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Universidade Lusíada de Lisboa

Técnicas Solares Passivas

Ano Lectivo 2005-06

João Mariz Graça


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Inventário e Classificação de
Estratégias de Arrefecimento Passivo na
Arquitectura Vernácula do Médio Oriente
Fewzi Fardeheb
UCLA Graduate School of Architecture and Urban Planning
405 Hilgard Avenue, Los Angeles, California 90024

(Texto traduzido com autorização da ISES –


Publicado na revista Solar Passive Journal, nº 4, 1987)

Resumo

A arquitectura do Médio Oriente possui um elevado número de excelentes exemplos


de utilização de tecnologias tradicionais em edifícios bem adaptados ao clima. Os
habitantes destas regiões aprenderam a viver em climas de regiões de deserto
desenvolvendo uma relação de harmonia com a severidade do ambiente. Nesta parte
do Mundo, por causa de um insuportável calor de Verão, os arquitectos da
antiguidade do Médio Oriente e Norte de África demoraram centenas de anos testando
soluções que pudessem permitir às pessoas viver em condições o mais aceitáveis
possíveis durante os dias mais quentes do ano. Neste artigo procura-se classificar as
técnicas de arrefecimento passivo usadas nos climas quentes agrupando-as segundo
tipologias de arrefecimento.

Introdução

Quem construiu cidades como Fez, Cairo, Bagdade e Teerão em climas áridos e
quentes, conseguiu criar condições de vida confortáveis, para centenas de milhares de
pessoas, compreendendo as formas pelas quais essas populações se poderiam adaptar
ao respectivo ambiente.

Para climas semelhantes foram encontradas diferentes soluções arquitectónicas em


diferentes países. Na Tunísia as pessoas preferiram viver em estruturas subterrâneas,
enquanto em Fez e Isfahan as pessoas vivem em agrupamentos de pátios interiores.
No sul de Marrocos e no Yemén um tipo de fortalezas, os "ksars", constituem o
padrão das unidades rurais. Esta forma de expressão arquitectónica tem sido bastante
esquecida, porém as casas construídas desde há 50 anos têm evidenciado uma boa
adaptação da arquitectura ao clima. Estas habitações eram sombreadas durante o
Verão, utilizavam colectores de vento e torres de vento para ventilação natural, eram
construídas com paredes de elevada espessura e possuíam coberturas em abóbada,
com o objectivo de promover condições de conforto satisfatórias, eram construídas
com os materiais disponíveis localmente.

Apesar de se verificar uma grande variedade de tipos arquitectónicos desde Marrocos


até à Índia, os conceitos básicos de tratamento dos problemas relacionados com
condições climáticas extremas de Verão são resolvidos com recurso a estratégias
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semelhantes e sempre muito simples. Presentemente e ao contrário destas estruturas


adaptáveis do passado, as Tecnologias Ocidentais têm sido exportadas para o Terceiro
Mundo sem quaisquer critérios de adaptação às condições locais. As modernas casas
de tipo europeu, sendo consideradas como privilégio de classes superiores, tendem a
substituir as casas orientais típicas, de pátio interior, que são vistas como reflexo de
pobreza e de marginalidade. Um processo acelerado de urbanização, crescimento
económico e de importação de modelos europeus de vida têm implementado a
mudança. Em vez de se voltarem para a arquitectura vernácula os arquitectos
preferem substituir as formas tradicionais pela arquitectura moderna de estilo
internacional. Este artigo, examina, classifica e documenta as tecnologias tradicionais
com especial atenção para as técnicas de arrefecimento passivo que podem ser
aplicadas nas condições actuais.

Características Relevantes das Zonas de Climas Quentes e Secos


Localização das Zonas Quentes e Secas

Os países do médio Oriente estão situados nas regiões áridas e desérticas mais
importantes do mundo. Estas situam-se entre os paralelos 15º e 30º de latitude Norte e
no Hemisfério Sul (Figura 1). A área de estudo no âmbito deste trabalho inclui, no
continente africano, o deserto do Sahara, o maior deserto do mundo (com 9 milhões
de Km2), na península Arábica, o deserto Arábico (com 2,5 milhões de Km2), e nas
regiões Centrais do Irão, o deserto Iraniano (com 388.000 de Km2).

Figura 1 - Principais zonas de climas quentes e secos (Konya,1980)

O Norte de África e o Médio Oriente não se estendem somente por regiões desérticas;
ainda que prevaleçam os climas quentes e áridos. Efectivamente, verifica-se a
ocorrência de climas de tipo Semi-Árido e Sub-Tropical Mediterrâneo em algumas
partes do Norte de África, Arábia Saudita, Irão, Iraque e Paquistão. O clima destas
regiões caracteriza-se por Verões quentes e secos (Figura 2).
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Características dos Climas Quentes e Áridos

As regiões áridas e quentes caracterizam-se, no Verão, por elevadas temperaturas


durante o dia, temperaturas frias durante a noite, baixa humidade relativa, radiação
solar intensa, valores elevados de radiação para a abóbada celeste durante a noite, e
uma taxa de precipitação muito baixa.

Figura 2 - Climas do Norte de África e do Médio Oriente (Konya,1980)

Temperaturas do Ar

As temperaturas de Verão variam entre 40°C e 50°C durante o dia e entre 15°C e
25°C durante a noite. As temperaturas da superfície do solo chegam a atingir 37°C e a
diferença entre temperatura máxima e mínima durante o mesmo dia pode variar 20°C.
Esta leveada variação é o resultado da acção conjunta do baixo teor de humidade do
ar e da ocorrência frequente de situações de céu limpo (Givoni 1981).

Humidade e Pressão do Vapor

A humidade relativa depende da temperatura do ar e varia desde valores inferiores a


20% à tarde, até valores superiores a 40% durante a noite. No entanto, a humidade
poderá ser mais elevada, em áreas de influência marítima em que a mudança do
sentido do vento pode trazer ar proveniente do mar. A pressão de vapor do ar
ambiente varia, consoante as estações e os locais, desde 10 a 15 mm de Hg no Verão
até 5 a 10 mm de Hg no Inverno (Givoni 1981).

Precipitação

A precipitação é baixa e varia desde 50 até 150 mm anuais. Enquanto algumas regiões
poderão não ter chuva durante vários anos, noutras poderão ocorrer tempestades com
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uma precipitação de 55 mm numa só hora. É frequente nestas regiões que a chuva


proveniente de elevadas altitudes evapore antes de atingir o solo.

Radiação Solar

Porque o céu está virtualmente sem nuvens, a radiação solar é muito intensa atingindo
valores de 300 kcal/m2.h numa superfície horizontal (Givoni 1981).

Vento

Os ventos são geralmente quentes e de influência local. A velocidade do vento é


geralmente baixa durante a manhã, aumentando ao meio dia e atingindo os valores
máximos durante a tarde, precipita frequentemente areia e ocorrendo tempestades de
areia e lama.

Conforto térmico e Humano

As condições que influenciam o conforto térmico dependem de certas características


individuais de cada ser humano, tais como, actividade que se está a exercer, idade,
sexo, cor da pele e localização geográfica. Outros factores que influenciam o conforto
dependem do ambiente envolvente e incluem-se, a temperatura do ar, radiação,
humidade, e a velocidade do ar. Por exemplo nos Estados Unidos da América, o
conforto térmico é definido numa área da carta psicrométrica delimitada entre 20°C e
26°C e entre 20% e 80% de humidade relativa.Em países desérticos tais como o
Iraque e a Arábia Saudita, os requisitos psicológicos do conforto têm uma gama mais
larga e variam entre 11°C e 34°C e entre 30% e 90% de humidade relativa, para o
Iraque e entre 9°C e 28°C e entre 30% e 83% para a Arábia Saudita (figura 3).

Givoni e Milne demonstraram na sua carta psicrométrica que durante a estação mais
quente, as condições de conforto só são atingidas com recurso a meios mecânicos;
contudo este pressuposto nem sempre é verdadeiro conforme será demonstrado nos
exemplos deste artigo. As condições de conforto são conseguidas por utilização de
estratégias simples na construção dos edifícios e por alterações nos hábitos de vida.
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Figura 3 - normas de conforto térmico para diferentes locais (Taha, 1984)


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Arquitectura Tradicional: Uma Abordagem Vernácula do Conforto


Térmico

Auto-sombreamento na escala urbana

A forma arquitectónica optimizada, num clima quente e árido, é aquela que possui um
mínimo de ganho de calor no Verão e um máximo de perda de calor no Inverno.
Algumas edificações do Médio Oriente seguem este princípio e caracterizam-se por
um padrão compacto segundo uma direcção horizontal ou vertical com reduzida área
de exposição ao sol no Verão e aos ventos frios no Inverno. As casas pátio são típicas
destes climas e estão densamente agrupadas por forma a restringir as áreas expostas à
radiação solar.

Este tipo de agrupamento urbano apresenta vantagens térmicas e religiosas (figura 4).
Dado que as paredes que delimitam as habitações ou são cegas ou são adjacentes a
outras casas, a ligação com o espaço exterior faz-se por meio de pátios interiores que
é o centro das actividades dos ocupantes. A maioria dos espaços habitacionais está
voltada para os pátios e possui aberturas reduzidas para a rua. As poucas aberturas
existentes são localizadas junto ao tecto por motivos de iluminação e ventilação. Esta
configuração é muito apropriada em climas típicos de regiões desérticas.

Figura 4 - Compacidade da estrutura urbana de um


quarteirão tradicional em Tlemcen, Argélia

Em assentamentos urbanos caracterizados por um agrupamento segundo a direcção


horizontal, as ruas são compridas e tortuosas. As camadas mais frias do ar tendem a
depositar-se nestas ruas estreitas durante a noite uma vez que devido ao arrefecimento
da temperatura do ar este torna-se mais denso e preenche o espaço interior das ruas. O
ar frio permanece nas referidas ruas durante a manhã enquanto o vento não se faz
sentir. Estas ruas também produzem sombra durante quase todo o dia excepto quando
o sol está na posição mais vertical que coincide também com as horas em que a
exposição das paredes verticais é menor. Por vezes os compartimentos habitáveis do
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primeiro andar são balançados sobre a rua porporcionando assim um ensombramento


adicional. Em alguns exemplos como o Casbah de Argel os arruamentos são quase
totalmente cobertos e sombreados pela projecção de compartimentos inteiros e apenas
dotados de pequenas aberturas para iluminação e ventilação (Figura 5).

Figura 5 - Compartimentos balançados porporcionam um ensombramento


adicional que chega a cobrir a totalidade das ruas (Casbah de Argel).

As técnicas de arrefecimento passivo podem ser utilizadas em cada uma ou em todas


as seguintes formas: controlo solar, arrefecimento por convecção, arrefecimento
evaporativo, arrefecimento radiativo, e arrefecimento do solo (earth cooling).
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Tradicionalmente, estes sistemas de arrefecimento passivo foram aplicados em


combinações híbrida sem que dois ou mais sistemas são conjugados de modo a
optimizar-se o efeito de arrefecimento desejado.

Arrefecimento por convecção: Ventilação Natural e brisa nocturna.

O arrefecimento por convecção é a estratégia natural mais fácil para arrefecer os


edifícios bem como as pessoas que os ocupam. Quando o ar em movimento atravessa
o corpo de uma pessoa a sua fisiologia é afectada por uma perda de calor devida a
fenómenos de evaporação e de perspiração.

Nos climas mais áridos, devido ao facto de a ventilação transversal causar


aquecimento, o arrefecimento por convecção é utilizado como brisa nocturna. Neste
caso a elevada massa do edifício assume as funções de armazenamento. Como, em
climas quentes e secos, as temperaturas nocturnas são sempre inferiores às diurnas, o
arrefecimento proveniente deste ar fresco da noite é armazenado na massa do edifício
e utilizado durante o dia. A utilização das brisas nocturnas ajuda a manter as
temperaturas diurnas dentro da gama de conforto. Givoni sugere que a envolvente
exterior deve ser bem isolada e que os edifícios estejam fechados durante o dia de
modo a prevenir o aquecimento interior devido às quentes temperaturas que ocorrem
durante o dia (Givoni, 1985).

Aberturas

N arquitectura tradicional islâmica, a utilização de fluxos naturais de ar podem ser


identificados em muitos lugares sob diferentes formalizações arquitectónicas (Figura
6). Nas zonas Áridas, as aberturas para o exterior são reduzidas ao mínimo a fim de
evitar a ventilação durante o dia e a acção de ventos carregados de areia e lama. No
entanto, há grandes janelas a abrir para os pátios interiores. Estas incluem pequenas
aberturas situadas em posições superiores, normalmente executadas em painéis de
gesso, que facilitam a saída do ar mais quente para o exterior e aberturas, situadas em
posições inferiores, que incluem janelas e portas.
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Figura 6 - Sistemas de ventilação transversal em habitações em


diferentes países (Abdulak e Pinon, 1973)

No clima muito seco de Damasco, o ar penetra nas casas através do pátio interior,
depois de ter sido arrefecido por processos de evaporação no contacto com água e
plantas. O ar assim arrefecido empurra o ar mais quente, acumulado na casa, para o
exterior através das aberturas situadas sobre as portas e janelas. Nalguns exemplos do
Cairo, Bagdade e Irão o ar exterior é captado por um colector de vento para depois ser
arrefecido na sua passagem por um espelho de água ou por uma fonte. Nas zonas onde
a humidade é superior não existe a fonte dado que os compartimentos são abertos para
todos os lados de modo a permitir o máximo de ventilação transversal. Esta estratégia
é utilizada na Argélia. Em certos "Ksars" do Sul de Marrocos, o ar quente é extraído
naturalmente por pequenas aberturas situadas nos tectos.

Colectores de Vento e outros sistemas de ventilação natural

O colector de vento tem a sua origem no Egipto, tendo sido encontradas referências
em manustrícos da era faraónica (Lezine, 1971). Também foi encontrado em
Bagdade, Iraque, em Hyredabad, Paquistão e em Herat, Paquistão. Distingue-se da
torre de vento pela sua forma e altura. Em Bagdade o Colector de ar tem uma largura
de cerca de 90 cm a 1,20 m e 60 cm de profundidade. A abertura exterior tem cerca de
90 cm de altura e eleva-se 90 cm a 1,20 m acima do nível do telhado (Al-Azzawi,
1969) (Figura 7). Um colector de ar ou de vento está voltado para uma única
orientação de vento e não se eleva tão alto, acima do telhado, como a torre de vento.
Também chamado "milqaf" ou "malqaf" no Egipto e no Iraque respectivamente, o
colector de vento é constituído por uma abertura de captação executada em tijolo,
madeira, ou metal com uma inclinação de 45º voltada para os ventos dominantes.
Com este ângulo o vento entra no colector na sua máxima intensidade, atravessa os
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compartimentos e é canalizado por um percurso determinado para o pátio interior de


onde expulsa o ar quente ali acumulado.

Figura 7 - Fluxos de Ventilação através de uma casa típica


Iraquiana (Al-Azzawi, 1969)

As temperaturas diurnas das paredes interiores nos edifícios equipados com torres de
vento são sempre inferiores às que se verificam no exterior devido ao facto de nunca
receberem radiação solar directa bem como às temperaturas do ar ambiente interior
uma vez que essas paredes foram arrefecidas pelo ar frio da noite anterior. Assim, a
brisa dominante é captada e forçada a descer o poço o qual é arrefecido por condução
devido ao contacto com as paredes interiores que lhe são adjacentes.

Em Bagdade, os colectores de vento arrefecem um compartimento designado por


"serdab", situado no piso térreo, que é utilizado nas tardes de Verão para a tradicional
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sesta (Figura 7). Em Bagdade, onde os colectores de vento são ainda largamente
utilizados, cada compartimento tem o seu próprio "milqaf" e, dependendo da sua área
e função, um compartimento poderá ter um, dois, ou mais colectores de ar. Com este
sistema podem ser conseguidas temperaturas interiores 10º mais frias do que as
exteriores (Lezine, 1971).

Torres de Vento

As torres de vento distinguem-se dos colectores a ar pela sua forma e divisões


interiores (Figura 8). Podem conter até oito condutas diferentes que possibilitam a
captação multi-direccional do vento que penetra na torre.

Figura 8 - Funcionamento de uma torre de vento durante o Verão. As


setas a cheio representam o fluxo de ar durante o dia e as
setas a tracejado representam o fluxo de ar durante a noite
(Bahadori, 1978)

As primeiras torres de vento que se conhecem são relatadas por Marco Polo e
referem-se ao século XIII, na cidade Persa de Mormoz. Também se podem encontrar
torres de vendo na zona do Golfo Pérsico tendo sido provavelmente trazidas da Pérsia
através de rotas comerciais (Michel, 1978) (Figura 9).

Na zonas Sul e Central do Irão donde são originárias, as torres de vento são chamadas
de "badgeer" e representam uma construção típica da arquitectura local. Verificam-se
diferenças no desenho, decoração, altura, aberturas, e nos cortes. As torres de vento
são construídas geralmente com tijolos de barro seco ao sol ou tijolos de lama
cozidos. As torres de vento mais altas são reforçadas com vigas de madeira visíveis e
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salientes. Estas pequenas vigas de madeira são também utilizadas como andaimes
para limpeza e manutenção. A torre de vento assemelha-se a uma chaminé, subindo
bem acima das casas de modo a captar as brisas dominantes para depois as canalizar
para os compartimentos e para o pátio interior.

Figura 9 - As torres de vento foram encontradas no Golfo Pérsico.


Incluindo:
a) Em Yazd (Beazley e Haverson, 1982)
b) No Bahrain (Talib, 1984).

As torres de vento estão sempre sujeitas à circulação do ar, com ou sem o vento,
devido ao efeito causado pelas diferenças de densidade do ar. Poderá ainda aumentar-
se o efeito de arrefecimento se pequenos lagos de água forem colocados directamente
abaixo da torre de vento para arrefecimento por evaporação.

Em dias quentes e sem vento, o ar quente exterior é arrefecido por contacto com as
paredes de separação da torre que foram previamente arrefecidas durante a noite. Este
ar exterior torna-se mais denso à medida que é arrefecido sendo deste modo obrigado
a descer a torre. Trata-se de um fenómeno oposto ao efeito de chaminé. Deste modo o
ar frio entra no edifício através das janelas e das portas. Em dias de muito vento a taxa
de arrefecimento é aumentada com ar frio que chega a quase todos os
compartimentos.

Em noites sem vento, a torre de vento funciona como uma chaminé. As paredes de
separação que foram aquecidas durante o dia radiam calor para o ar frio da noite e o ar
quente, dos compartimentos e da torre, é extraído para o exterior devido ao seu
desenho. A pressão do ar no topo da torre é menor devido ao ar quente e menos denso
que é empurrado para o exterior. Quando há vento, o ar exterior é forçado a descer e
arrefece os compartimentos.

Outro tipo de desenho pode ser encontrado em Bam, no Irão, onde a torre é colocada
50 m acima da base da casa e ligada a ele por um túnel de alvenaria enterrado. As
paredes deste túnel são mantidas húmidas por água de rega que se difunde através do
solo.
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Mashrabiya

O Mashrabiya é um dispositivo de madeira com funções semelhantes a um biombo


usado em substituição das janelas e aparece particularmente no Egipto (Cairo) e na
Arábia Saudita Ocidental, Jeddah, onde predomina um clima quente e húmido. O
mashrabiya permite uma boa circulação das brisas através da casa que é uma condição
essencial para a existência de conforto num clima deste tipo. Também permite a visão
num só sentido de modo que as mulheres possam ver o exterior sem serem vistas do
interior, permite ainda a entrada da luz difusa prevenindo contudo a entrada da
radiação solar (madeira é pouco condutora), protegendo também do excesso de
iluminação e de condições de encandeamento daí derivadas (Figura 10).

Figura 10 - Mashrabiyas permitindo a visão num só sentido e a ventilação


transversal bem como a entrada de luz difusa.
a) mashrabiya em Jeddah, Sul da Arábia (Talib, 1984),
b) Tipos de mashrabiya (Fathy, 1986),
c) e d) Utilização de uma mashrabiya na Índia (Gupta, 1986).

Arrefecimento Evaporativo

Nos climas quentes e áridos, o aumento da humidade do ar pela utilização no interior


das habitações, de fontes, espelhos de água, ou simplesmente salpicando e regando os
pavimentos dos pátios com água, traduz-se numa agradável melhoria da arquitectura
tradicional.

A água como elemento de arrefecimento da casa


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Na sociedade tradicional islâmica é dada grande importância à água. No clima quente


e difícil do Islão, a água simboliza a vida. Foi utilizada nessa perspectiva simbólica no
Alhambra de Granada ou nos jardins Moghul do Taj Mahal ou ainda com motivações
práticas no interior das habitações. Desde o século X que se encontra documentada
uma metodologia de arrefecimento por evaporação muito difundida nos palácios
Iranianos e que pode ainda ser observada em Bagdade e no Cairo. Esta estratégia
consiste na construção de uma caixilharia com dispositivos para fixação de jarros de
água. O fluxo de ar que passa por estes jarros de água porosos, evapora a água
arrefecendo o ar e a água (Michel, 1978).

No Egipto é chamado de jarro "maziara". Trata-se de um sistema natural de


arrefecimento e purificação da água usado nas áreas rurais do Alto Egipto. O maziara
é uma grande jarro cerâmico não vitrificado utilizado para manter fresca, durante o
dia, uma reserva de água. Como o jarro é poroso a água vai sendo escoada através
dele mantendo húmida a sua superfície exterior. Parte desta água é evaporada sendo o
restante guardado para beber. Alguns testes já efectuados demonstraram que a
passagem da água através das paredes do jarro contribui para a purificar a água de
poluentes e de microorganismos microscópios. A água dentro do jarro é mantida
fresca devido ao efeito da evaporação na sua superfície exterior. Esta evaporação é o
resultado da passagem da água do estado líquido ao estado de vapor. Este efeito chega
a absorver cerca de 580 calorias de energia por centímetro cúbico de água evaporada;
é este calor que é dissipado através dos poros do jarro que mantêm a água arrefecida
(Cain et al., 1976) (Figura 11).

Figura 11 - Unidade de arrefecimento montada numa janela em


Muscat, Oman, GolfoPérsico (Cain et al., 1976).
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No clima muito seco como o das terras do Alto Egipto, a taxa de arrefecimento do
jarro pode ser aumentada se este for colocado num local onde exista maior
movimento do ar.

Outro método de arrefecimento evaporativo utilizado desde os primeiros tempos do


Islão foi o "silsabils", em Fustat, no Iraque. O silsabils consiste num conjunto de
lajetas verticais colocadas nos locais de onde é tirada a água, formando cascatas. A
água é depois canalizada por uma circulação de água que atravessa o interior da casa e
terminando num tanque onde a água é armazenada (Figura 12). Este estreito fio de
água em circulação vai-se evaporando, diminuindo a temperatura ambiente e
aumentando a de humidade do ar.

Figura 12 - Planta, corte e vista de um silsabils numa casa do século XI, em Fustat,
Iraque (Badawy, 1958).
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A água em movimento têm um efeito de arrefecimento superior ao dos lagos


interiores, que necessitam de uma grande área para terem uma boa eficiência de
arrefecimento. Este princípio foi utilizado em casas do Cairo e de Damasco onde as
lajetas eram de mármore e se designavam de "shazirwans". Sendo colocadas no centro
da casa eram ligadas ao tanque por um longo canal que atingia cerca de 11 m de
comprimento. Estas lajetas de mármore eram cuidadosamente inclinadas, tal como no
silsabils, de modo a favorecerem um suave movimento da água através de todos os
compartimentos da casa. O silsabils corre através do pátio enquanto o shazirwans
surge do interior dos compartimentos.

Em climas de maior humidade como o da Argélia, os pátios interiores não possuem


fontes. No entanto, há sempre vegetação que reforça as condições de conforto dos
habitantes promovendo a sombra e o arrefecimento por evaporação. A maioria das
casas tinha jardins, especialmente em Marrocos, onde jardins requintadamente
decorados designados por "ryadhs" enchiam os palácios reais e as casas das classes
dominantes. Nos outros locais os pátios interiores tinham pelo menos uma pequena
árvore ou qualquer outra espécie de vegetação. Os pavimentos desses pátios eram, e
ainda são, regados com água pelo menos uma vez por dia, à tarde no Verão antes das
actividades sociais.

Cisternas de Água

Arrefecimento por evaporação directa foi usado em cisternas de água de modo a


manter arrefecida a água, para consumo no Verão, armazenada durante as noites frias
de Inverno. Estas cisternas, típicas da tradição iraniana, eram ventiladas e arrefecidas
por meio de torres de vento. A maior cisterna encontrada localiza-se em Yazd, Irão, e
tem cerca de 12 m de profundidade e 12 m de altura (Figura 13). Seis torres de vento
produzem uma ventilação que arrefece a água por evaporação natural. O ar, entrando
pelas aberturas de barlavento, arrefece a água e sai pelas aberturas de sotavento. As
cisternas de água são enterradas no solo para tirar partido das propriedades térmicas
deste. Com este método a água pode permanecer armazenada a temperaturas muito
abaixo das temperaturas do ar exterior. A cobertura, em forma de abóbada situada
sobre a cisterna, favorece o arrefecimento dado que a sua superfície, por ser superior à
de uma laje plana, promove a perda de calor por radiação, para a abóbada celeste,
durante a noite. Estas cisternas já não se encontram em funcionamento no Irão devido
a inconvenientes para a saúde.
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Figura 13 - Cisternas de Água da cidade de Yazd, Irão (Bahadori, 1978)

Arrefecimento Radiativo

Nos edifícios o processo radiativo consiste em dissipar o calor acumulado durante o


dia para a fria abóbada celeste através de um elemento radiante, geralmente a
cobertura. Depois de arrefecida por radiação para a abóbada celeste nocturna, a
cobertura actua como um armazenamento térmico: durante o dia absorve o calor do
espaço interior tornando-o assim mais fresco.

Durante uma noite de 10 horas o efeito de arrefecimento varia entre 44 e 88 watts ou


40 e 80 cal/cm2, em noites de céu limpo e sem nuvens com baixa humidade relativa
(Anderson, 1979).
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Figura 14 - Ciclos climáticos diurnos e nocturnos mostrando as perdas radiativas para


a abóbada celeste.

O pavimento do pátio interior oferece uma grande superfície exposta ao arrefecimento


por perdas radiativas para o céu durante a noite (figura 14). Durante o dia a terra sob
pátio bem como a cobertura actuam como reservatórios de calor recebendo esse calor
da radiação solar directa. Esta insolação directa, combinada com o efeito de
arrefecimento do ar acumulado nos compartimentos durante a noite, cria correntes de
ar convectivas através desses compartimentos cujas condições de conforto são assim
incrementadas. Durante a noite este calor é dissipado pelo efeito da radiação para a
fria abóbada celeste. O arrefecimento, produzido por um processo de radiação, é
depois absorvido pela elevada massa térmica do edifício e irá posteriormente manter a
casa arrefecida durante a maior parte do dia seguinte.

Outra alternativa menos comum é o conceito dos dois pátios interiores (Figura 15).
Um pátio é mais estreito e está ensombrado durante a maior parte do dia, portanto
mantém uma atmosfera fresca. O outro pátio interior é de maiores dimensões e está
aberto à radiação solar. A temperatura do ar apresenta valores diferentes em cada um
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dos pátios devido à densidade do ar. No pátio interior pequeno o ar é frio e mais
denso; no pátio interior grande o ar é quente e tende a subir. Se existirem aberturas
que façam a comunicação entre os dois pátios são geradas correntes de ar convectivas
devido a estas diferenças de pressão. Se essas aberturas forem bem desenhadas e
controladas possibilitam um agradável espaço de descanso. Por vezes são colocados
jarros de água porosos para incrementar a capacidade de arrefecimento. Nas casas
com este sistema os habitantes passam as horas mais quentes dos dias de Verão neste
espaço arrefecido entre os dois pátios (Cain et al., 1976).

Figura 15 - Movimento do ar induzido por convecção no sistema de arrefecimento


por dois pátio interiores (Cain et al., 1976)

Earth Cooling (arrefecimento da terra)


O Earth Cooling utiliza a massa térmica do terreno onde o edifício está implantado
como armazenamento de calor. Com esta estratégia é possível fornecer ao edifício
calor no Inverno e frio no Verão. As temperaturas sazonais do solo flutuam apenas até
à profundidade de 8 a 10 m; abaixo dessa profundidade a temperatura mantém-se
constante (Golany, 1983). Foram efectuados ensaios (Figura 16) que demonstraram
que no Verão nos climas áridos, a temperatura do solo a diferentes profundidades é
sempre mais fria que a temperatura do ar. O efeito contrário verifica-se no Outono e
no Inverno; por exemplo em Tempe, Ariz., em Dezembro, a temperatura do ar a uma
profundidade de 90" (2,30m) é superior cerca de 10ºC à temperatura do ar.
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Figura 16 - Ciclo completo das flutuações da temperatura do solo a


diferentes profundidades, no clima quente e seco de uma
zona árida, Tempe, Ariz.

Na Cappadocia, Turquia, milhares de residências, mosteiros, e igrejas foram


escavados da tufa (tipo de geologia do terreno desta região) nos últimos 2000 anos.
Muitos deles são ainda habitados devido ao conforto térmico que mantêm apesar das
condições extremas de calor e frio. Em Guadix, no Sul de Espanha, existem também
residências enterradas semelhantes. Aqui a comunidade cigana criou uma cidade
inteira enterrada com chaminés de vento e entradas de luz superior. Outros
assentamentos humanos semelhantes foram escavados na cidade de Lang na China e
alojam cerca de 20 milhões de habitantes. Estas residências enterradas, ao mesmo
tempo que protegem a população local das condições extremas de frio e calor, têm a
vantagem de se situarem sob os solos férteis necessários à produção de alimentos
(Bowen, 1981). Em Honnan, na China, as residências enterradas são agrupadas à volta
de fossos com a dimensão de um "court" de ténis com uma profundidade entre 8 e 9
m (Figura 17).
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Figura 17 - Residências enterradas na província de Honnan, China


(Viaro e Ziegler, 1983).

Escadas com forma de um "L" em planta conduzem a compartimentos com cerca de 9


por 5 m, e 8 m de altura (Rudofsky, 1964).

Estruturas subterrâneas de Matmata (Sul da Tunísia)

No extremo Sul da Tunísia, os Verões são muito quentes e os Invernos muito frios. O
vento Sirocco (vento muito forte que sopra de sudeste e sudoeste) trás consigo
grandes quantidades de poeira. Cerca de 20 Km a sudoeste de Gabes está situada,
numa região montanhosa, a aldeia de Matmata, onde uma população de berberes vive
em abrigos subterrâneas para se defender destas condições extremas de clima (Figuras
18 e 19).

Matmata foi construída por volta dos séculos X ou XI e na sua origem alojava cerca
de sete mil habitantes. Famílias alargadas faziam a sua vida à volta de pátios
escavados pelos homens. As dimensões desses pátios eram de aproximadamente 6 a
12 m de largura por 12 a 60 m de profundidade. Os compartimentos, dispostos
segundo um eixo longitudinal possuíam nestas construções os cantos arredondados e
estão geralmente bem isolados devido à espessa camada de terra que os envolve
(Petherbridge, 1976).
23

Figura 18 - Planta e Cortes de uma estrutura subterrânea de Matmata


(Ellouze, 1985).

A entrada para este abrigo faz-se através de um túnel inclinado, com rampa ou
escadas. Perto da entrada existe por vezes um quarto de hóspedes ou um
compartimento para animais. Os compartimentos do piso superior são onde se
concentram as actividades da vida do dia a dia, sendo as actividades sociais destinadas
ao pátio. No piso superior existem também celeiros e áreas de armazém. Esta unidade
de habitação expande-se de acordo com o número de compartimentos e pátios
escavados. Nesta tipologia as casas unem-se entre si por meio de túneis pertencendo o
conjunto geralmente a uma família alargada.

O efeito de arrefecimento consiste em capturar o frio através das crateras onde se


deposita durante a noite ar muito frio e denso e que também se espalha pelos
compartimentos anexos aos pátios. O sol não chega a atingir o interior dos
compartimentos devido à relação entre a largura e a altura do pátio. Só as partes
superiores deste recebem aquecimento do Sol, assim os habitantes vivendo alguns
metros abaixo desse nível não sentem o seu efeito. As tempestades de areia também
não atingem o chão do pátio.
24

Figura 19 Habitação subterrânea de Matmata (Gollany, 1985).

O compartimento enterrado das casa do Iraque

O "serdab" consiste em um ou mais compartimentos enterrados com aberturas para o


pátio através de pequenas aberturas na cobertura ou nas áreas superiores da paredes.
Encontram-se "serdabs" principalmente no Iraque, embora eles existam já desde os
tempos da babilónia. De acordo com descobertas em escavações compartimentos
deste tipo eram usados pelos oficiais como escritório durante o Verão muito quente
(Lezine, 1971).

No Kuwait foi demonstrado que a três metros de profundidade da superfície do solo,


pode ser mantida uma temperatura constante de 30 ºC, durante os meses de Abril a
Setembro, com ocorrência de temperaturas exteriores de aproximadamente 40ºC.

Quando a temperatura é mais quente a meio da tarde, o "serdab" é vulgarmente o local


onde se faz uma sesta por estar ao nível da terra e sendo o local mais arrefecido da
casa a esta hora do dia. O arrefecimento do "serdab" pode ser melhorado por
ventilação natural através de colectores de vento (Figura 20) e também através da
colocação de jarros na saída do ar precisamente por baixo do colector de vento, A
figura 21 mostra as diferenças de temperatura em diversos pisos de uma casa
iraquiana durante o dia.
25

Figura 20 - "Serdab" num casa Iraquiana (Al-Azzawi, 1969).


26

Figura 21 - Diagrama mostrando as diferenças de temperaturas entre os


diversos pisos de uma casa de pátio interior em Bagdade
(Warren e Fehti, 1982).

A Casa Pátio e as suas potencialidades de arrefecimento


A forma e o carácter da casa

Nos climas quentes e áridos do médio oriente Islâmico encontram-se muitos casos da
tipologia “Casa Pátio”. Porém, também é possível encontrá-los nos climas temperados
mediterrânicos do Sul da Europa, bem como em todo o Norte de África e nos países
do Golfo Pérsico. Desde Marrocos até à Índia a “casa pátio” apresenta-se com a
mesma configuração típica mas apresentando pequenas variações devidas a factores
culturais e de microclima. No mundo Árabe o pátio é o elemento central da casa e
gera um espaço íntimo que proporciona privacidade e segurança.

A “casa pátio” é uma herança da era pre-islâmica tendo-se tornado uma entidade
autónoma com o advento de uma nova sociedade. Escavações efectuadas por Sir
Leonard Wooley em 1927 na cidade de Ur, uma cidade mesoptâmica do século XX
A.C., mostram não existirem, nem ruas direitas nem passagem amplas, mas apenas
ruelas estreitas e ventosas e becos sem saída. As casas têm pátios interiores para os
quais se abrem todos os compartimentos das habitações (Figura 22).
27

Figura 22 - Área residencial e plantas de uma casa na cidade


mesoptâmica de Ur no século XX A. C. (Wooley, 1982)

A dimensão do pátio é determinada por questões de ordem social, tais como a


dimensão do agregado familiar ou a riqueza dos habitantes, e por razões de ordem
climática tais como a relação entre a altura e a largura de modo a que o pátio seja
totalmente sombreado durante o Verão. O pátio situa-se geralmente no piso térreo
mas em casos extremos pode situar-se no primeiro andar, como em Ghardaia ou Bem
Isguen, na Argélia, neste caso o compartimento sob o pátio possui uma uma pequena
abertura no tecto (Figura 23).

Figura 23 - "Casa Pátio" tradicional do Vale de Mzab, Argélia


(Didillon e Donnadieu, 1977)
28

Os compartimentos à volta do pátio posicionam-se em relação ao Sol e ao Vento de


modo a serem utilizados de Verão e de Inverno. Os restantes espaços são preenchidos
com escadas instalações sanitárias e arrumos. As casas maiores em vez de um pátio de
maiores dimensões incluem dois ou três pátios ligados entre si, de modo a que os
compartimentos à sua volta beneficiem de um sombreamento mais eficaz durante o
Verão.

A casa pátio tem uma elevada massa estrutural, mas com pequenas aberturas, ou
mesmo sem quaisquer aberturas para o exterior, a cobertura é plana de cor clara e é
também usada no Verão como local para dormir e para secar alimentos. Nos climas
quentes e áridos de condições mais extremas é frequente encontrar-se uma fonte ou
uma palmeira dentro de casa, que são consideradas como símbolos de vida.

Orientação

O princípio da “casa pátio” tem a qualidade de proteger o espaço privado e aberto dos
efeitos extremos da temperatura, de poeiras, e dos ventos que se fazem sentir fora do
povoado. Numa escala maior, as muralhas exteriores que muitas vezes envolvem as
povoações islâmicas têm a função de proteger os seus habitantes das difíceis
condições impostas pelo ambiente (Roberts, 1979). Um vista aérea da Medina de
Tunis (Figura 24) ou as aldeias de Mzab evidenciam este princípio cujas
características são bem visíveis: aqui todos os pátios são orientados segundo uma
direcção determinada.

Figura 24 - Orientação dos Pátios na Medina de Tunis. Repare-se a


orientação de 45º relativamente aos pontos cardeais
(Revault, 1968).
29

A orientação de um edifício num clima quente e árido é crítica dado que pode
verificar-se uma diferença de 3 ºC entre a melhor e a pior orientação. As paredes
voltadas para Este e Oeste são, depois da cobertura, os elementos construtivos que
recebem maior intensidade de radiação solar. Em face deste condicionamento, as
povoações tradicionais estão geralmente orientadas segundo um eixo Norte-Sul de
modo a que as Paredes Este e Oeste estejam encostadas e recebam pouca radiação
solar (Konya, 1980).

A maior parte dos pátios de "Medina" ou as partes antigas de Tunis estão orientados
de Nordeste para Sudoeste ou de Sudeste para Noroeste. Esta orientação de 45º
relativamente aos pontos cardeais permite um maior sombreamento no Verão,
exceptuo pelo meio dia, mas também permite uma maior exposição solar durante o
Inverno (Ellouze, 1985).

Devido ao facto de a altura ser superior à largura, o pátio interior é sempre sombreado
durante o Verão, excepto quando o Sol têm uma direcção vertical. As paredes mais
recuadas do pátio minimizam a superfície de exposição solar. A cobertura é a maior
fonte de absorção de calor solar, por isso é sombreada pelos parapeitos das paredes
que a circundam construídos também com objectivos de segurança e privacidade. De
modo semelhante as paredes exteriores são sombreadas pelo outro lado das ruas,
sempre estreitas.

Migrações Internas

O interior das habitações é grandemente afectado pelo clima, tal como a envolvente
exterior. As temperaturas variam no mesmo compartimento de acordo com a estação e
com as horas do dia, isto é de acordo com a posição relativa do Sol. Em consequência
deste fenómeno, os habitantes deslocam-se no interior das habitações à procura das
melhores condições de conforto. A este procedimento poderá chamar-se nomadismo
ou migração interna, quer se dê ao longo de um dia, quer se processe ao longo de uma
estação, quando certos compartimentos são usados durante o Inverno e não são
durante o Verão (Figura 25). Este tipo de nomadismo aparece muito evidente no
Iraque, na Síria e no Vale de Mzab, na Argélia. Durante o Verão verifica-se um
nomadismo diário quando os habitantes utilizam diferentes pisos da casa, passando a
maior parte do dia no primeiro andar, fazem a sesta no piso térreo e à noite dormem
na cobertura. Em Bagdad durante o Inverno, a família vive no primeiro andar, devido
à excessiva humidade do piso térreo e às baixas temperaturas que se verificam na
cobertura. A galeria exterior situada entre os compartimentos de habitação e o pátio é
utilizada como zona de dormir durante a Primavera e o Outono, quando já está muito
calor para se dormir no interior da casa, mas ainda está muito frio para se dormir na
cobertura.
30

Figura 25 - Nomadismo diário e durante Verão e Inverno em Ghardaia,


Argélia.

Se um compartimento de habitação for confortável durante uma estação ele pode


servir muitas funções e pode servir simultaneamente de sala de estar ou sala de jantar
durante o dia e de quarto durante a noite. Devido a este facto não existem
praticamente mobílias pesadas. Antes encontramos tapetes no chão, camas leves e
almofadas, com as funções de mobiliário.

A maior parte das actividades diárias exercem-se perto do piso térreo devido à sua
temperatura mais fresca. Este tipo de comportamentos difere bastante do típico modo
de vida ocidental, em que cada compartimento de habitação possui a sua própria
função e respectivo mobiliário.

Massa Térmica

Os climas quentes e secos são caracterizados por elevadas amplitudes térmicas


diárias. A resposta mais adequada a este tipo de climas é a de uma construção de
alvenarias pesadas. que amorteça a transmissão de calor entre o exterior e o interior.
No caso de se verificar um dia de Inverno com muito Sol, o espaço interior mantêm-
31

se aquecido durante a noite devido à transmissão de calor que se realiza das paredes
para o ar. Numa noite de Verão em que o ar exterior esteja a uma temperatura mais
fria do que o ar interior, poderão ser abertas as janelas de modo a manter uma
temperatura interior mais confortável. Ao mesmo tempo a massa do edifício é
refrescada pelas correntes de ar frio nocturno que será utilizado durante o dia quando
a temperatura exterior se situar a cima dos níveis de conforto.

As coberturas e as paredes são elementos através dos quais o calor pode penetrar. O
desempenho térmico da cobertura é fundamental dado que é a sua superfície
horizontal que recebe as maiores intensidades de radiação solar.

Os materiais e os tipos construtivos utilizados na casa devem ser cuidadosamente


escolhidos de modo a optimizar o fluxo de calor entre o edifício e o ambiente exterior.
No Médio Oriente a construção tradicional das paredes varia de região para região
consoante a disponibilidade dos materiais. A técnica consiste em construir com
alvenaria pesada o que demonstra o conhecimento dos construtores da região sobre o
comportamento térmico dos materiais. Nos materiais de alta capacidade térmica
utilizados incluem-se, tijolos de barro cru, adobe, lama, argila, pedra e diversas
combinações destes materiais (Figura 26). No passado histórico e em algumas regiões
a pedra foi usada apenas nas fundações ou ocasionalmente em toda a construção da
casa, noutras regiões as "casas pátio" foram construídas totalmente em estrutura de
madeira, incluindo o telhado, sendo os pavimentos e as paredes preenchidos com
argamassa.

Figura 26 - Comparação das temperaturas exteriores e interiores de uma


casa em adobe (Fitch e Branch, 1960).

No Iraque as paredes exteriores eram construídas no piso térreo com tijolos leves
cozidos de 24 a 40 cm de espessura, de modo a se verificasse um desfasamento de
tempo do efeito do calor proveniente da radiação no interior da casa. As paredes
interiores eram pintadas em cores claras de modo a promover uma maior reflexão e
32

iluminação interiores. O efeito de encandeamento era evitado apesar de a iluminação


se efectuar através de janelas localizadas em planos superiores ao da vista humana.

Experimentação e Medições
Os resultados obtidos nas medições que se apresentam de seguida fazem prova dos
efeitos de arrefecimento das tecnologias tradicionais utilizadas na arquitectura
vernácula.

As Casas Pátio em Colina, México.

Esta investigação foi desenvolvida por John Reynolds da Faculdade de Arquitectura


da Universidade de Oregon, Eugene (Reynolds, 1982). Foram analisadas 450 casas-
pátio seis das quais foram monitorizadas na cidade de Colina, México (Figura 27).
Esta cidade tem um clima de Inverno semelhante ao Verão da região Noroeste dos
Estados Unidos junto ao Oceano Pacífico. Este estudo da tipologia em pátio em
edifícios residenciais e comerciais foi realizado desde o fim de Outubro de 1981 até
ao fim de Janeiro de 1982.

Figura 27 - As seis casas-pátio monitorizadas e respectivas ruas


observando-se as variações de temperatura radiante
média, humidade relativa, temperatura húmida durante as
horas mais quentes numa 2ª-Feira, dia 21 de Dezembro.

As exigências de arrefecimento em Colina consistem na utilização de sombreamentos


solares, janelas abertas, massa térmica, e grande utilização de pátios interiores. A
grande maioria dos pátios têm plantas e fontes que criam uma atmosfera mais fresca
do que o quente ambiente exterior. As arcadas nos pátios têm a função de controlarem
a penetração da radiação solar.

Reynolds monitorizou os seis pátios interiores e analisou comparativamente


temperatura, humidade relativa e iluminação natural. A temperatura média nas horas
mais quentes do dia nas arcadas sombreadas que circundam o pátio era inferior em 2 a
33

4º C relativamente à temperatura na rua. As maiores diferenças foram observadas à


hora mais quente do início do tempo da tradicional "sesta".

Devido à elevada acumulação de frio - proveniente do ar - na massa térmica do


edifício, a humidade relativa ao meio-dia é sempre superior no pátio relativamente à
rua. Isto acontece mesmo em pátios sem água nem vegetação.

Teria sido mais vantajoso que a monitorização tivesse sido efectuada durante o Verão,
quando o arrefecimento natural é utilizado numa grande escala. O próprio Reynolds
fez perguntas que ficaram sem resposta: como se movimenta o ar no interior do pátio?
Será a existência de árvores realmente vantajosa no pátio? Sem ela poderia o
pavimento do pátio ter um efeito de radiação nocturna para a abóbada celeste mais
eficaz? Como se comportam estes pátios durante o Verão? Qual o efeito da ventilação
nocturna durante o Verão?

Reynolds conclui que existem muitos factores que podem promover o arrefecimento.
Cada um dos sistemas de arrefecimento actuando separadamente apenas contribui, de
forma pouco significativa, para melhorar as condições existentes. No entanto a sua
utilização conjugada transforma o pátio num espaço muito mais agradável.

Experiências com vasos de água: o Maziara.

Cain et. al (1976) implementou um sistema experimental para medir o desempenho do


Maziara (Figura 28). Os resultados das medições demonstraram que quando a
temperatura exterior varia entre 19º e 36ºC, a temperatura do Maziara permanece
constante a 20ºC. É surpreendente como, a 36ºC de temperatura exterior, a
temperatura da água do Maziara se mantêm tão baixa. A explicação deste fenómeno
deriva de que com o aumento da temperatura do ar exterior ao longo do dia dá-se uma
descida da humidade relativa. Assim à medida que o ar se torna mais seco a taxa de
evaporação tende a aumentar e também o efeito de arrefecimento. Num período de 16
horas de observação o Maziara produziu um arrefecimento de 1700 Kcal. Nas horas
mais quentes a taxa de arrefecimento observada foi de 192W. Em teoria, cinco a seis
jarros de água, com uma produção de 200W cada, seriam equivalentes a uma pequena
unidade mecânica de ar condicionado (de montagem em janela) de 1000 a 1200W
(Cain et al., 1976).
34

Figura 28 - Método experimental de avaliação do vaso de água,


Maziara.

Desempenho das Casa Pátio no Cairo e em Bagdade

Foram efectuadas algumas medições de temperaturas em casas-pátio no Cairo num


período de 24 horas durante os dias mais quentes do ano, que foram depois
comparados com temperaturas medidas nos mesmos períodos de tempo em
apartamentos dessa cidade.

Nour (1979) chamou a atenção para o facto de a temperatura interior do


compartimento principal de acesso numa casa-pátio ser inferior à temperatura em
qualquer compartimento de um apartamento moderno para um período de 24 horas.
Durante as primeiras horas da manhã e desde o meio-dia até à meia-noite os
apartamentos tradicionais revelam-se mais frescos 1 a 3ºC. A diferença entre a
temperatura do ar no tecto das casas-pátio e a temperatura interior do compartimento
principal de acesso é superior a 11ºC entre as 14:00 e as 16:00 Horas (Danby, 1984).

Nour também concluiu que a temperatura no pátio era inferior à da cobertura entre 4º
e 5ºC entre o meio-dia e as 16:00 horas e que geralmente era mais fresco durante um
período de 10-12h durante o dia. O pátio é arrefecido durante o dia devido ao facto de
o ar frio ser mais denso entrando na casa proveniente da rua por diferentes processos
de convecção que empurram o ar quente para cima sendo criado deste modo um ciclo
de arrefecimento entre a rua, o pátio e os compartimentos circundantes deste.

Nour esclarece que o pátio é apenas um factor entre outros que contribuem para
melhorar as condições de arrefecimento das habitações. Entre esses outros factores de
melhoria encontram-se o tipo de construção, a orientação de certas partes da
habitação, a disposição das aberturas, a utilização de colectores de vento, as fontes de
água e a vegetação existente no pátio.
35

Al Douri efectuou medições de temperatura no interior de uma casa de Bagdade. A


temperatura num pátio sem fonte (para um período de 24horas) era superior à
temperatura registada numa estação meteorológica num período de cinco dias em
Agosto. As temperaturas mais elevadas devem-se ao facto de a radiação solar ser
absorvida durante as horas mais quentes do dia. Isto prova que o pátio só por si não
fornece um arrefecimento adequado nos meses de Verão. Al Douri também efectuou
medições em cinco compartimentos diferentes, incluindo o serdab (compartimento
enterrado típico da casa tradicional iraquiana), de casa tradicionais de Bagdade.
Observou uma redução de 21% nas temperaturas máximas às 15:00horas no serdab
confirmando que ele é sempre o compartimento mais fresco da casa durante o Verão
(Danby, 1984).

A temperatura do ar e a humidade relativa foram registadas em serdabs sem


colectores de vento. Nos serdabs, sem colectores de vento, a temperatura variava entre
25º e 28ºC para uma humidade relativa de 40% a 55% durante o dia e de 60% a 65% à
noite. Nos serdabs com colectores de vento a temperatura variava entre 27ºC à meia-
noite e 32ºC durante a tarde com valores para a humidade relativa de 25% às
16:00horas até 35% às 2:00horas da manhã (Danby, 1984). Assim o colector de vento
parece desempenhar mais um papel de ventilação e desumidificação do que
propriamente de arrefecimento.

Conclusão

Muito pouca investigação tem sido feita com o objectivo de estudar o desempenho
das técnicas de arrefecimento passivo utilizadas na arquitectura tradicional. Esta
sistematização resulta da actual tendência da tecnologia para dar um grande ênfase a
sofisticados sistemas de ventilação e ar condicionado. Outra motivação para este
trabalho de investigação foi que nos países em desenvolvimento onde estas
tecnologias predominam a investigação é praticamente inexistente. O resultado tem
sido o de investigadores das universidades ocidentais com dificuldades em
conduzirem, monitorizarem, compilarem e interpretarem os dados serem enviados
para desenvolver os estudos.

Espera-se que os arquitectos dos países do Médio-Oriente comecem a redescobrir a


riqueza e as potencialidades da sua herança arquitectónica.-

Esta Investigação revelou a situação geral e os princípios, no entanto um programa de


investigação baseado em medições científicas do desempenho ambiental dos sistemas
tradicionais é uma necessidade urgente... Só então os arquitectos poderão
compreender na sua total amplitude para depois aplicarem na prática com confiança
os princípios ambientais da arquitectura tradicional islâmica às situações actuais.
36

Arquitectura Bioclimática e Climas Tropicais e Equatoriais de


Influência Marítima

João Mariz Graça, joao.mariz@netcabo.pt

Quando se fala em Arquitectura Bioclimática fala-se em arquitectura adaptada ao clima. Embora


para alguns este termo "Bioclimático" possa parecer um pouco desnecessário, porque no fundo toda a
arquitectura deveria ser adaptada ao clima, nem sempre esta preocupação está presente, como devia,
nos projectos de arquitectura. Assim, o termo bioclimático parece destinar-se a incomodar aquela
arquitectura em que os aspectos de adaptação ao clima são ignorados. Também parece útil esclarecer o
significado do prefixo "bio": ele pretende indicar que essa adaptação ao clima, se faz por processos
naturais e com o mínimo impacte negativo para a natureza. Porque há sempre possibilidade de corrigir
os erros cometidos em matéria conforto térmico, recorrendo a sistemas mecânicos - as consequências
fazem-se sentir depois nas "facturas energética e ambiental".

O termo de Arquitectura Bioclimática aparece pela primeira vez no livro dos irmãos Victor e Aladar
Olgyay com o nome "Design with Climate". Os irmãos Olgyay foram sem dúvida os primeiros teóricos
deste tipo de arquitectura (ou deste aspecto importante da arquitectura) como assinala Rafael Serra
Florensa no prefácio da recente edição espanhola deste extraordinário livro. "Quando em consequência
da crise de energia da década de setenta, se começou a investigar a relação entre arquitectura e
energia descobriu-se rapidamente um autor que, 20 anos antes já houvera aprofundado a interacção
entre os edifícios e o meio natural envolvente, postulando nos seus escritos como são e como deverão
ser as relações entre arquitectura e lugar, entre forma e clima, ou entre urbanismo e regionalismo..."1

Outra expressão que também se utiliza quando se trata destes assuntos é a de Tecnologias Solares
Passivas, a qual parece colocar uma ênfase maior em certo tipo de sistemas construtivos que recorrendo
a processos naturais e quando utilizados e aplicados de forma correcta promovem uma maior eficiência
energética dos edifícios.

Pessoalmente parece-me que a ênfase colocada nos sistemas poderá não ser tão rica como a colocada
na arquitectura. Isto porque por um lado a designação de solares passivos parece ser um pouco restrita
uma vez que está mais associada a sistemas de aquecimento a ser utilizados no Inverno e por outro,
pode fazer passar a ideia que a simples utilização dos tais sistemas solares passivos, resolve a questão
da adaptação ao clima dos edifícios. Efectivamente julgo que a utilização dos sistemas passivos pode
ser um grande contributo para o desempenho energético dos edifícios, porém também considero que
um conhecimento profundo dos fenómenos físicos de transmissão de calor conjugado com uma
experiência das relações dos edifícios com os fenómenos de conforto térmico pode conduzir a
resultados muito mais ricos em termos arquitectónicos e de conforto.

No entanto, considero a questão das razões que estão por trás destas designações bastante irrelevante. O
único interesse que pode ter o seu esclarecimento e debate é o de poder dar um pouco de luz sobre o
enquadramento que a prática da arquitectura bioclimática poderá ter no contexto mais lato da própria
arquitectura.

Os conceitos que aparecem mais vezes associados à arquitectura bioclimática são os de estratégias
bioclimáticas e de sistemas passivos (solares ou não). O conceito de arquitectura bioclimática deve
abarcar também outros sistemas naturais como por exemplo os de arrefecimento. A distinção entre
estratégia e sistema passivo parece-me importante porque a ela estão implícitas diferentes tipos de
abordagens. Coloca uma questão de metodologia relativamente à arquitectura bioclimática.

1
Olgyay, Victor; “Arquitectura y Clima – Manual de diseño Bioclimático para Arquitectos y
Urbanistas”, Gustavo Gili, Barcelona, 1998.
37

Uma estratégia bioclimática faz apenas referência a um fenómeno térmico porque deriva directamente
desse fenómeno - são exemplos de estratégias, as de ventilação, de arrefecimento evaporativo, de
promoção ou de restrição dos ganhos solares.
Um sistema passivo é já um dispositivo construtivo onde se podem conjugar um ou mais fenómenos de
transmissão de calor - são exemplos de sistemas as paredes de Trombe, as estufas, os átrios, as parede
de água. Ou; evocando a Arquitectura Árabe (já apresentada em números anteriores desta revista) e
cuja enorme riqueza bioclimática foi aí demonstrada; temos sistemas como as torres e os colectores de
vento, os “serdabs”, os pátios, as “maziaras”, entre outros.

Caminhando do geral para o particular, existem depois os casos e exemplos de tipologias concretas
onde foram utilizadas certas estratégias bioclimáticas e/ou sistemas passivos cujo desempenho já foi
devidamente avaliado e servem de referência para materializar a arquitectura bioclimática em casos
concretos. É também o caso da arquitectura popular onde encontramos bons exemplos dos quais
podemos tirar importantes lições, sendo os casos mais evidentes os dos climas de condições extremas.

O desempenho de certos sistemas de aquecimento passivo, como o ganho directo, a parede de Trombe,
a estufa, entre outros, encontra-se amplamente investigado. A maior necessidade na utilização destes
sistemas por parte dos países do Norte do planeta, que são também os de maior potencial, tecnológico
motivou uma maior preocupação por parte das entidades científicas, existindo assim numerosos
métodos de cálculo que estimam o contributo energético destes sistemas, quer de uma forma mais ou
menos simplificada, quer de uma forma extremamente detalhada. Infelizmente o desempenho de certos
sistemas de arrefecimento passivo não está tratado a nível do conhecimento teórico com o mesmo
rigor. Sabe-se que são bons, que resultam, que são os mais adequados para certas regiões e para certos
climas, porém não há métodos de cálculo capazes de quantificar os seus efeitos energéticos na prática.
A supressão desta carência ajudaria sem dúvida imenso na sua disseminação de uma forma correcta.

Para ilustrar estas afirmações apresentam-se seguidamente os princípios ou estratégias mais


aconselháveis para climas tropicais e equatoriais de influência marítima.

A arquitectura bioclimática em regiões de climas tropicais e


equatoriais de influência marítima.
O diagrama psicrométrico de Baruch Givoni (Figura 1) fornece a primeira indicação das estratégias
mais adequadas para um determinado clima. As ordenadas e abcissas deste diagrama representam
respectivamente a temperatura seca e a humidade absoluta do ar. Nela se representam também curvas
de humidade relativa constante, temperatura húmida e entalpia. O registo das ocorrências do estado do
ar num determinado local (valores extremos e/ou médios) dá uma ideia do tipo de clima que se trata.
Givoni delimitou no diagrama zonas que caracterizam climas e relacionou-os com estratégias
bioclimáticas apropriadas.

Quando a mancha do registo dos estados do ar se situa no interior da área representada na figura 1 a
cinzento é porque o clima é muito quente e húmido e caracteriza-se do seguinte modo:
⎯ temperaturas efectivas superiores a 25,6°C (78°F);
⎯ volume específico do ar inferior a 1,128Kg/m3 (0,0704lb/ft3);
⎯ humidade relativa inferior a 80 % e superior a 20% e;
⎯ temperatura seca inferior a 31,9°C (89,5°F).

Givoni identifica dois casos: Clima Equatorial Marítimo e Clima Tropical Marítimo:

“No Clima Equatorial Marítimo – situado nas zonas equatoriais da América e da


África – as temperaturas são altas e seguem um padrão muito constante ao longo do
ano. A temperatura média anual é de cerca de 27°C e a amplitude térmica mensal vai
de 1 a 3°C. Por outro lado a amplitude térmica diária é de aproximadamente 8°C. A
Humidade e a precipitação são elevadas durante todo o ano e a precipitação diária
apresenta-se de forma regular nos diferentes locais. No clima Tropical Marítimo,
temperaturas e humidades são semelhantes às das regiões equatoriais, porém, os
38

ventos têm características diferentes. Em contraste com a calma dos climas


equatoriais as regiões tropicais são afectadas por ventos alísios que se tornam
húmidos ao atravessar os oceanos, dando origem a chuvas quando atingem o
continente. Tempestades são frequentes nestes locais.

Requisitos de conforto térmico: A predominância de níveis de humidade relativa


muito altos impõe a necessidade de uma velocidade de ar adequada a promover uma
transpiração eficiente e a evitar, na medida do possível, o desconforto produzido pela
humidade na roupa e na pele. Ventilação contínua é assim o requisito mais
importante para o conforto afectando todos os aspectos do design do edifício, tais
como, orientação tamanho e localização das janelas, forma envolvente exterior.

Princípios do desenho de Edifícios – resumindo, os requisitos que devem ser


satisfeitos pelo design e pela construção de um edifício num clima quente e húmido
são os seguintes: promover continuamente uma ventilação eficiente; protecção do
sol, chuva e dos mosquitos; prevenir o aumento da temperatura interior do edifício
durante o dia”.2

Observa-se assim que em casos extremos de climas tropicais e equatoriais as habitações devem ter
grandes ensombramentos, serem de inércia fraca (materiais leves) e permitirem a franca ventilação
(muitas vezes não deve haver sequer janelas envidraçadas).

Figura 1 – A mancha verde corresponde à zona de conforto humano em que a


arquitectura não precisa de cuidados especiais. A área cinzenta corresponde
a climas tropicais e equatoriais onde o conforto deve ser obtido por processos
de ventilação3.

2
Baruch Givoni, “Man Climate & Architecture”, Applied Science Publishers, 2nd Edition London
1976.
3
Diagrama psicrométrico obtido a partir de:
Watson, Donald and Labs, Kenneth. "Climatic Design. Energy Efficient Building Principles and
Pratices".
39

Figura 2 - Casas Típicas em Timor Lorosae. Observe-se a preocupação na


adaptação ao clima. Telhados muito inclinados por causa da
ocorrência de grandes chuvas. Materiais construtivos de Inércia Leve
e grandes vãos totalmente abertos para promover a franca
ventilação.
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Figura 3 - Aeroporto de Punta Cana [República Dominicana] – Observem-se os


mesmos princípios inércia fraca (materiais leves) e grandes
aberturas não envidraçadas que promovem a franca ventilação.

Nestes climas, com elevados valores de temperatura e humidade relativa, a reacção natural do corpo é
dissipar o excesso de calor latente através do suor. A mais pequena aragem ou movimento de ar produz
um efeito de conforto. Isto deve-se ao facto de a água no estado líquido, para evaporar, absorver calor
do nosso corpo. É aquela sensação de arrefecimento que todos conhecemos quando o vento atravessa o
nosso corpo molhado.

COMPARANDO COM A ARQUITECTURA ÁRABE


Nos climas quentes e secos a temperatura do ar é muito mais elevada, por isso os grandes
movimentos do ar não são adequados. Em poucos segundos transformariam a
temperatura interior para os valores exteriores. Utilizam-se aqui estratégias de pequenas
velocidades do ar. A ideia é promover uma estratificação de modo a seleccionar-se o ar
sempre mais denso e fresco que fica no interior libertando-se o ar mais quente por janelas
superiores. O ar é arrefecido no interior das casas por contacto com paredes arrefecidas
de noite e por evaporação da água.
Pelo contrário nos climas que agora estamos a analisar requer-se que não seja armazenado calor nos
elementos construtivos do edifício e que o ar em movimento refresque o corpo dissipando o vapor da
transpiração.

Assim, a grande diferença entre arquitectura bioclimática de regiões tropicais húmidas e a das
regiões quentes e secas (Arquitectura Árabe) prende-se com as velocidades de ar que devem ser
promovidas e com os níveis de inércia térmica que deve possuir a construção.
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CONCLUSÕES
Não é necessário que a adaptação ao clima da arquitectura nestas regiões se faça segundo determinados
formalismos e materiais conforme exemplos das figuras 2 e 3. Outras formas são possíveis e igualmente
adequadas assim como outros materiais construtivos podem surtir os mesmos efeitos. As únicas exigências
prendem-se com certas estratégias e princípios, que se enunciam de seguida: O edifício deve ter inércia
fraca, promover a franca ventilação e possuir ensombramentos de molde a criar diferenças de pressão que
induzam movimentos do ar.

A arquitectura bioclimática pode portanto assumir todos os tipos de edifícios bem como todos os
estilos arquitectónicos. Assim como a arquitectura bioclimática não poderá ter um estilo próprio ou
ser conotada com qualquer tipo de formalismo.

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