/2002  
36 37
pela opção em adotar um marco facultativo ao tidades fornecedoras do Ministério no cumpri-
lidar com as obrigações das empresas em maté- mento das exigências nele previstas.
ria de direitos humanos. Elementos que pode- Ocorre que, em 19 de agosto de 2019,
riam ser aprimorados caso houvesse processo uma portaria do Ministério da Mulher da Fa-
de consulta pública sobre o tema ou mesmo a mília e dos Direitos Humanos (nº. 2.070, de 16
realização de seminário aberto orientado à ela- de agosto de 2019) revogou o Art. 2º da Porta-
boração dessas diretrizes. ria que havia estabelecido o Código de Conduta,
Por fim, vale apontar para a própria con- dispositivo que previa a obrigatoriedade da ado-
sulta da qual este questionário é parte. A nota ção dos princípios:
do Ministério da Mulher, da Família e dos Direi-
tos Humanos (MMFDH) que fala sobre a o tema Art. 2º É obrigatória a adoção dos prin-
, ( 46) assevera que o objetivo da consulta “consiste cípios, diretrizes e responsabilidades contidos no
em coletar informações a respeito de iniciativas Código por ocasião da publicação de editais, e a

A s Recomendações 51, 52 e 53 se referem ao


desenvolvimento de um Plano Nacional de
Ação (PNA) sobre Empresas e Direitos Humanos.
de avaliação. Em relatório de acompanhamen-
to das recomendações do Grupo de Trabalho
da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos,
sob a responsabilidade das empresas, além de
impulsionar novos projetos”. Não obstante, tal
coleta de informações se dá por meio de for-
inclusão de cláusulas nos contratos, convênios e
instrumentos congêneres, a fim de orientar em-
presas e entidades no cumprimento das exigên-
Entretanto, a elaboração de um PNA encontra publicado em fevereiro de 2019, destacou-se as mulário com 23 questões, sendo que 20 delas se cias nele previstas.
resistência por parte de segmentos da sociedade consultas empreendidas pela então Secretaria restringem à possibilidade de avaliação em qua-
civil brasileira, cujas análises apontam fragilida- Nacional de Cidadania do Ministério dos Direi- tro categorias (ótimo, bom, regular e ruim) do Assim, na prática, a medida anunciada como
des sistêmicas em tais documentos. Os PNA fa- tos Humanos ao longo do segundo semestre de conteúdo contido no enunciado. Assim, ao invés positiva e exemplo de boa prática foi revogada
lharam em dar clareza para as empresas sobre as 2018, visando obter subsídios para construção de servir como meio de coleta de insumos de após a publicação do relatório ora em análise,
consequências que podem enfrentar se eles não de documento de respostas às recomendações iniciativas na pauta de empresas e direitos hu- demonstrando contraproducente instabilidade
respeitam os direitos humanos, contradizendo, sobre Empresas e Direitos Humanos ao Estado manos, a consulta tem por objetivo meramen- nas políticas públicas do Estado brasileiro no
assim, o dever vinculante dos Estados de prestar brasileiro. Na ocasião, frisou-se que, ainda que te validar as informações reunidas pelo próprio que tange à pauta de empresas e direitos huma-
remédios efetivos por violações cometidas por o espectro de entidades consultadas tenha sido governo (dado que consta, inclusive, no descri- nos.
empresas, bem como a obrigação destas em par- amplo, não houve consulta pública para a cons- tivo do próprio formulário de consulta), dando Já a recomendação 54 encontra-se des-
ticipar dos processos de reparação pelos danos trução do Plano de Respostas, nem tampouco pouca margem aos atores respondentes a efeti- cumprida trata dos esforços para punir os res-
causados. Ao avaliar 8 PNA desenvolvidos até eram claros os critérios que levaram à seleção vamente criticarem aspectos materiais do Plano ponsáveis pelo rompimento das barragens em
o início de 2016, o Homa - Centro de Direitos dos entes que foram consultados pelo Ministé- de Respostas. Jacareí e Mariana, bem como sobre a garantia
Humanos e Negócios, concluiu que "as medidas rio dos Direitos Humanos. Inobstante, o Relatório Preliminar de de que as vítimas de ambas as tragédias tenham
propostas na totalidade dos Planos Nacionais A falta de clareza sobre a seleção das or- Meio Período apresentado pelo Estado brasilei- respeitados seus direitos de acesso à justiça, de
analisados são genéricas, não fornecem meca- ganizações consultadas e a ausência de consulta ro para consulta pública, no parágrafo 408 ( 47) , compensação e reparação pelos danos causados.
nismos de execução, não possuem uma meto- pública para obtenção de subsídios ao Plano afe- destaca como iniciativa positiva adotada pelo Destaca ainda a resolução 26/9, solicitando os
dologia clara de avaliação e monitoramento da taram a qualidade das informações que serviram governo brasileiro a publicação de Código de resultados obtidos pelo Brasil na temática de
sociedade civil". Uma outra falha observada por como base para a elaboração do documento, o Conduta e Respeito aos Direitos Humanos para Direitos Humanos e Empresas, oriundos de sua
um grupo de entidades de direitos humanos foi que compromete seu caráter como avaliação de Fornecedores de Bens e Serviços do Ministério da participação no Grupo Intergovernamental de
a ausência de opções de regulação e meios para base para a implementação de recomendações Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, con- Trabalho.
superar os obstáculos ao acesso à justiça. ( 45) sobre Empresas e Direitos Humanos de órgãos forme aprovado pela Portaria MDH nº. 350, de O rompimento da barreira em Jacareí no
Como forma de lidar com tais críticas aos nacionais e internacionais. 20 de novembro de 2018. O documento traria ano de 2016, sob a responsabilidade da empresa
PNA, a partir de 2018 o governo brasileiro en- Nesse aspecto, o processo de elaboração elementos do que o Ministério considera con- Rolando Comércio de Areia Ltda., que explora-
gajou-se na elaboração de um protocolo de im- das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direi- duta mínima ética, sustentável e respeitosa aos va a mineração de areia na localidade, lançou
plementação de recomendações sobre Empresas tos Humanos é exemplar. Ainda que, no balanço, direitos humanos esperada de todas as empresas resíduos de extração no Rio Paraíba do Sul. Não
e Direitos Humanos, posteriormente rebatizado a norma traga dispositivos promissores – como com as quais faz parceria e contratos, tornan- obstante a inexistência de feridos, houve prejuí-
de Plano de Resposta sobre Recomendações sobre a inclusão das cadeias de fornecimento como do obrigatória a adoção dos princípios, diretri- zos no abastecimento de água, e na preservação
Empresas e Direitos Humanos, finalmente di- possíveis focos de violações sob responsabili- zes e responsabilidades contidos no Código por do rio local. A Companhia Ambiental do Estado
vulgado publicamente no primeiro semestre de dade das empresas, prioridade para reparações ocasião da publicação de editais, e a inclusão de de São Paulo penalizou a empresa responsável
2019. e indenizações destinadas a grupos em situação cláusula nos contratos, convênios e instrumen- em R$ 5 milhões em razão dos danos causados
Organizações da sociedade civil mani- de vulnerabilidade e menção à necessidade de tos congêneres, a fim de orientar empresas e en- ( 48)
. Apesar do acontecimento, a mineração no
festaram preocupação com aspectos do Plano, aperfeiçoar mecanismos de transparência e par-
como seu cronograma, consultas às partes exter- ticipação –, estes acabam sendo ofuscados pela 46 MMFDH. Consulta pública aborda proteção aos direitos humanos nas empresas  
nas e critérios de monitoramento e mecanismo construção pouco participativa do documento e 47 Do Relatório Preliminar de Meio Período.  
48 Cfr.: CESTESB https://cetesb.sp.gov.br/blog/2016/02/15/cetesb-penaliza-mineradora-por-acidente-no-rio-paraiba-do-sul/  
45 ICAR, ECCJ, and Dejusticia. “Assessments of Existing National Action Plans (NAPs) on Business and Human Rights”, August 2017 Update.

38 39
Rio Paraíba do Sul vem se intensificando nos tal já vista no país, verifica-se a inexistência de
últimos anos, sobretudo em 2019, quando go- medidas concretas que eliminem o risco oriundo
vernos estadual e federal emitiram declarações das barragens instaladas no território brasileiro,
e normas no sentido de facilitar a exploração da de modo que as indenizações, multas, e responsa-
mineração nas regiões ditas “potenciais”, como bilização foram insuficientes e incompletas, visto
a Resolução SIMA n° 55/2019 ( 49) , emitida pelo que muitos ainda se encontram desamparados
Governo do Estado de São Paulo, e a nota repli- ante a destruição de sua fonte de sobrevivência,
cada pela Agência Nacional de Águas, comuni- e os culpados ainda continuam impunes.
cando que a “Extração de areia vai aumentar no Conclui-se que os impactos humanos e
Paraíba do Sul” ( 50) . Desse modo, vislumbram-se ambientais causados pelas tragédias ainda não
ações que destoam das medidas necessárias a re- foram totalmente sanados, e as recomendações
paração e preservação das áreas atingidas pela não foram cumpridas. As tragédias socioambien-
mineração na localidade do Rio Paraíba do Sul. tais resultantes da ingerência governamental na
O rompimento da barragem do Fundão, lo- fiscalização das atividades de mineradoras estão
calizada em Mariana (MG), é considerado uma se transformando em tragédias anunciadas. Des-
das maiores catástrofes ambientais já existen- taca-se que desde Mariana pouco foi feito, de
tes, pois além de dizimar vidas, se transformou modo que em janeiro de 2019 outra grave tragé-
na maior tragédia ambiental brasileira. Apesar dia assolou o país, a barragem sob responsabili-
de já terem se passado quase quatro anos des- dade da mineradora Vale, localizada em Bruma-
de a tragédia, a denúncia contra os responsáveis dinho se rompeu, atingindo a área administrativa
pela barragem do Fundão, incluindo a empresa da empresa e a comunidade da Vila Ferteco.
Samarco, suas proprietárias, Vale e BHP, bem Além dos impactos ambientais causados, foram
como a empresa de consultoria VogBR, ainda dizimadas 249 vidas, e ainda restam 21 pessoas
não foi julgada, inexistindo até agora qualquer que seguem desaparecidas. Apesar da mobiliza-
responsabilização pessoal pelos danos causados. ção governamental momentânea, e abertura de
Além disso, conforme reportagem feita pelo jor- inquérito, ainda não houve a responsabilização
nal Folha de São Paulo, nem sequer as multas pessoal pelas mortes. Os impactos causados pela
aplicadas pela Secretaria de Meio Ambiente de tragédia desde Mariana ainda não foram sana-
Minas Gerais foram pagas ( 51) . Destaca-se que dos, e as recomendações não foram cumpridas.
em razão da demora processual brasileira, uma Dessa forma, verificamos que ao contrário das
ação coletiva foi ajuizada no Reino Unido no recomendações, o que se verifica é a intensifi-
Tribunal de Negócios e Propriedade de Liverpool, cação de um discurso permissivo do governo
considerado um dos maiores processos judiciais a exploração irracional dos recursos minerais,
na história do Reino Unido, conforme destaca voltado tão somente ao aspecto econômico, sem
o jornal Valor Econômico ( 52). Foram requeri- considerar os impactos já causados pelas rup-
dos danos e prejuízos para cerca de 250 mil de- turas de barragens, que dizimaram centenas de
mandantes, dentre eles indivíduos, prefeituras, vidas, e causaram tragédias ambientais irrever-
empresas, uma arquidiocese e uma comunidade síveis e irreparáveis.
indígena. A espera é que a ação seja apreciada
com mais rapidez no Reino Unido e gere indeni-
zações mais justas. A mineradora BHP Billiton,
uma das donas da empresa Samarco, anunciou a
criação da Fundação Renova, destinada a repa-
rações após o rompimento da barragem US$ 438
milhões seriam destinados ao financiamento da
fundação até 31 de dezembro de 2019. Em dis-
sonância com a gravidade dos danos socioam-
bientais causados pela maior tragédia ambien-

49 RESOLUÇÃO SIMA 55/2019. Disponível em: https://smastr16.blob.core.windows.net/legislacao/2019/08/resolucao-sima-055-2019-processo-5.


068-2019-licenciamento-ambiental-mineracao-areia-rio-paraiba-do-sul.pdf  
50 Agência Nacional de Águas https://www.ana.gov.br/noticias-antigas/extraassapso-de-areia-vai-aumentar-no-paraaba-do.2019-03-15.0606975078.
51 Folha de São Paulo. Tragédia em Mariana ainda não tem culpados, e Samarco não pagou multas  
52 Valor Econômico. Ação coletiva no Reino Unido busca reparação por tragédia em Mariana
40 41
ao todo). O mesmo estudo indica que o tempo ências de custódia, está parcialmente cumprida.
médio de prisão sem condenação é de menos de O Departamento de Monitoramento e Fiscaliza-
180 dias para 71,29S% e mais de 180 dias para ção do Sistema Carcerário e do Sistema de Exe-
28,71%. No que diz respeito à raça: 43,62% dos/ cução de Medidas Socioeducativas (DMF) do
as presos/as são pardos/as, 11,34% negros/as (o Conselho Nacional de Justiça informa que, de
que soma 54,98%), 42,03% brancos/as e 3% ou- 2015 a julho de 2019, foram realizadas 543 mil
tros/as. A faixa etária indica que a imensa maio- audiências, sendo que, desse total, em 60% dos
ria é jovem, sendo que 30,52% tinha entre 18 e casos, houve a manutenção da prisão preventi-
24 anos e 23,39% de 25 a 29 anos (soma total de va e, em 37%, a concessão de liberdade provisó-
53,91%), 17,42% de 30 a 34 anos, 20,4% de 35 a ria ( 57).
45 anos e cerca de 8% com 45 anos e mais. A es- No que diz respeito ao cumprimento das
colaridade informa a imensa maioria com ensi- Recomendações 78, 106, 107 e 108, que tratam
no fundamental: 76,3% (sendo que 52,27% tem da redução do encarceramento, pode-se dizer

A população encarcerada no Brasil só tem


crescido, sendo atualmente a terceira do
mundo. Tem perfil majoritariamente jovem,
quatro anos). O mesmo órgão também informa
que há 366.5 mil mandados de prisão pendentes
de cumprimento, sendo que desses, 94% tratam
o fundamental completo e 24,04% fundamental
incompleto), 2,51% são analfabetos, 19,83% tem
ensino médio (13,72% completo e 6,11% incom-
iniciativa do Conselho Nacional de Justiça ( 58)
de implantar, em junho de 2019, uma Resolução
com o objetivo de atualizar a política institu-
negro, pobre e masculino. A maior parte dos de procurados pela Justiça e os demais (6%) de pleto) e pouco mais de 1% tem ensino superior. cional do Poder Judiciário para a promoção de
encarcerados não teve julgamento. As condi- foragidos. Segundo o Departamento Penitenci- Segundo as próprias Nações Unidas, o Brasil é aplicação de penas alternativas à prisão, como o
ções da maioria das prisões são absolutamente ário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Mi- um país cujo sistema carcerário é marcado pela uso de tornozeleiras eletrônicas, a proibição de
desumanas, reproduzindo-se nelas a tortura, nistério da Justiça, Poder Executivo, estima-se superlotação extrema, ocasionando não só uma frequentar determinados locais, o recolhimento
os maus tratos, o tratamento cruel e degradan- que o crescimento da população carcerária tem ampliação da tortura, como também relegando domiciliar noturno, entre outras têm por obje-
te – como também se exemplifica no item que um ritmo de 8,3% ao ano, o que significa que os presos e as presas a um ambiente insalubre, tivo contribuir para a redução da população en-
trata das recomendações a respeito da tortura. pode chegar a 1,5 milhão de encarcerados/as em equivalente a tratamento desumano, degradante carcerada. A Portaria n.º 495, ( 59) de 28 de abril
O tratamento humanizado dos/as apenados/as 2025. e cruel (ONU, 2016) ( 55) . de 2016, do Ministério da Justiça, instituiu a po-
com políticas de ressocialização e de respeito Estes números indicam uma superen- O Ministério Público Federal na peça ini- lítica nacional de alternativas penais e estabele-
aos direitos humanos está longe de ser efetiva- carceramento e uma superlotação das unidades cial da Arguição de Descumprimento de Preceito ceu uma meta de redução da população prisional
da. A presença do crime organizado dentro das prisionais. As instituições disponíveis não têm Fundamental nº 607 ( 56) tramitando no Supremo em 10% até 2019. Esta meta foi endossada pelo
prisões e a incapacidade de o Estado no sentido estrutura adequada e nem vagas para atender Tribunal Federal desde janeiro de 2017 a 2019 governo em maio de 2017, inclusive no contexto
de oferecer controle de sua atuação agrava ainda nem a atual número de encarcerados e menos julho de 2019 foram registradas 234 mortes no da Revisão Periódica Universal da Organização
mais a situação, de modo que massacres patroci- ainda o seu aumento. O Banco Nacional de Mo- sistema prisional brasileiro, com o registro de das Nações Unidas. Más, está longe de atingir
nados por forças públicas ou por facções crimi- nitoramento de Prisões – BNMP 2.0: Cadastro oito rebeliões: Penitenciária Monte Cristo (Boa o esperado, inclusive considerando os dados
nosas tem se intensificado nos últimos tempos. Nacional de Presos ( 54), do Conselho Nacional de Vista, RR), janeiro 2017, 33 mortos; Complexo anunciados pelo Conselho Nacional de Justiça.
As condições de aprisionamento de adolescentes Justiça, publicado em agosto de 2018 – o perfil Penitenciário Anisio Nobim (Manaus, AM), ja- O Departamento Penitenciário Nacional, órgão
também são inadequadas e sem respeito aos di- mais amplo e completo que é o mais atualiza- neiro de 2017, 56 mortos; Penitenciária de Al- do Ministério da Justiça e Segurança, do Poder
reitos humanos para a maioria deles/as. A pri- do da população carcerária – informa que, em 6 caçuz (Manaus, AM), maio 2017, 26 mortos; Executivo, diz ( 60) que trabalha para criar de 10
são das mulheres também registra as mesmas ou de agosto de 2018, havia 602.217, dos quais 95% Centro Socioeducativo Lar do Garoto (Lagoa mil a 20 mil novas vagas nos presídios até o fi-
mais graves situações de desrespeito aos direitos homens e 5% mulheres. Sendo que 40% deles/ Seca, PB), Junho 2017, 7 mortos; CIP (Goiânia, nal de 2019. Para 2022, a previsão é de ampliar
humanos as eram presos/as sem condenação, 24,65% eram GO), maio 2018, 10 adolescentes mortos; Pre- entre 100 mil e 150 mil novas vagas. Observe-se
No que diz respeito às Recomendações presos/as condenados/as em execução provisó- sídio Rogério C Madruga (Natal, RN), 2018, 4 que, considerando a previsão de crescimento da
75, 76, 77, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 89, 93, 90, 91, 92, ria, 35% presos/as condenados/as em execução mortos; Complexo Penitenciário Anisio Jobim população carcerária na ordem de 8,3% ao ano,
93 e 103, que tratam de sugerir a melhoria das definitiva e o restante eram todos/as em prisão (Manaus, AM), maio 2019, 40 mortos; Centro as novas vagas sequer dão conta de fazer frente
condições do encarceramento no Brasil, o que a provisória; ademais, deste total, 74% estava em de Recuperação Regional de altamira (Altamira, a este crescimento.
sociedade civil tem a dizer é que as condições só regime fechado, 24.13% no semiaberto e 1,76% PA), 209, 58 mortos. A Recomendação 94, que trata das mulhe-
têm piorado. O Conselho Nacional de Justiça ( 53), no aberto. A Recomendação 105, que trata de audi- res privadas de liberdade, foi parcialmente cum-
órgão do Poder Judiciário, informa que, em julho Os principais tipos penais imputados aos/
de 2019, eram 812 mil os/as presos/as em todos às encarcerados/as, segundo o mesmo levanta- 55 Conforme o Relatório “Luta antiprisional no mundo contemporâneo”, elaborado e publicado pela Pastoral Carcerária em https://desencarceramen-
os regimes (fechado, semiaberto e abrigados) mento, são: roubo (27,58%), tráfico de drogas to.org.br/wp-content/uploads/2018/09/relatorio_luta_antiprisional.pdf  
no país, sendo que 41,5% deles/as não tinham (24,74%), homicídio (11,27%) e furto (8,63%) 56 STF. ADPF/607.  
ainda condenação (situação que não muda há (considerando que são mais de 1500 tipos penais 57 G1. CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm condenação.  
58 Resolução CNJ nº 288 de 25/06/2019. Para a notícia a respeito ver: https://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/89150-nova-resolucao-atualiza-politica-do-
-judiciario-para-alternativas-penais.  
53 Dados divulgados em 17/07/2019: G1. CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm condenação; Brasil de Fato. 812 mil presos:
apenas 23 municípios têm população maior que as prisões brasileiras; Ponte. Com 812 mil pessoas presas, Brasil mantém a terceira maior população 59 DOU. Portaria nº 495, de 28 de abril de 2016.
carcerária do mundo.   60 Ministério da Justiça e Segurança Pública. Engenheiros serão contratados para dar celeridade às obras de novas vagas no sistema prisional.
54 CNJ. Banco Nacional de Monitoramento de Prisões 2.0.    
42 43
prida. Apesar de a Lei Federal nº 13.434/2017 ter puérperas ou mães com crianças de até 12 anos
proibido o uso de algemas em mulheres grávidas de idade ou mães de crianças e pessoas com de-
durante o parto, sua preparação e no puerpério ficiência de qualquer idade sob sua guarda. A
imediato, ainda persistem violações dos direitos substituição da prisão preventiva para a prisão
das mulheres privadas de liberdade. domiciliar tem restrições em relação a nature-
O Brasil é o terceiro país do mundo com za do crime, excetuando-se os casos de crimes
a maior população carcerária feminina, propor- praticados mediante violência ou grave ameaça,
cionalmente, sendo que 62% das encarceradas o contra seus descendentes ou em situações excep-
são por crimes relacionados ao tráfico de dro- cionalíssimas, as quais devem ser devidamente
gas. Em relação aos estabelecimentos prisionais, fundamentadas pelos juízes que negarem o pe-
apenas 7% deles são femininos. A maior parte dido de substituição. A Lei Federal nº 13.769, de
das mulheres, portanto, são presas em estabe- dezembro de 2018, passou a garantir esse direito
lecimentos mistos. Considerando-se o total dos como parte do Código de Processo Penal. In-
estabelecimentos, 90% são considerados inade- formações do Departamento Penitenciário Na-
quados para as gestantes encarceradas. Mesmo cional (DEPEN) dão conta de que, em maio de
nas unidades femininas, 49% são inadequados 2017, mais de 15 mil mulheres estavam presas
para as gestantes encarceradas. Apenas 3% das provisoriamente no Brasil. Estimava-se que a
unidades mistas têm berçário e/ou centro de decisão poderia beneficiar cerca de 4.500 mu-
referência para mulheres. Nos presídios femi- lheres (sendo 622 grávidas/lactantes), ou seja,
ninos esse número sobre para 32%. Apenas 5% 10% da população carcerária feminina do Bra-
dos presídios femininos têm creches, enquanto sil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro
que nos mistos não têm em nenhum. Observe- de Ciências Criminais (IBCCRIM). Apesar da
-se que, entre as mulheres privadas de liberdade, decisão do STF e da previsão legal, as decisões
64% têm pelo menos um filho. judiciais continuam decretando a prisão domi-
Em fevereiro de 2018, o Supremo Tribu- ciliar ao invés de estabelecer outras medidas
nal Federal concedeu um habeas corpus coleti- cautelares alternativas à prisão, além de majori-
vo (HC nº 143.631) em favor das mulheres sub- tariamente negarem os pedidos de conversão.
metidas à prisão cautelar que estejam gestantes,

44 45
tadas pelo Ministro da Justiça e da Segurança setembro de 2019 ( 69). Entretanto, o Presidente
Pública ao parlamento em 2019 ( 64). As ins- vetou 36 dispositivos contidos em 19 artigos.
tâncias responsáveis pela apuração dos crimes Dentre os vetos, que ainda serão avaliados pelo
das autoridades policiais existem, mas não têm Legislativo, estão os trechos que tratavam da
produzido mudanças significativas em suas prá- restrição do uso de algemas, sobre a perda de
ticas, de modo a, por vezes, gerarem resultado cargo como punição, obtenção de prova ilegal,
que mais corroboram do que inibem a violên- entre outros. Todos indicativos de garantias que
cia policial. A persistência da militarização das deveriam ser mantidas.
polícias estaduais colabora para que não sejam
mudadas estruturalmente as práticas de violên-
cia policial.
No que diz respeito às Recomendações 70,
71 e 98 o que se registra é o aumento da violên-

A atuação das forças policiais não registrou


mudanças significativas no período. Pelo
contrário houve piora na incidência da violência
Recomendações 32, 33, 34 e 58 observa-se que
os programas de formação de policiais, ain-
da que incluam temática de direitos humanos,
cia policial. No ano de 2018, o Brasil teve 6.160
pessoas mortas por policiais, 935 a mais que em
2017 (5.225 vítimas registradas), um crescimen-
policial junto com as execuções extrajudiciais. esta inclusão não é feita de modo independente, to de 18% no número de vítimas em confronto
Registra-se também o avanço de “autorização com abordagem crítica. Não há estudos sobre o com a polícia. Por outro lado, o número de po-
pública” por parte de autoridades para a violên- impacto e a eficácia deste tipo de formação na liciais assassinados foi de 307, menor que o ano
cia policial, inclusive com a proposição de me- mudança dos padrões de atuação dos agentes anterior (374) ( 65). No Rio de Janeiro, por exem-
didas legislativas que venham para incentivá-la. do sistema. No período não foram registrados plo, aumentou em 46% o número de mortes por
Não houve nenhum avanço no período em ter- programas massivos e com carga horária signi- violência policial no primeiro semestre de 2019
mos de políticas públicas para promover a edu- ficativa para tratar de direitos humanos na for- em comparação com o mesmo período de 2018,
cação em direitos humanos dos agentes de se- mação das forças de segurança, pelo contrário, de acordo com o Observatório de Segurança/
gurança do Estado. Avançou a adesão popular à as políticas de formação neste tema cessaram, Cesec . ( 66)
ideia “bandido bom é bandido morto” (em março sobretudo, inclusive pelo encerramento do Co- O Projeto de Lei nº 4.471/2017 trata de
de 2018, 50% dos brasileiros concordavam com mitê Nacional de Educação em Direitos Huma- procedimento de perícia, exame de corpo de de-
esta afirmação e 37% se opunham a ela, segundo nos, outrora vinculado ao Ministério da Mulher, lito, necropsia e da instauração de inquérito nos
pesquisa do IBOPE) o que dá cobertura para a da Família e dos Direitos Humanos. Este orga- casos em que o emprego da força policial resul-
prática da violência policial contra a população. nismo estava encarregado da implementação do tar morte ou lesão corporal. Porém, conforme
( 61)
De modo geral houve retrocesso na política Programa Nacional de Educação em Direitos os registros da Câmara dos Deputados, teve sua
de segurança pública. Foi criado o Sistema Úni- Humanos que tinha uma área específica dedi- última ação de tramitação em 22/03/2018 .
co de Segurança Pública (Susp) pela Lei Federal cada ao tema da educação em direitos humanos ( 67)
O racismo institucional está presente
nº 13.675/2018, mas, segundo o Atlas da Violên- dos agentes de segurança pública. O que se pode nas instituições policiais e ainda faz com que
cia 2019 ( 62) , ele é “um primeiro passo na direção concluir, dado o aumento da letalidade policial, a maioria das vítimas da violência policial se-
da construção de uma arquitetura institucional é que as medidas de educação em direitos huma- jam jovens negros. Segundo o Anuário Brasilei-
que promova a coordenação e a responsabiliza- nos na formação e no treinamento de agentes de ro de Segurança Pública, dos 5.896 boletins de
ção dos vários entes federativos”, mas constata segurança do Estado não tem surtido efeito. ocorrência de mortes em decorrência de inter-
ainda a “ausência de uma política nacional de Sobre as recomendações 61, 63 e 64 ob- venções policiais entre 2015 e 2016, 76,1% das
segurança pública” e que as políticas públicas, serva-se que o avanço de posicionamentos de vítimas eram negros/as: 5.769 homens e 42 mu-
de modo geral são “heterogêneas entre as unida- autoridades públicas legitimando as práticas de lheres, grande parte é jovem, sendo 35,5% com
des da federação” e “as políticas públicas locais violência policial. A formulação de propostas le- idade entre 18 e 29 anos ( 68).
terminam sendo conduzidas pelo empirismo do gislativas que a reforçassem estas práticas, par- As Recomendações 59 e 62 são considera-
dia a dia, na base da improvisação e no apagar ticularmente a proposta de “exclusão de ilicitu- das parcialmente cumpridas pois recentemente
de incêndio das crises recorrentes, seja em fun- de” – redução ou isenção de pena para policiais foi sancionada a Lei Federal nº 13.869, de 5 de
ção dos crimes que ocorrem nas ruas, seja den- quando em situação de confronto armado, am-
tro dos cárceres, onde há muito o Estado perdeu pliando as possibilidades de legítima defesa –, 64 Geledés. Nota técnica da coalizão sobre o pacote Morto.  
o controle”. constante do “pacote anticrime” ( 63) , compõem 65 Fórum de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública; G1. Número de pessoas mortas pela polícia no Brasil cresce 18% em 2018;
No que diz respeito especificamente às um conjunto de propostas legislativas apresen- assassinatos de policiais caem.  
66 CESEC. Rio tem aumento de 46% de mortes por violência policial no 1º semestre, diz observatório de segurança.  
61 O Globo. Ibope: 50% dos brasileiros acham que 'bandido bom é bandido morto   67 Câmara dos Deputados. PL 4471/2012  
62 IPEA. Atlas da Violência, p. 94.   68 Carta Capital. Racismo institucional leva polícia do Brasil e dos EUA a matar mais negros e pobres; Exame. Número de negros mortos por policiais
63 Uma descrição detalhada do Pacote pode ser encontrada em: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/pacote-anticrime-de-moro-ponto-a- é o triplo do de brancos  
-ponto-veja-como-a-lei-e-hoje-e-o-que-pode-mudar/   69 Brasil. Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019  
46 47
O Brasil criou e instalou o Sistema Nacional
de Prevenção e Combate à Tortura pela Lei
Federal nº 12.847/2013 (regulamentada pelo
em sua visita (2015) e, em seu relatório (2016)
anotou que o nível de tensão nas unidades brasi-
leiras é alto, tendo em vista, inclusive, o pesado
Decreto Federal nº 8.154/2013). Fazem parte armamento usado pelos agentes de estado. Foi
dele: o Mecanismo Nacional de Prevenção e Com- elencado ainda a existência de uma série de re-
bate à Tortura e o Comitê Nacional de Prevenção latos críveis de diversas formas de tortura como
e Combate à Tortura. Sua aprovação foi passo choques elétricos, uso de cães, espancamen-
significativo para o cumprimento das respon- to, balas de borracha, bombas de efeito moral,
sabilidades constitucionais e dos compromissos dentre outros. O Relatório Anual 2018 ( 71) do
internacionais (Protocolo Facultativo OPCAT Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate
adotado pelo Decreto Federal nº 6.085/2007) no à Tortura, o último disponível e com dados re-
que diz respeito à prevenção e combate a tortu- lativos a 2017, confirma a existência de tortura
ra. Todavia, o governo atual editou o Decreto em estabelecimentos prisionais, no sistema so-
Federal nº 9.831/2019, que fere a autonomia do cioeducativo (adolescentes em conflito com a
Mecanismo e resulta num retrocesso nesta polí- lei), nas instituições com características asilares
tica. A implementação nas unidades federativas e nas instituições de longa permanência e co-
também é baixa, como demonstraremos. Relató- munidades terapêuticas. Ademais, afirma que:
rios e estudos diversos apontam a permanência “a tortura é prática enraizada e naturalizada no
da prática de tortura no Brasil. país, sobretudo quando dirigida contra corpos
No que diz respeito às Recomendações 79 negros – muitas vezes compreendidos como matá-
e 80, que tratam particularmente da tortura no veis, torturáveis, descartáveis, desumanizados na
sistema prisional, segundo a Pastoral Carcerá- sua essência e despossuídos de direitos por nossas
ria, organização que atua no tema, em seu Re- instituições. A reiteração das práticas em diver-
latório “Tortura em Tempos de Encarceramento sos estados indica tratar-se de um grave proble-
em Massa” ( 70), há graves denúncias de existên- ma nacional, que demanda atenção não apenas
cia de tortura no sistema prisional, sendo que das autoridades locais, mas também de órgãos
as formas mais comuns são: sessões de espanca- federais envolvidos com o tema e da sociedade ci-
mento por múltiplos agentes; condições degra- vil em seu exercício das atividades de controle e
dantes de aprisionamento; omissões de socorro participação social nos processos de formulação,
e de atendimento médico; violência sexual en- implementação, avaliação e monitoramento das
volvendo estupros ou empalações; tratamentos políticas públicas relacionadas, direta ou indire-
humilhantes; imposição de isolamento prolon- tamente, com as questões exploradas” (2018, p.
gado como castigo; dentre outras, que terminam 32). A título de exemplo, estudo feito pela De-
por gerar extremo sofrimento físico e psíquico fensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ( 72)
para os privados de liberdade e, por vezes, até registrou 931 casos de tortura e outros tratamen-
sua morte. O Relator das Nações Unidas Con- tos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes
tra a Tortura, Sr. Juan Mendez, atestou o mesmo entre agosto de 2018 e maio de 2019, no Estado do

70 Pastoral Carcerária. Tortura em tempos de encarceramento em massa  


71 Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Relatório anual de 2017, p. 32  
72 http://www.defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/4688e3741bd14a60a27c08cf15cdaa43.pdf. Publicado em 29/07/2019  
48 49
Rio de Janeiro. O perfil das vítimas mostra que a a nomeação dos membros que representariam a
maioria é homem (97%), jovem (66% tem até 29 sociedade civil do CNPCT – havia sido eleitos
anos), preta e parda (82,6%) e com baixa escola- desde o mês de novembro de 2018. Também não
ridade (76% estudou até o ensino fundamental). havia nomeadoos/as peritos/as do MNPCT. Em
Quanto às agressões, a maioria foi praticada no razão disso, desde janeiro de 2019 o MNPCT
local do fato pela Polícia Militar (82% dos casos tem funcionado com apenas sete peritos/as,
com informação), sendo indicada a ocorrência resultando em prejuízo direto ao pleno funcio-
de agressões físicas e psicológicas e 57% de ca- namento do órgão. O Ministério da Família,
sos em que há lesão aparente. Segundo este estu- Mulher e Direitos Humanos também impediu a
do três presos sobrem tortura por dia no Rio de atuação do MNPCT em situação de grave viola-
Janeiro ( 73). ção de direitos nos presídios do Estado do Ceará
No que diz respeito às Recomendações no início de 2019 e também tentou impedir a ida
72, 73, 74, 85, 87 e 88, que tratam das condições de peritos do órgão para participar do 173° Pe-
institucionais para a prevenção e combate à tor- ríodo de Seções da Comissão Interamericana de
tura, é de se registrar que o Brasil é o primeiro Direitos Humanos (CIDH/OEA) e de Encontro
país a retroceder neste tema. Regional de Mecanismos Preventivos, realizado
O Poder Executivo Federal publicou o De- no México. O Governo Federal vem adotando
creto Federal nº 9.831, de 10 de junho de 2019, sistematicamente uma política de afronta aos
que acabou com a autonomia e as condições de compromissos internacionais, impedindo a atu-
funcionamento do Mecanismo Nacional de Pre- ação de órgãos independentes de fiscalização, o
venção e Combate à Tortura (MNPCT), bem que redunda na ameaça também ao funciona-
como alterou a composição do Comitê Nacional mento dos Mecanismos Preventivos em âmbito
de Prevenção e Combate a Tortura (CNPCT), estadual, colocando em risco a vida de milhares
em nítida retaliação à atuação desses Órgãos de pessoas que deveria proteger.
que vinham denunciando práticas sistemáticas A implementação de Mecanismos em ní-
de tortura nos locais de privação liberdade em vel estadual também é baixa. Foi feita somente
todo Brasil, notadamente, nos recentes relató- no Rio de Janeiro (Lei Estadual nº 5.778/2010),
rios referentes a Comunidades Terapêuticas, aos Pernambuco (Lei Estadual nº 14.683/2012),
Massacres no Sistema Prisional do Rio Grande Rondônia (Lei Estadual nº 3.262/2013) e Para-
do Norte, Roraima, Amazonas e de atuação ir- íba (Lei Estadual nº 7.413/2011); e está em cur-
regular no estado do Ceará de uma Força Tarefa so, ainda sem implementação em Alagoas (Lei
de Intervenção Federal (FTIP) criada no âmbi- Estadual nº 7.141/2009), Espírito Santo (Lei
to do Ministério da Justiça e Segurança Pública Estadual nº 10.006/2013), Maranhão (Lei Esta-
(MJSP). O referido Decreto interrompeu impor- dual nº 10.334/2015) e Goiás (Lei Estadual nº
tantes inspeções que estavam sendo planejadas, 19.684/2017), segundo o Relatório 2018 do Me-
trazendo um prejuízo sem precedentes à Política canismo Nacional ( 74). Ou seja, das 27 unidades
Nacional de Prevenção e Combate a Tortura. da federação, somente 14,81% já implantaram e
O Decreto referido afronta a Lei nº outras 14,81% estão em implantação, o que sig-
12.847/2013 que prevê independência e autono- nifica que somente 30% delas já o fizeram total
mia do mandato dos membros do MNPCT. Tam- ou parcialmente.
bém revogou o modo de composição do MNPCT,
formado por 11 peritos eleitos pelo CNPCT en-
tre pessoas com notório conhecimento e forma-
ção de nível superior com atuação e experiência
na área de prevenção e combate à tortura e a ou-
tros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes, respeitando a diversidade de raça,
cor, etnia, gênero e região do país.
O governo atual já vinha praticando atos
que fragilizavam os dois Órgãos Nacionais de
Prevenção e Combate à Tortura, quando não fez

73 Monitor Mercantil. Denúncias apontam que três presos sofrem tortura por dia no Rio  
74 Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Relatório anual de 2017.  
50 51
As Recomendações 1, 2, 3 e 4, que tratam da
adesão, assinatura e ratificação do Protocolo Fa-
cultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos
conforme enuncia a Declaração de Viena sobre
Direitos Humanos. Em especial, o PF-PIDESC
instaura um mecanismo por meio do qual sujei-
A Recomendação 16 foi cumprida, pois o Bra-
sil ratificou no dia 31 de janeiro de 2018, no
Escritório da Organização Internacional do Tra-
milhões de crianças e adolescentes estão em si-
tuação de trabalho no Brasil, segundo levanta-
mento com base na Pnad 2016 - IBGE.
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) pelo tos de direitos podem apresentar denúncias de balho (OIT) o instrumento formal de ratificação Com quase nenhuma indicação do novo
Estado brasileiro não foram cumpridas. Desde violações contra quaisquer de seus direitos eco- da Convenção n° 189 sobre as trabalhadoras e os governo em investir em políticas de enfrenta-
seu segundo ciclo da RPU, em 2012, o país rece- nômicos, sociais e culturais, bem como exigir trabalhadores domésticos. Entretanto, as Reco- mento ao trabalho infantil, de forma estrutural
be Recomendações nessa temática. Só neste ter- que os Estados sejam responsabilizados perante mendações 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 17, que tratam e intersetorial, acrescido de intencionalidades
ceiro ciclo, foram nove recomendações. O Brasil o Pacto por suas obrigações de respeitar, pro- da ratificação da Convenção 87 da OIT e finali- em flexibilizar ainda mais as leis trabalhistas e
é um país que, historicamente, tem ampla tradi- teger e cumprir com os direitos nele previstos, zação dos procedimentos internos para aderir à da própria extinção do Ministério do Trabalho,
ção no que se refere à construção e adesão aos incluindo os direitos humanos à moradia ade- Convenção Internacional sobre a Proteção dos há uma preocupação latente de que possamos
tratados internacionais de direitos humanos, e quada, alimentação, água, saneamento básico, Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes estar sob riscos de aumento do trabalho infan-
uma das expressões da deferência dada aos pro- tratamento de saúde, educação e seguridade so- e dos Membros de suas Famílias ainda não foi til no país. O trabalho infantil na indústria da
cessos internacionais ligados à proteção e à ga- cial. Contudo, apesar de uma série de esforços e cumprida. O Brasil é o único país do Mercosul moda, com caráter bastante domiciliar em gran-
rantia dos direitos humanos foi o próprio en- diálogos e interlocuções realizados pela socie- que ainda não ratificou a Convenção. des centros urbanos, pode vir a crescer em um
volvimento do Brasil no processo de discussão, dade civil brasileira, desde 2011, o Brasil ainda A Recomendação 205, que sugere o forta- contexto como esse, de pouca ou nenhuma fis-
elaboração e aprovação do Protocolo Facultati- não aderiu ao PF-PIDESC. A última informação lecimento de programas que combatam o traba- calização. Há debates ainda sobre os impactos
vo, o qual tornou possível a adoção do mesmo sobre o andamento do processo deu-se duran- lho infantil, principalmente através da inspeção, da possível aprovação da permissibilidade para
por consenso. te reunião com a missão brasileira no período investigação e de medidas preventivas como a a educação domiciliar, mais um fator de risco
O Protocolo Facultativo ao PIDESC en- de pré-sessão do terceiro ciclo da RPU, em que melhora das condições socioeconômicas das para que o trabalho infantil aconteça, de forma
trou em vigor em 05 de maio de 2013, por meio houve comunicado de que o governo brasileiro crianças e a garantia de acesso à educação, não mascarada e impunemente.
da qual a comunidade internacional deu grande continuava em processo de tramitação interna está sendo cumprida.
passo no sentido de tratar “diretos humanos de para assinar e ratificar o PF-PIDESC, o que já O 3º Plano Nacional de Prevenção e Er-
forma global e de maneira justa e equitativa, em vem de longa data, mas não se efetiva. radicação do Trabalho Infantil aponta que 2,4
pé de igualdade e dando-lhes a mesma ênfase”,

52 53
O Relatório Luz 2019 mostra que houve retro-
cesso no indicador de mortalidade infantil
referente às recomendações 162 e 163, voltando
HIV e AIDS nos níveis estaduais e municipais.
O resultado dessas diversas políticas de abando-
no da prevenção por soluções medicalizadas foi
a aumentar o número de óbitos a partir de 2015. o aumento em 8% da prevalência de pessoas vi-
Também voltou a aumentar a taxa de mortali- vendo com HIV no Brasil nos últimos dez anos,
dade materna em 2016. Esses dois indicadores segundo relatório da UNAIDS.
apontam para o fim de um ciclo de prosperidade Descumprindo as recomendações 152 e
econômica que se encerra a partir de 2011. 156, o programa “Mais Médicos” foi efetivamen-
As recentes medidas do Ministério da te desmontado, o que afetou diversas regiões do
Saúde sobre a política de HIV e AIDS no Brasil são país, impossibilitando o acesso à saúde básica
opostas à recomendação 157, tendo em vista que de populações em situação de vulnerabilidade
enfraquecem a estratégia nacional de combate como indígenas, quilombolas e populações em
ao HIV. Em 2019, o Brasil modificou a estrutura geral que habitam a zona rural. O mesmo Decre-
de políticas de enfrentamento ao HIV/AIDS por to 9795/2019 altera pontos fundamentais para o
meio de um decreto que alterou o nome do De- funcionamento da Secretaria Especial de Saúde
partamento de Vigilância, Prevenção e Controle Indígena (SESAI), como a extinção de pessoal e
das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do da gestão democrática da administração da saú-
HIV/Aids e das Hepatites Virais para Departa- de indígena. Tais medidas diminuem a abran-
mento de Doenças de Condições Crônicas e In- gência das políticas de saúde ao excluir as popu-
fecções Sexualmente Transmissíveis, rebaixando lações com difícil acesso à serviços.
a área de HIV/Aids a uma coordenação. Além O atual ministro da Economia defendeu
disso, incluiu duas doenças não relacionadas um Projeto de Emenda à Constituição (PEC)
ao contágio sexual: tuberculose e hanseníase, que busca desvincular receitas do Orçamento da
sem que a nova modificação representasse mais União, desobrigando os entes públicos a desti-
recursos. Este Decreto 9795, de 17 de maio de narem um percentual mínimo de suas receitas à
2019, aglomera patologias com diferenças signi- Saúde, como define atualmente a Constituição
ficativas, diluindo recursos e desperdiçando co- Federal. Essa política, aliada à Emenda Consti-
nhecimento acumulado em cada área. O decreto tucional 95, desinveste em políticas de acesso a
é uma decisão unilateral, atropelando instâncias serviços e promoção da saúde, enfraquecendo o
de participação e consulta institucional, con- SUS, dessa forma descumprindo as recomenda-
tradizendo os avanços na resposta da epidemia ções 153, 154 e 155, enquanto prepara o caminho
construída democraticamente através de trans- para a privatização da saúde pública, o que deve
parência e participação social. gerar menor condição de acesso, principalmente
Além disso, a já comentada Emenda para as populações mais vulneráveis.
Constitucional 95, que impõe a indexação con- Desde o início de 2018, o Brasil sofre um
trolada do piso de aplicação em saúde, impôs surto de sarampo, doença até então erradicada
ao setor uma perda de R$ 8,5 bilhões em 2019. do país. Esse surto é associado a baixa cobertu-
Ademais, a Portaria MS/GM 3992/2017 decre- ra de vacinação da população. A vacinação em
tou o fim dos blocos de financiamento do SUS, crianças menores de um ano teve, em 2017, seu
prejudicando a manutenção e ampliação de menor índice de cobertura em 16 anos. Esses fa-
ações de prevenção e assistência à epidemia do tores colaboram para o aumento da mortalida-
54 55
de infantil, que no Brasil, depois de décadas de ma de saúde de um país) foi emblemática, que de informação, como o de Segurança Pública ou métodos anticoncepcionais voltados às mulhe-
queda, registra alta taxa, descumprindo a reco- por sua vez refletem questões de discriminação de Educação, dificulta a disponibilidade de da- res, particularmente o de prevenção a doenças
mendação 163. com base no gênero e na raça na sociedade bra- dos atualizados e desagregados para serem uti- sexualmente transmissíveis (camisinha femini-
Outra recomendação não cumprida, a sileira. Dados do Ministério da Saúde de 2010 lizados para planejamento adequado, principal- na), sofreu reveses de desabastecimento. Este
155, compromete a sustentabilidade do SUS em e 2015 indicam que a mortalidade materna no mente sob um regime ideológico de austeridade método dá autonomia preventiva às mulheres.
curto, médio e longo prazo. A expansão do nú- Brasil diminuiu para 60 mortes por 100 000 en- e contenção de investimento na área da saúde Porém, sequências de falta de material e o lento
mero de Parcerias Público-Privadas para a ad- tregas em tempo real, mas desde 2016 voltou a pública. trabalho de convencimento da população a ado-
ministração dos serviços hospitalares, com one- crescer para 65/100mil. Portanto, retrocesso na capacidade de in- tar o método, compromete o impacto da inicia-
ração exclusiva na receita pública sem atrair o Em fevereiro de 2017, o governo brasilei- formação, desmonte institucional, e contingen- tiva.
capital privado adicional, compromete o modelo ro no processo de Revisão Periódica Universal ciamento orçamentário para a Saúde e a Edu- Acrescentando as recomendações 160
de processos inovadores de financiamento para do Conselho de Direitos Humanos declarou que, cação, anunciam um quadro deficitário para o e 161, que tratam do acesso à interrupção vo-
a cobertura de saúde, constituindo uma mera entre 1990 e 2013, o número de mortes ligadas avanço dos direitos humanos no âmbito da co- luntária da gravidez, observamos tentativas de
terceirização da administração hospitalar. Pes- ao parto e gravidez reduziu em 43%. Apesar des- bertura universal de saúde no Brasil. retrocesso na atual política, não avanço na re-
quisa no estado de Pernambuco, feita pela Ges- te progresso, a redução na taxa de mortalidade Em relação aos direitos sexuais e reprodu- gulamentação do aborto como prática de saú-
tos para o Conselho Estadual de Saúde, indicou materna tem sido desigual, em um país de ex- tivos, a recomendação 158 é ampla e deve ser de e direito reprodutivo. O aborto representa
superfaturamento não justificado nas unidades trema desigualdade social e econômica, o que analisada em diversos contextos para assegurar hoje a quarta causa de morte materna evitável
administradas por OS comparadas às adminis- fez com que voltasse a crescer com o retorno da materialidade. Nos últimos dez anos aumentou a no Brasil, ocorre espontaneamente após pressão
tradas diretamente pela Secretaria de Saúde. pobreza e pobreza extrema. assistência pré-natal. Isto acarretou em redução alta durante a gravidez, hemorragia e infecções,
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o sistema de Rafaela, uma garota afro-brasileira de 15 anos, foi de mortes de bebês e de mães durante o parto sendo o segundo procedimento obstétrico mais
saúde entrou em colapso, com falta de medi- internada com pressão arterial extremamente alta e até 2016, quando volta a crescer óbitos infantis realizado no Sistema Único de Saúde (SUS). As
camentos, insumos básicos e pessoal. Enquan- sinais de pré-eclâmpsia no Hospital da Mulher Ma- e maternos (RL 2019: 15). principais vítimas do aborto clandestino e in-
to isso como relatado no Relatório Luz 2018, riska Ribeiro, no Rio de Janeiro. Depois de atraso sem O Brasil é um dos campeões mundiais no seguro são as mulheres que se encontram em
ser atendida, recebeu tratamento inadequado para a
uma “organização social”, a Missão Evangélica uso de cirurgias cesarianas desnecessárias. Em maior vulnerabilidade social. Pobres, jovens,
pré-eclâmpsia. Ao entrar em convulsões eclâmpticas,
Kaiowá, recebeu repasses de mais de quinhen- 2016, segundo dados do Ministério da Saúde, negras, indígenas e residentes da zona rural são
Rafaela foi submetida a parto cesariano e faleceu.
tos milhões de reais por ano, para administrar 55,6% dos nascimentos no país foram por ce- afetadas pela baixa qualidade da assistência. Es-
A morte evitável de Rafaela Cristina de
um pequeno posto de saúde com baixa frequên- sarianas. Na rede privada este percentual sobe sas mulheres são vítimas de racismo e sexismo
Souza Santos, em 24 de abril de 2015, ilustra al-
cia de atendimentos à população indígena. Este para 82,6% dos partos realizados. No momento institucional, baseado em depoimentos sobre o
guns dos desafios contínuos e os efeitos particu-
caso requer mais investigação. há um Projeto de Lei (3635/2019) que aumen- serviço de saúde para mulheres em estado abor-
lares sobre as mulheres do modelo de assistência
Referente à recomendação 154, a iniciati- ta o direito à cesariana opcional, onerando sem tivo, com discriminação verbal às mulheres e
submisso ao discurso competente da medicali-
va central do governo e sua estratégia para redu- necessidade os serviços de saúde obstétrica, me- meninas em unidades de saúde materna.
zação adotado e ensinado no Brasil, que envolve
zir a mortalidade e morbidade materna – a Rede dicalizando cirurgicamente o nascimento em No Brasil o aborto só é acessível legalmen-
o uso não baseado em evidências de tecnologias
Cegonha – concentra-se em melhorar a qualida- contradição à humanização crescente do parto te em caso de gravidez de risco para a mulher,
e procedimentos pelos provedores, e uma negli-
de do acesso aos serviços de saúde para garan- como preconizado pela Convenção sobre Elimi- em caso de estupro e quando houver gravidez
gência dos determinantes sociais da saúde, que
tir a segurança maternidade e acesso acessível a nação de todas as formas de Discriminação con- de feto anencefálico. Porém, mesmo para essas
são especialmente cruciais para os direitos das
cuidados obstétricos adequados. No entanto, a tra as Mulheres (CEDAW: 1979) e no Consenso três situações previstas em lei, o acesso das mu-
mulheres, marginalizadas ou não, incluindo às
abordagem estritamente médica da Rede Cego- de Montevideo, de 2013 (§43 e 45), contrarian- lheres ao aborto legal ainda é precário. Núme-
de ascendência africana e indígena.
nha leva a um continuum assimetricamente ten- do a recomendação 159, não só neste quesito ros do DATASUS apontam que, em 2011, 67,4%
O estudo sistemático de "Nascimento no
dencioso para a medicalização, como refletido mas em quase sua totalidade. das mulheres que engravidaram em decorrência
Brasil", realizado pelo Ministério da Saúde com
pelas altas taxas de cesariana e outras interven- Em contramão ao reconhecimento dos de estupro não realizaram a interrupção da gra-
a Fundação Oswaldo Cruz, contém recomen-
ções na gravidez e no parto (por exemplo, uso cuidados no momento do parto, como descrito videz. Pesquisas mostraram que os serviços de
dações dirigidas a diferentes formuladores de
de ocitocina para acelerar as contrações). A ma- no Consenso de Montevideo (2013), o Ministé- referência estão em diferentes estágios de im-
políticas, gestores, conselhos de profissionais
neira como muitas dessas intervenções são pra- rio da Saúde, em 3 de maio de 2019, realizou plementação e qualidade da assistência: alguns
de saúde, profissionais de saúde, universida-
ticadas constitui "violência obstétrica", termo despacho assinado pela Coordenação Geral da não estão funcionando; em outros a maioria dos
des, pesquisadores e movimentos sociais, com o
recentemente abolido de documentos oficiais Saúde das Mulheres orientando que se evitasse médicos recusa o atendimento; e há serviços em
objetivo de reduzir as partos cesáreas de forma
como descrito acima. ou abolisse o termo “violência obstétrica” de do- que, apesar de serem listados como sendo de re-
responsável. Além disso, o Ministério da Saú-
Padrões de mortalidade materna reve- cumentos de políticas públicas. A deliberação ferência, o procedimento de interrupção de gra-
de enfrenta sérios desafios para coletar infor-
lam questões fundamentais em relação ao sta- do Ministério descumpre a recomendação 169 videz para vítimas de violência sexual nunca foi
mações sistemáticas e padronizadas, tanto dos
tus social e econômico das mulheres em uma ao tornar invisível as violências sofridas pelas realizado.
municípios quanto do setor privado, gerando
sociedade (recomendação 153), além do esta- mulheres no momento do parto, potencializan- Nos últimos anos tem ocorrido um cres-
subnotificação e falha na coleta de dados desa-
do de funcionamento de um sistema de saúde. do complicações que aumentam a mortalidade cimento de projetos de lei que visam retroceder
gregados.
Como observado pelo comitê CEDAW, a morte materna no Brasil, como reportado na seção re- em relação aos direitos reprodutivos. Tais pro-
A dificuldade para integrar os diversos
de Alyne da Silva Pimentel Teixeira (primeiro ferente à Saúde Sexual e Reprodutiva abaixo. postas visam eliminar o direito ao aborto pre-
sistemas de informação do Ministério da Saú-
caso legal em órgão internacional contra siste- Ao mesmo tempo, o acesso e disponibilidade a visto em lei, sob o argumento do direito absolu-
de (DATASUS) com outros sistemas de coleta
56 57
to à vida desde a concepção de embriões e fetos. Há três projetos em tramitação na Câ-
Por exemplo, a proposta de emenda parlamentar mara dos Deputados cujos conteúdos afrontam
no. 29 de 2015 propõe a alteração no Artigo 5º a garantia do aborto seguro: o PL 5069/2013, o
da Constituição Federal, para incluir “inviolabi- qual tipifica como crime contra a vida o anún-
lidade do direito à vida desde a concepção”. Na cio de meio abortivo, o Estatuto do Nascituro
prática, a proposta contribui para a insegurança (PL 478/2007), que atribui direitos de cidadania
jurídica no atendimento às vítimas de violência a embriões, e a PEC 181, que inscreve o direito
sexual, contribuindo para o aumento do aborto à vida desde a concepção por meio de uma alte-
inseguro, demora na busca por assistência por ração no inciso XVIII do art. 7º da Constituição
parte das mulheres devido ao receio de serem Federal para dispor sobre a licença-maternidade
alvo de denúncias pela prática do aborto. em caso de parto prematuro.

A s temáticas referentes às Recomendações


151, 165, 167, 172, 173 e 174 de inclusão de
afrodescendentes no sistema educacional e no
ódica Universal (RPU) da ONU; e o Alto Co-
missariado da ONU para os Direitos Humanos,
através de diversas relatorias especiais, já fize-
mercado de trabalho, estão previstas na meta ram recomendações contra o projeto e por po-
8 do Plano Nacional de Educação (PNE) e não líticas de promoção da igualdade de gênero no
teve nenhum de seus dispositivos cumpridos até Brasil. Mesmo depois de tantas recomendações,
2018. A tentativa de igualar a mesma taxa entre o governo segue engajado nessa pauta discrimi-
negros e não negros é uma das mais distantes natória, com declarações da Ministra da Mulher,
do cumprimento: estamos em 89% da popula- Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de
ção negra nesse patamar. Já a escolaridade mé- que a teoria da evolução não deveria ser ensina-
dia, em anos de estudo, da população de 18 a da nas escolas, de que as meninas devem vestir
29 anos - 25% mais pobres, está em 10,6 anos, rosa e os meninos devem vestir azul, de que a
sendo a meta 12 anos. A escolaridade média, em educação sexual nas escolas ensinaria crianças a
anos de estudo, da população de 18 a 29 anos fazer sexo, ou de que cientistas europeus teriam
do campo é de 6,6 anos, comparada aos 12 da influenciado autoridades brasileiras a mastur-
média nacional. Os resultados evidenciam que bar bebês nas escolas, entre outras.
ainda permanece a desigualdade para as parce- Ainda, tais grupos fundamentalistas têm
las menos privilegiadas da sociedade brasileira, adensado o apoio à regulamentação da educa-
especialmente na realidade escolar. ção domiciliar, sob o pretexto de que crianças e
No mesmo sentido, a Recomendação 152 adolescentes estariam sendo doutrinados - pelo
não foi cumprida. Ela sugere esforços para saú- debate plural de ideias e pelo ensino de discipli-
de e educação inclusivas que beneficiem todos nas sobre política e história - e/ou ameaçados
os setores da sociedade, diferente do que se ob- nas escolas - por aulas como de educação sexual.
serva no Brasil com pautas como o “Escola Sem Novamente, em um país que ainda vê altas taxas
Partido”, gênero, o avanço do fundamentalismo de violência sexual e doméstica contra crianças e
religioso e a educação para pessoas com defi- adolescentes, em que a maior parte das crianças
ciência. A Campanha Nacional pelo Direito à e adolescentes em situação de trabalho infan-
Educação e o Instituto de Desenvolvimento e til em meio urbano realiza o trabalho em meio
Direitos Humanos, entre outras organizações, doméstico, em que parte das crianças e adoles-
realizam, desde 2015, diversas denúncias in- centes têm como uma das fontes de alimentação
ternacionais sobre o “Escola Sem Partido” e as diária a merenda escolar, e em que há ainda falta
violações que tangem a temática sobre a igual- de saneamento básico, rede elétrica e de outras
dade de gênero na educação. O Comitê sobre os condições de moradia, uma medida como esta é
Direitos da Criança da ONU; a Comissão Inte- uma ameaça à proteção e à garantia da seguran-
ramericana de Direitos Humanos (CIDH), da ça de milhões de crianças e adolescentes.
Organização dos Estados Americanos (OEA); Já no tocante à educação para pessoas com
os Estados Nacionais, através da Revisão Peri- deficiência, o marco legal que orienta a garan-

75 Diversas ações em relação à educação não somente não foram cumpridas como retrocederam, em contrariedade às recomendações da RPU
como também as seguintes dos organismos internacionais: a previsão de metas do ODS 4; A/HRC/RES/38/9; A/RES/72/222; CRC/C/BRA/CO/2-4;
as recomendações das Relatorias Especiais da ONU - OL BRA 4/2017 e OL BRA 4/2018 -; as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), em seu 159º Período de Sessões
58 59
tia dos direitos educacionais para elas no Brasil ção Inclusiva e a Lei Brasileira de Inclusão, que totalidade esperada, segundo dados da Pesqui- no Nacional de Educação. A redução do analfa-
(Convenção Internacional sobre os Direitos das regulam a Convenção Internacional sobre os Di- sa Nacional por Amostra de Domicílios 2017, a betismo funcional segue sendo um desafio para
Pessoas com Deficiência,Decreto 6.949/2009, a reitos das Pessoas com Deficiência estão amea- mais recente. as políticas públicas educacionais. É necessária
Política Nacional de Educação Especial na Pers- çadas. Para que metade das crianças brasileiras uma redução de mais de 15% da taxa atual até
pectiva da Educação Inclusiva/2008; Resolução Na mesma linha de descumprimento, en- de até 3 anos estejam na escola em 2024, con- 2024, fim do período de vigência do PNE. Se-
CNE/CEB nº 4/2009; Decreto 7.611/2011; Lei contram-se as Recomendações 164, 166, 167, 169, forme prevê o Plano, seria necessário investir o gundo o INAF (Indicador de Alfabetismo Fun-
13.055/2014 – PNE; Lei 13.146/2015 – Lei Bra- 170, 171 e 200 sobre a implementação do Plano suficiente para garantir o acesso de mais 20% da cional), é considerada analfabeta funcional a
sileira de Inclusão), ao buscar criar condições Nacional de Educação e garantia de acesso à edu- população nessa faixa etária às vagas nas cre- pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever algo
para o acesso, permanência e aprendizagens dos cação de qualidade. O Brasil vem enfrentando, ches. Em 2017, o aumento havia sido de apenas simples, não tem as competências necessárias
sujeitos público-alvo da educação especial no nos últimos anos, um grave contexto de crise 4%. para satisfazer as demandas do seu dia a dia e
contexto escolar, engendrar transformações nos política e econômica, acompanhado do descum- A universalização do acesso ao ensino viabilizar o seu desenvolvimento pessoal e pro-
sistemas públicos e privado de ensino, visando primento das metas nacionais e internacionais proposta pelo primeiro dispositivo da meta 3 do fissional.
garantir práticas educativas inclusivas que aten- de educação, enfraquecimento das instâncias de Plano Nacional de Educação, que trata de Ensino O fechamento de escolas em áreas rurais
dam às necessidades específicas de todos os alu- participação, e fragilização das instituições de- Médio, está em atraso desde 2016, sendo neces- do Brasil não para de crescer. De acordo com
nos na escola regular. Os desafios implicados na mocráticas. Em um clima de instabilidade po- sários mais 8% de crescimento para ser atingida, um levantamento da Universidade Federal de
ampliação desses expressivos avanços envolvem lítica e econômica, o governo de Michel Temer de acordo com dados da mais recente Pesquisa São Carlos (UFSCar), de 2002 até o primeiro se-
a descontinuidade de investimentos na forma- foi marcado pela ascensão de um programa eco- Nacional por Amostra de Domicílios. Também é mestre de 2017, cerca de 30 mil escolas rurais
ção de educadores, na falta de aprimoramento nômico cuja principal marca foi a aprovação da preciso ampliar os investimentos para chegar à no país deixaram de funcionar. Enquanto esco-
da gestão, das práticas pedagógicas inclusivas, Emenda Constitucional (EC) 95/2016, emenda taxa de 85% de adequação idade-série dos estu- las fecham, as matrículas em unidades de ensino
das diferentes dimensões da acessibilidade, na que estabelece um novo regime fiscal determi- dantes nessa faixa etária. no campo crescem em alguns estados. O censo
construção de redes de aprendizagem, e no esta- nando que nenhum investimento nas áreas so- Sem porosidade às críticas de especialis- divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e
belecimento de parcerias entre os atores da co- ciais possa ser superior ao reajuste inflacionário tas e entidades da sociedade civil, foi aprovada Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
munidade escolar e na intersetorialidade da ges- por um período de vinte anos, ou seja, um con- a Lei 13.415/2017, com origem na Medida Pro- revela que no estado do Rio de Janeiro houve um
tão pública. Até 2018, podemos observar que há gelamento de recursos para educação, saúde e visória 746/2016, que impõe uma Reforma do aumento no número de inscrições em unidades
um grande descompasso entre a presença destes assistência social até 2036. Ensino Médio que aprofunda precariedade de escolares rurais de 2016 para 2017. Segundo o
alunos na escola e seu acesso ao atendimento es- Este é o grande obstáculo atual para a grande parte da oferta pública da última eta- levantamento, houve 3.518 matrículas a mais em
pecializado, o que denota a necessidade de mais universalização do acesso à educação de quali- pa educação básica no país. Com uma propos- relação ao ano de 2016.
investimentos em infraestrutura escolar e for- dade no país por colocar em xeque o cumpri- ta de currículo mínimo através de “itinerários Quando não são fechadas, as escolas do
mação docente para efetivar o processo de in- mento das metas e estratégias estabelecidas formativos”, a reforma produz uma precariza- campo são sucateadas, agravando a situação de
clusão e respeito às diferenças e necessidades de pelo Plano Nacional de Educação (PNE - Lei ção da formação das juventudes brasileiras e a falta de infraestrutura. Ainda, por meio dos cor-
cada indivíduo. n° 13.005/2014) com vigência até 2024 e, deve desresponsabilização do Estado para com a sua tes orçamentários, o governo extinguiu progra-
A construção de um Sistema Educacional impactar negativamente também o próximo pla- obrigatoriedade constitucional. A tendência é mas bem-sucedidos e bem avaliados em pesqui-
Inclusivo está longe de se concretizar. Ainda hoje no, com vigência entre 2024 e 2034. O PNE é de aprofundamento das desigualdades educa- sas nacionais. É o caso do Programa Nacional
não é possível quantificar a porcentagem da po- prerrogativa da Constituição Federal de 1988 cionais e sociais, ameaçando a democratização de Educação da Reforma Agrária (Pronera) que
pulação com deficiência, transtornos globais do e estabelece um plano decenal com diretrizes, do ensino público e distanciando a juventude precisava de R$ 30 milhões para funcionar em
desenvolvimento e altas habilidades/superdota- metas e estratégias para o avanço do direito à do direito inalienável à educação com qualidade 2018, mas só contava com previsão orçamentá-
ção de 4 a 17 anos que está fora da escola. Por educação. Essa política segue como a principal social. A lei passou a permitir que fossem uti- ria seis vezes menor.
outro lado, dos que estão matriculados, segundo política pública do país para alcance do ODS lizados recursos públicos do Fundo de Manu- Dentre as metas estabelecidas pelo Pla-
dados do Censo Escolar de 2018, 92,2% frequen- 4. Com seu escanteio desde sua sanção, tanto o tenção e Desenvolvimento da Educação Básica no, a nº 20 estabelece ampliar o investimento
tam a sala de aula comum. Dentre as ações que cumprimento do Plano quanto do ODS 4 estão (Fundeb) para a realização de parceiras com o público em educação pública de forma a atingir,
precisam ser ampliadas está a garantia de oferta ameaçados. E, como o ODS 4 é um objetivo cha- setor privado, inclusive para que empresas de no mínimo, o patamar de 7% do PIB no 5° ano
do Atendimento Educacional Especializado aos ve para garantia de todos os demais, podemos Educação a Distância (EaD) ofertassem cursos de vigência da Lei e, no mínimo, o equivalente
estudantes que necessitam deste apoio. Nos pri- afirmar que a própria Agenda 2030 para o Brasil nessa modalidade e que seriam usados para a in- a 10% do PIB ao final do decênio e tem como
meiros dias de governo, Bolsonaro decretou o está em risco. Até 2019, somente 4 das 16 metas tegralização dos currículos dos estudantes nesse estratégias de alcance a implantação do Custo
fim da SECADI/MEC (Secretaria de Educação do Plano tinham apresentando algum avanço, nível de ensino. A Reforma elevou essa possibi- Aluno-Qualidade (CAQi/CAQ). Pouco se avan-
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclu- mas nenhuma foi integralmente cumprida. lidade ao extremo ao regulamentar que até 40% çou na implementação desses mecanismos e o
são) do Ministério da Educação, que era respon- Além de não ter sido atingido, o disposi- do Ensino Médio possa ser feito na modalidade atual Governo Federal vem acentuando medidas
sável por garantir a educação inclusiva, e criou tivo da Meta 1 do Plano Nacional de Educação, à distância. de austeridade econômica com cortes, reduções
a Secretaria de Modalidades Especializadas de que prevê a universalização do acesso à escola Em 2018, a taxa de 93,5% esperada para a dos orçamentos, ameaça de desvinculação de
Educação, voltada para a educação especial sem para as crianças de 4 e 5 anos até 2016 se en- alfabetização dos brasileiros em 2015 ainda não receitas constitucionais obrigatórias, e tentando
inclusão das pessoas com deficiência em classes contra em atraso. Desde 2014, primeiro ano de havia sido alcançada (e até hoje isso ainda não anular ou retirar o CAQi/CAQ como obrigato-
regulares. Diante dessa ação, a Política Nacional vigência do Plano, a taxa de escolarização cres- se concretizou), e deve ser aumentada em quase riedade do custo de financiamento da educação
de Educação Especial na Perspectiva da Educa- ceu apenas 4 dos 11% necessários para chegar à 7% até 2024 para que se atinja a meta 09 do Pla- básica do país.

60 61
A Recomendação 149, que sugere a re- anos que frequenta ou já concluiu cursos de gra-
dução das taxas de desemprego, reforçando os duação está em 25,6% (Pnad 2017). Já a partici-
programas de treinamento vocacional não foi pação da rede pública na expansão das matrícu-
cumprida. Nos últimos anos tem-se tentando las no Ensino Superior é menor ainda, em 11,8%
incentivar, por exemplo, a oferta de educação de (Pnad 2017). Nenhum dos dispositivos da meta
jovens e adultos de forma integrada ao ensino 12 do PNE, que trata de acesso ao ensino supe-
profissional, conforme previsto no Plano Nacio- rior, está próximo ao cumprimento, destacando-
nal de Educação (Lei 13.005/2014). O Plano che- -se a participação da rede pública na expansão
ga a estabelecer como meta a ampliação de pelo das matrículas, que continua distante dos 40%
menos 25% das matrículas para a modalidade, indicados no Plano.
mas em 2017, esse percentual não chegava a 2%, Por sua vez, a Recomendação 67, que tra-
segundo dados da Pesquisa Nacional por Amos- ta de Educação em Direitos Humanos (EDH) foi
tra de Domicílios (Pnad). Ou seja, caso não haja apenas parcialmente cumprida, pois embora o
uma política específica e esforços voltados para Brasil tenha um Plano Nacional de Educação
esse sentido, dificilmente se atingirá a meta pro- em Direitos Humanos (2003/2006), Diretri-
posta no PNE. Já a educação profissional técnica zes Nacionais de Educação em Direitos Huma-
de nível médio tem recebido diversos graus de nos (2012) e sido feitos esforços para se incluir
priorização em investimento nos últimos anos, a EDH na Base Nacional Comum Curricular
por isso há uma oscilação de sua expansão. Se- (BNCC), o atual governo tem promovido um
gundo dados da Pnad 2014, 2015, 2016 e 2017, desmantelamento das políticas de EDH. Cons-
as taxas de expansão em, relação a 2013 - pon- tata-se que os meios de se fazer a política de
to inicial do PNE -, foram 20,9%, 20,1%, 16%, EDH carecem agora de estrutura, uma vez que
17,7%, e 24,2%, respectivamente. Mesmo assim, a área do Ministério da Educação responsável
o Brasil está muito longe de triplicar a oferta de pela pasta, a Secretaria de Educação Continu-
vagas na educação profissional técnica de nível ada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SE-
médio, conforme prevê o Plano. Já a rede pú- CADI) foi extinta e o Comitê Nacional de EDH
blica tem visto sua rede expandir, tendo cum- desarticulado. Assim, o Ministério das Mulhe-
prido a meta do dispositivo que estabelece uma res, da Familia e dos Direitos Humanos e o da
taxa de 50% de expansão. Entretanto, o acesso Educação retiraram o tema da agenda política
da população ao ensino superior segue bastante nacional.
restrito. O percentual da população de 18 a 24

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