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RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o filme de voyeurismo através do longa-metragem “As
virgens suicidas”, de Sofia Coppola, mostrando o desenvolvimento de tal gênero na
cinematografia até a era contemporânea, a inserção do conceito de opressão à temática,
passando pelas características da cineasta e a maneira a qual ela retrata o assunto na obra,
estética e narrativamente, com ênfase nas marcas voyeuristas no filme.
1) INTRODUÇÃO
O ato de ver sem ser visto, conhecido como voyeurismo, está na essência da linguagem
cinematográfica desde seus primórdios, na atitude do espectador em observar as situações
vividas por um personagem numa história. De acordo com Machado (2011), esse desejo de
observar ações privadas de outras pessoas gerou, no primeiro cinema, um dos gêneros
fílmicos mais populares, o filme voyeurista, que consistia na escopofilia, ou seja, o erotismo
do olhar, causando grande sucesso nas bilheterias do final do século XIX e início do século
XX. Tal estilo primeiramente simples foi sendo aperfeiçoado, ganhou maturidade estética e
narrativa nos primeiros anos da cinematografia, passou pelo período de afirmação da
linguagem, foi utilizado com êxito pelos cinemas clássico e moderno, e também refletiu na
era contemporânea da sétima arte.
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Trabalho realizado para a disciplina de Teorias da Comunicação – Perspectivas Contemporâneas, do segundo
semestre de 2014.
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Estudante do 3º semestre do Curso de Comunicação Social – Cinema e Audiovisual da UFES.
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Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Comunicação Social da UFES.
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Dentro do cinema contemporâneo, o voyeurismo foi retomado com sua base antiga, mas com
uma linguagem estética e narrativa diferentes à primeira fase da cinematografia, carregando
uma liberdade maior de criação e trazendo aos filmes que o possuem como tema mais
originalidade. Devido à complexidade de formas e possibilidades da era contemporânea, o ato
de observar sem ser observado não é o único assunto nos filmes que o retratam: outras
questões são colocadas para complementar a temática e acrescentar a ela mais vivacidade e
chance de questionamento. Dentro dessa etapa fílmica, o longa-metragem “As Virgens
Suicidas”, de Sofia Coppola, traz como base a escopofilia, sendo um destaque dessa categoria
cinematográfica no cinema pós-moderno ao abrigar tal questão e agregar novos assuntos a ela,
sob uma técnica e enredo diferentes dos moldes clássicos.
Para chegar a essa análise do gênero voyeurista no filme de Coppola, primeiramente é preciso
passar por um contexto histórico do voyeurismo e sua presença no cinema, seguindo pelos
conceitos de opressão e controle do corpo, questão que acompanha a obra em seu enredo
baseado no prazer em espionar, e por último pelas características estéticas e narrativas da
diretora do longa-metragem. Esses são os pontos principais de condução ao estudo do gênero
citado anteriormente sob outro olhar cinematográfico.
A arte cinematográfica já traz em si o ato de observar sem ser observado a partir do momento
em que o espectador vai à frente das telas com o desejo de ver a vida e a realidade do outro
retratada no filme. As primeiras imagens em movimento, de vista individual, eram
basicamente voyeuristas, já que consistiam na observância de uma ação aparentemente
escondida e de impossível visualidade em condições naturais, e essa forma de exibição
resultou, nas grandes projeções, no filme de voyeurismo dentro do primeiro cinema, com
temáticas que evocavam o erotismo do olhar em grande parte das obras dos quinze anos
iniciais da cinematografia.
Esse gênero se destacou por desenvolver uma nova maneira de narrar uma história, com o
olhar subjetivoe a aproximação da câmera, esta última novidade usada como um artifício
erótico que tirava o público do comodismo, aproximando-o do personagem fílmico. Para que
o espectador entendesse a proximidade do quadro com naturalidade, “uma máscara circular
negra sugeria o dispositivo de ampliação” (MACHADO, 2011, p. 117), e o filme “As
seenthrough a telescope” (George Albert Smith, 1900) foi inaugural nessas inovações tragas
pela vertente voyeurista ao inserir o plano subjetivo como olhar do observador e ao colocar
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um primeiro plano como indicativo de proximidade. Essa alternância entre tomadas subjetiva
e objetiva é a base do voyeurismo, principalmente em sua etapa inicial, onde também era de
costume a punição do voyeur como finalização.
Posteriormente, tal estilo começou a amadurecer ao tirar a máscara negra para indicar
ampliação nos planos mais próximos, devido aos diretores dos filmes chegarem à conclusão
de que os espectadores já entendiam o significado dos enquadramentos aproximados e
acharem que não era mais necessário colocar algo que gerasse esse entendimento. Essa
mudança, assim como as seguintes, foi feita aos poucos para não causar espanto no público,
com obras como “The gay shoeclerk” (Edwin S. Porter, 1903) se destacando nesse primeiro
aperfeiçoamento.
Por ter surgido numa fase bastante primitiva da sétima arte, o voyeurismo ainda carregava
uma falta de espontaneidade ao transitar entre os planos: devido ao não conhecimento da
época sobre campo e contracampo, hoje filmados com obliquidade, os quadros mais próximos
não tinham uma continuidade do espaço como a conhecida atualmente e popularizada pelo
cinema clássico, o que fazia com que os personagens fossem mostrados frontalmente na visão
subjetiva. Na época, as regras de seguimento à maneira gerada pelo desenvolvimento da
linguagem que conhecemos hoje não existiam ainda (MACHADO, 2011), e a busca de uma
coerência espacial, narrativa e na construção fílmica geral passou a ser um objetivo maior,
com cada filme do gênero trazendo um avanço nesses quesitos.
Em relação às inovações que vinham surgindo, “The story the Biograph told” (Biograph,
1904) é notório ao utilizar uma transição de um plano conjunto para um detalhe de um beijo
sem usar indicativos de aproximação, além de realizar um deslocamento de câmera, alterando
o ponto de vista. Junto ao anterior, “A search for evidence” (Biograph, 1903) é o que mais se
destaca no que diz respeito à maturidade técnica, já que coloca o olhar do voyeur em função
do enredo, e não como simples diversão. Nesses dois filmes, há uma inversão da finalização
das obras voyeuristas de antes: quem passa a ser punido é o observado, que realiza atitudes
incorretas. Esse desfecho acrescenta uma função moralista ao gênero, e quem os produziu foi
a Biograph, produtora que futuramente irá realizar outras obras desse estilo com mais
coerência estética e de enredo.
O filme de voyeurismo se torna presente, em seguida, nas peças fílmicas de Griffith, pai da
linguagem cinematográfica do início do cinema, e o ato de observar já se encontra, nas suas
produções, totalmente inserido numa complexidade narrativa maior. “A câmera está agora a
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serviço da narração, ela é testemunha dos fatos arrolados na história, ela os expõe e os
interliga, ela extrai dos fatos a sua ‘verdade’” (MACHADO, 2011, p. 125). Com o
desenvolvimento da sétima arte, o gênero ganha mais prudência nas questões estéticas e de
enredo, e se torna, no cinema clássico, tema de um longa-metragem bastante aclamado,
“Janela Indiscreta”, de 1954 e dirigido por Alfred Hitchcock. Na história, é o ato de observar
do protagonista que conduz a trama e gera o desequilíbrio inicial que leva ao grande clímax e
ao fim com a punição do criminoso observado, e os planos criados e desenvolvidos pela
vertente voyeurista estão presentes em todo o filme, colocando o espectador no olhar do
personagem e conduzindo o enredo através da situação de escopofilia.Mais tarde, a temática
chega a filmes considerados modernos, como “A tortura do medo”, de 1960 e dirigido por
Michael Powell, e “BlowUp”, de 1966 e dirigido por Michelangelo Antonioni, e cai na era
contemporânea da cinematografia ao ser retratado em “Não amarás”, de 1988 e dirigido por
KrzysztofKiéslowski, e “As virgens suicidas”, de 1999 e dirigido por Sofia Coppola.
Os enredos voyeuristas dessa fase mais moderna e contemporânea trazem novas questões
mescladas ao ato de observação, o que acrescenta novas formas de interpretação, e no filme
de Coppola, objeto de estudo deste artigo, nota-se que em toda a história, a situação de
observância à qual as protagonistas se encontram se mescla à opressãoe ao controle que elas
sofrem em relação ao corpo, e esse ponto precisa ser analisado para que haja uma abordagem
completa do voyeurismo na obra.
3)OPRESSÃO E CONTROLE
Para entender melhor a noção de controle, é necessário saber o porquê da dominação presente
na sociedade. Segundo Foucault sobre o corpo (1979, p. 231), “Vivemos numa sociedade que
[...] produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que
detêm por este motivo poderes específicos”, e por isso acabam sendo postos na mente das
pessoas como princípio pleno e incontestável, exercendo controle sobre a vida delas. Um
assunto sempre controlado e vigiado de perto no corpo social é o sexo, principalmente quando
diz respeito a crianças e adolescentes, fases em que as opiniões acerca do corpo são formadas.
Partindo de uma análise do domínio sexual ao qual os mais novos são submetidos, no século
XVIII a masturbação infantil ganhou ênfase ao ser reprimida ao extremo, sendo considerada
um mal terrível e comprometedor, já que, para os adultos, a criança era o futuro da sociedade
e o importante era trazê-la a uma perfeição moral de acordo com os moldes pré-definidos. O
conhecimento que os pequenos começavam a ter sobre seus instintos sexuais representava um
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poder que eles possuíam sobre si, portanto era uma ameaça às verdades plenas e controladoras
do grupo social, e por isso a sexualidade infanto-juvenil virou alvo de domínio e opressão,
causando a falta de entendimento do sexo pelos indivíduos mais jovens, o que levou as
gerações seguintes a adotarem a mesma linha de ensinamento, calando e perseguindo
quaisquer ações e questionamentos sexuais das crianças e adolescentes, e essa omissão de tal
assunto acontece até os dias atuais, na sociedade contemporânea.
Uma forma eficaz de autoridade e poderio têm como resultado a dominação de certa classe, a
manutenção dessa proibição e a sua reprodução, e o que causou esse domínio ao sexo desde
séculos atrás até a atualidade foi a imposição de comportamentos e normas aos indivíduos e a
seus corpos, através de uma teia de relações de poder mais ou menos pré-definidas e
predestinadas cujas formas de opressão se encontram das pequenas relações de dominação até
as menores formas de soberania. O controle à sexualidade não se limita somente ao ato, mas
aos órgãos, ao corpo, aos desejos, às relações (FOUCAULT, 1979), a tudo que o envolve, e
por detrás desse controle antigo, o que é repreendido se faz presente em sua forma mais
espontânea e viva, no desejo sexual genuíno e fresco, e é nesse anseio que surge a vontade de
resistência ao domínio.
A resistência e o poder caminham juntos, coexistem no mesmo tempo, e um não vem antes do
outro, logo, quando se cria uma relação de controle através do poder, a possibilidade de
resistir ao mesmo também é criada. Dentro do ser humano, há sempre uma luta entre duas
vertentes opostas presentes na mente (FOUCAULT, 1979), e no sexo, a “liberação sexual”
segue essa linha ao acontecer a partir de atitudes afirmativas vindas do sentimento sexual
interno ao qual o indivíduo está preso, chegando a seu limite, e simultaneamente se libertando
desse mesmo sentimento e ultrapassando-o. O ato de resistir ao controle imposto à
sexualidade consiste em partir do próprio dispositivo do sexo para alcançar a libertação,
usando o poder e a oposição a ele.
Nascida na cidade de Nova York em 1971, a diretora é filha do premiado cineasta Francis
Ford Coppola e de Eleanor Coppola, é criadora de cinco longas-metragens, além de dois
curtas, e foi a primeira mulher norte-americana a receber uma indicação ao Óscar de melhor
direção por “Encontros e desencontros” (2003), obra pela qual levou a estatueta de melhor
roteiro original. Ligada não só ao cinema, mas à televisão, à moda, à música e à fotografia, e
criada em meio a grandes nomes da arte, Sofia Coppola traz, em sua obra fílmica, elementos
estéticos referentes a várias vertentes artísticas, como a pop art, o renascentismo e
movimentos vanguardistas como o cubismo, em seu enredo e estética.
As histórias de Coppola permeiam o universo de solidão vivido pelo ser humano, destacando
nos protagonistasa melancolia e o estado tedioso nos quais eles se encontram, com
umaaceitação à situação e uma tentativa de sair dessa condição, e utilizando para expor esse
estado solitário um meio que é uma de suas principais marcas narrativas: o cotidiano, presente
em todos os seus filmes. É nessa apresentação do banal que a diretora traça seu estilo, ao
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mostrar ao espectador o que geralmente não é mostrado, um momento onde nada de mais
acontece, analisando muitas vezes os personagens a partir dessas ocasiões, e também ao criar
finais com conclusões em aberto ou sem desfechos felizes, proporcionando ao público a
oportunidade de imaginar o que pode ter acontecido e retratando em seus enredos a realidade
da sociedade contemporânea.
Nas realizações da cineasta, de acordo com Contreras (2009, p. 21), “se aprecia a vontade de
romper com uma maneira tradicional de filmar, a maneira ‘clássica’ ou ‘transparente’ do
cinema clássico hollywoodiano”, e essa ruptura ocorre, além do enredo, através das técnicas
postas em suas obras. Em seus filmes, destaca-se a inserção de outros formatos audiovisuais,
como o videoclipe e o spot publicitário, além da recriação e referência a grandes obras de arte
e a períodos das artes visuais como o cubismo e a “pop art”, o que se deve à sua ligação com
diferentes formatos artísticos. Também é notável nas obras de Coppola uma estética mais
contemplativa e intimista, com planos de duração longa, muitas vezes fixos e retratando em
alguns momentos a visão subjetiva, dando a ideia de contemplação e reflexão dos
personagens. Essa ideia também é insinuada pela trilha sonora (RIBEIRO, 2014), utilizada
como um elemento narrativo essencial para complementar a história como algo decisivo e não
somente como um artifício técnico. Outra característica presente na cinematografia da diretora
é a colocação de duas visões aparentemente opostas do ser humano: a fantasia, demonstrada
pela “magia” do cinema e realçando a diversão, e a realidade, retratada no cotidiano e na
vivência dos indivíduos.
Sofia Coppola busca, em sua filmografia, colocar o espectador numa certa aproximação e
empatia com a história apresentada e ao mesmo tempo distanciá-lo da mesma através de sua
estética dessemelhante a formas anteriores, além de exibir conceitos da cultura pop, de massa,
com um olhar mais aprofundado e misturar linguagens, reforçando a ideia de que a sétima arte
está num jogo entre o tradicional e o moderno. Com seus filmes, ela pretende mostrar ao
público o espetáculo que é o cinema e simultaneamente expor aspectos da condição humana
presentes em toda a sociedade. Dentre suas obras, “As Virgens Suicidas”, primeiro longa-
metragem de sua carreira, é o objeto de estudo para pensar nas marcas contemporâneas da
diretora, nos conceitos de opressão e controle sociais, caindo por último na temática
voyeurista, que está presente em todo a história, narrativamente e esteticamente, abrigando
novas formas de representar o ato de observar.
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Lançado em 1999, o primeiro filme de maior duração de Coppola conta a história da família
Lisbon, que vive no subúrbio de Michigan nos anos 70 e é composta pelos pais e cinco irmãs
adolescentes, que são educadas de forma rigorosa e conservadora e alvo dos olhares dos
vizinhos jovens que as observam desejosos constantemente. A obra é marcada pela narração
de um dos ‘voyeurs’ 25 após os acontecimentos apresentados, e tem como ponto de partida a
tentativa de suicídio de Cecilia, a mais nova, retratando o cotidiano posterior a esse fato na
família e na vizinhança até o ato de suicídio de todas as outras irmãs,num ambiente carregado
de opressão e voyeurismo com uma estética que marca esses conceitos de uma maneira
própria da diretora.
A opressão que permeia todo o filme já vem no início, quando Cecilia se consulta com o
médico após tentar se suicidar e ouve-se um som constante de ponteiros de relógio na sala
sugerindo um controle à vida da garota, e é mostrada pela primeira vez de forma direta no
jantar em família com a presença de um garoto convidado:por Lux ter vestido uma blusa que
mostra seu colo e ombros, a Sra. Lisbon a adverte, mandando-a colocar um casaco. O domínio
excessivo dos pais sobre as garotas gera nelas o distanciamento em relação às pessoas
próximas, o que acontece na festa que precede a morte da caçula, instante em que as irmãs se
inibem diante dos vizinhos convidados, e as atitudes das meninas ao estarem na presença da
matriarca, com expressões corporais cabisbaixas e posturas submissas durante todas as cenas
em que estão com ela reforça o sistema opressor em que vivem. Esse sistema é expresso na
visita de Trip à casa da família protagonista, onde todos assistem à televisão e a Sra. Lisbon o
impede de sentar perto da filha, ficando no meio dos dois e não permitindo nenhuma interação
entre o casal, e as sequências que precedem o baile, com as adolescentes comprando tecidos,
se arrumando e os garotos buscando-as em casa refletem a dominação do corpo delas pelos
seus progenitores ao mostraro controlena escolha dos tecidos na hora da compra, os vestidos
de festa semelhantes a túnicas que elas usam e a rigidez das regras impostas aos pares das
filhas pelo casal.
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Diante do domínio, Lux é quem enfrenta a mãe e a questiona, além de lutar contra o castigo
indo para o telhado de casa fumar e encontrar com rapazes e liderar a última tentativa de
resistir às atitudes forçadas dos pais: o suicídio coletivo das quatro irmãs, ato que mostra a
tentativa das jovens de se libertarem da opressão constante à qual são submetidas, opressão
que só aumenta durante a história. Dentro do enredo, é o controle e a dominação sofridos
pelas garotas que as fazem ser alvo do interesse dos vizinhos e objetos de observação,
causando o voyeurismo dos garotos em relação a elas, prática presente desde o início da obra
e que é fundamental para o seu desfecho.
adultos, que em suas casas analisam a situação vivida por aquela família, e nos primeiros
minutos um enquadramento aparentemente da visão de uma das vizinhas conversando com
alguém sobre os Lisbon enquanto os observa entrar confirma novamente a estética do filme de
voyeurismo.
Os atos cotidianos das garotas como sair para a escola e ficar na porta de casa conversando
leva os garotos à observação distanciada e desejosa em relação às irmãs, e o momento em que
os voyeurs têm contato físico direto com elas, na festa em que a caçula se mata, nota-se um
distanciamento por parte deles, que se inibem diante dos seus objetos de desejo, mostrando
que o voyeurismo se concentra mais ao erotismo do olhar distante e não à realização da
vontade. No jantar com a presença do rapaz convidado, essa inibição também é manifestada
no momento em que ele vai até o banheiro das meninas, contempla o espaço de maneira
apreensiva, observando os objetos íntimos delas, cheira o batom de Lux e se assusta quando é
surpreendido pela moça, indo embora rapidamente.
A obsessão dos garotos pelas irmãs através da observação constante era intensa ao ponto de
eles enxergarem as personagens em diversos lugares, e à medida que se aumenta a opressão
dos pais sobre elas, maior se torna o desejo dos voyeurs em espiar a vida das meninas. Diante
do primeiro suicídio, os rapazes se sentem mais seduzidos a saber sobre a vida daquela
família, e o isolamento total após o baile realça as adolescentes como alvo de vigilância deles,
que passam a observá-las pelo telescópio, com a personagem de Dunst como principal objeto
devido a suas escapadas no telhado da casa. É a observação contínua que leva as Lisbon a
pedirem ajuda, tentando manter um contato com os seus espectadores, e é por saberem da
postura voyeurista dos observadores que elas planejam uma escapatória à situação opressiva
que vivem, contando com o auxílio dos seus vizinhos, que respondem ao pedido e se
preparam para socorrê-las, e que por fim descobrem que a fuga se revela como algo
inesperado: o suicídio das quatro moças. Após a tragédia, o narrador diz ao final da história
que eles demoraram a esquecê-las e ainda se questionavam sobre o ocorrido, o que representa
uma eternização do objeto de desejo dos ‘voyeurs’.
No enredo, a diretora realiza uma mistura entre características clássicas do cinema voyeuristae
novas formas de mostrar o desejo de observar para criar um filme de voyeurismo referente ao
antigo com uma carga de marcas próprias, que dão mais originalidade a tal gênero.
A situação das irmãs Lisbon como pessoas que mesmo próximas são inalcançáveis já traz um
aspecto presente nos alvos deespionagem das narrativas do período mais antigo do gênero, e
segundo Carolina Andrea Diaz Contreras (2009), as garotas não possuem muitas falas,
trazendo em si a força predominante da imagem, atributo de um observado clássico. O uso
dos planos na primeira cena que retrata a visão dos garotos indica a subjetividade do olhar
deles, referindo-se à técnica dos quadros subjetivos popularizada pelo filme voyeurista, e no
momento em que um dos vizinhos observa Lux na escola há novamente o uso dessa
alternância entre tomadas objetiva e subjetiva, o que se repete enquanto os meninos observam
a mesma no telhado, momenta em que ocorre a inserção da máscara circular negra indicando
uma aproximação causada pelo telescópio de um dos observadores, forma de visualização que
também carrega um traço do cinema de escopofilia. Os primeiros planos da personagem de
Dunst nos instantes de observação dos voyeurs e nas fantasias de Trip fazem uma referência
clara à aplicação dos enquadramentos de detalhes que colocavam o público na mesma
situação de vista dos que vigiavam seus objetos nos enredos clássicos, e essa sedução causada
pelo plano detalhe é mostrada na visita de Trip aos Lisbon, quando sua pretendente roça o pé
na mesinha para impressioná-lo e é usado um quadro aproximado dessa ação detalhada para
intensificar o efeito dessa execução sobre o rapaz.
Após o isolamento total imposto pelos senhores Lisbon, os garotos passam a ver as vizinhas
com menos frequência, o que os leva à criação de novas maneiras de espiar a vida delas: a
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primeira é colecionando fotos e utensílios diversos das meninas, passando pela compra de
revistas iguais as compradas pelas irmãs quando estão trancafiadas, fantasiando viagens com
elas por vários lugares de mundo. A comunicação que os meninos fazem com as adolescentes
através de músicas mandadas por telefonema é a ultima forma voyeurista modificada utilizada
na obra, e é fundamental para o pedido de socorro das observadas, já que elas aproveitam da
percepção dos vizinhos sobre elas para planejar a suposta fuga de casa, e ao chegarem à casa
da família protagonista para por em prática o plano, é mostrada a última fantasia dos
‘voyeurs’ com as moças por meio de planos abertos e iluminados deles fugindo juntos de
carro numa estrada, representando o que eles desejavam.
O fechamento do enredo, com os vizinhos indo ajudar as irmãs na escapatória e o suicídio das
quatro, também mistura as marcas clássicas e as de Coppola da escopofilia no filme ao
retratar a ajuda do observador ao observado que sofre perigo, aspecto do cinema voyeurista
desde seu amadurecimento, e ao colocar uma nova visão à punição sofrida pelo objeto de
desejo, traço da diretora para indicar que a atitude final é uma forma de escapar da condição a
qual se vive.
6) CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que trouxe coerência ao longa-metragem “As virgens suicidas” foi o fato de tal obra
mostrar duas situações que sempre aconteceram na sociedade, a observação desejosa e a
opressão controladora, em meio a uma realidade contemporânea que aparenta ser a de muitos
espectadores. O encerramento do filme, com a exibição de planos do cotidiano do bairro onde
se passa a história, sugere essa banalidade aos fatos acontecidos, insinuando que tais atitudes
podem ocorrer em qualquer ambiente.
7) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2009.
RIBEIRO, Leonardo Felipe Vieira. Uma solidão contemporânea: questões do cinema pós
moderno na cinegrafia de Sofia Coppola. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória,
2014.