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Sou eu, ou o mundo enlouqueceu? Claro, o mundo nunca foi lá muito são: já em 1608 o
dramaturgo inglês Thomas Middleton escreveu uma comédia intitulada A Mad World,
My Masters. E em 1881 Machado de Assis publicou uma novela, O Alienista, em que um
médico positivista, Dr. Bacamarte, abre um asilo na então pequena cidade brasileira de
Itaguaí na esperança de descobrir a verdadeira causa da loucura. Logo ele confina
praticamente a população inteira da cidadezinha no asilo em razão de uma forma ou outra
de loucura, até se dar conta de que os sãos, na verdade, compõem uma diminuta minoria
e, portanto, deveriam ser de fato os internados no asilo. Finalmente, ele interna a si mesmo
na própria instituição como o único paciente e morre ali.
A pequena sátira de Machado talvez fique mais evidente em nosso tempo do que na
época em que foi escrita. O psiquiatra iconoclasta Thomas Szasz publicou há alguns anos
um artigo satírico no Lancet, uma revista médica que não costuma ser conhecida por seu
senso de humor, em que propunha que a felicidade daquele momento em diante fosse
categorizada como uma doença mental por se mostrar: a) muito rara; e b) irreal e delirante,
não sendo apropriada para a situação em que a pessoa feliz se encontrava. Em comparação
com os felizes, os deprimidos têm uma compreensão melhor da realidade.
Um dia foi chamado para o presídio local, onde um paciente estava sendo detido.
Ele chegou à prisão, e o agente penitenciário no portão telefonou para o hospital para
avisar que um dos pacientes tinha fugido e ido para a prisão afirmando ser um psiquiatra.
Sem dúvida todos nós nos desviamos, de forma duradoura, de algum aspecto das
expectativas daqueles à nossa volta, o que causa dor para nós mesmos ou para os demais.
Assim, é normal para nós ser anormal, e anormal ser normal, como o Dr. Bacamarte
concluiu. Pensar sobre esses paradoxos é suficiente para deixar a cabeça de qualquer um
em parafuso.
Theodore Dalrymple é o pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels. Daniels é autor de mais de
trinta livros sobre os mais diversos temas. Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É
Realizações), estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou O Que Restou Dela e A Faca Entrou. É um
nome de destaque global do pensamento conservador contemporâneo. Colabora com frequência para
reconhecidos veículos de imprensa, como The New Criterion, The Spectator e City Journal.
Fonte: https://ataqueaberto.blogspot.com/2020/10/a-loucura-da-sociedade-
contemporanea.html