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A “aprendizagem ao longo da vida’. Anillise critica de um conceito e de uma politica’ Rui Canario As politicas de educacao e formagio ocupam hoje, na Europa, um lugar central no discurso € nas preocupacées sociais e politicas. Essa centralidade re- sulta da articulagao que é estabelecida entre a educagio e a actividade eco- némica (produtividade ¢ emprego) ¢ que conduz a que as politicas de edu- cacio e formacdo sejam uma “traducio” das preocupacées de gestio da mio-de-obra, ou seja, das politicas de emprego (Maroy e Conter, 2000). A esta luz deve ser compreendida a insisténcia na cooperacao estreita, ou mes- mo na fusio, entre os ministérios da Educagao e do Trabalho que se verifica, nomeadamente, em Portugal. Deste ponto de vista, as politicas de educagao e formac’o constituem um terreno politico, desejavelmente sujeito ao debate e A controvérsia, que implica escolhas e opcées no nivel quer dos meios, quer, principalmente, dos fins. E neste quadro que deve situar-se 0 processo de debate e consulta, pre- sentemente em curso no ambito da Unido Europeia, em torno do “Memo- rando sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida”. O presente texto representa um contributo critico para esse debate que permita esclarecer e compreender de que modo, ¢ em que sentido, evoluiram as concepgdes sobre a educagao € a formacio, na Europa, durante os ultimos trinta anos. A enfatizacao, ac- tual, da “aprendizagem ao longo da vida” parece, numa primeira aproxima- cdo, situar-se numa linha de continuidade relativamente a0 movimento da “educacio permanente” que marcou os anos 70 do século XX. A tese central defendida neste texto consiste em negar essa continuidade e por em evidéncia a ruptura existente entre as duas concepcdes. A emergéncia, nos anos 90, do * Este texto € a versio escrita de uma Conferéncia proferida em 25 de maio de 2001, num Se- minario organizado pela Agéncia Séerates ¢ Leonardo da Vinci. Nesta publicagio os edicores mantiveram 0 portugués de Portugal. Psic. da Ed., Sao Paulo, 10/11, 1° ¢ 2° sem. de 2000, pp. 29-52 30 discurso e da politica sobre a “aprendizagem ao longo da vida” é, de facto, 0 resultado, como refere Le Goff (1996), de uma erasdo continuada dos ideais da “educagéo permanente”. Anos 70: 0 tempo de “aprender a ser” Hé poucos anos (1996), realizou-se em Lisboa (por iniciativa da Asso- ciago Abril em Maio) uma exposigio de fotografia de Giuseppe Morandi, fo- t6grafo (italiano) nao profissional, que sempre viveu em Piadena (sua terra natal), onde é, ainda, apesar da sua notoriedade como artista, um modesto funciondrio (dactilégrafo) da Camara Municipal. Como escreve Peter Kame- rer (no catélogo da exposico), Morandi “nunca tentou sair desta situacao para se tornar um intelectual” e pensa que “nao ter um curso é quase como ser livre” porque “significa nao pensar numa carteira”. O seu percurso de for- macio, enquanto artista, autodidacta ¢ milicante cultural, esta muito ligado a experiéncia italiana das “150 horas”, a partir da qual os trabalhadores ita- lianos conquistaram o direito (traduzido na contratagao colectiva) a gerir uma carga horaria trienal de 150 horas para melhorar a sua cultura. Tratava-se de um proceso de formagio auto-gerido de modo colectivo ¢ claramente distan- ciado das concepgées redutoras ¢ funcionais da “formacao profissional” O movimento das “150 horas” nasceu no final dos anos 70, num con- texto de lutas operdrias ¢ estudantis, 0 mesmo contexto em que Morandi ¢ outros fundaram, em 1967, a Liga de Cultura de Piadena. As concepgoes de educagio e de formacao presentes no percurso pessoal de Morandi € subja- centes a0 movimento das “150 horas” remetiam nao para um processo de adaptacao ao mundo, mas sim para uma compreensio critica que permitisse intervir para o transformar. Slogans como “a cultura nao é uma flor na la- pela” ou “aprender a tocar flauta é um acto revolucionério” exprimiam 0 modo como era vista, na época, numa perspectiva de educacao popular, a ar- ticulagao entre educacao € cultura. Uma histéria como a de Giuseppe Mo- randi no seria possivel, hoje, no contexto da politica de “aprendizagem ao longo da vida”. Faltam os movimentos sociais de cariz transformador que, a partir das fabricas e das escolas, influenciaram, no inicio dos anos 70, as ideias e as praticas de educacao ¢ formacao que, em nivel institucional, se viriam a traduzir no movimento de “educagdo permanente”. Com efeito, é no inicio da década de 70 que é publicado pela Unesco um relatério, “Aprender a Ser”, que muitos viriam depois a considerar como representando um ponto de viragem no modo de encarar e conceber 0s pro- cessos educativos. Este documento, considerado como o “manifesto da edu- cagio permanente”, enfatizava, por oposigio a uma légica cumulativa e es- colar da aprendizagem, um proceso educativo coincidente com o ciclo vital € a construcao da pessoa. Esta emergéncia da pessoa como sujeito da forma- cdo aparece associada a trés pressupostos sobre a educagio, o da sua diversi- dade, 0 da sua continuidade e 0 da sua globalidade. Esta concepgao de educacio permanente aparecia, na época, como uma possibilidade de pensar ¢ reorga- nizar todo o proceso educativo, subordinando-o a construgao de uma “cidade educativa”. O alcance dos ideais da educacao permanente foi limitado, em primeiro lugar, por uma concepgao redutora da educacao permanente que conduziu a circunscrevé-la a0 periodo pés-escolar ¢/ou a piiblicos adultos nao escolariza- dos, ou seja, a uma formagao profissional continua baseada no conceito da “reciclagem”, ou a uma educagao de segunda oportunidade. Educacio perma- nente passou entéo a ser confundida com educacio de adultos. Por outro lado, a concretizagéo das politicas de educagdo permanente (apesar da impor- tAncia assumida pelas modalidades educativas nao formais) assumiu o carécter de uma tendencial extensio da forma escolar 4 vida das pessoas. Em vez de educagio permanente, passamos a ter a permanéncia da educagio (escolari- zada) que invadiu dominios € contaminou actividades até ai nao abrangidos pela escola. Como assinalaram alguns criticos, nessa época, em vez de relativizar a im- portancia do escolar, assistiu-se, paradoxalmente, & transformagao do planeta numa gigantesca sala de aula, contribuindo para “perpetuar” a escola (Dauber e Verne, 1977). Finalmente, ¢ em contradigao total com a concep¢ao da educagao como um processo de “aprender a ser”, o alargamento da forma escolar a todos os tempos ¢ espacos contribuiu para desvalorizar as aquisigdes humanas realizadas por via nao escolar, a partir de vivéncias experienciais. Em sentido contrério ao das suas promessas, podemos reconhecer hoje de que modo 0 movimento da educacao permanente contribuiu para que no inicio deste novo milénio a educagio permaneca refém da forma escolar (Vincent, 1994). Durante os tiltimos trinta anos, aquilo a que assistimos, em nome do desenvolvimento da educagio, foi uma “erosao” progressiva e continuada das 31 32 referéncias iniciais da educagao permanente que conduziu a sua perversio. E sobre essa perversdo que se afirmam e constroem, na actualidade, as politicas de “aprendizagem ao longo da vida”. interesse de chamar a atencao para as potencialidades de uma revi- sitagdo critica do movimento de educacdo permanente reside, por um lado, nas experiéncias educativas (ainda que embriondrias ¢ minoritérias) que, num contexto de iniciativa popular, este movimento permitiu ou incentivou. Re- cordem-se as experiéncias de educagao popular que marcaram o periodo que, em Portugal, sucedeu ao 25 de Abril (Melo e Benavente, 1978). Reside, por outro lado, e é esse talvez o aspecto mais “actual” da edu- caco permanente, na justificagdo aduzida para fundamentar a importdncia e a forma da educacio. Essa fundamentacao era, no princfpio dos anos 70, de cariz essencialmente filaséfico e politico. Os referentes da accao educativa eram uma concepcao da pessoa € uma concepgdo da sociedade. Ao explicitar essas con- cepgées abria-se 0 caminho a controvérsia, ao exame critico e 4 escolha. Anos 90: 0 tempo da “aprendizagem ao longo da vida” Numa primeira, apressada e ingénua, leitura, 0 discurso oficial sobre a “aprendizagem ao longo da vida” pode ser entendido como o retomar volun- tarista da “aposta” na educago que marcou os anos 70. Contudo, nada é mais diferente. Se nas décadas de 60 ¢ 70 imperou a controvérsia, hoje im- pera 0 “consenso”, ou seja, a auséncia de debate e a negacao do pensamento critico. E em nome desse “consenso” que o Livro Branco publicado pela Co- misao Europeia em 1995 (Enseigner et Aprendre. Vers la société cognitive) decreta que devem ser considerados como ultrapassados os debates sobre “a concepgao das missdes dos sistemas educativos ¢ de formacao” (p. 44). Por outras palavras, a partir de agora s6 se admite a discussio sobre os meios, ne- gando-se qualquer pertinéncia a discussio dos fins, ou seja, aquilo que esta no cerne da politica e da cidadania, a determinacao pelos humanos do seu de- vir individual e colectivo. De facto, se a justificagao da “educagao permanente” era de ordem emi- nentemente politica e filosdfica, a argumentagao que fundamenta a “apren- dizagem ao longo da vida” é de natureza inteiramente diversa e tem como base trés grandes categorias de argumentos que remetem para a evolugao tec- noligica, para a eficécia produtiva e para a coesdo social. E a esta luz que € pos- sivel analisar e compreender o sentido do Memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida, elaborado pela Comissio Europeia na sequéncia da reuniao do Conselho Europeu, em Lisboa, em margo de 2000, ¢ agora submetido a um processo de consulta nacional. A primeira categoria de argumentos diz respeito a uma rapida e profunda mutacao de carécter tecnolégica, comparada no Memorando as mudangas ocor- ridas quando da Revolugéo Industrial, que marcaria a transigio para uma “Era do Conhecimento”, concomitante com uma “Nova Economia” que tor- naria obsoletas as competéncias actualmente existentes, As mudangas no ni- vel da tecnologia aparecem como elementos de sobredeterminagio da socie- dade e da vida humana: “a tecnologia digital esté a transformar todos os aspectos da vida dos cidadaos, enquanto que a biotecnologia poder vir um dia a alterar a propria vida” (p. 10). ‘A aprendizagem ao longo da vida emerge como uma estratégia que, partindo do reconhecimento das “insuficiéncias ¢ inadequacies de competén- cias, em especial no dominio das TIC {Tecnologias de Informagao e Comu- nicagéo}”, permita dar resposta a uma exigéncia dupla: de um lado, por parte dos empregadores “que exigem a capacidade de rapidamente aprender ¢ ad- quitir novas competéncias, adaptando-se a novos desafios € situacoes”; de ou- tro lado, por parte dos “mercados laborais” que “exigem perfis de competén- cias, qualificagdes e experiéncias em permanente mudanga” (p. 16). A rapida evolucao tecnolégica, apresentada como algo de inelutavel cuja origem per- manece misteriosa, esta na raiz de mutagdes sociais ¢ econémicas relativa- mente as quais é imperativa uma adaptagao. A aprendizagem ao longo da vida € uma estratégia que visa fornecer as condicées para essa adaptacao, perspectivada como a forma de “todos os europeus” “participarem activamen- te na construcéo do futuro da Europa” (p. 3). Uma segunda categoria de argumentos refere-se a eficacia da actividade produtiva que, em torno da trindade (Santissima?) da produtividade, competi- tividade ¢ empregabilidade, apela a uma outra gesto global da mao-de-obra, capaz de responder a uma situacio marcada por “drésticas mudangas nos pa- drdes de produgio, comércio ¢ investimento” que “desequilibrou os mercados laborais, resultando em elevados niveis de desemprego estrutural, juntamente com crescentes insuficiéncias e inadequades de competéncias” (p. 8). A aprendizagem ao longo da vida é precisamente definida, no Memorando, como uma medida integrada na “Estratégia Europeia de Emprego”, “visando 33 34 melhorar conhecimentos, aptiddes ¢ competéncias” (p. 3). A produgao das “novas competéncias” requeridas pela transi¢ao da Europa “para uma socie- dade e uma economia assentes no conhecimento” passa a instituir-se como “a chave do reforco da competitividade da Europa e da melhoria da emprega- bilidade ¢ da adaptabilidade da forca de trabalho” (p. 7). E esta preocupagao em melhorar a “empregabilidade” e a “adaptabilidade” da mao-de-obra que constituiu o factor de catalisagdo que, nos anos 90, viria a colocar na agenda politica a questo da aprendizagem ao longo da vida. A terceira categoria de argumentos organiza-se em torno da temética da “coesio social” que é 0 reverso do “combate a exclusao” ¢ que traduz a preocupagio central de combater ou prevenir formas de conflitualidade social que poderiam abalar o sucesso da nova ordem econémic capacidade de conciliar “um crescimento econdmico dinamico”, “reforcando simultaneamente a coesao social” (p. 8). As preocupagdes com a “coesio so- esta em causa a cial” representam a tradugdo, no contexto da “nova questo social”, do espec- tro das “classes perigosas” que preocupou, no século XIX, as classes dirigen- tes. E nesta perspectiva que, como refere o Memorando, emergiu, em meados dos anos 90, 0 seguinte “consenso”: longo da vida contribuem para manter a competitividade econémica e a em- “néio apenas a educacdo ¢ a formacio a0 pregabilidade, como constituem igualmente o melhor meio de combater a exclusao social” (p. 8). Estas trés categorias de argumentacao, aparentemente diversas, sio ver- tentes distintas de uma mesma légica argumentativa: a subordinagao fun- cional das politicas de educacao e de formacao a racionalidade econémica do- minante, baseada na produgao ¢ acumulagio de riqueza sob a forma de “uma tendéncia inquieta ¢ insaciével para acumular capital” (Heilbroner, 1986).' Esta subordinacdo funcional implica que os préprios sistemas de educagio € formacio (ainda que sob a forma de servicos ptiblicos, da responsabilidade do Estado) adoptem a mesma légica de funcionamento ¢ se estruturem em ter- 1 Jéo Parecer produzido pelo Irdac (Industrial Research and Developpement Advisory Committee of the Commission of the European Communities), no inicio dos anos 90, sobre 0 défice de qualificagdes na Europa considerava como “vital a relagao entre a educacio, a formacao € a competitividade”, considerando que “o produto dos sistemas de educacao ¢ formagii (...) € 0 primeiro factor determinante da produtividade industrial de um pais e, consequentemente, da sua competitividade” (pp. IV/V). mos de mercado, ‘Trata-se, como se explicita no Memorando, de considerar cada individuo como o responsdvel principal da sua formacao e, portanto, da sua insergao no mercado de trabalho, ja que “a empregabilidade é, sem dui- vida, um resultado fundamental de uma aprendizagem bem sucedida” (p. 13). Esta responsabilidade individual pelo éxito (“subir na vida", p. 13 do Memo- rando) ou pelo insucesso (despedimento) conduz a que cada pessoa tenda a compottar-se como um “empresdrio de si”. Como escreveu Claude Dubar: “Cada um deve ter consigo proprio a relagdo de um empresario com o seu produto, procurar ‘vender-se’, negociar o ‘capital’ em que se tornou” (1996, p. 23). Dos anos 70 aos anos 90: 0 que mudou? A transicao da concepgéo da “educagdo permanente” para a concepgio da “aprendizagem ao longo da vida”, que representa uma ruptura e no uma continuidade, inscreve-se ¢ s6 € compreensivel no quadro de um conjunto mais vasto de transformacées de natureza social que afectaram a economia, 0 trabalho © a formagao, no iltimo quartel do século XX. De um ponto de vista econémico, 0 trago mais marcante da evolugao registrada diz respeito a aceleracao do processo de integrago econémica su- pra nacional, fenémeno de ambito mundial, no qual se integra 0 “projecto” de construgéo da Unido Europeia. Este processo intensificou a autonomia do capital financeiro, deslocou 0 centro do poder para os grandes grupos econ6- micos, actuando & escala do planeta, e para érgios de regulagio supra nacionais (Banco Mundial, FMI, OCDE, etc.). Este proceso, apelidado de “globaliza- cao” ou de “mundializacao”, implica uma relativizagao e esvaziamento de po- deres dos “velhos” Estados nacionais. Esta transferéncia de poderes traduz-se, em termos dos regimes politicos baseados na democracia representativa, num retrocesso € desvalorizacio da participagdo politica, expressa, por exemplo, nos indices de participagio eleitoral ¢ com consequéncias no nivel da legiti- midade politica. Este retrocesso politico € concomitante com uma crescente “monetari- zagio” da vida quotidiana (o poder do dinheiro tende a afirmar-se de modo absoluto). Como escreveu Perret (1999), “o mercado vampiriza a democra- cia”, e as “novas fronteiras do dinheiro” tornam obsoletas as tradicionais fron- 35 36 teiras nacionais (Reich, 1993). Como escreveu ‘Tom Thomas, (2000, p. 55) 0 dinheiro, transformado em capital financeiro, torna-se indiferente ao modo preciso como vai ser aplicado, ou seja, “indiferente ao seu destino ¢ as suas metamorfoses”. Na qualidade de capital indiferenciado, torna-se “plenamente mundial, deslocando-se com rapidez atras dos melhores rendimentos”, 0 que permite compreender a ligacao indissociével da “mundializagao” ¢ da “finan- ciatizagio”. O processo de “globalizacdo” corresponde a afirmacao hegemé- nica do dinheiro, sob a forma de capital financeiro. ‘As mudangas verificadas na economia tém uma contrapartida nas trans- formacées profundas verificadas, também, no mundo do trabalho. A ruptura do compromisso politico que permitiu articular a democracia e 0 capitalismo, sob a forma do Estado Providéncia, conduziu, na Europa, a passar de uma situagao de pleno emprego para sociedades “envenenadas” ¢ “doentes do tra- balho”, em que a “crise do trabalho” (induzida por uma “desregulamentagio” do mercado de trabalho) se confunde com uma “crise da sociedade” (como resultado dos “efeitos perversos da modernizagao”) e se exprime por uma si- tuagio em que o trabalho perde a sua centralidade enquanto fonte de va- lorizagio social (De Brandt, Dejours ¢ Dubar, 1995, pp. 119-120). As trans- formagées do mundo do trabalho, na Europa, traduzem-se, a partir dos anos 70, por um fenémeno de desemprego estrutural de massas que atinge, em primeiro lugar, os paises mais “modernos” e mais “competitivos” (Franca, Alemanha e Inglaterra). Esta “crise do trabalho” que corresponde, com mo- dalidades diferenciadas, a uma tendéncia global (Rifkin, 1996) configura, nos termos de Rocard (1996), uma crise civilizacional que ¢ concomitante com um agravamento sistematico dos varios tipos de desigualdade social (Fitoussi € Rosanvallon, 1996). Os niveis de desemprego, absolutamente impensdveis nos anos 60, pela sua visibilidade social tendem a “esconder” aquela que é a mais decisiva ¢ brutal das mudangas, ou seja, a que poe em causa a natureza do vinculo la- boral, tornado precério. Este proceso, apelidado pelos tedricos da “nova eco- nomia” de “flexibilizacéo do emprego”, corresponde a “redesenhar 0 mercado de emprego” com base na crescente precarizacéo dos vinculos de trabalho (Daucé, 1998). A aceitacao social desta precarizagao é preparada e facilitada pela ameaga constituida pelos elevados niveis de desemprego, 0 que permite elevar os niveis de tolerancia a injustica social e tende, assim, a banalizé-la. O prego social e individual desta e de outras transformacées € alto ¢ expri- me-se quer pela intensificagio dos processos ¢ situagdes de “sofrimento” as- sociados ao trabalho (Dejours, 1998),” quer pelos efeitos de “corrosio do ca- racter”, os quais decorrem de um “novo capitalismo” que, ao concentrar-se no imediato, dificulta o discernimento sobre 0 que ¢ duradouro, bem como a prossecucao de “fins a longo prazo numa economia dedicada ao curto pra- zo” (Sennet, 2001, pp. 8-9). No que se refere @ formagio, a mudanga fundamental reside na passa- gem do modelo da qualificacao para 0 modelo da competncia. Estamos, segun- do Carré e Caspar (1999, p. 7), diante de uma auténtica “mutacao cultural” que, em menos de trinta anos, permitiu a transigio de uma “visio social ¢ humanista da educagéo permanente” para uma visio “econémica ¢ realista da producao de competéncias”. Se 0 modelo da qualificacéo, correspondente a um nivel preciso de formacdo, correspondia, nos anos 60, a um requisito de promogao social, 0 modelo da competéncia remete, nos anos 90, para um re- quisito de empregabilidade. A existéncia de equivaléncias claras entre formacao, qualificacao, sal: o € estatuto profissional permitiu, no periodo fordista, estabelecer, através de normativos legais, convengées colectivas ¢ acordos de empresa, quadros de re- feréncia estaveis para a construcao de identidades profissionais. A actual crise das identidades profissionais (Dubar, 2000) é o resultado convergente do de- semprego de massas, da precarizacao do trabalho e das novas formas de ges- tao que caracterizam 0 “novo espitito do capitalismo” (Boltanski ¢ Chiapello, 2000). Neste quadro, como refere Dubar (1998), a qualificagdo enquanto ob- jecto de uma negociacao colectiva cede o seu lugar & competéncia, avaliada para cada individuo e pela entidade empregadora. Cada um passa, assim, a ser res- ponsével pela sua “empregabilidade”, e 0s problemas do trabalho tendem a deixar de ser sociais para passarem a ser percepcionados como problemas in- dividuais. 2 Dubar (1996, p. 27) assinala, no caso da Franca (o pais do mundo em que se consomem mais, neurolépticos): “o desenvolvimento gravissimo de uma psiquiacrizagao das situagdes de desem- prego ¢ de uma culpabilidade crescente das pessoas atingidas que resulta do lago entre a in- dividualizagio, 0 modelo da competéncia € © estado dramatico do mercado de emprego" 37 38 ‘A aprendizagem ao longo da vida como discurso ideolégico O conjunto de mudangas que assinalmos, nos niveis da economia, do trabalho e da formacio, configura, nos anos 90, uma outra forma de equa- cionar os problemas que é muito distinta daquela que prevaleceu nos anos 70. Ela corresponde a uma outra maneira de “ler” 0 mundo que constitui o pano de fundo ideolégico que subjaz politica da “aprendizagem ao longo da vida”. A mudanca de paradigma pode ser apresentada, de modo sintético, em fungao de trés dimensdes: uma econémica, uma social e uma educativa. Em termos da dimensio econémica, nos anos 60, os problemas eram equacionados a partir do conceito central de desenvolvimento que permitia classificar os diferentes paises e regides do globo (desenvolvimento, subdesen- volvimento e em vias de desenvolvimento). Era uma visao simultaneamente voluntarista ¢ optimista que via no “progresso” 0 motor da evolucao social, conducente a criagao de “sociedades da abundancia”. No apogeu das socie- dades industriais, como escreveu Aron, o horizonte esperado era o de uma melhoria constante das condigées de vida, tendo como referencial uma ideologia do crescimento: “Que a produgio e os rendimentos aumentem de ano para ano, que cada gerac&o disponha de um volume de bens mais con- sideravel do que a geracao precedente, passa a constituir a ordem natural das coisas” (1969, p. 226). E nesta perspectiva que os problemas sociais, agrava- dos com a crise econémica do inicio dos anos 70, tendem a ser encarados como acidentes de percurso ou como “desilusdes do progresso” (idem). Nos anos 90, o referencial do “desenvolvimento” deu lugar ao referencial da “mundializagio”", encarada como um conjunto de desafios, que nos sao exte- riores, aos quais é preciso responder e, sobretudo, adaptar-se. Relativamente a dimensao social, os problemas eram equacionados, nos anos 60, em fungio de diferentes quadrantes de pensamento, como proble- mas de pobreza (perspectiva crista) ou de exploragao (perspectiva marxista). Em ambos os casos est presente como referente a ideia de justica social. Este conceito perde a sua centralidade para dar lugar a preocupacées de contralo so- cial, organizadas a partir do conceito de coesao social (“promover a coesio so- cial” ou “lutar contra a exclusao social” sao duas maneiras diferentes de dizer a mesma coisa, ou seja, defender a preservacao da “paz”, quer dizer, da “or- dem” social). Um relat6rio da OCDE, publicado em 1997, consagrado a te- matica da “coesio social”, é particularmente esclarecedor quanto ao sentido desta preocupagio. Neste documento (citado por Saint-Martin, 1999), reconhecem-se os méritos das medidas de politica econémica, conduzidas com persisténcia pelos membros da OCDE, orientadas para “o ajustamento estrutural ¢ a mun- dializagéo da produgéo ¢ da distribuicdo". Mas reconhecem-se, também, as consequéncias sociais dessas medidas, nomeadamente, “o desencantamento politico cada vez mais vivo, resultado de uma polarizacio crescente dos ren- dimentos, da persisténcia de niveis elevados de desemprego ¢ de uma exclu- sao social cada vez mais presente”. O mal-estar social crescente constitui uma séria “ameaca para o movimento de flexibilizagdo da economia e para as me- didas que favorecem a concorréncia, a mundializacio € a inovagao tecnolégi- ca”. Por outras palavras, as preocupagdes manifestadas com a coesao social justificam-se por esta constituir uma condigio necess4ria para a consolidacao de um projecto econémico baseado na integragdo supra nacional. A coesao social aparece como algo importante, na medida em que a sua “erosao” po- deria “encorajar a emergéncia do proteccionismo” e, portanto, comprometer “a integracdo internacional dos mercados” (idem, p. 91). E neste quadro de preocupacées com a “ordem social” que é possivel entender como se passou de uma “guerra a pobreza” nos anos 60, para uma criminalizacao da pobreza, nos anos 90, a qual configura uma “guerra aos pobres”, traduzida pelo seu incarceramento sistematico. O Estado Social (promotor do “bem estar”) nos anos 60 tende a ser substituido, nos anos 90, por um Estado Penal (Wacquant, 1998, 1999). No que respeita a educagio, ela era, nos anos 60, objecto de uma in- tensa controvérsia baseada na contraposi¢ao de perspectivas filosGficas e po- liticas concorrentes € conflituais. O “consenso” sobre a educagio nos anos 90 supde uma deslocacdo do centro do debate do terreno politico e filos6fico para o terreno da “eficacia” e da subordinacao funcional da educagao a ra- cionalidade econémica. A perspectiva da construgio de uma “cidade educa- tiva”, presente no contexto da “educacao permanente”, é substituida por uma concepcao de “aprendizagem ao longo da vida” que permita responder aos desafios da mundializagao. Neste quadro, o debate sobre os meios sobrepde- se ao debate sobre os fins ¢ 0 optimismo relativamente & educagao (associada linearmente a “progress”, nos anos 60) dé lugar a um desencanto progres- sivo. O acesso a educacdo era encarado, nos anos 60, como algo que garantia beneficios a todos 0s participantes, sendo portanto percepcionado como um jogo de soma positiva. Hoje, a conjugacao das transformacées do mundo do 39 trabalho com a desvalorizacao dos diplomas tende a fazer emergir uma outra percepcio do acesso & educagdo como um jogo de soma nula (0 que uns ga- nham outros perdem), numa légica de competiao e de exclusio relativa. De uma concep¢ao educativa centrada na construgao da pessoa (“Apren- der a ser”) passou-se para uma concepgio educativa funcionalmente subordi- nada a produgdo e acumulacao de bens (“Aprender a ter”). A educacio e a formacio instituem-se, nos anos 90, por um lado como um requisite ¢ por ou- tro lado como um paliativo. Como requisito, a educacao e a formacio assu- mem uma importancia decisiva na producéo de uma mao-de-obra adequada a chamada “nova economia”. Como factor paliativo, a educagao e a formacio sio instrumentos de amortecimento dos conflitos sociais e de preservacio da harmonia e da ordem imprescindiveis ao bom funcionamento da economia (a chamada “satide das empresas”). Est4 em causa 0 objectivo ideal de, nas pa- lavras do actual Ministro do Trabalho, conciliar “a competitividade econémica ea coesao social” através da promogao de “uma competitividade socialmente sus- tentivel, flexivel para as empresas, mas geradora de niveis aceitaveis de seguran- ¢a individual” (Pedroso, 2000). A articulagao estreita entre as politicas de edu- cago e formacio e as politicas de emprego serve a gestao politica dos problemas sociais do desemprego e da precarizagio do trabalho e induz a ideia de que os problemas de insercao satisfatéria no mercado de trabalho seriam uma consequéncia do défice de qualificagées dos trabalhadores. A justificagéo da politica de “aprendizagem ao longo da vida”, como de outras politicas sociais, parece, numa primeira aproximacao, fundamentada em factos, procurando instituir-se como uma resposta neutra e, até, como a Ginica possivel e légica. Essa fundamentagao pode sintetizar-se na formula, repetida a exaustio, dos “desafios da mundializago”. Ora, esta justificagao repousa, de facto, sobre uma retérica que, para Bourdieu e Wacquant (2000), constitui “uma nova vulgata planetaria” construida a partir de um vocabu- lario vindo nao se sabe donde e que “esta em todas bocas”. Deste vocabulario sio palavras-chave, entre outras: “mundializagao”, “flexibilidade”, “emprega- bilidade”, “exclusao social”, “coesdo social”, “nova economia”, etc. Deste vo- : “capita- cabulario estao, significativamente, ausentes outros vocdbulos com: lismo”, “classe”, “exploragéo”, “dominacio”, “desigualdade”, etc. A difusao desta nova vulgata planetaria corresponde, nos termos utili- zados por Bourdieu e Wacquant, a um “imperialismo simbélico” que impée um modo de pensar (0 designado “pensamento tinico”) que tem como prin- cipal caracteristica a de utilizar os conceitos para argumentar, sem que sobre eles haja qualquer argumentagio. Desta forma, a pertinéncia € 0 sentido dos conceitos com os quais se argumenta (“empregabilidade”, “competitividade” , etc.) parecem valer por si, 4 margem de qualquer controvérsia ou elucidagao critica. Nesta perspectiva, a “mundializacao” é constantemente evocada como base explicativa sem que ela propria seja objecto de qualquer explicagéo. Ins- titui-se, assim, um discurso teérico e politico baseado numa espécie de cau- salidade do destino que as palavras recentes de um responsavel governativo ilustram bem: “Quiseram as tendéncias de evolucio das economias que a questo das competéncias e das qualificacdes fosse cada vez mais importante nas dinamicas modernizadoras” (Pedroso, 2000). Nio esta aqui em causa uma mera figura de estilo, mas, ao contrario, uma matriz de pensamento fundamentada na “naturalizagao” da chamada “nova economia” e respectivos sucedaneos eufemisticos (“sociedade do conhe- cimento”, “sociedade da informagio”, etc.) e na proposta de adaptacao e pro- dugio de conformidade com essa realidade, apresentada como inelutavel. Deste ponto de vista, situagdes como, por exemplo, o desemprego e a pre- carizacao do trabalho passam a justificar-se porque “as tendéncias de evolugio das economias 0 quiseram” ¢, na medida em que sao inevitaveis, resta-nos uma accio adaptativa e uma acco paliativa, moderadora dos efeitos mais ex- tremos, de modo a salvaguardar a “coesao social”. Oculta-se assim, por exem- plo, que o crescimento do desemprego de massas na Europa correspondeu a uma escolha politica, a partir do momento em que o desemprego passou a ser visto menos como um problema ¢ mais como uma solugdo (um mal ne- cessirio que novas formas de assistencialismo procuram minorar). Neste quadro, as politicas € as praticas de educagao ¢ formacao que séo propostas procuram induzir processos de conformidade social relativamente a um presente que € 0 resultado de um fatalismo e a um futuro que se an- tecipa como inexordvel. Esta perspectiva da educacio, presente na “aprendi- zagem ao longo da vida”, esté nos antipodas de uma concepgio de educacio permanente, encarada como 0 trabalho que cada um realiza sobre si proprio, na construgéo de si, de uma visio ¢ de uma intervengdo no mundo, o que implica admitir que 0 mundo social, como construgio humana, pode ser compreendido e objecto de uma acco transformadora. Nas palavras de Paulo Freire, isto implica percepcionar 0 futuro no como algo de inexordvel, mas sim como algo de problemédtico. O papel central da educacao e da formacio 4l 42 consiste, entio, em ajudar a problematizar o futuro. Ora 0 pensamento educa- tivo que suporta a “aprendizagem ao longo da vida” propde-nos justamente © contrario, ou seja, uma “desproblematizacao do futuro”, 0 que corresponde a “uma ruptura com a natureza humana, social e historicamente consti- tuindo-se. O futuro nao nos faz. Nés é que nos refazemos na luta para fazé- lo” (Freire, 2000, p. 56). A inovagao no ensino e na aprendizagem O Memorando consagra uma das suas mensagens a temética da “Ino- vaco no ensino ¢ na aprendizagem” em que se apresenta como objectivo fun- damental “Desenvolver métodos de ensino e aprendizagem eficazes para uma oferta continua de aprendizagem ao longo ¢ em todos os dominios da vida". A enfatizacio da inovagao no quadro da “aprendizagem ao longo da vida", para ser compreendida, precisa ser colocada num enquadramento mais geral que nos é dado pelo recente programa de apoio a inovagao com o sugestivo (c “ousado”) titulo de “Inovar para crescer, inovar para vencer”. O primeiro pardgrafo deste documento esclarece-nos sobre 0 sentido geral da promocao da inovagao, processo no qual “as empresas sdo as protagonistas principais”: A inovagio € hoje um factor chave da competitividade. Para vencer o atraso estrutural, para conseguir um salto qualitativo reforcando a competitividade na coesio social, 0 pais tem de dotar-se de um programa integrado de apoio & inovacio. (p. 1) Neste contexto geral, a “mensagem” sobre “inovacdo no ensino ¢ na aprendizagem”, para além dos inevitaveis e habituais lugares-comuns sobre a “Era do conhecimento”, situa a questo da inovagao fundamentalmente no nivel dos métodos didacticos, numa perspectiva de eficdcia, em que a utiliza- cao das TIC (Tecnologias de Informacao e Comunicacao) assume o papel cen- tral. Esta maneira de encarar a inovagdo educativa adopta um ponto de vista predominantemente ténico que acentua o cardcter instrumental dos processos educativos. Trata-se de uma visio redutora que omite da problematica da inovagao as questdes de fundo que sio a relagdo com o saber ¢ as relagées de poder estruturantes de uma situagdo educativa. Esta concepco redutora é tributdria das concepgdes que emergiram no final dos anos 70 € colocaram a questdo da inovagdo no centro da agenda educativa. E nesta época que nascem as primeiras agéncias especializadas na promogao da inovagao em nivel quer internacional (por exemplo o Ceri, 6r- go especializado da OCDE) quer nacional (em Portugal criou-se, nos anos 70, o efémero Inip a que viria a suceder o actual IIE). Esta aposta na inovagao € na “investigacdo aplicada” é uma resposta & “crise mundial da educacio” que representa a importacao para 0 mundo da educagao de processos de pro- ducao industrial de inovagdes ¢ de formas de engenharia social para garantir a sua aplicacao generalizada, as grandes reformas educativas (Canario, 1993). A centralidade da inovacdo nos sistemas de educagio ¢ formagio tem como principal finalidade a de aumentar a eficdcia e a produtividade de sistemas cujo crescimento exponencial (a “explosao escolar”) nao alterou o caracter fundamentalmente artesanal dos processos de ensino. A inovagao entendida como uma estratégia de modernizacao visava, fundamentalmente, alterar a importancia relativa do capital fixo e do capital humano, na “inddstria do en- sino”, tornando-a mais produtiva, com base nas economias de escala que ca- racterizaram a producao dita fordista (produgio estandardizada e em grande quantidade) que podemos parcialmente reconhecer na escola de massas. E neste quadro de preocupacées que emergiram, como aspectos centrais da producao deliberada de mudangas educativas, os processos de “ensino & distancia” (que desempenharam um papel importante na generalizacéo do acesso a escolatizacao, caso da Tele-escola, em Portugal; o “ensino programa- do”, nomeadamente sob a forma do “ensino assistido por computador” ou da “pedagogia por objectivos”; e a vaga de inovagdes em torno da introdugio dos “meios audiovisuais”. Do balango que € possivel fazer hoje desta estraté- gia de promogao da inovacio, ha duas ligdes essenciais a retirar: a primeira é a do fracasso dos processos de engenharia social baseados nas reformas em que, como escreveu Barroso (2001), se passou “do mito da reforma a reforma do mito”; a segunda licdo diz respeito & inadequacao de uma visio predomi- nantemente técnica dos processos ¢ dos produtos da inovagio, desvalorizan- do-se os processos de atribuigao de sentido, por parte dos aprendentes, nas situagdes educativas, bem como os processos instituintes de produgio de ino- vacdes pelos actores, em contexto. O Memorando nao sé nao estabelece uma ruptura como, pelo contrario, acentua esta heranca redutora que vé na inovacao educativa um assunto téc- 43 44 nico. E esta ruptura que hoje importa fazer para se poder reequacionar a pro- blemética da inovagao no ensino e na aprendizagem. Essa reequacionagao do problema da inovacdo educativa implica, do meu ponto de vista, considerar quatro dimensées principais que nao podem ser dissociadas: uma dimensio epis- temolégica, uma éica, uma politica e uma técnica. + A dimensio ¢pistemolégica remete para a elucidagio do papel reser- vado & experiéncia dos aprendentes, nas situagdes educativas, 0 que implica responder a questo de saber em que consiste aprender e qual a concepgio de aprendizagem subjacente a uma inovagao particular. Uma perspectiva de educagéo permanente como processo de “produ- ao de si” apela a uma revalorizacao epistemolgica da experiéncia. + A dimensio érica remete para os valores que est’io subjacentes a uma determinada proposta de educagao ou formagio. A educacio supde um modo de conceber a pessoa humana e politicas ou praticas educativas axiologicamente neutras. Entre a hé, portanto, concepcao da educacio como processo permanente de “aprender a ser” e a educag&o como instrumento para que cada um possa tor- nar-se “o empresatio de si” e “subir na vida", ha um abismo. + A dimensao politica remete para as concepgdes da vida em soci- edade, a qual, nao sendo sujeita a nenhum determinismo, supée 0 exercicio individual e colectivo do exame critico e da escolha. A discussao e decisao sobre os fins da vida social sio 0 dominio da politica, do qual a educagao é parte integrante. Como nao se can- sou de repetir Freire, ao longo de toda a sua obra, nao ha projecto educativo que nao esteja associado a um projecto social € politico. A relagao entre a educagio ¢ a questo da igualdade € exemplo de um bom analisador desta relagio.’ 3A perspectiva gestiondria da “aprendizagem ao longo da vida” inscreve-se numa légica de pro- mogio de desigualdades sociais que ¢ contraditéria com as ideias dominantes durante o periodo dos “trinta anos gloriosos". Hoje, a palavra “igualdade” cende a desaparecer do léxico dos do- 1 Dubar: “A formacio, no fundo, pode ser con- cumentos programéticos oficiais. Como escre siderada como uma peca de um vasto dispositive que compreende o sistema educative € conjunto das condigdes de trabalho e de emprego, no qual ela intervém como o elemento que favorece a homogeneidade do todo. Quando se verifica que o emprego € o sistema educativo geram cada vez mais desigualdades, a formagao acompanha este movimento” (1996, p. 20). + A dimensio #éenica remete pata os modos concretos de “fazer” a formacio, quer se trate de conceber situagdes ou programas, de organizar a relagdo pedagégica ¢ definir 0 modus operandi do for- mador ou animador de formacao ou, ainda, de conceber ou produzir materiais pedagdgicos € instrumentos de regulacio dos processos formativos. E, obviamente, uma dimensio importante e um cam- po de producao de conhecimento cientifico e técnico, cuja relevan- cia nao € dissocidvel de uma subordinacio légica as dimensées an- teriormente enunciadas. Quer isto dizer que a “inovagao do ensino e da aprendizagem”, nao sendo um assunto técnico, nao é filoséfica nem politicamente neutro, 0 que equivale a dizer que a inovacao nao “vale por si” nem pode ser reduzida a uma vertente tecnolégica. E no nivel da relagio com o saber e da relacio de poder que se situam as escolhas educativas fundamentais e se justifica falar de inovacdo ¢ analisar ¢ discutir 0 “como” e o “por qué?”. Produzir, por um lado, um acréscimo de pertinéncia e, por outro lado, um acréscimo de democracia emergem, hoje, como os eixos finalizantes ¢ estruturantes da produgdo de inovacbes na educacio e na formagio. O primeiro eixo (pertinéncia) corres- ponde a mudar a relacdo com o saber na base de uma atribuicao de sentido fundada, por formandos e formadores, num estatuto de produtores de sabe- res. Este estatuto remete para um trabalho, no nivel educativo, vivido pelos actores como a “expressao de si”, ou seja, como uma “obra”, quer dizer para um trabalho nao alienado (alienacao que é intrinseca ao trabalho assalariado, para o qual se “produz mao-de-obra”). O segundo eixo (democracia) equivale a por em causa a relagao de assimetria autoritéria que na relagao pedagégica tende a opor, de forma absoluta, quem ensina e quem aprende, papéis de- finidos de forma irreversivel. Um acréscimo de democracia significa orientar- se para uma tendencial reversibilidade dos papéis educativos em que todos os participantes, de formas ¢ em niveis diferentes, podem (¢ devem) aprender. Superar a forma escolar Perspectivar, hoje, orientacdes para a procura de inovacio educativa im- plica, a meu ver, retomar uma das herancas principais do movimento da edu- cagio permanente, ou seja, a critica a forma escolar. Os dois tiltimos séculos marcaram 0 processo de construcio histérica e do triunfo da escola, como ins- 45 46 tituigdo, como organizagdo e como forma de pensar a aprendizagem. A invengao hist6rica da escola correspondeu, no quadro de uma nova ordem econémica, social € politica (0 capitalismo liberal, no quadro de um sistema de Estados- Nacio), a criar uma relacao social inédita (a relacio pedagdgica) que consti- tuiu o cerne de um novo modo de socializagao (escolar) que se viria a afirmar como hegeménico. Se a escola (como institui¢io e como organizacio) permaneceu citcuns- crita a socializagéo metédica das criancas e dos jovens, a forma escolar, pelo contrario, tendeu, sobretudo na segunda metade do século XX, a contaminar todas as modalidades educativas nao escolares, nomeadamente dirigidas a pti- blicos adultos, e, muito especificamente, a formagio profissional. O triunfo da escola traduziu-se, paradoxalmente, no facto de transformar a educagao em refém da forma escolar. Pensar, hoje, em termos de inovacio educativa significa, necessariamente, colocar a questao da superacio da forma escolar por duas razdes principais: a primeira é a “crise” (ou o cardcter obsoleto) da escola’; a segunda, inerente a forma escolar (que historicamente conhece- mos), € um défice de pertinéncia e um défice de democracia. A critica a forma escolar nao é um facto recente. Ela esta, curiosamente, bem presente nos testemunhos da elite intelectual portuguesa, nomeadamen- te de professores ¢ educadores. Lembremos as paginas em que Eca (com base no projecto de reforma do ensino proposta por Abranhos) descreve as virtudes da universidade baseadas, por um lado, na Sebenta: “a mais admirdvel dis- ciplina para os espiritos mocos” que faz perder “o habito deploravel de exercer o livre exame”; e, por outro lado, na relago entre o estudante ¢ o lente: “O habito de depender absolutamente do lente, de se curvar servilmente diante da sua austera figura” permite ao bacharel entrar “na vida publica discipli- 4 A actual “crise” da escola reside, fundamentalmente, na perda de coeréncia em dois niveis: 0 primeiro € 0 da perda da coeréncia interna entre a instituicao, a organizagdo e a forma escolares que caracterizou a “escola das certezas” (Canério, 2000). Ver também, a este propésito, a con- tradicio assinalada por Barroso (2001, p. 85) pela contradicdo entre as misses da escola ¢ sua organizacao (notavelmente estavel desde a sua criagao), que seria responsavel pela “perda de sentido do trabalho pedagégico”; 0 segundo nivel é a perda de uma coeréncia externa. A escola foi construida historicamente, em harmonia com um mundo que ja nao existe, carac- nova ordem social (for- terizado por uma nova ordem econémica (a sociedade industrial), uma mas de dominagio baseadas na transformagio do trabalho humano em mercadoria) e uma nova ordem politica (0 liberalismo nacional) a que a guerra de 1914-1918 pés termo. nado”, Podemos evocar, também, o testemunho de Anténio Sérgio que refere a sua entrada tardia na escola a sua admiracao por ser obrigado a saber de cor coisas que os adultos mais instruidos nao sabiam (Hameline ¢ Névoa, 1990). Ou a caracterizacao irénica que Rodrigues Lapa (numa célebre con- feréncia de 1933, citada por Mario Dionisio) faz da Faculdade de Letras, “a Ginica Escola do mundo para a qual se entra a descer”, € cuja Sala de Actos é assim descrita: “é a mais espacosa ¢ alegre ¢ tem esta virtude: uma estre- baria vizinha esparge nela um aroma cavalar; e de quando em quando a voz do mestre é interrompida pelo zurro consolado de um jumento”. Ou, ainda, as evocacées autobiograficas do proprio Dionisio (2001, pp. 4 € 27), primeiro como estudante do Liceu, “esses sete anos de aprendizagem deploravel” em que, “salvo duas excepgdes (digo sublinho duas), vivi na triste dependéncia de professores e professores que sempre me mantiveram no equilibrio assaz instavel entre o enfado ou a vontade de rir” e, mais tarde, como estudante da universidade em que professores, “lendo a sebenta que ditavam ha dezenas de anos”, exigiam vé-la “teproduzida nas provas ipsis verbis, sendo 14 vinha 0 reparo de mau agoiro: estou a desconhecer esta prosa...”. Poderiamos, tam- bém, lembrar o testemunho de uma figura impar de criador, refiro-me a José Afonso, sobre a sua atribulada relago com a escola que seria certamente me- recedora, hoje, de... um “curriculo alternativo” Estava frequentemente distraido. Quase patologicamente distraido. Mais car- de, quando voltei para Africa, fago, creio, a quarta classe (...) € 0 meu professor (...) chegou a pendurar-me pelas orelhas. O argumento era 0 mesmo: o de que estava sempre distraido. As minhas lembrangas da escola foram 0 mais trau- matizantes possiveis. (...) A minha desadaptagao a escola, & organizagao esco- lar, foi total. Era constantemente expulso das aulas com faltas de castigo no Liceu... (Salvador, 1994, pp. 35-36). O movimento da educacéo permanente representou um dos poucos mo- mentos significativos de critica a forma escolar que marcaram o século. Essa critica que é contemporinea da afirmagao de pensadores educativos como Paulo Freire (critico da “educacao bancaria”) ou Ivan Iich (apéstolo da “de- sescolarizagao") representa, como referéncia conceptual, a mais rica heranca da educacdo permanente. Essa heranga viria a ser retomada pelos tedricos das 47 48 “historias de vida", corrente que viria a operar uma deslocagio paradigmatica no modo de conceber a educacio, colocando 0 enfoque no aprender (como é que as pessoas se formam) € nao no ensinar. E esta heranga que, em termos de ino- vacao, urge retomar e aprofundar, como condi¢&o para superar a forma escolar. A forma escolar reveste-se de cinco caracteristicas essenciais que a mar- cam de forma negativa: a primeira é a de instituir uma modalidade de apren- dizagem em ruptura com a experiéncia, encarada como um obstaculo; a se- gunda é a de encarar a relagao entre a teoria e a pratica num mero registo de aplicacao ¢ de transferéncia; a terceira consiste em desvalorizar a inquiri- ao, privilegiando as respostas por oposigao as perguntas; a quarta reside em privilegiar a repetigdo de informagdes; a quinta é a tendencial alienagdo do trabalho escolar pela sua exterioridade, relativamente ao sujeito. E por contraposicao a estas caracteristicas que é possivel identificar di- reccdes fecundas para os esforgos de inovacao nos processos educativos e for- mativos, em trés vertentes distintas: a dimensao do individuo, a dimensio da organizagdo ¢ a dimensio da concepgao de situagdes educativas. + No nivel da dimensio individual est em causa, em primeiro lugar, a capacidade de promover situagdes que permitam, ao mesmo tempo, aprender com ¢ contra a experiéncia, isto é, instituindo formas permanentes de alterndncia entre 0 experiencial e 0 simbé- lico. Em segundo lugar, a construcao de processos de aprendizagem baseados na pesquisa implica reconhecer o valor do erro € aceitar que a aprendizagem supde um estdio inicial de confusao. Em terceiro lugar, a aprendizagem passa a basear-se na producao de saberes (informago original), instituindo os aprendentes como autores. + No nivel organizacional, trata-se de procurar contrariar a tradici onal “extraterritorialidade” da forma escolar, promovendo a inser- Gao social da formacao, o que exige considerar as competéncias nao como “dados”, mas sim como “construidos”, contingentes e emer- gentes dos contextos de accao. Significa isto privilegiar a organi- zacio dos processos de educagéo e de formacao a partir da iden- tificagio de problemas ¢ nao da identificagio de “necessidades”. + No nivel da concepgio dos processos de educagao e de formagao, a possi- bilidade de inovar articula-se, por um lado, com a valorizagao dos processos de natureza informal que constituem a matriz funda- mental das nossas mais significativas aprendizagens. Trata-se de en- carat a educagio e a formacao deliberadas como inscritas num proceso largo € multiforme de socializagio, coincidente com o ciclo vital, con- cebendo ento a educagio € a formacao como situagbes “reconstruidas” de socializagéo (Lesne ¢ Mynvielle, 1990). Por outro lado, 0 proceso de “fabrico” das situagdes de educagao e de formacao constitui um se- gundo ponto critico que apela a mudanga. Esté em causa passar da elaboracéo de programas de formagao para a construgao de dis- positivos de formacio, passar de uma l6gica de catélogo para uma logica de projecto, co-produzir, em contexto, a situacao de forma- cio a partir da interaccdo entre formadores ¢ formandos. A educaco e a utopia E pertinente pensar em mudar 0 mundo? E possivel fazé-lo? Qual o pa- pel da educacao? As duas primeiras perguntas a resposta implicita no discurso oficial sobre a “aprendizagem ao longo da vida" é de cardcter negativo e por isso educago é reservado um papel de promover seres adaptaveis ¢ nao in- terventores. E uma concepgio educativa que retira 4 educagio, como aven- tura humana de conhecer e transformar 0 mundo, o material essencial de que esta se alimenta: 0 sonho, a utopia e 0 projecto. O consenso em torno da “aprendizagem ao longo da vida" corre sérios riscos de a transformar numa espécie de cartilha repetida & exaustdo por funciondrios zelosos. O meu ob- jectivo foi o de proceder a um exercicio de elucidacao critica sobre esta (pro- vavel) cartilha porque acredito que, como escreveu Mario Dionisio num dos seus poemas, “Pior que nao cantar/é cantar sem saber 0 que se canta”. Resumo O texto representa uma contribuicao critica ao debate sobre “a aprendizagem a0 longo da vida”, visando esclarecer e compreender de que modo, ¢ em que sentido, evoluiram as concepgées sobre educagio ¢ formacao, na Europa,durante os tltimos 30 anos. Pée em evidéncia a ruptura existente entre as concepcdes de “educagio per- manente”que marcaram os anos 70 do século XX ¢ as da “aprendizagem ao longo da vida”, que surgem nos anos 90. Palavras-chave: aprendizagem ao longo da vida; educagéo permanente; po- litica educacional. 49 50 Abstract The article offers a critical view of the debate about “learning through life”, trying to clarify the meaning of conceptions about education and training and how they evolved in Europe in the Last three decades. It shows the differences between the conceptions of “permanent education” that dominated in the 1970s and the conceptions of “learning through life” that appeared in the 1990s. Key-words: learning through life; permanent education, educational policy. Resumen Este texto pretende aportar una contribucién critica al debate sobre el “aprendizaje a lo largo de la vida”, para exlarecer y comprender de qué modo y en qué sentido evolucionaron las concepciones de educacién y formacién en Exropa durante los iiltimos 30 aftos. El mismo pone en evidencia La ruptura existente entre las concepciones de “educacién permanente”, que signaron los afios 70 del siglo XX, y las de “aprendizaje a lo largo de la vida", que surgen en los aos 90. Palabras claves: aprendizaje a lo largo de la vida; educaciin permanente; politica educativa. Referéncias bibliograficas Abril em Maio (1996). Giuseppe Morandi. Quem trabalha a terra na baixa padana (1948-1985). Lisboa, Abril em Maio/CML. Aron, R. (1969). Les désillusions du progris. Essai sur la dialectique de la modernité. Paris, Gallimard. Barroso, J. (2001). “O século da escola: do mito da reforma a reforma de um mito”. 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