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Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH

Departamento de Ciências Sociais

Partículas Elementares?

Um estudo de caso sobre subjetividade, modernidade e religiões orientais

Mercedes Duarte e Silva

Monografia de conclusão do curso de Ciências


Sociais (Bacharelado) da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).

Orientadora:
Profª Drª Maria Claudia Coelho.

Rio de Janeiro – 2012


Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH

Departamento de Ciências Sociais

Partículas Elementares?

Um estudo de caso sobre subjetividade, modernidade e religiões orientais

Mercedes Duarte e Silva

Monografia de conclusão do curso de Ciências


Sociais (Bacharelado) da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), sob orientação da Professora
Doutora Maria Claudia Coelho.

Data da Avaliação:____ de______________________de_________

Banca Examinadora:

___________________________________________________
Professora Maria Claudia Coelho

___________________________________________________
Professor Ronaldo Castro

___________________________________________________
Professor Valter Sinder

Rio de Janeiro – 2012


Dedicatória

A todos aqueles que amo, pois com eles pude experimentar


e falar de “vínculos estreitos”.
Agradecimentos

A todos aqueles que me apoiaram neste e noutros momentos e me inspiraram direta e


indiretamente.

Em especial a minha mãe Cecília Mendes, pela vida e o amor que me deu.

A meus eternos amigos Gilmar do Nascimento e José Augusto, por tudo.

A minha orientadora Maria Claudia Coelho, pela inspiração e dedicação que deu a este trabalho.

A todos os professores que fizeram parte de minha formação e em especial àqueles que
contribuíram para minha paixão pelas Ciências Sociais, minha gratidão: Maria Claudia Coelho,
José Augusto Rodrigues, Ronaldo Castro, Rachel Aisengart Menezes, Moema Guedes e Amir
Geiger.

A meu tio Guilherme Mendes, minha irmã Domitila Duarte e meu avô (em memória) por
existirem em mim.

A minhas amigas queridas Thaiana Rodrigues, Monique Rodrigues e Joana Schroeder, pelas
trocas, incentivo e carinho.

Ao Ricardo Bartra, por ter partilhado e seguir partilhando sua vida comigo.

A meus sobrinhos Olga Duarte e Gabriel Duarte, pelo amor e alegria.


Sumário

Introdução...................................................................................................................................6

Capítulo I.....................................................................................................................................9
1. Matrizes da tradição religiosa hinduísta..............................................................................9
1.1. Cultura védica.................................................................................................................11
1.2 Literatura............................................................................................................................13
1.2.1. Tradição védica oral......................................................................................................13
1.2.2. Tradição bramânica oral...............................................................................................15
1.2.3. Tradição épico-bramânica.............................................................................................18
1.2.4. Darśanas: Escolas filosóficas tradicionais.....................................................................21
1.3. Neo-hinduísmo...................................................................................................................25

Capítulo II
2. Apropriações das religiosidades orientais pelo Ocidente..................................................27
2.1. Nova Era: Um mosaico de tradições............................................................................... 29
2.2. Contracultura e a Nova Era............................................................................................ 30
2.3. Principais Teóricos da Nova Era: abordagens/divergências/convergências................33
2.4. Características gerais da Nova Era.................................................................................36
2.4.1. Os adeptos......................................................................................................................36
2.4.2. Crenças..........................................................................................................................37
2.5. Individualismo Religioso...................................................................................................41

Capítulo III
3. Centro Ramakrishna Vedanta............................................................................................45
3.1. O Ritual..............................................................................................................................47
3.2. Os integrantes....................................................................................................................50

Capítulo IV
4. A subjetividade na modernidade........................................................................................59
4.1. Alta modernidade e a construção reflexiva do eu..........................................................64
4.2. Projeto reflexivo do eu, unidade do gênero humano e o individualismo religioso......69

Considerações Finais..................................................................................................................72

Apêndice....................................................................................................................................76

Bibliografia.................................................................................................................................78
Introdução

Ao tomar contato na graduação com teóricos que enfatizam em seus trabalhos


características da modernidade e da alta modernidade1 “esfaceladoras” da subjetividade do
indivíduo, sob perspectivas que convencionei chamar neste trabalho de distópicas - que falam em
experiências fragmentadas, ausência de sentido, sentimento de solidão, solipsismo, relações
mercantilizadas, indiferença ao próximo, ausência de convenções norteadoras, etc. – me
identifiquei de imediato com tal perspectiva. No entanto, passei a me indagar se os sujeitos
seriam completamente passivos em relação àquelas circunstâncias.
Assim, frente a esta questão que se colocou – atribuída à minha formação acadêmica a
qual entende a relação “indivíduo e sociedade” como mediada por um processo dialético,
perspectiva essa que nasce das vertentes sociológicas que sintetizam individualismo e coletivismo
metodológicos - comecei a procurar exemplos de “respostas” dos sujeitos às adversidades
decorrentes desse modelo social em que vivemos. Foi quando ocorreu a ideia de me aproximar do
Centro Ramakrishna Vedanta e lá verificar as possíveis “respostas” daqueles indivíduos.
O Centro Ramakrishna Vedanta, um grupo religioso hinduísta que havia conhecido há
tempos atrás, me ocorreu como possibilidade, pois, nas vezes em que estive lá, por curiosidade,
me senti acolhida pelo grupo e vislumbrei a possibilidade de, a partir das experiências da
meditação e do ritual acompanhado por cânticos que são espécies de mantras, poder atribuir
algum sentido aos imponderáveis da vida. Não passei a frequentar o grupo, tampouco encontrei
sentido para os imponderáveis da vida, mas pensei que essas experiências, tais como a busca por
atribuir sentido e sentir-se acolhida, talvez fossem também interesses daqueles que frequentavam
o grupo e caso isso se confirmasse teria um exemplo de “resposta” dos sujeitos às configurações
sociais da contemporaneidade. Passei então a frequentar o grupo e a entrevistar seus membros.
Entender o porquê da existência de apropriações de tradições orientais, tais como as deste
grupo, era importante para entender quais necessidades filosóficas, existenciais ou morais “nós”
ocidentais teríamos, o que estamos buscando, o que esta filosofia oriental hinduísta possui e que

1
Dependendo da filiação teórica do autor o conceito que se refere à época atual varia entre o de “alta modernidade”
(que indica a radicalização das características da modernidade) e o de “pós-modernidade” (que apresenta a ideia de
ruptura com os paradigmas da modernidade).
6
se afina com nossos interesses, quais interesses são esses. Por isso, fiz uma síntese do que viria a
ser o hinduísmo, no primeiro capítulo, a fim de ambientar o leitor e a mim mesma no universo do
campo estudado, bem como para buscar ampliar o conhecimento deste universo. No entanto, é
importante ressaltar que não quis com isso enveredar pelo campo da sociologia da religião, já que
o meu objeto não é a religião e sim, como apresentei, a subjetividade e intersubjetividade do
individuo “moderno” e suas possíveis “respostas” às configurações sociais contemporâneas.
Descobri então que este universo de apropriações de tradições religiosas e filosóficas
orientais era próprio de um fenômeno denominado por muitos teóricos de “Nova Era”, o qual
discuti no segundo capítulo. A “Nova Era” consiste num movimento de apropriações de tradições
religiosas, principalmente orientais, através de recortes e composições que constroem
religiosidades individuais e também da tentativa de revitalização da tradição na íntegra. Tal
fenômeno é caracterizado pela reflexividade do individuo típica da alta modernidade.
Já no terceiro capítulo descrevi as filiações do grupo religioso do Centro Ramakrishna
Vedanta do Rio de Janeiro, originado na Índia, assim como suas práticas. Detive-me mais
minuciosamente nas falas dos integrantes adquiridas através das entrevistas estruturadas e não
estruturadas que me fizeram tomar contato com conceitos tais como “liberdade”, “unicidade”
cósmica e humana, os quais, entre outros, ajudam a traduzir suas crenças e a entender a relação
que este grupo tem com as necessidades e questões típicas de nossa época.
No quarto capítulo então apresento os teóricos de perspectiva distópica que tratam das
experiências dos indivíduos na modernidade e alta modernidade e como tais experiências tocam
sua subjetividade e intersubjetividade. São eles: Georg Simmel (1987), que enfatiza o tom de
reserva e indiferença dos indivíduos na metrópole; Norbert Elias (2001), que introduz o conceito
de homo clausus para falar do sentimento de solidão devido ao alto grau de individualização do
homem moderno; Richard Sennett (1988), que fala da emergência de um perfil clínico (o homem
narcisista) que só confia em suas experiências pessoais e primeiramente naquilo que sente em
detrimento do espaço público; e Zygmunt Bauman (1998, 2000, 2001, 2005), que utiliza a
metáfora da “liquidez” para se referir ao caráter flexível, fugaz e fluido das relações “pós-
modernas” e enfatiza o “desmapeamento” dos indivíduos numa configuração social opressora. Já
na segunda parte do quarto capítulo apresento alguns argumentos de Anthony Giddens (1997,
2002) acerca da alta modernidade no que se refere às reflexividades individual e institucional, as

7
quais consistem, respectivamente, na “construção de si” revisada continuamente e na
reconstrução e avaliação, “diagnóstico” e crítica das instituições, por elas mesmas e pelos
indivíduos.
Desse modo, é possível perceber um tom “otimista” advindo de Giddens no que concerne
seu juízo acerca da alta modernidade, fator este que me fez incluí-lo neste trabalho com o intuito
de contrapô-lo às perspectivas dos teóricos já referidos. A análise das experiências dos membros
deste grupo religioso hinduísta revelou uma proximidade maior entre a percepção de mundo de
seus adeptos e os argumentos giddenianos.

8
CAPÍTULO I

1. Matrizes da tradição religiosa hinduísta

Faremos aqui uma sintética exposição do que viria a ser o hinduísmo com o intuito de
inserir o leitor, em alguma medida, no universo do objeto estudado nesta monografia – o “Centro
Ramakrishna Vedanta”, além de nos possibilitar, de algum modo, buscar responder o porquê de
sua “importação” pelo Ocidente. No entanto, tratar do tema hinduísmo não é tarefa fácil já que
cronologias e medições de tempo, entre os indianos da antiguidade, não eram registradas, pois
boa parte do conhecimento e da história hindus foram difundidas oralmente e transfiguradas pelo
mito. Assim, figuras históricas são incorporadas pela mitologia das obras literárias as quais seus
autores muitas vezes assinam com o nome do próprio mestre. De todo modo há um grande grupo
de estudiosos hoje, de indianos e não indianos, que buscam reconstruir a história da Índia, muitas
vezes, através da arqueologia2. Portanto, por não haver precisão nas datações encontramos
diferentes autores que utilizam diferentes datas para referir-se a um mesmo evento histórico.
Solucionamos essa questão aqui escolhendo as datas utilizadas por Mircea Eliade (1994), por seu
vasto e profundo estudo na área de religião, especialmente na temática do hinduísmo.
Além desta dificuldade em datar os períodos históricos da antiguidade indiana, há ainda
uma segunda dificuldade para narrar a história da formação do hinduísmo: o fato de que este
abarca distintas correntes que dão origem, continuamente, a micro-correntes. Frente a isso,
deixamos de expor algumas correntes que nasceram a partir do Hinduísmo como, por exemplo, o
Budismo e o Jainismo e demos importância a algumas que são reconhecidas como constitutivas
do Hinduísmo. No entanto, Maria Theresa da Costa Barros (2002) fala que um dos pontos de
união das diversas vertentes que compõem o hinduísmo é um substrato literário comum e que o
que se colocaria como distinção seriam diferentes questões levantadas, mas sempre relativas a um
mesmo universo comum, o qual tentaremos tratar aqui.
Por ser um termo abrangente, o hinduísmo estaria mais próximo à ideia de uma ordem,
costume e tradição que regulamenta a maior parte das práticas indianas desde o nascimento até a
morte. O conceito an tana-Dharma (Lei Eterna), utilizado pelos hindus, é a melhor noção para

2
Para o tema da reconstrução histórica da Índia antiga a partir de descobertas arqueológicas ver Lucille Schulberg
(1973).
9
entendermos o termo hinduísmo. Dharma implica, ao mesmo tempo, uma lei, um modo de vida e
uma ordem cósmica (Solís, 1992). an tana-Dharma é entendido pelos estudiosos do hinduísmo,
por um sistema social, uma concepção de mundo, um conglomerado de crenças de diversos tipos,
caracterizando-se mais - segundo Jan Gonda3, citado por Follman e Scarlatelli (2006) - por uma
ortopraxia que por uma ortodoxia. Isto provavelmente possibilitaria a criação ou releitura –
encabeçadas por sacerdotes e ascetas indianos - de práticas e textos que partem das literaturas
sagradas tradicionais.
Segundo Solís,

“El hinduísmo no cuenta con una iglesia organizada ni com uma jerarquía religiosa, ni con
un dogma, ni con un sólo dios. Tiene algo de todo esto, pero no es ninguna de estas cosas la
que lo define o identifica. El hinduísta puede ser politeísta, monoteísta, o ateo, puede no
cumplir con ritos religiosos, asistir o no a los templos, adorar o ignorar a los dioses; ninguna
de estas cosas lo identifica como seguidor del hinduísmo. El hinduísmo no es uma religión
proselitista4, técnicamente nadie puede convertirse al hinduísmo, ya que ser hinduísta
implica haver nacido dentro de una de las castas reconocidas.” (1992).

O termo hindu teve sua origem com os persas, por volta de seis mil anos atrás, para
denominar as pessoas que viviam na outra margem do Rio Sindhu. Como pronunciavam o “s”
como “h” o povo do outro lado do rio passou a ser chamado de hindu. Quando os britânicos
colonizaram este território, no século XIX, o rio passou a ser chamado Indu, seu povo, indiano, e
a região, Índia. Assim, com o aparecimento dos missionários cristãos e eruditos ocidentais a
palavra hinduísmo passou a referir-se ao modo de vida daquele povo originário do – assim
classificado mais tarde – subcontinente indiano.
O hinduísmo, então, historicamente, surge como uma síntese - que dura quase um milênio
para se consolidar - pois possui um universo heterogêneo que se prolifera e assimila vários
movimentos religiosos, ensejando numerosas maneiras de perceber um mesmo objeto e,
possibilitando assim, bases para outras correntes filosóficas como, por exemplo, o Budismo e o
Jainismo (Morotto, 2007).

3
Les Religions de l’Inde. Paris: Payoy, T.1,.1979.
4
A partir do momento neo-hindu (veremos mais a frente) este parâmetro tornou-se flexível o que originou a
“exportação” das teorias e práticas para o Ocidente.
10
1.1. Cultura védica

O vale do Indo, que hoje compreende a região do Paquistão no noroeste da Índia atual,
testemunhou o desenvolvimento de uma cultura pré- r a – contemporânea das culturas do
5
“Crescente Fértil” (Eliade, 1994) - que deu origem a duas cidades centrais, Mohenjo-Daro e
Harapa, extremamente desenvolvidas, com ruas planejadas, casas de tijolos com banheiros,
sistema de canalização e de água corrente, e com escrita própria6.
Podemos, então, vislumbrar as raízes do Hinduísmo nessa cultura, denominada
dravidiana, que mais tarde funde-se com a cultura de seus invasores, auto-intitulados aryas,
originando a cultura védica.
Arqueólogos encontram muitos elementos da cultura dravidiana que são vigentes nos
rituais e compõem o universo indiano de hoje: objetos fálicos que representam lingam e yoni
(símbolo sexual masculino e feminino); sinetes com figuras humanas em postura de yoga;
estatuetas que lembram o deus Śiva 7; além de um “deus itifálico, cercado de animais, [que] foi
identificado com um proto-Śiva Paśupati 8, o deus hindu de provável origem pré-ariana” (Eliade,
1994: 173).
Antes da invasão ariana, a partir de 1.600 a.C., essa cultura, de agricultores sedentários,
começa a declinar. E somente por volta de 1.500 a.C. os r as, povo de guerreiros,
conquistadores, nômades e pastores, de língua do ramo indo-europeu9, invadem o território do
vale do Indo. Segundo Lucille Schulberg (1973) o declínio da civilização e agricultura de
Mohenjo-Daro parece ter sido gradativo, possibilitado por alterações geológicas e até inundações.
No entanto,

“Esses argumentos não bastarão para justificar o desaparecimento da cultura do Indo ao


norte. Ali, o golpe de morte à civilização do Indo foi súbito e violento. E os homens que
assentaram esse golpe de morte, de acordo com alguns historiadores, eram nômades altos e
de pele clara da Ásia Central, que invadiram as planícies do noroeste da Índia em meados do
segundo milênio a.C. Devastando o país a sua passagem, esses nômades extinguiram uma

5
Reportam-se há 11.000 anos.
6
A escrita da cultura pré- r a não nos é decifrável, pois não possuímos nenhuma referência acerca da língua de seu
povo (Gulmini, 2002, p.17).
7
Deus destruidor da mitologia indiana, também conhecido como Shiva.
8
Senhor dos animais.
9
Séculos mais tarde, nas terras invadidas, tornar-se-ia o sânscrito.
11
cultura muito mais adiantada que a deles. Mas também determinaram o curso de toda a
história indiana posterior.” (Schulberg, 1973: 34 apud Gulmini, 2002: 17).

Essa cultura, classificada como védica, torna-se cada vez mais complexa na medida em
que seu povo se transforma em um povo agrícola e sedentário assim como o povo autóctone de
pele escura.
Originalmente os r as, ou melhor, a Índia védica se dividia em três classes sociais: a dos
sacerdotes, a dos guerreiros e a dos produtores. No entanto uma quarta classe, ou casta, foi
incluída na pirâmide social dos conquistadores: os nativos, que “em sua condição de escravidão e
‘estrangeiridade’, estas populações autóctones e suas práticas permaneceram extra-sistêmicas em
relação aos textos védicos” (Gulmini, 2002: 21).
O rei védico, que em princípio era um militar, foi adquirindo características religiosas
passando a ser auxiliado por sacerdotes, além de astrólogos, conselheiros, espiões, comandantes
militares, condutores dos carros de guerra (aurigas), mordomos, tesoureiros, entre outros
(Morotto, 2007).
A adoração a fenômenos e forças da natureza, considerados divindades, era constitutiva
da religião, assim como os sacrifícios realizados nos rituais, os quais levaram os sacerdotes a
adquirirem cada vez mais importância. Afirma Morotto:

“Os rituais dos sacrifícios aumentaram o poder dos sacerdotes, assim como estimularam os
conhecimentos de matemática, já que eram necessários cálculos exatos para posicionar os
elementos indispensáveis ao ritual, durante a cerimônia. O sacrifício de animais aumentou o
conhecimento de anatomia” (Morotto, 2007).

Dessa forma, foram sendo desenvolvidos técnicas e conhecimentos ligados aos rituais,
assim como a escrita desenvolvida após a chegada dos arianos10.
Com fins a uma melhor compreensão dos períodos clássicos indianos fizemos deles aqui
uma repartição temporal e ideológica delimitada. No entanto sabemos que não é possível
pensarmos dessa forma em termos empíricos, já que as diversas tradições não-arianas, arianas,
védicas e bramânicas estão completamente imbricadas e, como já dito, não existem datações
precisas.

10
Os r as quando chegaram ao Vale do rio Indo não possuíam escrita.
12
1.2. Literatura

1.2.1. Tradição védica oral

Os textos da tradição védica oral, śruti (aquilo que é ouvido) ou shastras (livros revelados),
são considerados textos emanados do Absoluto. São eles os edas os r anas, os Aranyakas
e os Upanisads, cujo período de composição situa-se entre 1.400 e 400 a.C.
A palavra Veda, em sânscrito, significa conhecimento, revelação, equivalendo à palavra
ciência. Dessa forma, os livros são considerados verdades no campo do conhecimento hindu,
orientando práticas e rituais tanto de cunho material quanto espiritual (Morotto, 2007).
Os primeiros quatro Vedas, transmitidos oralmente por séculos datam mais ou menos de
1.400 a.C. São eles: o Rgveda; o Yajurveda; o aveda e o Atharvaveda. O Rgveda narra as
batalhas da população invasora com os povos locais, resistentes ao avanço dos arianos (Follmann
e Scarlatelli, 2006) além de conter hinos e mantras em adoração e invocação a deuses e
semideuses. Entre eles estão Agni (o fogo), Soma (a bebida embriagante), Ushas (a aurora), Vayu
(o vento), r a (o sol) e os deuses Mitra, Varuna e Indra. Era o sacertode hotr quem utilizava o
texto para presidir oferendas e invocações aos deuses. Já os outros livros são originalmente
manuais de cultos dos sacerdotes assistentes (Eliade, 1994) e segundo Follmann e Scarlatelli
(2006) manifestam a fusão cultural dos povos autóctones e da população ariana.
O Adhvaryu, sacerdote, mestre de cerimônias, era responsável pelo conhecimento das
fórmulas sacrificiais contidas no Yajurveda (o veda dos sacrifícios e cerimônias) onde
encontramos descrições de como realizar os rituais; o aveda, o veda dos cânticos, possui
regras de como cantar os mantras de acordo com sua fonética e era o sacerdote ud tr (cantor) o
responsável pelo conhecimento do texto e por acompanhar a oferenda de Soma; já o Atharvaveda
é principalmente utilizado para a cura e constituído de orações, cânticos e rituais utilizados por
sacerdotes curandeiros (atharvan) e feiticeiros (angira).
Segundo Gulmini (2002) esses textos são basicamente fórmulas e orientações rituais que
viabilizam, através dos sacerdotes r hmanas (brâmanes) - termo esse derivado de Brahman
(princípio divino não-personalizado) - a ordenação do caos do universo e a realização dos desejos
humanos. É uma forma de gerir o mundo com a participação ativa do brâmane na qual os textos,
constituídos de fórmulas rituais, não são formas de devoção ou submissão, e sim métodos de
13
manutenção da ordem natural através da sustentação e conservação dos deuses. O sacerdote,
nesse sentido, tem amplo poder, pois é a “palavra ritual (...) a correta recitação das fórmulas e o
uso correto da linguagem que lhe permitirão reordenar o cosmos” (Gulmini, 2002).
Dessa forma, segundo Gulmini (2002), a Índia védica construía

“uma representação politeísta das forças elementares da natureza, [onde] os seus mitos de
origem, em grande parte, não residiam na vontade de um Deus único e criador de tudo, mas
na ‘ordenação do caos’ (...) e manutenção de rta (a ‘ordem cósmica’) (...). [Pois] a criação
não era (...) concebida como ato de um ser único e transcendente, mas como o sacrifício
inicial e ritual de um ser considerado o paradigma do cosmo e do homem; este sacrifício,
portanto, deveria ser ritualmente renovado para a manutenção da harmonia universal.” (p.23-
24).11

Segundo um hino védico do Rgveda, intitulado Purusas ta (X, 90), o “homem primordial”
(Purusa) – cujo sacrifício dá início à criação – é uma metáfora de uma totalidade social
hierarquizada onde de sua cabeça se originam os brâmanes, de seus braços os guerreiros e de suas
pernas os produtores, orientados a sustentar o corpo social; já os povos autóctones, não- r as,
marginalizados em relação aos r as, cujas funções são servis, são introduzidos nesse hino de
forma a representarem os pés de Purusa.
No entanto é possível encontrar textos védicos onde se percebe de forma obscura
características diferentes do sistema dos r as as quais são atribuídas aos povos autóctones. No
Atharvaveda, por exemplo, há um livro de hinos (livro XV) dedicados a um tipo de asceta, os
vr t a, aos quais se associa práticas respiratórias e físicas que mais tarde influenciará o
desenvolvimento das yogas (Gulmini, 2002).
Este, entre outros, é um dos primeiros12 indícios da assimilação dos povos autóctones, o
que, para muitos estudiosos, significaria uma possível crise no sistema ritualista e na hegemonia
bramânica resultantes, como afirma Gulmini:

“por um lado, pelos próprios questionamentos acerca do papel do sacrifício e dos inúmeros e
dispendiosos rituais que sobrecarregaram a população, e, por outro lado, pela própria

11
Eliade (1994) adverte que há um caráter contraditório nas cosmogonias do Rgveda devido às diferentes concepções
acerca da criação que seus compositores tiveram ao longo do tempo, pois encontramos, nos hinos, ao lado da idéia da
criação pelo sacrifício de um anthropos primordial (Purusass ta, X 90), a possibilidade de um big bang original (X
129).
12
Segundo Follmann e Scarlatelli (2006) os livros maveda, Yajurveda e Atharvaveda já narrariam o período da
fusão cultural das duas populações.
14
presença inevitável e muito contrastante dos costumes e crenças autóctones em convivência
cotidiana com as populações r a.” (Gulmini, 2002: 27).

1.2.2. Tradição bramânica oral

“Após o período védico, uma síntese destas duas crenças – a r a e a não- rya –
resultou num único sistema indiano que obteve reconhecimento geral (foi acolhida
pelo budismo e jainismo, bem como pelo hinduísmo ortodoxo), no qual os nomes e
papéis dos deuses (...) representavam elevadas posições que as almas virtuosas
podiam alcançar.” (Campbell, Joseph, in Zimmer, 1991, p.193, nota apud Gulmini,
2002: 27).

Este período do sistema ritualístico foi sucedido então por um período onde os mestres
espirituais se multiplicavam devido ao fato de se tornarem um meio de se descobrir o caminho de
aproximação interior com a divindade, de forma a tornarem-se um Eu ( t an) unificado e
reintegrado com brahman e não mais, como os sacerdotes védicos, um meio de reordenarem o
cosmo de forma cíclica e externa aos deuses.
Essa fase, segundo Eliade (1994), inicia-se com a composição dos r anas, situados
entre 1000 e 800 a.C., os quais seriam os marcos iniciais do pensamento místico especulativo.
Através da referência aos Vedas os textos r anas buscam explicar os métodos dos mantras, o
sacrifício ritual, quer pela etimologia, quer pelos mitos, imputando valores, segundo afirma
Eliade (1994), de alcance cosmogônico e função escatológica, dando início ao processo de
interiorização simbólica dos rituais.
Esse processo de interiorização tem continuidade com os Aranyakas (Livros da Floresta) e
principalmente com a Vedanta (final dos Vedas), a qual contém as Upanisads que contam com
treze livros, compostos, os primeiros, entre 700 e 500 a.C (Eliade, 1994). As Upanisads são
textos tradicionalmente reservados aos renunciantes13 e considerados o grau mais alto da
educação bramânica. Eles buscam reinterpretar o significado dos Vedas e dos rituais para além de
sua manipulação litúrgica, tendendo a abandonar os longos e complexos rituais em favor de sua
interiorização, já que propõem a identidade última entre o espírito humano e o espírito universal
( t an e brahman). Segundo Zimmer:

13
São monjes celibatários que renunciaram à vida mundana e receberam iniciação numa ordem monástica.
15
“Os diálogos filosóficos das Upaniṣad indicam que durante o oitavo século a.C houve uma
mudança de orientação dos valores, deslocando o foco de atenção do universo exterior e
limites tangíveis do corpo para o universo interior e intangível, levando às suas últimas
conclusões lógicas as perigosas implicações desta nova direção. Ocorria um processo de
retirada do mundo normalmente conhecido. As potências do macrocosmo e as faculdades
correspondentes do microcosmo eram, em geral, desvalorizadas e relegadas com tal ousadia
que todo sistema religioso do período anterior corria o risco de ruir.” (1991: 21 apud
Gulmini, 2002: 34).

Dentro desse contexto os brâmanes reafirmam sua proeminência e combatem o


antropomorfismo dos antigos arianos, desvalorizando assim todos os deuses dos hinos védicos e
criando um deus supremo, r a, que passa a orientar seus rituais. No entanto, Śiva e Viṣṇu 14,
em detrimento do panteão védico (Indra, Varuna e Mitra, entre outros), passam a entusiasmar as
classes populares atraindo a devoção de multidões pelo caráter de compaixão desses deuses, já
que através de avatares15 vinham ao mundo orientar seus fiéis. Surge então o hinduísmo
devocional que substitui os sacrifícios védicos e engendra duas importantes vertentes, o
Saivismo16 e o Vaisnavismo17, formando com eles a trimurti (três formas) hindu - r a, Viṣṇu
e Śiva - que representa a manifestação tripla da divindade suprema que lidera os diferentes
estados da natureza, a saber: a criação ( r a), a conservação (Viṣṇu) e a destruição (Śiva).
Tais desdobramentos da divindade seriam, em último caso, segundo os Upanisads,
diferentes meios de representação de um mesmo princípio, ou seja, formas do Absoluto. Tendo
essa premissa, qualquer homem poderia alcançar o conhecimento de brahman e realizar sua
reintegração com ele, independente de classe e instrução, já que tudo o que existe faz parte desse
mesmo princípio e o objetivo dos homens deveria estar então na reaproximação do que é real, ou
seja, na reintegração com o princípio de tudo o que existe. Dessa forma, a renúncia àquilo que
não é real – ou seja, a forma, a pluralidade, a fragmentação – seria o meio mais breve de realizar
a divindade, ou melhor, de reintegrar o Absoluto. No entanto, tal renúncia radical muitas vezes
não é viável devido à dificuldade de tamanha abstração entre os homens, daí a necessidade da
existência de diversas representações da divindade18.

14
Também conhecido como Vishnu.
15
Encarnação física da divindade. Krshna, por exemplo, segundo a tradição épico-bramânica, é um dos avatares de
Viṣṇu.
16
Também conhecida como Shaivismo Śivais o e ivaís o.
17
Conhecida também como Vaishnavismo, Visnuísmo e Vishnuísmo.
18
Falaremos desse assunto mais tarde.
16
Segundo os estudiosos indólogos este é um período de fusão cultural onde a parte extra-
sistêmica da cultura dominante passa a integrar abertamente os textos religioso-filosóficos
tornando-se assim “patrimônio” dos textos sânscritos, principalmente a partir das Upanisads,
onde as teorias cosmológicas, os ideais de ascese, de renúncia, a prática da yoga, os critérios para
o desenvolvimento espiritual (independentes das castas), bem como as especulações acerca dos
fenômenos da consciência, do além morte, do caráter iniciático, entre outros, são elementos
diferenciadores dessa nova fase (Gulmini, 2002: 55). Desenvolve-se então uma relação de
mestres e discípulos entendendo o brahman não mais como aquele que designa a palavra ritual
“dotada de poder cosmogônico, e sim o substrato último da existência, inexprimível e
inalcançável pelo pensamento lógico e pela linguagem por ele articulada” (Gulmini, 2002: 28).
Segundo Gulmini, o conceito de Absoluto é sintetizado nas palavras de Dvivedi:

“As Upanisad ensinam a filosofia da unidade [monismo] absoluta. Por unidade entende-se a
unidade do sujeito, sendo toda a experiência da existência objetiva considerada como contida
nele e pertencente a ele. Experiência implica consciência, e consciência, percepção ou ‘razão
pura’ é o único fator confiável, auto-ilimitado e absoluto de nosso conhecimento. Tudo o
mais é mera representação, dentro e através do estado dessa consciência. O mundo do ser
não é nada considerado à parte da consciência a qual, por sua vez, é totalmente independente
da experiência. A consciência não pode de forma alguma ser negada, pois a própria negação
implica sua existência. Este é o domínio do absoluto e sempre existente brahman, uma
abstração que expressa apropriadamente esta idéia de unidade na dualidade, sendo também
um termo expressivo deste todo que não pode ser outro senão um composto de Pensamento e
Ser.” (prefácio de Dvivedi, in Mitra et alii, 1979, p. vi-vii apud Gulmini, 2002: 30).

Para o homem alcançar tal conhecimento e vivenciá-lo deve afastar-se da “ignorância


original”19 que o prende ao ciclo eterno de mortes e renascimentos (sa s ra) e buscar a realidade
última das coisas. Para tal, deve libertar-se das categorias dualistas e através das práticas de
yoga20 vivenciar sua identidade com brahman.

19
O desconhecimento de sua identidade com o brahman.
20
As técnicas da yoga estão relacionadas aos princípios jainistas e budistas podendo remontar até aos povos
autóctones não-arianos. No entanto as ideias fundamentais da yoga passam aparecer somente nas últimas Upanisads
e na agavadg t onde já estão mescladas com as ideias da filosofia védica.
17
1.2.3. Tradição épico-bramânica

A literatura épica possui um caráter popular ilustrando com suas histórias os princípios da
Vedanta. Ela surge então quando as correntes hinduístas (Visnuísmo, Saivísmo e também o culto
a Deusa) começam a definir-se, estando situada entre os séculos V a.C e IV d.C (Eliade, 1994).
Este período compreende a epopéia R ana (Feitos de Rama), de V lm ki, - remontando,
segundo Eliade (2002), a época em que Rama ainda não era visto como avatar de Visnu – onde
são narradas as aventuras de Rama e sua empreitada em busca de libertar do reino de Lan
(demônio R vana) sua mulher t , com a ajuda de Hanuman (deus-macaco). Já o poema épico
a rata, de Vyasa, ganha verdadeira popularidade até os dias de hoje com seu capítulo
agavadg t acerca da vida de Krsna21. Há ainda os dezoito Grandes Puranas e os dezoito
Pequenos Puranas, de caráter enciclopédico e compostos de 300 a 1200 d.C, onde se detalha a
teoria dos avatares de Viṣṇu.
Essa literatura é parte do corpo de texto denominado Smrti (tradição confiada à memória)
dominado pelas idéias de dharma (ordem cósmica) e pelo ensinamento dos caminhos de
salvação22 (as yogas), realizados mediante a participação ativa, mundana, do homem na
manutenção da ordem universal. Segue daí, segundo Follmann e Scarlatelli, “uma clara evolução
da religião essencialmente ritual para uma religião que envolve um comprometimento moral
pessoal, mais evidenciado.” (2006: 5).
O a rata é um poema épico de cem mil ślo as (estrofes de dois ou quatro versos)
que, segundo Eliade (1994), é oito vezes mais longo que a Ilíada e a Odisséia juntas. Narra o
grande combate dos ratas, - descendentes de rata, ancestral dos príncipes do norte da
Índia – entre irmãos e primos que disputam o reino de rata. Arjuna, um dos integrantes da
família, considerado o Hamlet indiano23 (Ram, 1968), não quer travar combate com sua família,
quando surge Krshna, considerado avatar de Viṣṇu, e dá a ele uma lição filosófica contida no
agavadg t . “O Canto do Bem-aventurado”, considerado um dos textos mais importantes da
humanidade pelos estudiosos da literatura hindu, é datado de II d.C., onde Krshna para vencer a

21
Conhecido como Krishna.
22
Escapar dos ciclos de encarnações.
23
Ambos os heróis, Arjuna e Hamlet, teriam dilemas semelhantes que circulariam entre a honra e a manutenção da
ordem. Hamlet se encontra sob o impasse de vingar ou não a morte de seu pai matando seu tio e Arjuna de guerrear
ou não contra sua família.
18
resistência de Arjuna apresenta-lhe o verdadeiro propósito da humanidade, e seus deveres para
com ele, introduzindo as quatro24 yogas25: karmayoga; na oga, bhaktiyoga e d na oga ou
rajayoga vinculadas a tipos de meditação.
Na perspectiva de Gulmini, o a rata realiza uma síntese no campo social
estabelecendo uma “ordem sagrada” para a sociedade por meio de seus poemas. Já o
agavadg t , ao contrário, realizaria uma síntese no campo religioso descrevendo as yogas
como tipos adequados a cada indivíduo para uma “’busca efetiva do sagrado’ em meio a uma
vida social ativa, ou seja, ‘profana’” (2002: 56), já que são yogas acessíveis a todos e não
somente aos renunciantes.
A karmayoga, a yoga da ação, estaria associada ao cumprimento do dharma que consiste na
ordem sagrada, sendo o conjunto de leis subjacentes ao universo que o mantém em harmonia
impedindo-o de se desfazer no caos. Cumpri-lo, através da ação, tem o sentido de entrar em
harmonia com tais leis. A ação altruísta, livre do apego aos seus resultados, é um dos caminhos
para cumprir o dharma que nos levaria a transcender a transmigração e assim realizar a
divindade26. Pois, qualquer ação movida pelo apego, mesmo que boa, produz karma, ou seja,
produz consequências; consequências essas que aprisionam as almas aos ciclos encarnatórios
(sa s ra). Assim, a realização seria possível através da ação desinteressada incluindo a não-
resistência ao mal ou ao bem (não por incapacidade, mas por simples desapego à vida mundana).
A na oga, a yoga do conhecimento, é considerada o método mais analítico de todos, o
qual implica conceber a unidade de todas as coisas através da convicção intelectual negando a
existência real de tudo que é material começando pelo corpo e mente. Pois, segundo Vivek nanda
em seu texto sobre a Vedanta:

“O que há é uma única Existência, que é o Atman, o Self. Percebido pelos sentidos, pelas
imagens sensoriais, chama-se corpo. Percebido pelo pensamento, chama-se mente. Percebido
em sua própria natureza é o Atman, a Existência única.” (Vivek nanda, 2007: 139)

24
Tanto Eliade (1994) quanto Follmann e Scarlatelli (ano) nos falam somente de três yogas não referindo-se à yoga
da concentração mental (d na oga) citada por Gulmini (2002) e Vivek nanda (2007).
25
Yoga significa união e nesse contexto: “unidade com Deus”.
26
Realizar a divindade significa se difundir nela própria, nos tornando somente aquilo que existiria em verdade: o
Absoluto.
19
Daí a meditação do jnani, daquele que pratica a na oga ser em negativa. Afirma
Vivek nanda:

“ele nega tudo, e o que sobra é o Self. O jnani quer remover o universo do Self pelo puro
poder de análise. O jnani procura romper os laços que o prendem à matéria pela força da
convicção intelectual. Esse é o caminho da negativa – neti, neti – ‘isto não, isto não.”’ (2007:
138)

Já a bhaktiyoga, a yoga da devoção a uma divindade escolhida, tem como sua característica
principal o monoteísmo, próprio do caráter do Bhagavadg t que é centrado na figura de Krṣṇa,
avatar do deus Viṣṇu, em contraste com o “caráter empírico e não necessariamente teísta que
parece fazer parte da yoga antes de sua assimilação pela cultura sânscrita, e que é atestado pelo
budismo e jainismo, religiões não teístas que, não obstante, estão igualmente centradas em
práticas de yoga.” (Gulmini, 2002: 60).
O caráter devocional faria com que o praticante, através do amor e dedicação a um deus
pessoal, alcançasse a libertação do sa s ra. No entanto, o devoto não deve deixar de lembrar que
este deus pessoal é somente representativo do Absoluto, pois, é apenas uma maneira de adorar
brahman, o uno e absoluto de forma menos abstrata. Dessa forma, os diferentes deuses e avatares
(Buda, Jesus, diferentes mestres indianos considerados santos, etc) seriam a expressão
diferenciada do absoluto, assim como as diversas seitas seriam meios de alcance do mesmo.
Na d na oga o retorno ao absoluto se dá através das disciplinas de concentração mental
que buscam “transcender os limites dos sentidos e ir além da razão” (Vivek nanda, 2007, p.149),
sendo o controle da mente e a concentração meios de alcançar a verdade sobre a natureza da
mente e consequentemente de tudo o mais que existe partindo da autoanálise de forma a
“interiorizar a mente”. Nessa yoga o praticante chegaria a conclusões e à aproximação da
divindade de modo individual e prático através de disciplinas relativas à hathayoga que busca o
fortalecimento do corpo através da busca pela harmonia entre corpo, mente e espírito.
Para o raja yogin, segundo Vivek nanda:

“não existe na natureza divisão entre o interno e o externo, trata-se de limitações fictícias,
que jamais existiram (...). Assim como o físico percebe a fusão da física com a metafísica, ao
avançar até o limite extremo do seu conhecimento, o metafísico também descobre que o que
ele chama de mente e de matéria são apenas distinções aparentes, sendo a realidade Uma. A

20
raja yoga propõe-se a começar [a busca pela unidade] pelo mundo interior, estudando a
natureza interna e, assim, controlar tudo – interna e externamente” (2007: 159-160).

1.2.4. Darśanas: Escolas filosóficas27 tradicionais

A escola Mɨ s , que significa “indagação”, floresceu entre 300 a.C. e 300 d.C. (Valle,
1997). De acordo com a cosmologia de Prabhakara, um dos precursores da escola, ela não aceita
as mutações cíclicas do hinduísmo, ou seja, a metempsicose, e entende o mundo como existente
por si próprio, um mundo sem criador, não se desfazendo, no entanto, dos deuses da mitologia.
Porém, Gabriel Valle (1997) aponta uma incoerência encontrada nos textos, dentro de tal
perspectiva ateísta, afirmando que já que a ética da escola entende o karma28 como guardião da
ordem moral, compreendido como um castigo mecânico, não seria possível então a ausência de
um Deus criador, pois o karma reclama uma origem, e assim o mundo não poderia existir por si
só.
Entre outros sistemas, apresentados por diversos pensadores, que a escola compilou, o que
ficou na história da filosofia indiana, da escola em questão, segundo Valle (1997), foi o método
de discutir com o intuito de evitar a logomaquia29, estabelecendo, para tal, normas fixas de
argumentação, a saber: a tese; a dúvida; a antítese; a refutação das objeções e reafirmação da tese
e por fim os corolários da tese. Tal método é até hoje usado tanto para argumentações religiosas,
metafísicas e filosóficas como para a jurisprudência.
A segunda escola indiana, Vedanta, diferente da Mɨ s , possui alguns princípios
comuns a todos os membros, sendo entre eles dois fundantes: a especulação partindo dos
Upanisads e a oposição ao budismo em defesa do hinduísmo. Seus representantes mais
significativos são Sankara, Ramanuja e Madhva. Sankara é o mais difundido no ocidente devido
à ida para a Europa e EUA, e mais tarde para a América do Sul, de alguns mestres representantes
de seu pensamento, além de sua teoria do conhecimento se assemelhar a algumas correntes da
filosofia ocidental. Valle (1997: 111) esclarece o conteúdo da teoria do conhecimento de
Sankara:

27
Há muitos autores que consideram que filosofia é privilégio da cultura ocidental. No entanto, Botelho (1999) faz
uma defesa sistematizada da existência da filosofia, tal como concebida no Ocidente, no Oriente.
28
Consequências da ação que acorrentariam o homem ao ciclo das reencarnações.
29
Disputa pelo sentido das palavras.
21
“[A teoria do conhecimento de Sankara] Parte do princípio de que nossos sentidos podem
nos enganar e nossa memória ser mera ilusão. Embora toda e qualquer experiência possa ser
questionada, uma há que de modo algum apresenta dúvida: é a existência de nós mesmos.
Ninguém consegue pensar: “Eu não sou”. O Eu não pode ser posto em dúvida. Não pode ser
negado, “uma vez que faz parte da essência de sua natureza quem o nega”. Apesar do Eu
estar em nosso pensamento, ele nos escapa de todo: é o objeto do próprio Eu
(asmatrpratyayavishaja). Sabemos de sua existência por causa de sua apresentação imediata
(aporokshatvat). Com isso, o Eu se distingue do corpo, dos sentidos e do entendimento. É o
princípio de nossa consciência. Subsiste mesmo quando o corpo é reduzido a cinzas e a razão
desaparece. O Eu é uno, universal e infinito”.

Sankara não utiliza o termo maya (aparência) para explicar o conhecimento do mundo
como simples ilusão, mas o explica, através do termo supracitado, com o sentido de
conhecimento imperfeito e relativo, não sendo possível, portanto, o conhecimento do mundo de
maneira consistente. Assim, a diferenciação entre mundo e Absoluto não revela de maneira
alguma a essência de tais coisas, ao contrário, seria um obstáculo criado por nós próprios que
impede a percepção da união entre Brahman e o mundo. Assim, a liberdade consistiria na
remoção deste obstáculo “e na entrada segura em uma realidade permanente de verdade
inalienável.” (Valle, 1997: 115), onde toda a dualidade se dissiparia.
Já Ramanuja, teísta, busca demonstrar que Deus não é a abstração que Sankara difunde e
sim um Deus pessoal que podemos conhecer de forma imperfeita. No entanto, a alma e a matéria,
tal dualidade flagrante, são consideradas atributos constitutivos da substância desse Deus
supremo.
Diferente de Sankara, Ramanuja não corrobora a idéia de que a multiplicidade do mundo se
deve à ignorância que temos em relação à essência de Deus - logo a nossa - real e fixa (diferente
da percepção que temos de multiplicidade e fugacidade do mundo). Ramanuja compreende que
Brahman conta com tal multiplicidade, já que ela é parte de sua criação. Desse modo, a liberdade
seria então a comunhão com Deus alcançada através da fé e devoção; e depois de alcançada, a
face e identidade do homem não se desvaneceriam como em Sankara.
Madhva, também dualista, estabelece cinco distinções na existência, a saber: entre Deus e a
alma, entre Deus e a matéria, entre uma alma e outra, entre uma parte da matéria e outra parte e,
por fim, entre todos os objetos inanimados. No entanto, a realidade representa duas faces, sendo

22
uma dependente (as almas e matéria) e outra independente (Deus), sendo Deus - diferentemente
em Ramanuja - apenas causa e não criador, como afirma Valle (1997: 115):

“Deus tem controle sobre as almas e sobre a matéria, embora não as crie nem as destrua. Ele
é a causa material e a causa eficiente de todo o universo. Não obstante serem completamente
dependentes de Brahman, as almas individuais são, por natureza, agentes ativos,
responsáveis pelos próprios atos.”

Nyaya, o terceiro sistema, pode significar: o que conduz, regra e argumentação. Essa
escola, originada entre I e II d.C (Valle, 1997), se dedicou basicamente a criar a lógica indiana
abarcando epistemologia e dialética. O meio correto de conhecimento, para a escola, consiste na
percepção, inferência, comparação e testemunho verbal, porém é o princípio da contradição fator
sine qua non, que nos permitiria reconhecer as conclusões falsas tiradas aparentemente de
premissas certas. Desenvolveu então um importante tratado sobre os sofismas e argumentos
falaciosos além de deixar para a posteridade as regras do silogismo indiano o qual compreende
cinco termos: afirmação; razão (motivo da afirmação); prova da razão; princípio geral e
conclusão.
Entretanto, mais tarde, a escola desenvolveu um interesse especial pela salvação espiritual
buscando, através do conhecimento lógico, driblar as enganosas artimanhas da razão, porém
como não possuía ontologia própria, resolveu adotá-la da escola atomista Vaisheshika.
O sistema Vaisheshika, que remonta ao início da era cristã, tem como referência os textos
de Kanada, seu principal pensador. O sistema divide a realidade em sete categorias as quais
possuem substância própria. São elas: substância, característica das demais categorias; qualidade,
(são elas vinte e quatro) que carecem de realidade própria; ação, restrita a um movimento local;
generalidade refere-se ao universal existente, como, por exemplo, homens e animais os quais
possuem realidade eterna; particularidade, que forma a especificidade de uma substância eterna;
relação de inerência, o que une dois elementos, necessária e eternamente e, por fim, a não-
existência. Esta se divide em dois grupos: a que é ausência de algum elemento em alguma coisa,
o que é chamado de “não existência absoluta” (samsargabhava) e a não existência, no sentido de
que uma coisa não pode ser outra (anyonyabhava).
O ar, a terra, a água e luz são consideradas substâncias básicas que formam parte dos
átomos que em diversas combinações compõem a matéria visível e não-visível formando, desse
23
modo, o mundo através de agregados de átomos. Quando estes agregados perecem, os átomos
reduzem-se às substâncias básicas. O mundo, então, seria constituído de tais organizações
atômicas, exceto as substâncias consideradas infinitas como, por exemplo, as substâncias
fundamentais; o homem e os animais; assim também como o atman (o Eu), que submete-se ou
não à metempsicose; o Espírito do Universo (demiurgo espiritual), o qual ordena o mundo, e
Paramatman, que determina a criação e/ou destruição do mundo.
O nome Samkhya, dado à quinta escola, significa enumeração. Recebeu tal nome pois
sistematizou vinte e cinco princípios, fundamentos do sistema. Constituíram-se como reação ao
monismo dos Upanisads adotado pelo sistema Vedanta. Seu caráter dualista ateu e opositor às
escolas anteriores adota a ideia de uma coexistência eterna e interação contínua entre a
pluralidade das almas, ligadas à matéria, e a causa material primeira, considerada não-inteligente,
que se desdobra apenas por um processo de evolução e não de gerência divina. No entanto,
Samkhya reconhece a existência de um demiurgo inteligente o qual nomeia de nirisvara, cujo
significado literal é sem-deus.
O sistema nega a existência de um Deus criador e de uma divina Providência, pois tal ideia
não seria compatível com a existência do mal, não sendo, portanto viável prová-lo através da
razão. No entanto, a transmigração é aceita e a melhor forma de escapar dela é o perfeito
conhecimento acessado por meio da razão, permanecendo, portanto, a pureza e inteligência,
características inerentes às almas.
O sexto sistema, Yoga, possui sua própria filosofia além de exercícios com busca à
perfeição. Como sistema organizado data de II a.C e se assemelha ao sistema Samkhya exceto no
que se refere a Deus. Não é um sistema ateu, pelo contrário, acredita no Princípio da consciência
suprema, o grau mais alto da divindade, estando presente na libertação das transmigrações, em
todos os fenômenos mundanos e na dissolução do universo quando gera o retorno de todos os
seres a si próprio.
O sistema possui o intuito de acessar a divindade, Ishvara, pelo conhecimento,
alcançando a perfeição, logo, a liberdade do ciclo de reencarnações, através de exercícios físicos
e mentais que levarão o praticante, num estágio avançado, a não mais ser escravo de suas
sensações, tonando-se senhor do corpo e da natureza. Segundo Valle (1997), o sistema foi
difundido com êxito não só na Índia, mas também no Ocidente por saber unir a teoria e práxis.

24
1.3. Neo-hinduísmo

Com a invasão mulçumana na Índia, entre os séculos VII e XIV, e a influência britânica,
entre os séculos XVII e XX, a Índia passou por longos períodos conturbados que a levaram a
reformulações do pensamento e do modo de vida indianos em busca da afirmação da identidade
hindu. Irrompem então correntes reformistas, durante os séculos XIX e XX, que por um lado
procuram fortalecer as tradições hinduístas, frente à expansão das tradições mulçumanas e cristãs
na Índia, e por outro dar novos contornos ao hinduísmo. Desse modo, ao lado de uma
revitalização das religiões tradicionais hindus algumas correntes passaram a integrar valores
ocidentais.
Rammohan Roy (1774-1833) é um dos primeiros reformadores e um dos primeiros
ra nas bengali a ser formado no pensamento ocidental e na língua inglesa. Uma das suas
principais buscas foi dar início ao diálogo entre a religiosidade ocidental e a indiana. Para tal,
fundou a r o a (Sociedade de Deus) em 1828, com a qual defendeu o monoteísmo
atacando o hinduísmo ortodoxo, a teoria de castas, a pluralidade de Deus, a adoração de imagens,
entre outros. Tais ideais tiveram continuidade com seus sucessores, Drevendranath Tagore (1817-
1905), cujos adeptos eram instruídos em valores hinduístas e cristãos, e Keshab Candra Sen
(1838-1884), que defendia a abertura dos princípios védicos a outras religiões. Em 1 7 , o r a
Sam j é fundado por S mɨ Da nanda (1824-1883), cujo objetivo é preservar as tradições
religiosas indianas e difundi-las pelo mundo.
Mas é com o encontro de eshab Candra Sen com o místico bengali R makrishna (1836-
1886) – conhecido por acessar a divindade por meio de distintas religiões - que é gerada a
corrente neovedântica, a qual ampara toda sorte de adesão religiosa e se pretende universal, se
tornando assim representativa da religiosidade indiana no mundo ocidental até a atualidade. A
Vedanta é difundida, portanto, no Ocidente, através do discípulo de R makrishna, Vivek nanda
(1863-1902), que a divulga mediante o Parlamento Mundial das Religiões em Chicago (1893)
(evento este que pode ser traduzido como um ponto de partida de uma nova relação entre o
Oriente e o Ocidente)30. Assim, a incursão de Vivek nanda no Ocidente se desdobra na fundação
de diversas Sociedades Vedanta nos Estados Unidos. E é a partir de então que muitos mestres

30
Ver Maria Macedo Barroso (1999: 13).
25
indianos se instalam naquele país com a preocupação de introduzir suas tradições entre os
adeptos ocidentais utilizando a prática31 como método de alcance da religiosidade indiana.

31
Experimentação vivencial, tal como a prática corporal da yoga.
26
CAPÍTULO II

2. Apropriações das religiosidades orientais pelo Ocidente

Segundo Edward Said (2007) o Ocidente desenvolveu, através de seus métodos


institucionais de análise, uma noção idealizada e essencializada do que vem a ser o Ocidente em
contraposição ao que vem a ser o Oriente. Essa noção então estabeleceria distinções substanciais
entre um e outro de forma a hierarquizá-los, definindo a identidade do Ocidente como superior ao
Oriente relegado a imagens obscurantistas próprias de sociedades essencialmente religiosas. Estas
imagens não levariam em conta as distintas sociedades detentoras de tradições e culturas diversas
fomentando assim a concepção do Oriente como um bloco homogêneo. Por outro lado, o
Ocidente estaria demarcado, como antítese, pela racionalidade secular também como bloco
homogêneo que ignora a pluralidade interna e os diálogos constitutivos com o “Oriente”.
Dessa forma, segundo Miguel (2011), Said refere-se ao “orientalismo” como conteúdo
acadêmico disseminado pelo Ocidente de modo a dar continuidade ao projeto imperialista
subordinando os povos através de uma ideologia disfarçada de conhecimento, fixando as bases do
pensamento social moderno “em uma suposta cientificidade contra as trevas da religiosidade –
(...) uma estrutura ideológico-cultural contra aquelas não-cristãs/não-européias e com um projeto
político específico: facilitar a expansão do colonialismo” (Miguel, 2011).
Salientado isto, é importante lembrarmos que, mais especificamente, a filosofia indiana,
como veremos, está entre as principais formas de manifestação da contracultura, e foi utilizada,
de maneira mais ou menos estereotipada, como instrumento de crítica à civilização ocidental e
meio de pensar em modos alternativos de subjetivação. Além de podermos encontrar, em épocas
anteriores à contracultura, pensadores que estruturam suas teorias, de modo declarado ou não, no
pensamento indiano, como por exemplo, Arthur Schopenhauer32 - que utilizou conceitos budistas
e hinduístas na filosofia alemã - e Baruch Espinosa33, que trabalhou com a categoria “imanência”
no sentido hinduísta de uma imanência divina, em contraposição aos gregos que a utilizavam

32
Schopenhauer, Arthur. O mundo como vontade e como representação. São Paulo, Editora Unesp, 2005.
33
Espinosa, B. de. Ética. Trad. de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
27
referida ao que é finito e aparente. Somado à busca de alguns estudiosos34 de legitimar, nas
universidades do Ocidente, o pensamento indiano como filosofia sistematizada - e não mais como
um pensamento menor, exótico, e mitológico – é possível vislumbrar uma tentativa de
aproximação do Ocidente em direção ao Oriente, ou pelo menos da Índia, por motivos outros que
não a subjugação.
Uma questão relevante aqui é ressaltarmos a maneira com a qual o Ocidente acionou o
pensamento hindu em finais do século XVIII. Estamos falando da suposta identificação do
Romantismo com valores hinduístas, relativa à valorização do sentimento libertador em
detrimento da razão aprisionadora. No entanto é possível questionar, como salienta Barroso
(1999), influenciada por Campbell (1997), “até que ponto as tradições orientais, quando
acionadas no Ocidente, fornecerão elementos de fato novos para suas culturas, ou apenas servirão
de pretexto (...) para o esforço de certos valores, não-hegemônicos em geral, presente dentro
delas”. Ou seja, é possível pensar na aproximação do Oriente pelo Ocidente como um modo de
refletir sobre questões que já se encontravam no interior da sociedade ocidental, sendo uma
maneira, neste caso, de intensificar o diálogo com valores hegemônicos desta mesma sociedade.
No entanto, em resposta a estas apropriações, houve uma migração de mestres hinduístas,
budistas, entre outros, para o Ocidente. Essa migração desenvolveu meios de o Oriente
representar a si mesmo (Barroso, 1999) tendo seu ponto inicial no Parlamento das Religiões em
Chicago o que possibilitou a instalação das primeiras instituições dirigidas por mestres orientais,
as quais objetivavam direcionar de perto o desenrolar de suas tradições em outras terras,
ensinando aos devotos ocidentais suas religiões.
Assim, como podemos ver, essa construção simbólica, relativa à imagem do Oriente, não é
unilateral tampouco essa construção se limita à imagem do Oriente. Pois, com a vinda dos
mestres orientais, podemos verificar a visão que se tem do Ocidente a respeito de seu
materialismo que se contraporia à religiosidade oriental, em especial a indiana, sendo a ndia,
segundo Vivek nanda (2007), possuidora da “missão de curar a civilização ocidental dos males
do materialismo” (Barroso, 1999: 26).
Dito isto, devemos salientar que este processo de migração de mestres orientais ajudou a
colocar em curso um tipo de apropriação ocidental da religiosidade oriental, e ao mesmo tempo,
34
Para o tema, ver Botelho, Octavio da Cunha. A história do reconhecimento da filosofia indiana no ocidente, in
Educação e Filosofia, 13(26)173-194, jul./dez, 1999.
28
um tipo de representação oriental, de suas tradições religiosas, no Ocidente, o que, ao lado do
ressurgimento de tradições religiosas ocidentais, compõe o que se convencionou chamar “Nova
Era”, um fenômeno que ganhou expressão na década de sessenta.

2.1. Nova Era: Um mosaico de tradições

Nos dias de hoje não é difícil nos depararmos com ofertas, em diversas mídias, de consultas
de tarô, astrologia, runas, I-Ching, numerologia e outros sistemas oraculares. Divulgação de
Centros Esotéricos, feiras, onde encontramos literaturas sob o rótulo de “esotéricos”, “místicos” e
“auto-ajuda”. Ofertas de terapias chinesas, indianas, xamânica, etc. Divulgação de excursões a
“lugares sagrados”: Machu-Picchu (Peru), Nepal, Índia, San Tiago de Compostela (Espanha), São
Tomé das Letras (Brasil), etc.
Temas e produtos variados como discos voadores, bruxas, duendes, chakaras (pontos de
energia do corpo), uso de cristais, pirâmides, “cura com as mãos”, entre outros, são encontrados
em lojas de produtos “alternativos”, restaurantes vegetarianos e veiculados recorrentemente em
jornais, internet, murais de faculdades, livrarias, cafés e lugares afins.
Com facilidade também tomamos conhecimento dos inúmeros espaços religiosos e templos
onde se pratica rituais de procedência oriental: hinduístas, budistas, taoístas, zen-budistas, etc.
Espaços de meditação e yoga. Templos que praticam o ritual do Santo Daime (doutrina e prática
originadas do sincretismo entre xamanismo e catolicismo onde, em seu ritual, há a ingestão de
um chá alucinógeno). Casas as quais não possuem ligação direta com a doutrina do Santo
Daime, mas que se apropriam da ayahuasca (chá alucinógeno) em seus rituais: União do Vegetal,
A Barquinha, entre outros.
São todos esses produtos, atividades, terapias e tipos de religiosidade que caracterizam o
“espírito” da Nova Era. Alguns autores se referem à Nova Era como um “movimento”, pois está
sempre em transformação, não sendo um fenômeno fixo ou acabado (Amaral, 1999). Outros,
como D`Andrea, afirmam ser bem mais que um movimento ou religião, pois a Nova Era é
constituída por expressões distintas e difusas de comportamentos e movimentos cujo alicerce
comum consiste em um tipo de “espiritualidade reflexiva” (D’Andrea, 2000).

29
* * *

O termo Nova Era é oriundo da cosmologia astrológica, tendo sido apropriado por diversos
estudiosos do campo da religião. Sua origem deriva do termo “Era de Aquário” popularizado na
década de 60. A noção “refere-se a uma mudança ocasionada pela chamada precessão dos
equinócios – no aparente trajeto do sistema solar em relação ao zodíaco (uma espécie de faixa
com 12 subdivisões projetada na abóbada celeste), ao longo do qual parecem mover-se os astros,
perfazendo determinados ciclos” (Magnani, 2000: 10). Os períodos de transição anunciam
importantes transformações para a humanidade. “De acordo com o esquema dos ciclos do
zodíaco, a era de Touro, por exemplo, correspondeu às civilizações mesopotâmicas, a de Áries, à
religião mosaico-judaica e a de Peixes – que teve início com o advento do cristianismo – ao
término dos 2.100 anos de sua duração, levou ao limite os valores identificados com o modo de
vida ocidental.” (Magnani, 2000: 10). Segundo a maioria dos astrólogos35, estamos justamente na
passagem da Era de Peixes para a Era de Aquário, o que anuncia grandes mudanças institucionais
e comportamentais - na maneira de agir, sentir e pensar - para o desenvolvimento tecnológico e
de maior espiritualidade em detrimento de uma fase de emocionalidade, grandes religiões e
carisma político (D’Andrea, 2000). “De uma forma geral, essas transformações são entendidas no
sentido de um reequilíbrio entre pólos – corpo/mente, espírito/matéria, masculino/feminino,
ciência/tradição etc. – até então opostos e em conflito.” (Magnani, 2000: 10).

2.2. Contracultura e a Nova Era

Todos os teóricos que se debruçam sobre o advento da Nova Era apontam para a relação
necessária do “fenômeno” com a contracultura. Momento histórico pautado por um sentimento de
crise dos valores, tanto nos E.U.A quanto na Europa e Brasil a partir da década de sessenta, a

35
“O marco histórico dessa transição varia muito conforme os modelos adotados pelos astrólogos: enquanto para
alguns a Era de Aquário teria começado com o iluminismo ou com a Revolução Industrial, para outros ela começa no
movimento contracultural dos anos 60, enquanto outros ainda a localizam no século XXI (como o ano 2010, fim do
calendário Maia).” (D’Andrea, 2000: 87).
30
contracultura teve seus primórdios nos anos 50 com o movimento beatnik na Califórnia e nos 60
e 70 com o Tropicalismo no Brasil quando passávamos pelo difícil momento da ditadura.
Segundo outros autores, contudo, as origens da contracultura remontam a mais longe ainda:

“Porém as bases desse descontentamento já estavam lançadas há bastante tempo.


Vivia-se, desde o final da segunda guerra mundial, o final da utopia bíblica, da
construção de um novo Israel, e também o fim do sonho do individualismo
utilitarista, marcado pelo consumismo. Nos anos sessenta surgiu uma nova
consciência, principalmente entre os jovens.” (Bellah, 19 6, p. 22, apud Guerriero,
2009).

No Brasil, a maneira tradicional de se fazer política, com o advento da ditadura, era


amplamente contestada, assim como o modelo consumista do capitalismo e sua prática
imperialista encontravam críticas e resistência consideráveis. Os antigos padrões de
comportamento (culturais e morais) eram rechaçados pelos jovens que buscavam romper com o
establishment. Questionava-se, portanto, o modelo estabelecido de racionalidade instrumental em
favor do cultivo de subjetividades alternativas ao modelo hegemônico: “O ativismo político da
década de sessenta mostrava-se com uma forte inclinação para o ocultismo, para a magia e para o
ritual exótico que se tornou parte integrante da chamada contracultura.” (Guerriero, 2009).
Segundo José Guilherme Magnani (2000), o caráter da agitação cultural no Brasil assume uma
inclinação predominantemente política manifestada nos Centros Populares de Cultura (CPCs), na
experimentação do Cinema Novo, no Teatro de Vanguarda e na música popular, sendo somente
“a partir do dos anos 70, entretanto, com o fechamento dos canais de participação e a repressão
aos movimentos populares, que se criam condições para o surgimento dos aspectos mais místicos
e individualizados do movimento Nova Era.” (Magnani, 2000: 16).
Muitos centros incorporados pelo panorama da Nova Era foram fundados a partir da década
de 50. Citarei alguns que fazem parte das categorias utilizadas por Magnani para organizar as
expressões da Nova Era: “Sociedades Iniciáticas”, as quais possuem um corpo de doutrinas,
princípios filosóficos definidos, rituais e níveis de iniciação, e “Centros Especializados” (Instituto
Brasileiro de Acupuntura e Academia Hermógenes de Yoga) consistindo em clínicas,

31
associações, escolas, institutos e academias.36 A importância dessa descrição37 é termos uma
dimensão do florescimento, entre a década de 50 e 70, durante a famosa crise do status quo, de
espaços que se identificam com o “neo-esoterismo”38. Entre eles encontramos algumas religiões
orientais as quais chegaram ao Brasil desde o início do século XX, como é o caso do budismo
(cujo primeiro templo construído no Brasil, na cidade de Cafeilândia (SP), data de 1932). Porém
é somente a partir dos anos 50 que os templos e associações budistas se distribuem em vários
pontos do país (Magnani, 2000). Em 1956 a Rosacruz Amorc é fundada e a Rosacruz Áurea em
1957. É também nos anos 50 que a acupuntura ganha difusão e em 1961 ganha a primeira clínica
institucionalizada, o Instituto Brasileiro de Acupuntura. Um ano mais tarde a Academia
Hermógenes de Yoga, no Rio de Janeiro, é inaugurada (Magnani, 2000). Em 1974 a Sociedade
Internacional de Consciência de Krishna – conhecida como Hare Krishna – se estabelece no
Brasil e nos três anos seguintes surgem mais dezoito templos urbanos espalhados pelo país e uma
comunidade rural (Magnani, 2000). No mesmo ano (1974) o Centro Ramakrishna Vedanta foi
fundado oficialmente em São Paulo, e se tornou a sede do movimento Ramakrishna no Brasil.
Vale também mencionar algumas ordens que surgiram no Brasil no início do século XX e
são identificadas hoje com o advento da Nova Era: a) Loja Teosófica do Brasil (sob a
denominação de Dharma), fundada em Pelotas em 1902; b) primeira seção brasileira da
Sociedade Teosófica, aberta no Rio de Janeiro em 1919 e filiada à Theosophical Society
(Magnani, 2000: 16-17); c) Sociedade Antroposófica no Brasil, implantada oficialmente em São
Paulo em 1935; d) Sociedade Teosófica Brasileira, no Rio de Janeiro, fundada em 1916 e
rebatizada como Eubiose em 1967. Além disso, em 1909 foi criado O Círculo Esotérico da
Comunhão do Pensamento na cidade de São Paulo, o qual, “juntamente com a editora e livraria O
Pensamento, fundada em 1907, e a revista de mesmo nome, constituiu importante e pioneiro
instrumento de divulgação de idéias e sistemas filosófico-espiritualistas cuja orientação diferia
das crenças e valores religiosos à época.” (Magnani, 2000: 17).

36
A segunda (Centros Integrados) e quarta (Espaços Individualizados) categorias nas quais Magnani agrupa outras
expressões da Nova Era serão apresentadas mais adiante.
37
Cabe ressaltar que a pesquisa não foi extensiva a todo o país contendo apenas alguns espaços fundados no estado
do Rio de Janeiro e de São Paulo.
38
Expressão utilizada por Magnani para referir-se à Nova Era.
32
2.3. Principais Teóricos da Nova Era: abordagens/divergências/convergências

O tema Nova Era, entre os teóricos da sociologia e antropologia, é um tanto incipiente. Sua
abordagem é plural e muitas vezes divergente. Por ser um fenômeno que contém muitos
cruzamentos entre práticas de diversas naturezas, e assim, destituído de fronteiras rígidas, muitos
autores assumem ter dificuldade na construção do objeto e, muitas vezes, a primeira pergunta
consiste em entender o que faz com que atividades, filosofias, práticas e crenças distintas sejam
agrupadas sob um mesmo signo (Guerriero, 2003: 130). No entanto Schwade (2006) compreende
o emaranhado do campo como sendo constitutivo do próprio fenômeno e, por conseguinte, as
divergências da literatura, como seu reflexo.
Tanto Magnani (1999) quanto Schwade (2006) separam inicialmente autores brasileiros que
abordam a temática em dois blocos: o primeiro grupo é caracterizado por uma discussão mais
conceitual e o segundo por recortes empíricos e temáticos. Entre os que constituem o primeiro
conjunto estão Luiz Eduardo Soares (1994), José Jorge Carvalho (1991) e Carlos Rodrigues
Brandão (1994), cujos trabalhos abriram caminhos para o momento posterior, oferecendo os
primeiros passos das interpretações acerca do fenômeno. Referem-se a uma insatisfação com as
experiências religiosas tradicionais ressaltando, como Carvalho, arranjos da vida religiosa, muitas
vezes, constituídos por “fragmentos” dissonantes. Soares aborda o fenômeno como sendo
respostas à vida nas sociedades modernas o que ele chama de uma “nova consciência religiosa”, a
qual sugere ser a representação da realização “talvez mais rigorosa e radical, da experiência
religiosa moderna, [o que parece ser] o último avatar do ‘racionalismo moderno ocidental”’
(1994: 211).
Muitos trabalhos, que estariam de acordo com a classificação do segundo bloco, não serão
descritos aqui por uma necessidade de síntese. Portanto citarei algumas obrasi as quais Magnani e
Schwade39 organizam como parte constitutiva do segundo conjunto. Dentre elas estão a que trata
da adesão à astrologia em camadas médias do Rio de Janeiro, de Luiz Rodolfo Vilhena (1990); de
terapias corporais e trajetória dos “terapeutas corporais”, de Jane Russo (1993); de literaturas de
auto-ajuda, de Patrícia Birmann (1993); do “trânsito religioso” no contexto do movimento “Nova
Era”, de Leila Amaral et alii (1994); das práticas neo-esotéricas como produtoras de estilos de

39
Nem todas as obras citadas aqui são relacionadas por ambos, porém as são em sua maioria.
33
vida na metrópole, de José G. C. Magnani (1995, 1996, 1999, 1999a, 2000); da projeciologia no
Rio de Janeiro, de Anthony A. F. D’Andrea (1996); da emergência de uma cultura terapêutica
“neo-espiritual”, de Sônia W. Maluf (1996); da experiência iniciática na Eubiose, de Antônio
Carlos Fortis (1997); de “Grupos Místico-Esotéricos” em Brasília, de Deis Siqueira e Lourdes
Bandeira et alii (1997, 1998, 1998a); das relações entre expressões contemporâneas do
Espiritismo no Brasil e interlocuções com conteúdos da “Nova Era”, de Sandra J. Stoll (1999);
das representações do corpo em relação às terapias alternativas em Recife, de Paulo H. Martins
(1999); da difusão do tarô e do “holismo terapêutico” no Rio de Janeiro, de Fátima R. G. Tavares
(1999, 1999a); das “novas formas de religiosidade” e educação em Brasília, de Adriana Valle dos
Reis (2000).
Como podemos perceber, tais estudos possuem recortes diversos e específicos, uns
abordando sociedades iniciáticas (Fortis, 1997), outros as artes divinatórias (Tavares, 1999),
enquanto alguns ainda transcendem o tema religião e relacionam o fenômeno às características da
“alta modernidade” ou “pós-modernidade” (segundo a filiação de cada autor), como por exemplo,
a “reflexividade” e a “cultura psicológica” (D’Andrea, 1996). Mas, para além do recorte empírico
e das orientações de seus autores, segundo Magnani (1999), a contribuição mais imediata dessas
pesquisas foi de “demarcar o campo e mostrar sua especificidade com relação aos temas e
enfoques habituais nas ciências da religião que forneceram os primeiros quadros explicativos.”
(1999). Tais literaturas concordam com não estarmos diante de um fenômeno mercadológico ou
de um ‘“caos semiológico’, um mosaico indigesto e sem sentido parece haver alguma ordem
nesse ruído todo sendo necessário, para detectá-la e descrevê-la, desenvolver uma estratégia
específica de pesquisa.” (Magnani, 1999).
No entanto encontramos divergências na própria denominação do fenômeno. Russo (1993),
por exemplo, como aponta Magnani, emprega o termo “complexo alternativo”; Tavares (1999)
citando Champion40 usa “nebulosa místico-esotérica”; Guerriero (2003) utiliza apenas
“nebulosa”, dada, segundo ele, a dificuldade de caracterização do fenômeno; D’Andrea, seguindo
a tendência internacional mais difundida fala em “New Age” ou “Nova Era”, assim como Amaral
(1994), mas que para se referir a “espaços concretos”, emprega “holísticos”; Soares (1994)

40
Champion, Françoise. “Les sociologues de la post-modernité religieuse et la nébuleuse mystique-ésotérique”.
34
refere-se a uma “nova consciência religiosa”, como já dito acima; Sch ade (2006) faz uso de
“neo-esoterismo”; Magnani (1999), por sua vez, prefere o termo “neo-esotérico”.
Frente a essa diversidade de termos, por conta de diferentes interpretações, Schwade
procura eixos argumentativos que organizem as abordagens. Ela encontra três grupos: os que se
referem a “novas formas de expressões do sincretismo religioso”; “a construção de discursos
alternativos sobre o corpo e a saúde” e a “referência a essas práticas como produtoras de estilos
de vida” (2006: 8). No primeiro caso, ela assinala a ênfase no sincretismo religioso, muitas vezes,
como meio de construção de trajetórias espirituais, como projeto na modernidade, e expressão da
“reflexividade” e da “destradicionalização”. No segundo eixo, de “conotação terapêutica”,
Schwade fala dos estudos que abordam a emergência de concepções do corpo utilizadas como
mecanismos de autoconhecimento; as reflexões que apontam para a busca de um corpo saudável
e prazeroso e, finalmente, ao que se convencionou chamar de humanização no que se refere à
noção de saúde/doença e aos cuidados com o corpo, indicando, algumas vezes, usos de recursos
advindos do ideário associado ao “neo-esoterismo”. Sch ade coloca o último eixo argumentativo
sob a rubrica de “ênfase diferenciadora das práticas”, onde se evidenciam práticas e conteúdos,
percebidos nos estudos de artes divinatórias e terapias alternativas, por exemplo; também seguem
esta linha os estudos sobre a organização da metrópole, em função de atividades “neo-esotéricas”,
e sobre as trajetórias individuais desenvolvidas e inseridas neste contexto, entre outros.
Assim, a partir de tais estudos, podemos perceber que essas pesquisas nos permitem
reconhecer a ideia da emergência de novas formas do exercício religioso, assim como seu caráter
difuso. Deixam ainda em evidência que se trata de um fenômeno “significativo, isto é, relevante,
dos pontos de vista sociológico e antropológico, na medida em que problematiza os rumos do
desenvolvimento cultural da modernidade” (Soares, 1994: 2).

35
2.4. Características gerais da Nova Era

2.4.1. Os adeptos

A população identificada como praticante de atividades new agers41 é um tanto


diversificada, como podemos deduzir, por conta do caráter plural do nosso objeto. No entanto,
Soares (1994) faz um recorte bem definido para se referir à população que constitui o que ele
chama de “nova consciência religiosa”. Suas principais características são:

“indivíduos de camadas médias urbanas, em geral com acesso a bens culturais razoavelmente
sofisticados, representativos de trajetórias identificadas, em boa medida, com o programa
ético-político moderno típico — não raro com passagens pelo divã psicanalítico e pela
militância partidária — e com experiências existenciais que 68 consagrou e resumiu, no
imaginário histórico; indivíduos, portanto, “liberados”, “libertários”, “abertos” e críticos da
tradição sobretudo do “fardo repressivo” das tradições religiosas -, sujeitos exemplares do
modelo individualista-laicizante, sintonizados com o cosmopolitismo “de ponta” das
metrópoles mais “avançadas”, sentem-se crescentemente atraídos pela fé religiosa, pelos
mistérios do êxtase místico, pela redescoberta da comunhão comunitária, pelos desafios de
saberes esotéricos, pela eficácia de terapias alternativas e da alimentação ‘natural’.” (1994:
2)

Já Magnani (1999), em se tratando da população e das práticas new agers, aponta para a
percepção que o senso comum possui acerca delas, as quais são entendidas como parte de um
mesmo “bloco indivisível”, onde “o público envolvido é encarado como o protótipo do
consumidor indiscriminado, leitor acrítico de livros de auto-ajuda, seduzido por qualquer sistema
dito alternativo e pronto a ver duendes em toda parte.” (1999: 10). Tal perspectiva, muitas vezes
difundida pela mídia, talvez fosse um dos motivos da rejeição de indivíduos adeptos a práticas
new agers42 não se autodeclararem como tal.
Conforme D’Andrea ressalta, a população identificada pelos estudiosos como new agers,
em grande parte, resiste ao termo, e tampouco se reconhece parte do fenômeno “Nova Era”. Fato
esse que dificultaria a mensuração do fenômeno buscada por pesquisas realizadas por Mills43, no
Canadá e nos Estados Unidos, através da internet, num acompanhamento em canais de
conversação e listas de discussão, ligados a temáticas new age. No Brasil, D’Andrea aponta a
41
Termo utilizado por D’Andrea (2000).
42
Termo utilizado por D’Andrea (2000).
43
Mills, Collin Ivor. The social geography of new age spirituality in Vancouver. Tese (Mestrado em Geografia) –
The University of British Columbia, 1994.
36
rejeição por parte de grupos parapsicológicos e paracientíficos (os quais constituem seu campo de
estudo) (1996: 81).
Para D’Andrea a solução metodológica para esse entrave seria adequar a autodefinição
nativa à categoria empregada pelos pesquisadores, pois, se for adotado o critério, para definir
quem é new age, de considerar apenas a quem assim se denomina o fenômeno, as dimensões da
população serão subdimensionadas. Dessa forma, D’Andrea propõe usarmos como parâmetros
expressões da “religiosidade do self e, em parte, [aquelas que] se envolve [m] de forma regular
com práticas e representações new age ecléticas, alternativas, pós-modernas e reflexivistas”
(1996: 81).
No entanto cabe nos perguntarmos o que leva a então resistência à classificação, o que nos
daria pistas das características da população analisada. Podemos pensar, como dito acima, no
desgaste do termo por conta de sua banalização, além do caráter dos integrantes afeitos pela
desinstitucionalização e por uma espécie de composição reflexiva de sua religiosidade, o que
concorreria justamente para a rejeição de rótulos.

2.4.2. Crenças:

Apesar da dificuldade de identificação pontual das crenças constitutivas do fenômeno Nova


Era, por conta da diversidade dos grupos e orientações, D’Andrea, através da análise que faz do
campo de outros autores44, aponta algumas crenças que seriam representativas da Nova Era. Entre
elas estão a energia; o holismo; o relativismo; o self duplo; a evolução espiritual; a mudança de
consciência; a intuição e a Nova Era.
A energia é uma categoria central do vocabulário e das práticas new agers. Aparece como
um substrato material e espiritual da vida, o qual compartilhamos com a natureza (Soares, 1994:
193). Imanente em todo universo, ela interliga a tríade corpo, espírito e natureza, adquirindo
“diferentes formas e intensidades, de acordo com a dimensão, o ambiente, a criatura ou a

44
A saber: Mills (1994); Soares, Luiz Eduardo. “Religioso por Natureza: cultura alternativa e misticismo ecológico
no Brasil”. In: Ladim, Leilah (Org.) Sinais dos tempos: tradições religiosas no Brasil. Rio de Janeiro: ISER. p. 121-
44, 1989.; Heelas, Paul. “A Nova Era no contexto cultural”. Religião e Sociedade. (Rio de Janeiro), 17/ 1-2, p.16-33,
1996.
37
“vibração” mental ou espiritual” (D`Andrea, 2000: 76). Em síntese, a energia que perpassa a
tríade é a mesma, no entanto o desequilíbrio entre a energia interna (individual) e externa
(ambiental) é sinônimo de transtorno e doença. Encontramos muitas técnicas que manipulam a
45 46
energia de modo a harmonizá-la: o reich , o passe , a acupuntura47, assim como o
pensamento48, tratando assim a “energia” de modo concreto e pouco abstrato.
Soares explica a relação entre os elementos da tríade, ou trinômio como se refere (corpo,
espírito e natureza), como sendo uma relação dialética onde o último termo “corresponde a uma
síntese que suprime, ultrapassa, eleva e conserva os momentos ou os termos anteriores.” (1994:
193). Síntese essa que, sob o signo de energia, engloba corpo e espírito, conferindo

“à natureza qualidades que a humanizam, espiritualizando-a. A extensão da espiritualidade à


natureza libera para a transcendência o que fora apenas vida inteligente, no homem.
Transportado para a natureza, o espírito se individualiza, se descola da personalidade e de
suas complexas singularidades, assumindo a identidade difusa de uma presença conectora
inteligente, isto é, dotada de sentido ou inteligibilidade e movida segundo a orientação
determinada por sua ordem imanente. A ordem se revela à intuição humana e, por vezes, à
razão, inscrevendo-se na raiz comum (universal) de seu espírito.” (Soares, 1994: 193)

Vislumbramos através da síntese o caráter holístico, identificado entre as crenças citadas


por D`Andrea, que é representado pelo aspecto integrador e totalizante da natureza, o qual,
conferindo sentido de comunhão inteligente, se desdobra na categoria cosmos.

“À idéia de totalidade representada pela categoria cosmos correspondem o conceito e o


sentimento de pertencimento, que diluem a singularidade individualizante e realçam a
centralidade dos vínculos comunitários e dos laços de ligação ao ambiente ecológico,
inclusive para a formação da identidade.” (Soares, 1994: 194).

A categoria holismo é parte representativa do princípio filosófico monista ou panteísta onde


tudo está interligado e faz parte de um todo, onde as dicotomias são aparentes e ilusórias. Todas
as coisas são interligadas por uma energia ou memória universais ou pela própria ideia de Deus.
Esse todo orgânico e integrado faz com que tudo que aconteça entre as “partes” seja refletido no

45
Técnica oriental, mediante a imposição das mãos, busca equilibrar os pontos de energia localizados no corpo.
46
Oriunda do espiritismo a qual através das mãos emana fluidos benéficos com efeitos terapêuticos.
47
Advinda da medicina chinesa produz, por intermédio da introdução de agulhas em pontos de energia do corpo,
efeitos curativos.
48
O pensamento “positivo” traria conforto material, espiritual e/ou emocional.
38
“todo” e vice-versa, onde, segundo o princípio da complementariedade, o cosmo é dinâmico e
equilibrado (D’Andrea, 2000: 76).
Os new agers tendem a afirmar “paradoxalmente que maior será seu livre arbítrio quanto
maiores forem a sua consciência e sua submissão ao pandeterminismo e à sensibilização
intuitiva.” (Ibid: 76). No entanto o ponto central de entendimento referente à relação entre o
“todo” cósmico e as “partes” individuais é que não há uma predominância do “todo” sobre a
“parte”, mas sim uma relação situacional e relativista entre ambos. Dependendo da perspectiva de
análise o indivíduo pode ser a “parte” ou o “todo”.

“Nesse sentido não só as partes tendem a se ajustar no puzzle universal (...) como, além
disso, elas tendem a espelhar o todo, cada uma a sua maneira, isto é, ela tende a representar,
a despeito de suas particularidades, a própria figura da integração complementar, imagem
disponível da totalidade cósmica.” (Soares, 1994: 19 )

O relativismo, apontado por D´Andrea, refere-se exatamente a essa relação de


espelhamento entre as “partes” e o “todo” o que concorreria para a ausência de padrões absolutos
e imperativos morais já que as diferentes expressões da realidade são ilusórias e manifestações de
uma mesma realidade divina. Assim como as diversas religiões seriam expressões da ordem do
divino, não havendo, aparentemente, hierarquia entre elas. No entanto o relativismo absoluto é
contrabalanceado pela co-responsabilidade do indivíduo relativa ao estado do próprio eu e do que
lhe parece externo, assim como pela crença em leis cósmicas.
O duplo self refere-se ao ego profano - relativo às vivências provisórias, finitas e ilusórias -
e ao ego superior, sagrado, deificado, aquele que corresponde à realidade absoluta. O principio é
de que toda dualidade é finita; logo, deve ser transcendida. E se tudo é Deus, logo o homem
também o é. Assim o ego profano, temporário, formado por posturas inadequadas à evolução
espiritual, antagoniza com o Eu deificado, sagrado. O ponto é que tal crença é recorrente e
fundamental nos movimentos new agers, e que “fundamenta a tendência solipsista, no MNA, de
considerar a realidade como uma extensão do self” (D’Andrea, 2000: 7 ).
No que se refere à evolução espiritual, o ego profano estaria sendo “trabalhado”
processualmente no sentido de ser alcançada uma ampliação maior da consciência através de sua
transcendência. O desenvolvimento espiritual estaria então relacionado ao alcance da consciência
de um self sagrado e sua realização em detrimento do self profano ilusório (mudança de
39
consciência, noção abordada mais abaixo). Tal desenvolvimento está vinculado a leis cósmicas as
quais fundamentalmente consistem na ação humana e seus efeitos. Dessa forma, o indivíduo se
torna responsável por sua própria evolução espiritual, o que, como dito acima, contrabalancearia
o relativismo absoluto.
A evolução espiritual faz referência também à reencarnação; de acordo com essa doutrina,
por meio de sucessivas vidas a essência retornaria ao mundo através de corpos distintos com
intuito de alcançar tal ampliação de consciência ao ponto de não ser mais necessária a
reencarnação. Dependendo da crença a essência voltaria a se reintegrar plenamente ao Absoluto,
ou então daria continuidade a seu processo de evolução em outros planetas mais evoluídos.
O desenvolvimento espiritual se dá predominantemente de forma individual, porém em
alguns casos se associa ao desenvolvimento planetário ou mesmo, ao desenvolvimento de uma
menor coletividade (nação, comunidade, família), o que se daria mediante, de uma mesma forma,
o esforço, em nome do desenvolvimento espiritual, de seus integrantes.
Segundo D’Andrea a noção de evolução espiritual varia de acordo não só com o
movimento new age determinado, mas com a predominância cultural e política de um país. No
Brasil - assim como em outros países de tradição positivista e hierárquica - junto à ideia de
desenvolvimento espiritual, encontra-se uma perspectiva hierarquizante, segundo a qual os
indivíduos vão alcançando patamares espirituais de cima para baixo de forma linear e ascendente.
Já em países com tradição pluralista e segregacionista, como por exemplo, nos Estados Unidos, a
evolução pode se dar de forma plural e multidirecional.
A evolução espiritual está ligada a outra crença new age referida acima, a saber: a mudança
de consciência. Pois é através dela que o desenvolvimento espiritual se dá. Tal mudança pode ser
vislumbrada mediante experiências místicas sobrenaturais de sintonia com o cosmo e o self
sagrado. São os estados alterados de consciência que permitiriam essa conexão totalizante
induzidos pela meditação, contemplação estética, atividade artística, devoção extática e até
mesmo drogas alucinógenas como a ayahuasca, sendo meios para despertar a sabedoria que leva
ao amor e consciência plenas.
Essa sintonia com a ordem cósmica é realizada através da intuição (outra noção new age
descrita por D’Andrea), a qual rompe com padrões ordinários de cognição dando ênfase ao
desenvolvimento de potenciais sentimentais onde as conclusões obtidas são instantâneas e não

40
intelectivas, abrindo mão do processual analítico e entendendo os insights como providenciais, o
que depende da abertura dos canais perceptivos e receptivos a qual nos daria acesso à ‘verdade’ e
à ‘essência’ e a ‘nós mesmos’. Sendo assim, o coração é o caminho da espiritualidade.
D’Andrea observa o caráter fugidio da inteligibilidade do mistério, pois é visto como
insuperável por mais que haja evolução espiritual. Ademais, “a crença na intuição também
expressa a relativa aversão antiintelectualista do new ager à lógica intelectual predominante no
Ocidente, considerada muitas vezes limitada e bloqueadora da sensibilidade humana.”
(D’Andrea, 2000: 0).
Outra característica apontada entre a população new age é a crença na transformação
espiritual da consciência coletiva e espiritual que residiria numa Nova Era em que, dentro de uma
perspectiva otimista mais recorrente, os conflitos internos e externos cessariam e assim
poderíamos acessar o nosso self verdadeiro.
Para D’Andrea, essas crenças, assim como o ideal de autonomia, estruturam o cultivo do
self, próprio do movimento new age. Onde

“o sujeito se responsabiliza por sua existência e seu destino, chegando ao ponto solipsista,
em que influências sociais e econômicas são ignoradas. Paralelamente não obstante à lógica
intrínseca ao sistema new age, este conjunto de crenças são expressões de tendências
culturais mais amplas e predominantes no Ocidente, como destaco aqui: individualista,
reflexividade e relativismo.” (2000: 80)

2.5. Individualismo Religioso

Através da análise de D’Andrea buscaremos compreender o “fenômeno” Nova Era no


contexto da alta modernidade. Nas palavras do autor:

“A New Age marca a problematização da religião e da cultura contemporâneas, marcadas


por um campo de disputas entre diferentes perspectivas sobre a natureza do sujeito (self), o
mundo e o sagrado, termos que são re/compostos de formas múltiplas e dinâmicas. Nesse
sentido, a New Age é bem mais que uma “religião” ou um movimento. Trata-se de um
processo de tradução religiosa das tendências individualizantes, reflexivistas e globalizantes
da alta modernidade. A New Age é, portanto, a própria modernidade movendo-se para dentro
do campo religioso, problematizando-o, alterando-o e transformando-o – eliminando e
readaptando formas religiosas.” (D’Andrea 2000: 32).

41
Para construir tal argumento, central em sua tese, D’Andrea utilizou-se, entre outros
recursos, de um esquema montado por Thomas Luckmann49 que traça a história do
desenvolvimento social atrelada ao religioso, propondo quatro etapas periodizadas: A fase
arcaica, quando

“a religião assume funções totalizantes e o indivíduo e a sociedade estão plenamente


inseridos numa ordem cósmica (...) a pré-moderna, [onde] o grau de diferenciação social já é
relativamente maior, e a religião, ainda que totalizante, especializa-se e passa a articular-se a
funções políticas.” (D’Andrea 2000: 39).

Em seguida, a fase moderna, a qual consiste em “sociedades que atingiram certo nível de
complexidade e um alto grau de diferenciação funcional [e que já] não podem mais facilmente
manter a universalidade social de uma visão de mundo essencialmente religiosa.” (Luckmann
1991: 176, apud D’Andrea 2000: 39). Verifica-se neste período a ausência de homogeneidade nas
prescrições de normas e orientações aos indivíduos, decorrente do colapso das instituições, da
hierarquia, do dualismo religioso e da mediação com o transcendente (D’Andrea 2000).
O momento atual – última fase do esquema de Luckmann (já apontado por Bellah)50 –
traria a “privatização da religião” originada a partir do processo intensificado de diferenciação
funcional da sociedade. Tal processo, refletido na religião, produziu interstícios institucionais
libertando assim algumas esferas da vida, de estruturas de significados predefinidos, acarretando
para o indivíduo espaços não acessados diretamente pelo controle institucional, o que Luckmann
denominou de “esfera privada” (D’Andrea 2000: 39).
D’Andrea também atribui ao declínio da tradição religiosa, no caso norte americano, a
influência da elite política intelectual, influenciada pelo iluminismo e pelo republicanismo, que
cultivavam o exercício da razão e intuição, os quais “partilhavam crenças deístas e racionalistas,
que convergiam para uma religiosidade de cunho expressivista e místico” (2000: 42). Afirmações
como “minha mente é minha igreja” (T. Paine) ou “eu sou a igreja de mim mesmo” (T. Jefferson)
pairavam sobre este reduto51.

49
The new and the old in religion. In: BOURDIEU, P. & COLEMAN, J. (Orgs.) Social theory for a changing
society. San Francisco: Westview, 1991.
50
Robert Bellah, Habits of the heart: individualism and commitment in american life. Berkeley: University of
California Press, 1985
51
Declarações citadas por D’Andrea (2000: 42).
42
Assim com a erosão do monopólio dos sistemas religiosos “percebe-se uma inflexão da
religiosidade tradicional no sentido de reconhecer a autonomia do sujeito como valor e agente
histórico” (D’Andrea 2000: 40). Emerge daí a internalização da autoridade (característica das
sociedades modernas, parte do processo de destradicionalização) a qual acarreta grandes
conseqüências para a religião.
Para Bellah (19 ), segundo D’Andrea, a vida religiosa contemporânea seria mantida por
dois pólos antagônicos: a religião tradicional (externa) onde o indivíduo é regulado por uma
autoridade externa que prescreve normas baseadas numa tradição reificada; e a religião
individualista (interna) que “sacraliza o self individual (...) [e] por intermédio de um misticismo
cósmico, busca a harmonia e a libertação de constrangimentos externos, sendo Deus o próprio
self magnificado.” (D’Andrea 2000: 41). Entretanto a “religião individualista” tem prevalecido e,
de forma paradoxal, os grupos religiosos ganham força tornando-se essenciais para fornecerem
referência e ancoragem ao “individualismo religioso” (D’Andrea 2000).
Para tratar do tema “secularização”, pertinente neste contexto, D’Andrea cita Bellah:

“O que é geralmente chamado de secularização e declínio da religião apareciam neste


contexto como o declínio do sistema de controle externo da religião. Mas a religião, como
forma simbólica pela qual o ser humano vem a termo com as antinomias do ser, não declinou
e mesmo não pode declinar a menos que a natureza humana cesse de ser problemática para
ele” (Bellah 1970: 227, apud D’Andrea 2000: 41).

Se entendermos por religião práticas que motivem a busca pelo sentido da vida de forma
transcendente, e não instituições com regras coercitivas e pré-definidas, o que declina então não é
a religião, mas sim o “homem racionalista”, premissa em que se baseia a noção de secularização.
(D`Andrea, 2000: 36).
No entanto a reflexividade é uma característica constitutiva da modernidade tardia52, onde
pensamento e ação estão continuamente refratados entre si (Giddens, 2002). Consequentemente,
as tais “religiões individualistas” são marcadas pela amplitude de referenciais e construções

52
Termo usado por Giddens (2002) que refere-se à radicalização das características da modernidade, o que se oporia
a noção “pós-modernidade” que representa a ideia de ruptura história entre a modernidade e o que vivemos na
contemporaneidade.

43
reflexivas da religiosidade individual. Sendo assim, a reflexividade, fator de grande
expressividade dentro deste contexto, induz

“a percepção crescente do caráter construído, relativista e provisório que os sistemas de


referência subjetiva adquirem, levando o indivíduo a ter de decidir autonomamente sobre
suas posturas e orientações práticas, existenciais e transcendentes.” (D`Andrea, 2000: 34).

Desse modo, é na modernidade tardia que o fenômeno da psicologização se dá, onde o


projeto reflexivo do eu ganha expressão, engendrando a disseminação de práticas terapêuticas
esotéricas ou mesmo religiosas, teorias de autoajuda e mesmo o refluxo de movimentos
psicanalíticos que se estruturam, aliados ao fenômeno mais amplo da Nova Era, em instituições
“descentralizadas mas racionalizadas, de baixa fidelidade mas alta afetividade, que interagem de
modo complexo com formas de subjetividade, expressividade e sociabilidade emergentes em
outros planos institucionais.” (D`Andrea, 2000: 11 ).
Através dessa síntese acerca da Nova Era poderemos lançar luz sobre um campo de estudo
específico que estaria inserido no fenômeno Nova Era: um grupo religioso de vertente hinduísta.
E com ele, buscar compreender os vínculos complexos que ligam as múltiplas buscas subjetivas e
a difícil construção de si na alta modernidade.

44
CAPÍTULO III

3. Centro Ramakrishna Vedanta

O objeto de estudo é um grupo religioso hinduísta, Centro Ramakrishna Vedanta, cuja sede
está situada numa zona central do Rio de Janeiro, em Santa Teresa, considerado bairro tradicional
de artistas e intelectuais, onde atividades culturais são recorrentes. Sua população de classe média
também divide o espaço com algumas favelas espalhadas por seus limites.
Frequentei o grupo, de forma sistemática, por um período aproximado de 12 meses, ao
longo do ano de 2010, intercalando as idas: nos primeiros meses minha frequência ocorria
semanalmente, e nos últimos, quinzenalmente aos domingos. No entanto, em 2011 e 2012
retornei ao grupo apenas algumas vezes com o intuito de colher entrevistas de seus adeptos.
Conheci o grupo, de forma casual, através de uma amiga que o frequentava. A primeira vez
que fui ao Centro Ramakrishna Vedanta, em 2004, fiquei muito curiosa e surpreendentemente
comovida com o ritual que será descrito mais abaixo. Após minha primeira visita fui retornar
somente em finais de 2009, com o objetivo de voltar a experimentar, no ritual, uma espécie de
alteração de consciência que experienciei da primeira vez, sensação essa que obtive de forma
menos intensa das outras vezes em que estive lá.
Em 2010, posta diante da necessidade de escrever minha monografia de fim de curso, e
fascinada com a literatura com a qual estava entrando em contato na universidade - a respeito das
configurações da modernidade e suas consequências, como, por exemplo, a falta de sentido, laços
frouxos e sentimento de solidão, características essas atribuídas por determinados autores, à
experiência do indivíduo na modernidade, que serão discutidas no quarto capítulo – passei a
refletir sobre o grupo e a pensá-lo como resultado de respostas possíveis a tais configurações. Fui
levada a tentar compreendê-lo através de diversas teorias acerca da modernidade e alta
modernidade, e de que forma aquelas práticas poderiam ser descritas a partir destas teorias.
Pareceu-me um campo privilegiado para estudar todas essas questões em alguma medida
relacionadas ao que chamamos de “individualismo religioso”, pois era um grupo formado
basicamente por indivíduos oriundos das camadas médias urbanas intelectualizadas, que são
apontadas por alguns teóricos, como, por exemplo, Velho (1981) e Soares (1994), como sendo

45
camadas que vivenciam por excelência a modernização da sociedade sendo as primeiras a
experimentarem os efeitos das configurações da alta modernidade. Estes efeitos estariam
diretamente relacionados a um tipo de experiência moderna relativa às características estruturais
do que se convencionou chamar de Nova Era. Assim, os motivos supramencionados somados ao
fato do grupo ser parte de uma vertente hinduísta pouco estudada pelas ciências humanas me
levaram a conceber este trabalho.
A instituição, constituída por cerca de 100 membros registrados, é afiliada à Ordem
Ramakrishna da Índia em Calcutá (fundada em 1886) que difunde a filosofia Vedanta, neste caso,
preconizada por Sri53 Ramakrishna (1836-1886) e seu discípulo Swami54 Vivekananda (1863-
1902), ambos líderes espirituais indianos, cujos nomes são monásticos.
Encontram-se sedes do Ramakrishna Vedanta em 20 países de todos os continentes; em
cada país, dentre esses, há um centro matriz o qual, em muitos casos, possui grupos afiliados. O
grupo do Rio de Janeiro é exemplo disto: está afiliado ao centro de São Paulo, sendo, portanto
considerado um sub-centro, assim como os centros de Curitiba e Belo Horizonte. No entanto seu
movimento no Brasil inicia-se no Rio de Janeiro a partir de 1957. Em todo o mundo55 estima-se
cerca de 150 grupos.
Em cada matriz há um representante espiritual (swami) indiano, responsável pela difusão
da filosofia, o qual está em constante movimento entre a matriz, sub-centros (se for o caso) e a
Ordem na Índia. No centro de São Paulo encontra-se o Swami Nirmalatmananda, Diretor
Espiritual, que frequentemente visita os sub-centros ministrando palestras e consultas espirituais.
O centro e os sub-centros no Brasil também recebem visitas de swamis e pravrajikas (monjas) de
outras matrizes e da Ordem em Calcutá.
As reuniões regulares56, realizadas aos domingos, no Centro do Rio de Janeiro, são
frequentadas em geral por cerca de vinte pessoas. Esse número, porém, varia, havendo dias onde
somente oito ou dez pessoas estão presentes. O número de membros, iniciados, declarado por um
dos organizadores, é de cem adeptos. Entretanto, nem todos estão presentes ao mesmo tempo -

53
Palavra em sânscrito que significa riqueza.
54
Palavra em sânscrito cujo significado é monge.
55
Fonte: http://www.ramakrishna.org/rmk_ordr.htm
56
Outro encontro regular é feito às quintas-feiras quando os integrantes se reúnem para formar um grupo de estudos
do Bhagavad-Gita ("Canção de Deus").

46
com exceção dos dias de visita dos swamis indianos – havendo, sempre, pelo menos, cinco
freqüentadores assíduos entre os demais que variam entre membros e novos visitantes.
O espaço onde acontecem as reuniões é uma grande casa muito bem cuidada, onde, aos
domingos, as pessoas se reúnem às 17h30 para formar um grupo de estudos de textos produzidos
por swamis acerca da Vedanta. As leituras são intercaladas por comentários, perguntas e
complementações de qualquer um dos presentes, e muitas vezes sucedidas por conversas
informais. Posteriormente, cerca de uma hora depois, todos se encaminham para o templo – sala
abaixo à dos estudos - onde realizam o ritual que consiste em cantos devocionais e, em seguida,
meditação. O encontro, em geral, é finalizado em torno das 20h.
Já nos dias das visitas dos swamis - tanto do swami responsável pela disseminação da
filosofia hinduísta de Ramakrishna no Brasil, quanto de outros swamis responsáveis por matrizes
de outros países – há um evento maior (em relação às reuniões regulares). Esses encontros são
realizados, em média, uma vez por mês onde se reúnem, em geral, setenta a cem pessoas. Estes
eventos sempre são abertos por palestras, ministradas pelos líderes espirituais, e sucedidas pelo
ritual, finalizando-se com um jantar vegetariano comunitário e gratuito.

3.1. O Ritual

“Tudo deve ser espiritualizado. Todas as nossas práticas cotidianas.


O arati que fazemos é o ritual das luzes para que possamos trazer a
luz para perto de nós. É uma janela que se abre de comunicação
com o espiritual.”

João (integrante do grupo)

Neste ritual vespertino de tradição hindu são oferecidos a Deus e às divindades


representadas no altar – que são compreendidas como “faces de Deus” – cinco elementos que
simbolizam aquilo que constitui o universo, a saber: fogo (a luz de Brahman), água (purificação),
o espaço (simbolizado por um tecido, pois assim como o tecido envolve o corpo, o espaço
envolve toda a criação), a terra (simbolizada por uma flor) e o ar (simbolizado pelo chamara, um

47
espanta-moscas). De modo representativo tais elementos mostram a multiplicidade do mundo e
dissolvem-se na unidade que é Brahman.
Assim, no Ashrama, quando todos levantam de suas cadeiras do salão principal, os
integrantes mais íntimos da casa – aqueles, entre outros, que leem os textos dos swamis e, muitas
vezes, traduzem anteriormente, em geral, do inglês para o português - chamam as pessoas para se
encaminharem ao templo. Após o término da leitura e comentários o clima é sempre
descontraído; algumas vezes, os participantes demoram alguns minutos a descerem para o
templo, se distraindo com conversas informais. Os integrantes que tocam instrumentos musicais
no ritual, entre uma conversa e outra, reúnem seus instrumentos.
A cerimônia é acompanhada por muita música. Em média, são quatro participantes que
executam os instrumentos, entretanto, há dias em que esse número aumenta. Há um integrante
músico que frequenta assiduamente a casa, João, possuidor de uma voz muito presente, forte e
afinada. Os outros se revezam no “posto” de forma irregular.
Os instrumentos musicais básicos para a realização do ritual são o harmonium (instrumento
indiano, constituído por um mini teclado e, em sua extensão, uma espécie de sanfona) e a
moringa de argila; o harmonium é tocado por João e a moringa por quem estiver presente e se
dispuser a tocá-la (a moringa raramente deixa de ser executada). Outros instrumentos que se vê
num menor número de vezes dependem da frequência de seus executores, como no caso da flauta
transversa. Mas, o violão, o cimbalo (mini pratinhos que produzem som agudo) e outras moringas
encontram-se na casa, sendo tocados por quem quiser.
Antes de entrar no templo, é necessário retirar os sapatos, pois tudo que envolve o ritual
deve estar livre de “impurezas”. O templo é uma sala onde há um altar cheio de flores e, de forma
imponente, acima dele e encabeçando-o, três grandes fotos: uma de Sri Ramakrishna no centro,
outra à direita, de sua esposa espiritual, Sara Devi (conhecida como Santa Mãe), e à esquerda,
Vivek nanda, seu discípulo. Amontoadas a um canto há almofadas para as pessoas sentarem-se e
na parede em frente ao altar cerca de oito cadeiras. As cadeiras lá estão para quem não consegue
estar por muito tempo, durante o ritual, sobre a almofada em posição de lótus no chão.
As pessoas vão chegando e se ajeitando sempre de frente para o altar. Os músicos, em
geral, ficam próximos uns dos outros. E há, em toda cerimônia, uma pessoa responsável por
realizar a oferenda a Sri Ramakrishna que se posiciona à frente de todos, centralmente em relação

48
ao altar, a princípio em pé e a partir de um determinado momento do ritual na posição de lótus. O
ambiente encontra-se aromatizado com muito incenso, já que antes da entrada das pessoas o
responsável pela oferenda terá preparado o local organizando o ambiente e os objetos sagrados
que serão utilizados.
Antes de começar, algumas pessoas buscam os livros, que estão dispostos num canto da
sala, que contêm as letras dos cânticos em sânscrito e sua tradução em português. Os
instrumentos começam a soar e as pessoas a cantar em sânscrito. Assim, o ritual das luzes,
também conhecido por arathi57, é acompanhado então por estes cantos que são ofertados a
Brahman, Ramakrishna e a Santa Mãe. Algumas vezes, uma ou duas músicas são cantadas em
português.
O ritual começa quando se inicia o primeiro canto-ritual e o “oferendador”, envolvido por
um tecido, toma uma lamparina, também denominada Mangala–Árati, com pavios acesos e a
direciona às imagens movendo-a em círculos. Após um tempo deste movimento repetido, a leva
ao chão, sobre uma bandeja de prata. Neste momento outra pessoa levanta-se e leva a pequena
lamparina até cada participante; cada um passa suas mãos sobre o fogo e, em geral, as levam até
suas cabeças e tórax. É uma maneira de levarem até si “iluminação”. Ao mesmo tempo o
adorador, em sua mão direita, continua o ritual com uma pequena cuia de prata cheia de água
num mesmo movimento circular e ofertativo, e assim sucessivamente com um pedaço de tecido,
uma flor e o chamara (um objeto que lembra um grande espanador branco), enquanto sua mão
esquerda toca um sino continuamente que simboliza o som do Om58 que reverbera, segundo suas
crenças, por todo o universo.
As músicas seguem com as pessoas cantando. São seis longos canto-rituais que fazem parte
do arathi, todos cantados com muita vibração; por experiência própria e declarações de outros,
estes cantos repercutem como uma espécie de mantra que vai envolvendo a todos e inebriando os
sentidos.
Quando o último cântico é finalizado, alguém se levanta e apaga todas as luzes, deixando
apenas uma penumbra; as pessoas ali permanecem por alguns minutos, umas por muitos, outras
por poucos: o tempo de meditação em silêncio fica a cargo de cada um. O objetivo da meditação

57
Em híndi: Aarti. Ritual hindu originário dos Vedas. É realizado para demonstrar o supremo amor a Deus.
58
Som considerado, pelos hindus, a vibração primordial, o corpo sonoro do Absoluto.
49
é a conexão com o “interior”, com o que há de divino “dentro” de cada um, uma forma de se
sentir uno e parte de Deus, o “realizando”.

3.2. Os integrantes

Aventuro-me aqui, a classificar os participantes dos encontros do Centro Ramakrishna


Vedanta em dois blocos pela perspectiva relativa ao período de minha frequência. São eles: os
frequentadores que possuem certa assiduidade, integrantes mais antigos e outros mais recentes
que dão, ambos, certa coesão e apoio ao funcionamento da casa. E o segundo bloco, constituído
também por frequentadores novos e antigos, mas que desenham uma constância rotativa com
períodos curtos ou longos de frequência ininterrupta, seguidos de períodos de ausência, o que
caracterizaria um fluxo difuso e uma rotatividade contínua de pessoas.
Ambos os grupos, descritos acima, são, em sua maioria, advindos das camadas médias
urbanas - aquelas que, segundo Gilberto Velho (1981), vivem por excelência a experiência da
modernização, logo da complexificação e heterogeneidade da sociedade brasileira - e constituídos
por pessoas, em geral, com nível superior e moradores da zona sul (região no imaginário urbano
tida como nobre) do Rio de Janeiro.
Entrevistei oito adeptos os quais participam do primeiro bloco esboçado acima, exceto
Rogério59 que não frequenta mais o grupo, pois se converteu ao Budismo. Busquei entre eles
fazer uma divisão entre os mais antigos, que possuem por volta de vinte e cinquenta anos de
frequência, e os mais recentes, adeptos há cerca de cinco anos. É de se esperar que os mais
antigos possuam um papel estrutural na manutenção da casa, com predominância de dois dos
entrevistados, José e João. Porém, os demais, com alguma regularidade, mas sem nenhuma
obrigação, contribuem também para a manutenção do Ashrama: lavam banheiros, louças, cuidam
do jardim, cozinham para os swamis, quando estes se hospedam na casa, e para os visitantes que
pra lá vão assistir suas palestras, etc.
A partir de minha frequência pude perceber entre todos os integrantes um nível agudo e
inquebrantável de aderência dos dois entrevistados acima citados: José e João. São eles os porta-

59
Todos os nomes mencionados no texto são fictícios com intuito de resguardar a privacidade dos entrevistados.
50
vozes dos swamis da Ordem Ramakrishna, os organizadores das reuniões, aqueles que leem os
textos e se manifestam com maior frequência nos encontros. Entretanto José possui claramente
maior responsabilidade pela casa talvez por ser um remanescente dos primeiros frequentadores. É
ele um personagem central, carismático e paternal. E João, uma figura vibrante que busca sempre
apresentar através do discurso e da música a filosofia da Vedanta.
É possível perceber uma devoção aguda à religião que tratamos, pelo grupo dos antigos;
uma manifesta convicção de pertencimento. São pessoas que viveram a contracultura ou seus
resquícios imediatos e passaram, há anos atrás, por diversos segmentos religiosos,
experimentaram muitas seitas e religiões, alguns se converteram, mas agora, demonstram estar
plenamente satisfeitos com suas escolhas, relativas ao pertencimento a uma só perspectiva
filosófica. Acumularam anos de leitura, dos textos referentes à Vedanta, e anos de prática de
meditação e de busca por uma postura devocional em seus afazeres cotidianos.
De fato, o grupo dos mais recentes teve experiência equivalente, relativa à passagem por
distintas religiões, no entanto, sua adesão é intercessionada, em seus discursos, por outras crenças
religiosas. Há relatos comparativos acerca de suas experiências religiosas, desde um ponto de
vista de complementação à Vedanta até a uma perspectiva de supremacia dela, perspectiva essa
mais recorrente. Há também um interesse declarado, paralelo, por outras religiões.
Frente a isso não devemos deixar de apontar uma característica primordial da filosofia
Vedanta ressaltada continuamente pelos integrantes recentes como causa de encantamento pelo
grupo e suas crenças assim como um dos motivos de orgulho dos integrantes antigos. Tal
característica refere-se à aceitação, pela filosofia, de todas as religiões existentes como meio de
caminhar em direção a Deus. José exemplifica esta ideia dizendo: “você escala o Pão de Açúcar
pela parte Norte, pela parte Sul, pela parte Leste, pela parte Oeste, mas todos que estão escalando
chegam ao mesmo cume, lá em cima. O lugar é o mesmo”.
No entanto um dos integrantes mais antigos, em uma das reuniões, - assim como outro
integrante antigo em outro momento de modo diferente – esclareceu a importância de
escolhermos “um único caminho”. De maneira metafórica, ele disse enfaticamente: “Se
quisermos chegar até o telhado de uma casa, possuímos muitas maneiras para tal. É possível
chegar por corda, por escada, por salto de vara, etc. Mas, não é possível, ao mesmo tempo,
utilizarmos dois meios para o objetivo. Se tentarmos subir de escada e corda sem dúvida iremos

51
tomar um baita tombo”. Desse modo, é possível verificar certo incomodo entre os adeptos
nucleares acerca daquilo que percebem como uma “inconsistência” da adesão nem sempre
convicta por parte do grupo dos integrantes recentes. No entanto é evidenciado um tom de
aceitação e tolerância diante desta questão.
Esse deslumbramento pela aceitação de todas as religiões e pelo interesse por outras pelos
membros mais recentes pode ser traduzido, de modo exemplar, numa fala de Janaina que exalta
este caráter da Vedanta fazendo uma comparação representativa com um centro de umbanda que
frequenta esporadicamente:

“eu encontro muita dificuldade, muita resistência de aceitar só um caminho como um espaço
sagrado e de realização, de fé, de uma fé que realiza no sentido de levar iluminação. (...) Eu
entrei no terreiro, tinha Buda, tinha gnomo, tinha todas as referências de religião. Aquilo ali
encaixou na minha cabeça. “É isso!”. Então, todas as referências estão lá. Essa coisa de
gnomo... Você acha que gnomo é sagrado? Cara, é gnomo, entendeu? (...) Mas, aquilo ali, é
risível? É. Mas tem sentido. Botou na posição do sagrado, sabe? Tava lá no templo,
entendeu? Eu acho muito incrível. Então, eu acho que a Vedanta acompanha essas
experiências que tá muito relacionada a mudança do olhar para o mundo.”

Essa fala de Janaina nos remete claramente à definição do conceito “individualismo


religioso” descrito no segundo capítulo sobre a Nova Era que se refere à amplitude de
referenciais e construções reflexivas de uma religiosidade individual. Esse conceito é
exemplificado também por Tânia, do grupo recente, espírita e frequentadora do Centro
Ramakrishna, que na entrevista disse que ambas as filosofias (Vedanta e Espírita Kardecista)
acreditam na reencarnação. No entanto a espírita não concebe um desenvolvimento espiritual
imediato, pois traz a ideia de que seu ápice é alcançado após diversas encarnações através de
muita “luta”, em contrapartida, a teoria de reencarnação da Vedanta aceitaria a possibilidade de
ascendência espiritual através de rupturas e não necessariamente de um desenvolvimento linear
ascendente. O que a levou a afirmar que “temos que ficar com o que há de melhor em cada
religião”, sendo este o motivo de sua frequência a ambos os lugares.
Uma questão curiosa que devemos ressaltar aqui a respeito dos dois grupos entrevistados
é a referência que foi introduzida na entrevista a terapias psicológicas. Mas antes devemos dizer
que tal introdução foi com o intuito de verificar se o entrevistado já havia participado de algum

52
tipo de terapia declarada60, já que nossas referências bibliográficas relativas a religiosidades da
modernidade tardia apontam para o fenômeno de psicologização do comportamento dos
indivíduos de nossa época. De fato, tais referências não se circunscrevem somente à descrição da
expansão de um largo conjunto de terapias que compreende distintos tipos de psicanálise,
psicologias comportamentais, gestálticas, etc, que chamei aqui de “declaradas”, mas, também a
referência a uma expansão de religiosidades psicologizadas que refere-se a uma busca por
autoconhecimento, “pelo encontro consigo mesmo” compreendendo um modo idiossincrático de
lidar consigo e com o mundo a sua volta (D’Andrea, 2000), expressando um projeto reflexivo do
eu (Giddens, 1992).
Claramente o Centro Ramakrishna Vedanta relaciona-se a tais religiosidades e assim pude
perceber entre todos os entrevistados a busca pela auto-realização que pressuporia o
autoconhecimento. Curioso é o fato de que somente o grupo dos recentes tenha participado de
algum tipo de terapia declarada, exceto Tânia. Todos os outros do grupo tiveram um passado ateu
e frequentavam consultórios terapêuticos desde antes de suas incursões pela esfera religiosa. Já
“os antigos” declaram sempre ter tido uma busca espiritual desde muito jovens e nunca
desacreditaram numa existência divina. Quando perguntava sobre terem ou não frequentado
algum tipo de terapia declarada me respondiam, de modo desconcertante, sumária e
enfaticamente que não, exceto José que prolongou suas palavras declarando nunca ter tido
necessidade, já que a religião “responde” a ele em momentos difíceis. Rogério, do grupo dos
recentes, ex-ateu, na época da entrevista e hoje budista, diz ter feito “uma terapia muito sofrida”
com um analista ateu o que o fez “romper” com a análise e depois migrar para um analista adepto
da Vedanta - sem ter conhecimento do pertencimento de seu analista na época. Paralelamente
passou a questionar acerca da existência de Deus, quando começou a entender Deus como “um
conceito que precisava ser desenvolvido”. Agora Rogério percebe análise e religião como
complementares, terapia como meio de desenvolver sua “integridade pessoal” e religião como
meio de “te abrir para o mundo”. Janaina também percebe uma maneira de articulá-las sendo a
terapia uma forma de se autoconhecer o que seria indispensável para o desenvolvimento
espiritual.

60
Refiro-me a distintos tipos de psicanálise, psicologias comportamentais, gestálticas, corporais, etc.
53
Esta distinção entre o grupo dos recentes e o grupo dos antigos reforçaria uma “entrega”
somente à religião e a uma única religião, do último em contraposição ao primeiro. Pois, segundo
eles, a religião é totalizante e englobante tomando conta de todas as esferas da vida. Assim, Deus,
de acordo com os relatos, sempre foi uma busca, mas nunca uma incerteza. Diferentemente dos
recentes que, declaradamente, não acreditavam na existência divina, o que talvez tenha os levado
a buscar outra “ferramenta” de amenização dos conflitos existenciais que não a religião, em
princípio, e só mais tarde se depararam com a necessidade de dar sentido à vida através de uma
existência criadora. Tais distinções entre um grupo e outro são evidentes, no entanto é possível
pensar em termos de "carreira", no sentido goffmaniano, ou seja, tais distinções poderiam ser
atribuídas ao momento de suas trajetórias de conversão religiosa em que estão sendo
entrevistados.
Por mais que existam essas distinções há um conceito propagado pelos integrantes do
núcleo duro do Centro Ramakrishna, que reforça a perspectiva distinta dos recentes, a liberdade.
Este conceito é difundido de diversas maneiras. Nos discursos pude presenciar a seguinte
confissão de José: “uma das coisas que me encantou na Vedanta foi a ausência de critérios para
poder pertencer ao grupo. Você não precisa deixar de fumar, de beber, etc., nem em Deus precisa
acreditar”. O mesmo integrante buscou descrever as reuniões do grupo da seguinte maneira:

“Nós fazemos uma leitura, com toda liberdade de participação de quem quer que seja e de
discordar, não apenas de emitir suas opiniões próprias, mas também discordar do que nós
estamos falando, com toda liberdade. Então é um grupo eclético, nós temos gente oriunda de
tudo quanto é religião: espiritismo, catolicismo e judaísmo, e outros grupo orientais da Índia
que vieram pra cá. E são todos bem vindos, e todos têm o mesmo direito, a mesma
liberdade.”

Essa “liberdade” se expressa claramente, também, através da ausência de cobranças de uma


frequência contínua, até mesmo de ajuda financeira. Desse modo, podemos pensar que a
“liberdade” talvez seja um dos maiores atrativos do grupo como um todo. Contudo há certa
necessidade de pertencimento apontada por todos os entrevistados quando declaram um
acolhimento flagrante sentido em suas primeiras idas, o que os faria retornar. Assim,
observarmos o paradoxo do pertencimento com liberdade, um pertencimento “frouxo”, pelos
recentes, típico das relações na modernidade tardia das camadas médias urbanas.

54
Percebemos entre os adeptos do grupo dos antigos, ao lado da noção “acolhimento”,
sempre relatada pelo grupo dos recentes, as categorias “linhagem” e “família”. São elas
evocadas, pelos entrevistados do núcleo duro, para justificarem suas adesões. Descrevem assim
um tipo de pertencimento estreito e inequívoco:

“eu encontrei assim, uma família, todo lugar que a gente vai a gente sente o espírito de
família mesmo, somos da família, é como se já nos reconhecêssemos... É umas pessoas que
às vezes a gente nem tem tanta afinidade, mas é engraçado, porque você sabe que não tem
afinidade, mas aquela pessoa é da sua família, tem um sentimento especial mesmo por
aqueles que você não tem afinidade. Então foi isso que eu encontrei e foi isso que me
trouxe.”

Cecília conta um sonho que teve no mesmo dia em que conheceu o Centro: “naquele dia eu
tive um sonho, coisa de família: aquele círculo, exatamente aquele cenário configurado. Fico até
arrepiada. A família, entendeu?”. E também se refere a ela mesma como pertencente à
“linhagem” de Sri Ramakrishna, que pressupõe seus discípulos, o que denota um tipo de vínculo
inexorável e englobante da entrevistada.
Uma das características presentes em ambos os grupos é certa resistência à Igreja Católica
ou a algumas de suas crenças, o que ilustra a busca pela desinstitucionalização e
destradicionalização típicas de uma cultura New Age (D’Andrea, 2000). Mesmo com a difusão
da crença de que todas as religiões são meios de alcançar a verdade podemos presenciar
confissões de descontentamento com o cristianismo institucionalizado:

“A palavra pecado, pecador, não constam no dicionário da Vedanta. Aquilo foi uma
descoberta, um alívio: ‘Meu Deus do céu!’. Sua essência é pura, é imaculada. (...) só o fato
dela [a Vedanta] livrar você desse conceito de pecado e pecador, já é, puxa vida, um alívio!
É esperançoso.” (José)

João, narrando o que o arrebatou na filosofia Vedanta contou um episódio da vida de Sri
Ramakrishna em que ele, antes de morrer, estava doente, com câncer, e sofrendo dores intensas,
quando disse que mesmo nessas circunstâncias era possível demonstrar e sentir “um amor
inquebrantável por Deus”, e diante dessa passagem João declarou:

“É este homem que eu quero, eu não quero homens que ressuscitam, eu não quero super-
homens, eu quero o homem que tenha vivido todos os sofrimentos, e que superou tudo isso e
nos mostrou como superar.” Entendeu? Ai eu falo, “Essa mensagem é pra mim, porque eu
55
não sou super-homem, eu não tenho super poderes, eu não ressuscito. Então, essa mensagem
é pra mim”. E isso me bateu muito fundo, sabe? (...) Então nós temos essa felicidade de estar
muito próximo a ele, estas coisas terem acontecido, a vida dele ter sido num tempo recente e
termos registro de detalhes, entendeu? E o detalhe maior dele é ser super humano. E foi isso
que me cativou.”

Desse modo, Ramakrishna se torna para os adeptos um modelo a ser seguido, um


exemplo de superação humana. A noção “super-humano” pode ser compreendida no que se
refere a um homem com suas limitações físicas e que se torna “super” pela força de superação e
transposição da dor através da transcendência que, segundo seus adeptos, pode ser alcançada por
qualquer um, diferentemente do “super-homem” que, como Jesus, possuiria “superpoderes”
capazes de fazer milagres. Este “super-homem”, o homem jamais poderia se tornar, já que na
doutrina cristã ele é o próprio Deus, diferentemente dos homens que compõem a humanidade.
Esse sentimento de proximidade de seu mestre e da possibilidade de adquirir superação e
ascensão espiritual é um fator importante para os adeptos que aponta para uma característica
típica da alta modernidade que é a internalização da autoridade.
Referente ao cristianismo também é possível verificar nas falas dos informantes, após o
contato com a Vedanta, uma procura por compreender e buscar uma releitura do cristianismo
entre os adeptos recentes:

“Eu estou conseguindo olhar as práticas do católico de uma outra forma, e ver que tem
algum valor (...) Eu era muito preconceituoso (...) Se eu olho o cristianismo, eu sou católico.
Poxa, eu não quero ser isso. Eu quero olhar o cristianismo, talvez não o catolicismo, mas eu
quero olhar o cristianismo de outra forma e ver algumas coisas ali.” (Beto)

Assim como Janaina que confessa que após ter se tornado adepta do grupo passou a olhar
para o Catolicismo com maior tolerância e perceber que todas as religiões são sagradas por mais
que suas institucionalizações possam deturpá-las. Dessa maneira, não esconde sua percepção
passada da Igreja Católica quando institucionalização e filosofia se fundiam:

“pra mim a Igreja Católica era o padre que era um filho da puta e os santos que eram criação
católica pra alimentar toda uma indústria que existe da religião.”

No Centro Ramakrishna Vedanta, diferentemente da Igreja Católica, podemos vislumbrar


certa ausência de hierarquização estrutural, o que aponta para uma característica distintiva da
categoria new agers: a internalização da autoridade, o que traria a problematização das

56
instituições religiosas tradicionais. Desse modo, tudo e todos são considerados desdobramentos
da divindade como salienta José:

“Na verdade nós não somos separados, nós todos, somos o supremo Brahman manifestado.
Ele se projeta criando esse universo. (...) Então, nós somos a mesma coisa. Você na verdade
não tem nem que realizar Deus, você é Deus. Você tem que apenas redescobrir a sua
identidade verdadeira que sempre foi essa, que tá coberta. Por camadas e mais camadas de
ignorância. Então, o problema todo da vida espiritual é a prática. A prática espiritual faz com
que você remova essas camadas de ignorância que também não é feito da noite pro dia, leva
uma vida até que você redescobre realmente o que você é.”

Essa crença da Vedanta, de sermos unos e divinos, é fator de encantamento para diversos
integrantes. A divinização do self, o atman (centelha divina, ou seja, aquilo que possuímos de
verdadeiro), reflete a busca pela perfectibilidade, “autoconhecimento” e autonomia do sujeito -
parte da cultura psicológica supracitada - alcançados, no caso das religiosidades New Agers, pela
prática espiritual cognominado “trabalho”, categoria central que “designa o empenho espiritual –
mais ou menos associado ao cuidado direto do corpo –, realizado segundo disciplinas mais ou
menos ritualizadas” (Soares, 199: 1994) que na Vedanta é representado pela meditação e mantras.
Ambos são inseridos no cotidiano do adepto, e no caso dos mantras, em cada afazer doméstico o
que produz concentração e tranquilidade, segundo relatos entusiasmados.
No entanto, a princípio, a unicidade se contraporia ao desenvolvimento idiossincrático do
eu produzido pela cultura psicológica, já que em última instância todos e tudo são uma mesma
coisa. O que geraria um nível de sentimento de pertencimento ampliado, que pode ser
exemplificado por José:

“a verdadeira religiosidade, que eu diria mais “a espiritualidade”, ela começa quando você
passa a amar não apenas seu círculozinho íntimo, papai mamãe e marido, namorado, filho e
filha, mas estende esse amor a toda a humanidade e mais do que a humanidade, a todos os
seres vivos, animados, inanimados, vegetais os minerais. Os minerais têm vida, “é uma
pedra, essa pedra não é nada, é inerte...”. Tem! É cheio de moléculas, de átomos que tão ali
vibrando na mesma sintonia que Brahma. Então quando você passa a sentir essa unicidade
com todos você está indo no caminho certo, isso eu sinto.”

Assim, tal perspectiva se enquadra na categoria holismo, já referida, representativa do


monismo filosófico onde tudo se interliga e esse todo orgânico faz com que as individualidades,

57
ou seja, as “partes” e o “todo” reflitam-se mutuamente. Cada parte, porém, representa aquilo que
as interliga: Deus.
Frente a estas características apontadas e encontradas em grupos religiosos ditos
alternativos identificados com a Nova Era, e quase sempre de origem oriental, Barroso (1999)
defende a ideia de que alguns destes grupos que se baseiam em um corpo doutrinário tradicional
não deveriam ser classificados como parte do “movimento” new age. Pois, ainda que pratiquem a
experimentação religiosa e não possuam um consenso referente ao conceito de Deus, existe uma
“imensa possibilidade combinatória que as tradições hindus propiciam, isto não significa que
cada seita não tenha uma forma única e específica de combiná-las” (p. 100), acionando um corpo
doutrinário próprio e tradicional.
De fato o Centro Ramakrishna Vedanta possui um corpo doutrinário específico e suas
práticas e rituais são decorrentes dele, além de podermos observar, no interior do grupo dos
antigos, a busca por se desfazerem de boa parte dessa cultura “mosaico-religiosa”, numa tentativa
de apropriação fiel das “raízes” dessa vertente hinduísta. No entanto, não podemos esquecer que
a “revitalização” das tradições é uma característica da modernidade tardia, um fenômeno “novo”
que se inscreve, assim como a “Nova Era”, em nossa época, de modo a ser reformulado e
reinterpretado continuamente (Giddens, 2002).

58
Capítulo IV

4. A subjetividade na modernidade

Pois qual será, na verdade, a característica peculiar do mundo


moderno – a principal diferença que distingue as instituições
modernas, as concepções sociais modernas, a própria vida moderna
em si, das de épocas há muito passadas? É o facto de seres
humanos já não nascerem com um lugar pré-destinado na vida, ao
qual permaneciam acorrentados por uma inexorável cadeia, mas
sim livres de usar as suas faculdades e todas as oportunidades que
lhes surjam para alcançar o destino que considerem mais desejável.

(John Stuart Mill, 2006: 62)

Na modernidade – diferente das sociedades “tradicionais” onde as identidades e relações


eram definidas de modo fixo segundo o nascimento do indivíduo dentro de uma ordem
hierárquica – há uma nova compreensão da identidade individual a partir do século XVIII
referida por Charles Ta lor (2000) como uma “identidade individualizada” cujo ideal seria a
“autenticidade” do indivíduo que busca moldar sua vida mediante a modelos que poderão ser
encontrados somente em seu “interior”. Tal autenticidade se desenvolve, segundo Taylor, a partir
do que ele chama de “deslocamento da ênfase moral” quando compreender o certo e o errado
depende de estarmos em contato com os próprios sentimentos, de modo diferente a épocas
anteriores, quando, aponta Taylor,

“visões morais (...) para as quais estar em contato com alguma fonte – por exemplo, Deus ou
a Idéia do Bem – era considerado essencial ao ser pleno. Todavia nesse momento a fonte
com que temos de nos vincular está em nosso íntimo. Isso é parte da maciça virada subjetiva
da cultura moderna, uma nova forma de interioridade em que passamos a pensar-nos a nós
mesmos como seres dotados de profundidades interiores. A princípio, a ideia de que a fonte
está dentro de nós pode não excluir nossa relação com Deus ou com as Idéias; ela pode ser
considerada nossa maneira própria de nos relacionar com eles. Em certo sentido, pode ela ser
vista como simples continuação e intensificação do desenvolvimento inaugurado por
Agostinho, para quem a estrada que leva a Deus passa por nossa própria autoconsciência.”
(2000: 243-244)

Muitos autores apontam para as consequências que esse novo modo de estar no mundo
produz à subjetividade do sujeito moderno, que se relaciona à ausência de mapas de navegação

59
social e de sentido existencial os quais não se encontrariam mais preestabelecidos. Por muitas
vezes, algumas características dessa configuração moderna, como por exemplo, a possibilidade
de construirmos caminhos a serem percorridos, vista de forma otimista pelo autor da epígrafe
(Mill, 2006), são interpretadas criticamente por alguns autores que tratarei a seguir.
Georg Simmel possui um texto clássico a respeito da organização metropolitana e de seus
resultados para a psique do sujeito moderno. Em “A metrópole e a vida mental” Simmel nos fala
sobre como a “economia do dinheiro” que nivela e reduz todos os objetos somente ao valor
monetário é interiorizada pelos indivíduos metropolitanos causando neles um “reflexo subjetivo”
que contribui para um tipo de comportamento denominado por Simmel de atitude blasé que
consiste na reserva e a um tipo de indiferença dos indivíduos em relação a tudo que os circunda.
Tal atitude resulta dos intensos e contrastantes estímulos advindos de mudanças abruptas e da
concentração de homens e coisas o que leva o indivíduo a um esgotamento da capacidade de
reagir a tais estímulos, e a experiência de sentir as coisas de modo destituído de significado ou
substância, “num tom uniforme, plano e fosco” (19 7: 1 ). Consequências essas, compreendidas
por Simmel, como uma maneira de adaptação do sistema nervoso a vivência na metrópole. Tal
autopreservação “é comprada ao preço da desvalorização de todo o mundo objetivo, uma
desvalorização que, no final, arrasta inevitavelmente a personalidade da própria pessoa para uma
sensação de igual inutilidade” (19 7: 19).
Outro fator importante advindo da “economia monetária”, apontada por Simmel, é a
imposição da “exatidão”, “calculabilidade” e “pontualidade”, a qual acarreta uma estrutura
impessoal, objetiva, necessária ao ordenamento social na metrópole, mas que contribui por
esmagar a subjetividade do sujeito metropolitano. Dessa maneira, a cultura objetiva - aliada ao
retraimento do mundo – concorre para a busca por distinguir-se do outro acarretando assim o
desenvolvimento de uma subjetividade altamente pessoal e o sentimento de uma singularidade
exacerbada, o que Simmel nomeia de individualidade qualitativa.
Norbert Elias, em “A solidão dos moribundos”, refere-se também a esse elevado grau de
individualização que produz sujeitos isolados uns dos outros levando-os a sentir solidão e
ausência de sentido, já que, como lembra Elias, todo e qualquer sentido é construído de modo
partilhado, de maneira que o individuo que busca sentido - o tratando como “mensageiro do

60
‘mundo intimo’” (2001: 66) - em si e para si mesmo, fracassa e assim, antecipa em vida sua
própria morte através do embotamento e vazio que sente.
Elias introduz o conceito de homo clausus, o sujeito apartado do mundo, como expressão
do tipo de morte que vivenciamos na modernidade – segregada da sociedade e família, em
estabelecimentos médicos com tratamento técnico e impessoal e com a ausência de pessoas
queridas que acolham o moribundo; pessoas essas que buscam distanciamento da ideia de morte,
diferentemente de outras épocas em que o processo da morte era caseiro, acompanhado pelos
familiares que possuíam intimidade maior com tal experiência. Desse modo, Elias busca
explicitar a relação que existe entre a maneira como o sujeito vive e o modo como o sujeito
morre:

“A ênfase especial assumida no período moderno pela ideia de que se morre em isolamento
equivale à ênfase, nesse período, do sentimento de que se vive só. Sob esse ponto de vista
também a imagem de nossa própria morte está intimamente ligada à imagem de nós mesmos,
de nossa própria vida, e da natureza dessa vida.” (2001: 70).

Para introduzir a problemática do individuo auto referido e por consequência o


esvaziamento do espaço público, Richard Sennett, em seu livro O declínio do homem público: As
tiranias da intimidade (1988), faz referência a um novo perfil clínico de sujeito, o homem
narcisista, cuja origem relaciona-se à erosão da vida pública a partir da secularização e do
capitalismo quando se torna possível encontrar sujeitos que sentem a experiência pública como
uma experiência de risco, inautêntica e pouco confiável, o que impulsionaria os indivíduos a
buscarem algo “real” e confiável: seu próprio interior. Isto faz do “eu” o ponto de partida para
significar o mundo, extinguindo dessa maneira, a linha divisória entre o “mim” e o que “me” é
externo. E então o mundo se tornaria a extensão de um eu que só dá significação àquilo que
reflete desvalorizando, portanto as relações impessoais.
No entanto, Sennett aponta para uma característica comum aos homens, encontrada nas
sociedades “tradicionais”, assim como no jogo infantil: o autodistanciamento, fator fundamental
para o estabelecimento de relações profícuas. Tal característica incide na expressividade do
comportamento impessoal a qual se reelabora através da crença em regras fictícias, o que
promoveria grande investimento de energia na situação, permitindo a reelaboração das regras
com o intuito de promover a manutenção da sociabilidade.
61
É dessa capacidade, o autodistanciamento, que o homem narcisista carece passando a
valorizar somente os sentimentos e o interior como verdades absolutas em detrimento da ação.
Pois, ele não só direciona sua atenção para o quê sente, mas também para o quê outro sente, para o quê
leva o outro a agir da forma que age. Desse modo,

“O fato de questionar os motivos dos outros opera de modo similar para desvalorizar as
ações deles, porque o que interessa não é o que eles fazem, mas a fantasia que se tem a
respeito do que estão sentindo quando o fazem. A realidade se torna “ilegítima” e, como
resultado, ao se perceber os outros em termos de motivos fantasiados, as relações efetivas
que se tem com eles se tornam apáticas ou sem cor.” [Assim] o narcisismo é (...) mobilizado
nas relações sociais por uma cultura despojada da crença no público e governada pelo
sentimento intimista como uma medida da significação da realidade” (19 : 396-397).

Dessa maneira, a dinâmica do narcisismo acarreta dor e frustração, pois tudo o que é
valorizado é o eu e nada diferente disso. Dessa maneira, a experiência da vida se torna sem
sentido e vazia fazendo com que o sujeito acabe por afogar-se em si.
Já para Bauman a noção de “liquidez” presente nas sociedades modernas e
contemporâneas é palavra-chave para o desenvolvimento de seus argumentos. Bauman aponta
uma liquefação das instituições modernas e contemporâneas que as tornou - suas formas -
flexíveis e provisórias, consequência essa de inúmeras transformações que levaram a um
esgarçamento no tecido social. Desse modo, a configuração da vida nessas sociedades pressupõe
o desapego, a provisoriedade, a alta individualização ao lado da liberdade pessoal e da
insegurança dos sujeitos. Em consequência dos vínculos flexíveis nesse mundo “líquido”,
relacionados à possibilidade da liberdade pessoal, os indivíduos se sentem sós, pois não se
encontram alicerçados a nenhum meio que lhes garanta segurança existencial, já que a
característica principal dessas sociedades é o seu caráter fluido, desde suas distintas instituições,
mercado de trabalho até as relações mais intimas entre os sujeitos.
Assim, é nesse cenário, onde as relações são mercantilizadas e os vínculos entre os
indivíduos são frágeis, que cada parte da relação convive com a certeza da possibilidade de a
qualquer instante o laço afetivo ser desfeito. É então o consumismo extremo que se torna a
máxima das sociedades contemporâneas se fazendo percebido na lógica das relações, onde tudo,
incluso os seres humanos, se torna descartável. Desse modo, há o desenvolvimento do sentimento
de insegurança agudo – acarretando depressão e ansiedade – pois vive-se com essa ideia, da
possibilidade do sujeito ser desperdiçado (descartado) a qualquer tempo não somente em suas
62
relações pessoais, mas também no meio da produção de subsistência. Assim, o individuo passa a
desconfiar de tudo e todos produzindo um esfacelamento dos engajamentos mútuos. É então, que

“o aumento da liberdade individual pode coincidir com o aumento da impotência coletiva na


medida em que as pontes entre vida pública e privada são destruídas (...) uma vez que não há
uma maneira óbvia (...) de traduzir preocupações pessoais em questões públicas e,
inversamente de discernir e apontar o que é público nos problemas privados” (2000: 10).

Então,
"O interesse público é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a
arte da vida pública é reduzida à exposição pública das questões privadas e a confissões de
sentimentos privados" (2001: 46).

Nesse contexto de atualizações constantes e estado de coisas inconsistente é que se faz


necessária a “arte de esquecer”, o que se torna

“um bem não menos, se não mais, importante do que a arte de memorizar, [pois] (...)
esquecer, mais do que aprender, é a condição de contínua adaptação, em que sempre novas
coisas e pessoas entram e saem sem muita ou qualquer finalidade do campo de visão da
inalterada câmara da atenção, e em que a própria memória é como uma fita de vídeo, sempre
pronta a ser apagada a fim de receber novas imagens, e alardeando uma garantia para toda a
vida, exclusivamente graças a essa admirável perícia de uma incessante auto-obliteração"
(1998: 36-37).

Exposto isto, podemos notar que é possível identificar muitos pontos de intersecção entre
os autores, no entanto o que nos interessa aqui é apresentá-los a fim de mostrar uma variação de
perspectivas que convergem para um tipo de “mal-estar” nas sociedades modernas e
contemporâneas, o que tentarei ilustrar e até contrapor através das falas produzidas no campo de
pesquisa, Centro Ramakrishna Vedanta, objeto desta obra, recorrendo também a outros autores
que interpretam a condição do indivíduo na modernidade a partir de perspectivas menos
distópicas.

63
4.1. Alta modernidade e a construção reflexiva do eu

Anthony Giddens, em seu livro Modernidade e Identidade, busca fazer uma análise das
instituições da alta modernidade61 e a relação dialética e circular que as instituições e o eu possui,
aponta então para “o surgimento de novos mecanismos de auto-identidade que são constituídos
pelas instituições da modernidade, mas que também as constituem” (2002: 9). O eu, dessa
maneira, não é entendido como um ente passivo, determinado por influências externas, mas sim,
como uma entidade reflexivamente constituída em consequência da diversidade de escolhas que
os indivíduos são impelidos a tomar adquirindo assim posicionamentos que contribuem para
definições de influências sociais globais.
Porém Giddens aponta para diversos entraves que encontram-se no processo da
construção reflexiva do eu e na realização da política-vida que discutiremos mais tarde. Ele não
nega que enfrentar possibilidades abertas, contemplando novos cursos de ação que tornam-se
obrigatórios na alta modernidade, sem um “norte” previamente definido, como encontrávamos
em épocas pré-modernas, envolve riscos, inseguranças e incertezas. Já que “a segurança
alcançada pela estrita obediência aos padrões estabelecidos é efêmera, e em algum ponto se
romperá.”, o que pode trazer um medo do futuro paralisante. Portanto a confiança básica - que
“está diretamente ligada à obtenção de um senso precoce de segurança ontológica62”, (2002: 11),
estabelecida na infância com a ajuda do primeiro protetor - aliada ao envolvimento prático com
questões de ordem cotidiana, poria ‘“entre parênteses’ ocorrências potenciais que, se seriamente
contempladas, produziriam uma paralisia da vontade ou uma sensação de engolfamento” (2002:
11).
Desse modo, os sistemas especializados – os quais consistem em sistemas de
conhecimento especializados que permeiam a vida dos indivíduos – que possibilitariam a
autoanálise - como exemplo de uma cultura reflexiva onde a literatura de autoajuda encontra-se
na bolsa de uma empregada doméstica assim como na cabeceira de sua empregadora – ajudam a
estruturar uma narrativa coerente de autoidentidade. Frente a esse “alinhavamento”, em busca de

61
A presente fase de desenvolvimento das instituições modernas, marcada pela radicalização e globalização dos
traços básicos da modernidade (2002: 221). (Nota nossa).
62
“Sentido de continuidade e ordem nos eventos, inclusive daqueles que não estão dentro do ambiente perceptual
imediato do individuo” (2002:223). (Nota nossa).
64
uma coerência identitária, que produz a reflexividade moderna, Giddens não acha correto
perceber a diversidade contextual e a pluralidade de escolhas como inevitáveis promotores da
fragmentação do eu. Pelo contrário, lhe parece viável a integração do eu, já que é possível fazer
uso da diversidade “a fim de criar uma auto-identidade distinta que incorpore positivamente
elementos de diferentes ambientes numa narrativa integrada. Assim, uma pessoa cosmopolita é
precisamente aquela que consegue ficar à vontade numa variedade de contextos”. (2002: 176).
Giddens, tampouco vê o mundo como “intrinsecamente alienante e opressivo” pelos sistemas
sociais de larga escala, já que os sujeitos podem sentir-se mobilizados por eventos distantes tanto
quanto, ou mais que, os eventos próximos.
No entanto, Giddens assume que a mídia assim como a mercantilização possuem
influencias padronizadoras, porém são influências que não ficam sem oposição tanto no nível
individual quanto no coletivo, pois os indivíduos, até o mais oprimido dos indivíduos, em seus
próprios termos, respondem critica e interpretativamente aos processos mercantilizadores.
Giddens admite também que

“De fato, divisões de classe e outras linhas fundamentais de desigualdade, como as que
dizem respeito a gênero ou etnicidade, podem ser em parte definidas em termos do acesso
diferencial a formas de auto-realização e de acesso ao poder (...). A modernidade (...) produz
diferença, exclusão e marginalização. Afastando a possibilidade da emancipação, as
instituições modernas ao mesmo tempo criam mecanismos de supressão, e não de realização,
do eu. [Porém] ‘Estilo de vida’ se refere também a decisões tomadas e cursos de ação
seguidos em condições de severa limitação material, tais padrões de estilo de vida também
podem algumas vezes envolver a rejeição mais ou menos deliberada das formas mais
amplamente difundidas de comportamento e consumo.” (2002: 13)

Dessa maneira, Giddens segue sua linha de raciocínio:

“A vida social moderna empobrece a ação individual, mas favorece a apropriação de novas
possibilidades; ela é alienante, mas ao mesmo tempo, de maneira característica, os homens
reagem contra as circunstâncias sociais que acham opressivas. As instituições modernas
tardias criam um mundo de oportunidades duvidosas e riscos de alta consequência. Mas esse
mundo não constitui um ambiente impermeável que resiste à intervenção. Enquanto os
sistemas abstratos63 penetram profundamente na vida cotidiana, as respostas a tais sistemas
ligam as atividades do individuo a relações sociais de amplitude indeterminada.” (2002: 163)

63
Meios de troca que tem valor padronizado (fichas simbólicas) e sistemas de conhecimento especializado de
qualquer tipo (sistemas especializados). Em conjunto formam os sistemas abstratos. (Nota nossa).
65
Giddens confronta as críticas à alta modernidade lembrando que em muitos contextos pré-
modernos os sujeitos eram mais impotentes do que nos contextos modernos, pois os indivíduos
possuíam seus lugares demarcados no interior das sociedades em que viviam e dessa maneira
eram relativamente impotentes para alterar ou fugir a suas circunstâncias sociais. Valores
predefinidos e herdados, assim como o pertencimento ao grupo de origem eram fatores que
organizavam e limitavam a esfera de ação dos indivíduos. “Conhecidos” e “forasteiros” possuíam
limites nítidos o que esboçava a demarcação do pertencimento dos sujeitos aos grupos, lugares e
aos seus respectivos “papéis”.
A respeito do ordenamento moderno dos indivíduos nos espaços públicos, Giddens fala da
indiferença civil, que, em alguma medida, nos remete a atitude blasé de Simmel. No entanto, o
que leva o sujeito a ter uma atitude de indiferença ou reserva na metrópole em Simmel é
radicalmente diferente em Giddens:

“A indiferença civil representa um contrato implícito de reconhecimento e proteção mútuos


entre participantes dos espaços públicos da vida social moderna. (...) Os rituais de confiança
e comportamento na vida cotidiana, discutidos por Goffman, são muito mais do que
maneiras de proteger nossa própria auto-estima e a dos outros (...). Na medida em que dizem
respeito à substância básica da interação cotidiana – pelo controle dos gestos do corpo, do
rosto e do olhar, e do uso da linguagem - tocam no aspecto mais básico da segurança
ontológica.” (2002: 49)

Dando seguimento às contra-argumentações de Giddens às críticas da modernidade e alta


modernidade - e aqui, especialmente, à noção de “vínculos fluidos” adotada, como vimos, por
Bauman - a interpretação de Giddens a respeito das relações modernas possui um enfoque muito
menos crítico. O autor as nomeia de relação pura, que pra além de uma relação que causa
insegurança, ansiedades e incertezas, é uma relação em que o compromisso voluntário é seu pilar,
onde “os critérios externos se dissolveram (...) [passando a existir] somente pela retribuição que a
ela própria pode dar” (2002: 13-14). Desse modo, a confiança passa ser uma revelação mútua não
podendo mais ancorar-se em fatores externos aos indivíduos relacionados. Assim como a
autoidentidade, “a relação pura tem que ser reflexivamente controlada a longo prazo, contra o
pano de fundo de transições e transformações externas” (2002: 13-14).
De todo modo, Giddens aponta para o risco da ausência de sentido engendrado pela
escassez de orientações morais das instituições modernas que diluem a esfera moral através da
66
razão instrumental que adéqua meios e fins abdicando de julgar a natureza mesma dos fins, o que
concorre também para o recalcamento das questões morais/existenciais pelos indivíduos e
instituições. Desse modo, a ameaça da ausência de sentido pode ser ordinariamente controlada
através de “atividades rotineiras, em combinação com a confiança básica, [que] sustentam a
segurança ontológica” (2002: 186), acarretando assim a substituição da moralidade pelo domínio.
No entanto na contramão desse processo de recalcamento das questões morais e
existenciais, Giddens aponta para um retorno, no campo individual e institucional da alta
modernidade, das questões referidas acima. E é a “política vida” - que se refere a “questões
políticas que fluem a partir dos processos de auto-realização (...) onde influências globalizantes
penetram profundamente no projeto reflexivo do eu e, inversamente, onde os processos de auto-
realização influenciam as estratégias globais” (2002: 197) – que traz de volta “ao primeiro plano
aquelas questões morais existenciais recalcadas pelas instituições centrais da modernidade”
(2002: 19 ), tais como “que responsabilidade os homens tem com a natureza”; “quais são os
direitos do não-nascido”; “que direitos tem o individuo sobre seu corpo”, etc.
Desse modo, vê-se uma busca por uma remoralização da vida social relacionada não
somente à questões relativas à manutenção do homem na natureza, mas “como a própria
existência [que] deve ser percebida e ‘vivida’” (2002: 206), questões essas são trazidas ao debate
público e envolvem diretamente opções de estilo de vida.
Em termos de uma análise macro, para Giddens, a globalização unifica a comunidade
humana como um todo:

“até certo ponto por causa da criação de riscos de alta consequência a que ninguém que viva
na Terra pode escapar. Novas formas de cooperação são necessárias (...) Devemos abrir
exceções ao principio da dúvida radical? Devem existir limites para o livre prosseguimento
da investigação cientifica? Deve a posse de armas nucleares ser condenada como
moralmente indefensável? Tai perguntas afetam nossa ‘existência’ no sentido concreto de
que afetam a sobrevivência da humanidade como um todo. Mas também se ligam a questões
existenciais mais elementares relativas à intersubjetividade.” (2002: 206)

Para exemplificar essa tendência, Giddens refere-se a uma perspectiva que estava alinhada
com o funcionalismo na Antropologia, onde “o outro é descoberto como aquilo que pode ser
reconhecido como ‘nós’, embora vivendo, é claro, em circunstâncias diferentes. A compreensão
dessa capacidade, e, portanto, dos apelos implícitos à igualdade do outro, convergiram com a
67
invenção do funcionalismo na Antropologia.”. Dessa maneira, referindo-se a Rorty, Giddens fala
da possibilidade de testemunhar em uma ordem pós-tradicional “a formação – mais como uma
possibilidade que como uma realidade plenamente habilitada – de uma conversa cosmopolita do
gênero humano” (1997: 122-123).
De antemão me desculpo pela longa citação, mas que, entretanto, é bastante esclarecedora.
Assim:

“Considerar o narcisismo- ou até o individualismo – como âmago da ordem pós-tradicional é


um erro – certamente em termos dos potenciais que ele contém para o futuro. No domínio da
vida interpessoal, estar aberto para o outro é a condição da solidariedade social; em uma
escala mais ampla, a oferta da ‘mão da amizade’ em uma ordem cosmopolita global está
eticamente implícita na nova agenda (...). Desnecessário dizer que a potencialidade e
realidade são duas coisas muito diferentes. A dúvida radical estimula a ansiedade, as
incertezas socialmente criadas são muito grandes; barreiras imensas separam o rico e o pobre
tanto no plano local quanto no mais global. Mas podemos discernir perspectivas claras para
uma renovação do engajamento político, embora ao longo de linhas de ação diferentes
daquelas até agora dominantes. Rompendo as aporias do pós-modernismo, podemos
enxergar possibilidades de ‘democracia dialógica’ estendendo-se desde uma ‘democracia das
emoções’ na vida pessoal até os limites externos da ordem global. Como humanidade
coletiva, não estamos condenados à irreparável fragmentação nem, por outro lado, estamos
confinados à jaula de ferro da imaginação de Max Weber. Além da compulsividade está a
oportunidade de se desenvolverem formas autênticas de vida humana que pouco devem às
verdades formulares da tradição, mas nas quais a defesa da tradição também tem um papel
importante.” (1997: 131)

Giddens analisa a modernidade e alta modernidade de modo a contemplar os possíveis


resultados dessas configurações para o individuo. De um lado, aponta para o individuo
constituído por um eu fraturado pela dinâmica e fluidez do mundo moderno por não possuir a
estrutura necessária dada pela “confiança básica”. Por outro – e é nesse individuo que Giddens
aposta – o individuo que, através das possibilidades que a alta modernidade proporciona, torna-se
capaz de construir seus caminhos de maneira reflexiva em busca de sua autonomia. Entretanto,
não temos outra escolha senão decidir como ser e agir, desse modo, “somos não o que somos,
mas o que fazemos de nós mesmos” (2002: 74).
Tal perspectiva nos remete a memorável frase sartreana: “L'essentiel n'est pas ce qu'on a
fait de l'homme, mais ce qu'il fait de ce qu'on a fait de lui” (Sartre, 1990).

68
4.2. Projeto reflexivo do eu, unidade do gênero humano e o individualismo religioso

“Novas formas de religião e de espiritualidade representam num


sentido mais básico um retorno do recalcado, pois apelam
diretamente a questões relativas ao significado moral da existência
que as instituições modernas tendem a dissolver.” (Giddens, 2002:
191-192)

Desse modo, frente aos argumentos de Giddens podemos pensar as práticas e discursos
dos integrantes do Centro Ramakrishna Vedanta como um registro do projeto reflexivo do eu, da
busca pela noção de unicidade do gênero humano e em um individualismo religioso que
internalizou a autoridade (D’Andrea 2000) e corrobora a ideia da construção reflexiva das
trajetórias humanas.
Na fala dos integrantes do grupo, já apresentadas, podemos vislumbrar uma tentativa de
reorganizar a pluralidade da oferta religiosa - o que poderia ser percebido de modo fragmentador
e destituidor de sentido, concorrendo para a descrença em uma “única verdade” – de maneira a
abarcá-la ocasionando sincretismos que contribuem para a constituição identitária de modo
reflexivo buscando uma adequação às necessidades idiossincráticas do sujeito, mas que também
alimenta uma noção de pertencimento em ampla escala:

“eu encontro muita dificuldade, muita resistência de aceitar só um caminho como um espaço
sagrado e de realização, de fé, de uma fé que realiza no sentido de levar iluminação. (...) Eu
entrei no terreiro, tinha Buda, tinha gnomo, tinha todas as referências de religião. Aquilo ali
encaixou na minha cabeça. “É isso!”. Então, todas as referências estão lá. Essa coisa de
gnomo... Você acha que gnomo é sagrado? Cara, é gnomo, entendeu? (...) Mas, aquilo ali, é
risível? É. Mas tem sentido. Botou na posição do sagrado, sabe? Tava lá no templo,
entendeu? Eu acho muito incrível. Então, eu acho que a Vedanta acompanha essas
experiências que tá muito relacionada a mudança do olhar para o mundo.”

De modo, a ser a noção de “liberdade” fundamental para a constituição do grupo aliada a


contemplação da diversidade:

“Nós fazemos uma leitura, com toda liberdade de participação de quem quer que seja e de
discordar, não apenas de emitir suas opiniões próprias, mas também discordar do que nós
estamos falando, com toda liberdade. Então é um grupo eclético, nós temos gente oriunda de
tudo quanto é religião: espiritismo, catolicismo e judaísmo, e outros grupo orientais da Índia

69
que vieram pra cá. E são todos bem vindos, e todos tem o mesmo direito, a mesma
liberdade.”

A noção de “liberdade” referida pelo grupo circunscreve-se não somente ao amparo da


diversidade de opiniões, mas também a ausência de normatividade pré-estabelecida pelo grupo
que se manifesta na fala de alguns integrantes. Entre eles, José que declara que o que o atraiu no
grupo foi justamente a “ausência de dogmas”, assim como a não prescrição de comportamento,
afirmando que os integrantes podem ser adeptos de outras religiões, podem fumar, beber e até
mesmo em Deus não acreditar. Tais possibilidades dariam ao individuo amplo poder de ação com
o intuito de construírem suas trajetórias e identidades “livremente”, porém com o respaldo moral
e existencial que a religião permite.
A frequência intermitente dos adeptos é uma das faces de “liberdade” compreendida pelo
grupo, ensejando um pertencimento livre de compromissos fixos típico das relações na alta
modernidade. No entanto, na contramão das perspectivas distópicas a respeito da modernidade
tardia, não iremos aqui enfatizar o sentimento de solidão e insegurança que possivelmente esse
tipo de “laço frouxo” traria. Ao contrário, podemos perceber que a intimidade com a filosofia
hinduísta Vedanta concorreria para amenizar as “dores” decorrentes das rupturas e flexibilidade
das relações, pois a noção de “apego” é combatida, já que seria um entrave para a realização
espiritual plena – que está vinculada à realização pessoal - pois ela se dá através da autonomia
dos indivíduos em relação às coisas mundanas.
Dessa maneira, é possível amar a tudo e todos, mas de modo “desapegado”, pois “todos
somos um só” e o fluxo dos acontecimentos seguem uma dinâmica própria que estaria pra além
do controle individual. Assim, a aceitação referente aos fluxos histórico-individuais e coletivos se
relaciona a noção de “ordem cósmica”, da qual fazemos parte. Desse modo, podemos pensar que
a ideia de unidade de tudo e todas as coisas levaria a suavização do sentimento de fragmentação
tão enfatizado pelos teóricos de perspectiva distópica, ocasionando um sentimento de
pertencimento em ampla escala.
Tal noção de unicidade é enfatizada, como vimos, por um dos integrantes:

“a verdadeira religiosidade, que eu diria mais “a espiritualidade”, ela começa quando você
passa a amar não apenas seu círculozinho íntimo, papai mamãe e marido, namorado, filho e
filha, mas estende esse amor a toda a humanidade e mais do que a humanidade, a todos os
70
seres vivos, animados, inanimados, vegetais os minerais. Os minerais tem vida, “é uma
pedra, essa pedra não é nada, é inerte...”. Tem! É cheio de moléculas, de átomos que tão ali
vibrando na mesma sintonia que Brahma. Então quando você passa a sentir essa unicidade
com todos você está indo no caminho certo, isso eu sinto.”

Perceber “tudo” de modo a compartilhar a humanidade contribui de algum modo para o


transbordamento de questões morais e existenciais, tais como Giddens (2002: 209) as propõe no
que se refere a política vida. Questões essas - “Que responsabilidade os homens tem com a
natureza”; “Quais os princípios de uma ética ambiental?”; “Quais os direitos do feto?”; “Que
princípios éticos devem orientar a engenharia genética?”; “Que limites devem ser postos à
inovação científica/tecnológica?”, “Que limites devem ser postos ao uso da violência nos
assuntos humanos?”; “Que direitos tem o individuo sobre o seu corpo?”; “Que direitos têm os
animais?” – que denotam uma nova sensibilidade e apontam para a ideia da unicidade humana, já
que todas essas questões e respostas afetam não só ao homem, mas também ao que o rodeia.

71
Considerações finais:

A exposição sintética realizada acerca do hinduísmo no primeiro capítulo buscou nos


fornecer elementos mínimos para tentarmos responder o porquê da “importação” de algumas
correntes religiosas hinduístas pelo Ocidente, ou seja, quais características dessas filosofias
estavam afinadas com as questões que o Ocidente, ou setores dele, se colocava.
Como vimos, as correntes filosófico-religiosas hinduístas, e orientais como um todo,
foram consumidas em larga escala, por determinadas camadas sociais, especialmente a partir da
contracultura, quando havia um questionamento e enfrentamento dos valores hegemônicos da
sociedade, como, por exemplo, o modelo capitalista de consumo que, além de produzir
desigualdades, mercantilizava as relações segundo seus contestadores. E assim gerou-se todo um
movimento crítico que incorporou tendências comportamentais, tais como mudar-se para
“comunidades alternativas”, assim como adotar, de modo seletivo, padrões culturais ou
elementos específicos oriundos de outras culturas que se contrapusessem de alguma maneira
àqueles valores contestados.
Dessa maneira, é possível questionar de algum modo alguns argumentos de Said (2007)
que apontam para a busca do Ocidente de se autodefinir em contraposição ao Oriente com o
intuito de hierarquizar as relações entre ambos com vista à subjugação do último. A
contracultura, como vimos, não teria um tom subjugador no que concerne à relação com o
Oriente; ao contrário, para a contracultura o Oriente, (com predominância da Índia), possuía
elementos que foram utilizados como ferramentas à contestação dos valores hegemônicos
Ocidentais. Questões como a relação entre o homem e a natureza, e a subjetividade do individuo,
frente à configuração societária da época, foram rearticuladas em correlação a estas apropriações.
Ao lado deste movimento contestatório alguns teóricos identificam o inicio do fenômeno
que se convencionou chamar de “Nova Era”, que se define, como vimos, pela possibilidade de
recortes seletivos pelos indivíduos de tradições religiosas, com predominância das tradições
orientais e esotéricas ocidentais, engendrando uma espécie de mosaico religioso individual. No
entanto, é possível identificar grupos religiosos dentro deste movimento, assim como indivíduos,
que buscam fidelidade à tradição não fragmentária. Mas tal “fidelidade” não é possível no
contexto da modernidade e alta modernidade, já que as dinâmicas institucionais que as

72
constituem e as que constituem os sujeitos são pautadas na reflexividade, ou seja, na revisão
contínua das práticas, o que estaria em desacordo com a tradição a qual é constituída pela
repetição, como aponta Giddens (1997).
A “Nova Era”, desse modo, seria mais que uma forma de religião, seria a representação
das tendências individualizantes, reflexivas e globalizantes da alta modernidade, através de um
processo de tradução religiosa, o que aponta para a possibilidade, na alta modernidade, da
autonomia do sujeito como agente histórico decorrente da internalização da autoridade
(D’Andrea, 1996, Giddens, 2002).
As ideias referentes à “liberdade”, “Eu deificado” e “unicidade” encontradas na filosofia
hindu, por exemplo, respondem muito bem às questões levantadas pela contracultura, como
também representam valores próprios da alta modernidade. A ideia de “liberdade” encontra-se na
tradição hindu vinculada à noção de “desapego”, referente às coisas mundanas, e que afirma que,
como consequência de seu alcance, obteríamos a liberdade que se traduz na libertação dos ciclos
reencarnatórios que nos aprisionariam em um mundo ilusório. Já no campo estudado, o Centro
Ramakrishna Vedanta, cujo movimento no Rio de Janeiro tem início em 1957, fase da
contracultura, a noção de “liberdade” não somente está vinculada à ideia de “desapego
mundano”, mas também a quase todas as suas práticas: no que se refere à frequência dos adeptos,
à exposição de opiniões, a hábitos cotidianos e à definição do conceito de Deus. Essa “liberdade”,
então, que caracteriza o grupo, orgulho de seus adeptos, denota o caráter reflexivo de constituição
das trajetórias e identidades dos sujeitos na alta modernidade refletindo desse modo a aceitação
dos sujeitos de maneira entusiasmada por esta configuração.
A ideia do “Eu deificado” se refere à compreensão de que tudo é divino, de que os
homens não são seres apartados de Deus, mas são o próprio Deus sob uma “máscara” ilusória que
deve ser “diluída” na medida em que o divino, ou seja, o que é real, vem à tona mediante o
“desenvolvimento espiritual”. Desse modo, Ramakrishna é pensado como um homem comum,
mas que superou as questões finitas, ou seja, ilusórias - típicas do que é da ordem do mundano -
dando vazão ao que lhe era divino de maneira exemplar. Assim, essa possibilidade dos adeptos
alcançarem a expressão daquilo que lhes é divino se traduz também como uma busca por
“autonomia”, empoderamento pessoal e desenvolvimento da “segurança ontológica” já que, para
o grupo, o “desenvolvimento espiritual” está necessariamente vinculado ao “desenvolvimento

73
pessoal” que se dá mediante o “autoconhecimento”. Segundo D’Andrea (2000), a ideia de um
“Eu deificado” pode ser compreendida como uma tendência solipsista de considerar a realidade
como extensão do self. Mas também é possível percebê-la como consequência da internalização
da autoridade, fenômeno típico da modernidade tardia, onde os indivíduos, sob a rubrica do
“autoconhecimento” e “desenvolvimento pessoal”, “criam a si próprios” de maneira reflexiva de
forma a construir suas trajetórias e identidades.
A noção de “unidade” (ou “unicidade”) se refere no hinduísmo à concepção de Deus
segundo a qual tudo e todos são parte de uma mesma coisa, o Absoluto, que as partes refletem e
no qual se tornam unas, pois derivam e representam, de modo ilusório, por se apresentarem
fragmentadas, aquilo que as constitui: Deus. Tal crença é enfatizada no grupo estudado e de
algum modo é possível percebê-la como causa de um sentimento ampliado de pertencimento que
faz com que seus adeptos passem a se sentir membros da comunidade humana de modo
totalizante. Essa noção de unidade humana passa a ser levantada nas sociedades a partir das
experiências características da alta modernidade como, por exemplo, a experiência da
globalização que permite o contato entre culturas distintas, ou dos altos riscos compartilhados
como, por exemplo, a possibilidade de uma catástrofe nuclear (Giddens, 2002), que possibilita
conduzir questões morais e existenciais em termos universais.
Frente a essas características constitutivas do grupo religioso em questão pude questionar
o que havia me levado a propor a análise do grupo: havia tido contato na graduação com a
bibliografia referente aos teóricos que buscam fazer um “diagnóstico” da modernidade ou “pós-
modernidade” em um registro “pessimista”, os quais enfatizam as dores dos sujeitos marcadas
pelo sentimento de solidão e ausência de sentido fruto de um ordenamento social individualista,
de maneira utilitária, mercantilista e opressora. A partir de então passei a pensar que talvez aquele
grupo religioso hinduísta que pouco conhecia pudesse ser um exemplo das respostas dos
indivíduos àquela opressão e desgaste de suas psiques causadas pela configuração da alta
modernidade. Parecia-me uma busca por pertencimento de maneira sólida a uma tradição e
grupo, bem como pela amenização dos “laços frouxos” característicos de nossa época.
No entanto, ao mergulhar no universo de seus integrantes, comecei a perceber que as
características tanto apontadas pelos teóricos de perspectivas distópicas a respeito da
modernidade, que seriam elementos causadores de uma subjetividade fraturada do individuo,

74
eram justamente, na experiência deste grupo, o contrário, ou seja, eram elementos que os
“empoderavam”, que os faziam agir no sentido de buscar um aperfeiçoamento individual e
coletivo mediante essa “liberdade” sentida por estes indivíduos, o que lhes concederia uma
revisão contínua das ações e direções tomadas. Estes elementos - baixa fidelidade ao grupo
(“laços frouxos”), sincretismos, e a ausência de normatividade eminente (normatividade essa que
nas sociedades pré-modernas seria o motor da coesão social) – eram, como vimos, fatores de
orgulho e encantamento de seus integrantes.
Isto não quer dizer que estes indivíduos estariam isentos dos possíveis sofrimentos
apontados pelos teóricos de perspectiva distópica. Porém, é possível perceber a tentativa
incessante por uma leitura “positiva” das configurações sociais contemporâneas e quando não um
gosto pela sua superação. Assim, entre outros, podemos ter como exemplo a apropriação da
filosofia hindu: a noção de “desapego mundano”, parte constitutiva de tal filosofia, vinculada à
ideia de “liberdade”, concorreria para a amenização das possíveis dores advindas da flexibilidade
e frouxidão dos laços da alta modernidade, já que o desapego é necessário para o alcance do
desenvolvimento espiritual, que é individual. Assim, este “desenvolvimento” busca a autonomia
e equilíbrio do individuo frente às dores e imponderáveis da vida.
Dito isto, podemos pensar que, frente à aridez de um mundo “fragmentado” e
“desmapeado”, como apontado pelos teóricos supracitados, é possível perceber uma releitura
desse mundo aliada à busca pela “criação de si”, o que aponta para a existência de indivíduos
pouco passivos frente às adversidades da vida. No entanto, para a criação de si referida acima,
Giddens (2002) nos apresenta a noção de “segurança ontológica” como sendo fundamental para a
sustentação do sujeito na alta modernidade. Tal noção consiste em um estado mental estável
frente aos acontecimentos da vida, ensejando um sentimento de ordem e significado existencial o
qual depende das habilidades do sujeito, mas que se encontra estreitamente relacionado às suas
experiências positivas.
Entretanto, Giddens (2002) aponta para a possibilidade e a necessidade de releituras,
construções e reconstruções dos sujeitos e instituições na alta modernidade nos impelindo a agir e
a decidir, independentemente da segurança ontológica, como modo de sustentação dos sujeitos e
instituições, pois, do contrário, só nos restaria a auto anulação frente às escolhas. Desse modo,
fica a pergunta: o que faremos de nós mesmos frente às configurações atuais?

75
Apêndice
Os Entrevistados

Forneço aqui alguns dados dos informantes de modo resumido. Embora algumas dessas
informações possam ser encontradas ao longo do terceiro e quarto capítulos, o intuito é de
fornecer ao leitor uma fonte de consulta apresentando de modo organizado os dois grupos aos
quais me refiro no terceiro capítulo bem como a relação dos entrevistados com o grupo Centro
Ramakrishna Vedanta. Devo lembrar que todos os nomes são fictícios.

Grupo dos recentes:


* Rogério: Administrador, 34 anos, morador da Zona Sul do Rio de Jnaeiro, faz psicanálise há muito
tempo. Sempre foi ateu, mas depois de muito “sofrimento” descobriu que o ateísmo é uma “burrice”, pois
Deus é um conceito, logo a solução é encontrar um conceito adequado. Hoje (2012) não participa mais das
reuniões do Centro Ramakrishna Vedanta e se tornou integrante de um Centro Budista. Entrevista
realizada em 2010.

* Tânia: Empresária, 57 anos, moradora da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, nunca fez psicanálise. É
espírita e encontrou uma forma de lidar melhor com seu dia-a-dia através das práticas espirituais,
melhorando sua qualidade de vida. Identificou-se com a mãe divina e sente-se cuidada por ela. Declara
que o que mudou em sua vida a pós a frequência ao grupo foi que passou a ter melhor qualidade de vida, a
se concentrar mais nos seus afazeres cotidianos, e a não se sentir mais só, pois o amor da Santa Mãe a
acolhe. Entrevista realizada em 2010.

* Beto: Professor universitário de Informática, 46 anos, morador da Zona Sul do Rio de Janeiro, faz
psicanálise há muito tempo. Nunca se interessou pelo catolicismo, nem por nenhum outro tipo de religião,
até se deparar com o “bem” que faria a ele a prática da meditação e a psicanálise. Nessa ocasião descobriu
a Vedanta e passou a fazer uma releitura do cristianismo. Entrevista realizada em 2010.

* Janaina: Professora de História, 33 anos, moradora da Zona Sul do Rio de Janeiro, fez psicanálise por
muito tempo, parou e tem sentido falta de fazê-la. Foi ateia até encontrar o Budismo, quando se
identificou, pois o Budismo não possui um conceito de Deus. A partir de então encontrou o Centro
Ramakrishna Vedanta e passou a conceber todas as religiões como formas distintas de uma mesma

76
verdade. Declara que sua frequência no grupo a fez passar a gostar de cozinhar. Passando assim a se
dedicar ao preparo da comida de maneira diferente, de forma a considerá-lo um ritual de aproximação de
Brahman. Entrevista realizada em 2012.

Grupo dos antigos:


* Cecília: Fisioterapeuta, 43 anos, moradora da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, nunca fez
psicanálise. Possuía desde jovem uma profunda curiosidade pela espiritualidade. É uma pessoa que
valoriza as experiências obtidas por meio dos sentimentos, “do coração”. Encontrou no Centro
Ramakrishna Vedanta a sua “linhagem”, a sua família. Após seu “encontro” com o grupo passou a levar
os ensinamentos para sua vida cotidiana conseguindo assim solucionar seus conflitos e dúvidas. Entrevista
realizada em 2011.

* João: Consultor de análise de processos, 47 anos, morador da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro,
nunca fez psicanálise. Desde criança possuía grande interesse pela religiosidade. Sempre buscou na
literatura respostas para seus questionamentos de ordem espiritual. Encontrou em Sri Ramakrishna um
exemplo de homem espiritualizado. Entrevista realizada em 2011.

* José: Ex-comandante de navio, 80 anos, morador da Zona Sul, nunca fez psicanálise. Após se
decepcionar com um grupo adepto de um tipo de “filosofia mística”, passou a sentir necessidade de
possuir uma religião. Não gostava do catolicismo. Dessa maneira, encontrou na Vedanta conceitos que o
libertaram. Após seu “encontro” com a filosofia Vedanta se tornou uma pessoa melhor. Passou a desejar a
felicidade de todos e a ficar feliz com a felicidade alheia. Entrevista realizada em 2012.

77
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80
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TFOUNI, Fabio Elias Verdiani; SILVA, Nilce da. A modernidade líquida: o sujeito e a interface
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Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1518-
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TYAGANANDA, Swami. A visão de Swami Vivekananda sobre Vedanta. Disponível em


http://www.vedantacuritiba.org.br/site/txt/visao_swami_vivekananda_vedanta.pdf. Acesso em
2011.

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Nota:
i
Estas outras não foram consultadas. Estão listadas de acordo com a ordem das referências feitas a elas:

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- Birmann, Patrícia. "Relativismo Mágico e Novos Estilos de Vida". In: Revista do Rio de Janeiro, N. 2, 1993:44-52.
- Amaral, Leila et alii. “Nova Era: um desafio para os cristãos”. São Paulo, Paulinas, 1994.
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Perspectiva, 9 (2): 66-72, 199 .; “Quando o campo é a cidade: fazendo antropologia na metrópole”. In: José G.
Cantor Magnani e Lilian de Lucca Torres, Na metrópole, São Paulo, Edusp, 1996.
- Maluf, Sônia W. Les enfants du Verseau au pays des terreiros. Tese de doutorado, École des Hautes Études em
Sciences Sociales, Paris, 1996.
- Fortis, Antônio Carlos. O buscador e o tempo: um estudo antropológico do pensamento esotérico e da experiência
iniciática da Eubiose. Dissertação de Mestrado, São Paulo, USP, 1997.
- Siqueira, Deis e Bandeira, Lourdes et alii “O misticismo no Planalto Central: Alto Paraíso, o “chakra cardíaco do
planeta”’. In: Siqueira, Deis & Bandeira, Lourdes et al, Tristes cerrados: sociedade e biodiversidade, Brasília/DF,
Paralelo 1 , 1997.; “O profano e o sagrado na construção da ‘Terra Prometida’”. In: Brasilmar Ferreira Nunes (org.),
Brasília: a construção do cotidiano, Brasília/DF, Paralelo 1 , 199 .; “Perfil dos adeptos e caracterização dos grupos
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- Stoll, Sandra J. “Entre dois mundos: espiritismo na França e no Brasil”. Tese de doutorado, Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, USP, São Paulo, 1999.
- Martins, Paulo H. “As terapias alternativas e a libertação dos corpos”. In: Maria Julia Carrozi (org.), A Nova Era no
Mercosul, Petrópolis, Vozes, 1999.
- Tavares, Fátima R. G. “Holismo terapêutico no Rio de Janeiro”. In: Maria Julia Carrozzi (org.), A Nova Era no
Mercosul, Petrópolis, Vozes, 1999.; “Tornando-se tarólogo: percepção “racional” versus percepção “intuitiva” entre
os iniciantes do tarot no Rio de Janeiro”. Numen – Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, 2 (1): 97-123, Juiz de
Fora, Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, 1999a.
- Reis, Adriana Valle dos. “Nova religiosidade e educação em Brasília: uma nova ética em curso”. In: Maria
Francisca Pinheiro et al. (orgs.), Política, ciência e cultura em Max Weber, Brasília, Editora da UnB, 2000.

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