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A Filosofia, mais do que um saber, é uma atividade

É verdade que costumamos experimentar um certo desassossego, por vezes curiosidade, quando ouvimos a
palavra «filosofia». O primeiro contacto com a filosofia é muitas vezes desconcertante, mas não deixa de ser
verdade que, só depois de nos inteirarmos das ideias dos filósofos, poderemos pôr de lado os preconceitos que
alimentamos em relação a eles, contra essas pessoas frequentemente olhadas como bichos raros que não riem,
não choram, não se impacientam nem desesperam como os outros seres humanos. (…)
Era adolescente quando, numa aula da cadeira de História, me falaram pela primeira vez de Platão e dos filósofos
que entraram em cena juntamente com ele. (…) Lendo e relendo um pequeno manual que servia de base aos
comentários do professor não conseguia evitar uma certa confusão. (…) Como se sabe, nós, os humanos,
sentimo-nos incomodados sempre que não conseguimos enquadrar o que pensamos, quando nos sentimos
ultrapassados pelos estímulos que a realidade nos envia. A vida humana (…) é uma luta para sobrevivermos a
esse caos. (…)
A culpa, se assim se lhe pode chamar, foi de um amigo. Deu-me a conhecer um livro de filosofia (…). Passeava
os olhos por entre as palavras. Parecia-me estar ante um poço de grande profundidade, onde a luz mal chegava.
Senti a minha curiosidade a ser espicaçada por aquela confusão intelectual. Suspeitei que, por entre aquele mar
de letras, se escondiam tesouros de sabedoria: e continuei a ler. A experiência representou um novo degrau de
evolução. Sentia-me curioso pela possibilidade de penetrar no pensamento de personagens que podiam ter ideias
tão afastadas daquele que parece ser o senso comum. Falei do assumo ao meu pai. Disse ter vivido uma
experiência que certamente haveria de condicionar o meu futuro. Desde então, nunca mais pude deixar de ler e
de pensar aquilo a que vamos chamar (…) FILOSOFIA. (…)
Se tiveres o bom senso suficiente para não largares o livro que te caia nas mãos e puderes contar com a ajuda
de alguém, não tardarás a sentir a força de uma das melhores qualidades do espírito humano: a curiosidade. (…)
Chegámos, portanto, ao conceito de curiosidade. Por conseguinte, a filosofia não inventa nada, mas codifica as
perguntas que todos nós, pelo facto de estarmos despertos e utilizarmos o cérebro, temos necessidade de fazer.
(…)
Temos de dizer, antes de mais, que a filosofia não constitui um corpo de conhecimentos que se possa comparar,
por exemplo, à biologia ou à etologia. (…) Mais do que uma doutrina completa ou um conjunto de teorias, a
filosofia é principalmente uma atividade.
Para usar um exemplo comum: se tento esclarecer-me acerca dos meus princípios morais, não tenho outro
remédio que não seja distanciar-me de mim mesmo e perguntar-me qual a razão de eu considerar outra pessoa
moralmente perversa: quem tortura o semelhante, por exemplo. Afinal, a razão pode estar no facto de a tortura,
se passasse a ser uma prática de uso generalizado, acabaria por perverter toda a sociedade. [Nesta resposta],
não criei mais um corpo de conhecimentos (…). O que fiz, concretamente, foi dotar a minha própria mente de
uma limpidez inquestionável. É isso que consideramos uma atividade e a filosofia é acima de tudo atividade
clarificadora de todos os componentes, teóricos e práticos, por entre os quais nos movemos. Em segundo lugar, a
filosofia é uma atividade muito abrangente, de uma amplitude imensa. E por isso se ocupa (…) dos interesses
próprios do homo sapiens. (…) Antes de mais, a filosofia é uma atividade que trata de esclarecer o conhecimento
que temos do mundo e de nós mesmos (…).
A filosofia é, em princípio, uma capacidade de qualquer ser consciente. A célebre frase de Kant, a que diz que
não aprende filosofia quem não aprende a filosofar, tem sido repetida até à exaustão.

J. Sádaba, Filosofia para um jovem, Presença, 2004, pp. 11-17.

1. Partindo da leitura deste excerto, justifique o título que lhe foi atribuído.

2. Explique, partindo do texto, por que razão a curiosidade é fundamental para a Filosofia.

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