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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia

INDICE
As Reminiscências nos Idosos – Situação Particular na Depressão ..........................................2
Atitudes dos alunos face a si próprios e aos comportamentos de profissionalidade docente:
Um estudo com alunos do 5º e 7º anos de escolaridade ............................................................9
Atractividade e comportamento agressivo...............................................................................29
Atribuições Causais no Desporto: Estudo sobre os Motivos do Sucesso e Insucesso em
Função da Modalidade Praticada .............................................................................................50
Auto-Estima, Dilemas Implicativos e Adaptação Psicológica Na Adolescência: Um Estudo
Exploratório .............................................................................................................................71
Autoconceito profissional dos professores ..............................................................................90
Avaliação dos níveis de optimismo numa população sénior .................................................107
Avaliação da Inteligência Emocional das Crianças em Contexto Escolar: Estudo Exploratório
................................................................................................................................................116
Avaliação das Práticas em Intervenção Precoce....................................................................129
O Processo de Construção de Boas Práticas ..........................................................................147
Avaliação do Ambiente Institucional - Estudo Ecológico Comportamental dos Idosos .......164
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As Reminiscências nos Idosos – Situação Particular na Depressão


Luísa Teles (Unidade de Investigação e Formação sobre Adultos e Idosos)
luisateles@mail.ptprime.pt
José Martins (Hospital Magalhães Lemos)
Purificação Horta (Faculdade de Medicina de Lisboa)

Palavras-chave:
Reminiscências; Depressão.

Resumo/Abstract:

Actualmente reconhece-se o valor terapêutico das reminiscências. Partindo da adaptação do


Questionário de Reminiscências (REMFU-fragebogen), os autores apresentam um estudo
abarcando 50 idosos. Pretendeu-se examinar a frequência de reminiscências em sujeitos
deprimidos e não deprimidos, adoptando a tipologia de Wong & Watt(1991). Os resultados
foram significativos para a relação entre reminiscências obsessivas e depressão, apresentando
os deprimidos uma maior frequência na sua totalidade. Verificou-se ainda que os homens
produziam mais reminiscências, contudo menos adaptativas do que nas mulheres.

INTRODUÇÃO

O objectivo primordial do corrente estudo foi a análise das reminiscências no caso


particular de idosos deprimidos, tentando contribuir para o esclarecimento da relação entre o
humor e as memórias de eventos passados. A ideia partiu em parte de um particular interesse
no campo complexo das emoções, neste caso específico alimentado pela constatação de que
as reminiscências seriam um fenómeno comum em quase todos os tipos de patologia.

Este estudo pretendeu assim estudar as reminiscências em idosos deprimidos, uma área
onde aparentemente ainda parece não ser valorizado o contributo da terapia de
reminiscências.

Na nossa opinião, o estudo sobre a temática das reminiscências na depressão reveste-se


de uma importância significativa, na medida em que entendemos que para além de podermos
contribuir para uma melhor compreensão dos factores associados à depressão entre a
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população idosa, podemos também obter pistas relevantes sobre os processos e mecanismos
de “coping” que estão intrinsecamente presentes nos discursos ou nas reminiscências desta
faixa etária.

Dado actualmente ser geralmente aceite a concepção de que existem vários tipos de
reminiscências em termos do seu conteúdo, e dado que esses tipos parecem envolver causas,
efeitos e condicionantes particulares, este estudo, partindo da tipologia de reminiscências de
Wong & Watt (1991), procurou comparar a frequência de reminiscências em termos globais
nos dois grupos (sujeitos deprimidos e não deprimidos) e para os diferentes tipos de
reminiscências. De modo a analisar as frequências de reminiscências adoptaram-se duas
medidas conceptualmente diferentes: num primeiro momento foi proposto aos sujeitos o
Questionário de Reminiscências adaptado da versão original de Mayer e al (1996), este
questionário tem por base a tipologia de Wong & Watt (1991), e num 2º momento foi
proposto aos sujeitos participarem numa entrevista aberta, semi-estruturada.

Tendo em conta a abrangência do estudo, e mediante uma opção dos autores, o presente
trabalho irá focar os resultados que foram obtidos a partir do primeiro instrumento adoptado,
o Questionário de Reminiscências, deixando para uma posterior análise e apresentação futura
os resultados obtidos através da entrevista semi-estruturada.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Wong e Watt (1991, p.272) definiram a reminiscência como “memórias pessoais de um


passado distante; consistindo em memórias de longo prazo de eventos em que o sujeito foi
um participante ou observador”. Para os autores, muitos destes eventos ou eventualmente
todos terão provavelmente uma componente emocional, pelo que a reminiscência terá
possivelmente, por seu turno, um aspecto emocional. Assim, concluem os autores, que
reminiscir pode conter benefícios para o indivíduo, podendo estar na base de um bem-estar
emocional.

Uma das taxinomias mais complexas foi apresentada também por Wong & Watt (1991)
e postula seis tipos de reminiscências: interpessoal, instrumental, transmissora, narrativa, de
escape e obsessiva. Os autores pretenderam através da sua taxionomia analisar a relação dos
tipos de reminiscência com uma medida de “Envelhecimento Bem Sucedido”. A tipologia
que Wong & Watt (1991) desenvolveram foi considerada como um avanço importante para o
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estudo de novas relações entre reminiscências e humor, personalidade, contexto social,


integridade do ego, auto-estima, adaptação ao stress e outros.

A TIPOLOGIA DE REMINISCÊNCIAS DE WONG & WATT (1991)

Como referido, Wong & Watt (1991) no seu trabalho identificaram seis tipos de
reminiscências, que aqui descrevemos sucintamente:

As Reminiscências Integrativas têm como principal função obter um sentido de auto-


valorização, coerência e reconciliação com o passado. Este conceito é similar à teoria de
revisão de vida de Butler (1963, cit. in Wong & Watt, 1991), onde este propôs que os idosos
reveriam a sua vida como meio de preparação para a morte.

As Reminiscências Instrumentais têm como função contribuir para a percepção


subjectiva de competência e continuidade” (Lieberman & Tobin, 1983, cit. in. Wong & Watt,
1991). Implicam o uso de estratégias de “coping” focadas nos problemas, capazes de fornecer
um nível de protecção importante contra distúrbios emocionais (Billings & Moos, 1981;
Folkman, Lazarus, Gruen, & DeLongis, 1986; Lazarus & Folkman, 1984, cit. in. Wong &
Watt, 1991).

As Reminiscências Transmissivas (ou Interpessoais) têm como função a transmissão


de passagem de heranças culturais e de legado pessoal, incluindo referências à cultura e
práticas de épocas passadas, valores tradicionais e sapiência, e referências a lições aprendidas
através do passado. Butler (1980-1981, cit. in. Wong & Watt, 1991) também identificou este
tipo de reminiscências, sugerindo que o indivíduo tem uma necessidade profunda de deixar a
sua marca através da deposição de ideias e valores importantes na sua audiência.

As Reminiscências de Escape caracterizam-se por uma tendência de glorificar o


passado e depreciar o presente. Este tipo de reminiscências inclui afirmações que dão relevo a
feitos passados, afirmações que exageram acontecimentos agradáveis (com ou sem
comparações favoráveis com o presente); revelam o desejo de voltar “aos bons velhos
tempos”. Buttler (1963, cit. in. Wong & Watt, 1991) sugeriu que apesar de não ser
geralmente construtiva, este tipo pode ajudar a manter um funcionamento psicológico estável.

As Reminiscências Obsessivas caracterizam-se por serem originadas por sentimentos


de culpa face ao passado do indivíduo (LoGerfo, 1980-1981, cit. in. Wong & watt, 1991).
São indicativas do fracasso de integração de experiências passadas problemáticas, resultando
em “ruminações” destes eventos perturbadores. Incluem afirmações de culpa, desespero e
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angústia acerca do passado. Buttler (1963, cit. in. Wong & watt, 1991) observou que este tipo
de reminiscências levava à depressão, agitação, pânico e mesmo suicídio.

As Reminiscências Narrativas caracterizam-se principalmente por uma representação


descritiva e não interpretativa do passado. As suas duas principais funções são o fornecer
informação biográfica de rotina ou o recontar “anedotas” passadas que possam provocar
interesse à audiência. São similares às reminiscências informativas (LoGerfo, 1980-1981, cit.
in. Wong & Watt, 1991) e essencialmente traduzem afirmações sobre factos biográficos,
registo de eventos passados sem interpretação ou avaliação. Este tipo de reminiscências pode
ser definido como o residual das anteriores.

ANÁLISE CONCEPTUAL
AS REMINISCÊNCIAS NA DEPRESSÃO

As hipóteses conceptuais que orientaram este estudo estão relacionadas com a


frequência de reminiscências entre os dois grupos de idosos, deprimidos e não deprimidos.

A um nível frequências totais de reminiscências (independentemente do seu tipo)


levantou-se a seguinte hipótese a) “Os idosos deprimidos apresentam uma maior frequência
de reminiscências comparativamente com os não deprimidos”.

Ao nível de tipos de reminiscência, levantou-se a hipótese de: b) “Os idosos deprimidos


têm maior frequência de reminiscências que contenham uma carga emocional negativa em
comparação com os não deprimidos”. Ao invés, e simultaneamente, colocou-se a hipótese de
que: c) “Os idosos não deprimidos têm maior frequência de reminiscências de tipo adaptativo
e portanto com carga emocional positiva”.

Optando-se por adoptar especificamente a taxionomia de Wong e Watt (1991) para os


diversos tipos de reminiscências e de utilizar o questionário de reminiscências de Mayer e al.
(1996) (com as suas limitações), estas últimas duas hipóteses foram reformuladas para: b)
“Os idosos deprimidos têm maior frequência de reminiscências do tipo Depressivo e
Escapista ou Defensiva em comparação com os não deprimidos”; c) “Os idosos não
deprimidos têm maior frequência de reminiscências do tipo Integrativo”.

Subjacentes a estas hipóteses encontram-se as diferentes causas e efeitos particulares de


cada tipo de reminiscência. Isto é, considera-se que os não deprimidos deveriam ter uma
frequência superior de reminiscências de tipo adaptativo ou reminiscências representativas de
um sucesso no envelhecer (independentemente da natureza positiva ou negativa do evento
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recordado), enquanto que os deprimidos deveriam apresentar uma maior frequência de


reminiscências, que representassem uma inadaptação actual ou uma fuga ao presente.

AMOSTRA, METODOLOGIA E INSTRUMENTOS

Este estudo contou com a participação de 50 indivíduos de ambos os sexos (38


mulheres e 12 homens), com idades compreendidas entre os 65-90 anos, a residir na
comunidade e em instituições. Desta amostra, 26 apresentaram resultados que apontavam
para a existência de depressão, e os restantes 22 não evidenciaram sinais e sintomas de
depressão.

Para a realização do presente estudo, contamos com a colaboração de seis instituições,


na área do Porto e áreas metropolitanas.

A recolha de dados descritivos/demográficos foi realizada junto do sujeito, sem recurso


a qualquer tipo de documentação oficial. Dadas as características do Questionário de
Reminiscências, procurou-se também efectuar o despiste de défices cognitivos, através da
utilização do MMS- Mini Mental State, para a avaliação do humor foi proposto aos sujeitos, a
escala que avalia o grau de depressão actual do sujeito, a Escala de Hamilton para a
Depressão, que é correntemente utilizada na prática clínica.

Numa 2ª fase, estando os sujeitos já então devidamente avaliados quer cognitivamente


quer ao nível de depressão, foi então proposto aos sujeitos que respondessem ao questionário
de reminiscências traduzido e adaptado a partir do questionário de reminiscências (versão
alemã original): REMFU-fragebogen.

Descrição do Questionário de Reminiscências

O Questionário de Reminiscências elaborado por Mayer, Fillipp e Ferring (1996) foi


desenvolvido com o objectivo de medir a frequência de diferentes tipos de reminiscências.
Baseando-se numa amostra de N=142 indivíduos com idades entre os 66 aos 92, foi testado
um questionário piloto de 23 itens. Com base numa análise exploratória factorial, foram
construídas quatro escalas que, segundo adaptação da taxionomia de Wong e Watt (1991),
foram denominadas por Reminiscência Interpessoal, Escapista; Integrativa e Obsessiva.
Todas as escalas caracterizaram-se por coeficientes com grau de confiança suficiente e
obtidos segundo métodos clássicos de validação.
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Para este trabalho optou-se por usar a versão integral do questionário de reminiscências,
classificando as questões não pertencentes a uma das escalas validadas como “outras
Reminiscências”. A cada questão o entrevistado teria de assinalar se o facto observado se
verificava Nunca / Raramente / Algumas Vezes / Frequentemente e Muito frequentemente
(graduado de 1 a 5).

Na sua versão original, o questionário seria auto-administrado. No entanto, após


discussão de possíveis dificuldades inerentes à compreensão de instruções e de algumas
afirmações, optou-se por “abrir” para a possibilidade de hetero-administração. O motivo para
esta decisão coaduna-se com o facto de nesta faixa etária os índices de escolaridade serem
muito baixos.

RESULTADOS

Resultados do Questionário de Reminiscências

Os resultados que se obtiveram foram em alguns pontos consonantes com os obtidos no


estudo realizado por Wong & Watt (1991). No presente estudo os resultados foram
significativos para a relação entre reminiscências obsessivas e depressão (t=-3.05, df=48,
p=0.04). No geral embora os resultados não se evidenciem como significativos, verifica-se
que os deprimidos (X=65,92) têm uma maior número de reminiscências na sua totalidade do
que os não deprimidos, (X=60.42) e que os homens parecem produzir mais reminiscências,
contudo menos adaptativas do que nas mulheres, com excepção das reminiscências
integrativas.

Este estudo ao evidenciar resultados significativos ao nível das reminiscências


obsessivas (com valores altos nos deprimidos) e apresentado este tipo de reminiscência um
carácter negativo, o estudo parece corroborar a hipótese de que os deprimidos tendem a
remisniscir sobre eventos negativos.

Finalmente, o facto da correlação entre os vários tipos de reminiscência ser positivo e


significativo demonstram-nos que estamos a medir realidades correlacionadas. Para além
disso, o facto de as correlações serem pouco significativas relativamente ao sexo e idade,
indica-nos que estas variáveis influenciam pouco nas reminiscências.

REFLEXÕES FINAIS
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Com base nos resultados, denota-se claramente que um estudo particular das
reminiscências se justifica nos sujeitos deprimidos. No entanto, os resultados do corrente
estudo não são conclusivos, sendo necessárias mais investigações neste campo para que
melhor se possa compreender que espectro de tipos de reminiscências se pode verificar nos
sujeitos deprimidos.

Neste trabalho deparamos com um série de limitações quer ao nível da adaptação do


instrumento o Questionário de Reminiscências, que figurava numa versão alemã. Um outro
aspecto limitativo relativamente à amostra vigente neste estudo diz respeito à ausência de
casos de depressão mais graves, o que constitui uma limitação. Acreditamos que se fosse
possível aceder a um número mais razoável de casos com depressões graves, os resultados
poderiam melhor corroborar as hipóteses iniciais.

Referências Bibliográficas

HENDRICKS, J. (1995). The meaning of reminiscence and life review. New York:
Baywood
MAYER, A. K., Filipp, S. H., Ferring, D.( 1996). Der Reminiszenzfragebogen:
Skalenkonstruktion und teststatistische Ueberpruefung. The Reminiscence Questionnaire:
A measure of the frequency of reminiscing: Scale construction and statistical testing.
Diagnostica, 42 (2), pp 175-189
WONG, P. T. P., & Watt, L. M. (1991). What types of reminiscence are associated with
successful aging? Psychology and Aging, 6, 272-279.
YANG, J. A. & Rehm, L.P. (1993). A study of autobiographical memories in depressed and
nondepressed elderly individuals. In: J., Hendricks, (1995).”Ed.”, The meaning of
reminiscence and life rewiew. (107-123). New York: Baywood
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Atitudes dos alunos face a si próprios e aos comportamentos de profissionalidade


docente: Um estudo com alunos do 5º e 7º anos de escolaridade

Carla Alexandra Melo Tavares (EB 2,3 António Sérgio)


caramelotavares@sapo.pt
Feliciano H. Veiga (Universidade de Lisboa)
fhveiga@fc.ul.pt

Palavras-chave:
Atitudes face a si-próprio, autoconceito, profissionalidade docente.

Resumo/Abstract:

O presente estudo teve como objectivo geral analisar as atitudes dos alunos face a si-próprios
e aos comportamentos de profissionalidade docente. Especificamente, foram colocadas as
seguintes questões de estudo: Como se distribuem os alunos pelas atitudes face a si-próprios,
em termos de atitudes negativas ou positivas? Como se distribuem os alunos pelas avaliações
que fazem dos comportamentos de profissionalidade docente atribuídos aos professores, em
termos de avaliações baixas e elevadas? Que relação existe entre as dimensões das atitudes
dos alunos face a si-próprios e as avaliações que fazem dos comportamentos de
profissionalidade docente? Que relação existe entre factores escolares específicos
(rendimento escolar, percepção de apoio dos professores, aspirações escolares) e as atitudes
dos alunos, quer face a si-próprios quer face aos comportamentos de profissionalidade
docente? Quais as dimensões, quer do autoconceito quer da profissionalidade, que mais
contribuem para a explicação do rendimento escolar? Como se diferenciam os alunos do 5º e
do 7º ano, quer no autoconceito quer na avaliação da profissionalidade docente? Quais são as
dimensões, quer do autoconceito quer da profissionalidade, que mais contribuem para a
explicação do rendimento escolar dos alunos? A amostra foi constituída por 723 alunos, de
ambos os sexos, do 5º e do 7º anos. Foram utilizados, como instrumentos, o Piers-Harris
Children’s Self-concept Scale, a Escala de Representações dos Alunos acerca dos
Comportamentos de Profissionalidade Docente, e a Escala de Apoio Emocional dos
Professores. A análise dos resultados permitiu observar que a maioria dos alunos apresentava
atitudes positivas, quer face a si-próprios quer face aos comportamentos docentes, e encontrar
relações entre as dimensões do autoconceito, as dimensões dos comportamentos de
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profissionalidade docente e as variáveis escolares em estudo. Os resultados aproximam-se de


estudos prévios, foram interpretados numa perspectiva cognitivo-social e sugerem novas
investigações.

Introdução

O autoconceito vai-se construindo ao longo de toda a vida e passa por várias etapas,
variando as suas estruturas e o grau de importância das suas dimensões (Burns, 1990;
Fontaine, 1991; Onãte, 1989; Veiga, 1995; Serra, 1986). O processo de desenvolvimento de
um indivíduo faz-se da interacção entre ele e o meio. As rápidas mudanças sociais e
tecnológicas e o movimento constante que visa a produtividade e a promoção da eficácia e
eficiência parecem constituir cada vez mais uma ameaça à identidade pessoal. O
conhecimento de si-próprio torna-se um factor importante na determinação do
comportamento do sujeito, ajudando a interpretar o passado, a definir perspectivas futuras e
permitindo a eleição crítica e consciente das condutas e das expectativas de vida (Onãte,
1989). Devido às evoluções sociais e à modificação do sistema de ensino português, muitas
têm sido as alterações sofridas a nível da profissionalidade docente, visto que na escola é o
professor que assume um papel de relevo neste processo de mudança. O professor
confronta-se com a evolução acelerada dos conhecimentos e das técnicas e com acentuadas
modificações na relação dos jovens com a informação, a cultura e o conhecimento. A
profissão docente não se confina às paredes da sala de aula, sendo os profissionais da
educação cada vez mais solicitados a configurar o futuro.
Neste âmbito, o objectivo fulcral deste estudo consistiu em analisar as atitudes dos
alunos face a si-próprios e aos comportamentos de profissionalidade docente, no 5º e 7º anos
de escolaridade, de diferentes níveis de rendimento escolar. Este objectivo principal pode
subdividir-se em objectivos específicos: analisar a relação entre as atitudes dos alunos face a
si-próprios e aos comportamentos de profissionalidade docente; analisar o autoconceito em
função de variáveis pessoais e escolares; analisar as representações acerca dos
comportamentos de profissionalidade docente, em função de variáveis pessoais e escolares e
analisar o efeito da interacção das variáveis autoconceito dos alunos e profissionalidade
docente ao longo da escolaridade.
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O Autoconceito

O autoconceito surge como um construto útil que permite que o indivíduo se conheça
a si-próprio, como também o ajuda a explicar a adequação sócio-ambiental dos seus próprios
comportamentos (Fontaine, 1991; Marsh, Byrne & Shavelson, 1988; Musitu, 1982; Veiga,
1995). O contínuo interesse pelo estudo do autoconceito poderia explicar-se por este
constituir o núcleo mais central da personalidade e da existência, e por ser ele o grande
“determinante dos pensamentos, sentimentos e comportamentos” (Rosenberg, 1965, p. 7).
Alguns teóricos sublinham que o autoconceito tem origem nas situações sociais, ou seja,
muda de acordo com o contexto dos sujeitos (Gecas, 1982; Musitu, 1982), e outros (Veiga,
1995, p. 33) destacam uma “conceptualização diferencial, isto é, a não existência de um
autoconceito, mas sim uma variedade de autoconceitos com diferentes graus de importância”.
O estudo das atitudes dos alunos face a si-próprios constituirá uma forma útil e pertinente
para a compreensão do seu desenvolvimento global. Por outro lado, permite também
conhecer e compreender a posição do aluno face à escola e aos professores, constituindo um
contributo fundamental para a construção e para o desenvolvimento das suas acções.
Conhecer e perceber as atitudes dos alunos poderá constituir um dos pontos de partida para
uma acção educativa e até para uma estruturação do processo ensino-aprendizagem mais
próximo dos alunos, tendo em conta os interesses e as preferências destes. O autoconceito
está associado a aspectos cognitivos, afectivos e comportamentais (Costa, 2001; Gecas, 1982;
Musitu, 1982; Peixoto, 2004). Na noção de autoconceito está implícita a valorização da
pessoa em si-mesmo como uma consequência lógica da sua própria imagem. O autoconceito
tem sido apontado como uma variável que tem influência no aproveitamento académico, na
motivação para o estudo e no comportamento na sala de aula. A formação do autoconceito é
um processo lento que se desenvolve nas experiências pessoais e na relação do indivíduo com
os outros. Deste modo, a maneira como os outros reagem ao seu comportamento, aprovando-
o ou desaprovando-o, influencia as características do autoconceito que o aluno desenvolverá.
Um aluno que vivencia várias experiências de fracasso escolar tem uma baixa expectativa de
sucesso, pouca persistência na realização das tarefas e apresenta um baixo autoconceito
(Burns, 1990; Fontaine, 1991; Onãte, 1989; Veiga, 2003, 2005)
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Comportamentos de profissionalidade docente

Os comportamentos de profissionalidade docente são as “condutas atribuídas e ligadas


à função de instrução e, portanto, esperadas como devendo ocorrer numa relação de
ensino/aprendizagem” (Veiga, 2005, p. 22). Ser professor implica a aprendizagem de uma
profissão caracterizada por saberes muito diversos que vão do humano e relacional ao
cognitivo e prático. O ser professor é viver na complexidade, no desafio permanente de
melhoria, na multidimensionalidade do agir e pensar, na interrogação constante que a
sociedade do conhecimento coloca. As modificações crescentes da sociedade fazem com que
a profissão docente, aprofunde a sua formação e melhore o seu desempenho profissional,
procurando que a estrutura escolar seja flexível e adaptada às possibilidades e necessidades
individuais dos alunos (Alarcão, 1998). A profissionalidade caracteriza aqueles agentes de
actividade social que se podem identificar por “uma função social autónoma e reconhecível, a
posse e a produção de um saber específico para o desempenho dessa função, a competência
reflexiva sobre a própria actividade e a reciprocidade e trocas entre parceiros de profissão”
(Roldão, 2000, p. 5). Aquilo que caracteriza um profissional pleno é uma função claramente
reconhecida socialmente, que o distingue de outros profissionais e lhe dá individualidade
social. Nesta linha de reflexão, o que distingue e caracteriza efectivamente um professor, no
plano profissional é a função de ensinar, ou seja, o modo de fazer aprender alguma coisa a
alguém (Roldão, 2000). Vários estudos têm-se debruçado sobre o tema da profissionalidade
docente a fim de captar os desenvolvimentos históricos que vêm configurando o trabalho
docente e os discursos sobre profissionalidade (Patrício e Sebastião, 2004; Robertson, 2002;
Lawn, 2001; Hargreaves; Goodson, 1996, citado por Garcia e outros, 2005).

Metodologia

No âmbito da metodologia utilizada, apresentam-se os sujeitos da amostra,


especificam-se os instrumentos utilizados, relata-se o procedimento havido e formulam-se as
questões de estudo.

Sujeitos
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A amostra foi constituída por 723 alunos, dos quais 380 (52,6 %) são do 5º ano e 343
(47,4 %) são do 7º ano de escolaridade. A selecção das escolas foi feita por conveniência
tanto no distrito de Viseu como de Lisboa. Em cada um dos estabelecimentos de ensino
destes distritos, as turmas seleccionadas foram as disponíveis e não foram questionados
sujeitos individualmente. A amostra recolhida englobou sujeitos dos dois sexos, masculino e
feminino, com idade entre os 9 e os 17 anos.

Instrumentos

Para a avaliação do autoconceito, utilizou-se o Piers-Harris Children’s Self-Concept


Scale (PHCSCS), que foi adaptado para Portugal, quer na sua forma mais longa (Veiga,
1995) quer na sua mais recente forma curta. Esta escala, na sua mais recente versão adaptada
para Portugal (Veiga, no prelo), é formada por 60 itens, apresentados sob a forma de
sentenças, que avaliam o autoconceito total e o autoconceito nas seis seguintes subáreas
(Piers e Herzberg, 2002): aspectos comportamentais (AC), estatuto intelectual (EI), aparência
física (AF), ansiedade (AN), popularidade (PO), satisfação-felicidade (SF) e factor geral
(PTOT). Um outro instrumento utilizado foi a “Escala de Representações dos Alunos acerca
dos Comportamentos de Profissionalidade Docente” (ERACP) que, para além das quatro
dimensões do instrumento acerca dos comportamentos de cidadania docente construído por
Rego e outros (2003), apresenta mais duas dimensões, a interpessoalidade e a normatividade
(Veiga e outros, 2005); o instrumento utilizado (ERACPD) apresenta seis categorias de
comportamento: participação, orientação prática, ensino ou conscienciosidade, cortesia,
interpessoalidade e normatividade. Utilizou-se, também, a escala “Apoio Emocional dos
Professores” (AEP), com seis itens, extraídos de Bru e outros (2002).

Procedimento

Após autorização do Conselho Executivo onde foram administrados os questionários,


houve um primeiro contacto com os professores das turmas disponibilizadas. Solicitou-se aos
professores a cedência dos tempos lectivos, tendo-lhes sido explicado o objectivo do estudo.
A aplicação dos instrumentos foi feita nos meses de Dezembro de 2005 e Janeiro, Fevereiro e
Março de 2006 e em situação de sala de aula. Os questionários foram distribuídos aos alunos
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de escolas públicas pelos professores. O seu preenchimento foi supervisionado pelos


professores das turmas, garantindo o anonimato.

Questões de estudo

O presente trabalho teve como objectivo geral analisar as atitudes dos alunos face a
si-próprios e aos comportamentos de profissionalidade docente. Especificamente, foram
colocadas as seguintes questões de estudo: Como se distribuem os alunos pelas atitudes face a
si-próprios, em termos de atitudes negativas ou positivas? Como se distribuem os alunos
pelas avaliações que fazem dos comportamentos de profissionalidade docente atribuídos aos
professores, em termos de avaliações baixas e elevadas? Que relação existe entre as
dimensões das atitudes dos alunos face a si-próprios e as avaliações que fazem dos
comportamentos de profissionalidade docente? Que relação existe entre factores escolares
específicos (rendimento escolar, percepção de apoio dos professores, aspirações escolares) e
as atitudes dos alunos, quer face a si-próprios quer face aos comportamentos de
profissionalidade docente? Quais as dimensões, quer do autoconceito quer da
profissionalidade, que mais contribuem para a explicação do rendimento escolar? Como se
diferenciam os alunos do 5º e do 7º ano, quer no autoconceito quer na avaliação da
profissionalidade docente? Quais são as dimensões, quer do autoconceito quer da
profissionalidade docente, que mais contribuem para a explicação do rendimento escolar dos
alunos?

Resultados

Para responder à questão de estudo “como se distribuem os alunos pelas atitudes face
a si-próprios, em termos de atitudes negativas ou positivas?”, procedeu-se à análise dos
resultados em cada um dos itens do PHCSCS, tendo-se observado que os valores do qui-
quadrado apresentaram uma elevada significância estatística (p<0,001) em grande parte dos
itens, e que a percentagem de alunos com atitudes positivas foi notoriamente maior do que a
percentagem de alunos com atitudes negativas. Os três itens em que esta percentagem se
mostrou maior foram: 31 (gosto de ser como sou – 88,1%), 53 (dou-me bem com os outros –
90,4%) e 60 (sou uma boa pessoa – 93%). Não se observaram diferenças significativas na
distribuição dos alunos pelo tipo de atitudes (positivas versus negativas), nos seguintes itens:
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6 (sou uma pessoa tímida), 22 (sou um membro importante da minha turma), 23 (sou
nervoso) e 57 (sou diferente das outras pessoas). Uma percentagem de alunos com atitudes
negativas mais elevada do que a percentagem de alunos com atitudes positivas foi observada
nos itens: itens 9 (sou um chefe nas brincadeiras e no desporto), 10 (fico preocupado quando
temos testes na escola), 22 (sou um membro importante da minha turma), 29 (preocupo-me
muito), 30 (os meus pais esperam demasiado de mim), 34 (na escola, ofereço-me várias vezes
como voluntário) e 46 (sou popular entre os rapazes). Uma descrição mais pormenorizada dos
resultados nos itens do PHCSCS pode ser encontrada em recente estudo, em que os elementos
aqui apresentados se baseiam (Tavares, 2006).
Para responder à questão de estudo “que relação existe entre o rendimento escolar e as
atitudes dos alunos face a si próprios”, procedeu-se à determinação dos coeficientes de
correlação entre as várias dimensões do autoconceito e o rendimento nas disciplinas de
Matemática, Português, História e Ciências, como se pode verificar no quadro 1.

Quadro 1. Correlações entre os resultados obtidos no autoconceito e as disciplinas


Autoconceito
Disciplinas Aspecto Estatuto Aparência Satisfação-
Comportamental Ansiedade Intelectual Popularidade Física felicidade
Matemática 0,173** 0,167** 0,305** 0,097* 0,143**
Português 0,110** 0,173** 0,252** 0,122** 0,139**
História 0,181** 0,182** 0,285** 0,113** 0,113**
Ciências 0,161** 0,137** 0,276** 0,129** 0,096* 0,159**
Legenda: ** p<0,01 * p< 0,05

Observa-se que todas as disciplinas se relacionam significativa e positivamente com


as dimensões do autoconceito, excepto com a dimensão aparência física que apenas se
relaciona com a disciplina de Ciências. Destaca-se também a dimensão estatuto intelectual
que é a que mais se relaciona com o rendimento nas disciplinas já referidas (p<0,01).
Também se destacam as correlações existentes entre os itens relativos ao apoio emocional
dos professores e as várias dimensões do autoconceito.
Quanto ao estudo da relação entre o autoconceito e a variável
“aspirações escolares” – as aspirações dos alunos relativamente ao ano de estudo que
pretendem atingir –, observaram-se correlações significativas com as dimensões: aspecto
comportamental (r=0,169; p<0,01), estatuto intelectual (r=0,201; p<0,01), popularidade
(r=0,099; p<0,05) e satisfação-felicidade (r=0,168; p<0,01). Esta variável não apresenta
valores significativos com as dimensões ansiedade e aparência física.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
16

No estudo da relação entre o autoconceito e o ano de escolaridade, encontraram-se os


dados apresentados no quadro 2.

Quadro 2. Média e desvio-padrão (DP) nas dimensões do autoconceito, em função do ano de escolaridade.

Autoconceito Ano N Média D.P. t Sig.

Aspecto 5º 344 10,17 2,87


-0,98 ns
comportamental 7º 279 10,39 2,55
5º 338 8,13 3,00
Ansiedade -5,22 ***
7º 279 9,36 2,77
5º 339 10,14 3,05
Estatuto intelectual -0,33 ns
7º 270 10,22 3,06
5º 336 7,08 2,69
Popularidade -7,73 ***
7º 270 8,61 2,04
5º 335 7,09 2,52
Aparência física 0,40 ns
7º 274 7,00 2,66
5º 348 7,80 2,04
Satisfação-felicidade -2,94 *
7º 278 8,25 1,67
Legenda: * p<0,05; ** p<0,01; ***p<0,001; ns = não significativo

Observa-se que os resultados dos sujeitos do 5º ano são mais elevados em três
dimensões do autoconceito, quando comparados com os sujeitos do 7º ano; nas dimensões
ansiedade e popularidade existem diferenças com elevado nível de significância estatística
(p<0,001); na dimensão satisfação-felicidade, o nível de significância, embora significativo,
foi menor (p<0,05).
O quadro 3 mostra a distribuição das respostas dos alunos pelos itens dos
comportamentos de profissionalidade docente em função da avaliação havida, baixa versus
elevada.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
17

Quadro 3. Distribuição dos alunos nos itens dos comportamentos de profissionalidade atribuídos aos
professores, em termos de avaliações baixas (AB) versus avaliações elevadas (AE).
Itens % %
X2 sig
AB AE
01 – Fomentam a participação dos alunos na aula. 32,5 67,5 77,4***
02 – Os exemplos que dão nas aulas são interessantes para a vida dos alunos. 16,9 83,1 280,0***
03 – Expõem a matéria de modo organizado. 14,3 85,7 325,9***
04 – Culpam os alunos pelos maus resultados. 43,9 56,1 9,5 ns
05 – Dialogam abertamente com os alunos. 21,9 78,1 200,8***
06 – Nas aulas, alertam para o sentido prático das coisas. 16,8 83,2 280,8***
07 – Nas aulas, não seguem um fio de pensamento claro, isto é, misturam tudo. 34,2 65,8 63,9***
08 – Marginalizam os alunos de que não gostam. 26,3 73,7 141,6***
09 – Quando pedem a opinião dos alunos, tomam as ideias deles em consideração. 20,7 79,3 219,2***
10 – Ilustram a exposição da matéria com exemplos práticos. 17,4 82,6 271,2***
11 – Preparam bem as aulas. 11,6 88,4 378,2***
12 – Tratam com indiferença os alunos menos bons. 34,0 66,0 64,8***
13 – Valorizam as iniciativas dos alunos. 20,4 79,6 224,9***
14 – Procuram que as aulas sejam teórico-práticas, e não apenas teóricas. 21,2 78,8 212,2***
15 – São metódicos na exposição da matéria. 34,9 65,1 57,6***
16 – Quando os alunos os abordam para tirar dúvidas, fazem troça dos erros cometidos. 30,9 69,1 92,9***
17 – Gostam de falar com os alunos. 15,0 85,0 313,6***
18 – Estabelecem um conjunto bem definido de regras que os alunos têm de seguir. 13,3 86,7 342,3***
19 – São mais uns amigos do que uma autoridade rígida. 24,8 75,2 162,5***
20 – As regras que estabelecem, nas aulas, parecem mudar bastante. 63,4 36,6 45,9***
21 – Interessam-se pelos alunos, como pessoas. 21,6 78,4 205,3***
22 – Explicam o que pode acontecer se o aluno transgredir uma regra. 16,9 83,1 280,9***
23 – Procuram ajudar os alunos. 10,2 89,8 406,4***
24 – Explicam quais as regras que se devem cumprir. 10,8 89,2 389,9***
Legenda: ***p<0,001; ns = não significativo

Verifica-se que os valores do qui-quadrado apresentam uma elevada significância


estatística (p<0,001), em todos os itens, excepto no item 4 (culpam os alunos pelos maus
resultados) que não é significativo. O item 20 (as regras que estabelecem, nas aulas, parecem
mudar bastante) apresenta uma percentagem de avaliações negativas mais alta relativamente
às avaliações positivas. Em todos os outros itens, a percentagem de avaliações positivas face
aos comportamentos de profissionalidade docente são bastante superiores às negativas. Os
três itens que apresentam uma maior percentagem das avaliações elevadas relativamente às
avaliações baixas são: 23 (procuram ajudar os alunos – 89,8%), 24 (explicam quais as regras
que se devem cumprir – 89,2%) e 11 (preparam bem as aulas – 88,4%).
Determinou-se os coeficientes de correlação entre os resultados obtidos nos factores
da escala acerca das dimensões da profissionalidade docente (participação, prática, ensino,
cortesia, interpessoalidade e normatividade) e o rendimento nas disciplinas de Matemática,
Português, História e Ciências, tendo-se observado correlações significativas, embora baixas,
entre o rendimento escolar (Matemática, História e Ciências) e duas dimensões da
profissionalidade docente: ensino e interpessoalidade. A dimensão ensino apresenta uma
correlação significativa com a Matemática (p<0,05) e com a História (p<0,05). A dimensão
interpessoalidade relaciona-se significativamente com a disciplina de Ciências (p<0,01).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
18

Procedeu-se, também, ao estudo das relações entre itens da escala AEP (Apoio
Emocional dos Professores) e as dimensões da profissionalidade docente. No quadro 4
observa-se a correlação entre os itens do apoio emocional dos professores e as várias
dimensões da profissionalidade docente (p<0,01). Existem correlações, todas elas positivas e
muito significativas (p<0,01), com as dimensões da profissionalidade docente. Não existe
correlação entre a dimensão cortesia e o item “os professores elogiam-me muitas vezes”.

Quadro 4. Correlações entre os itens relativos ao apoio emocional dos professores e as dimensões da
profissionalidade.
Apoio emocional dos Profissionalidade
professores Participação Prática Ensino Cortesia Interpessoalidade Normatividade
Sinto que os professores se
0,360** 0,364** 0,329** 0,124** 0,409** 0,296**
preocupam comigo.
Sinto que os professores
0,371** 0,429** 0,355** 0,214** 0,441** 0,395**
acreditam em mim.
Os professores são como bons
0,414** 0,470** 0,499** 0,294** 0,583** 0,406**
amigos.
Os professores ajudar-me-ão se
0,396** 0,476** 0,464** 0,253** 0,614** 0,450**
eu tiver problemas.
Os professores elogiam-me
0,183** 0,176** 0,231** 0,175** 0,091*
muitas vezes.
Os professores sabem quais são
0,218** 0,215** 0,267** 0,098* 0,258** 0,192**
os meus interesses.
Legenda: ** p<0,01 * p< 0,05

As aspirações dos alunos (relativamente ao ano de estudo que pretendem atingir)


aparecem significativamente relacionadas apenas com a dimensão ensino (p<0,05). Quanto à
variável ano de escolaridade, verifica-se que, nas dimensões da profissionalidade docente, os
alunos do 5º ano apresentam valores superiores aos do 7º ano, excepto na dimensão
normatividade, em que não existem diferenças estatisticamente significativas.
Para o estudo da relação entre o autoconceito e a profissionalidade docente,
determinaram-se os coeficientes de correlação entre as dimensões de cada uma destas
variáveis. No quadro 5, observa-se que as dimensões do autoconceito, aspecto
comportamental e satisfação-felicidade, se relacionam significativamente com todas as
dimensões da profissionalidade docente. A dimensão aparência física também apresenta
valores estatisticamente significativos com todas as dimensões da profissionalidade docente,
excepto com a dimensão cortesia. A ansiedade apresenta valores estatisticamente
significativos, mas negativos, com as dimensões da profissionalidade docente: ensino (-
0,135), cortesia (-0,195) e interpessoalidade (-0,104). O estatuto intelectual relaciona-se
fortemente com todas as dimensões da profissionalidade docente, excepto com a prática e
com a normatividade. A popularidade não apresenta valores significativos relativamente às
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
19

dimensões participação e prática. A aparência física apresenta-se estatisticamente


significativa com todas as dimensões da profissionalidade docente, excepto com a dimensão
cortesia. As correlações com maior nível de significância estatística, relativamente à
dimensão aspecto comportamental, são a prática, o ensino e a cortesia.

Quadro 5. Coeficientes de correlação entre as dimensões do autoconceito e as dimensões da profissionalidade.


Profissionalidade
Autoconceito Participação Prática Ensino Cortesia Interpessoalidade Normatividade
Aspecto
0,210** 0,283** 0,378** 0,356** 0,281** 0,255**
Comportamental
Ansiedade -0,135** -0,195** -0,104*
Estatuto Intelectual 0,108* 0,131** 0,146** 0,106*
Popularidade 0,145** 0,101* 0,102* 0,109**
Aparência Física 0,186** 0,150** 0,173** 0,202** 0,221**
Satisfação-felicidade 0,117** 0,105* 0,267** 0,183** 0,140** 0,225**
Legenda: * p<0,05; * * p<0,01

Para conhecer as dimensões do autoconceito que apresentam um contributo


significativo para a explicação da variância do rendimento escolar, recorreu-se à regressão
múltipla. Realizaram-se análises de regressão múltipla das dimensões do autoconceito no
rendimento escolar, cujos resultados se apresentam no quadro 6.

Quadro 6. Análise de regressão múltipla das dimensões do autoconceito no rendimento escolar.

Ordem V.I. Regressão múltipla QR F Sig F


1 Estatuto intelectual 0,195 0,038 26,157 0,001
2 Aparência física 0,229 0,052 18,231 0,001

Os níveis de significância dos valores de F (p<0,001) mostram que o estatuto


intelectual (26,15) e a aparência física (18,23) surgiram como as dimensões do autoconceito
que influenciam significativamente o rendimento escolar médio, nas disciplinas de
Matemática, Português, História e Ciências. Realizaram-se ainda análises de regressão
múltipla nas dimensões da profissionalidade docente e no rendimento escolar às mesmas
disciplinas. Das várias dimensões da profissionalidade docente, apenas a normatividade
apresenta um contributo significativo para a explicação da variância dos resultados no
rendimento escolar, explicando 13,1% da variância (p<0,001).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
20

Discussão dos resultados

Os resultados no autoconceito (itens do PHCSCS), em termos de atitudes negativas ou


positivas, permitiram observar que, embora uma grande parte dos alunos tenha atitudes
positivas face a si-mesmo, existem alunos que merecem uma ajuda específica, no sentido de
um desenvolvimento positivo do autoconceito; partir das experiências pessoais do aluno em
interacção com os outros e da reacção dos outros no seu comportamento, melhorando as suas
aprendizagens e elevando a sua popularidade, poderá constituir uma das estratégias a utilizar.
Os resultados obtidos na relação entre as dimensões do autoconceito e o rendimento
escolar nas disciplinas fundamentais (Matemática, Português, História e Ciências) mostram
uma ligação importante e aproximam-se dos resultados encontrados noutras investigações
(Diesterhaft e Gerken, 1983; Marsh, 1988; Richardson e Lee, 1986; Van, Herman e Monks,
1992, citados por Veiga, 1996). Daqui poderá surgir a ideia de que um autoconceito positivo
é uma das bases essenciais para obter resultados escolares mais positivos, e vice-versa, como
referem as investigações de Burns (1990) e de Espinar (1994). Os resultados acerca do apoio
emocional dos professores mostram, também, que o apoio positivo do professor face ao
comportamento dos alunos influencia positivamente o autoconceito, estando de acordo com
outras investigações (Musitu, 1982; Bru, Stephens e Torsheim, 2002; Veiga, 2001). Este
estudo reforça, também, a ideia de alguns autores que referem que as relações estabelecidas
com outros significativos (professores) são particularmente importantes para a construção de
um autoconceito positivo (Jacob, 2001). Daqui podemos inferir que a qualidade das relações
estabelecidas na escola surge frequentemente associada ao rendimento académico, como
referem outras investigações (Musitu, 1982; Costa, 2001; Peixoto, 2004). Esta importante
influência das dimensões do autoconceito reforça o suposto da necessidade de promoção do
autoconceito como forma de aumentar o rendimento escolar dos alunos.
Os resultados obtidos, ao considerar o ano de escolaridade, vão ao encontro de alguns
estudos com alunos adolescentes e afastam-se, no entanto, dos resultados indicados por
outros trabalhos. Alguns estudos encontraram que os resultados obtidos diminuíam na
passagem da adolescência inicial para a adolescência média, voltando depois a aumentar
(Jegede, 1982; Marsh, 1989, citados por Veiga, 1995). Esta diminuição talvez se deva ao
facto de haver uma maior valorização das dimensões do autoconceito dos alunos do 5º ano
relativamente aos do 7º ano. Os alunos do 7º ano apresentam uma média superior nas
dimensões ansiedade, popularidade, satisfação-felicidade em relação aos alunos do 5º ano,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
21

talvez porque são mais extrovertidos, privilegiando um maior contacto e afectividade com os
seus colegas. Estes resultados podem dever-se, também, ao facto de os alunos nesta faixa
etária darem maior importância à relação que estabelecem uns com os outros. A dimensão
ansiedade apresenta uma média mais elevada no 7º ano em relação ao 5º ano, talvez pelo
facto de os alunos do 7º ano terem mudado de ciclo (2º para o 3º ciclo) e esta mudança exigir
uma maior responsabilização por parte dos alunos, e visto também, neste ciclo, os alunos
começarem a pensar na área que querem para prossecução de estudos, o que poderá levar a
uma maior ansiedade dos mesmos. Outros estudos não encontraram diferenças no
autoconceito em função do ano de escolaridade (Silberman e Zigmond, 1983; Stopper, 1978,
citado por Veiga, 1995), talvez porque há uma estabilidade em dimensões específicas do
autoconceito ou, então, devido à homogeneidade escolar dos sujeitos da amostra. Outras
investigações referem que em certas áreas se pode registar um certo aumento, outras podem
apresentar uma diminuição estatisticamente significativa e outras permanecer “estáveis”
(Abramowitz e outros, 1984; Veiga, 1995).
Os resultados acerca dos comportamentos de profissionalidade docente apresentam
uma percentagem superior de avaliações elevadas relativamente às avaliações baixas, talvez
pelo facto de os comportamentos de profissionalidade docente serem muito valorizados pelos
alunos, dada a sua importância para um bom resultado nas avaliações. No item “as regras que
estabelecem, nas aulas, parecem mudar bastante”, a existência de uma percentagem notória
de alunos a concordar (cerca de 40%) poderá dever-se ao facto de as regras variarem de
professor para professor e isto originar alguma confusão ou ao facto de os alunos
interiorizarem regras que, por vezes, diferem das dos professores, havendo, assim, uma
menor objectividade na avaliação. Também poderá dever-se ao facto de os alunos darem
importância aos aspectos relacionados com a preparação das aulas por parte dos professores e
conhecerem as regras de conduta de uma sala de aula. Por outro lado, os alunos valorizam
também as conversas que os professores estabelecem com eles, fazendo com que os procurem
para pedir ajuda. Estes resultados vão ao encontro de um outro estudo onde se refere que “os
excelentes professores são os que adoptam comportamentos participativos, ilustram as
matérias com exemplos práticos, são conscienciosos no exercício da função e são corteses no
relacionamento com os estudantes” (Rego e Pereira, 2003, p. 3). Este estudo refere, ainda,
que a junção destas quatro categorias comportamentais são valorizadas pelos alunos, uma vez
que os comportamentos dos professores são passíveis de contribuir para a melhoria da
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
22

qualidade do ensino em diversos níveis, exercendo efeitos positivos que se alastram sobre as
várias áreas.
Os dados obtidos no estudo da relação entre as dimensões da profissionalidade
docente e o rendimento nas disciplinas de Matemática, Português, História e Ciências
aproximam-se de investigações anteriores, feitas com professores universitários, que apontam
para o impacto positivo dos comportamentos de profissionalidade docente (Koh, Steers e
Terborg, 1995; Skarlicki e Latham, 1995, citados por Rego e Sousa, 1999), uma vez que estes
contribuem para a eficácia e para o sucesso dos alunos. Vão ao encontro, também, de estudos
que mostram o impacto dos comportamentos de profissionalidade docente sobre o
rendimento escolar dos alunos (Rego, 2004). A correlação existente, entre as dimensões
ensino e interpessoalidade e o rendimento escolar, prende-se com o facto de os alunos nesta
faixa etária privilegiarem a preparação das tarefas e a execução do acto de ensinar por parte
dos professores. Por outro lado, também privilegiam a disponibilidade para a relação e apoio
do professor.
Os resultados obtidos mostram também correlações significativas entre os itens
relacionados com o apoio emocional prestado pelos professores e as dimensões da
profissionalidade docente, indo ao encontro de alguns estudos que referem que o apoio e a
motivação prestados aos alunos pelos professores influenciam o rendimento escolar dos
alunos (González e Valle, 1998; Gonçalves, 1999). Os itens relativos ao apoio emocional dos
professores relacionam-se na sua maioria com as dimensões da profissionalidade docente,
talvez porque os alunos encontram esse apoio nos professores, pois há uma grande
disponibilidade por parte de alguns professores, e, também, pelo facto de muitas vezes
pertencerem a famílias com pouca disponibilidade e encontrarem esse apoio em alguém
externo à família (professores). Também poderá ser colocada a possibilidade de os estudantes
deste nível de ensino “desenvolverem relações de maior proximidade psicológica e afectiva
com os seus professores ao longo do período lectivo, assim os impelindo a maior
benevolência no momento de descreverem os seus comportamentos e respectivos
desempenhos” (Rego e Pereira, 2003, p. 9). Quanto às aspirações dos alunos no que respeita
ao ano de estudo que pretendem atingir, relaciona-se com a dimensão ensino, pelo facto de os
alunos considerarem que, para o prosseguimento de estudos, os aspectos de maior
importância estarem relacionados com a preparação de actividades e experiências
significativas para eles, permitindo, assim, um maior enriquecimento pessoal (Neto, 1984;
Osborne, 1996; Bachman e O’Malley, 1984; Campbell e Fehr, 1990, citado por Hay, 1998).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
23

Esta ideia vai ao encontro de outros estudos (Rego e outros, 2004) que referem que os
comportamentos docentes podem exercer elevados efeitos motivadores nos estudantes.
Na comparação dos alunos do 5º com os do 7º ano, observou-se uma diminuição
significativa em todas as dimensões da profissionalidade docente, excepto na normatividade,
podendo estar relacionada com o progressivo aumento da exigência dos jovens face aos
adultos ao longo da adolescência. Por outro lado, os adolescentes tendem a tornar-se mais
independentes e, consequentemente, como refere Veiga e outros (2005, p. 12), há “uma
objectividade maior na avaliação que deles fazem; é provável que tal declínio tenha a ver
com o progressivo aumento da exigência dos jovens face aos símbolos da autoridade adulta
(como os professores)”. Embora a diminuição na dimensão normatividade, do 5º para o 7º
ano, não tenha aqui sido estatisticamente significativa, o facto de ter ocorrido alguma
diminuição vai ao encontro de estudos já realizados, podendo dever-se ao prolongamento “da
relativização da autoridade adulta, no processo de autonomização dos jovens” (Veiga et al.,
2005, p. 12). A falta de correlações significativas entre o rendimento escolar e algumas
dimensões da profissionalidade (participação, prática, cortesia e normatividade) apresenta-se
parcialmente de acordo com os resultados obtidos em anteriores estudos (Rego, 2003, 2004;
Veiga et al., 2005). Os resultados nas dimensões da profissionalidade docente em função do
ano de escolaridade apresentaram-se mais elevados no 5º do que no 7º ano, talvez porque os
alunos mais novos revelem uma maior valorização dos comportamentos de profissionalidade
docente. Os resultados obtidos mostram que as dimensões do autoconceito estão associadas
às dimensões da profissionalidade docente, podendo dever-se ao facto de os alunos
valorizarem a preparação das tarefas e privilegiarem a disponibilidade para a relação e o
apoio, contribuindo, assim, para o autoconceito positivo dos alunos o que vai ao encontro de
alguns estudos revistos (Chapman e Boersma, 1979; González e Valle, 1998; Rego e Pereira,
2004).
Os dados obtidos na análise de regressão múltipla das dimensões do autoconceito no
rendimento escolar médio em disciplinas fundamentais (Matemática, Português, História e
Ciências) mostram que as dimensões estatuto intelectual e aparência física são as que mais
contribuem para a explicação do rendimento escolar, talvez pelo facto de os alunos se
encontrarem na adolescência e darem grande importância aos aspectos físicos e intelectuais.
Uma outra explicação possível para este facto é que essas alterações correspondam a
mudanças atribuíveis ao desenvolvimento, as quais levam o adolescente à construção da sua
identidade (Collins e Repinski, 1994; Marsh, Parker e Barnes, 1985). Estes dados corroboram
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
24

outras investigações (Marsh, 1993; Marsh, Parker e Barnes, 1985; Marsh, 1996; Burns, 1990;
Veiga, 1995) que referem importantes correlações entre o autoconceito e o desempenho
escolar. Os resultados obtidos na análise de regressão múltipla das dimensões da
profissionalidade docente no rendimento escolar médio, também nas referidas disciplinas
fundamentais, referem que a normatividade foi a dimensão que contribuiu significativamente
para o rendimento escolar. Este resultado poderá mostrar que, para além da importância dos
professores dominarem os conteúdos que ensinam, é fundamental que tenham competências
para criar condições de ensino e de aprendizagem e, portanto, a formação psicopedagógica
dos professores seja de evidente importância.

Conclusões finais

A profissão de professor é complexa, tendo como traços definidores a incerteza e a


ambiguidade das funções. Para fazer face a esta realidade, o professor conta, acima de tudo,
consigo próprio, não sendo apenas um observador, mas o actor insubstituível da relação
pedagógica. Assim, o contexto escolar surge através das constantes interacções entre alunos e
entre estes e os professores e outros membros da comunidade educativa. No decorrer do
processo de ensino-aprendizagem, é importante, cada vez mais, estar-se atento aos aspectos
pessoais dos alunos: o que o aluno expressa na aula, o seu trabalho individual e as suas
actividades de grupo. Desta forma, o autoconceito escolar liga-se a questões relativas às
relações interpessoais que ocorrem no contexto escolar. Assim sendo, os comportamentos dos
professores passam pela realização de tarefas que devem ir para além das tradicionais
obrigações formais do professor. É importante que desenvolvam diferentes competências e
implementem diferentes práticas profissionais em resposta às novas tarefas. As escolas com
maior incidência de cidadania docente (neste estudo, equivalente a profissionalidade docente)
são mais eficazes no cumprimento das suas funções educativas, contribuindo, assim, para a
formação de cidadãos mais responsáveis (Rego e Sousa, 1999; Veiga, 2001, 2005).
O autoconceito é concebido como sendo uma estrutura multifacetada e maleável
composto por um conjunto de auto-representações. Um sistema que associa, organiza e
coordena uma variedade de imagens, esquemas, teorias, conceitos, metas e ideias que
possuímos de nós mesmos. Assim, a vivência na escola contribui para a formação do
autoconceito do aluno, principalmente o escolar, que se refere às características que ele
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
25

acredita possuir em relação ao seu desempenho académico e que se desenvolve com base nas
avaliações que recebe dos seus professores, dos colegas e dos pais sobre o seu desempenho
na escola. O autoconceito escolar está relacionado com as experiências de sucesso ou
fracasso nas actividades académicas (Cubero e Moreno, 1995; Byrne, 1996a, Stevenato e
outros, 2003; Veiga, 1996, 2001). Sendo assim, o sucesso e/ou fracasso servem para
conformar um determinado autoconceito escolar e ele mesmo pode determinar, em grande
medida, as possibilidades que o aluno se concede, os riscos que enfrenta e os resultados que
obtém. De modo geral, alunos que apresentam conceitos mais positivos sobre as suas
capacidades, em relação às tarefas escolares, tendem a obter melhores resultados do que
aqueles que apresentam conceitos negativos ou duvidosos sobre si-mesmos e sobre as suas
habilidades (Peixoto, 2004; Senos, 1997; Veiga, 1996, 2005). Pelo contrário, o aluno que não
se sente bem na escola parece ter uma visão geral mais negativa sobre si-mesmo, evita
situações sociais, mantém um descrédito de si-mesmo, obtém resultados mais negativos. Em
suma, é válido salientar que os alunos com um autoconceito positivo tendem a acreditar mais
nas suas potencialidades, são mais confiantes em si-mesmos, mais perseverantes em
actividades, não temem o erro, pois vêem-no como parte da sua aprendizagem e relacionam-
se melhor com as outras pessoas.
Em estudos posteriores poderão ser estudadas as relações entre as atitudes dos alunos
face a si-próprio e os comportamentos de profissionalidade docente vistos pelos alunos, mas
incluindo novas amostras e variáveis. Por outro lado, e partindo dos elementos mais
pormenorizadamente apresentados no estudo em que o presente trabalho se baseia (Tavares,
2006), poderão ser utilizados outros métodos de recolha de dados, de natureza mais
qualitativa, para validar o presente estudo. Deverá ter-se em conta como é que as percepções
dos alunos sobre os comportamentos de profissionalidade dos professores podem interagir
com as características individuais dos alunos. Em futuros estudos poderá haver a inclusão de
outras variáveis pessoais e familiares, bem como incluir outros anos de escolaridade.
Poderão, ainda, utilizar-se outros instrumentos de avaliação para posterior comparação,
avaliar comportamentos mais específicos dos professores e dos alunos, não apenas através
das representações dos alunos, mas também através dos próprios professores. Também se
poderá estudar o que sucede em diferentes classes sociais e em alunos com diferentes
nacionalidades.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
26

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Atractividade e comportamento agressivo

Patrícia Arriaga Ferreira (Departamento de Psicologia da Universidade Lusófona de


Humanidades e Tecnologias)
patrícia.arriaga@clix.pt
Américo Baptista (Departamento de Psicologia da Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias)
Jorge Oliveira (Departamento de Psicologia da Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias)

Palavras-chave:

Agressão; Atractividade facial.

Resumo/Abstract:
O presente estudo experimental analisou o efeito da atractividade de um alvo no
comportamento agressivo de 120 estudantes universitários. Para avaliar a agressão usou-se
uma tarefa competitiva, baseada no paradigma da agressão de Taylor. Antes de iniciarem a
tarefa, os participantes conheceram o seu presumível adversário através de uma fotografia de
rosto. A apresentação das fotografias - previamente avaliadas - constituiu a forma de
manipular a atractividade (atraente ou não atraente) e o sexo do adversário. Verificou-se que
os homens são mais agressivos que as mulheres. Porém, a manifestação da agressão não
dependeu da Atractividade ou do Sexo do adversário.

Atractividade e comportamento agressivo


Uma impressão geral sobre o outro pode ser formada com base em meros indícios
físicos não verbais. O sexo, a idade, a cor de pele, a beleza física, a expressão facial, ou
inclusive o modo de vestir, podem ser indícios suficientes para a activação de estereótipos e
para a formação de julgamentos sociais (Alferes, 2000; Caetano, 2000).
No que se refere a indícios específicos como a atractividade física, a investigação tem
mostrado que o facto de uma pessoa ser avaliada como atraente ou não atraente, pode
constituir-se como um indício relevante na formação das primeiras impressões e conduzir a
generalizações acerca de outros atributos físicos e psicológicos que essa mesma pessoa
poderá dispor (e.g., Langlois, Kalakanis, Rubenstein, Larsen, Hallam, & Smoot, 2000).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
30

Desde a publicação de Dion, Berscheid e Walster (1972), com a célere expressão “o


belo é bom”, que a tendência para a atribuição de qualidades positivas a uma pessoa, com
base exclusivamente na percepção da sua atractividade física, foi considerada um estereótipo
social. Neste estudo, foram exibidas fotografias de homens e mulheres, previamente
classificadas em termos da atractividade física, a adultos de ambos os sexos, solicitando-lhes
que as avaliassem relativamente a outros atributos e que fizessem previsões acerca do seu
futuro. Os autores constataram que as pessoas-alvo mais atraentes, por comparação com as
não atraentes, foram as que receberam classificações mais positivas em seis dos sete
parâmetros avaliados (e.g., maior adequação social; empregos com maior estatuto, altruísmo,
estabilidade, competência marital). O único domínio em que os atraentes não foram avaliados
de modo mais positivo que os não atraentes foi na competência parental. Este estudo clássico
evidenciou assim que a percepção positiva ou negativa da atractividade do alvo contribui para
a formação de juízos sociais e para a criação de expectativas acerca de consequências futuras
nas suas vidas, mesmo sem a ocorrência de um contacto pessoal e na ausência de informação
adicional sobre a mesma.
As revisões da literatura (e.g., Zebrowitz, 1997) e as meta-análises efectuadas a este
propósito (e.g., Eagly, Ashmore, Makhijani, & Longo, 1991; Feingold, 1992; Langlois et al.,
2000) têm corroborado esta tendência para a emissão de julgamentos sociais favoráveis sobre
alvos atraentes, tendência que parece começar a desenvolver-se muito precocemente e
elaborada ao longo da vida (Rubenstein, 1999, cf. Rubenstein, Langlois, & Roggman, 2002).
Evidentemente que este estereótipo social pode ser atenuado com o aumento de informação
individualizante sobre o alvo (Eagly et al., 1991) e pode depender de características
individuais e da história de aprendizagem do percepcionador (Zebrowitz & Rhodes, 2002),
embora, no geral, tenda a manter-se com a idade e a influenciar inclusive os nossos
julgamentos e atitudes sobre alvos familiares (Langlois et al., 2000).
Refiram-se, a título ilustrativo, alguns resultados que a investigação tem mostrado.
Assim, por exemplo, as pessoas atraentes, sejam crianças, adolescentes ou adultos, por
comparação a alvos não atraentes, são consideradas mais simpáticas, mais inteligentes, mais
saudáveis, com melhores competências sociais, e com traços de personalidade mais
desejáveis do ponto de vista social, quer por parte de crianças (e.g., Dion, 1973; Langlois &
Stephan, 1977), quer de adultos (e.g., Ritts, Patterson, & Tubbs, 1992; Diener, Wolsic, &
Fujita, 1995). No que se refere a avaliações sobre comportamentos anti-sociais, os resultados
têm mostrado que estes tendem a ser mais tolerados e percebidos como temporários quando
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
31

são manifestados por crianças atraentes, por comparação com as pouco atraentes
relativamente às quais se presume serem de maior gravidade e mais estáveis (e.g., Adams &
Crane, 1980; Dion, 1972).
Em termos da dimensão dos efeitos, destaca-se a mais recente meta-análise efectuada
por Langlois e co-autores (2000) por incidir na atractividade facial. De um modo geral, os
resultados evidenciam semelhanças nos julgamentos sobre alvos crianças e adultos, no
sentido de alvos mais atraentes serem avaliados mais favoravelmente do que os não atraentes.
Porém, enquanto para alvos crianças, as dimensões são superiores em áreas que remetem para
o interesse social (e.g., sociabilidade, desejabilidade social, temperamento, bom
relacionamento interpessoal, estados de humor positivos) e a competência académica e
desenvolvimental (e.g., desempenho académico, aptidões, inteligência, capacidade de
concentração), seguindo-se avaliações sobre a adaptação psicológica (e.g., conforto em
contextos sociais, confiança, medos, agressividade) e a competência interpessoal (e.g.,
sucesso em situações sociais, liderança, poder). Para alvos adultos as de maior dimensão
manifestam-se em áreas como a competência profissional (e.g., desempenho no trabalho,
competência, motivação para o sucesso, adequação para um potencial emprego), seguida do
interesse social (e.g., desejabilidade social, amigável, graciosa, agradável), da competência
interpessoal (e.g., sucesso em situações sociais, assertividade, aptidões sociais gerais) e, por
último, da adaptação psicológica (conforto, ansiedade, solidão, adaptação em contextos
clínicos).

Acresce ainda que, se a propensão é para favorecer os mais atraentes, existe também
alguma investigação que mostra a sua associação a algumas características negativas, tais
como a vaidade, o egoísmo e a predisposição para problemas conjugais (Dermer & Thiel,
1975; Wheeler & Kim, 1997, cf. Lee-Manoel, Landgraf, Morais, Bussab, 2002).
A formação de juízos sociais baseados na atractividade pode ter consequências sérias,
na medida em que pode contribuir para que estes as internalizem e desenvolvam uma imagem
de si próprias em consonância com as perspectivas que lhe foram transmitidas pelos diversos
agentes de socialização. Por outro lado, os estudos empíricos também têm mostrado que a
forma como são tratados é distinta e que, em muitas situações, chega a ocorrer discriminação
social dos menos atraentes (Langlois et al., 2000).
Este tratamento diferencial baseado na atractividade tende a manifestar-se desde tenra
idade. Durante a infância, além da tendência para a atribuição de traços e comportamentos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
32

negativos a indivíduos não atraentes, as crianças também estabelecem interacções mais


negativas com os mesmos (Langlois et al., 2000). Atitudes negativas dirigidas a alvos não
atraentes ocorrem igualmente durante a adultícia afectando igualmente alvos de todas as
idades e de ambos os sexos. Por exemplo, os bebés menos atraentes tendem a receber menos
afecto e atenção por parte das suas mães do que os mais atraentes (e.g., Langlois, Ritter,
Casey, & Sawin, 1995). As crianças e os adolescentes menos atraentes são também menos
investidos por parte das educadoras de infância ou dos professores, do que as mais atraentes
(e.g., Dion, 1972). Indivíduos menos atraentes também parecem ser mais discriminados em
áreas como a selecção e recrutamento de pessoal (e.g., Morrow, 1990; Shahani, Dipboye, &
Gehrlein, 1993), no local de trabalho (e.g., Hamermesh & Biddle, 1994), no sistema judicial
criminal (e.g., Abel & Watters, 2005; Efran, 1974; Mazzella & Feingold, 1994; Stewart,
1980; Wuensch, Castellow, & Moore, 1991), ou na política (e.g., Budesheim & DePaola,
1994). Assim, por exemplo, as investigações sobre os efeitos da atractividade na avaliação de
culpabilidade e na determinação de sentenças judiciais têm mostrado que os arguidos mais
atraentes são julgados com maior leniência do que os menos atraentes, embora este
enviesamento pareça depender, entre outros factores, do tipo e da gravidade da transgressão
(Mazzella & Feingold, 1994). Em termos da avaliação da culpabilidade, os efeitos da
atractividade são mais consistentes quando se trata de crimes de pouca gravidade (Stewart,
1980). Face a situações de condenação, existe também uma tendência para o favorecimento
dos mais atraentes, nomeadamente com a aplicação de sentenças menos severas em situações
que envolvem o mesmo tipo de crime (e.g., Efran, 1974; Stewart, 1980). Wuensch e co-
autores (1991) também sugeriram a possível moderação do sexo do participante e do sexo do
arguido, mas os resultados que têm sido publicados não são consistentes a este propósito
(Abel & Watters, 2005).
No que se refere à qualidade do relacionamento interpessoal, a investigação tem
mostrado que os mais atraentes têm igualmente vantagens sobre os menos atraentes,
nomeadamente pelo facto de receberem mais ajuda e cooperação por parte de indivíduos de
ambos os sexos e de diferentes grupos etários (e.g., Benson, Karabenick, & Lerner, 1976;
West & Brown, 1975; Wilson, 1978).
No conjunto, a investigação empírica evidencia uma convergência notável nos
resultados. No entanto, se os resultados do conjunto de estudos permitem extrair conclusões
gerais acerca do favorecimento dos mais atraentes, em detrimento dos menos atraentes,
parece-nos igualmente relevante considerar a importância de áreas e contextos em que o
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
33

efeito da atractividade tenha sido pouco investigado, o seu efeito tenha sido nulo ou oposto ao
que é habitualmente reportado. Por outro lado, como já foi referido, os efeitos da
atractividade e a própria avaliação da atractividade podem depender das características
individuais do avaliador e da sua história de aprendizagem (Zebrowitz & Rhodes, 2002), ser
mediadas pelos seus estados emocionais (White et al., 1981, cf. Alferes, 2000), e interagir
com outros atributos do alvo que sejam relevantes para o contexto social em que a avaliação é
feita. Se, no geral, os estudos de meta-análise evidenciem que o efeito da atractividade não
tende a ser moderado pelo sexo do avaliador, nem pelo sexo ou a idade do alvo (Eagly et al.,
1991; Feingold, 1992; Langlois et al., 2000), não se exclui que não haja excepções. Variáveis
como o sexo e a idade são habitualmente associadas a várias normas sociais e ao estatuto
(Dion, 2002), pelo que em certos contextos poderão ser indícios relevantes para diferenciar os
julgamentos e os comportamentos entre homens e mulheres.
Todavia, apesar de as conclusões reportadas alertarem para sérias consequências
sociais, a investigação mais profícua sobre a atractividade facial foi efectuada nas décadas de
70 e 80 do século passado, diminuindo acentuadamente desde essa época. Note-se que apenas
12% dos estudos incluídos na meta-análise de Langlois e co-autores (2000), sobre os juízos
sociais e o tratamento de que são alvo, foram posteriores a essas datas.
Uma das áreas em que o efeito da atractividade de adultos também recebeu até à data
pouca atenção foi a da agressão. A meta-análise de Langlois e co-autores (2000) refere
apenas seis estudos publicados que testaram a possibilidade de interacções negativas dirigidas
a alvos adultos baseados na sua atractividade facial, cujos resultados mostraram que o
tratamento foi mais favorável a 63% de adultos atraentes do que a um adulto médio, enquanto
apenas 37% de adultos não atraentes foram alvo de tratamentos mais favoráveis que um
adulto médio (d+ = -0,54). Todavia, entre estes estudos apenas foi incluída uma publicação –
da autoria de Alcock, Solano e Kayson (1998) – sobre o efeito da atractividade do alvo no
comportamento agressivo do agente.
Este último artigo é citado com alguma frequência na literatura mas, na nossa opinião,
apresenta várias limitações que põem em causa a validade das suas conclusões. Alcock e co-
autores (1998) procederam inicialmente à selecção de indivíduos, de ambos os sexos,
mediante uma avaliação prévia da sua atractividade, dispostos a colaborar como “cúmplices”
dos investigadores. Os cúmplices (atraentes e não atraentes) foram instruídos a provocarem
os participantes, entornando para cima das suas roupas um copo com água. Subsequente a
este “incidente”, foi avaliada a reacção agressiva dos participantes, quer por parte dos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
34

experimentadores, quer pelos próprios participantes. É, no entanto, evidente a falta de clareza


e detalhe relativamente aos critérios usados nesta avaliação. Em termos dos resultados
obtidos, e no que se refere às avaliações da agressão efectuadas pelos experimentadores, os
autores destacaram que os cúmplices do experimentador não atraentes foram alvo de mais
agressão do que os cúmplices atraentes. No entanto, uma análise mais cuidada dos valores
médios obtidos por condição também põe em causa esta conclusão, pelo facto de parecem
corresponder a atitudes “neutras” ou de indiferença, ao contrário de agressivas. Por contraste,
os resultados obtidos para a auto-avaliação da agressão não evidenciaram quaisquer efeitos
significativos. Surpreendentemente, porém, não foi interpretada a diferença nos resultados
que se obteve entre estas duas distintas avaliações da agressão (hetero e auto-avaliação), nem
abordada a possível ocorrência de enviesamentos dos experimentadores na interpretação dos
comportamentos, tendo os autores se limitado a concluir que a hipótese principal foi
confirmada.
Face às limitações deste estudo que o estudo de Alcock e co-autores (1998) apresenta,
e em virtude das consequências relacionais negativas que emergem das suas conclusões,
considerou-se pertinente a realização de um novo estudo sobre esta temática. Começa-se por
clarificar o conceito de agressão e evidenciar as opções experimentais que permitem a sua
adequada operacionalização.
Existe actualmente consenso em definir a agressão como um comportamento
interpessoal, cuja intenção por parte do agressor é a de magoar, prejudicar ou incomodar a
vítima, estando a vítima motivada para evitar este tratamento (Anderson & Bushman, 2002;
Berkowitz, 1993). Para a sua operacionalização junto de adultos, os paradigmas
experimentais que decorrem em laboratório têm a vantagem de criar as condições que
facilitam este comportamento e medi-lo em consequência de uma situação particular que é
manipulada (Anderson & Bushman, 1997). Nestes paradigmas, recorre-se a tarefas que
possibilitem ao participante prejudicar ou infligir algum dano a outro indivíduo. Porém, como
o comportamento agressivo atenta contra as normas sociais, é habitual a colocação dos
participantes numa situação que lhes permita ultrapassar estas fortes restrições sociais ou de
modo a que a agressão seja entendida como justificável (Taylor, 1967).
Uma das vias que tem mostrado ser bastante eficaz para instigar a agressão é a
provocação (Bettencourt & Miller, 1996). Além de poder contribuir para um aumento dos
estados afectivos negativos de ira, que podem facilitar a agressão (Berkowitz, 1993), também
pode justificar a retaliação, face ao domínio da norma de reciprocidade. Esta norma é
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
35

evidenciada nos estudos em que a intensidade da provocação manipulada é directamente


proporcional à agressão manifestada (e.g., Anderson, Anderson, Dorr, DeNeve, & Fanagan,
2000).
O tipo de provocação usado tem sido variado: desde ofensas verbais (e.g., Gentry,
1972; Wilson & Rogers, 1975), feedback negativo à inteligência (e.g., Caprara, 1982) a
ataques físicos directos (e.g., Taylor, 1967). Actualmente, é habitual recorrer-se a versões
modificadas do paradigma de Taylor, em que a agressão é provocada com ruído e avaliada
mediante o ruído que o participante administra a um presumível adversário durante a
execução de uma tarefa competitiva (e.g., Bushman, 1995).
O estudo do efeito da atractividade no comportamento agressivo também não deve ser
analisado sem ter em consideração o sexo do agente e do alvo, uma vez que estas duas
variáveis ao poderem influir nas respostas agressivas, podem constituir-se como moderadoras
do efeito da atractividade na agressão.
No que se refere ao sexo do agente, a investigação tem mostrado que os homens são
habitualmente mais agressivos do que as mulheres, principalmente no que se refere à
agressão física (Bettencourt & Miller, 1996; Hyde, 2005). Estas diferenças também
dependem de outros factores contextuais relevantes. De acordo com a investigação, as
mulheres são menos agressivas do que os homens quando acreditam que estes actos podem
ter como consequência a retaliação. Por contraste, as mulheres tendem a manifestar a
agressão de um modo semelhante aos homens em contextos que é possível a
desresponsabilização pelas suas acções ou em situações em que a retaliação não é exequível
(e.g., Parke & Slaby, 1983). O estudo de meta-análise de Bettencourt e Miller (1996) também
evidenciou que ambos os sexos são mais agressivos mediante condições de provocação do
que na sua ausência, embora a provocação tenda a reduzir as diferenças entre os sexos.
Porém, mesmo em condições de provocação, os autores referem outras variáveis que tendem
a contribuir para que os homens sejam mais agressivos do que as mulheres. Por exemplo, o
tipo de agressão que é possível aos participantes manifestar para prejudicar o outro pode ser
relevante: quer em condições provocatórias, quer neutras, os homens são mais agressivos em
medidas que avaliam a agressão física, principalmente quando a operacionalização da
agressão se baseia em choques eléctricos ou ruídos que os participantes administram. Por
outro lado, as diferenças entre os sexos são atenuadas em estudos que medem a agressão
verbal.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Atendendo à importância das normas e dos valores sociais na cultura ocidental,


poderá haver maiores restrições por parte dos homens em agredir elementos do sexo feminino
do que masculino (Bjorkqvist & Niemela, 1992). Por outro lado, o já mencionado receio das
mulheres em sofrerem represálias, por considerarem a sua força física inferior à dos homens,
pode contribuir para que inibam mais as suas reacções agressivas perante alvos masculinos
do que femininos. Os resultados obtidos por Bettencourt e Miller (1996) sugerem que, de
facto, os homens e mulheres são mais agressivos para alvos do mesmo sexo, mas apenas em
situações de provocação. Na ausência de provocação, os homens mantêm este padrão, mas a
agressão das mulheres mostrou ser independente do sexo do alvo.
A presente investigação teve por objectivos analisar se a manifestação de
comportamentos agressivos é influenciada pela atractividade do alvo, e investigar em que
medida factores como o sexo do agente e o sexo do alvo interagem com a atractividade para
explicar esses comportamentos. De acordo com a revisão da literatura, que sugere que alvos
menos atraentes são objecto de mais interacções negativas do que alvos atraentes (Langlois et
al., 2000), é esperado que os participantes sejam mais agressivos nas condições de interacção
com alvos não atraentes do que nas condições de interacção com alvos atraentes (hipótese 1).
Por outro lado, face à importância das normas e dos valores sociais que regulam este
tipo de comportamento e tendo em consideração o paradigma que pretendemos usar (Taylor,
1967), cuja agressão física é avaliada na sequência de provocação física, é esperado que os
homens manifestem mais agressão do que as mulheres (hipótese 2), mas também que ocorra
uma interacção entre o sexo do participante e o sexo do alvo, no sentido de ambos os homens
e mulheres manifestarem mais agressão face a alvos do mesmo sexo (hipótese 3).
Na ausência de literatura acerca da possível moderação do sexo do participante ou do
sexo do alvo sobre os efeitos da atractividade do alvo na agressão do agente, a sua análise
será exploratória.
Método

Participantes
A experiência foi efectuada por cinco experimentadores do sexo feminino e contou
com a participação de 120 estudantes da Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias em Lisboa (61 do sexo masculino e 59 do sexo feminino), caucasianos, com
idades compreendidas entre os 17 e 36 anos (M = 23,70; DP = 3,38) e de orientação
heterossexual.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
37

A distribuição aleatória dos participantes pelas condições experimentais é apresentada


na tabela 1 e foi efectuada de acordo com o seguinte desenho factorial inter-sujeitos: 2
(Atractividade do Alvo: atraente, não atraente) X 2 (Sexo do Participante: masculino,
feminino) X 2 (Sexo do Alvo: masculino, feminino).
Tabela 1.
Distribuição dos participantes pelas condições experimentais.

Sexo do participante Total


Atractividade Sexo do alvo Feminino Masculino

Feminino 15 15 30

Atraente

Masculino 15 15 30

Total 30 30 60

Feminino 12 15 27

Não atraente

Masculino 17 16 33

Total 29 31 60

Medidas
Manipularam-se as variáveis independentes atractividade e sexo do alvo mostrando aos
participantes uma fotografia do rosto da pessoa-alvo1. Foram usadas quatro fotografias (duas
masculinas e duas femininas), seleccionadas previamente como as mais e menos atraentes
relativamente a um conjunto de 28 imagens de faces2. As duas imagens pouco atraentes

1
Fotografia tipo “passe”, com 3,5 cm de altura por 3 cm de largura.
2
Foi efectuado um estudo prévio com o intuito de seleccionar as faces mais e menos atraentes de elementos do
sexo masculino e feminino. Para este efeito foram avaliadas 28 fotografias, de 14 homens e de 14 mulheres, com
expressões faciais neutras. A maioria das imagens foi retirada da base de imagens “The AR Face Database”
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
38

foram retiradas da base de imagens “The AR Face Database” de Martinez e Benavente (1998)
e as duas imagens mais atraentes do trabalho de Braun, Gruendl, Marberger e Scherber
(Beauty Check, 2001).
A variável dependente agressão física foi medida através de uma tarefa competitiva
de tempo de resposta, correspondendo a uma versão modificada do Paradigma de Taylor
(1967), desenvolvida e validada por Arriaga, Esteves e Monteiro (2004). Trata-se de uma
tarefa de simulada competição com um adversário, largamente usada em estudos
experimentais que avaliam o comportamento agressivo (e.g., Bushman, 1995).
Nesta tarefa, os participantes são levados a acreditar que participam num conjunto de
“concursos” de tempo de resposta com um adversário. A tarefa dos participantes consiste em
tocarem numa tecla o mais rápido que conseguirem logo após um estímulo circular alterar a
sua cor do vermelho para o verde. O participante é informado que desempenhará a tarefa em
simultâneo com um parceiro. Antes de cada desafio, os participantes podem ajustar o nível de
ruído que pretendam administrar ao seu adversário. O ruído pode variar em termos de
intensidade (de zero a 95 décibéis) e de duração (de zero a quatro segundos), podendo os
participantes seleccionar estes níveis em escalas intervalares que variam entre zero e dez. Os
participantes perdem 12 e vencem 13 ensaios e, consequentemente, são também alvo de
ruídos, por um padrão de intensidade e duração pré-determinado pelo experimentador, cuja
finalidade é a de provocar o participante. O ruído que é administrado ao participante tem a
mesma média de intensidade e de duração (M = 6) em três blocos de ensaios, correspondendo
aos níveis 2, 9, 6 e 7 no primeiro bloco; níveis 6, 3, 10 e 5 no segundo bloco; e níveis 4, 8, 3 e
9 no terceiro bloco. Em cada bloco, estes níveis de intensidade e de duração do ruído
apresentam uma ordem aleatória para cada participante (ler Arriaga, Esteves & Monteiro,
2004).

construída por Martinez e Benavente (1998). No entanto, em virtude da necessidade de incluir imagens de faces
muito atraentes, foram acrescentadas duas imagens (uma masculina e uma feminina) seleccionadas a partir do
trabalho divulgado em Beautycheck (2001) que se refere ao estudo de Braun, Gruendl, Marberger e Scherber
(2001). Estas duas últimas imagens correspondem a faces geradas por computador, avaliadas por agências de
modelos como as mais atraentes. Cada face foi visionada durante seis segundos no software Powerpoint,
seguida pela sua avaliação em vários parâmetros, entre os quais a atractividade, mediante uma escala de resposta
com 10 cm, que variou entre 0 (nada) e 10 (muito). Participaram nesta avaliação 60 participantes (25 do sexo
masculino e 35 do sexo feminino), entre os 20 e os 38 anos de idade (M = 29,73; DP = 6,06). Entre estas 28
fotografias, seleccionou-se as duas mais atraentes (face feminina: M = 7,84 e DP = 2,18; face masculina: M =
6,67 e DP = 2,85) e as duas menos atraentes (face feminina: M = 1,43 e DP = 1,42; face masculina: M = 2,68;
DP = 1,84).
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A agressão foi operacionalizada em função dos níveis de intensidade e de duração dos


ruídos que o participante administra ao adversário ao longo dos 25 ensaios desta tarefa, sendo
estes automaticamente registados no computador.
A investigação tem evidenciado que este paradigma apresenta uma boa validade
externa, consubstanciada nas associações positivas entre esta medida de agressão física e as
respostas em questionários de auto e hetero-avaliação que medem a agressividade (e.g.,
Arriaga, Esteves & Monteiro, 2004). As meta-análises têm igualmente encontrado uma
correlação de efeito-médio entre a agressividade e a agressão avaliada em contexto
laboratorial (e.g., Anderson & Bushman, 1997; Carlson, Marcus-Newhall & Miller, 1989).
Procedimentos
Foi solicitado aos participantes a colaboração para participarem numa investigação
que tinha por objectivo avaliar a rapidez de reacção em situações de competição. Para
angariar participantes, foi explicado que a tarefa exigia a participação de duas pessoas e que,
devido à falta de comparência de um participante, a outra pessoa já se encontrava numa das
salas do laboratório à espera de iniciar a tarefa.
A experiência foi realizada individualmente no laboratório de Psicologia
Experimental da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Após obtido o
consentimento informado, com a garantia da confidencialidade das respostas individuais, foi
repetido o objectivo da experiência ao participante. Para que tivesse uma ideia mais precisa
do colega com quem iria interagir, foi-lhe solicitado que facultasse uma fotografia sua para a
mostrar ao colega. Por sua vez, foi-lhe mostrada a fotografia do colega, mantendo-a sobre a
sua secretária durante toda a experiência. Cada participante apenas visualizou uma das quatro
fotografias usadas para manipular a atractividade e o sexo do alvo, tendo sido aleatória a sua
distribuição.
Explicou-se que a tarefa seria composta por 25 ensaios, cujo objectivo principal seria
premir uma tecla o mais rápido possível, logo após a alteração da cor de um estímulo. Foi
ainda explicado ao participante que, antes de cada ensaio, ambos poderiam escolher quer a
duração quer a intensidade de um ruído para administrar ao seu adversário. Porém, o ruído
apenas seria audível pelo adversário no caso de vencerem o ensaio. Foram exemplificados
alguns índices de ruído de modo a formarem uma ideia mais precisa da intensidade e da
duração que poderiam administrar. Após devidamente esclarecidos os procedimentos, a
experimentadora ausentou-se da sala e solicitou ao participante que aguardasse até receber
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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indicações pelo computador de que o adversário estaria pronto para iniciar a tarefa. A
experimentadora regressou após indicação do participante de que a tarefa havia terminado.
No final da tarefa, foi realizada uma entrevista pós-experimental com as seguintes
finalidades: detectar se os participantes desconfiaram das hipóteses da investigação, do real
objectivo da tarefa competitiva e da ausência de um adversário; estimar a percepção dos
participantes sobre a atractividade do adversário numa escala de resposta de cinco pontos que
variou entre 1 (nada atraente) e 5 (muito atraente); e avaliar as intenções dos participantes
em prejudicar o adversário durante a administração de ruído, com vista a garantir a validade
da avaliação da agressão - para este efeito além de inquiridos acerca das suas motivações, foi
avaliado o incómodo que pensam ter causado ao adversário, numa escala de resposta que
variou entre 0 (nada incomodado) e 10 (Muito incomodado). Usando a mesma escala de
resposta foi ainda avaliada a percepção de incómodo por parte dos participantes relativamente
ao ruído de que foram alvo durante a tarefa.
No final da entrevista, solicitou-se ao participante que entregasse a fotografia do
adversário e devolveu-se a fotografia do participante. A sessão terminou com o
agradecimento aos participantes pela colaboração voluntária. Em média, toda a sessão
demorou cerca de 20 minutos por participante.
Resultados
Percepção da atractividade do alvo pelos participantes
Como foi referido previamente, as imagens das faces dos alvos foram seleccionadas
com base numa avaliação prévia da sua atractividade por elementos de ambos os sexos.
Contudo, para tornar inequívoco que também houve diferenciação na atractividade entre as
imagens dos alvos pelos próprios participantes, solicitou-se-lhes que avaliassem a
atractividade do adversário durante a entrevista pós-experimental. Esta avaliação foi sujeita a
uma análise de variância (ANOVA), com os seguintes três factores inter-sujeitos: 2
(Atractividade do alvo: atraente, não atraente) X 2 (Sexo do alvo: masculino, feminino) 2
(Sexo participante: masculino, feminino) X 2 (Sexo participante: masculino, feminino). Tal
como se esperava, os resultados evidenciam um efeito principal da Atractividade do Alvo,
F(1, 112) =60.27, p<.001, ηp2=.35, mostrando que os alvos previamente classificados de
atraentes foram avaliados como mais atraentes (M=3.13) do que os não atraentes (M=2.16).
Ocorreram ainda efeitos de interacção entre a Atractividade e o Sexo do Alvo, F(1,
112)=12.16, p<.01, ηp2=.09, e entre Atractividade X Sexo do Alvo X Sexo do Participante,
F(1, 112)=4.09, p<.05, ηp2=.04. As análises simples do efeito de interacção duplo
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
41

Atractividade X Sexo do Alvo, com ajustamento Bonferroni, mostram que os alvos atraentes
foram avaliados como mais atraentes do que os alvos não atraentes por ambos os sexos,
embora para os alvos Atraentes, o sexo feminino tenha sido avaliado como mais atraente
(M=3.33) do que o sexo masculino (M=2.93), F(1, 112)=5.21, p<.05, e para os alvos Não
Atraentes foi o sexo feminino a ser avaliado como menos atraente (M=1.93) do que o sexo
masculino (M=2.40), F(1, 112) = 7, p<.01. O efeito de interacção triplo evidencia ainda que
esta diferenciação foi feita apenas pelos elementos do sexo masculino. Verificou-se, portanto,
que as fotografias usadas para manipular a atractividade do sexo do adversário foram
avaliadas de modo distinto, mesmo tendo esta avaliação sido efectuada após a interacção com
o adversário. Embora fosse possível que a percepção de provocação pudesse influir nesta
avaliação, os resultados mostram que a associação entre o incómodo sentido pelos
participantes e a avaliação da atractividade do alvo não foi significativa, r(120)=.12, p>.10.

Adequabilidade da medida de agressão


Antes de proceder ao teste das hipóteses, considerou-se igualmente importante garantir
a adequada operacionalização da agressão junto dos participantes da presente investigação.
Em primeiro lugar, nenhum participante incluído neste estudo desconfiou da não existência
de um adversário, de que a tarefa pretendia avaliar a agressão, ou imaginou os objectivos
reais do estudo. As análises das motivações dos participantes mostraram que houve intenção
de prejudicar o adversário com o ruído administrado. Por outro lado, o incómodo que pensam
ter causado ao adversário variou entre .05 e 10 (M=4.32 e DP=2.52, numa escala de
amplitude 0-10). Por último, em virtude de os valores médios de intensidade e de duração dos
ruídos, administrados pelos participantes ao longo dos 25 ensaios, apresentarem uma
correlação linear extremamente elevada (correlação de Pearson), r(120)=.90, p<.001
(bilateral), optou-se por operacionalizar a agressão com base no cálculo da média simples
destes dois indicadores.
Análise do efeito da atractividade do alvo na agressão, em função do sexo do participante e
do sexo do alvo
A análise dos resultados das respostas agressivas foi realizada segundo uma ANOVA a
três factores inter-sujeitos: 2 (Atractividade do Alvo) X 2 (Sexo do Alvo) X 2 (Sexo do
Participante). Foi encontrado um efeito principal do Sexo do Participante, F(1, 112)=24.91,
p<.001, ηp2=.18, que confirma a segunda hipótese: o sexo masculino (M=6.44) manifestou-se
mais agressivo que o sexo feminino (M=4.46). Contrariamente à hipótese principal, os
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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resultados mostraram a inexistência de um efeito significativo da atractividade do alvo no


comportamento agressivo do agente, assim como evidenciaram a não ocorrência de efeitos de
interacção entre esta variável, o sexo do participante e o sexo do adversário. Por fim, as
diferenças entre sexos na agressão também não dependeram do sexo do adversário, refutando
a terceira hipótese (ver a Figura 1).

Figura 1.
Respostas agressivas em função da atractividade do alvo, do sexo do alvo e do sexo do
participante
Feminino Masculino

10.00
9.00 7.28
8.00 6.37
6.08 6.04
7.00
Agressão

6.00 4.93
4.25 4.59 4.06
5.00
4.00
3.00
2.00
1.00
0.00
Feminino Masculino Feminino Masculino

Atraente Não atraente


Alvo

Nota. R2 = 0,22; R2Ajust = 0,17; MSE = 470,68; FAtractividade(1, 112)=0,05, ns; FSexo
participante(1, 112)=24,91, p<0,001; FSexo alvo(1, 112)=1,10, ns; FAtractividade X Sexo participante(1,
112)=0,78, ns; FSexo participante X Sexo Alvo(1, 112)=0,74, ns; FAtractividade X Sexo alvo(1,
112)=0,03; FAtractividade X Sexo participante X Sexo alvo(1, 112)=1,82, ns.

Com o intuito de testar a possível associação entre a agressão e a percepção da


atractividade do alvo foi ainda analisada a sua correlação linear (r de Pearson) que também
mostrou a independência entre estas duas variáveis: r(120) =.10, p>.10.

Análise da percepção do incómodo exercido e recebido, em função da atractividade do alvo,


do sexo do alvo e do sexo do participante.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Para determinar se a percepção do incómodo recebido e os julgamentos sobre o


incómodo que os alvos poderão ter sentido são afectadas pela atractividade e sexo do alvo ou
pelo sexo do participante, foram realizadas ANOVA 2 (Atractividade do alvo) X 2 (Sexo do
alvo) X 2 (Sexo do participante), separadamente para estas duas variáveis dependentes.
No que se refere ao incómodo que os participantes sentiram, a ANOVA evidenciou que
foram as mulheres a relatar maior incómodo com o ruído de que foram alvo, F(1,112)=26.45,
ηp2=.19, p<.001 (M=5.73 vs. M=3.34, respectivamente para o sexo feminino e masculino).
Tendo como dependente a percepção do incómodo que o alvo poderá ter sentido, houve
apenas um efeito principal do Sexo do adversário, F(1, 112)=5.05, p<.05, ηp2=.04,
evidenciado valores médios superiores nas condições em que os participantes tiveram o sexo
feminino como adversário (M=4.86), por comparação com as condições de interacção com
adversários do sexo masculino (M=3.85).
Discussão
O presente estudo teve como principal objectivo, testar se a manifestação de agressão
é influenciada pela atractividade do alvo. Era esperado que os participantes fossem mais
agressivos nas condições de interacção com alvos não atraentes do que perante alvos
atraentes. Em virtude de a literatura sugerir que o sexo do participante e o sexo do alvo
podem afectar as manifestações agressivas (i.e. os homens são geralmente mais agressivos do
que as mulheres, e, em certas condições, há uma tendência para as pessoas manifestarem
mais agressão face a alvos do mesmo sexo), considerou-se a relevância destes dois factores
enquanto possíveis moderadores do efeito da atractividade na agressão.
Ao contrário do esperado, o presente estudo mostrou que a atractividade do alvo não
influenciou o comportamento agressivo dos participantes. Por outro lado, este resultado
também não dependeu do sexo do participante ou do sexo do alvo. Deste modo, os resultados
obtidos contradizem as conclusões obtidas por Alcock e colaboradores (1998), de que alvos
não atraentes poderão ser objecto de mais agressão do que alvos atraentes. É, no entanto,
possível que a avaliação da agressão num contexto de interacção provocatório contribuísse
para anular o impacto inicial da atractividade do alvo. Tal como refere Caetano (2000, p. 122-
123), devemos atender a que “os juízos sociais não só dizem respeito a alvos sociais, como
são emitidos em contextos socialmente definidos e obedecem a normas sociais”, e, portanto,
quer os juízos sociais, quer a forma como os autores tratam os alvos, dependem das
interacções sociais que entre ambos se estabelecem. Considera-se, assim, que as interacções
provocatórias que ocorreram ao longo dos 25 ensaios possam ter sido mais relevantes para a
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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agressão e contribuído para diluir o possível impacto inicial da atractividade do alvo. Deste
modo, para futuras investigações sobre a temática que aqui se apresenta, seria relevante
recorrer a uma medida alternativa de avaliação da agressão, reduzindo o número de
interacções e operacionalizando-a em condições de não provocação, para avaliar o impacto
inicial da atractividade do alvo.
Não obstante, é lícito concluir, com base nos resultados que este estudo apresenta, que
a atractividade do alvo não influi na agressão do participante quando estes interagem entre si
de modo provocatório numa tarefa competitiva.
Por outro lado, a hipótese do efeito da atractividade na agressão foi colocada tendo
como referência principal a meta-análise de Langlois et al. (2000). Seria, no entanto,
importante considerar que os “enviesamentos na publicação” (publication bias) podem
afectar as conclusões das meta-análises, quando estes apenas incidem nos trabalhos que são
publicados. É actualmente reconhecido que as investigações empíricas com resultados
significativos aparecem publicadas com maior frequência do que os estudos em que não se
rejeita a hipótese nula, fenómeno este designado “enviesamento da publicação”. Entre as
várias possíveis explicações para este fenómeno, é referido o problema do “arquivo” (“the
file-drawer” problem), que se refere à propensão dos investigadores para “arquivarem” os
seus trabalhos em que são obtidos resultados não significativos, em virtude de os
considerarem não merecedores de publicação (cf. Sigelman, 1999). Têm sido avançadas
algumas propostas para ultrapassar este problema, inclusive cálculos estatísticos específicos
que as meta-análises devem efectuar para garantir a validade das suas conclusões. Uma outra
via é a realização de novos estudos para testar as mesmas hipóteses de modo a avaliar o grau
de confiança nos resultados, podendo ser replicações, investigações que superem as
limitações das anteriores, ou extensões das mesmas (Hubbard & Armstrong, 1997).
Os resultados deste estudo mostraram ainda que os homens foram mais agressivos do
que as mulheres, embora, ao contrário do previsto, esse resultado não dependesse do sexo do
adversário. Este efeito principal do sexo do autor está de acordo a maioria das investigações
empíricas (e.g., Bettencourt & Miller, 1996; Hyde, 2005). Entre as várias interpretações que
têm sido propostas para explicar a maior predisposição dos elementos do sexo masculino para
a agressão realça-se a importância da aprendizagem das normas sociais que definem o papel
do género, sendo que, de um modo geral, quer a família quer os educadores, tendem a ser
mais tolerantes perante a agressão física que é manifestada por rapazes (e.g., Bjorkqvist &
Niemela, 1992). Por outro lado, foi interessante verificar que as mulheres sentiram maior
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
45

incómodo com o ruído de que foram alvo, o que poderá ser consistente com uma menor
habituação em lidarem com a agressão física (Bettencourt & Miller, 1996; Hyde, 2005). Os
julgamentos sobre o incómodo que os alvos poderão ter sentido também estão de acordo com
os estereótipos a este propósito, uma vez que os participantes também estimaram que os alvos
femininos sentiram maior incómodo do que os alvos masculinos.
O facto de a investigação realizada até ao momento apresentar-se como insuficiente, e
a não confirmação no presente estudo de um efeito da atractividade na agressão interpessoal,
leva-nos a ser prudentes quanto às conclusões a retirar. Porém, face às implicações sociais da
possível relação entre a atractividade e a agressão, justifica-se dar continuidade à análise
desta temática, averiguando a relevância de variáveis de natureza individual e contextual,
bem como de outras condicionantes sociais, de modo a garantir uma maior consistência nos
resultados e a extrair conclusões mais sólidas.

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
50

Atribuições Causais no Desporto: Estudo sobre os Motivos do Sucesso e Insucesso em


Função da Modalidade Praticada

Túlia Cabrita (Universidade Lusíada de Lisboa)


Paulo Sousa (Facultad de Medicina da Universidade de Córdoba)
António Rosado (Faculdade de Motricidade Humana da UTL)
José Luis Lancho (Facultad de Medicina da Universidade de Córdoba)

Palavras- chave:
Atribuição Causal, Sucesso e Insucesso Desportivo

INTRODUÇÃO
Controlar o que se passa à nossa volta, bem como o que nos acontece, a nós e aos
outros, todos os dias e a todo o momento, conduz, frequentemente, a um esforço de
compreensão dos indivíduos sobre o ambiente que os rodeia. Este esforço, não raras vezes,
traduz-se na procura de explicações para os acontecimentos vivenciados.
No campo da psicologia social, às explicações subjacentes ao raciocínio causal do
indivíduo, no seu dia a dia, convencionou-se designar atribuições causais.
Os processos de imputação de causalidade, isto é, a associação de causas aos
acontecimentos, são realizados a todo o momento quando nos reportamos a contextos de
realização (e.g., desportivo, académico, selecção de pessoal).
Na origem do estudo sobre as atribuições encontram-se os trabalhos de Heider (1944,
1958), unanimemente considerado como o autor pioneiro desta linha de investigação.
Outros lhe sucederam, entre os quais se destacam Jones e Davis (1965) e Kelley (1967,
1972), sendo estes os autores referidos na literatura como os principais nesta área.
Seguindo de perto a proposta teórica de Heider (1944, 1958), segundo a qual a
ocorrência das atribuições se verifica numa dimensão de internalidade/externalidade e ao
nível da estabilidade do efeito, Weiner (1972) com base em estudos sobre a motivação para a
realização, propôs uma taxonomia para o raciocínio causal.
O modelo racional e lógico apresentado por Weiner (Faria, 1996) sobre a produção de
atribuições causais para explicar os resultados e suas consequências, ao preconizar a
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
51

utilização predominante de atribuições relacionadas com a capacidade, esforço, dificuldade


da tarefa e sorte em contextos de realização, propõe, num primeiro momento, uma taxonomia
atribucional envolvendo duas dimensões dicotómicas: a estabilidade com que o efeito varia
ao longo do tempo (estável versus instável) e a localização causal ou locus de causalidade
(causa interna ao indivíduo ou que se relaciona com o próprio versus factores externos).
No que respeita ao locus de causalidade, o autor sugere que um bom desempenho
atribuído a factores internos (e.g., a capacidade e o esforço pessoal) gera maior auto-estima
do que outro, imputado a causas externas. Por sua vez, a estabilidade do efeito tem
implicações para a expectativa de sucesso ou insucesso futuro. A imputação de causalidade
estável tende a gerar expectativas de resultados semelhantes no futuro contrariamente a
situações em que a atribuição é associada a factores instáveis.
Assim, Weiner (1979) com o objectivo de aperfeiçoar o seu modelo inicial, incorpora
uma terceira dimensão na taxonomia do raciocínio causal: o grau de controlabilidade do
efeito. Este factor relaciona-se com a possibilidade da causa ser influenciada pela acção
directa do indivíduo ou de terceiros, isto é, por outras palavras, passou a considerar-se que
uma causa é controlável ou incontrolável quando é passível de ser modificada ou afectada por
alguém (o próprio ou outro) estando, deste modo, intimamente ligada a aspectos de natureza
comportamental.
Em suma, o aspecto nuclear desta teoria centra-se na ideia de que as pessoas organizam
o seu pensamento atribuicional em torno das dimensões de Locus de Causalidade,
Estabilidade e Controlabilidade.
De salientar, ainda, que posteriormente, McAuley, Duncan e Russel (1992) propuseram
a divisão da dimensão de controlabilidade em dois factores distintos, apesar de relacionados:
o controlo pessoal e o controlo externo. O controlo pessoal refere-se à possibilidade do
sujeito influenciar a causa em análise, ao passo que o controlo externo remete para a possível
influência que outras pessoas exercem nessa mesma causa.
A abordagem de Weiner (1972, 1979) constitui-se, assim, como um privilegiado quadro
de referência para a análise da percepção de causalidade em contextos de realização, já que,
fundamentalmente, a assimetria deste modelo para situações de sucesso e fracasso permite a
sua aplicação nos mais variados contextos (Sousa, 2004).
Importa realçar que os resultados de diversas investigações efectuadas em contextos de
realização parecem evidenciar a mesma tendência: os indivíduos privilegiam factores
externos em situações de fracasso e factores pessoais no caso dos sucessos (a este propósito
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
52

vejam-se os estudos de Lau & Russell, 1980; Sousa, Cunha & Ribeiro, 1992; Fonseca, 1993a;
1993b; Faria, 1996).
Sousa (1999) e Sousa e Ventura (2003), efectuaram um estudo que pretendeu avaliar a
auto-percepção de causalidade em situações de sucesso e fracasso desportivo com atletas
portugueses de alta competição. Os dados evidenciaram alguma convergência quando
comparados com estudos anteriores, isto é, de uma forma geral, os atletas consideram que os
seus sucessos se devem a causas internas, instáveis e passíveis de controlo pessoal, ao passo
que se desvinculam, de uma forma pronunciada, dos seus fracassos ao atribuírem as causas
que lhes deram origem a factores externos, instáveis e passíveis de controlo por parte de
outras pessoas.
Várias explicações têm sido avançadas para este tipo de comportamento. Assim,
enquanto uns consideram que ele decorre dos padrões de reforço a que o sujeito é exposto ao
longo da vida e que, em termos cognitivos, se podem transformar em crenças, outros
defendem, principalmente, uma explicação em termos de conformismo a uma norma social
que define, na sociedade, o caracter indesejável do fracasso e o caracter desejável do sucesso
(Sousa, 2004).
Estas duas explicações parecem estar relacionadas, isto porque, se, por um lado, os
indivíduos tendem a confirmar as suas expectativas mantendo a estrutura das suas crenças,
por outro, desejam encontrar explicações que se conformem com os seus próprios desejos e
aspirações (Amâncio, 1998).
Deste modo, a atribuição de resultados indesejáveis a factores externos
desresponsabiliza os sujeitos e atenua os efeitos nefastos do fracasso no sentimento de
competência própria (Faria, 1996) permitindo, igualmente, a protecção da auto-estima
(Sousa, 2004). Da mesma forma, também a percepção do sucesso, enquanto factor
disposicional, possibilita a preservação ou, mesmo, o acréscimo da auto-estima.
É nesta perspectiva que Biddle (1993) refere o “self-serving bias” ou egoísmo
atribucional como uma das possíveis fontes influenciadoras do processo de atribuição causal.
De acordo com o autor, o egoísmo atribuicional refere-se à tendência que as pessoas, de
forma geral, manifestam para se responsabilizarem apenas pelos bons resultados que obtêm.
Deste modo, ao efectuarem atribuições com o intuito de protegerem ou incrementarem a sua
auto-estima, os indivíduos utilizam este mecanismo para perceber as causas que levam ao seu
sucesso como mais internas do que as que foram responsáveis por eventuais insucessos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
53

Em última análise, as causas que os sujeitos atribuem para justificar os seus resultados
bem como o modo como são percebidas, constituem factor determinante não só para as
emoções experienciadas após determinado resultado, mas, também, como veículo orientador
das expectativas de sucesso futuro e do nível de empenhamento que os sujeitos irão
demonstrar na prática subsequente da sua actividade.
Desta interacção, entre as emoções vivenciadas após determinado acontecimento e as
expectativas estruturadas em relação a futuras situações, depende o comportamento futuro
dos indivíduos.
Perante o exposto anteriormente, os objectivos gerais deste estudo consistem, então, em
caracterizar o papel das atribuições causais elaboradas em contexto desportivo.
Especificamente, pretende-se avaliar a auto-percepção das causas dos sucessos e
insucessos desportivos, bem como a sua influência em função da modalidade praticada pelos
atletas.
De acordo, portanto, com algumas das indicações veiculadas na literatura por diversos
autores, foi formulada a hipótese de que os atletas, de um modo geral, classificam as causas
dos seus melhores resultados de forma mais interna, estável e passível de controlo pessoal
quando comparadas com as causas subjacentes aos seus piores resultados.
Por outro lado, hipotetizamos, também, que os atletas federados praticantes de desportos
individuais (atletismo e esgrima) caracterizam as causas dos seus resultados mais
significativos de sempre (melhor e pior resultados) como mais internas, menos instáveis e
mais passíveis de controlo pessoal quando comparadas as suas respostas com as dos atletas
praticantes de desportos colectivos (futebol).
Em decorrência do atrás enunciado formalizamos, igualmente, a hipótese dos atletas
federados praticantes de esgrima tenderem a classificar as causas dos seus insucessos de
forma mais interna, menos instável e mais passível de controlo pessoal do que os seus colegas
da modalidade de atletismo.

MATERIAL E MÉTODOS

Participantes

Participaram no estudo 338 atletas, envolvidos em competições federadas do desporto


português, nas modalidades olímpicas de Futebol (n = 192), Atletismo (nas disciplinas de
meio fundo e fundo; n = 100) e Esgrima (n = 46).
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54

As idades dos inquiridos estão compreendidas entre 16 e 38 anos (M= 23.73; DP=
5.86).

Variáveis em estudo
Foram utilizadas como variáveis independentes ou explicativas, numa primeira fase do
estudo, os resultados que os atletas evocaram como os mais significativos da sua carreira
(melhor e pior resultados de sempre), assumindo-se como uma situação de sucesso desportivo
o seu melhor resultado de sempre e, como um fracasso, a sua pior prestação desportiva até ao
presente momento.
Num segundo momento, ainda como variáveis independentes ou explicativas, foram
consideradas as modalidades praticadas pelos diferentes atletas (Futebol, Atletismo e
Esgrima).
Por outro lado, como variáveis dependentes, consideraram-se as dimensões referentes ao
locus de causalidade, nível de estabilidade e grau de controlabilidade do modelo atribuicional
tridimensional da motivação e emoção de Weiner (1979).

Instrumentos
Foi utilizada uma versão traduzida e adaptada para a população portuguesa por Fonseca
(1993b) da Causal Dimension Scalle II (CDSII: Mc Auley, Duncan & Russell, 1992). A
CDSII é uma escala que permite aos inquiridos indicarem a causa que consideram ter estado
na origem da ocorrência de um determinado resultado, sendo caracterizada ao longo de
quatro dimensões: locus de causalidade, estabilidade, controlo pessoal e controlo externo. A
cada dimensão correspondem três itens, respondíveis numa escala de Likert de 9 pontos
(ver Fonseca & Maia, 1994, 1995, para uma revisão detalhada da tradução e adaptação deste instrumento para a população
portuguesa).

Foram, ainda, formuladas questões relativas aos jogos/provas (tempo decorrido da sua
realização, nitidez de recordação, percepção da sua importância e grau de dificuldade) e aos
resultados (probabilidade da sua ocorrência, classificação e satisfação provocada) recordados
pelos atletas. Todas estas questões foram respondidas em escalas de Likert de 9 pontos (de 1
= nenhum ou péssimo a 9 = muitíssimo ou óptimo).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
55

Procedimentos
Operacionais
Os questionários, foram distribuídos aos atletas, antes de uma sessão de treino. A sua
aplicação foi colectiva, nas instalações dos respectivos clubes, sendo a recolha efectuada pelo
investigador.
O questionário foi preenchido tendo como referência duas realidades diametralmente
opostas. Na primeira fase, os atletas recordaram o jogo/prova em que alcançaram o seu
melhor resultado de sempre, respondendo, de seguida, a diversas questões de forma a
caracterizarem, não só o jogo/prova e o resultado obtido, como também as causas subjacentes
a esse mesmo resultado. Numa segunda fase, os indivíduos responderam a um conjunto de
perguntas idênticas mas em que a referência passou a ser a competição em que atingiram o
seu pior resultado de sempre. O critério de escolha do melhor e pior resultado de sempre, bem
como a indicação e classificação das causas nas dimensões correspondentes foram da
exclusiva responsabilidade dos atletas, não se incorrendo, assim, no que Russell (1982)
denominou de “erro fundamental do investigador de atribuição” que consiste no facto de
serem os investigadores a caracterizarem dimensionalmente as causas indicadas pelos
respondentes.

Estatísticos
No que concerne à análise e tratamento estatístico, utilizou-se uma estatística paramétrica,
tendo sido efectuados T-Testes (para a caracterização das situações de sucesso e insucesso
desportivo) e Análises de Variância Univariada (Anovas) sobre os “scores” factoriais de cada
uma das dimensões (para comparações entre as modalidades em estudo).

À posteriori utilizou-se o Teste Tukey, que permite comparações múltiplas, na análise das
diferenças médias entre os pares das modalidades estudadas (Futebol e Atletismo; Atletismo
e Esgrima; Futebol e Esgrima).

Considerou-se uma probabilidade de erro de p ≤ 0,05, tendo-se recorrido, para o efeito,


ao programa “Statistical Package for Social Sciences – SPSS –Windows”.
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56

APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS

I – Caracterização das situações de sucesso e insucesso desportivo


Os valores referentes ao modo como os inquiridos avaliaram as competições, tanto em
situação de sucesso, como em caso de insucesso, encontram-se discriminados na tabela
seguinte:

Tabela 1 - Avaliação da competição (tempo decorrido, nitidez de recordação, importância e dificuldade) em


que ocorreu o resultado recordado. Médias e desvios-padrão das respostas dadas pelos atletas, em função do tipo
de resultado.

AVALIAÇÃO DA RESULTADO
COMPETIÇÃO
(N= 338) SUCESSO INSUCESSO
M DP M DP
Tempo decorrido A 3.63 3.17 3.48 3.08
Nitidez da recordação B 7.88 1.37 6.98 2.04
B
Importância do jogo/prova 7.73 1.51 6.80 2.05
B
Dificuldade do jogo/prova 7.28 1.60 6.31 2.06
A= valores indicados em anos; B= valores compreendidos entre 1 e 9 (valores mais elevados indicam maior
nitidez, importância e dificuldade do jogo/prova).

Apesar de não terem sido evidentes diferenças estatisticamente significativas entre o


tempo decorrido sobre as competições em que registaram o seu melhor e pior resultado de
sempre, os atletas referiram recordar de forma significativamente mais nítida a competição
que esteve na origem do seu resultado positivo (t = 7.361; p = .000).
Da mesma forma, os desportistas associaram, igualmente, valores significativamente
mais elevados às competições em que obtiveram os seus melhores resultados, tanto no que
diz respeito à importância do jogo/prova (t = 8.145; p = .000) como em termos do seu grau de
dificuldade (t = 7.750; p = .000), em detrimento das que originaram o resultado negativo.
Na tabela 2 apresentam-se os valores referentes ao modo como os inquiridos
caracterizaram os resultados obtidos.
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57

Tabela 2 - Avaliação do resultado obtido (probabilidade de ocorrência, classificação e satisfação provocada).


Médias e desvios-padrão das respostas dadas pelos atletas, em função do tipo de resultado.

AVALIAÇÃO DO RESULTADO
RESULTADO
(N= 338) SUCESSO INSUCESSO
M DP M DP
A
Probabilidade de ocorrência 5.55 1.99 4.28 2.22
Classificação A 7.91 1.43 1.75 1.35
Satisfação provocada A 8.41 1.14 1.41 1.20
A= valores compreendidos entre 1 e 9 (valores mais elevados indicam maior probabilidade de ocorrência,
classificação e satisfação provocada).
No que concerne à caracterização dos resultados obtidos, em todas as dimensões foram
encontradas diferenças estatisticamente significativas, com os desportistas a evidenciarem
valores superiores, quer na probabilidade de ocorrência do resultado (t = 8.234; p = .000),
quer ainda na classificação (t = 55.921; p = .000) e satisfação provocada (t = 76.235; p =
.000), no que respeita à forma como avaliaram os resultados que deram origem aos sucessos,
em prejuízo das situações de fracasso.
Na avaliação das causas atribuídas aos melhor e pior resultados de sempre, a tabela seguinte
sintetiza a comparação entre ambos.

Tabela 3 - Avaliação das causas (no que concerne às dimensões de locus de causalidade, estabilidade, controlo
pessoal e controlo externo) indicadas como fundamentais para o resultado obtido. Médias e desvios-padrão das
respostas dadas pelos atletas, em função do tipo de resultado. A= valores compreendidos entre 3 e 27 (valores
mais elevados indicam auto-percepção de maior internalidade, estabilidade e passibilidade de controlo pessoal e
externo).

AVALIAÇÃO DAS CAUSAS RESULTADO


(N= 338) SUCESSO INSUCESSO
M DP M DP
Locus de causalidade A 21.57 4.13 16.94 5.84
A
Estabilidade 14.07 4.96 10.08 5.69
Controlo pessoal A 20.43 4.39 13.95 6.88
Controlo externo A 11.60 5.77 14.93 6.51
No que diz respeito às causas atribuídas aos sucessos e insucessos verificou-se, em todas as
dimensões avaliadas, que os atletas consideraram que as relacionadas com os seus resultados
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58

positivos eram significativamente mais internas (t = 11.882; p = .000), menos instáveis (t =


11.587; p = .000) e passíveis de controlo pessoal (t = 14.546; p = .000) em comparação com
as que se referiam aos seus resultados negativos.
De igual modo, no que concerne aos resultados negativos constatou-se a existência de valores
significativamente mais elevados na auto-percepção de controlo externo (t = -7.714; p = .000)
quando comparados estes resultados com as situações positivas.

II- Em função da modalidade praticada


Para analisarmos os resultados em função da modalidade praticada, considerámos a
separação dos três grupos de atletas, que constituíram o total da amostra, pela modalidade
federada que praticam: Futebol (n=192), Atletismo (n=100) e Esgrima (n=46).
As diferenças entre os desportistas praticantes das três modalidades, quando
comparadas as suas opiniões em relação à avaliação da competição em que obtiveram os seus
melhor e pior resultados de sempre, são evidenciadas na tabela 4.

Tabela 4 - Avaliação da competição (tempo decorrido, nitidez de recordação, importância e dificuldade) em


que ocorreu o resultado recordado. Médias e desvios-padrão das respostas dadas pelos atletas, em função da
modalidade praticada e do tipo de resultado.

AVALIAÇÃO DA MODALIDADE PRATICADA


COMPETIÇÃO TIPO DE FUTEBOL ATLETISMO ESGRIMA
(N= 338) RESULTA (n=192) (n=100) (n=46)
M DP M DP M DP
Tempo decorrido A Sucesso 4.11 3.34 2.98 2.51 3.04 3.45
Insucesso 4.01 3.16 2.90 2.68 2.52 3.15
Nitidez de recordação B Sucesso 7.79 1.34 8.25 1.25 7.48 1.57
Insucesso 7.03 2.01 7.10 1.89 6.50 2.42
Importância do jogo/prova B Sucesso 7.85 1.45 7.58 1.61 7.57 1.57
Insucesso 7.15 1.87 6.04 2.30 7.02 1.75
Dificuldade do jogo/prova B Sucesso 7.36 1.61 6.99 1.69 7.61 1.23
Insucesso 6.28 2.05 6.13 2.20 6.87 1.75
A= valores indicados em anos; B= valores compreendidos entre 1 e 9 (valores mais elevados indicam maior
nitidez, importância e dificuldade do jogo/prova).
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59

Através da análise à tabela anterior, constatamos a existência de diferenças


significativas globais entre os grupos, não só no que respeita ao tempo decorrido sobre a
competição em que se verificou os seus melhores resultados (f = 5.243; p = .006), como,
igualmente, quando a referência passou a ser os seus piores desempenhos de sempre (f =
7.082; p = .001).
Concretamente, no que concerne aos resultados positivos, as diferenças médias (I-J)
manifestaram-se entre o grupo dos futebolistas e dos praticantes de atletismo ( I – J = 1.135;
p = .010), ao passo que, no caso dos insucessos desportivos, existiram diferenças
estatisticamente significativas em dois dos pares estudados, isto é, entre o grupo de
futebolistas e praticantes de atletismo ( I – J = 1.110; p = .009) e, também, entre os jogadores
de futebol e os esgrimistas ( I – J = 1.489; p = .008).
De referir, ainda, que se encontraram igualmente diferenças significativas globais nas
dimensões referentes à nitidez de recordação do melhor resultado ( f = 6.213; p = .002) e à
importância do jogo/prova respeitante ao pior desempenho de sempre ( f = 10.398; p = .000).
Especificamente, quando comparados os três grupos entre si, no que respeita à nitidez
de recordação do melhor desempenho, verificamos que em dois dos pares existiu
heterogeneidade nos resultados obtidos. Foram os casos do atletismo quando comparado com
o futebol ( I – J = .464; p = .016) e com a esgrima ( I – J = .772; p = .004), com o primeiro
grupo a associar valores significativamente maiores que os dois últimos na avaliação desta
dimensão.
Quanto à importância atribuída à competição em que obtiveram os piores resultados
verificaram-se, também, diferenças significativas quando comparamos os praticantes de
atletismo com os futebolistas ( I – J = -1.106; p = .000) e os esgrimistas ( I – J = -.982; p =
.017), com os primeiros a mencionarem valores estatisticamente mais reduzidos para esta
dimensão.
Nos restantes parâmetros avaliados verificou-se homogeneidade entre os grupos
estudados.
Na tabela 5 apresentam-se os valores correspondentes ao modo como os atletas
caracterizaram os resultados obtidos.
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60

Tabela 5 - Avaliação do resultado obtido (probabilidade de ocorrência, classificação e satisfação provocada).


Médias e desvios-padrão das respostas dadas pelos atletas, em função da modalidade praticada e do tipo de
resultado.

AVALIAÇÃO DO TIPO DE MODALIDADE PRATICADA


RESULTADO RESULTADO FUTEBOL ATLETISMO ESGRIMA

(N= 338) (n=192) (n=100) (n=46)

M DP M DP M DP

Probabilidade de Sucesso 5.27 1.91 6.16 2.07 5.37 1.86


ocorrência A Insucesso 4.14 2.21 4.70 2.22 3.91 2.18

Classificação A Sucesso 8.08 1.50 7.80 1.21 7.46 1.45

Insucesso 1.80 1.52 1.61 .99 1.85 1.26

Satisfação provocada A Sucesso 8.45 1.32 8.42 .85 8.24 .84

Insucesso 1.35 1.08 1.36 1.08 1.74 1.79

A= valores compreendidos entre 1 e 9 (valores mais elevados indicam maior probabilidade de ocorrência,
classificação e satisfação provocada).

Como se constata, em relação à avaliação do resultado obtido, na vertente referente aos


insucessos desportivos, os atletas dos diferentes grupos assumiram um padrão semelhante de
resposta, não se encontrando nenhuma diferença estatisticamente significativa nos três
parâmetros avaliados.
Já no que concerne aos sucessos, verificaram-se diferenças significativas globais entre
os grupos em duas das dimensões avaliadas: probabilidade de ocorrência ( f = 6.990; p =
.001) e classificação do resultado obtido ( f = 4.083; p = .018).
Na probabilidade da ocorrência verificou-se heterogeneidade apenas quando
comparados os grupos de praticantes de futebol e atletismo ( I – J = -.889; p = .001), com os
últimos a atribuírem valores mais elevados nesta dimensão.
Também na classificação do resultado obtido, apenas o grupo de futebolistas e
esgrimistas divergiram de opinião ( I – J = .627; p = .020), com os primeiros a atribuírem
valores significativamente maiores que os últimos na avaliação deste parâmetro.
Como já referimos, nas restantes dimensões as diferenças não atingiram significado
estatístico.
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61

No que concerne à forma como os atletas classificaram dimensionalmente as causas


subjacentes aos seus sucessos e insucessos, a tabela seguinte sintetiza as diferenças
encontradas.

Tabela 6 - Avaliação das causas (no que concerne às dimensões de locus de causalidade, estabilidade e
passibilidade de controlo pessoal e externo) indicadas como fundamentais para a obtenção do resultado
recordado. Médias e desvios-padrão das respostas dadas pelos atletas, em função da modalidade praticada e do
tipo de resultado.

AVALIAÇÃO DAS TIPO DE MODALIDADE PRATICADA


CAUSAS RESULTADO FUTEBOL ATLETISMO ESGRIMA
(N= 338) (n=192) (n=100) (n=46)
M DP M DP M DP
Locus de causalidade A Sucesso 22.17 13.80 21.28 4.50 19.69 4.09
Insucesso 17.42 5.41 15.09 6.94 18.97 3.46
Estabilidade A Sucesso 14.48 5.10 14.15 4.70 12.19 4.61
Insucesso 10.73 5.97 8.80 5.40 10.15 4.62
A
Controlo pessoal Sucesso 20.75 4.57 20.46 4.06 19.04 4.12
Insucesso 14.07 6.72 11.71 7.21 18.34 4.14
Controlo externo A Sucesso 12.36 5.61 9.95 6.03 12.02 5.18
Insucesso 16.70 6.33 13.03 6.60 11.65 4.45
A= valores compreendidos entre 3 e 27 (valores mais elevados indicam percepção de maior internalidade,
estabilidade e passibilidade de controlo pessoal e externo).

Através da analise à tabela 6, verificamos que foram numerosas as diferenças


encontradas entre a caracterização que os atletas federados praticantes dos três tipos de
modalidades em estudo efectuaram das causas que indicaram como tendo estado na origem
dos seus resultados.
De um modo global, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os
grupos nas dimensões de sucesso referentes ao locus de causalidade ( f = 7.257; p = .001),
estabilidade ( f = 4.025; p = .019) e controlo externo ( f = 6.067; p = .003), bem como nos
resultados de insucesso referentes a todas as dimensões estudadas: locus de causalidade ( f =
8.881; p = .000), estabilidade ( f = 3.868; p = .022), controlo pessoal ( f = 16.030; p = .000) e
controlo externo ( f = 19.046; p = .000).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
62

Mais especificamente, quando comparados os grupos dois a dois constatamos que em


relação às diferentes dimensões, nas situações de sucesso, o grupo dos futebolistas classificou
os resultados de forma significativamente mais interna ( I – J = 2.476; p = .001), menos
instável ( I – J = 2.288; p = .014) e mais passível de controlo pessoal ( I – J = 1.706; p = .047)
quando comparado com os desportistas praticantes da modalidade de esgrima. É curioso
constatar que na dimensão de controlo pessoal verificou-se, globalmente, homogeneidade
entre os três grupos em estudo, no entanto, quando efectuámos o teste “Post Hoc” e
analisámos os pares de grupos, essas mesmas diferenças revelaram-se suficientes para serem
consideradas estatisticamente significativas entre os grupos de futebolistas e esgrimistas, pelo
que optámos por considerar, tendo em conta os dados disponíveis, que existiu
heterogeneidade entre os referidos grupos nesta dimensão em situações de sucesso
desportivo.
De assinalar que, também na dimensão referente ao controlo externo, existiram
diferenças significativas entre o grupo do futebol e o do atletismo, com o primeiro a aduzir
maior controlo externo que o segundo ( I – J = 2.414; p = .002) na explicação dos seus
sucessos.
Já no que concerne às situações de insucesso, as diferenças entre os grupos foram
igualmente bastante vincadas, pois constatou-se que o grupo de futebolistas classificou de
forma significativamente mais interna ( I – J = 2.337; p = .003), menos instável ( I – J =
1.934; p = .016) e mais passível de controlo pessoal ( I – J = 2.362; p = .011) e externo ( I – J
= 3.678; p = .000) as causas dos seus resultados quando comparados com os praticantes de
atletismo.
Por seu turno, estes últimos diferenciaram-se dos esgrimistas ao atribuírem valores
significativamente mais reduzidos nas dimensões de locus de causalidade ( I – J = -3.888; p =
.000) e controlo pessoal ( I – J = -6.637; p = .000).
Por último, ao compararmos os futebolistas com os esgrimistas verificámos, também, a
existência de diferenças estatisticamente significativas em duas das dimensões estudadas:
controlo pessoal ( I – J = -4.274; p = .000) e controlo externo ( I – J = 5.056; p = .000), com
os futebolistas a associarem valores menos passíveis de controlo pessoal e,
consequentemente, mais passíveis de controlo externo, na explicação dos seus fracassos
quando comparadas as suas opiniões com os atletas praticantes de esgrima.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
63

DISCUSSÃO

O modo como os atletas constituintes deste estudo interpretaram os seus resultados


mais significativos de sempre, fundamentalmente no que concerne à análise que efectuaram
das causas que lhes estiveram subjacentes, é coincidente com a maioria das indicações
veiculadas pelos estudos de vários investigadores ( e. g., Fonseca, 1993 a, b; Mark, Mutrie,
Brooks & Harris, 1984; McAuley & Duncan, 1989; McAuley & Gross, 1983; Sousa, 2003;
Sousa & Ventura, 2003).
De facto, sabendo que os atletas desenvolvem estratégias com o objectivo de explicar
os resultados que vivenciam, é de esperar que também procedam à utilização de diferentes
atribuições em função de diferentes circunstâncias, tentando sempre preservar o maior
número possível de indicadores da sua competência.
Assim, os resultados deste estudo ao indicarem a tendência para a atribuição de causas
menos internas, instáveis e passíveis de controlo externo a efeitos negativos (fracasso), não só
evidenciam a preocupação dos desportistas na manutenção dos seus padrões de auto-estima,
como reforçam a noção de egoísmo atribuicional como uma das fontes influenciadoras do
processo de atribuição causal.
De resto, o efeito de desejabilidade social, também implícito nos resultados deste
trabalho, consubstancia-se no facto dos atletas poderem ter respondido distorcendo as
próprias respostas, no sentido de projectarem uma imagem mais favorável de si próprios.
Ainda assim, há que destacar que este tipo de atribuições, que Fonseca (1999) e
Fonseca e Brito (2001) designam de contradefensivas, no fundo pretendem exercer
exactamente o mesmo efeito das anteriores, isto é, a aquisição ou manutenção de uma
imagem elevada perante os outros, revelando, também, uma tendência auto-protectora.
Constata-se, assim, a necessidade de uma tomada de decisão, por parte dos atletas, entre
a imposição de manter elevada a sua auto-estima perante situações de insucesso desportivo, e
a influência exercida pelo meio para que “assumam os seus erros” e, neste caso, atribuam os
seus insucessos a causas internas, menos instáveis e passíveis de controlo pessoal.
Todavia, como já referimos, a esmagadora maioria dos resultados de estudos anteriores
em contexto desportivo entroncam nos dados da nossa investigação ao indicarem uma auto-
percepção de causalidade mais interna, menos instável e passível de controlo pessoal nas
situações de sucesso quando comparadas com as causas subjacentes aos insucessos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
64

Reportando-nos, novamente, a este estudo, verificamos que a maximização dos efeitos


positivos dos sucessos e a minimização das consequências negativas dos insucessos por parte
dos atletas pode, igualmente, inferir-se a partir da análise das suas respostas a outras
questões.
Concretamente, quando se verificam os níveis de importância e dificuldade associados
às competições em que sucederam os melhores resultados, ou a nitidez com que foram
recordados esses mesmos resultados, também se constata um incremento das atribuições
internas, com os desportistas a indicarem, invariavelmente, valores mais elevados nestes
parâmetros em situações de sucesso, do que em caso de insucesso.
A este propósito torna-se, também, curioso analisar que, apesar de ter decorrido mais
tempo sobre a competição em que obtiveram o seu melhor resultado, os atletas referiram
recordar de forma mais nítida esta competição, em detrimento da que originou o resultado
negativo.
Por outro lado, a atribuição dos insucessos a factores menos internos, mais instáveis e
passíveis de controlo externo, ao desresponsabilizar os atletas e atenuar os efeitos nefastos do
fracasso no sentimento de competência própria, serve não só para confirmar as suas
expectativas, como para manter a estrutura das suas crenças, permitindo, igualmente, a
protecção e/ou manutenção da auto-estima. Esta evidência pode ser aferida pela aparente
confiança demonstrada pelos sujeitos em relação às suas capacidades, sendo este aspecto
perceptível no parâmetro referente à probabilidade de ocorrência (avaliada de forma
significativamente mais elevada em situações de sucesso) indicada pelos desportistas para
caracterizarem o resultado obtido.
Noutro plano de análise, reportando-nos agora ao tipo de modalidade praticada e à sua
influência nas atribuições de causalidade efectuadas pelos atletas, importa, antes de mais,
referir que iniciámos esta investigação com a expectativa de que os futebolistas, como
praticantes de um desporto colectivo, tenderiam a diluir a responsabilidade individual nos
resultados colectivos obtidos, tanto negativos como positivos, sobre os restantes membros da
sua própria equipa.
Isto é, hipotetizámos que os praticantes de desportos colectivos (futebolistas)
considerariam as causas dos seus resultados de forma menos interna, mais instável e menos
controlável por si próprios em comparação com os praticantes de desportos individuais
(atletismo e esgrima), pois a partilha da responsabilidade pelos resultados da equipa, levaria a
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
65

uma explicação causal mais afastada da esfera pessoal do atleta, embora ainda englobada na
vertente relacionada com a sua própria equipa.
As indicações de Larry e Forsyth (1987) apontam precisamente neste sentido, com os
autores a defenderem que nos desportos colectivos a interdependência funcional dos vários
membros da equipa cria nos atletas o sentimento de que os sucessos ou fracassos alcançados
não podem ser atribuíveis apenas a factores causais que se prendem com o desempenho de
cada atleta.
Esta interdependência funcional poderá, então, equiparar os colegas de equipa a
factores menos internos, mais instáveis e menos controláveis pelo próprio atleta
possibilitando, assim, a partilha de responsabilização pelos resultados conjuntos.
Contrariamente às nossas expectativas iniciais, os resultados deste estudo evidenciaram,
nas situações de sucesso, uma clara tendência dos futebolistas para classificarem de forma
mais interna, menos instável e mais controlável por si próprios as causas dos seus resultados
em comparação com os dois grupos de praticantes de desportos individuais (atletismo e
esgrima).
Ao invés, nas situações de insucesso, embora a tendência de resposta dos futebolistas
em relação ao grupo do atletismo se mantenha inalterável, o mesmo já não acontece em
relação aos esgrimistas. De facto, este último grupo classificou como mais interna e mais
passível de controlo pessoal as causas dos seus piores resultados em comparação directa com
os futebolistas, o que poderá sugerir uma desresponsabilização individual dos praticantes de
desportos colectivos (e.g., futebol), no sentido de uma tendência para a uma ligeira diluição
dos fracassos da equipa pelos restantes colegas do grupo de trabalho.
No entanto, surpreendentemente, os resultados do nosso estudo apenas coincidem com
os de investigações anteriores quando comparamos, nas situações de insucesso desportivo, os
esgrimistas e os futebolistas.
Com efeito, um estudo realizado em Portugal por Fonseca (1993b) envolvendo
voleibolistas (desporto colectivo) e nadadores e ginastas (representantes de desportos
individuais) confirmou a tendência que, já antes, uma investigação efectuada por Tenenbaum
e Furst (1985) tinha evidenciado: os praticantes de desportos individuais percepcionam as
causas dos seus resultados (tanto sucessos como insucessos) de modo mais interno, menos
instável e mais controlável pelos próprios do que os atletas de desportos colectivos.
Uma possível justificação para a inconsistência verificada entre os nossos resultados e
os destes autores, poderá remeter para o facto de, na sociedade portuguesa, o futebol estar
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
66

significativamente mais enraizado do que o voleibol (modalidade utilizada por Fonseca,


1993b, para representar os desportos colectivos) o que poderá consagrar um maior egoísmo
atribuicional por parte dos futebolistas na explicação dos seus sucessos, em decorrência das
pressões situacionais a que estão sujeitos (e.g., influência dos órgãos de comunicação social
e, por via disso, maior exposição mediática).
Mais estudos serão necessários no sentido da verificação da tendência atribuicional
efectuada por praticantes de desportos individuais em comparação com a explicação causal
enunciada por atletas de desportos colectivos.
Por outro lado, a ideia da realização de uma investigação deste tipo, sugerida há já
bastante tempo por diversos autores (e.g., Kimiecik & Duda, 1985; Tenenbaum & Furst,
1985), quando sublinharam a possibilidade do tipo de desporto praticado pelos atletas poder
exercer alguma influência na forma como estes interpretam os seus resultados, deriva, por
exemplo, da constatação do número de factores eventualmente envolvidos na obtenção de um
determinado resultado ser mais reduzido nalguns contextos do que noutros.
Assim, as características restritivas de determinados contextos, no que concerne ao
número de possíveis causas influenciadoras dos resultados obtidos, poderão estar na base da
estruturação por parte dos intervenientes de uma percepção de maior contingência e,
consequentemente, mais limitativa, entre os seus comportamentos e os resultados alcançados,
do que as estruturadas por praticantes de modalidades que se desenrolam em contextos com
características potenciadoras de explicações mais amplas.
Deste modo, formulámos, também, a hipótese de que os praticantes de esgrima
tenderiam a classificar as causas dos seus insucessos de forma mais interna, menos instável e
mais passível de controlo pessoal quando comparados os seus resultados com os dos
praticantes de atletismo, o que efectivamente veio a verificar-se.
Por não conhecermos estudos atribuicionais anteriores que comparam a explicação
causal entre atletas destas duas modalidades, nem de outras modalidades cujas características
eventualmente se poderiam assemelhar, entroncamos as explicações para os resultados
encontrados no facto das características onde se desenrolam as competições de esgrima serem
muito peculiares e restritivas pois, tratando-se de uma modalidade de acção, considerada
como desporto de combate, poderá favorecer a promoção de uma tendência atribuicional
mais interna e passível de controlo pessoal por parte dos seus intervenientes, em situações de
insucesso desportivo.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
67

Uma outra possível explicação para os resultados encontrados poderá assentar na


verificação, em contexto desportivo português, de uma significativa heterogeneidade em
termos socio-económicos, entre praticantes de atletismo e esgrimistas, sendo este último
grupo proveniente, maioritariamente, de extractos populacionais mais favorecidos em
comparação directa com os praticantes de atletismo. Assim, uma explicação baseada na
influência de aspectos económicos e socio-culturais consubstanciados, por exemplo, pelo tipo
de modalidade praticada pelos atletas, não deverá, também, ser negligenciada na avaliação do
tipo de atribuições elaboradas pelos desportistas.
A carência de estudos atribuicionais envolvendo variáveis independentes relacionadas
com a componente socio-económica dos atletas permite-nos, apenas, colocar esta suposição
como podendo estar relacionada com a explicação diferenciada verificada entre atletas
praticantes destas duas modalidades individuais.
Noutro plano de análise, a maior responsabilização dos esgrimistas pelos seus
resultados negativos, em comparação com os praticantes de atletismo, poderá ficar, também,
demonstrada na avaliação das suas respostas às dimensões não causais relativas à importância
da competição em que obtiveram o resultado negativo, bem como ao grau de dificuldade
associado a esse mesmo resultado. De facto, nas duas dimensões referidas, os esgrimistas
atribuíram valores mais elevados do que os praticantes de atletismo para justificarem o
resultado encontrado.
Um outro conjunto de explicações para as diferenças encontradas entre esgrimistas e
praticantes de atletismo, em situações de fracasso desportivo, poderá assentar no facto da
modalidade de atletismo ser significativamente mais mediática e valorizada, em termos
sociais, no contexto geográfico onde se realizou o estudo (Portugal) do que a esgrima, o que
poderá favorecer uma atribuição causal mais interna em situações de sucesso e,
consequentemente, mais auto-defensiva, no caso dos insucessos, por parte dos praticantes de
atletismo em comparação com os esgrimistas.
Também nesta situação, atribuições deste tipo efectuadas pelo grupo do atletismo visam
proteger os níveis de auto-estima reforçando, igualmente, o efeito de desejabilidade social,
pois só desta forma o impacto da explicação dos resultados, bem como as suas implicações
no plano motivacional, no que respeita às expectativas de sucesso e grau de empenhamento
em situações futuras, se poderão manter inalteráveis.
Em síntese, estes dados parecem indicar que os atletas não se desvinculam de
sentimentos e atitudes na forma como analisam os seus resultados, não possuindo, como tal,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
68

um conhecimento infalível das causas dos seus comportamentos, fazendo assim atribuições
espontâneas, sempre com o intuito de procurar, sistemáticamente, explicações mais
elaboradas quando os efeitos são negativos ou não estão em consonância com as expectativas
criadas.
Em última análise, a forma como são percebidas as causas que os atletas atribuem para
justificar os seus resultados, constitui-se como um aspecto fundamental, não só para as
emoções experienciadas após determinado resultado, mas, fundamentalmente, como veículo
orientador de expectativas de sucesso e nível de empenhamento em relação a competições
vindouras.
Esta considerações reforçam a importância da implementação de uma intervenção
psicológica deliberada e eficaz, no sentido de promover o desenvolvimento de estratégias
mais adequadas para lidar com as situações de sucesso e de fracasso, bem como com a
pressão avaliativa inerente ao contexto desportivo.
Neste sentido, conclui-se e perspectiva-se que os estudos sobre atribuição causal,
embora tendo uma longa e influenciadora história no domínio da psicologia social, continuam
a assumir-se como uma área temática importante, contudo, paradoxalmente, ainda não
amplamente explorada pelos investigadores da psicologia do desporto.

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Auto-Estima, Dilemas Implicativos e Adaptação Psicológica Na Adolescência: Um


Estudo Exploratório

Maria João Carapeto (Serviço de Psicologia e Orientação, Escola Secundária André de


Gouveia, Évora, Portugal)
mjoaocarapeto@sapo.pt
Guillem Feixas (Universidade de Barcelona, Barcelona, Espanha)
Joaquín Ingelmo (Universidade da Extremadura, Badajoz, Espanha)

Palavras-Chave:
Adolescência; Auto-estima; Conflito cognitivo.

Resumo/Abstract:
Este estudo explora as relações entre duas variáveis do auto-conhecimento (AC) (auto-estima
e dilemas implicativos, um tipo de conflito cognitivo) e a adaptação psicológica na
adolescência. A técnica da grelha de repertório de Kelly é utilizada para avaliar as duas
variáveis do AC em duas amostras de adolescentes (fases inicial e avançada da adolescência);
uma medida subjectiva de adaptação psicológica é também obtida. Os resultados são
discutidos à luz da investigação existente sobre auto-estima e conflitos do AC na
adolescência, e dilemas implicativos na grelha de repertório.

INTRODUÇÃO

A Teoria dos Construtos Pessoais (TCP) e a técnica da grelha de repertório (Repgrid) (Kelly,
1955) têm proporcionado contributos importantes para a compreensão dos aspectos
organizacionais do auto-conhecimento (entre outros) e sua relação com a adaptação
psicológica em adultos (sobre a TCP e a Repgrid, ver por exemplo, Feixas e Besora, 2000;
Botella e Feixas, 1998; Feixas e Cornejo, 1996).); com algumas excepções (por exemplo:
Adams-Webber, 1999; Oosterwegel e Oppenheimer, 1993), pouca investigação (mas
encorajadora) foi dedicada à adolescência ou até à infância. Neste estudo visamos explorar
alguns contributos da TCP e da Repgrid para a compreensão do auto-conhecimento na
adolescência e sua relação com a adaptação psicológica; presente estará também a
perspectiva cognitivo-desenvolvimental (Harter, 1999; Glick e Zigler, 1985).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
72

A nossa atenção vai, em particular, para duas variáveis da organização do auto-sistema, a


auto-estima (medida como a distância entre o Eu Actual e o Eu Ideal) e um tipo particular de
conflito cognitivo, o dilema implicativo. Passamos a rever alguma investigação sobre o
desenvolvimento da auto-estima na adolescência e sua relação com a adaptação psicológica,
fazendo o mesmo de seguida para o conflito.

Auto-estima na adolescência: desenvolvimento e adaptação psicológica


A auto-estima tem sido definida como uma dimensão auto-avaliativa e afectiva do Eu,
relacionada com a satisfação que a pessoa sente por si própria. Um dos modelos usados para
a estudar é o modelo da disparidade. Este modelo considera que a auto-estima resulta da
distância entre as características que a pessoa percebe serem as suas (o Eu Actual) e aquelas
que a pessoa desejaria possuir (ou Eu Ideal) (Rogers, 1951; James, 1890; Harter, 1999;
Feixas e Cornejo, 1996). Quando uma pessoa se percebe muito distante do que desejaria ser,
a auto-estima é baixa; quando a pessoa se percebe próxima ao seu ideal, a auto-estima será
elevada. Segundo alguns autores este modelo é especialmente apropriado para estudar a auto-
estima na adolescência (por exemplo, Wang e Ollendick, 2001); a adolescência é vista como
um período em que o desenvolvimento cognitivo proporciona a interiorização de valores e
expectativas (os quais se tornam mais independentes dos veiculados por outros significativos)
e em que os contextos socioculturais encorajam o adolescente a formular projectos e dar
passos em aproximação à vida adulta.

Na perspectiva cognitivo-desenvolvimental, a distância Ac – Id é uma concomitante do


desenvolvimento cognitivo (Glick e Zigler, 1985, para uma revisão dos trabalhos de Zigler e
colegas), isto é, os sujeitos capazes de uma maior diferenciação cognitiva e de uma melhor
interiorização das normas e expectativas sociais vão apresentar distâncias Ac - Id mais
elevadas. Em acordo com a posição teórica, Zigler e colegas verificaram que a distância Ac –
Id aumenta ao longo da adolescência (para uma revisão dos seus estudos, Glick e Zigler,
1985), e portanto, dirse-ia que a auto-estima diminui. Ao contrário, Oosterwegel e
Oppenheimer (1993) não encontraram diferenças em Ac - Id nos diferentes grupos de idade
(dos 6 aos 18 anos).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
73

Parcialmente de acordo com os resultados de Zigler, a investigação que utiliza as escalas


estandardizadas na avaliação da auto-estima, de modo geral, refere a diminuição da auto-
estima global nalgum momento da adolescência, ou inicial ou intermédio, e a sua recuperação
no final da adolescência e início da idade adulta (Twenge e Campbell, 2001; Galambos,
Barker e Krahn, 2006; Harter, 1999). No entanto, outros estudos mostram que a auto-estima
aumenta linearmente durante a adolescência (Moneta, Schneider e Cskszentmihalyi, 2001;
Pinquart, Silbereisen e Wiesner, 2004). O estudo das diferenças de género sugere ainda que
as raparigas têm uma auto-estima mais baixa do que os rapazes (Galambos e colegas, 2006;
Moneta e colegas, 2001), mas a diferença por vezes não é significativa (Harter, 1999).

Quanto à relação da distância Ac – Id com a adaptação psicológica, distinguimos duas


perspectivas, uma que relaciona a distância Ac – Id com sofrimento psicológico, e outra que a
relaciona com a motivação para alcançar objectivos.

Um conjunto de investigação propõe que a distância Ac – Id está associada a sofrimento


psicológico, especialmente sentimentos do espectro da tristeza e depressão (Rogers, 1951;
Feixas e Cornejo, 1996; Feixas, Erazo-Caicedo, Harter e Bach, para publicação; Harter, 1999;
Higgins, 1987). Harter e colegas (ver em Harter, 1999) verificaram que a baixa auto-estima
está fortemente associada ao relato de sintomatologia depressiva em adolescentes do 6º ao
12º ano, e que a sintomatologia depressiva aumenta ao longo da adolescência e especialmente
nas raparigas. Também a investigação sobre a auto-estima utilizando escalas estandardizadas
mostra uma associação sistemática entre baixa auto-estima e sintomas depressivos e entre alta
auto-estima e felicidade (Baumeister, Campbell, Krueger e Vohs, 2003).

Ao contrário, Zigler e colegas verificaram que a magnitude da distância Ac - Id é


independente do estatuto da adaptação; sujeitos com problemas de adaptação não se
distinguem dos outros quanto à distância Ac - Id, uma vez emparelhados quanto à maturidade
cognitiva.

O segundo conjunto de investigação estabelece uma relação positiva entre Ac – Id e a


motivação para alcançar objectivos (Higgins, 1996; Markus e Nurius, 1986). Higgins (1996)
refere-se à distância Ac –Id como auto-guia Ideal, e sublinha que o auto-guia Ideal,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
74

diferentemente de outros auto-guias, promove estratégias de aproximação aos objectivos


desejados.

Em suma, parte significativa da investigação sobre a distância Ac – Id sugere que esta


aumenta ao longo da adolescência, e portanto que a auto-estima diminui. Estes resultados
podem no entanto ser interpretados de vários modos: como desenvolvimento cognitivo
independente do nível de adaptação psicológica, como associado à presença crescente de
sentimentos do foro da depressão, ou como uma crescente motivação para concretizar
objectivos.

Conflitos cognitivos na adolescência: desenvolvimento e adaptação psicológica


Tem sido por vezes defendida aos níveis teórico, clínico e educacional (Rogers, 1951; A.
Freud, 1958/2000; Harter, 1999), que os conflitos no auto-conhecimento estão relacionados
com alguma instabilidade afectiva, relacional ou comportamental que ocorre na adolescência
(Arnett, 1999; Moneta e colegas, 2001; Harter, 1999); ao nível empírico é no entanto escassa
a investigação, provavelmente dada a dificuldade em operacionalizar o conceito de conflito.
Harter e colegas (ver por exemplo em Harter, 1999) e Oosterwegel e Openheimer (1993)
realizaram os estudos mais significativos que encontramos sobre esta temática.

Harter e colegas estudaram os conflitos percebidos por adolescentes entre as características


com as quais se descrevem em diferentes contextos interpessoais (eu com a mãe, eu com
amigo, etc.). Verificaram que, no período intermédio da adolescência, aumenta
significativamente o número de atributos opostos referidos pelos sujeitos bem como a sua
percepção de que eles contribuem para conflitos na personalidade. No final da adolescência a
percepção de conflito diminui. Harter interpreta os resultados obtidos à luz da teoria dos skills
de Fischer (1980): no iníco da adolescência os sujeitos já elaboram abstractamente os
atributos percebidos mas não dispõem de mecanismos cognitivos para comparar abstracções
(single abstractions) e portanto não detectam os conflitos potenciais; com a emergência da
capacidade para comparar abstracções (abstract mapping) na fase intermédia da
adolescência, aumenta a percepção de conflito; no final da adolescência, uma nova
capacidade para coordenar os atributos (abstraction systems) protege os adolescentes da
percepção de conflito.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
75

Oosterwegel e Oppenheimer (1993), com uma metodologia completamente distinta da de


Harter, encontram resultados coincidentes no que respeita ao aumento de alguns tipos de
conflito no auto-conhecimento no período intermédio da adolescência; não encontraram,
contudo, diminuição do conflito no final da adolescência. Harter, por seu turno, relaciona a
crescente percepção de conflito no meio da adolescência com a intensificação da
instabilidade psicológica e psicossocial nesse período, descrita por alguns autores (por
exemplo Arnett, 1999). Oosterwegel e Oppenheimer não encontram relação entre conflitos e
a adaptação psicológica medida por um inventário de sintomas.

Uma nova linha de investigação sobre os conflitos no auto-conhecimento foi recentemente


lançada no projecto de investigação chamado Multi-Center Dilemma Project (ver, por
exemplo, em Feixas e Saúl, 2004), o qual envolve centros e universidades de vários países
europeus e do continente americano.

O objectivo central deste novo projecto, do âmbito da TCP, tem a ver com a investigação de
um tipo de conflito cognitivo identificável a partir da grelha de repertório, o dilema
implicativo. Os dilemas implicativos são conflitos envolvendo atributos do Eu Actual e do Eu
Ideal (ver Figura 2). Em primeiro lugar, os dilemas implicativos supõem a existência de
construtos congruentes e de construtos discrepantes numa grelha de repertório. Um construto
é congruente se os Eus Actual e Ideal são pontuados de modo semelhante; por exemplo, o
construto sonhador - realista seria congruente se ambos, Eu Actual e Ideal, fossem vistos
pela pessoa como sonhadores. Um construto é discrepante se o Eu Actual e o Ideal forem
pontuados em pólos opostos do construto; seria o caso, por exemplo, do construto frágil –
forte à luz do qual o mesmo sujeito pontuaria o Eu Actual como frágil e o Ideal como forte.
Por fim, a definição de dilemas implicativos supõe a existência de uma correlação superior a
.35 entre os construtos congruente e discrepante, como se mostra na Figura 2.

A existência da referida correlação entre os dois construtos no sistema de construção pessoal,


tem implicações: embora a pessoa deseje deixar de ser frágil e passar a ser forte, essa
mudança, mesmo que a nível não consciente, afigura-se lhe também indesejável pois implica
deixar de ser sonhadora, uma característica pessoal que aprecia e que porventura é central na
sua identidade. O resultado da presença de dilemas acaba pois por ser bloqueador de
mudanças que são também desejadas pela pessoa.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
76

Figura 2 – Estrutura básica de um dilema implicativo (exemplo de um adolescente)

Construto
Sonhador Realista
congruente
Eu Actual e
r ≥.35 Ideal r ≥.35

Construto
Frágil Forte
Discrepante
Eu Actual Eu Ideal

A identificação de dilemas implicativos na grelha de repertório está facilitada pela existência


do programa informático RECORD V.4.0, elaborado por Feixas e Cornejo (2002), o qual
permite calcular uma grande quantidade das medidas cognitivas a partir dos dados da grelha
de repertório, com economia de tempo e rigor.

O interesse por estes dilemas tem-se prendido até aqui com a compreensão de situações
clínicas e da mudança em psicoterapia, em adultos (Feixas e Saúl, 2004). Todavia, embora a
prevalência de dilemas em amostras clínicas seja significativamente superior à sua
prevalência em amostras da população adulta normal (respectivamente 52,4 % e 34 %) os
dilemas implicativos não são um exclusivo das situações de psicopatologia; eventualmente,
eles tingem a vida de um grande número de pessoas durante alguns períodos da sua vida. Não
há dados sobre a sua presença em adolescentes.

Em suma, a investigação que revimos sobre a distância Ac - Id e os conflitos na adolescência


mostra como o seu desenvolvimento e a sua relação com a adaptação psicológica são
domínios onde há muito ainda por investigar. A TCP e a técnica de repertório têm sido um
contributo importante no estudo da organização do auto-conhecimento e sua relação com a
adaptação psicológica, mas ainda pouco utilizadas no estudo da adolescência. Neste estudo
propomo-nos explorar a auto-estima e a presença de dilemas implicativos, em duas fases da
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
77

adolescência, bem como a sua relação com a adaptação psicológica, usando a técnica da
grelha de repertório como instrumento principal.

MÉTODO

Participantes

No total, participaram 68 adolescentes (Quadro 1), distribuídos por duas amostras ou Fases
da Adolescência: 33 sujeitos na amostra da Fase Inicial da Adolescência (In) (alunos do 7º
ano de escolaridade, idade média 12,24), e 35 na Fase Avançada da Adolescência (Av)
(alunos do 12º ano de escolaridade, idade média 17,29). Estes adolescentes eram alunos de
cinco escolas públicas de Braga, e a sua participação foi voluntária. Foi solicitado o
consentimento informado dos Conselhos Executivos das escolas e dos encarregados de
educação dos adolescentes. Os instrumentos foram administrados em pequenos grupos, na
escola, fora do horário escolar.

Instrumentos e Procedimento
Dois instrumentos permitiram a recolha de dados para quatro variáveis (Sexo, Adapatção
Psicológica, Auto-estima e conflitos cognitivos).

Questionário de Dados Pessoais. Este instrumento recolheu informação sobre variáveis


de natureza demográfica, situação escolar dos participantes, e medidas subjectivas de
adaptação psicológica. Para este estudo retivemos duas variáveis:
• Sexo (F ou M);
• Percepção de Problemas Pessoais (PP), uma medida subjectiva de adaptação
psicológica; era colocada aos participantes a questão “Tem tido problemas pessoais?”
ao que deviam responder assinalando numa escala de três pontos: Muitos, Poucos ou
Nenhuns. Numa amostra de 355 alunos do 12º ano esta medida mostrou-se positiva e
significativamente correlacionada com os resultados de inventários de sintomas como
a versão portuguesa do BSI (Brief Symptom Inventory; Canavarro, 1999) e com a
versão portuguesa do CDI (Children’s Depression Inventory; Marujo,1994),
especialmente nas medidas relacionadas com a depressão (Carapeto, Feixas e
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
78

Fernandez., comunicação a apresentar no VI Simpósio Nacional da Investigação em


Psicologia).
Dada a reduzida dimensão de algumas sub-amostras, esta variável foi posteriormente
transformada numa variável dicotómica, com as categorias Percepção de Problemas
Pessoais (SPP) e Ausência de Problemas Pessoais (NPP).

Técnica da grelha de repertório. Uma versão da técnica da grelha de repertório foi


utilizada para obter dados sobre duas variáveis, auto-estima e dilemas implicativos.

Consideramos para este estudo uma grelha com 15 elementos do Eu e dos Outros (Eu Actual,
Pai, Mãe, Irmã/o, Amigo/a do Mesmo Sexo, Amigo/a do Sexo Oposto, Namorado/a, Pessoa
de que Gosto ou Admiro, Eu Visto/a pelo Meu Pai, Eu Visto pela Minha Mãe, Eu Visto por
Amigo/a, Eu Devido, Eu Provável, Eu Ideal) e 12 construtos (um deles era fornecido como
exemplo, triste – alegre). Os passos na administração da grelha seguiram um guião previsto:
(a) Identificação dos Elementos (especialmente dos Outros); (b) elicitação dos construtos
mediante o método diádico e o procedimento de auto-identificação (Kelly, 1955); os sujeitos
são convidados a identificar semelhanças e diferenças entre o Eu Actual e cada um dos
Outros, até serem obtidos 12 construtos bipolares; (c) usando uma escala de Likert de 7
pontos, todos os elementos são pontuados em cada um dos construtos; o ponto intermédio (4)
significa que o construto não se aplica a esse elemento; os extremos da escala significam a
pontuação máxima em cada um dos pólos do constructo (Ex.: de 1 – Muito Feliz a 7 – Muito
Infeliz).

Os dados das grelhas de repertório foram individualmente introduzidos no RECORD versão


4.0 (Feixas e Cornejo, 2002), que proporciona o valor da distância Ac – Id (auto-estima) e
indica a Presença / Ausência de Dilemas Implicativos.

• Auto-estima. Como medida de auto-estima utiliza-se a distância Actual – Ideal, tal


como calculada pelo Programa RECORD v.4.0. Vários estudos mostram elevados
índices de fiabilidade para esta discrepância em adultos (Feixas, López-Moliner,
Navarro, Tudela e Neimeyer, 1992; Caputi e Keynes, 2001) e adolescentes
(Oosterwegel e Oppenheimer, 1993). Por outro lado, a discrepância Actual – Ideal é
significativamente mais elevada em amostras clínicas de adultos com depressão do
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
79

que em amostras sem queixas clínicas (Neimeyer e Feixas, 1992; Feixas, Erazo-
Caicedo, Harter e Bach, para publicação).

• Presença (SDil) / Ausência (NDil) de Dilemas Implicativos. O programa


informático RECORD v.4.0 identifica os dilemas com correlações iguais ou
superiores a .35 entre construtos congruentes e discrepantes. Estes conflitos, cuja
caracterização foi antes apresentada, estão presentes em amostras de adultos
população geral (34%) mas mais ainda em amostras clínicas (52,4 %) (Feixas e Saúl,
2004).

Finalmente, os dados de todos os sujeitos foram introduzidos no programa informático SPSS


que foi utilizado para análise estatística das amostras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No Quadro 1 resumem-se os resultados que de seguida analisamos: primeiro a prevalência de


da percepção de Problemas Pessoais (PP) (SPP e NPP) e da Presença de Dilemas
Implicativos (Dil) (SDil e NDil) nas duas Fases da Adolescência (In e Av), para cada Sexo;
depois a relação entre PP e Dil; finalmente, as diferenças na auto-estima de acordo com as
restantes variáveis.

A percepção de Problemas Pessoais (PP) na Adolescência


Na Fase Avançada da Adolescência (Av) a presença de PP (SPP) é assinalada mais
frequentemente (77,1% dos sujeitos) que na Fase Inicial (In) (45,5 %): a presença de PP
predomina em Av e a sua ausência em In (Teste Exacto de Fisher, p<0,05, testes bilaterais).
Este efeito deve-se ao que se passa com o Sexo Feminino (F): realizando Testes Exactos de
Fisher separadamente para cada sexo, só F mostra uma relação significativa entre Fase da
Adolescência e PP (90,9% das raparigas mais velhas apresentam dilemas, contra 36% entre
as mais novas); entre os rapazes, a percepção de Problemas Pessoais não é significativamente
diferente em In e Av (Teste Exacto de Fisher - F: p<0,001; M: n.s., testes bilaterais).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
80

Quadro 1 – Resumo dos Resultados, por Fase da Adolescência e Sexo

Percepção de Dilemas Ac – Id
Fase da
Sexo N Problemas Pessoais Implicativos
Adolescência
(SPP) (%) (SDil) (%) Média DP

F 25 36 36 0,23 0,15
Inicial (In) M 8 75 50 0,56 0,32
F+M 33 45,5 39,4 0,31 0,25
F 22 90,9 68,2 0,43 0,16
Avançada (Av) M 13 53,8 46,2 0,42 0,35
F+M 35 77,1 60 0,43 0,24

Considerando cada Fase da Adolescência separadamente, verificamos que em In não há


diferenças significativas entre rapazes e raparigas quanto à presença de PP (Teste Exacto de
Fisher, n.s., teste bilateral), mas em Av as raparigas indicam a presença de PP (90,9%)
significativamente mais que os rapazes (54%) (Teste Exacto de Fisher, p<0,05, teste
bilateral).

Gráfico 1 - Percepção de Problemas Pessoais Por Fase da


Adolescência e Sexo

100
90 90,9

80
% de Sujeitos com PP

75
70
60
53,8 F
50
M
40
36
30
20
10
0
In Av
Fase da Adolescência

Em suma, em Av as raparigas referem PP mais frequentemente que em In; por outro lado, é
em Av que rapazes e raparigas mostram uma incidência diferente de PP, elas referindo mais
frequentemente que eles. Estes resultados vão ao encontro de alguma investigação que indica
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
81

aumentarem os sintomas depressivos ao longo da adolescência e muito especialmente nas


raparigas em relação aos rapazes (Galambos e colegas, 2006; Harter, 1999; outros sobre
depressão na adolescência).

Os Dilemas Implicativos (Dil) na Adolescência


Globalmente, a presença de Dilemas é independente da Fase da Adolescência (Teste Exacto
de Fisher, n.s., teste bilateral), embora se verifique a tendência para que os dilemas estejam
presentes mais em Av que em In. Testes Exactos de Fisher separados para os Sexos Feminino
e Masculino mostram que SDil é significativamente mais frequente em Av que em In mas só
para o sexo Feminino (Teste Exacto de Fisher, p<0,05, teste bilateral): a presença de Dilemas
é predominante na fase Avançada da adolescência, tal como a sua ausência é predominante
no Início. No sexo masculino ausência e presença de Dilemas tendem a ser igualmente
prováveis em ambas as fases da adolescência (Teste Exacto de Fisher, n.s., teste bilateral).

Gráfico 2 - Presença de Dilemas Implicativos Por Fase da


Adolescência e sexo

80

70 68,2
% Sujeitos com Dilemas

60

50 50
46,2
F
40
36 M
30

20

10

0
In Av
Fase da Adolescência

Dentro de cada Fase da Adolescência parecem não ser significativas as diferenças entre
rapazes e raparigas (Testes Exactos de Fisher - In: n.s.; Av: n.s.; testes bilaterais), embora em
In pareça ser mais frequente a presença de dilemas nos rapazes do que nas raparigas, e em Av
o contrário.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
82

Em suma, os dilemas têm uma maior prevalência em Av que em In, mas só para as raparigas.
De resto, em cada Fase da Adolescência rapazes e raparigas apresentam uma prevalência de
Dilemas que é semelhante.

A Presença de Dilemas Implicativos (Dil) e a Percepção de Problemas Pessoais (PP)


Globalmente, a Presença de Dilemas e a percepção de PP são variáveis independentes (Teste
Exacto de Fisher, n.s., teste bilateral). Analisando esta relação separadamente para cada sexo,
conclui-se que não há relação entre a presença de dilemas e a percepção de PP nas raparigas
(Teste Exacto de Fisher, n.s., teste bilateral) nem nos rapazes (Teste Exacto de Fisher, n.s.,
teste bilateral); fazendo a mesma análise separadamente para cada Fase da Adolescência,
verifica-se que essa relação também não existe em In (Teste Exacto de Fisher, n.s., teste
bilateral) nem em Av (Teste Exacto de Fisher, n.s., teste bilateral).

Gráfico 3 - Presença de Dilemas Implicativos em Adolescentes e


Adultos

70
63
60
% Sujeitos com Dilemas

52,4
50 50
44,4
40
NPP
33,3 34
SPP
30

20

10

0
In Av Ad
Fase do Desenvolvimento

No Gráfico 3 ilustram-se as relações entre dilemas e adaptação psicológica, nas duas


amostras de adolescente deste estudo (In e Av) e em duas amostras de adultos (Ad),
designadamente uma amostra clínica (n=286) e uma amostra da população normal (n=321)
(Feixas e Saúl, 2004). Em primeiro lugar, comparando Av e Ad encontramos uma diminuição
da prevalência de dilemas, o que vai no sentido dos resultados de investigação que mostram a
diminuição dos conflitos no auto-conhecimento após a adolescência. Em segundo lugar, Ad e
Av sugerem uma relação semelhante entre dilemas e adaptação psicológica: os sujeitos com
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
83

problemas de adaptação apresentam uma incidência superior de dilemas, comparando com os


sujeitos sem problemas. Em terceiro lugar, a relação entre adaptação psicológica e dilemas
parece ser diferente em In, por oposição a Av e Ad: os sujeitos SPP apresentam menos
dilemas do que os que referem não ter problemas de adaptação (NPP). A dimensão das
amostras de adolescentes não permite conclusões categóricas a este respeito; de qualquer
modo, estes resultados sugerem a importância de um estudo mais aprofundado da relação
entre dilemas e adaptação psicológica numa perspectiva desenvolvimentista.

Resumindo, a Percepção de Problemas Pessoais e a Presença de Dilemas Implicativos são


independentes, em ambos os sexos e em ambas as fases da adolescência. Estes resultados não
são surpreendentes, dada a natureza estrutural dos dilemas implicativos que não são
necessariamente conscientes; nos estudos desenvolvimentistas referidos que relacionam
conflitos com (des)ajustamento psicológico na adolescência, os sujeitos eram convidados a
indicar explicitamente, de um modo ou outro, as contradições ou conflitos percebidos. A
comparação com os resultados de amostras adultas convida a interpretações
desenvolvimentais.

Distância Eu Actual – Eu Ideal (Ac – Id)


Para explorar as diferenças nas médias da distância Ac - Id (auto-estima), realizou-se uma
análise de variância a quatro factores, respectivamente Fase da Adolescência (In e Av), Sexo
(F e M), percepção de Problemas Pessoais (NPP e SPP) e presença de Dilemas Implicativos
(SDil e NDil). A distribuição dos resíduos não estandardizados da variável Ac – Id pode
considerar-se próxima da distribuição normal (Teste de Kolmogorov-Smirnov = 0,091; n.s.) e
as variâncias das sub-amostras podem considerar-se homogéneas (Teste de Levene, F=1,331,
n.s.).

Os resultados mostram que são significativos os efeitos da interacção Fase da Adolescência *


Sexo e o efeito principal da Presença de Dilemas Implicativos. A percepção de Problemas
Pessoais não tem efeitos significativos em Ac – Id.

O efeito da interacção Fase da Adolescência * Sexo (F=4,503; p<0,05), como se vê no


Quadro 1 e no Gráfico 4, é de modo a que a distância média Ac – Id das raparigas em Av é
mais elevada do que em In (e portanto a auto-estima será mais baixa), enquanto que nos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
84

rapazes Ac –Id diminuir de In para Av (e portanto a auto-estima a aumentar). Por outro lado,
em In, rapazes e raparigas apresentam médias distintas (rapazes com Ac – Id mais elevada, e
portanto auto-estima mais baixa, do que as raparigas) enquanto que em Av rapazes e
raparigas apresentam auto-estimas semelhantes.

Gráfico 4 - Distância Actual-Ideal por Fase da Adolescência e Sexo

0,6 0,56

0,5
0,44
0,42
Ac - Id (média)

0,4

In
0,3
0,23 Av

0,2

0,1

0
F M
Sexo

Em suma, coloca-se a hipótese de, tal como Galambos e colegas (2006) referem, no final da
adolescência se iniciar uma aproximação entre a auto-estima de rapazes e de raparigas; por
outro lado, o desenvolvimento de sentido oposto entre rapazes e raparigas é intrigante. Os
resultados das raparigas são concordantes com alguma da investigação que revimos na
Introdução: Ac – Id aumenta de In para Av (e portanto a auto-estima diminui), a referência a
PP é menos frequente em In que em Av. Portanto o modelo que relaciona negativamente
auto-estima e adaptação psicológica, verifica-se para o sexo feminino. Vendo Ac - Id como
um factor motivacional, encontramos as adolescentes mais velhas mais empenhadas na
mudança pessoal, o que está de acordo com o contexto sociocultural em que as estudantes se
encontram. E de acordo com a perspectiva cognitivo-desenvolvimentista, as adolescentes
mais velhas revelam-se mais maduras cognitivamente, capazes de uma maior diferenciação
Ac – Id.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
85

Por outro lado, comparando com o perfil das raparigas, o perfil dos rapazes é intrigante, pelas
semelhanças entre In e Av, aparentemente um perfil de não-mudança: a frequência de SPP
não é significativamente diferente em In e Av, a distância Ac – Id também não.

O Gráfico 5 (ver também Quadro 1) ilustra o efeito principal da Dil (F=11,745, p=0,001): os
adolescentes que apresentam dilemas (SDil) têm uma distância Ac – Id média
significativamente mais alta (mais baixa auto-estima) do que os adolescentes que não os
apresentam (NDil), independentemente da Fase da Adolescência (o mesmo se poderá dizer
em relação ao Sexo ou à percepção de PP).

Gráfico 5 - Distância Actual - Ideal na Adolescência segundo a


Presença de Dilemas Implicativos

0,6

0,5 0,5
0,47
Ac - Id (média)

0,4

0,32 Ndil
0,3
0,27 Sdil

0,2

0,1

0
In Av
Fase da Adolescência

Os sujeitos que referem a presença de PP (SPP) (Gráfico 6; Quadro 1) têm sempre uma
distância Ac – Id mais elevada (auto-estima mais baixa) do que os sujeitos que referem a
ausência de PP (NPP), independentemente do Sexo, Fase da Adolescência ou da presença de
Dilemas Implicativos. Todavia, o efeito de PP em Ac – Id não é estatisticamente significativo
pelo que temos de concluir que a percepção de Problemas Pessoais não mostrou efeitos
significativos na distância Ac – Id (auto-estima); este resultado pode estar relacionado com
algumas limitações da variável PP enquanto medida de adaptação psicológica.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
86

Gráfico 6 - Distância Actual - Ideal em Adolescentes com e sem Problemas


Pessoais

0,5 0,45
0,45
0,4 0,35
0,34
0,35
Ac - Id (média)

0,28
0,3
NPP
0,25
SPP
0,2
0,15
0,1
0,05
0
In Av

Fase da Adolescência

Apesar de globalmente a PP não ter efeito em Ac – Id, não deixa de ser curioso o perfil de
resultados que o Gráfico 7 mostra e de que faremos uma breve análise qualitativa.
Genericamente, o gráfico sugere padrões diferentes para cada Sexo.

Gráfico 7 - Distância Actual - Ideal segundo a Fase da adolescência e a


Percepção de Problemas Pessoais, para cada Sexo
0,8

0,7 0,7

0,6
Ac - Id (média)

0,54 0,53
0,5 0,51

0,42 F
0,4
M
0,3 0,29
0,23 0,23
0,2

0,1

0
In.NPP In.SPP Av.NPP Av.SPP

Fase da Adolescência * Percepção de Problemas Pessoais


VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
87

Em In, a auto-estima das raparigas parece não relacionada com a presença de problemas de
adaptação; a auto-estima dos rapazes parece ser mais elevada (Ac – Id mais baixo) quando
referem PP; isto é, os rapazes mais novos que referem não ter PP são aqueles que têm uma
auto-estima mais baixa. Em Av, a auto-estima de rapazes e raparigas parece relacionar-se
diferentemente com a percepção de PP: as raparigas que referem NPP têm a auto-estima mais
baixa (Ac – Id mais alta) do que aquelas que referem PP; com os rapazes passa-se o inverso:
os que referem NPP têm uma auto-estima mais alta (Ac – Id mais baixa) do que os que
referem SPP. Especialmente estes resultados de Av revelam-se interessantes e justificam um
estudo mais aprofundado.

CONCLUSÃO

A pequena dimensão das amostras (sobretudo as masculinas) e a eventual fragilidade da


medida subjectiva de adaptação psicológica utilizada recomendam moderação nas
conclusões. Todavia, este trabalho mostra que a técnica da grelha de repertório, já
reconhecida por permitir estudar os aspectos estruturais do auto-conhecimento, pode
contribuir também para a compreensão das suas mudanças desenvolvimentais na
adolescência. Os resultados vão ao encontro de muita investigação desenvolvimentista,
especialmente no caso das nossas amostras femininas; as amostras masculinas apresentam
padrões de resultados por vezes intrigantes mas também estimulantes para investigação
futura. Em particular o estudo dos dilemas implicativos num contexto desenvolvimental
caracterizado pela intensidade da(s) mudança(s), como é o da adolescência, e sua relação com
a adaptação psicológica afigura-se uma área de investigação promissora.

REFERÊNCIAS

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
90

Autoconceito profissional dos professores

Virgílio Figueiredo Gonçalves (EB 2,3 José Afonso)


vmfgoncalves@gmail.com
Feliciano Henriques Veiga (Universidade de Lisboa)
fhveiga@fc.ul.pt

Palavras-chave:
autoconceito; autoconceito profissional dos professores; cidadania docente; profissionalidade
docente

Resumo/Abstract:

Este estudo tem como objectivo geral analisar a percepção que os docentes têm de si-mesmo
como profissionais e a relação desta mesma percepção com os seus comportamentos de
cidadania docente. Foram formuladas várias questões de estudo com o objectivo de analisar:
a relação do autoconceito com variáveis escolares, pessoais e sociais; a relação entre o
autoconceito e os comportamentos de cidadania docente; os factores escolares que mais
contribuem para a explicação da variância do autoconceito profissional dos professores e dos
comportamentos de cidadania docente; as dimensões do autoconceito profissional que mais
contribuem para a explicação da variância dos comportamentos de cidadania docente. O
quadro conceptual deste estudo foi estruturado tendo por base as perspectivas diferencial,
cognitivo-social e desenvolvimentista. Os sujeitos da amostra foram professores de ambos os
sexos, de diferentes idades, em diferentes fases de desenvolvimento da sua carreira, com
diferentes tipos de formação profissional e de diferentes escolas. Para a avaliação do
autoconceito profissional dos professores foi utilizada a escala Teacher self-concept
evaluation scale (TSCES). Para a avaliação dos comportamentos de cidadania docente
utilizou-se a Escala de representação dos professores acerca da sua
cidadania/profissionalidade docente (ERP-CCID), com duas psicologias novas dimensões —
a normatividade e a interpessoalidade. Os resultados evidenciaram a relação entre as
dimensões do autoconceito profissional dos professores e variáveis escolares e pessoais;
evidenciaram correlações estatisticamente significativas entre o autoconceito profissional dos
professores e os seus comportamentos de cidadania docente. A generalidade dos resultados
aproxima-se de estudos prévios e destaca a importância de contextos facilitadores do
desenvolvimento do autoconceito profissional dos professores. O estudo termina com
sugestões de futuras investigações.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
91

Introdução

Cada vez mais se exige ao indivíduo, tanto a nível pessoal como profissional. A
sociedade está em constante mudança. A produtividade, a eficácia e a criatividade são
palavras de ordem no meio laboral. Estas circunstâncias tornam a sociedade mais tecnológica
e impessoal, pelo que o conhecimento de si-próprio poderá tornar-se um factor de relevante
importância (Alexander, 2000; Calixto, 2002; Niedenthal & Beike, 1997; Organ, 1997;
Roque, 2004; Villa & Calvete, 2001). Fazendo a transposição do descrito para a profissão
docente, que está em constante evolução, a possibilidade de frequentar acções de formação na
área específica, a promoção de uma maior abertura à comunidade educativa e uma gestão
mais eficiente pode afectar o desenvolvimento do autoconceito profissional dos docentes.
Pelo descrito, emerge a necessidade de melhor compreendermos o significado de
autoconceito. O autoconceito poderá constituir o núcleo mais central da personalidade e da
existência (Marsh, 1989; Villa & Calvete, 2001; Roque, 2004; Veiga, 1996), assumindo-se
como o grande determinante dos pensamentos, sentimentos e comportamentos. O
autoconceito constrói-se ao longo da vida e por várias etapas, decorrentes da interacção do
sujeito com o meio, sendo influenciadas pelas estruturas de referência dos indivíduos.
Importa clarificar como foi entendido, neste trabalho, o autoconceito. Neste sentido, este
construto entende-se como sendo a percepção que o indivíduo tem de si próprio como tal e de
si-mesmo em relação com os outros. No que diz respeito ao autoconceito profissional é
conceptualizado como um construto consciente, multidimensional, evolutivo, autodescritivo e
avaliativo (Marsh, 1989; Villa & Calvete, 2001; Veiga, 1996). O construto de cidadania
docente advém dos comportamentos de cidadania organizacional (Organ, 1988). Tendo em
conta que os comportamentos de cidadania organizacional contribuem para a eficácia
organizacional (Organ, 1988), Rego (2003: p. 55), partindo desta teoria, adoptou a seguinte
definição de comportamentos de cidadania docente: “comportamentos tendencialmente
discricionários (não obrigatórios), não directa ou explicitamente reconhecidos pelo sistema de
recompensa formal, e que contribuem para o funcionamento eficaz da organização escolar,
designadamente no que concerne ao desempenho académico dos estudantes”.
O principal objectivo deste estudo foi analisar a percepção que os docentes (que
leccionam desde o 1º ao 12º ano de escolaridade) têm de si-mesmo como profissionais e a
relação desta mesma percepção com os seus comportamentos de cidadania docente. Foi no
âmbito dos elementos referidos que as questões do estudo surgiram, às quais se procurou
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
92

responder ao longo de investigação realizada (Gonçalves, 2006), de que o presente trabalho


apresenta uma síntese. No estudo realizado, partiu-se do seguinte problema geral: Como se
relacionam as dimensões do autoconceito profissional dos professores com os
comportamentos de cidadania docente e quais são os factores (pessoais, escolares e
profissionais) mais explicativos de cada um destes construtos?

O autoconceito

Os professores, na transição do século XX para o século XXI, vivem situações de


grande complexidade. A sociedade espera que a escola seja o grande espaço de socialização e
que os professores, nomeadamente do ensino básico e secundário, sejam os adultos que
ajudam as crianças e jovens na sua caminhada para a maturidade. O autoconceito pode ser
definido como uma estrutura cognitiva que organiza as experiências passadas do indivíduo,
reais ou imaginárias, controla o processo informativo relacionado consigo mesmo e exerce
uma função de auto-regulação (Tamayo, 1993). Niedenthal e Beike (1997) descrevem o
autoconceito como as representações mentais das características pessoais utilizadas pelo
indivíduo para a definição de si mesmo e regulação do seu comportamento. As
representações mentais de que falam os autores têm sido também denominadas esquemas
cognitivos ou auto-esquemas. Os esquemas "moldam as percepções que os indivíduos
possuem das situações, as suas memórias dos eventos e os sentimentos sobre si-mesmos e
sobre os outros" (Cantor, 1990, p. 737). Os auto-esquemas resumem as experiências passadas
do indivíduo e organizam a ampla variedade de informações relativas a si mesmo (Markus,
Crane, Bernstein & Siladi, 1982). Os múltiplos auto-esquemas de uma pessoa, porém, não
podem ser processados simultaneamente; assim, num determinado momento, apenas um
número limitado deles será processado. Esse conjunto de auto-esquemas, que é acessível num
determinado momento, constitui o que Markus e Kunda (1986) denominam autoconceito. Um
dos determinantes mais poderosos do comportamento é o conceito que a pessoa tem de si
mesma. Se esta se percebe como competente e capaz, isto certamente irá reflectir-se no seu
comportamento. Por outro lado, caso se considere pouca habilidosa, pouco capaz ou pouco
competente, os seus pensamentos e acções serão orientados no sentido de confirmar esta
auto-imagem. O conjunto de percepções que a pessoa tem de si mesma representa um dos
factores de maior influência na sua constituição psicológica. Esta imagem subjectiva,
usualmente rotulada de autoconceito, é formada por muitas crenças, atitudes, impressões e
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
93

percepções a respeito de si mesma. Desta forma podemos conceptualizar o autoconceito


profissional dos professores como um construto que emerge do autoconceito pessoal dos
sujeitos, da percepção acerca das apreciações que lhe são feitas pelos outros, concretamente,
os que lhe são mais “significativos” no contexto profissional (Gondra, 1981; Oñate, 1989;
Marsh, 1989; Roque, 2004; Villa & Calvete, 2001). O autoconceito profissional dos
professores decorre essencialmente da sua interacção com o meio tendo em conta a
experiência de cada indivíduo. A formação dos professores e as suas vivências influenciam,
ou determinam, o seu autoconceito pessoal e profissional. O autoconceito profissional dos
professores está, portanto, relacionado com várias e complexas facetas, tais como as relações
com todos os elementos que constituem a comunidade educativa e com a sociedade em geral.

Comportamentos de cidadania docente

A profissão docente implica a aprendizagem de uma profissão caracterizada por


saberes cada vez mais diversificados que vão do humano e relacional ao cognitivo e prático.
As preocupações com os comportamentos de cidadania docente, ou profissionalidade, têm
vindo a aumentar consideravelmente. Desde há algumas décadas a esta parte que
investigadores da psicologia organizacional referem a importância dos comportamentos
extra-papel, isto é, dos comportamentos discricionários que ultrapassam os conteúdos
formalmente estabelecidos, mas que, no entanto, favorecem a organização (Katz 1964;
Organ, 1997; Bolino & Turner, 2003). Katz refere “que qualquer organização que dependa
apenas dos comportamentos prescritos é um sistema social muito frágil” (Katz, 1964, p. 132).
A pesquisa no campo dos comportamentos de cidadania organizacional tem produzido
conhecimentos vastos (Organ, 1988; Organ & Ryan, 1995), mas apenas recentemente este
conceito passou a ter especial incidência no âmbito das escolas enquanto organizações. Este
conceito recebeu suporte empírico através de estudos relacionados com o terreno concreto
das organizações (DiPaola & Hoy, 2004; Rego, 2003). Os investigadores adoptaram o
conceito para as organizações escolares, concedendo especial ênfase aos actos docentes,
tendo adoptado a seguinte definição de cidadania docente (DiPaola & Hoy, 2004; Rego,
2003): comportamentos tendencialmente discricionários, não directa ou explicitamente
reconhecidos pelo sistema de recompensa formal, e que contribuem para o funcionamento
eficaz da organização escolar, em especial no que concerne ao desempenho académico dos
estudantes.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
94

Metodologia

No âmbito da metodologia utilizada, apresentam-se os sujeitos da amostra,


especificam-se os instrumentos utilizados, relata-se o procedimento havido e formulam-se as
questões de estudo, orientadoras da investigação realizada.

Amostra

De forma a tornar a amostra o mais representativa possível da população a que


pertence e no sentido de permitir uma generalização dos resultados, foram tidos em conta
alguns aspectos. Desta forma, tentou-se ter uma amostra heterogénea que viabilizasse a
análise estatística dos dados recolhidos. Dos 251 professores que fizeram parte deste estudo,
dois não responderam, 56 (22,3%) pertencem ao género masculino e 193 (76,9%) ao género
feminino.

Instrumentos

Utilizou-se o instrumento de avaliação Teacher self-concept evaluation scale


TSCES. Este questionário, já adaptado para Portugal (Veiga, Gonçalves, Caldeira e Zuniga,
2006), de natureza autodescritiva, tem como finalidade avaliar o autoconceito profissional
dos professores nas seguintes dimensões: competência, relação com os alunos, relação com
os colegas, satisfação, aceitação de riscos e iniciativas e auto-aceitação. É uma escala com 33
itens, de tipo Likert com seis posicionamentos possíveis, em que os professores se
classificam de acordo com o grau de concordância que atribuem na resposta a cada um dos
itens: 1-discordo totalmente, 2-discordo bastante, 3-discordo mais que concordo, 4-concordo
mais que discordo, 5-concordo bastante e 6-concordo totalmente. Surgiu da tradução e
consequente contextualização para a Língua Portuguesa do instrumento também chamado
Teacher self-concept evaluation scale (TSCES) de Villa e Calvete (2001). Utilizou-se, ainda,
o instrumento de avaliação “Escala das Representações dos Professores acerca dos seus
Comportamentos de Cidadania Docente” (ERP-CCID) que, para além das quatro dimensões
do instrumento acerca dos comportamentos de cidadania docente, construído por Rego e
outros (2003), apresenta mais duas dimensões, a interpessoalidade e a normatividade (Veiga e
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outros, 2005). O instrumento utilizado ERP-CCID apresenta seis categorias de


comportamento: participação, orientação prática, ensino ou conscienciosidade, cortesia,
interpessoalidade e normatividade.

Procedimentos

Os inquéritos foram distribuídos na cidade de Lisboa, no distrito de Castelo Branco e,


maioritariamente, no distrito de Setúbal. O inquérito foi preenchido por professores de todos
os níveis de ensino (à excepção do jardim de infância e do ensino superior). Foram, também,
distribuídos inquéritos em ambiente de formação, concretamente em Centros de Formação de
Lisboa. Foram distribuídos 634 inquéritos e foram recolhidos 272; destes, 21 foram
considerados nulos. Portanto, a nossa amostra é constituída por 251 inquéritos.

Questões de estudo

O problema geral, anteriormente apresentado, desdobrou-se nas seguintes questões de


estudo: Q1 - Nas auto-avaliações que de si fazem, como se distribuem os professores por
diferentes parâmetros de autoconceito profissional (AP), em termos de um autoconceito
negativo, suficientemente positivo ou muito positivo? Q2 - Nas auto-avaliações que de si
fazem, como se distribuem os professores por diferentes parâmetros de autoconceito
profissional (AP), em função do género? Q3 - Quais as oscilações do autoconceito
profissional ao longo do tempo de serviço? Q4 - Que relação existe entre o autoconceito
profissional dos professores e os seus comportamentos de cidadania docente? Q5 - Quais as
dimensões do autoconceito profissional que mais contribuem para a explicação da variância
dos comportamentos de cidadania dos professores?

Resultados

Relativamente à questão de estudo 1 (Q1), apresentam-se os resultados no quadro 1.


A generalidade dos itens apresenta diferenças bastante significativas (p<0,001), à excepção
do item 10 onde os resultados não são significativos e do item 11 com uma significância algo
menor p<0,1. Os itens 5, 11, 15, 17, 23, 28 e 32 (itens inversos) apresentam valores mais
elevados na discordância elevada (coluna 1). O item com que os professores mais discordam
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
96

(96,4%) é o 28 (Não aguento mais ficar na minha profissão). Os itens 2, 4, 7, 8, 12, 16, 19, 24
e 29 são os que revelam maior percentagem de concordância, sendo o item 29 (Acho que
estou sempre a aprender) o que apresenta maior percentagem (86,9%).

Quadro 1 Percentagens dos diferentes parâmetros do Autoconceito Profissional, em termos de discordância elevada (1),
discordância e concordância (2) ou concordância elevada (3) com o conteúdo do item.
Teacher self-concept evaluation scale 1 2 3 x² Sig.
01. Sinto-me como muito competente na minha profissão. 0,8 32,3 66,9 164,81 ***
02. Sinto-me integrado na relação com os meus colegas. 4,0 24,3 71,7 181,92 ***
03. Gosto de pensar em novos projectos. 3,6 28,3 68,1 159,71 ***
04. Sinto segurança na maneira como me relaciono com os alunos. 2,8 19,5 77,7 232,08 ***
05. Sinto-me frustrado no trabalho. 84,5 11,2 4,4 143,08 ***
06. Sinto-me livre e sem medo de ser eu próprio a assumir as consequências. 16,7 28,7 54,6 56,38 ***
07. Penso que, em geral, sou bom professor. 0,8 21,9 77,3 235,04 ***
08. Gosto das relações que estabeleço com os outros no meu trabalho. 3,2 26,7 70,1 173,65 ***
09. As mudanças não me perturbam. 21,5 33,5 45,0 20,81 ***
10. Tenho toda a confiança nos meus alunos. 26,7 37,5 35,9 5,08 NS
11. Nas minhas actuais circunstâncias, é difícil ter sucesso. 58,6 21,5 19,9 12,44 **
12. Sinto-me bem comigo mesmo, apesar de não ser perfeito. 1,6 23,1 75,3 216,34 ***
13. Penso que tenho elevadas competências para ensinar. 4,4 33,1 62,5 127,39 ***
14. Sinto-me estimado pelas outras pessoas. 4,0 39,4 56,6 108,34 ***
15. Tenho dificuldade em tomar iniciativas. 76,9 12,7 10,4 49,11 ***
16. Gosto habitualmente das relações que tenho com as minhas turmas. 2,0 25,9 72,1 191,36 ***
17. O meu trabalho como professor não me dá satisfação. 90,4 5,6 4,0 196,50 ***
18. Sei muito bem o que quero e aquilo que posso fazer. 6,8 29,1 64,1 125,96 ***
19. Acredito nas minhas próprias competências. 0,8 24,7 74,5 212,95 ***
20. Tenho facilidade em partilhar e cooperar com outros. 10,4 23,9 65,7 125,51 ***
21. Gosto de correr riscos. 49,0 27,9 23,1 28,60 ***
22. Em geral, os alunos têm muita estima por mim. 2,8 44,2 53,0 108,27 ***
23. Se me fosse possível, mudaria de profissão. 91,6 2,8 5,6 177,71 ***
24. Aprendo muito com os meus próprios erros. 2,8 25,9 71,3 183,04 ***
25. Sinto confiança nas minhas próprias capacidades. 0,0 29,9 69,7 40,00 ***
26. Sinto que sou bem aceite pelas outras pessoas. 1,2 36,7 62,2 141,14 ***
27. As críticas, sejam de colegas ou de alunos, não me metem medo. 12,4 37,5 50,2 55,85 ***
28. Não aguento mais ficar na minha profissão. 96,4 2,0 1,6 358,50 ***
29. Acho que estou sempre a aprender. 0,8 12,4 86,9 328,56 ***
30. Tenho fama de ser um professor eficiente. 5,2 45,0 49,8 90,40 ***
31. Sinto que sou uma pessoa com valor. 1,6 29,5 68,9 172,36 ***
32. Sou pouco confiante nas minhas próprias ideias e capacidades. 83,3 9,2 7,6 110,16 ***
33. Os meus colegas vêem-me como um professor competente. 1,2 44,2 54,6 120,70 ***
*p<0,5; **p<0,1; ***p<0,001; NS = não significativa

No quadro 2, apresentam-se os resultados nas dimensões do autoconceito e no


autoconceito total (tscesTOT) em função da variável género (questão de estudo 2). Podemos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
97

verificar que não existem diferenças significativas, nas dimensões relação com os alunos
(Real), relação com os colegas (ReCo) e aceitação de riscos e iniciativas (AcRi).

Quadro 2 - Média e desvio-padrão (DP) dos resultados no autoconceito profissional, em função


da variável género.
Autoconceito Género N Média DP t Sig.
masculino 56 44,8393 5,37258
Comp 3,115 ***
feminino 192 42,5990 4,53498
masculino 56 18,7679 2,89194
Real 1,318 ns
feminino 193 18,2746 2,32787
masculino 56 24,3393 3,50727
ReCo 1,312 ns
feminino 193 23,7202 2,98511
masculino 56 24,8393 3,33999
Sati 2,267 *
feminino 193 23,5907 3,70716
masculino 56 22,1250 3,78544
AcRi 1,757 ns
feminino 193 21,2487 3,12755
masculino 56 25,3214 2,69752
AuAc 2,857 ***
feminino 193 24,1192 2,79346
masculino 56 160,2321 16,98662
tscesTOT 3,005 ***
feminino 193 153,5440 13,92350
*p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001; ns = não significativo
Legenda: Comp = competência; ReAl = relação com os alunos; ReCo = Relação com os colegas; Sati = satisfação;
AcRi = aceitação de riscos e iniciativas; AuAc = auto-aceitação; tscesTOT = total na escala TSCES.

Relativamente à dimensão competência (Comp), os indivíduos do género masculino


apresentam um autoconceito significativamente mais elevado (M=44,8393) do que os
indivíduos do género feminino (M=42,5990), com elevada significância estatística (t=3,115;
p<0,001). Em relação à dimensão satisfação profissional (Sati), os indivíduos do sexo
masculino apresentam um autoconceito superior aos do sexo feminino de (p<0,5). Os
indivíduos do género masculino voltam a apresentar um autoconceito mais elevado,
relativamente à dimensão auto-aceitação do que os sujeitos do género feminino (p<0,001).
Por último e em relação ao autoconceito total (tscesTOT) verifica-se um autoconceito mais
elevado nos indivíduos do género masculino do que nos do género feminino (p<0,001).
Quanto ao tempo de serviço (Quadro 3), não se observaram diferenças
estatisticamente significativas em qualquer dos contrastes realizados entre os grupos com
diferentes tempos de serviço: menos de 9 anos (N = 75), entre 9 e 15 anos (N = 89) e com
mais de 15 anos (N = 76).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
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Quadro 3 – Média e desvio-padrão dos resultados nas dimensões do


autoconceito profissional em função da variável tempo de serviço
Autoconceito N Média DP
Comp 1,00 32 44,0938 3,85511
2,00 185 42,8108 4,67090
3,00 23 43,0000 5,95437
Total 240 43,0000 4,70911
ReAl 1,00 32 18,3750 1,69915
2,00 186 18,2473 2,51549
3,00 23 19,0435 2,63677
Total 241 18,3402 2,43764
ReCo 1,00 32 24,5938 2,49980
2,00 186 23,6075 3,14887
3,00 23 24,2609 3,41411
Total 241 23,8008 3,10674
Sati 1,00 32 23,9688 3,92251
2,00 186 23,8602 3,53849
3,00 23 24,2174 3,34333
Total 241 23,9087 3,56019
AcRi 1,00 32 21,3750 3,33844
2,00 186 21,2419 3,14867
3,00 23 22,3043 4,27928
Total 241 21,3610 3,29494
AuAc 1,00 32 24,9063 2,05347
2,00 186 24,1505 2,87561
3,00 23 25,0000 2,92326
Total 241 24,3320 2,79542
tscesTOT 1,00 32 157,3125 11,62433
2,00 186 153,9086 14,33602
3,00 23 157,8261 19,76372
Total 241 154,7344 14,62917
Legenda: 1 - <6; 2 – de 6 a 24 anos; 3 - >24 anos; Comp = competência;
ReCo = Relação com os colegas; ReAl = relação com os alunos;
Sati = satisfação; AcRi = aceitação de riscos e iniciativas;
AuAc = auto-aceitação; tscesTOT = total na escala TSCES.

Algo semelhante ocorreu na comparação entre grupos mais extremos quanto ao tempo
de serviço, especificamente entre os grupos: menos de 6 anos (N = 32), entre 6 e 24 anos (N
= 185) e com mais de 24 (N = 23) (Quadro 3). No autoconceito total, embora o grupo com
tempo de serviço entre 6 e 24 anos tenha apresentado menor valor que os restantes, a
diferenciação não chegou a ser estatisticamente significativa.
Este mesmo tipo de análises foi realizado em função da idade, observando-se, também
aqui, a ausência de qualquer diferenciação significativa ao longo do tempo, qualquer que
fosse a dimensão do autoconceito profissional.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
99

Verifica-se que existe correlação estatisticamente significativa entre todas as


dimensões do autoconceito profissional e todas as dimensões dos comportamentos de
cidadania docente, à excepção da normatividade. Refira-se que todas as correlações são muito
significativas (p<0,01).

Quadro 4 - Correlação entre as dimensões do autoconceito profissional dos professores


e as dimensões dos comportamentos de cidadania docente na amostra total
Comp ReCo ReAl Sati AcRi AuAc
PaPr ,586** ,506** ,474** ,249** ,435** ,575**
Norm ,365** ,346** ,287** ,109 ,222** ,261**
Inter ,273** ,235** ,343** ,334** ,213** ,298**
Ensi ,581** ,431** ,299** ,229** ,285** ,412**
Cort ,352** ,418** ,432** ,238** ,398** ,476**
*p<0,05; **p<0,01; ***p<0,001; ns = não significativo
Legenda: PaPr = participação prática; Norm = normatividade; Inter = interpessoalidade;
Ensi = ensino; Cort = cortesia; Comp = competência; ReCo = Relação com os colegas;
ReAl = relação com os alunos; Sati = satisfação; AcRi = aceitação de riscos e iniciativas;
AuAc = auto-aceitação.

Quadro 5 - Análise de regressão múltipla das dimensões do autoconceito profissional nos comportamentos
de cidadania dos professores (ErpccidTOT).

Ordem V.I. R mult. QR F Sig F


1 Autoconceito total
0,693 0,481 229,76 0,001
2 Satisfação
0,707 0,500 123,53 0,001
3 Aceitação de riscos e iniciativas
0,713 0,508 84,79 0,001

No Quadro 5, aparecem os elementos relativos às dimensões do autoconceito


profissional dos professores que mais explicam a variância dos seus comportamentos de
cidadania, em que, para além da variável autoconceito total (TscesTOT), surgem, com um
acrescento significativo (p<0,001), as dimensões satisfação (Sati) e aceitação de riscos e
iniciativas (AcRi).

Discussão dos resultados

Em relação à distribuição dos professores por diferentes parâmetros do autoconceito


profissional, os resultados do item 2 (sinto-me integrado na relação com os meus colegas) dá-
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
100

nos a informação de que apenas dois terços dos professores (71,7%) se situam num nível
muito positivo. Isto poderá ter a ver com a pouca estabilidade existente ao nível do corpo
docente. O facto de os professores mudarem de escola constantemente pode fazer com que as
relações entre colegas recomecem ano após ano. Por outro lado, no item 5 (sinto-me frustrado
no trabalho) 84,5% dos professores afirmam não concordar com a afirmação, o que poderá
indicar que apesar de todas as contingências negativas da profissão os docentes gostam do
que fazem. As respostas ao item 10 (tenho toda a confiança nos meus alunos) informam-nos
que os professores se reportam em percentagens relativamente próximas pelos três níveis:
autoconceito negativo, positivo e muito positivo. É possível que isto se fique a dever aos
casos conhecidos e amplamente estudados de violência e indisciplina na escola (Roque, 2004;
Veiga, 2001). O item 14 (sinto-me estimado pelas outras pessoas) apresenta resultados
interessantes; apenas 56,6% dos professores revelam um autoconceito muito positivo; aqui
poderemos reportar-nos também à explicação utilizada para o item 2 uma vez que os
professores para se sentirem estimados necessitam de estabelecer laços de amizade e empatia,
o que dificilmente acontece quando se verificam mudanças de escola todos os anos. O item
21 (gosto de correr riscos) informa que 49% dos professores discordam desta afirmação; estes
resultados podem ter a ver com o facto de os professores assumirem algum receio em encetar
novos projectos, novas dinâmicas de trabalho; é possível, ainda, que estes resultados possam
estar interligados com a fraca propensão que os docentes manifestam em abrir a escola à
restante comunidade educativa.
Em relação à variável género e no que diz respeito às dimensões do autoconceito
(relação com os alunos, relação com os colegas e aceitação de riscos e iniciativas), não se
encontraram diferenças estatisticamente significativas. Contudo, no que diz respeito às
dimensões competência, satisfação, auto-aceitação e total na escala do autoconceito, os
indivíduos do género masculino revelam um autoconceito mais elevado. O facto de os
indivíduos do género masculino apresentarem maior autoconceito nas dimensões satisfação e
auto-aceitação poderá indicar que estes denotam maior percepção acerca de si-mesmos, como
é referido nos estudos de Wilgenbusch e Merrel (1999). Estes dados indicam um grau mais
elevado de adaptação pessoal, o que poderá ter a ver, segundo alguns estudos (Rothenberg,
1997; Pichardo, 2000), com uma maior vivência de ansiedade ou depressão nos indivíduos do
género feminino. Os resultados indicam, ainda, maior autoconceito dos indivíduos do género
masculino na dimensão competência. Estes resultados surgem na linha de outras
investigações (Backes, 1994; Hilke e Conway, 1994). As diferenças estatisticamente
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
101

significativas no total da escala indicam que os indivíduos do género masculino, que


compõem a amostra, têm uma percepção global de si-mesmos mais elevada do que os
indivíduos do género feminino, tal como afirmam vários estudos (Miller, 1979; Backes,
1994; Orenstein, 1994; Gabelko, 1997; Rothenberg, 1997; Wilgenbusch e Merrel, 1999).
Estes estudos revelam que os indivíduos do género feminino, a partir da adolescência,
denotam um autoconceito significativamente inferior, muito provavelmente devido ao
declínio da sua auto-imagem, o que pode estar relacionado com os estereótipos de género
(Marsh, 1989; Crain, 1996). Em contraponto, os resultados obtidos contradizem os estudos de
Rodriguez (1982) que não consideram haver diferenças significativas no autoconceito global
dos indivíduos quer sejam do género masculino ou do género feminino. A partir de um ponto
de vista educacional, estes resultados sugerem a necessidade de alterar a formação dos
professores de forma a serem colmatadas as diferenças existentes entre os géneros. Este
estudo fez ressaltar a importância das dimensões emocionais do autoconceito profissional dos
professores, que merece ser considerada em futuras investigações com a finalidade de
aprofundar os factores das diferenças encontradas.
Ao longo da vida profissional dos indivíduos o autoconceito é influenciado e regulado
por factores contextuais e outras variáveis de carácter pessoal (Fontaine, 1991; Benner, 1996;
Veiga, 1996). No que concerne à variável tempo de serviço, os resultados mostram que os
professores com mais tempo de serviço apresentam um autoconceito mais elevado nas
dimensões: relação com os alunos, satisfação, aceitação de riscos e iniciativas e na escala
total. Os professores com menos tempo de serviço revelam autoconceito mais elevado apenas
nas dimensões competência e relação com os colegas. Apesar das diferenças enunciadas não
serem estatisticamente significativas, realce-se o facto de, com o decorrer do tempo de
serviço prestado, o professor ver o seu autoconceito ser alterado e diferenciado. Contudo,
estes resultados parecem contrariar um outro estudo realizado com professores portugueses,
em que o autoconceito variava na razão inversa do tempo de serviço (Ferreira, 1998). Em
suma, será útil um posterior estudo longitudinal de forma a clarificar os elementos aqui
apresentados.
De acordo com o esperado, verificou-se uma correlação estatisticamente significativa
entre a generalidade das dimensões do autoconceito profissional e dos comportamentos de
cidadania docente. Apenas não se verificam correlações estatisticamente significativas entre a
dimensão normatividade dos comportamentos de cidadania docente e a dimensão satisfação
do autoconceito profissional. Apesar de na literatura revista não se terem verificado
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
102

elementos que relacionassem estes dois construtos, através dos resultados obtidos e de acordo
com a nossa amostra, verifica-se que os professores com níveis elevados de autoconceito e
que se sentem competentes nas suas funções profissionais apresentam melhores
comportamentos de cidadania docente, o que traz benefícios para a eficácia da organização
escolar (Niedenthal & Beike, 1997; Organ, 1997; Roque, 2004; Villa & Calvete, 2001; Rego,
2003; Veiga et al., 2006). O autoconceito profissional dos professores explica a variância dos
comportamentos de cidadania docente. Esta asserção é válida para o total da escala do
autoconceito e para as dimensões satisfação e aceitação de riscos e iniciativas. Pode, assim,
destacar-se que os aspectos específicos do autoconceito profissional que mais explicam a
variância dos comportamentos de cidadania docente são: os professores que mostrem
satisfação profissional, que queiram permanecer na sua profissão, que não indiciem sinais de
frustração, que admitam ser possível ter sucesso, que não receiem críticas, que tomem
iniciativas, que gostem de correr riscos e que pensem em novos projectos.

Conclusões finais

Os resultados obtidos permitem destacar a importância geral do estudo do


autoconceito em contexto educativo e que a sua promoção pode fazer emergir benefícios
explícitos no processo ensino-aprendizagem (Bonet, 1991; Amador, 1995; Roque, 2004;
Vallés e Vallés, 1995; Machargo, 1996; Sureda, 1998; Calixto, 2002). A globalidade dos
resultados obtidos vai ao encontro da ideia de que a percepção que os professores têm de si
próprios, em termos profissionais, contribui para o seu modo de actuar e que um maior
autoconceito revela melhores comportamentos de cidadania docente, ressaltando daqui
benefícios evidentes para os eficácia da organização escolar e, por conseguinte, para a
melhoria do processo de ensino-aprendizagem.
Em relação aos resultados obtidos, para além da necessidade de novos estudos com
amostras mais amplas e heterogéneas, a explicação das não diferenciações encontradas fica,
provavelmente, a dever-se à especificidade da amostra utilizada e ao número notoriamente
diferenciado de sujeitos em alguns grupos contrastados. Em relação à utilização da escala
ERP-CCID, seriam úteis novos critérios de validade; devido à falta de instrumentos desta
natureza, esta escala poderá constituir uma base de trabalho em investigações futuras.
Considera-se, ainda, que em posteriores estudos, seria vantajoso a utilização de uma
metodologia de análise do tipo longitudinal no sentido de uma informação mais precisa
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
103

acerca de uma possível “estabilidade/oscilação” do autoconceito profissional dos professores;


isto poderia informar até que ponto a “estabilidade” e as oscilações dos resultados serão
devidas à média geral do grupo de pertença considerado ou a subgrupos de sujeitos com
especificidades próprias. Por último e em suma, a informação descrita no presente estudo
poderá ser útil e retomada, na procura de uma melhoria da eficácia organizacional e da
qualidade do ensino.

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
107

Avaliação dos níveis de optimismo numa população sénior

Fernanda Martins (Faculdade de Letras, U. Porto)


mmartins@letras.up.pt
Constança Paúl (ICBAS, U. Porto)

Palavras Chave:
Optimismo; seniores; LOT

Resumo/Abstract
Presentemente assiste-se a uma vaga que incentiva ao estudo dos aspectos positivos do
comportamento humano na tentativa de os balancear com os negativos centrando-se esta
perspectiva mais no bem-estar do que na patologia. Neste sentido, a designada Psicologia
Positiva tem avaliado nomeadamente o afecto positivo, a satisfação, a inteligência emocional
e o optimismo, admitindo que as características positivas da personalidade podem ser
vantajosas no enfrentar dos problemas do quotidiano e do stress com implicações claras ao
nível da saúde. Admite-se ainda que níveis mais elevados de optimismo disposicional,
avaliado a partir do Teste de Orientação de Vida (LOT) se relacionam com o facto de os
indivíduos evitarem acontecimentos negativos e apresentarem, normalmente,
comportamentos mais salutares. Neste sentido, avaliaram-se indivíduos seniores que
participaram no Programa de Estudos Universitários para Seniores realizado na Universidade
do Porto em 2005-2006. Como esperado, obtiveram-se níveis de optimismo elevados não se
tendo encontrado diferenças entre homens e mulheres. Os resultados são discutidos em
termos dos níveis de optimismo dos indivíduos seniores (média de idades 63 anos)
comparativamente com os de sujeitos mais jovens, a partir dos dados do estudo de adaptação
portuguesa deste teste (Faria, 1999). Discutem-se também as possíveis implicações da relação
entre os níveis de optimismo e a motivação para a participação em actividades nesta faixa
etária.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
108

Introdução

O Programa de Estudos Universitários para Seniores realizado na Universidade do Porto


procura promover o ensino, a pesquisa e o serviço à comunidade, actividades estas
tradicionalmente características da universidade, com vista a possibilitar a maiores de 55 anos
o reequacionamento de saberes de forma reflexiva que permita também o aprofundamento do
auto-conhecimento. Pretende-se deste modo proporcionar uma reactualização dos
conhecimentos aproveitando as experiências de vida e as competências acumuladas no
sentido de melhorar a gestão das vidas dos participantes (cf. Prospecto de divulgação do
Programa). O primeiro curso entrou em funcionamento no ano lectivo de 2005-2006 tendo-se
iniciado as actividades em Fevereiro de 2006. Cada ano lectivo distribui-se por dois
semestres a que correspondem três disciplinas obrigatórias e uma opcional. As disciplinas
cobrem áreas das ciências e das humanidades nomeadamente uma abordagem pluridisciplinar
dos Estudos Portuenses (Geografia, História, Sociologia, Património, Literatura e Língua)
contemplando ainda as disciplinas de Psicologia das Emoções, Ciências na Vida do
Quotidiano, Longevidade e Saúde: Nutrição, Desporto e Medicina, Comunicação e Expressão
em Língua Portuguesa, História, Literatura, Cultura das Civilizações Clássicas, Direito
Aplicado a Situações do Quotidiano, Noções de Astronomia, História das Literaturas de
Língua Portuguesa, Cultura Moderna, Sociologia Intergeracional e ainda Inglês, Francês,
Espanhol e Informática como disciplinas de opção.
Este Programa de Estudos pode responder à procura, cada vez maior, de formação por
parte de quem se aposenta. De facto, para muitas pessoas o momento da reforma representa
uma oportunidade de prosseguir interesses na área da educação. Durante os anos 90, nos
Estados Unidos um em cada sete adultos de 65 anos ou mais estava matriculado num curso,
quer fosse de tipo mais prático (Artes) quer académico. A maioria dos estudantes mais idosos
sente-se motivado por razões ligadas ao desenvolvimento pessoal ou social, nomeadamente
para saber mais como gerir os seus investimentos financeiros ou sobre os seus netos
(Jeanneret, 1995). Existem hoje milhares de programas nos Estados Unidos e Canadá
vocacionados para pessoas aposentadas. O designado Elderhostel, iniciado em 1975 em Nova
Inglaterra e hoje espalhado por vários locais daqueles dois países, destinado a pessoas com
mais de 55 anos que vivem num campus universitário e assistem a aulas especiais
designadamente durante as férias de Verão, é disso exemplo. Na Europa várias são também, e
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
109

nomeadamente em Portugal, as Universidades da Terceira Idade. Note-se no entanto que o


Programa de Estudos a funcionar na Universidade do Porto pretende dirigir-se a um público
eventualmente mais exigente que já possui uma licenciatura e da qual fez profissão na maior
parte dos casos, residindo aí a sua originalidade. A questão de se criarem Programas
vocacionados sobretudo para pessoas aposentadas prende-se com a eventual hesitação destas
em integrar cursos frequentados por indivíduos mais jovens, muito embora os resultados
académicos destes alunos mais velhos sejam frequentemente mais elevados, pela sua
motivação, disponibilidade e experiência de vida e porque, possivelmente, os seus níveis de
inteligência cristalizada compensam as suas reacções eventualmente mais lentas (Berger,
2001). Estes momentos podem ser também importantes para o manter da convivência social
tendo a possibilidade de criarem vínculos com outras pessoas para além dos existentes com
os familiares e com os amigos que os acompanharam em diferentes etapas da vida.
As vantagens de os indivíduos se manterem activos quer física quer psicologicamente
são inúmeras. Relacionadas globalmente com o bem-estar psicológico, passam por aspectos
directamente relacionados com a saúde mas também com o envolvimento social e com a
manutenção das capacidades cognitivas. Sabe-se, por exemplo, que viver uma vida saudável
pode resultar num envelhecimento bem sucedido proporcionando um mínimo de perdas
fisiológicas quando se comparam sujeitos mais idosos com outros mais jovens (Arkin, 1991).
Dados mais recentes indicam que estar fisicamente em forma pode melhorar as funções
cognitivas nas pessoas idosas. Uma combinação entre actividades ao ar livre e treino da força
pode aumentar significativamente os resultados obtidos numa grande quantidade de tarefas
cognitivas em pessoas com sessenta e setenta anos, nomeadamente tarefas de velocidade,
visuo-espaciais, tarefas que requeiram controlo cognitivo e tarefas de tipo executivo
(Colcombe & Kramer, 2003). Estar fisicamente em forma é benéfico não só para a saúde mas
pode também ajudar a preservar as nossas capacidades cognitivas.
Outro aspecto importante na abordagem do envelhecimento prende-se com o estudo
de variáveis pessoais como o optimismo, a saúde e o bem-estar. Pode colocar-se, então, a
questão de saber se são os mais optimistas os mais saudáveis e mais capazes de fazer novos
investimentos, nomeadamente em formação, ou se são as condições favoráveis de saúde que
levam a um maior optimismo.
Do ponto de vista psicológico o optimismo pode ser considerado como uma
expectativa relativa a um resultado desejável para a pessoa. É um conceito ligado ao humor
positivo, à moral elevada, à perseverança e resolução eficaz dos problemas, à boa saúde e a
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
110

uma vida longa entre outros aspectos (Peterson, 2000). Saber como é que o optimismo e a
esperança podem influenciar a saúde, o bem-estar e a longevidade é uma questão de relevo.
O optimismo é um conceito relevante e com muito potencial explicativo relativamente à
saúde e à longevidade das pessoas. Taylor et al. (2000) baseados numa investigação feita
com pacientes que sofriam de doenças mortais (e.g. SIDA) mostraram que crenças irrealistas
e optimistas relativamente ao futuro podiam proteger as pessoas da doença e conduzi-las a
uma maior longevidade. O optimismo pode ter uma acção directa num estilo de vida
saudável e através disso influenciar melhores resultados de saúde mas pode também
influenciar a longevidade e a saúde por intermédio do sistema imunológico e fisiológico
(Salovey et al., 2000). Neste sentido, ser optimista ajudará as pessoas a manterem-se
empenhadas na vida, não obstante a existência de problemas. Uma visão mais optimista da
vida é provavelmente a estratégia que as pessoas mais velhas usam para manter a integridade
do Eu apesar de poderem sentir a ameaça de perda de autonomia.
As condições psicológicas das pessoas parecem influenciar a longevidade.
Relativamente aos indivíduos mais velhos, com percepções mais positivas sobre o
envelhecimento, constata-se que vivem mais, mesmo depois de se controlar o estado
funcional e o efeito da idade, do género, do estatuto sócio económico e dos níveis de solidão
(Levy, Slade & Kunkel, 2002). Mulheres velhas com incapacidade mas com “vitalidade
emocional”, ou seja, que têm emoções positivas e elevado sentido de domínio, eram mais
felizes e estavam mais livres de depressão e de ansiedade. Do mesmo modo, apresentavam
um risco reduzido de novas incapacidades subsequentes e de mortalidade (Penninx et al.,
2000). De forma semelhante, Krause e Shaw (2000) mostraram a importância que tinha o
sentimento de controlo em relação a um único papel específico da sua vida, seleccionado
pelos indivíduos, na redução significativa da probabilidade de morrer.
Actualmente o optimismo é uma área de interesse dentro da Psicologia, mais
especificamente da Psicologia Positiva. Pretende-se mudar o foco da Psicologia, centrado na
reparação das coisas erradas na vida, para a construção de qualidades positivas, consideradas
mais úteis para a prevenção e o cuidado (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).
Quando se pensa em pessoas adultas em processo de envelhecimento, a prioridade é
conhecer o papel que o optimismo pode ter no sucesso do processo, quer em termos de
longevidade, por ligação directa à saúde, quer em termos de envelhecimento activo (OMS,
2002), de acordo com as propostas para a primeira década do século XXI, apresentadas na II
Conferência Mundial sobre o Envelhecimento. O envelhecimento activo define-se como um
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
111

processo de optimização de oportunidades para a saúde, participação e segurança, no sentido


de aumentar a qualidade de vida. Os pilares que suportam este conceito são a participação
social, a saúde e a segurança. O envelhecimento activo implica autonomia (controlo),
independência, qualidade de vida e expectativa de vida saudável. Como determinantes gerais
do envelhecimento activo, compreendido sempre numa perspectiva de género e de cultura,
temos as características do indivíduo, as variáveis comportamentais, económicas, do meio
físico e do meio social e ainda a saúde e os serviços sociais. Na área das características
individuais e do comportamento, a Psicologia do envelhecimento deve estudar
aprofundadamente quais as mais relevantes para o processo e aquelas em que, de alguma
forma, se possa intervir preventivamente.
O presente estudo pode ajudar a melhor caracterizar o tipo de pessoas que se dispõem
a frequentar um Programa de Estudos com estas características e a responder a questões
como: (1) Quem são as pessoas que se envolvem em programas de valorização cultural e
pessoal como este oferecido pela Universidade do Porto? (2) Terão características distintivas?
(3) Será que se distinguem pelos seus níveis de optimismo, característica que se tem vindo a
revelar fundamental como determinante de maior longevidade e de um envelhecimento bem
sucedido?

Metodologia

Participantes
A população estudada é constituída por indivíduos que participaram no primeiro
Programa de Estudos Universitários para Seniores da Universidade do Porto realizado na
Faculdade de Letras com início em 2006. Todos os indivíduos possuem uma licenciatura ou
equivalência a licenciatura sendo esta uma das condições de frequência deste Programa de
Estudos. Os cursos e profissões anteriormente exercidas são os mais diversos: Arquitectura
(1), Ciências Biológicas (1), Ciências Matemáticas (1), Ciências Jurídicas e Direito (2),
Economia (3), Enfermagem (3), Engenharia de vários Ramos (4), Farmácia (1), Filologia
Românica (4), Filosofia (1), Finanças (1), História de vários Ramos (7), Humanidades (1),
Medicina (3), Psicologia (1) e Serviço Social (2).

Não é possível identificar exactamente os cursos a que pertencem os nossos


respondentes, uma vez que o estudo foi realizado sob anonimato. Da totalidade dos alunos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
112

inscritos (37) nem todos estavam presentes na aula em que se realizou esta actividade, tendo
este estudo abrangido um total de 27, sendo 12 do sexo feminino e 15 do sexo masculino. A
média de idades é de 63 anos para um mínimo de 55 e um máximo de 75.

Instrumento:
O Life Orientation Test –R (L.O.T. - R.) (Scheier, Carver & Bridges, 1994) é um
instrumento que visa avaliar o optimismo disposicional. Esta escala é constituída por 10
itens, dos quais apenas seis são utilizados na avaliação do optimismo. As respostas são
dadas numa escala de tipo Likert de 5 pontos (0 = discordo bastante; 1 = discordo; 2 =
neutro; 3 = concordo; 4 = concordo bastante). Uma análise da consistência interna mostrou
um alpha de Cronbach de .78. A análise factorial efectuada revelou um só factor que
explicava 48.1% do total da variância.

Na versão portuguesa utilizada (Faria, 1999) houve a exclusão de 1 questão,


ficando o indicador de optimismo com 5 itens que no seu conjunto explicam 45.87 % do
total da variância. No que diz respeito à consistência interna os resultados revelaram um
coeficiente alpha de Cronbach de .70 para o total do LOT–R.. A média dos resultados a
partir dos 5 itens foi de 12.45 com um desvio padrão de 3.48.

Procedimento
No âmbito da disciplina de Psicologia das Emoções integrada no Programa de
Estudos referido e a propósito do módulo sobre Emoções, Bem-estar e Qualidade de Vida, os
participantes foram convidados a, neste contexto de sala de aula e de forma voluntária,
preencherem o LOT. Foram ainda informados de que estava assegurado o anonimato. Refira-
se que dos presentes todos o quiseram preencher, não havendo também a registar qualquer
constrangimento durante o preenchimento nem desistência posterior.

Resultados

Os participantes tinham uma média de idades de 63 anos (DP = 5.53) entre um


mínimo de 55 e um máximo de 75 anos. Analisadas as diferenças de idade entre homens e
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
113

mulheres constatou-se que a média de idades das mulheres (M = 60.25, DP = 3.52) e a dos
homens (M = 65.2, DP = 5.96) são significativamente diferentes (t(25) = 2.54, p = .018).

Analisaram-se os resultados de acordo com o que é proposto no estudo de Faria


(1999) relativamente à versão portuguesa, ou seja tomaram-se em consideração apenas 5
itens tendo-se excluído o item 3 que na versão original era também contabilizado.

Analisada a totalidade dos itens cotados, a média dos valores encontrados situa-se
acima de 10, valor médio da escala (M = 13.04, DP = 2.55), variando entre um mínimo de
8 e um máximo de 18.

A média dos valores para o grupo dos homens (n = 15) foi de 12.80, DP = 2.21,
para um mínimo de 10 e um máximo de 16 e para o grupo das mulheres (n = 12) de 13.17,
DP = 3.04 variando entre um mínimo de 8 e um máximo de 18. A comparação entre o
grupo de homens e o de mulheres revelou que não existem diferenças significativas entre
os dois grupos de sujeitos (t(25) = -.36, p = .720).

Criaram-se ainda dois grupos de idades, um até aos 65 anos (n = 17) e um para
indivíduos com idade superior a 65 anos (n = 10) não se verificando existirem diferenças
significativas entre os valores totais dos mais novos (M = 12.65, DP = 2.78) e dos mais
velhos (M = 13.5, DP = 2.17) (t(25) = -.83, p = .415).

Discussão e conclusões

Neste estudo a média global do optimismo medido pelo LOT na sua versão
portuguesa (Faria, 1999), calculada a partir de 5 itens ao contrário dos 6 da versão
original, apresentou-se superior (M = 13.04, DP = 2.55) à da adaptação do instrumento (M
= 12.45, DP = 3.48).

Neste estudo dividiram-se os participantes em dois grupos de idade – até 65 anos e


mais de 65 anos – não se tendo encontrado diferenças significativas.

A diferença de valores encontrada relativamente ao estudo de adaptação pode ser


explicada pelo facto de a adaptação portuguesa do instrumento ter sido realizada numa
população cuja média de idades é inferior (M = 31, DP = 9.83) à da amostra deste estudo
(M = 63, DP = 5.53). Outra hipótese explicativa pode ser a auto-selecção das pessoas que
aderiram ao programa de estudos, ou seja, que estas sejam pessoas com traços de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
114

personalidade mais optimistas e positivos do que a população em geral, não obstante


serem mais velhas.

Apesar de as diferenças dos resultados globais entre homens e mulheres não serem
significativas os resultados são tendencialmente superiores nas mulheres da amostra deste
estudo quando comparados com os dos homens. Verifica-se tendência idêntica no que
concerne à comparação entre os mais velhos e os mais novos, o que de resto se confirma
noutros estudos que integram, nomeadamente, pessoas muito idosas (com 85 ou mais
anos), embora neste caso o optimismo apareça associado a uma melhor saúde. O papel do
optimismo relativamente à saúde terá, contudo, que ser confirmado em investigações
futuras, de carácter longitudinal, que permitam determinar se as pessoas mais optimistas
são mais saudáveis, ou se são as pessoas mais saudáveis que são mais optimistas (e.g.
Paúl, Ayis and Ebrahim, in press; Samuelsson et al., 1997).

O evidente carácter optimista das pessoas que frequentam o Programa de Estudos


Universitários para Seniores, realizado na Universidade do Porto, parece indicar que esta
pode ser uma característica chave das pessoas que estão num processo de “envelhecimento
activo”, e constitui, seguramente, uma área de relevo para futuras intervenções junto das
populações de adultos, de forma a optimizar o seu processo de envelhecimento activo.

Referências Bibliográficas

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
116

Avaliação da Inteligência Emocional das Crianças em Contexto Escolar: Estudo


Exploratório

Sílvia Faria de Carvalho (Associação Artémis)


silviafariac@hotmail.com
Mafalda Silva (Estudante de Mestrado na Universidade do Minho)
malheiro.mafalda@gmail.com
Judite Cruz (Universidade do Minho)
juditezc@iec.uminho.pt

Palavras-Chave:
Inteligência Emocional, Avaliação Psicológica; Psicologia da Educação

Resumo/Abstract:
Cada vez mais se fala de uma sociedade globalizada, em rede, na qual a comunicação,
o saber ser e o saber estar, são aspectos essenciais.
Esta investigação consistiu na avaliação da inteligência emocional de crianças do 4º
ano de escolaridade, do concelho de Braga, provenientes de diversos meios sócio-económicos
e culturais, utilizando o questionário BarOn Emotional Quotient Inventory: Youth Version
(Bar-On & Parker, 2000).
A inteligência emocional revela-se importante na adaptação ao meio escolar,
principalmente quando este é constituído por uma população heterogénea.

Objectivo do Estudo
A presente investigação parte da constatação que a Inteligência Emocional (IE)
interfere significativamente nas competências intelectuais. Todo o desenvolvimento da IE
baseia-se na compreensão da natureza emocional e racional, no seu reconhecimento em nós
mesmos e nos outros e no modo de gestão de pensamentos, emoções e comportamentos.
Assim, o desenvolvimento promove uma melhoria das relações sociais e do desempenho das
competências de aprendizagem.
Deste modo, pretende-se com este estudo exploratório realizar um estudo piloto sobre
Inteligência Emocional, em contexto escolar, com base no teste de BarOn Emotional
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
117

Quotient Inventory: Youth Version (Bar-On & Parker, 2000), em crianças do 4º ano de
escolaridade de modo a explorar a consciência emocional, através da identificação e análise
das componentes que implicam um desenvolvimento intelectual e emocional adaptativo.

Abordagem Teórica:
A escola pode vir a constituir um poderoso meio de flexibilização e congruência do “eu”
(McAdams, 1993, pp. 34-65). A sua principal função é preparar os indivíduos para se
moverem adaptativamente na sociedade, o que implica uma gestão adequada do mundo
interno (e.g.: emoções, pensamentos, projectos de vida). Desta forma, merece tanto destaque,
dedicação e intencionalização o ensino dos conteúdos cognitivos como a promoção do
desenvolvimento emocional. Esta importância é ainda mais evidente e dramática em casos de
crianças cujos pais não são bons reguladores emocionais e não favorecem a alfabetização
emocional. Nestes casos, o professor pode ser a única hipótese destas crianças desenvolverem
e trabalharem aspectos relacionados com a gestão adaptativa do mundo interno, de um modo
emocional. Os colegas também são importantes elementos no desenvolvimento emocional,
quer devido à exploração do meio que fazem em conjunto, o que constitui uma fonte de
emoções, quer devido à influência que alguns poderão ter sobre os outros na alfabetização
emocional.
Uma das mais recentes "revoluções" em ciências humanas e sociais foi o resultado da
investigação de Peter Salovey e John Mayer (1989-90), quando sugeriram a ideia de uma
“Inteligência Emocional” (IE), que não se manifesta nos testes de inteligência. Este tipo de
inteligência foi definido por estes autores como “a capacidade para gerir e discriminar
sentimentos e emoções em si e em outros e para usar essa informação como guia das
próprias acções e pensamentos” (p. 189). Posteriormente, indicaram os componentes do
constructo IE (Mayer & Salovey, 1997): (a) percepção, appraisal e expressão emocional; (b)
facilitação da emoção no pensamento; (c) compreensão e análise de emoção e aplicação do
conhecimento emocional; (d) regulação reflexiva das emoções na promoção do
desenvolvimento cognitivo e emocional.
Também António Damásio (1994) refutou a visão puramente racionalista do cérebro,
porque o “nosso coração pode dominar a cabeça”. Salientou também que “a sermos máquinas,
somos máquinas que sentem”. A compreensão das próprias emoções e sentimentos, a
compreensão e empatia face aos outros e, até mesmo, "a regulação da emoção, de uma forma
que melhore a vida" são condições de existência relacionadas com a psicologia das emoções
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
118

(Strongman, 1996), com impacto a partir do livro de Daniel Goleman Emotional Intelligence
(1995, edição espanhola 1996), seguido de “Trabalhar com a inteligência emocional” e de
“Emoções que curam: diálogos com Dalai Lama sobre consciencialização, emoções e saúde”
(Goleman, 1997).
As emoções constituem mecanismos de sobrevivência e não são, necessariamente,
irracionais (LeDoux, 1996; trad. port. 2000). Elas são as responsáveis pela activação dos
vários sistemas do organismo (fisiológico, motor, emocional, cognitivo,
volitivo/motivacional), que vão permitir aos indivíduos lidarem com diferentes situações. As
emoções são o principal sistema e fonte de motivação do comportamento humano. Cada
emoção organiza a percepção, o pensamento, os comportamentos e as estratégias de coping
para a gestão das situações e a forma como ocorre esta organização irá contribuir para o
desenvolvimento da personalidade. A relação entre emoção e comportamento começa desde
cedo e tende estabilizar-se ao longo do tempo. Com o desenvolvimento, e com novas
experiências, podem ocorrer alterações na forma como as emoções organizam as percepções,
os pensamentos, os comportamentos e as estratégias de coping, mas para tal estas
experiências devem ser continuadas e consistentes.
O cérebro emocional identifica-se como desinibido e afectuoso. Existem para
manipular, seduzir, influenciar os outros. A IE integra a auto-consciência, a empatia, a auto-
regulação do stress, a auto-eficácia, a persistência e a destreza face a outros, uma forma de
competência social e de liderança.
Conjuntamente com a importância atribuída à inteligência emocional, também o
optimismo passou a estar integrado no estudo das ciências sociais e humanas. A partir do
momento em que a comunidade científica percebeu a importância de uma atitude que permite
transformar a nossa vida de uma forma quase imediata, os sentimentos que estão associados
ao optimismo têm ganho terreno dentro do campo da psicologia e, até, da neurociência.
Mesmo os racionalistas mais cépticos já se aperceberam de que a qualidade de vida depende
em grande parte do modo como encaramos a realidade. Ou seja, a forma como interpretamos
os acontecimentos determina o nosso comportamento e as nossas acções. E condiciona o
nosso futuro, portanto.

O optimismo é uma condição de sucesso educativo. A concepção “positiva” ou de que


tudo irá correr pelo melhor deve-se a Martin Seligman (1975), um psicólogo da Universidade
da Pensilvânia – EUA, que avaliou o “desespero aprendido”, em ausência de estratégias pró-
activas ou paliativas face ao fracasso na escola, no trabalho ou no desporto. Assim, para saber
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
119

se as pessoas são “pessimistas” ou “optimistas”, realizou um questionário dirigido a


empregados de seguradoras americanas. Face a acontecimentos possíveis, diriam como se
comportariam. Para Seligman, aqueles que escolhiam mais vezes estratégias pró-activas,
superavam melhor os insucessos persistentes de não terem vendido mercadorias. Quando
ocorreram os Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, Seligman observou que Matt Biondi, um
nadador americano, esteve “mal” nas duas vezes em que nadou. Pensara-se que ele poderia
ganhar sete medalhas, mas foi mal sucedido. Teria optimismo exagerado? Sete medalhas para
sete competições? Nunca perderia? Anteriormente, Seligman notara que Matt era “muito
optimista” no teste por si idealizado. Biondi recuperou do sucedido, nadando ainda melhor,
ganhando as cinco provas seguintes.
Em Portugal, há uma tendência global para uma atitude pessimista, reconhecida pelo
senso comum, que foi revelada pelos dados científicos. Uma investigação recente realizada
pela psicóloga e autora do livro "Educar para o optimismo", Helena Marujo, envolvendo
cerca de 2200 crianças e jovens portugueses de ambos os sexos, entre os oito e os dezoito
anos, em escolas particulares da região de Lisboa, chegou a resultados preocupantes: os
jovens portugueses apresentam taxas depressivas mais elevadas do que os jovens norte-
americanos e espanhóis. O facto de encontrar escolas depressogénias, em que os alunos
ficavam deprimidos pouco tempo depois de frequentarem essas escolas, foi outro factor que
despertou a atenção desta especialista em comportamento. A autora observou, ainda, que
grande parte destes jovens tinha um discurso muito desesperançado e pessimista
relativamente ao futuro, fruto daquilo a que chamou uma desumanizadora pressão para o
sucesso, em que os alunos sentem que o afecto que recebem é condicionado pelo sucesso
escolar. Helena Marujo constatou, por outro lado, que a ideia da morte ou suicídio tinha já
passado pela cabeça de muitos jovens. Também verificou no contacto com os professores um
discurso profundamente desanimado e pessimista.
Por outro lado, na abordagem americana, salienta-se desde há muito tempo a
importância da eficácia: Vamos acreditar que somos os melhores e, por magia
desmistificada, seremos os melhores!. Reagan possuía um “bom” IE e “optimismo”. Em
comparação, crianças sobredotadas, incluindo Einstein, não conseguiram distinguir-se
socialmente, por possuírem um “baixo” IE, serem cabisbaixas e/ou “deprimidas”,
característica não pró-social identificada hoje na síndrome de Asperger (Zamith-Cruz, 2003,
2004). Não basta ter, portanto, um QI classificado “elevado” ou “boas notas” na escola, para
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
120

se ser um líder, ou seja, alguém a quem o povo segue (Martin & Broeck, 1996, trad. port.
1997, p. 9).
A palavra cognição ou, no passado, intelecto, opõe-se a emoção ou a comportamento.
No início do século XX, impuseram-se teorias psicanalíticas, reportadas à emoção, e teoria
behavioristas ou comportamentalistas (relacionadas com o agir e o comportamento). Nas
últimas décadas, reconhece-se a aliança entre o pensar (cognição), o sentir (a emoção) e o
agir (comportamento), facetas do script cognitivo emergente e alargado de estruturas
cognitivas básicas.
Os psicólogos cognitivos do século XXI, como Howard Gardner (1995, trad. bras.
1996), “examinam como novas ideias se desenvolvem e como são armazenadas
(memorizadas), acedidas, combinadas, lembradas e (com muita frequência) reorganizadas ou
distorcidas, pelas operações do mecanismo mental humano” (pp. 15-16).

Contudo, Howard Gardner não é o único cientista cognitivo a defender a abertura de


“janelas de oportunidade”. Charles Hardy (1990; cit. por P. Whitaker, 1999, p. 45), ao
escrever Inside Organizations, referiu igualmente várias inteligências, tais como a
inteligência lógica, a inteligência espacial, a inteligência musical, a inteligência prática, a
inteligência física, a inteligência intrapessoal e a inteligência interpessoal. Também Denis
Postle (1989; cit. por P. Whitaker, 1999, p. 46) já caminhara no mesmo sentido em The mind
gymnasium, ainda que somente identificasse quatro inteligências: emocional, intuitiva, física
e intelectual.

As neurociências corroboraram o pensamento gardneriano, mais flexível, ao


realizarem a identificação de regiões cerebrais para a gestão de diversos domínios cognitivos,
de processamento de informação e, mais recentemente, sendo dado relevo a domínios sócio-
emocionais.
Hoje sabe-se que parte do sucesso está relacionado com a outra inteligência, incluído
o optimismo. Observam-se facetas do self e do contexto, anteriormente conotadas com a
personalidade ou com o carácter/temperamento inato: entusiasmo, motivação, criatividade,
talento para organizar algo novo e viável, assumir atitudes humanitárias ou destreza
psicológica (ob. cit., trad. port., p. 10).
Apesar do enfoque nas sociedades ocidentais estar mais centrado nas capacidades de
aprender a ler e a escrever (domínios gerais) e, até mesmo em domínios idiossincráticos, é
importante intervir na auto-estima, na motivação e nas expectativas de aprendizagem, de
modo a enfatizar o potencial biopsicossocial. Isto porque se as crianças se se desenvolverem
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
121

mais nestes domínios todos os dias tendem a compreender algo mais complexo, a formularem
ideias e imitirem juízos mais ousados, o que elevaria o sucesso escolar e a sensação de bem-
estar psicológico. Sabe-se que a ausência de diálogo encontra-se, por um lado, na base da
falha das relações pedagógicas em contexto escolar.

No ensino ocorreriam sucessos se as crianças pudessem exprimir-se, comunicar e


desenvolver inteligências (Gardner, 1983, 1991, 1993c, 1994, 1995, 2003; Gardner, Feldman
& Krechevsky, 2000), nomeadamente as inteligências intra- e interpessoal. Importa, desde os
primeiros anos, identificar competências sócio-emocionais, torná-las activas (e não ocultas ou
ignoradas), para que seja promovido o sucesso educativo, com base no auto-conceito
“positivo” (Whitaker, 1999, p. 54).

Durante mais de 50 anos, os investigadores especularam acerca das razões que


levariam algumas pessoas a estarem motivadas e alcançarem um nível elevado de realização
e outras não. Algumas das razões encontradas estão relacionadas com o trabalho que poderá
ser efectuado nas instituições escolares. Assim, ao ensinar o aluno a esperar o êxito, ao
oferecer-lhe oportunidades para que ele domine o seu mundo, ao fazer com que a escola seja
importante para os seus interesses e estilo de aprendizagem, ao ensinar-lhe a importância de
enfrentar e superar o fracasso, está-se a permitir que a auto-motivação dos alunos seja
elevada e, consequentemente, alcancem êxitos na vida e na escola.
Os alunos motivados esperam ter êxito e fixam, para eles próprios, metas elevadas.
Pelo contrário, os alunos que carecem de auto-motivação esperam um êxito limitado.
A partir dos 6 anos de idade a compreensão das emoções dos outros é fundamental
para o desenvolvimento das relações sociais, nomeadamente ao nível da aceitação da criança
pelos colegas. A criança ao reconhecer o que os colegas estão a sentir, esta tenderá a agir em
conformidade com esses sentimentos e, por sua vez, os colegas sentir-se-ão compreendidos, o
que favorece a interacção social. Nesta idade o jogo simbólico é um contexto muito
importante para que a criança expresse os seus sentimentos, emoções e necessidades. O
crescimento da criança vai-se processando na sua movimentação por diferentes contextos,
com diferentes modelos, em diferentes momentos, em que todos os elementos anteriores vão
interagindo na construção de uma organização que se espera o mais adaptativa possível. Os
adultos desempenham, nesta fase, um papel determinante, dando suporte e ajudando a criança
a lidar com as emoções.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
122

Metodologia
a) Amostra
A amostra é constituída por 173 crianças do Concelho de Braga, com idades
compreendidas entre os 8 e os 11 anos, a frequentarem o quarto de escolaridade, provenientes
das escolas EB1 do Carandá, Fujacal, Ponte Pedrinha, do Concelho de Braga e oriundas de
diferentes meios socio-económicos e de diferentes culturas e etnias.
A escola foi e é um local privilegiado de aplicação desta investigação, porque é onde
as crianças passam a maior parte do dia, sendo um espaço de relacionamento interpessoal, de
aprendizagem e de aquisição e desenvolvimento de competências.
Para além da nacionalidade Portuguesa (maioritária) haviam crianças com a
nacionalidade Romena (3), Brasileira (1), Espanhola (1), Luxemburguesa (1), Francesa (1),
Angolana (1).

Amostra

160
140
120
100
80
60
40
20
0
feminino masculino total

b) Instrumento
O questionário BarOn Emotional Quotient Inventory: Youth Version (Bar-On &
Parker, 2000), utilizado nesta investigação, integra perguntas directas, mas abertas, a serem
respondidas dos 7 aos 18 anos. A escala tem o formato Likert para 4 tipos de resposta – de
“Muito frequentemente verdadeiro para mim” (4 pontos) a “Muito raramente verdadeiro
para mim” (0 pontos) – o que permite obter notas brutas, convertíveis em notas
estandardizadas. Este instrumento é constituído pelas seguintes escalas: Escala Intrapessoal,
que abrange a compreensão expressão e comunicação das próprias emoções; Escala
Interpessoal, que avalia a assertividade no relacionamento com os outros; Escala de
Adaptabilidade, que engloba flexibilidade, realismo e eficácia na gestão da mudança; Escala
da Gestão do Stress, que avalia se os indivíduos são geralmente calmos e trabalham bem sob
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
123

pressão; Escala de Humor Geral, Escala do Coeficiente Emocional Total, que analisa a
capacidade e eficácia em lidar com as exigências quotidianas e Escala de Impressão Positiva.
Foi igualmente utilizado um questionário sócio-demográfico, desenvolvido
especialmente para a investigação em causa, de modo a permitir realizar uma caracterização
das variáveis pessoais, escolares, sociais, familiares e económicas, mais aprofundada. Este
questionário aborda dados de identificação pessoal do aluno, como a idade, sexo,
nacionalidade, naturalidade; o Agregado Familiar (com quem vivem, idade, habilitações e
profissão do agregado); o Percurso Escolar; e Motivação e Expectativas do aluno.

c) Procedimentos
Este é um estudo experimental piloto que consistiu numa pré-avaliação da Inteligência
Emocional e do sucesso escolar de alunos a frequentarem o 4º ano de escolaridade. Ou seja,
em contexto escolar, nomeadamente nas Escolas EB1 do Carandá, Fujacal e Ponte Pedrinha,
pertencentes ao Concelho de Braga, e após consentimento prévio, foi aplicado um
questionário sócio-demográfico e o instrumento BarOn Emotional Quotient Inventory: Youth
Version (Bar-On & Parker, 2000) a crianças com idades compreendidas entre os 9 e os 11
anos. As investigadoras procederam a aplicação destes instrumentos em horário escolar, na
própria sala de aula e com a presença e colaboração do professor responsável pela turma. Os
questionários foram lidos e explicados aos alunos, de modo, a esclarecer dúvidas e evitar
erros de preenchimento.
Simultaneamente, recolheu-se informação junto dos professores, de forma a
complementar a informação sobre aquisições de capacidades cognitivas, competências
emocionais da população-alvo e caracterização da ideologia e funcionamento da instituição.
Após a recolha dos instrumentos, procedeu-se à codificação e análise dos mesmos, de
forma a correlacionar os dados para uma posterior interpretação e discussão dos resultados. O
tratamento estatístico dos dados obtidos nos vários questionários será efectuado através do
programa estatístico SPSS, versão 14.

Resultados
Este é um primeiro estudo sobre a Inteligência Emocional em crianças em pleno
processo desenvolvimental. Trata-se de um estudo piloto, cujo objectivo principal não incide
tanto na análise puramente quantitativa dos resultados, mas numa análise global e qualitativa
do desenvolvimento da inteligência emocional nas crianças.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
124

Os resultados obtidos podem ser enquadrados, em quatro grupos diferentes consoante


o sexo (masculino/feminino) e a Idade (entre 8 e 9 anos/entre 10 e 12 anos).

Raparigas dos 7 aos 9


Média Desvio Padrão
Escala Intrapessoal 91,24 13,77
Escala Interpessoal 98,66 16,29
Gestão de Stress 96,31 13,28
Escala de Adaptabilidade 95,55 15,15
Escala do Humor Geral 98 17,44
Escala do Coeficiente Emocional Total 94,93 12,47
Escala da Impressão Positiva 101 16,36

Raparigas dos 10 aos 12


Média Desvio Padrão
Escala Intrapessoal 105,83 16,38
Escala Interpessoal 102,33 5,54
Gestão de Stress 98,83 15,74
Escala de Adaptabilidade 105,33 9,89
Escala do Humor Geral 101,5 9,89
Escala do Coeficiente Emocional Total 106,5 11,57
Escala da Impressão Positiva 111,5 18,21

Rapazes dos 7 aos 9


Média Desvio Padrão
Escala Intrapessoal 95 15,76
Escala Interpessoal 97,27 10,33
Gestão de Stress 100,4 11,11
Escala de Adaptabilidade 92,4 14,07
Escala do Humor Geral 103 12,07
Escala do Coeficiente Emocional Total 95,73 7,41
Escala da Impressão Positiva 96,67 13,02

Rapazes dos 10 aos 12


Média Desvio Padrão
Escala Intrapessoal 105,125 18,16
Escala Interpessoal 101,375 17,63
Gestão de Stress 95,5 15,46
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
125

Escala de Adaptabilidade 98 17,33


Escala do Humor Geral 99,38 15,66
Escala do Coeficiente Emocional Total 98,63 18,34
Escala da Impressão Positiva 108,63 14

Pelas tabelas apresentadas, podemos verificar que, de um modo geral, o grupo etário
dos 10 aos 12 anos apresenta valores mais elevados nas várias escalas. A maior diferença de
valores verifica-se quando se compara os dados obtidos pelas raparigas (dos 7 aos 9 e dos 10
aos 12 anos).
Deste modo, os dados apontaram, neste primeiro estudo, que as maiores diferenças
verificam-se não tanto entre géneros mas sim entre faixas etárias.
Os dados obtidos através das conversas junto dos profissionais educativos, vieram
correborar os resultados dos questionários, ao nível das diferenças desenvolvimentais
constatadas nos alunos mais velhos e, principalmente, nas raparigas, que são descritas,
geralmente, como mais práticas, mais responsáveis, mais motivadas e mais adaptadas ao
meio circundante.

Conclusão
Em suma, e como se pode verificar pela apresentação do estudo, trata-se de um estudo
que, nesta primeira fase, primou por a obtenção de uma análise global sobre a inteligência
emocional em crianças do quarto ano e, e não se centrou tanto na quantificação dos dados.
Pode-se afirmar que este é um estudo inacabado face a complexidade do tema e a
necessidade de se explorar de um modo mais específico e completo estes e outros dados a
recolher sobre a temática.
O facto de termos encontrado valores mais elevados na faixa etária dos 10 aos 12
anos, pode revelar uma maior percepção, compreensão e gestão das emoções neste grupo
etário. A diferença de resultados entre as faixas etárias é mais notória nas raparigas, o que se
pode dever-se ao facto do processo de desenvolvimento, estar mais avançado no sexo
feminino.
Este estudo piloto incidiu, em crianças do quarto ano, com idades compreendidas
entre os 8 aos 11 anos. As crianças que transitarem para o quinto ano de escolaridade vão
passar por um importante período de transição. Deste modo, revela-se crucial investigar a
Inteligência Emocional, nesta faixa etária, e dotar estas crianças de competências, tendo por
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
126

base as investigações realizadas, de modo a que consigam adaptarem-se ao novo contexto


escolar (quinto ano).
Assim, na área da Inteligência Emocional, é necessário investir, em trabalhos mais
amplos que contemplem as duas etapas, investigação da IE na população alvo e aplicação de
programas promocionais, de modo a proporcionar práticas de promoção emocional mais
ajustadas ao meio intra e interpessoal e escolar.

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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
129

Avaliação das Práticas em Intervenção Precoce

Elisabete Mendes (Escola Superior de Educação de Portalegre)


elisabete@mail.esep.ipportalegre.pt

Palavras-chave:
intervenção precoce, avaliação de programas, qualidade das práticas.

Resumo/Abstract:

A avaliação dos serviços de intervenção precoce é presentemente alvo de considerável


importância no nosso país. Contudo, os estudos têm sido escassos e avaliando sobretudo as
percepções de profissionais e satisfação dos pais. O presente estudo, pretende avaliar as
práticas em intervenção precoce, comparando as práticas implementadas com as práticas
recomendadas e orientações nacionais em vigor. Os indicadores de qualidade obtidos,
poderão contribuir para a melhoria dos serviços prestados e para a formação dos
profissionais, assim como para perspectivar um modelo de intervenção precoce adaptado à
realidade Portuguesa.

Enquadramento

Vários autores consideram que a avaliação das práticas em intervenção precoce não deverá
limitar-se a responder a questões relativas às acções que os programas desenvolvem e à
identificação das percepções de pais e profissionais, mas deverá avaliar também eventuais
discrepâncias entre os objectivos delineados e a forma como estão a ser efectivamente
implementados, e se o programa cumpre as recomendações e legislação em vigor (Bailey,
2001; Dunst e Bruder, 2002).

O Despacho Conjunto 891/99 estabelece em Portugal as orientações relativas às práticas de


Intervenção Precoce, tendo sido concebido com base na legislação em vigor nos EUA.

De acordo com Bairrão (2003), os modelos teóricos relativos à intervenção precoce devem
adequar-se à realidade e cultura do nosso país, tal como as práticas dos diferentes programas
se devem adequar às comunidades que servem, promovendo a participação das famílias e
uma efectiva coordenação entre serviços e recursos locais.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
130

A publicação do referido normativo legal foi efectuada, tal como referem Bairrão e Almeida
(2002), sem ter havido um trabalho prévio no sentido de se perceber qual o estado da arte no
nosso país e qual a melhor forma de operacionalizar o modelo em vigor nos EUA, e sem ter
sido avaliado se seria este o modelo mais adequado à realidade Portuguesa.

A avaliação das práticas em intervenção precoce permite identificar eventuais discrepâncias


entre os objectivos dos programas e a forma como estão a ser implementados, sendo uma
forma de compreender e aprender com o trabalho que está a ser desenvolvido. Os seus dados
são por isso, essenciais para os profissionais, para os pais e para a tomada de decisões a nível
político (Pimentel, 2005).

Objectivos

Este estudo pretende caracterizar a realidade de serviços de intervenção precoce, estruturados


com base no enquadramento legal em vigor, bem como avaliar o grau de implementação dos
modelos teóricos subjacentes aos diferentes programas e a adequação das práticas
efectivamente implementadas pelos profissionais na resposta às necessidades identificadas ao
nível da criança, da família e da gestão dos recursos da comunidade. Trata-se assim de
realizar a avaliação de programas e práticas, assinalando os indicadores de qualidade,
emergentes nos Serviços de Intervenção Precoce (SIP).

Método
Os trabalhos efectuados por Hauser-Cram, Warfield, Upshur e Weisner (2000), revelam que a
realização de um estudo avaliativo deve corresponder a um desejo dos profissionais
envolvidos a diferentes níveis, os financiadores e gestores do programa e os profissionais que
prestam serviços directos, devendo estar de acordo relativamente ao tipo e objectivos da
avaliação.

Deste modo, auscultamos num primeiro momento a Equipa de Coordenação Distrital de


Portalegre para averiguar do seu interesse na realização de um estudo para avaliação das
práticas de intervenção precoce no distrito. A proposta foi bem acolhida, visto ir ao encontro
de uma necessidade já sentida pelos elementos da referida equipa, pelo que o projecto foi em
seguida apresentado à Equipa de Coordenação Regional e às Equipas de Intervenção Directa,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
131

procedendo-se então à explicitação dos seus objectivos e analisadas as formas de colaboração


futura, com os profissionais das equipas.

Participantes

Definimos como amostra de conveniência para o nosso estudo, as Equipas de Intervenção


Directa do distrito de Portalegre, que integra a região Alentejo, zona do país em que a
implementação de serviços de intervenção precoce tem vindo a ser estruturada com base nas
directrizes preconizadas pelo Despacho Conjunto n.º 891/99, através do estabelecimento de
Acordos entre Organizações Não Governamentais (instituições particulares de utilidade
pública, que são as entidades promotoras dos serviços de intervenção precoce) e Organismos
Governamentais nos domínios da Educação (Direcção Regional de Educação do Alentejo), da
Saúde (Sub-Região de Saúde de Portalegre) e da Segurança Social (Centro Distrital de
Segurança Social de Portalegre).

- Caracterização das Equipas

O distrito de Portalegre tem 15 concelhos e existem actualmente 11 Equipas de Intervenção


Directa (EID’s) que abrangem toda a zona geográfica, sendo que algumas das equipas apoiam
em simultâneo dois concelhos.

As equipas estão agregadas a quatro entidades promotoras e são constituídas pelos seguintes
profissionais:

Quadro 1 – Entidades e Categorias Profissionais que compõem as Equipas de Intervenção Directa

Entidade EID Educ Psic SSoc TFal TOcu TSer Fisio Pedi Enf Total
APPACDM Portalegre e 2 2 1 2 1 0 1 0 0 9
Portalegre Crato
C. Vide e Marvão 1 1 1 1 1 0 1 0 0 6
Nisa 1 1 1 1 1 0 0 0 0 5
CRIPS Ponte Sor 2 1 1 1 1 0 0 0 2 8
Ponte de Sor Avis 2 2 2 1 1 1 0 0 1 10
Sousel 1 1 1 1 1 0 0 1 1 7
Fronteira e Alter 1 1 1 1 1 0 0 0 1 6
Gavião 1 1 3 1 1 0 0 0 1 8
APPACDM Elvas 2 2 2 1 0 1 1 1 0 10
Coração C. Maior 1 1 1 1 1 0 0 0 0 5
DELTA Arronches e 1 1 1 1 1 0 0 0 0 5
Monf
Totais 15 14 15 12 10 2 3 2 6 79
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
132

De referir que alguns destes profissionais, sobretudo os terapeutas, colaboram em simultâneo


em mais do que uma equipa de intervenção directa, agregadas à mesma entidade promotora,
desempenhando funções a tempo parcial nas equipas.

- Caracterização dos Casos


O número total de famílias com crianças atendidas em 2005 e que mantiveram o apoio em
2006, considerando a situação que determina maior limitação ou risco para o nível do
desenvolvimento da criança, distribui-se da seguinte forma:

Quadro 2 – Número de casos apoiados por tipo de situação de risco e por idade

C. R. R. Total
Estabelecida Biológico Ambiental
0 a 3 anos 53 (44%) 18 (15%) 49 (41%) 120 (100%)
4 a 6 anos 149 (80%) 9 (5%) 27 (15%) 185 (100%)
Adiamento 8 (89%) 1 (1%) 0 (0%) 9 (100%)
Total 210 (67%) 28 (9%) 76 (24%) 314 (100%)

Especificando os factores que determinam a situação de risco em cada uma das categorias
consideradas, temos para a totalidade dos casos atendidos:
- Condição Estabelecida: Comunicação – 65 (31%); Emocional – 54 (26%); Perturbação
do Desenvolvimento – 45 (21%); Cognição – 18 (9%); Motor – 17 (8%); Audição – 7
(3%); Multideficiência – 4 (2%);
- Risco Biológico: Prematuridade – 9 (31%); Saúde Física – 8 (29%); Disfunção
Neurológica – 5 (18%); Síndroma Mal-formativo – 4 (14%); Alterações Metabólicas –
1 (4%); Hidrocefalia – 1 (4%);
- Risco Ambiental: Família Disfuncional – 36 (46%); Competências Parentais – 12
(16%); Privação Económica – 8 (11%); Mãe Adolescente – 7 (9%); Pais com
Deficiência – 5 (7%); Maus-tratos – 3 (4%); Isolamento Social – 3 (4%);
Alcoolismo/Toxicodependência – 2 (3%).

Os critérios de classificação dos casos por tipo de problemática e situação de risco foram
baseados nas categorias definidas por Guralnick (2004): deficiência estabelecida da criança,
risco biológico e risco familiar ambiental; e, tiveram também como referência os factores de
risco biológico e social descritos pelo Grupo de Atención Temprana (2000).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
133

Instrumentos

No sentido de responder aos objectivos deste trabalho, para efectuar a caracterização e


avaliação das práticas em intervenção precoce, foram desenvolvidos ou adaptados os
seguintes instrumentos:

- Ficha de Caracterização dos Serviços


Com esta ficha pretendemos obter dados relativos às características estruturais das equipas de
intervenção directa. A sua elaboração teve em consideração alguns formulários/relatórios
preenchidos habitualmente pelos profissionais, para caracterização das equipas e tipologia
dos casos atendidos. Recolhe informação sobre a caracterização global: do serviço
(capacidade de atendimento, tipo de financiamento, parcerias estabelecidas e coordenação
distrital); da equipa (categorias profissionais, vinculo laboral, horário de trabalho, anos de
serviço, funções desempenhadas, formação contínua e pós-graduada); da população atendida
(número de famílias com crianças em situação de condição estabelecida, risco biológico ou
ambiental, tipo de problemática e idade); da intervenção (local de atendimento e
periodicidade); da avaliação do serviço (tipo de avaliação, entidade avaliadora e forma de
avaliação); da supervisão (entidade, frequência e tipo de supervisão) e programa de formação.

- Formulário de Autoavaliação de Padrões de Qualidade


A fim de avaliar a qualidade geral das práticas das equipas foi utilizado um formulário de
autoavaliação, traduzido por Mendes, E., Gronita, J., Bernardo, A. e Marques, J. (2006) numa
colaboração entre a FENACERCI e a Cooperativa TorreGuía, a partir da versão castelhana do
Guia de Estandares de Calidad en Atención Temprana editado pela IMSERSO (2004), e
revisto com base na sua edição inglesa (Asociacion Galega de Atencion Temperá (2004), no
sentido de se adaptar a uma terminologia e conceitos comuns em toda a Europa.

No exercício de autoavaliação, o profissional tem de classificar cada indicador de qualidade


num leque de cinco alternativas que medem o grau de desenvolvimento da actividade a que
se refere, atribuindo a pontuação de acordo com os seguintes critérios: 1 (Não realizado – a
actividade não se realiza actualmente); 2 (Não planificado e realizado esporadicamente – a
actividade realiza-se como rotina não programada ou de forma esporádica); 3 (Parcialmente
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
134

planificado e realizado – uma parte da actividade é programada por iniciativa da equipa ou


outros recursos); 4 (Planificado e realizado sistematicamente – a actividade é programada
por iniciativa da equipa ou outros recursos); 5 (Planificado, realizado sistematicamente e
avaliado – o funcionamento e resultados da actividade são avaliados com a participação da
equipa, propõem-se medidas de manutenção, correcção ou melhoria e estabelece-se um
procedimento de actuação).

O Formulário identifica cinco níveis de actuação: a Comunidade, a Família, a Criança, o


Serviço e o Programa de Intervenção Precoce; tendo cada nível os seus respectivos padrões,
indicadores e descritores, que servem como referencial para monitorizar a qualidade das
práticas implementadas pelas diferentes equipas.

- Protocolo de Análise Documental dos Processos


Este instrumento visa caracterizar os procedimentos e acções desenvolvidas no âmbito do
programa de intervenção, com base na análise dos documentos constantes nos processos dos
casos acompanhados pelas equipas.

Recolhe informação sobre: a documentação existente em cada processo (fichas, registos,


relatórios, planos individualizados de apoio à família, programas educativos individuais); os
procedimentos de avaliação (intervenientes, locais, instrumentos, tipo de informações
recolhidas); e, o planeamento da intervenção (intervenientes, objectivos e estratégias, tipo de
registos, periodicidade e locais); no sentido de verificar a concordância entre os
procedimentos implementados e a filosofia subjacente ao programa.

- Grelha de Observação das Práticas


A grelha tem por objectivo registar todas as acções realizadas pelas equipas no sentido de
responder às necessidades sinalizadas pelas famílias/crianças seleccionadas (tipo de
actividades observadas, conteúdos, intervenientes presentes, contextos, instrumentos,
tempo,...) no que diz respeito: à intervenção com a criança e com a família; à interacção com
outros profissionais e sua articulação com os recursos da comunidade; e ao funcionamento da
equipa (reuniões de equipa e de discussão de casos); com vista a analisar a adequação das
práticas e a sinalizar indicadores de qualidade.

Procedimentos
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
135

A implementação deste estudo avaliativo corresponde, tal como referido, a um desejo dos
profissionais envolvidos nos programas de intervenção precoce do distrito, quer ao nível da
coordenação quer da intervenção directa, tendo havido acordo relativamente ao tipo e
objectivos da avaliação. Assim, o estudo iniciou-se com o processo de autoavaliação
realizado por cada uma das equipas de intervenção directa e será complementado por dados
de natureza qualitativa e quantitativa: análise documental e observação participada; estando
ainda planeada a realização no final do estudo, de entrevistas/questionários às famílias
seleccionadas e respectivos responsáveis de caso.
O estudo foi apresentado às equipas de intervenção directa, após o aval da equipa de
coordenação distrital, em reuniões calendarizadas para o efeito. Nessas reuniões, analisaram-
se os objectivos, procedimentos e instrumentos a usar no processo de avaliação, e clarificou-
se o tipo de colaboração necessária por parte das famílias e dos profissionais. Em seguida, foi
distribuída a “ficha de caracterização dos serviços” a cada uma das equipas, a qual foi
posteriormente preenchida e enviada pelos seus coordenadores.
Também em reunião com as equipas, as quais foram organizadas por entidade promotora
(visto alguns dos profissionais desempenharem simultaneamente funções em diferentes
equipas), foi apresentado o “formulário de autoavaliação de padrões de qualidade em
intervenção precoce”, o qual foi preenchido individualmente por cada um dos profissionais
presentes.
Tal como refere Pimentel (2005), a relação que se estabelece entre o programa, os seus
utentes directos e a comunidade, só pode ser correctamente avaliada pela observação
cuidadosa das práticas que são implementadas. Nesse sentido, o avaliador deve reunir
documentação escrita e recolher informações dos coordenadores do programa (ao nível da
filosofia e modelos do programa e forma como estes reflectem um enfoque na família
partilhado por todos os elementos da equipa), dos profissionais que prestam serviços às
famílias (ao nível das práticas de trabalho, forma como reflectem a natureza da relação
família/profissional, necessidades de formação e grau de satisfação) e ao nível da família
(satisfação com o programa, aumento da sua competência relativamente ao ambiente
estimulante que deve ser proporcionado à criança, e qualidade da vida familiar em função das
mudanças necessárias para fazer face às necessidades da criança).
Assim, o procedimento seguinte diz respeito à selecção das crianças/famílias para a análise
documental dos processos e observação das práticas. Esta selecção será efectuada em estreita
colaboração com os coordenadores das equipas, em função de critérios de situação de risco
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
136

da criança, idade, contexto e tempo de intervenção. O modelo relativo ao funcionamento do


programa será posteriormente verificado através de entrevistas/questionários aplicados aos
profissionais que prestam serviços directos e às famílias participantes no programa.

Resultados

Os resultados aqui analisados foram recolhidos entre Maio e Julho de 2006, são relativos a
oito das equipas de intervenção directa do distrito de Portalegre, e irão ser apresentados com
referência aos instrumentos anteriormente descritos, procurando salientar quer dados
quantitativos, quer qualitativos relativos às características dos programas, modelos em que se
fundamentam, e práticas implementadas.

Caracterização dos Serviços de Intervenção Precoce

Verificamos que todas as equipas têm parcerias formais estabelecidas com parte significativa
dos recursos das comunidades onde estão inseridas a nível da: saúde (centros de saúde e
hospitais), educação (creches, jardins de infância e equipas de coordenação dos apoios
educativos), segurança social (serviços locais de acção social); sendo que algumas delas têm
também parcerias formais com as autarquias; existindo também parcerias não formais com
outras organizações não governamentais e com as comissões de protecção de crianças e
jovens. A sua capacidade de atendimento varia entre os 20 e os 70 casos, sendo de referir que
quatro das equipas têm casos sinalizados ainda sem atendimento, num total de 28 famílias.

A Equipa de Coordenação Distrital integra representantes dos Ministérios da Educação, da


Saúde e da Segurança Social e das Entidades Promotoras, realizando reuniões regulares com
as coordenações das Equipas de Intervenção Directa, nas quais são delineados procedimentos
comuns de intervenção.

Caracterização das Equipas

As Equipas de Intervenção Directa são constituídas por profissionais de várias áreas,


contando com a colaboração de educadores, psicólogos, técnicos de serviço social, terapeutas
da fala e ocupacionais (à excepção de uma das equipas, a qual integra um fisioterapeuta e
uma técnica superior de educação especial e reabilitação), sendo que em cinco das equipas
colaboram também enfermeiros.

Verifica-se que o vínculo laboral dos profissionais não é na maioria dos casos definitivo,
havendo 30% de pessoal destacado, 38% contratado e 28% em regime de prestação de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
137

serviços, o que poderá implicar maior mobilidade dos profissionais com repercussões na
dinâmica das equipa e na consolidação das práticas implementadas, circunstância ainda
agravada pelo facto de apenas 30% dos profissionais trabalhar nas equipas a tempo completo.

Constatamos também que a intervenção precoce é um domínio relativamente recente para


estes profissionais, 40% iniciaram funções nas EID’s em 2006 e os restantes 60% trabalham
nas equipas há menos de cinco anos, facto que estará concerteza relacionado com a criação
recente da rede de serviços nesta região do país. No que diz respeito à formação, verifica-se
que apenas 16% realizaram um curso de formação especializada (9% em Educação Especial,
5% em Intervenção Precoce e 2% em Terapia Familiar) e 23% frequentaram cursos de
formação contínua no domínio da intervenção precoce, pelo que 61% dos profissionais não
tiveram formação especifica neste domínio de intervenção, para além da sua formação inicial.

Caracterização da Intervenção

No que diz respeito aos locais em que é realizada a intervenção, constatamos que o contexto
educativo tem a primazia (47% creche ou jardim de infância), seguindo-se o domicílio (24%),
situações mistas (22% domicilio e creche), havendo ainda alguns casos apoiados na sede do
serviço (7%). Relativamente à periodicidade em que é efectuada a intervenção, verifica-se
que a maioria dos casos são apoiados semanalmente (71%) e que 18% têm apoio bissemanal,
7% quinzenal, 2% trissemanal e mensal.

Caracterização da Avaliação do Serviço

As equipas referem de um modo geral, não existirem procedimentos formais e regulares de


avaliação externa do serviço. No entanto, são referidas por algumas equipas avaliações
regulares a nível interno (4) e pontualmente a nível externo (2) sendo a entidade avaliadora
uma instituição do ensino superior.

Caracterização da Supervisão

No que concerne à supervisão do serviço, quatro equipas consideram que a mesma é


realizada pela equipa de coordenação distrital, com uma periodicidade mensal, sendo dirigida
sobretudo à regulação do funcionamento da equipa e discussão de casos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
138

Relativamente à existência de um programa de formação em serviço, 50% das equipas


referem que ele existe, variando a entidade responsável pela formação (Ministério da
Educação ou da Saúde, Instituições do Ensino Superior ou outro Serviço de Intervenção
Precoce).

Autoavaliação de Padrões de Qualidade em Intervenção Precoce

Os dados apresentados baseiam-se na análise da frequência das respostas, dadas por 40


profissionais de todas as EID’s do distrito no exercício de autoavaliação, de acordo com a
classificação (1 a 5: vide em Instrumentos - Formulário de Autoavaliação) atribuída em
função do grau de desenvolvimento (GD) da actividade a avaliar, tendo como referência os
descritores correspondentes aos diferentes padrões e indicadores de qualidade.

Assim, em função dos cinco níveis de actuação considerados, obtivemos os seguintes


resultados:

- Comunidade

Neste domínio, verifica-se que os indicadores de qualidade em que a autoavaliação dos


profissionais revela práticas mais consistentes são os que dizem respeito aos procedimentos
de diagnóstico, informação e apoio (classificação 5 no Padrão 1.4 - todas as famílias
envolvidas em procedimentos de diagnóstico recebem de imediato informação e apoio) e de
formulação do pedido de intervenção precoce (classificação 5 no Padrão 1.6 - existe um
procedimento comum para formular o pedido de intervenção precoce); sendo que a nível da
sinalização dos casos (classificação 4 no Padrão 1.3 - os recursos da comunidade utilizam
procedimentos de triagem para a detecção precoce de crianças com perturbações do
desenvolvimento ou em situações de risco), da prestação de serviços descentralizados
(classificação 4 e 5 no Padrão 1.8 - a Intervenção Precoce é prestada através de serviços
descentralizados) e das normas de protecção de dados relativas às informações das famílias,
exceptuando o registo do acesso dos profissionais aos processos (classificação 5 e 1 no
Padrão 1.7 – todo o tipo de informações registadas relativas a cada família e cada criança
estão sujeitos a um regulamento de protecção de dados) a avaliação vai no sentido de estas
actividades serem planificadas e realizadas de modo sistemático.

Constata-se, no que diz respeito aos critérios de elegibilidade (classificação 4, 3 e 1 no


Padrão 1.1 - elabora-se uma listagem de perturbações do desenvolvimento ou situações de
risco que devem ser referenciadas aos Serviços de Intervenção Precoce) e ao
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
139

encaminhamento dos casos (classificação 3 no Padrão 1.5 - a experiência e sensibilidade dos


profissionais asseguram encaminhamento eficaz das crianças elegíveis para os Serviços de
Intervenção Precoce), que os procedimentos nem sempre são planificados e avaliados pelos
serviços.

O enquadramento legal da intervenção precoce não prevê a constituição de observatórios para


a infância (classificação 1 no Padrão 1.2 – na área geográfica do Serviço de Intervenção
Precoce está constituído um Observatório para a Infância, sob enquadramento legal
apropriado) pelo que estes não existem a nível nacional.

Quadro 3 – Frequência de respostas para o Nível 1. Comunidade em cada um dos indicadores de qualidade

IQ Listagem Observatório Procedimentos Informação Enc Pedido Protecção de Serviços


S. Risco Infância de Triagem e Apoio Efic de IP Dados I Precoce
GD 1.1a 1.1b 1.1c 1.2a 1.2b 1.2c 1.2d 1.3a 1.3b 1.3c 1.3d 1.3e 1.4a 1.4b 1.4c 1.4d 1.5a 1.6a 1.6b 1.7a 1.7b 1.7c 1.7d 1.8a 1.8b
1 2 10 6 21 14 23 20 6 5 5 4 5 5 0 2 0 0 0 2 0 0 19 1 0 2
2 0 0 0 0 4 3 4 2 4 2 3 6 4 4 3 4 3 0 0 0 0 3 3 1 1
3 10 3 13 7 9 1 7 6 5 7 7 11 8 2 1 2 17 2 6 1 0 7 9 3 7
4 18 10 7 5 8 3 2 19 21 16 16 11 11 15 14 13 11 6 8 11 6 5 9 5 20
5 7 6 11 2 5 1 0 7 5 10 10 7 11 19 20 21 9 32 24 28 34 6 18 31 8

- Família
Os resultados obtidos neste nível de actuação, revelam que os padrões em que os
profissionais consideram implementar práticas de maior qualidade são os relativos a uma
abordagem multidimensional das necessidades da criança e família (classificação 5 no Padrão
2.1 - os Serviços de Intervenção Precoce proporcionam uma abordagem multidimensional e
holística que compreende o conhecimento das necessidades da criança, da família e dos seus
contextos de vida), à implementação de procedimentos de avaliação (classificação 5 no
Padrão 2.2 - os Serviços de Intervenção Precoce proporcionam uma avaliação interdisciplinar
continua) e à promoção da participação activa da família (classificação 5 no Padrão 2.3 - a
intervenção precoce promove a participação e o envolvimento familiar); no que se refere à
elaboração de um plano individualizado de apoio, o procedimento ainda não está consolidado
em todas as equipas (classificação 4 e 3 no Padrão 2.4 - o Plano Individualizado de Apoio à
Família é elaborado com a participação da família em reunião de aconselhamento).

A avaliação dos restantes padrões indica práticas mais heterogéneas nas várias equipas
(Padrão 2.5 - para cada família é nomeado um membro da equipa como sendo o responsável
de caso; Padrão 2.7 - o PIAF inclui aspectos educativos que são delineados com a
colaboração dos serviços de educação; Padrão 2.8 - o PIAF inclui aspectos de apoio à saúde,
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
140

elaborados em colaboração com os serviços de saúde; Padrão 2.9 - os direitos e deveres do


utente estão claramente especificados); sendo os indicadores relativos à promoção dos
relacionamentos da família (classificação 1, 2 e 3 no Padrão 2.6 - os aspectos da inclusão
social no PIAF visam o fortalecimento das relações internas e externas da família) aqueles
que obtêm classificações mais baixas, nomeadamente, na dinamização de grupos e encontros
de pais.

Quadro 4 – Frequência de respostas para o Nível 2. Família em cada um dos indicadores de qualidade
IQ Abordagem Avaliação Participação e Normalização Plano Individualizado de
Multidimensiona Interdisciplinar Vida Familiar Apoio à Família
GD 2.1a 2.1b 2.1c 2.2a 2.2b 2.2c 2.3a 2.3b 2.3c 2.3d 2.3e 2.3f 2.3g 2.4a 2.4b 2.4c 2.4d 2.4e 2.4f 2.4g
1 0 0 0 2 2 1 1 0 0 0 0 2 1 2 1 1 2 1 3 10
2 1 2 1 3 5 2 0 3 1 0 0 0 0 3 4 2 1 2 1 9
3 2 2 5 7 3 9 2 1 8 2 6 3 5 11 15 10 9 13 6 11
4 15 15 17 10 8 9 12 8 14 13 13 12 15 14 10 15 15 15 4 7
5 22 21 17 18 20 17 24 28 17 25 21 23 19 9 9 10 11 8 23 2

Continuação Quadro 4 (Frequência de respostas para o Nível 2. Família)


IQ Resp. Inclusão Social A. Educativos Apoio à Saúde Direitos e Deveres
de
Caso
2.5a 2.5b 2.5c 2.6a 2.6b 2.6c 2.6d 2.6e 2.6f 2.7a 2.7b 2.7c 2.8a 2.8b 2.8c 2.8d 2.9a 2.9b 2.9c 2.9d
1 7 0 15 7 6 13 3 6 1 2 4 1 2 1 1 5 0 1 6 13
2 3 1 7 7 13 12 8 10 3 4 5 0 3 1 1 2 1 7 2 8
3 8 6 1 10 12 7 8 13 4 11 10 1 5 12 13 13 5 8 8 9
4 16 12 5 7 4 2 13 5 19 17 9 14 16 12 10 13 19 19 12 7
5 5 20 11 7 3 3 6 4 11 5 10 23 12 12 13 5 15 4 10 2

- Criança
Relativamente aos padrões de qualidade avaliados neste domínio de actuação: todas as
crianças com perturbações do desenvolvimento ou em situações de risco têm direito a
alcançar uma plena participação na vida social (Padrão 3.1); todas as crianças com
perturbações de desenvolvimento ou em situações de risco, têm direito a receber ajudas
desenvolvimentais apropriadas – apoios terapêuticos, técnicos e educativos, que fortaleçam a
sua autonomia (Padrão 3.2); implementação de alterações apropriadas no contexto, de modo
a satisfazer as necessidades especiais das crianças (Padrão 3.3); revisão dos casos, com
particular atenção aos resultados do PIAF, ao progresso do desenvolvimento da criança e à
situação de inclusão social, realizada regularmente (Padrão 3.4); os profissionais consideram
implementar procedimentos de forma programada e sistematizada, embora nem sempre sejam
avaliados (classificação 4).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
141

Apenas no que diz respeito à revisão anual dos casos, com a participação de toda a equipa,
da família e com a colaboração de um supervisor externo, se constata que a actividade não se
realiza (classificação 1 no Padrão 3.5).

Quadro 5 – Frequência de respostas para o Nível 3. Criança em cada um dos indicadores de qualidade
IQ Plena Participação Autonomia Adapt. Contexto Controlo Evolutivo Revisão Anual
GD 3.1a 3.1b 3.1c 3.1d 3.1e 3.2a 3.2b 3.2c 3.2d 3.3a 3.3b 3.3c 3.4a 3.4b 3.4c 3.4d 3.5a 3.5b 3.5c 3.5d 3.5e
1 0 0 4 0 0 1 1 2 3 1 1 0 1 2 0 4 10 22 7 6 13
2 0 1 1 5 2 0 2 2 2 1 3 2 0 4 3 5 5 5 3 4 2
3 4 7 9 8 6 3 5 3 5 4 4 2 6 11 16 10 4 5 7 7 10
4 24 25 18 23 21 19 27 22 12 26 25 18 21 15 15 13 13 3 11 12 8
5 12 7 7 4 8 16 4 10 17 8 7 18 12 8 6 8 7 3 9 4 4

- Serviço
Os resultados obtidos nos diferentes padrões e indicadores de qualidade a este nível de
actuação são aqueles em que se verifica maior discrepância entre os profissionais, referindo
muitas vezes desconhecer alguns dos procedimentos implementados pelo serviço (Padrão 4.1
– a coordenação do programa do SIP tem disponível um organograma com as unidades
funcionais, estratégias de gestão e circuitos de comunicação; Padrão 4.2 – a equipa
multiprofissional do SIP trabalha em colaboração para desenvolver programas de Intervenção
Precoce de base comunitária específicos e para cada “caso”; Padrão 4.4 – os profissionais
participam activamente na avaliação do serviço; Padrão 4.6 – o Serviço de Intervenção
Precoce dispõe de contabilidade organizada que reflecte, com exactidão, os recursos
financeiros e distribuição orçamental; Padrão 4.7 – o espaço do SIP cumpre os requisitos de
segurança dos equipamentos para prestação de cuidados a crianças; Padrão 4.8 – o SIP
proporciona informação escrita relacionada com os objectivos, população alvo, serviços
prestados, instituição e local, horários e números de contacto telefónico).

O padrão em que se obtém a melhor classificação e mais homogénea é o relativo ao papel


desempenhado pela coordenação na dinamização do trabalho da equipa (classificação 5 no
Padrão 4.3 – a coordenação assume a concepção de novos projectos, a monitorização dos
programas correntes e a avaliação dos resultados globais); os indicadores a que é atribuída
uma classificação mais baixa dizem respeito à implementação de programas de prevenção
primária (classificação 1 no Padrão 4.9 – o serviço promove programas de base comunitária
para aumentar a prevenção e a detecção precoce de crianças com perturbações do
desenvolvimento ou em situações de risco) e aos sistemas de análise e certificação da
qualidade do serviço (classificação 1 no Padrão 4.10 – o nível de qualidade do serviço é
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
142

adequado e estabelecem-se medidas de avaliação dos recursos e dos procedimentos


utilizados).

Quadro 6 – Frequência de respostas para o Nível 4. Serviço em cada um dos indicadores de qualidade

IQ Equipa Multiprofissional Coordenação Satisfação Avaliação Plano Financeiro


Organogra
GD
ma
4.1a 4.1b 4.1c 4.1d 4.2a 4.2b 4.2c 4.2d 4.2e 4.3a 4.3b 4.3c 4.4a 4.4b 4.5a 4.5b 4.6a 4.6b 4.6c 4.6d
1 10 10 10 4 6 0 1 3 7 0 0 0 2 3 0 2 15 4 3 2
2 1 4 6 4 7 2 3 1 3 2 1 3 4 7 2 6 7 8 3 2
3 8 13 12 21 13 9 11 2 14 8 6 3 17 18 6 4 5 5 4 6
4 13 6 6 6 8 14 16 11 7 14 15 13 8 7 19 21 4 9 6 5
5 6 5 4 2 6 14 8 23 8 16 18 21 9 5 12 5 4 9 20 21

Continuação Quadro 6 (Frequência de respostas para o Nível 4. Serviço)

- Programa de Intervenção Precoce

A autoavaliação dos profissionais é bastante positiva nos padrões de qualidade relativos à


elaboração de um plano de actividades anual actualizado e revisto pela coordenação
(classificação 5 no Padrão 5.1) e realização de um relatório de avaliação (classificação 5 no
Padrão 5.2 – o relatório de actividades anual proporciona afirmações claras relacionadas
com o plano de actividades).

I Q Segurança Informação Serviços Sensibil. Prevenção Medidas de Avaliação Qualidade


GD 4.7a 4.7b 4.8a 4.8b 4.8c 4.8d 4.9a 4.9b 4.9c 4.10a 4.10b 4.10c 4.10d 4.10e 4.10f 4.10g
1 1 4 4 12 0 0 16 16 16 8 8 8 4 12 10 18
2 1 0 2 10 3 2 8 4 5 7 6 5 1 4 9 4
3 13 6 10 9 11 6 6 10 8 7 8 11 13 9 7 5
4 10 14 13 5 12 15 7 5 5 12 12 9 10 10 10 9
5 13 11 9 2 12 15 2 4 5 3 3 4 9 2 1 0

Constata-se que não estão previstos meios para a avaliação externa dos serviços (classificação
1 no Padrão 5.3 – autoridades legalmente reconhecidas disponibilizam os meios financeiros
necessários para realizar uma avaliação externa do programa de intervenção precoce) e que
as equipas não têm dotação financeira para formação dos profissionais (Padrão 5.4); não
estando também sistematizados procedimentos no que concerne à avaliação da satisfação das
famílias (classificação 1 no Padrão 5.5 – o programa contempla o registo periódico do grau
de satisfação da família).

Quadro 7 – Frequência de respostas para o Nível 4. Programa em cada um dos indicadores de qualidade
Plano de Activ. Relatório Anual Avaliação Ext. Formação Profissionais Satisf. Família
5.1a 5.1b 5.1c 5.2a 5.2b 5.2c 5.3a 5.3b 5.3c 5.4a 5.4b 5.4c 5.4d 5.4e 5.5a 5.5b 5.5c
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
143

1 2 2 2 2 4 6 26 26 28 3 5 0 21 3 29 25 30
2 1 1 2 1 2 2 3 3 1 7 4 4 4 6 3 4 1
3 1 0 0 7 4 3 4 4 5 5 10 6 2 8 3 3 3
4 12 10 12 10 10 8 1 2 1 12 13 18 6 9 0 3 2
5 24 27 24 19 19 20 3 2 2 12 7 11 2 13 1 2 0

Analisando globalmente os dados obtidos na autoavaliação efectuada pelos profissionais,


constatamos que muitas das práticas implementadas cumprem os indicadores de qualidade
preconizados para a intervenção precoce, sobretudo no que diz respeito aos níveis de
actuação da “comunidade” e da “criança”, devendo incrementar-se a sistematização de
algumas práticas não consolidadas a nível da “família”, assim como, promover a
implementação de procedimentos ainda não estabelecidos no domínio do “serviço de
intervenção precoce” e também do “programa de intervenção precoce”.

Conclusões

O presente estudo tem como principal objectivo contribuir para um conhecimento mais
aprofundado das práticas em intervenção precoce numa das regiões do nosso país. Os
resultados obtidos poderão contribuir para incrementar a qualidade dos serviços já
implementados, assim como de outros a implementar futuramente, quer ao nível das Equipas
de Intervenção Directa do distrito de Portalegre e dos respectivos parceiros, quer ao nível de
outras organizações que desenvolvem serviços de intervenção precoce noutras áreas
geográficas.
Considerando que a realização de uma investigação participada, tal como proposto por
Turnbull, Friesen e Ramirez (1998), poderá diminuir a distância que, neste momento, separa
os “investigadores” dos “práticos” e contribuir para uma melhoria efectiva da prestação de
serviços em intervenção precoce, a utilização dos dados deste estudo, nomeadamente os
referentes à avaliação da qualidade dos programas, pode ser uma estratégia eficaz para a
formação em serviço dos profissionais e contribuirá certamente, para a melhoria das suas
práticas.
As práticas recomendadas constituem orientações que resultam em grande parte da pesquisa
efectuada sobre os indicadores de qualidade dos programas de intervenção precoce e do
consenso que se gerou em torno de alguns desses indicadores. De entre essas práticas
salientam-se: a abordagem centrada na família; as práticas desenvolvimentalmente
adequadas; o trabalho de equipa com uma abordagem transdisciplinar; a coordenação inter-
serviços e a inclusão (Bailey & McWilliam; Bowe, 1995; citados por Gamelas, 2003). O
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
144

relatório da Agência Europeia em Intervenção Precoce na Infância (Soriano, 2005), relativo à


análise das situações na Europa refere como aspectos-chave:
- Grupos-alvo – o trabalho de prevenção, de informação e de referenciação dos casos;
- Trabalho em equipa – a interdisciplinaridade e cooperação entre profissionais e com
as famílias;
- Formação dos profissionais – formação inicial, formação complementar e formação
em serviço;
- Ferramentas de trabalho – processo de avaliação e elaboração de um plano individual
de apoio.
Concluímos, com base na autoavaliação dos profissionais e na caracterização efectuada dos
serviços, que a filosofia de actuação das equipas se norteia pelos princípios acima
enunciados, nomeadamente, no que diz respeito aos procedimentos de sinalização dos casos
(sendo contudo necessário incrementar o trabalho a nível da prevenção primária) e à
interdisciplinaridade (existindo responsáveis de caso que articulam com a família e
colaboram com outros profissionais, estabelecendo parcerias com os serviços da
comunidade). No que respeita à formação dos profissionais, é uma área que começa a ser
estruturada de um modo mais sistemático, sendo necessário facultar formação específica e
reconhecer a Intervenção Precoce como um domínio de especialização. No sentido de
sistematizar e consolidar práticas de qualidade seria também importante estabilizar os
mecanismos de colocação dos profissionais nas equipas. Relativamente às ferramentas de
trabalho, os procedimentos de avaliação/intervenção tendem a envolver a família como um
participante activo, embora o plano individualizado de apoio à família nem sempre seja
operacionalizado como uma ferramenta base desse processo por todos os profissionais das
equipas de intervenção precoce.
Ao incidir na descrição dos aspectos relativos à avaliação das práticas efectuada com base
nos padrões de qualidade sinalizados, temos consciência de não estarem esgotadas todas as
análises que o conjunto de dados recolhidos poderia proporcionar. Contudo, pensamos que a
análise efectuada nos dá uma visão geral do tipo de serviços implementados e permite
salientar alguns aspectos importantes.
Em última análise, consideramos que os dados obtidos poderão ajudar a definir directrizes
políticas e de gestão que permitam contribuir para uma maior eficácia dos serviços
disponíveis para este domínio de intervenção e estabelecer linhas orientadoras mais adaptadas
à realidade portuguesa.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
145

Referências
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Gamelas, A.M. (2003). Contributos para o estudo da ecologia de contextos pré-escolares


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Guralnick, M.J.(2004). Effectiveness of early intervention for vulnerable children: a
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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
146

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for conducting family research. Journal of the Association for Severely Handicapped, vol. 23,
nº 3, 178-188.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
147

O Processo de Construção de Boas Práticas

Joaquim Gronita
Torreguia - torreguia@iol.pt
Ana Cristina Bernardo
Joana Marques
Cátia Matos

Palavras-chave:
intervenção precoce, avaliação de programas, qualidade

Resumo/Abstract:
Apresenta-se o design do processo de selecção, recolha e interpretação de informação
que permite emitir juízos ou tomar decisões, com vista a identificar procedimentos e
respostas de qualidade e adequados à realidade portuguesa e às características da população
atendida, analisando a acção efectiva de uma equipa de I.P. e identificando os seus
procedimentos.
Os objectivos traçados, implicaram diferentes métodos, instrumentos e participantes.
São partilhados os primeiros resultados que contribuem para a definição de directrizes
políticas e medidas de gestão eficazes neste domínio de intervenção.

Introdução
Os primeiros estudos de avaliação no âmbito da intervenção precoce desenvolvidos
em Portugal têm-se focado fundamentalmente nas percepções de profissionais e por vezes nas
percepções e grau de satisfação dos pais ou dos principais prestadores de cuidados à criança.
Sendo o seu número ainda diminuto, importa continuar e aprofundar este tipo de estudos. No
entanto, importa ter em conta que a avaliação em intervenção precoce tem-se vindo a
desenhar numa multidimensionalidade de aspectos correspondentes às características
multifacetadas deste tipo de intervenção.
Uma vez que a legislação portuguesa nesta matéria define orientações inspiradas no
modelo norte-americano, sem se ter procedido à avaliação da sua adequalibidade à realidade
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
148

e cultura portuguesa (Bairrão e Almeida, 2002), este aspecto deverá constituir também uma
preocupação nas avaliações a desenvolver em Portugal.
O presente estudo insere-se num projecto mais alargado que se consolidou numa
parceria entre a Cooperativa TorreGuia, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Cercizimbra-
Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Sesimbra, a Câmara
Municipal de Sesimbra e o Rotary Club de Sesimbra e que visa dar resposta às necessidades
manifestadas pelos diferentes parceiros: consolidar e intensificar parcerias, atender um maior
número de crianças/famílias, melhorar a qualidade do apoio prestado, aumentar o número de
actividades de carácter preventivo, avaliar todo o processo e a construção de boas práticas.
Para além de responder às questões relativas às acções que o programa de intervenção
precoce desenvolve, com o estudo intitulado O Processo de Construção de Boas Práticas,
pretende-se desenvolver um processo de selecção, recolha e interpretação de informação que
nos permita emitir juízos ou tomar decisões, com vista a identificar modelos, procedimentos e
respostas de qualidade, adequados à realidade e características da população atendida.
Pretende-se, assim, ao longo de três anos, e de acordo com as recomendações de
Bailey (2001) e Hauser-Cram Warfield, Upshur e Weisner (2000), analisar, compreender e
aprender com o trabalho que está a ser implementado por um serviço de intervenção precoce;
identificar as eventuais discrepâncias entre os objectivos delineados e a forma como estão a
ser efectivamente implementados; focar-se no que se passa efectivamente no decorrer do
programa e não somente nas percepções dos profissionais e grau de satisfação dos pais;
avaliar as práticas efectivamente implementadas ao nível da criança, da família e da gestão de
recursos humanos; identificar se o programa cumpre os objectivos para os quais foi
concebido bem como a legislação em vigor; e identificar a adequação dos modelos teóricos
do programa às necessidades das crianças, famílias e comunidades.
Face a esta diversidade, importou definir diferentes métodos, diferentes instrumentos
e diferentes participantes (profissionais, famílias e crianças).
De acordo com o desenvolvimento actual do estudo, proceder-se-á à apresentação das
principais conclusões da auto-avaliação dos profissionais do serviço de intervenção precoce,
assim como ao processo de integração destes resultados na dinâmica e planificação da equipa.
Da análise documental efectuada, serão partilhadas as conclusões emergentes, apesar de
ainda parciais e incipientes.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
149

Será ainda possível explanar as expectativas face ao serviço, por parte das famílias
que iniciaram o atendimento no ano lectivo 2005/06 e o grau de satisfação dos serviços
recebidos, pelas famílias que deixaram o programa naquele ano lectivo.
Apesar de constituírem resultados parciais, serão analisadas as percepções dos profissionais e
dos principais prestadores de cuidados às crianças relativamente aos serviços prestados que
serão, posteriormente, confrontadas com as observações das práticas desenvolvidas e com as
práticas recomendadas internacionalmente.
Em suma, pretende-se partilhar o design de um estudo sobre a acção efectiva de uma
equipa de intervenção precoce e sobre a identificação dos procedimentos que facilitam a
construção de um modelo adaptado à realidade Portuguesa.
Serão partilhados resultados parciais que começam a constituir orientações para a
formação em serviço dos profissionais de Intervenção Precoce e que contribuem para a
definição de directrizes políticas que permitem uma maior eficácia na gestão dos recursos
humanos e financeiros, disponíveis para este domínio de intervenção.

Material e Método
Dados os objectivos a que nos propomos e a escassez de estudos neste campo,
pretendemos realizar um estudo exploratório e descritivo, no intuito de estudar, compreender
e explicar o nosso objecto de estudo.
Sendo este estudo avaliativo uma resposta às necessidades manifestadas por dois dos
parceiros acima referidos, entre os quais a entidade promotora do serviço e tendo merecido a
aprovação e financiamento dos restantes parceiros, poderemos considerar que um dos itens
decorrente dos trabalhos efectuados por Hauser-Cram, Warfield, Upshur e Weisner (2000),
que revela que a realização de um estudo avaliativo deve corresponder a um desejo dos
financiadores e gestores do programa fica assegurado. Os outros itens também foram
assegurados, consistindo na certificação de que os profissionais envolvidos, a coordenadora
do serviço e os profissionais que prestam serviços directos partilhavam este desejo de realizar
este estudo avaliativo, tanto mais que a sua intenção estava expressa no seu Plano de
actividades. Por ultimo, foi ainda possível confirmar a existência de acordo relativamente ao
tipo e objectivos da avaliação.
Numa perspectiva ecológica, foram delineados diferentes aspectos enquanto
objectivos de estudo: crianças, famílias, serviço, programa e comunidade. Face a esta
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
150

diversidade, importou definir diferentes métodos, diferentes instrumentos e diferentes


participantes (profissionais, famílias e crianças).
Tendo ainda em conta esta diversidade de tarefas, foi necessário constituir uma equipa de
avaliação, externa ao serviço, sedeada num dos parceiros do projecto.

Participantes
O estudo incide sobre o Serviço Técnico de Intervenção Precoce da Cercizimbra
(STIP), cuja área de abrangência é o concelho de Sesimbra e zonas limítrofes, em
funcionamento desde 1993, ao abrigo de um acordo atípico com o Ministério do Trabalho e
Segurança Social, assim como alguns apoios anuais do Ministério da Educação.
Face à sua envolvência no processo de intervenção junto das famílias, crianças e respectiva
comunidade, foram identificados como participantes do estudo as próprias famílias e crianças
apoiadas pelo STIP, os seus profissionais e os profissionais parceiros do serviço e programa,
pertencentes a outros recursos da comunidade.

- Caracterização da Equipa
A equipa do Serviço Técnico de Intervenção Precoce da Cercizimbra - STIP é constituída por
12 profissionais:
Quadro 1 Categorias Profissionais que compõem a Equipa do STIP
Enti- Educa- Psicó- Pol. T. T. Ocupa- TSSER Anim. Total
dade dora logo Social Fala cional Sóc.
Cult.
STIP 1 3 * 1 * 3 1 2 * 1 12
* Dos profissionais assinalados, quatro têm formação em Terapia Familiar

Contrariamente à maioria das equipas de intervenção precoce em Portugal, todos os


profissionais se encontram a trabalhar a tempo inteiro, à excepção de um psicólogo,
perfazendo um total de 408 horas de trabalho semanais. A coordenação do serviço é
actualmente assegurada por uma das Técnicas Superiores de Educação Especial e
Reabilitação (TSSER).

- Caracterização dos Casos


Com o ingresso no 1º ano do 1º ciclo do ensino básico, por volta dos 6 anos de idade,
e com o ingresso pala primeira vez de crianças em creches e jardins de infância, no início de
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
151

cada ano lectivo verifica-se uma alteração acentuada da população atendida pelo serviço, isto
é, algumas famílias dão início ao atendimento pelo serviço e outras deixam de ser
acompanhadas pelo mesmo.
No ano lectivo de 2005-2006, foram atendidas no STIP 60 crianças e respectivas
famílias (59 famílias). Destas, 3 não foram abrangidas pelo estudo – mortalidade da amostra
– uma família desistiu do atendimento, uma mudou de residência e outra teve um
atendimento de curta duração, sem tempo para aplicação de instrumentos.
Seguidamente, é apresentado o número de famílias com crianças atendidas pelo STIP,
segundo a situação que determina maior limitação ou situação de risco para o nível do
desenvolvimento da criança:

Quadro 2 Número de famílias apoiadas por tipo de situação de risco e por idade da sua criança
C. R. R. Envolvimental Em Total
Estabelecida Biológico avaliação
0 a 3 anos 8 2 1 0 11

4 a 6 anos 12 5 18 3 38

7 anos 3 2 3 0 8

Total 23 9 22 3 57

- Caracterização dos profissionais de outros recursos da comunidade


Estes profissionais participam/colaboram com o STIP nas diversas fases da
intervenção/acompanhamento e contactam directamente com as crianças e famílias atendidas
ou participam/colaboram com o STIP nas diversas fases do desenvolvimento das acções de
prevenção primária. Exemplos destes profissionais são, as educadoras de infância e médicos,
entre outros.

Instrumentos
Os instrumentos de avaliação a utilizar foram definidos e construídos de acordo com a
nossa preferência pela adaptação de instrumentos validados internacionalmente que permitam
análises comparativas e pela adaptação de instrumentos recentes e cujo método de aplicação
se considerou inovador, no que respeita à sua utilização no âmbito de estudos na área de
Intervenção Precoce.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
152

Questionário de Auto-avaliação de Padrões de Qualidade em Intervenção Precoce


O “Guía de Estándares de Calidad en Atención Temprana”, elaborado por Mittelbrun,
y al. (2004) e publicado pela INSERSO, foi traduzido para a língua inglesa e adaptado à
realidade europeia. Foi a partir desta versão da língua inglesa, que Mendes, E., Gronita, J.,
Bernardo, A. e Marques, J. (2006), numa colaboração entre a Cooperativa TorreGuía e a
Fenacerci, procederam à tradução e adaptação para a língua portuguesa.
Este instrumento vai ser utilizado para análise das questões de investigação
relacionadas com o Serviço, e pretende compreender e verificar o funcionamento efectivo do
STIP, sob o ponto de vista dos seus profissionais.
A sua aplicação processa-se, individualmente, a todos os Profissionais do Serviço
Técnico de Intervenção Precoce (STIP) da Cercizimbra, em dois momentos distintos,
espaçados no tempo.

Grelha de análise Documental


Este instrumento foi concebido especificamente para este projecto e será utilizado
para análise das diferentes questões de investigação - Comunidade, Família, Criança, Serviço
e Programa.
Pretende sistematizar a análise de conteúdo dos diferentes documentos do serviço,
constituindo um instrumento de recolha e reunião dos dados redigidos, que traduzirão, só por
si ou quando comparados com dados recolhidos por outros instrumentos, práticas
implementadas.

Questionário de Expectativas das Famílias


Este questionário foi construído e adaptado pela equipa de investigação, com base na
“European Parental Satisfaction Scale about Early Intervention – EPASSEI”, criada pelo
grupo Eurlyaid – European Network in Early Intervention (1999) e na sua adaptação
portuguesa “Escala Europeia de Satisfação das Famílias em Intervenção Precoce – ESFIP”
Cruz, Fontes e Carvalho (2003).
Trata-se de um questionário para analisar as questões relacionadas com a Família e a
Criança, e pretende analisar as expectativas das famílias face ao programa de intervenção
precoce. Aplica-se, individualmente, em situação de entrevista, a todos os principais
prestadores de cuidados das crianças que iniciam o atendimento.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
153

Questionário de Satisfação das Famílias


De forma semelhante ao anterior, o presente questionário foi construído e adaptado
pela equipa de investigação, com base na “European Parental Satisfaction Scale about Early
Intervention – EPASSEI”, criada pelo grupo Eurlyaid – European Network in Early
Intervention (1999) e na sua “adaptação portuguesa “Escala Europeia de Satisfação das
Famílias em Intervenção Precoce – ESFIP” Cruz, Fontes e Carvalho (2003).
Utilizado para análise das questões relacionadas com a Família e a Criança, pretende
analisar a satisfação das famílias face ao programa de intervenção precoce. Este instrumento
é aplicado, individualmente, em situação de entrevista, a todos os principais prestadores de
cuidados das crianças no final do atendimento.

Bateria de Instrumentos para Avaliação da Qualidade do serviço do STIP


Ainda em fase de ultimação, a construção destes instrumentos é baseada na Listagem
das práticas recomendadas em Intervenção Precoce elaborada pela Division for Early
Childhood (DEC), USA e no Modelo da European Foundation for Quality Management
(EFQM).
Estes instrumentos são utilizados para a análise das questões relacionadas com o
Serviço e o Programa, e pretendem compreender e verificar o funcionamento efectivo do
serviço e do programa, sua estrutura, organização e modelo de gestão.

Grelhas de Observação das Práticas


Estas grelhas são construídas com base nas observações efectivas, adaptando-se desta
forma à realidade concreta das práticas implementadas pelo serviço na prestação de cuidados
às famílias.
Destinam-se à análise das questões relativas à Família, à Criança e aos profissionais e
pretende-se que sejam documentos que permitam a sistematização das observações sobre as
práticas efectivamente realizadas permitindo a confrontação com os dados recolhidos por
intermédio de outros instrumentos.
As grelhas são utilizadas em situação de observação das práticas em momentos de
intervenção.
Guiões de Entrevista para Famílias
Os Guiões de Entrevista – Expectativas e Satisfação - foram construídos pela equipa
de investigação, com base na tradução da Listagem das práticas recomendadas em
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
154

Intervenção Precoce identificadas pela Division for Early Childhood (DEC), USA e na
“Entrevista/Questionário para Pais e para Técnicos” elaborado por Pimentel (2005).
Estes guiões estão pensados como suporte uniformizado das entrevistas com famílias,
de forma a permitirem a análise das questões relacionadas com a Família e com o Programa,
mais especificamente sobre as declarações, satisfação, expectativas e pontos de vistas de
famílias face ao programa de intervenção precoce prestado à família e criança.
Estes guiões são usados individualmente, em situação de entrevista, a todos os principais
prestadores de cuidados das crianças no momento em que iniciam o atendimento
(Expectativas) e no final do mesmo (Satisfação).

Guião de Entrevista para Profissionais


O Guião de Entrevista para Profissionais foi construído pela equipa de investigação,
com base na Listagem das práticas recomendadas em Intervenção Precoce identificadas pela
Division for Early Childhood (DEC), USA e na “Entrevista/Questionário para Pais e para
Técnicos” elaborado por Pimentel (2005).
Este Guião de Entrevista para Profissionais foi construído de forma a permitir a
análise das questões relacionadas com a Família e com o Programa, mais especificamente
sobre as declarações, satisfação, expectativas e pontos de vistas dos profissionais face ao
programa de intervenção precoce prestado à família e criança.
Trata-se de um instrumento usado individualmente, em situação de entrevista, aos
profissionais do STIP que são responsáveis de caso, no final do atendimento, isto é quando a
família/criança deixam de ser atendidos pelo serviço.

Guião de Entrevista para Profissionais – Práticas Recomendadas DEC


Construído pela equipa de investigação, com base na tradução da Listagem das
práticas recomendadas em Intervenção Precoce identificadas pela Division for Early
Childhood (DEC), USA, este instrumento é utilizado para análise das questões relacionadas
com o Programa e com o Serviço e pretende confrontar as crenças e pontos de vistas dos
profissionais face às práticas recomendadas na literatura recente.
Este instrumento é aplicado, individualmente, a todos os Profissionais do STIP.
Escala de Avaliação do Desenvolvimento da Criança
O instrumento a utilizar será o Portage – Guia de Pais para a Intervenção Precoce, da
Associação Portage. Este instrumento é utilizado para medir a existência da evolução das
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
155

crianças nas várias áreas de desenvolvimento. É aplicado a todas as crianças pertencentes ao


sub-grupo de crianças, cujo acompanhamento é longitudinal e a quem este instrumento será
aplicado em dois momentos distintos.

Procedimentos
Consolidando o desejo dos financiadores e gestores do programa, relativamente à
realização do presente estudo, a definição do projecto de investigação resultou do processo de
discussão entre os diferentes parceiros. Numa fase de preparação do projecto, a entidade
promotora do serviço de intervenção precoce procedeu a um levantamento de necessidades,
inquirindo, para além da sua equipa técnica, os representantes dos parceiros sociais daquela
comunidade, de forma a serem criados consensos, relativamente às alterações necessárias em
termos de funcionamento do serviço e à identificação de necessidades, ao nível dos recursos
materiais e humanos, para a promoção de um serviço eficaz e de qualidade.
Para eliminar a variável “falta de recursos”, aquando da avaliação dos resultados do
estudo, foram envolvidos diferentes parceiros no projecto de forma a financiarem e,
consequentemente, colmatarem aquelas lacunas. Com o início do projecto, a equipa do STIP
viu assim, esbatidas ou mesmo eliminadas as suas dificuldades financeiras em termos de
formação, de recursos materiais e pedagógicos e ainda em termos de recursos humanos.
Mais uma vez, consolidando o desejo dos financiadores e gestores do programa,
relativamente à realização do presente estudo, foram concretizadas reuniões com a direcção
da Cercizimbra e a coordenação do STIP no sentido de serem acordados procedimentos de
articulação, papéis e funções, nomeadamente a entidade contratante dos três novos
profissionais a afectar à equipa do STIP, a sua coordenação e supervisão, as regras de
utilização do espaço e recursos do STIP pela equipa de avaliação, a regularidade de reuniões,
a passagem de informação, periodicidade de devolução dos dados recolhidos e conclusões
obtidas e as formas de registo e apresentação de contas à entidade promotora do projecto, a
Torreguia.
No que respeita aos recursos humanos e para colmatar as necessidades identificadas,
foram contratadas uma psicóloga, uma terapeuta da fala e uma animadora social a tempo
inteiro e procedeu-se à aquisição de serviços de um supervisor das dinâmicas da equipa.
No âmbito do processo de implementação da avaliação e acompanhamento da equipa
do STIP, após a definição das questões de investigação, a equipa de avaliação, dedicou-se
numa fase inicial à pesquisa, apropriação e definição das metodologias, estratégias e
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
156

instrumentos que mais se adequam às necessidades do projecto, tendo para tal procedido à
articulação com docentes do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Instituo Superior de
Ciências do Trabalho e da Empresa e da Universidade Aberta.
Seguidamente, procedeu-se à identificação dos participantes e à definição de um
cronograma de acção, com o envolvimento da coordenadora do STIP.
Uma vez concluído, o projecto de avaliação foi apresentado a todos os profissionais
do STIP, reforçando a sua apropriação e interesse na realização do mesmo. Num momento
posterior, realizou-se a apresentação do mesmo a todos os parceiros e à comunidade.
Uma vez que, pela metodologia STIP, se previa que o contacto com os pais fosse efectuado
pelos diferentes profissionais responsáveis de caso, foi ainda distribuído um memorando,
“Guião para os Técnicos de Intervenção Precoce”, no sentido de garantir uma uniformidade
da informação passada às famílias, relativamente ao conhecimento dos objectivos do estudo e
solicitando o seu consentimento informado.
A elaboração do cronograma permitiu dar início à recolha de dados, paralelamente à
ultimação de construção ou adaptação de instrumentos a utilizar numa fase posterior.
O Questionário de Auto-avaliação de Padrões de Qualidade em Intervenção Precoce
foi o primeiro instrumento a ser aplicado a todos os membros da equipa. O instrumento foi
utilizado em simultaneamente para todos os profissionais da equipa, sendo os mesmos
convidados a não trocar impressões entre si. Os profissionais assinalaram verbalmente
algumas dificuldades no preenchimento do instrumento devido à disparidade de conceitos,
estratégias e às diferenças entre a descrição dos padrões e indicadores do instrumento e a
realidade social da comunidade onde o serviço se desenvolve.
Uma vez analisados, os resultados foram apresentados à equipa do STIP antes desta
elaborar o seu Plano de Actividades para o ano lectivo seguinte.
Este instrumento será novamente aplicado a todos os profissionais, no final do estudo,
afim de aferir eventuais alterações nas suas percepções.
Foi dado início à análise dos processos individuais de cada caso, com a aplicação da
Grelha de Análise Documental. Face à divergência de conteúdo dos processos foi necessário
reformular várias vezes o instrumento utilizado.
Após os pais manifestarem o seu consentimento para colaborar no estudo, e de acordo
com os critérios de funcionamento do programa, os profissionais promoveram o encontro
entre as famílias e o investigador. Frequentemente, recorreu-se ao contacto telefónico para
aferir o local, sempre escolhido pelo familiar, como o mais facilitador para os mesmos, pelo
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
157

que variou entre o seu domicílio e a sede do programa. O dia e a hora foram também objecto
de negociação, visando corresponder, sempre que possível, à preferência da família.
Em primeiro lugar procedeu-se à recolha dos dados através do Questionário de
Expectativas das Famílias e de seguida à Entrevista de Expectativas da Família para os casos
que ingressaram em atendimento neste ano lectivo. Este procedimento repetir-se-á nos
próximos anos lectivos.
Procedeu-se também à aplicação do questionário e Entrevista de Satisfação das
Famílias para os casos que tiveram alta do serviço ao longo do presente ano lectivo. Este
procedimento repetir-se-á nos anos lectivos seguintes e, assim como para todos os casos no
final do estudo.
De acordo com o cronograma, os restantes instrumentos ainda não foram aplicados,
sendo, seguidamente, explanado qual o grupo de participantes a que se destinam.

Resultados
Os procedimentos acima descritos, assentam no estabelecimento de parcerias
efectivas. Do envolvimento dos parceiros vislumbra-se um processo construtivo de boas
práticas, do qual o primeiro resultado consiste no próprio design experimental descrito no
quadro 3.
A apresentação de resultados do questionário de auto-avaliação à equipa do STIP
constituiu um dos primeiros momentos do processo de construção de boas práticas. Após a
reflexão em equipa, o seu plano de actividades incorporará as alterações consideradas pela
mesma como facilitadoras e promotoras de práticas de qualidade.
Dos resultados obtidos, evidencia-se a heterogeneidade da percepção dos
profissionais, relativamente ao grau de realização, planificação e avaliação dos diferentes
padrões. Nenhum dos padrões reuniu uma percepção consensual de todos os profissionais. No
entanto, foi possível agrupá-los em duas categorias: Convergentes e Divergentes.
Quanto aos padrões Convergentes, apresentam tendências diferentes, relativamente ao
pondo de convergência: para os padrões (1.2) Observatório para a Infância e (5.3) Avaliação
Externa do Programa de Intervenção Precoce o ponto de convergência é 1, pelo que,
tendencialmente, a percepção dos profissionais é que as actividades descritas nos indicadores
destes padrões não são realizadas actualmente; o ponto de convergência para o padrão (1.5)
Encaminhamento Eficaz é 3, isto é, tendencialmente, a percepção dos profissionais é que as
actividades descritas nos indicadores destes padrões são Parcialmente planificado e realizado
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
158

ou seja, uma parte da actividade é programada por iniciativa da equipa ou outros recursos; e
para o ponto 5, isto é Planificado e realizado sistematicamente (as actividades são
programadas por iniciativa da equipa ou outros recursos), convergem os padrões (2.3)
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
159

Quadro 3 Design experimental do projecto de avaliação e acompanhamento do STIP


Antigos
Antigos Ñ Outros
Novos Não Observados Novos Observados Observa-
Observa-dos casos
dos
Análise Documental Pré-Teste
Entrevista Expectativas Entrevista Expectativas Família
Família (caracterização e expectativas)
(caracterização e  Intervenção c/criança
expectativas)  Intervenção c/família
 Intervenção c/criança  Serviço
 Intervenção c/família  Programa
 Serviço  Comunidade
 Programa
 Comunidade
Questionário de Questionário de Expectativas
Expectativas Família Família
 Intervenção c/criança  Intervenção c/criança
 Intervenção c/família  Intervenção c/família
 Serviço  Serviço
 Programa  Programa
 Comunidade  Comunidade
Entrevista Satisfação Família (o que ocorreu e satisfação)
 Intervenção c/criança
 Intervenção c/família
 Serviço
 Programa
 Comunidade
Questionário de Satisfação Família
 Intervenção c/criança
 Intervenção c/família
 Serviço
 Programa
 Comunidade
Entrevista de Identificação de Práticas Recomendadas - DEC
Observação Participada
Verificar práticas recomendadas
Identificar outras práticas que possam ser
consideradas recomendadas
Portage
Escala de Sentimentos e Atitudes
Entrevista Final STIP- todos os profissionais
 Intervenção c/ cada criança
 Intervenção c/ cada família
Questionário Final Outros Profissionais
 Articulação de serviços
Entrevistas de Focus Group
 Articulação de serviços
Questionário de Auto-avaliação
Envolvimento Familiar, (3.1) Plena Participação das Crianças na Vida Social, (4.2) Equipa Multiprofissional,
(4.3) Coordenação, (4.5) Actividades de Avaliação e Investigação, (5.1) Plano de Actividades, (5.2) Relatório
de Actividades Anual e (5.4) Formação Contínua dos Profissionais.

Nos restantes padrões, dos 5 níveis, os profissionais manifestaram heterogeneidade


nas suas respostas, sendo frequente a variação de respostas desde o ponto 1, percepção dos
profissionais de que as actividades descritas nos indicadores destes padrões não são
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
160

realizadas actualmente, até ao ponto 5, percepção dos profissionais de que as actividades


descritas nos indicadores destes padrões são Planificadas e realizadas sistematicamente. Face
a esta heterogeneidade estes padrões foram categorizados com Divergentes.
Face ao número elevado de Missing values considerou-se importante proceder à sua
análise. Assim procedeu-se à comparação entre tempo total de serviço e missing values,
verificando-se que quem trabalha há menos de 1 ano deu um maior número de missing
values.
Relativamente à comparação entre tempo na equipa e IP e missing values, constatou-
se que quem trabalha há menos de 1 ano e entre 2 e 6 anos na equipa/em Intervenção Precoce
dá maior número de missing values.
Procedeu-se também à análise dos mínimos e máximos, realizando a sua comparação
com o tempo total de serviço – os profissionais que trabalham há menos de 1 ano e entre 2 e 6
anos dão mais valores máximos (5) e os profissionais que trabalham entre 6 e 10 anos e há
mais de 10 anos dão mais valores mínimos (1).
Da comparação entre tempo na equipa e IP e mínimos e máximos, verificou-se que os
profissionais que trabalham entre 2 e 6 anos na equipa/em Intervenção Precoce, atribuem
mais valores máximos (5) e os que trabalham há mais de 10 anos na equipa/ em Intervenção
Precoce, atribuem mais valores mínimos (1).
Dos primeiros resultado da análise documental, evidencia-se que os processos de cada
caso apesar de possuírem um índice comum, não apresentam uniformidade quanto ao seu
conteúdo. Esta variabilidade verifica-se nos diferentes tipo de registo de informação escrita:
Planos Individualizados de Apoio à Família (PIAFs), registo/actas de reuniões, documentos
arquivados, dados clínicos e de avaliação, etc. Em alguns processos, é possível verificar esta
mesma variabilidade de ano lectivo para ano lectivo.
Encontram-se em fase de ultimação a análise dos instrumentos relativos às
expectativas face ao serviço, por parte das famílias que iniciaram o atendimento no ano
lectivo 2005/06 e o grau de satisfação dos serviços recebidos, pelas famílias que deixaram o
programa naquele ano lectivo, assim como os instrumentos relativos às percepções dos
profissionais e dos principais prestadores de cuidados às crianças relativamente aos serviços
prestados.

Conclusões
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
161

Foram dados os primeiros passos relativamente ao processo de selecção, recolha e


interpretação de informação que nos permitirá emitir juízos ou tomar decisões, com vista a
identificar modelos, procedimentos e respostas de qualidade, adequados à realidade e
características da população atendida, a partir do estudo e acompanhamento de uma equipa de
intervenção precoce. O design experimental delineado incorporou diferentes métodos,
instrumentos e participantes. Os primeiros resultados emergem no sentido de identificar
procedimentos que facilitam a construção de um modelo adaptado à realidade portuguesa e
para a identificação de práticas recomendadas.
Apesar de ainda incipientes, dos primeiros dados obtidos é possível perceber a
adequabilidade do design experimental face aos objectivos definidos para este estudo.
O presente estudo consubstancia a realização de uma investigação participada,
aproximando os “investigadores” dos “práticos”, contribuindo certamente para atingir os
objectivos do mesmo.
Da análise dos resultados do Questionário de Auto-avaliação de Padrões de
Qualidade em Intervenção Precoce e da sua discussão com a equipa do STIP, identificou-se a
necessidade de, face à realidade social portuguesa, completar o glossário para aferir e definir
conceitos, uniformizando-os face ao entendimento dos diferentes profissionais. Verificou-se
também a necessidade de proceder à adaptação deste instrumento para a realidade e práticas
portuguesas, principalmente no que se refere ao nível da Comunidade.
Decorrente da análise individualizada dos resultados em cada padrão, emerge a
necessidade de alterar diversas práticas da equipa e proceder à formação dos profissionais
para atingir os níveis de qualidade considerados, internacionalmente, como adequado.
Da análise dos resultados e da sua apresentação à equipa, concluiu-se que os
profissionais com menos tempo de serviço em equipa e/ou intervenção precoce estão menos
habilitados para responder às questões solicitadas, com mais desconhecimento da realidade e
do serviço, pelo que urge uma formação mais cuidada aquando da sua integração no serviço.
Este questionário voltará a ser aplicado no final do estudo - estudo longitudinal – afim
de verificar a evolução ao nível das percepções dos profissionais.
Da análise dos processos, verifica-se que à excepção do índice o que se regista e o
modo como se regista parece estar apenas sob o critério ou controle do responsável de caso.
Face ao ínfimo número de processos já analisados, estas hipóteses estão longe de poder
retratar a realidade da maioria dos processos.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
162

A dialéctica criada no desenvolvimento do estudo, conduz a uma regular recolha e


análise de dados, pelo que poderemos considerar que a emergência de conclusões ocorre de
forma contínua e desta forma contribuir para o desenvolvimento de um modelo de
Intervenção Precoce mais adaptado à realidade Portuguesa e de práticas recomendadas.

Referências
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Psicologia, XVII (1), 7-13.
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VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
163

Soriano, V. (2005). Intervenção precoce na infância: Análise das situações na Europa,


Aspectos - chave e Recomendações. Bruxelas: European Agency for Development in
Special Needs Education.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
164

Avaliação do Ambiente Institucional - Estudo Ecológico Comportamental dos Idosos

Mafalda Duarte (ICBAS- Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - Porto)


mafaldaduarte@hotmail.com

Constança Paul (UNIFAI – Unidade de Investigação e Formação em Adultos e Idosos)

Palavras-Chave:
Idoso, meio, comportamento

Resumo/Abstract:
Este estudo visa estudar a influência do meio e dos factores sociais no comportamento
do idoso institucionalizado. Conta com a aplicação do SERA - “Sistema de Evaluación de
Residencias de Ancianos” de Fernández - Ballesteros (1998) em contexto ecológico
institucional. Tem como objectivos (1) averiguar a relação entre variáveis individuais (como
saúde objectiva e subjectiva) e variáveis subjectivas (avaliação do conforto físico); (2)
predizer o poder das características ambientais (como a possibilidade de interferir nas
políticas institucionais) na influência das capacidades funcionais (como nível de actividades)
dos idosos e por fim (3) verificar quais as relações entre o clima social e outros factores
ambientais experienciados no contexto institucional.

INTRODUÇÃO

Tendo em conta as alterações demográficas provocadas pelo envelhecimento, em toda


a Europa, a que Portugal não fica alheio, e as transformações que ocorrem nas sociedades
actuais, proporcionam-se as condições para que considere o processo de envelhecimento e a
velhice como uma situação problemática a necessitar de apoio social. O reconhecimento da
necessidade de intervir com políticas sociais orientadas para o desenvolvimento e
optimização de respostas sociais, levou ao surgimento de equipamentos do tipo lar de idosos.
Em Portugal, cerca de 51 017 pessoas idosas residem em lares (num total de 1 702
120 pessoas com mais de 65 anos), são maioritariamente mulheres (69%) e 85% dos
residentes tem mais de 75 anos de idade (INE, 2002).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
165

No âmbito da Psicologia Ambiental foram realizados estudos acerca dos ambientes


residências que apontam para uma forte interacção entre condições pessoais e ambientais no
seio do contexto institucional. Baseando-se no modelo de Moos e Lemke (1984), estudado
em Portugal, por Paúl (1995) e com o intuito de incorporar outras variáveis pessoais e
ambientais relevantes para o estudo pessoa – ambiente, Fernández Ballesteros (1998) baseada
na investigação que efectuou em residências para idosos, propôs o Modelo Ecológico
Comportamental.
A principal variável acrescentada, faz referencia ao tempo, nas suas várias
percepções: social, histórico e pessoal como factor que afecta e redefine o contexto e as
próprias condições pessoais. Por outro lado, este modelo valoriza a existência de uma relação
directa entre as condições de saúde e os níveis de desempenho comportamental. Esta relação
influência e é influência por variáreis contextuais e pessoais.
Este modelo atribui grande importância às condições ambientais e sua interacção com
variáveis pessoais, considerando estas últimas na perspectiva do comportamento social (
Fernández Ballesteros, 2000). Para a autora, as condições ambientais devem ser analisadas
tendo em conta a trajectória de vida e a história passada do sujeito. Sendo assim, as condições
ambientais, podem ser afectadas num determinado momento, pelos próprios reportórios de
comportamento do sujeito, apreendidos pela transacção e interacção entre a pessoa e as
circunstâncias do seu passado.
Em suma, a saúde ou qualquer outro tipo de variáveis psicossociais (por exemplo:
bem estar e o nível de satisfação) podem ser explicadas em função da interacção entre as
condições pessoais e as circunstâncias contextuais e ambientais – características física e
arquitectónicas, organizativas e sócio -demográficas.
Este estudo visou o conhecimento aprofundado de duas realidades institucionais
distintas, através da aplicação do SERA - Sistema de Evaluación de Residencias de
Ancianos, de Fernández-Ballesteros, (1998), dando particular ênfase às seguintes escalas -
QIP (Questionário de Informação Pessoal ) e à ECS (Escala do Clima Social) que visam o
comportamento dos idosos e a sua relação com aspectos contextuais.

METODOLOGIA
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
166

i)Caracterização da Amostra

A amostra é constituída por um número total de 64 idosos, 44 a residirem em contexto


institucional público e 20 a residirem em contexto institucional privado. Esta foi criada a
pensar na sua homogeneidade, isto porque apesar de ser composta por idosos a residir em
contextos institucionais diferentes, estes apresentam algumas semelhanças.
Assim, a franja etária dos idosos institucionalizados distribui-se entre 50 e 88 anos de
idade (média etária de 76 anos). Relativamente, ao género 51.6% são do sexo feminino e
48.4% são do sexo masculino. Quanto ao estado civil, esta amostra contempla 40.6% de
idosos viúvos; 32.8% de idosos solteiros e 17.2% de idosos casados. Isto significa que grande
parte destes idosos que recorreram à institucionalização encontravam-se sem cônjuge e/ou
sem companheiro/a.
No que se refere ao nível educacional, 43%não tem qualquer habilitação académica,
são analfabetos; 26.5% sabem ler e escrever, em que alguns frequentaram a 3ª e 4ª classe. Os
restantes enveredaram por cursos profissionais e superiores.
Em termos de actividade laboral, durante a vida activa, 37% foram agricultores e
domésticas; seguidamente com 28% encontram-se sujeitos que desenvolveram actividades
como “ empregados de escritório” e “ funcionários de empresas”. A terceira categoria com
mais peso (19%) prende-se com actividades que estão associadas a costura (nomeadamente o
modelismo); comércio e hotelaria.
Quanto ao tempo de permanência na instituição, 45.3% dos idosos residem há menos
de 5 anos; 37.5% residem entre 5 a 10 anos e 17.2% há mais de 10 anos que estão a residir
em contexto institucional.
No que diz respeito aos motivos que levaram estes idosos a tomarem a decisão da
institucionalização, estes estão directamente associadas, numa primeira instância, a razões
como “ medo da solidão” (32.8%) e “ motivos familiares” (28%). Isto reflecte que o receio
dos idosos estarem sós e de se sentirem sós, constitui um dos motivos que contribui para a
tomada de decisão. Paralelamente, os conflitos com a família, o facto de muitas vezes se
sentirem que são uma sobrecarga, um “fardo” no seio familiar é outro factor preponderante,
que influencia na decisão da opção pela institucionalização. Por fim, é importante salientar
que a maioria dos idosos (87.5%) partilham o seu quarto com mais do que um companheiro/a
na instituição onde residem.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
167

ii) Variáveis e Instrumentos utilizados

Para se estudar as relações ambientais foi necessário uma recolha exaustiva de dados
acerca das características individuais de cada idoso a residir em contexto institucional, bem
como do ambiente social. Para tal, recorreu-se a instrumentos de avaliação que fazem parte
do SERA - Sistema de Evaluación de Residencias de Ancianos, de Fernández-Ballesteros,
(1998). Este é um denso instrumento multidimensional, de avaliação ambiental composto por
9 escalas (as primeiras 5 retiradas do instrumento original MEAP- “Multiphasic
Enviornmental Assessment Procedure” de Moos & Lemke (1984) - e mais 4 escalas
acrescentadas) que são: (1) Inventário das Características Arquitectónicas e Físicas (ICAF);
(2) Inventário das Características Organizativas - Funcionamento ( ICOF); Inventário das
Características do Pessoal e Residente (ICPR); Escala do Clima Social (ECS); Escala de
Avaliação (EA); Lista das Necessidades (LN); Questionário de Informação Pessoal (QIP);
Questionário de Satisfação (QS) e Mapa de Interacção Ambiental do Comportamento
(MICA).
Esta investigação contou com a aplicação do QIP (Questionário de Informação Pessoal)
em que se exploraram as condições específicas de cada idoso. Esta escala tem como objectivo
avaliar variáveis pessoais dos residentes, inclui 44 elementos, divididos por 4 dimensões
relevantes: “ Habilidades Funcionais” (N= 9) – mede o nível de independência, autonomia
dos residentes no desempenho de actividades de vida diária; “ Actividade Pessoal” (N= 13); –
avalia o índice de actividades levadas a cabo pela própria iniciativa dos residentes; “
Integração na Comunidade” (N= 13) – avalia o índice de actividades fora da instituição e por
fim questões relacionadas com a “ Saúde” (N=9) dos residentes, nomeadamente a (1) Saúde
Objectiva: é avaliada através de indicadores objectivos da saúde, tais como o número de
doenças que são diagnosticadas (no presente), número de vezes que foi ao médico (durante o
ultimo mês), número de medicamentos que toma actualmente, ect. a (2) Saúde Subjectiva:
avalia o sentimento de se sentir saudável, de acordo com uma escala de “1” a “5” (mau,
regular, normal, boa, excelente), (3) Queixas de memória: avalia se o sujeito se queixa de
problemas associadas à funcionalidade da memória, bem como de (4) Queixas associadas à
Depressão (Sintomatologia Depressiva).
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
168

Paralelamente, para se avaliar o ambiente social baseamo-nos na ECS (Escala do Clima


Social). Esta é composta por 63 questões a partir das quais se obtêm um perfil do
estabelecimento com sete dimensões, que abrangem o relacionamento entre os indivíduos, o
desenvolvimento do pessoal e a manutenção e mudança do sistema. As dimensões relacionais
englobam uma medida de 1) “Coesão” – grau de apoio que os funcionários dão aos
residentes; 2) “Conflito” – expressão de descontentamento e crítica entre os residentes e em
relação à instituição; 3) “Independência” - encorajar a autosuficiência, autodeterminação e a
responsabilidade dos residentes; 4) “Auto – Exploração” – avalia comportamentos que visam
encorajar a expressão aberta de sentimentos e preocupação dos residentes; 5) “Organização”
– mede a importância da ordem e da organização da instituição; 6) “Influência dos
Residentes” – avalia a medida em que os residentes podem influenciar as regras e a política
da instituição e 7) “Conforto Físico” – aprecia o conforto, a privacidade, a decoração e
agradabilidade do estabelecimento.

Através das análises de regressão linear por passos (SPSS. Versão 14.0) as variáveis
pessoais, como variáveis dependentes, foram relacionadas, uma a uma, com todas as
características pessoais dos residentes (sexo; estado civil; escolaridade, tempo de
permanência da instituição; motivos de ingresso; capacidades funcionais; nível de
actividades; integração na comunidade; saúde física - número de medicamentos tomados,
queixas relacionadas com problemas de saúde actuais, queixas relacionadas com a memória e
com a depressão, bem como com problemas em relação à capacidade visual e auditiva - a
saúde percepcionada pelos mesmos) e com todas as variáveis ambientais (a coesão vivida na
instituição; o conflito experenciado; a independência dos residentes; a auto-exploração; a
organização geral do equipamento; a influência dos residentes e o conforto físico avaliado)
considerando-as variáveis independentes.
Seguidamente, a totalidade destas dimensões sociais foram consideradas variáveis
dependentes e relacionadas com todas as variáveis pessoais e ambientais (independentes).

iii) Resultados e Conclusão


VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
169

A partir da análise dos coeficientes de regressão, obtiveram-se os seguintes resultados


mais significativos que estão ilustrados na Tabela 1. Todas as outras variáveis introduzidas
nos modelos não se relacionaram de forma significativa com as restantes.
Quando a saúde percebida foi utilizada como variável dependente, os resultados
demonstram que as variáveis preditoras eram as queixas de memória, organização da
instituição e o nível de actividades do idoso. Este conjunto de variáveis explica 43% da
variância da saúde percebida dos residentes (R²= 0.43, P <0.001). Desta forma, a avaliação da
saúde percebida do idoso institucionalizado depende da apreciação que este faz das suas
queixas de memória (β = - 0.28), da organização geral do equipamento (β = 0.34) e do
número de actividades sócio recreativas e de lazer em que participa na instituição (β = 0.25).
Numa segunda análise, tentamos estudar a influência de algumas dimensões pessoais
e físicas na avaliação das queixas de memória dos residentes. Os resultados mostram que a
saúde objectiva do idoso é influenciada pela capacidade de visão e pela sua auto percepção de
saúde (R²= 0,23, P <0.001). Estas são as variáveis que mais significativamente influenciam as
queixas relacionadas com capacidade de recordar e explicam 23% da sua variância. Assim,
pode-se observar que as queixas relacionadas com a avaliação deste processo cognitivo são
influenciadas pela auto-percepção de saúde (β = -0.25) e pela alteração da capacidade visual
(β = 0.25) dos idosos.
Seguidamente, estudamos a possível influência de variáveis pessoais e
organizacionais nas queixas de Depressão dos residentes. Os resultados mostram que a
variável saúde objectiva (β = -2.27), mais especificamente o número de medicamentos
administrados pelo residente e a avaliação que este faz acerca da possibilidade/oportunidade
que tem para expressar de forma aberta sentimentos e preocupações (β = 0.23) explicam 20%
da variância da depressão. Isto significa que as queixas relacionadas com a sintomatologia
depressiva no idoso institucionalizado dependem essencialmente de duas componentes: uma
componente objectiva (número de medicamentos ingeridos diariamente) e uma componente
subjectiva (características de exploração afectiva e emocional do meio).
Quando o nível de actividades dos residentes foi utilizada como variável dependente
os resultados demonstram que as variáveis: saúde percepcionada dos residentes (β = 0.44) e o
grau de independência (β = 0.25) explicam 28% da sua
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
170

Relações Pessoais e Ambientais entre idosos que habitam em contexto Institucional

Variável Dependente Variável Independente R² F Sig β T Sig

0.43 11.4 0.000


Queixas de Memória 0.28 -2.88 0.007
Saúde Percepcionada Organização 0.34 1.38 0.002
Nível de Actividades 0.25 1.82 0.026
0,23 6.1 0.001
Queixas de Memória Saúde Objectiva 0.25 2.17 0.034
Saúde Percepcionada -0.25 -2.07 0.042
0.20 5.2 0.003
Queixas Depressivas Saúde Objectiva -2.27 -2.29 0.020
(depressão) Auto - Exploração 0.23 1.99 0.050

0.28 12.27 0.000


Saúde percepcionada 0.44 4.08 0.000
Nível de Actividades Independência 0.25 2.32 0.023
0.45 9.72 0.001
Coesão Independência 0.26 2.36 0.021
Organização 0.44 3.75 0.000

0.06 4.34 0.041


Conflito Coesão -0.25 -2.09 0.041
0.23 9.2 0.000
Depressão 0.29 2.64 0.010
Auto - Exploração Influencias
0.39 3.52 0.001
0.26 5.38 0.001
Auto Exploração 0.33 2.92 0.005
Influências Conforto 0.26 2.14 0.036
0.38 5.88 0.000
-0.22 -2.03 0.046
Conforto Tempo de permanência 0.25 2.13 0.037
Saúde percepcionada 0.25 2.32 0.024
Influencia dos residentes
Tabela 1. Resultados: Coeficientes de analise de regressão linear
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
171

variância. (R²= 0.28, P <0.001). Assim, o nível de actividades sócio recreativas e


de lazer, tais como: ver televisão, ouvir música, ler um jornal ou livro, escrever (cartas,
poemas, etc.), coser, bordar, participar em jogos, desenhar ou pintar, cuidar de plantas,
etc. realizadas pelo idoso na instituição prendem-se, essencialmente com a sua
percepção de saúde e com a sua auto-suficiência, autodeterminação e a sua própria
responsabilidade enquanto sujeito activo no seu meio envolvente.
No que se refere às dimensões sociais mais precisamente à coesão, verificamos a
partir dos resultados obtidos, que duas variáveis, uma pessoal e outra de características
organizacionais têm uma relevância significativa (R²= 0.46, P <0.001) explicando 45%
da variância de coesão. Assim, o grau de independência dos residentes - autonomia (β =
0.26) e a forma como a instituição está organizada (β = 0.44), numa forma geral
condicionam o apoio que o pessoal funcionário canaliza para os idosos a residir na
instituição.
Na tentativa de se perceber o que influencia a expressão de descontentamento e
de crítica entre os residentes e para com a instituição, foram efectuadas análises de
regressão, em que apenas uma característica do clima social, a Coesão (R²= 0.45, P
<0.001) explica 45% da variância de conflito. Isto significa, que o grau de apoio que os
funcionários disponibilizam para os residentes (coesão – β = - 2.09) prediz as relações
interpessoais dos residentes e o desagrado com o próprio equipamento.
Analisando a influência de variáveis pessoais e ambientais, na avaliação da auto
exploração dos idosos, os resultados demonstram que dois factores, um de ordem
pessoal – queixas de depressão (β = 0.29) e outro de ordem ambiental – influência dos
residentes (β = 0.39) predizem significativamente (R² = 0.23, P <0.001) a sua variação
(23%). Isto é, a avaliação da capacidade e oportunidade dos idosos expressarem e
manifestarem de forma aberta os seus sentimentos, emoções e desejos, depende das
queixas de depressão apresentadas e da apreciação que os próprios sustentam acerca da
sua influência na implementação de regras e políticas de gestão no meio residencial.
Seguidamente ao estudarmos a interferência das variáveis ambientais na
capacidade de influência dos residentes no seu contexto habitacional e a partir dos
resultados obtidos constatamos que a avaliação da auto exploração (β = 0.33) e do
conforto físico (β = 0.26) explicam parte dessa variação (26%). É do ponto de vista
estatisticamente significativo (R²= 0.26, P <0.001) que estas variáveis ambientais
interferem na forma como os idosos influenciam na implementação de regras e políticas
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
172

da instituição. Sendo assim, a capacidade de influência dos idosos a residirem num


equipamento para idosos, depende das condições ambientais do contexto institucional
em que estão inseridos, mais precisamente da avaliação da possibilidade de partilha do
“eu” e pela apreciação de conforto físico.
Por fim, estudamos a influência das características individuais e organizacionais
na percepção do conforto físico dos idosos institucionalizados. Os resultados mostram
que é estatisticamente significativo (R²= 0.38, P <0.001) a influência das seguintes
variáveis na sua variação (38%): o tempo de permanência na instituição (β =- 0.22), a
saúde percepcionada pelo residente (β = 0.25) e a influência do mesmo na
implementação de regas e normas no seu ambiente habitacional. Ou seja, a noção de
conforto do idoso a residir num equipamento para idosos, depende essencialmente, do
tempo que reside na instituição, da sua auto percepção de saúde e da liberdade que lhe
proporcionam para participar activamente nas políticas organizativas da instituição.

De acordo com os resultados obtidos, observa-se uma rede densa de inter –


relações entre condições pessoais e ambientais, em idosos a viverem num equipamento
do tipo lar para idosos. Numa tentativa de se sintetizar estas relações foi elaborado o
seguinte quadro, no qual estão apresentadas as mais significativas considerando a
interacção ambiente – residente.

Interacções Ambiente – Residente


Variáveis do Idoso
Quanto mais queixas de memória apresentadas pelo
residente pior é percepcionada a sua saúde.
A organização geral da instituição influencia a saúde
percebida do sujeito idoso. Assim, uma instituição que
Saúde Percepcionada funciona com método e ordem potencia uma boa auto
percepção de saúde.
As actividades sócio – recreativas e de lazer em que o
idoso participa/ colabora na instituição interferem
positivamente na sua avaliação de saúde. O idoso
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
173

activo na instituição percepciona melhor a sua saúde.

As queixas relacionadas com capacidade visual estão


directamente relacionadas com as queixas de memória
Queixas de Memória apresentadas pelo idoso institucionalizado.
Quanto mais problemas relacionados com a visão mais
mencionadas são as queixas de memória.
Quanto melhor o idoso se sente de saúde menor são as
queixas relacionadas com os problemas de memória.
Quanto menor for a ingestão diária de medicamentos
mais persistem as queixas relacionadas com a
Queixas Depressivas sintomatologia depressiva (depressão).
(depressão) Quanto mais o meio proporcionar condições para a
partilha de sentimentos, emoções e desejos dos
residentes, maior são as queixas de depressão
salientadas pelos mesmos.

Quanto melhor se sentir de saúde, mais o idoso


participa activamente nas actividades sociais,
recreativas e de lazer, levadas a cabo pela instituição.
Nível de Actividades Quanto mais autónomo funcionalmente for o idoso
mais apresenta capacidade e motivação para colaborar
nas actividades diversas programadas pelo
equipamento.
Variáveis Ambientais
Quanto maior for o apoio funcional e emocional do
pessoal funcionário disponível para os residentes mais
independentes os idosos se tornam.
Coesão Quanto melhor estiver organizada a instituição, melhor
é gerido este apoio aos residentes, em função das suas
capacidades físicas, mentais e emocionais.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
174

Quanto menor o apoio dado aos residentes pelo pessoal


funcionário, mais conflituosas são as relações
Conflito interpessoais entre ambos.

Prevalecem as queixas de depressão, no meio


habitacional em que mais se permite a partilha de
sentimentos e a exploração do “eu”.
Quanto mais o idoso participa activamente na
implementação das regras e normas, assumindo uma
Auto - Exploração postura dinâmica no meio onde reside mais o seu
contexto envolvente permite a exploração afectiva e
emocional do sujeito idoso.
Quanto mais o meio residencial permite a exploração
do sujeito, em relação ao seu “eu” mais este tende a
assumir uma postura interventora.
Influencias no Meio Quanto mais confortável se sentir o idoso, em relação
ao meio onde reside mais este participa activamente na
implementação de medidas e programas no seio
habitacional.
A medida que o idoso permanece na instituição, menos
confortável se sente.
Quanto melhor a sua auto- percepção de saúde melhor
Conforto é a sua noção de conforto físico.
Quanto mais influente for o sujeito no seu meio
envolvente, mais confortavelmente se sente a residir
nesse mesmo meio habitacional.
Tabela 2. Principais resultados referentes à influencia do meio no comportamento do
idoso institucionalizado.

A partir deste quadro observa-se um sumário das relações constatadas neste


estudo. Desta forma, torna-se pertinente debruçarmo-nos sobre elas, para se poder tirar
ilações importantes acerca das interacções entre características pessoais e ambientais
(físicas e organizacionais). Com o objectivo de se perceber e perspectivar até que ponto
estas interferem na conduta comportamental do residente.
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
175

Conclusão
Globalmente, observa-se uma íntima relação entre variáveis pessoais, tais como:
saúde percepcionada; nível de actividades e independência como é postulado em alguns
modelos teóricos, (Lawton, 1977, Baltes, 1982; Fernandez – Ballesteros, 1983; Moos e
Lemke, 1996) citados anteriormente.
O estudo da avaliação da saúde (tanto a objectiva como a subjectiva) do idoso
institucionalizado é um importante factor que influencia não só aspectos subjectivos,
como queixas de memória e nível de actividades como a própria noção de conforto
físico.
Ressalta-se a influência do ambiente residencial sobre factores pessoais, como
muitos autores afirmam (Kahana, 1975; Lawton, 1997; Carp e Carp, 1984; Kodama,
1988). Especificamente, neste estudo, os resultados mostram que as seguintes
características ambientais: 1) capacidade de influência no meio (políticas de escolha); 2)
características organizacionais; 3) grau de apoio canalizado para os residentes e 4) a
noção de conforto físico predizem o comportamento do idoso a residir em contexto
institucional. Outras relações encontradas, são exemplos interessantes da influência
ambiental na conduta comportamental do idoso.
De facto, as condições do ambiente predizem a auto declaração da depressão nos
residentes. É importante salientar que um ambiente que proporcione a partilha de
sentimentos e emoções acaba por ser um meio que potencia a exteriorização de
sentimentos de tristeza e angústia vividos pelo idoso. Assim, cada unidade ecológica
deve ter em atenção, que para além de prestarem cuidados formais, acompanhamento
nas actividades de vida diária (AVD) e nas actividades instrumentais de vida diária
(AIVD), devem assegurar um ambiente facilitador à exploração afectiva e emocional do
“eu” do idoso.
Outro aspecto importante a salientar, diz respeito à promoção da independência
que acarreta um relacionamento próximo com o nível de actividades dos residentes, no
seu meio habitacional. Como tem sido realçado por vários autores, a influência de
características ambientais num estilo de vida saudável (tal como o elevado nível de
actividades e independência) conduz à promoção de um envelhecimento saudável
(WHO, 1990). Neste estudo constatamos que a intenção do idoso participar nas
actividades sócio – recreativas e de lazer levadas a cabo na instituição depende da sua
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
176

condição física (estado funcional). Por sua vez, o idoso que participa dinamicamente é
aquele que se sente melhor com o seu estilo de vida e com a sua saúde. Assim, o meio
institucional ao optimizar a independência dos residentes, dando-lhes oportunidade para
desenvolverem determinadas tarefas (concedendo o tempo necessário para tal) e ao
potenciar a participação nas actividades, está a contribuir para um processo de
envelhecimento activo, e por isso saudável.
Em relação à saúde percepcionada pelo idoso institucionalizado, concluímos que
esta é compreensível à luz de dois tipos de variáveis, considerando-se as condições
pessoais: queixas de memória e actividade pessoal, bem como por condições
ambientais, como as características organizacionais do equipamento. Segundo Little
(1988), as expectativas do ambiente social e a forma como este se apresenta predizem a
saúde subjectiva dos intervenientes ambientais. Assim, salienta-se a importância de uma
boa gestão organizacional, pois esta interfere no comportamento adaptativo do idoso. É
importante que o equipamento tenha presente esta interacção, porque todos os membros
da equipe institucional contribuem de algum modo, para a percepção de saúde do idoso,
que é por outro lado, um critério crucial para a saúde e bem-estar do mesmo
(Fillenbaum, 1984).
No que diz respeito, à interacção entre dimensões psicossociais, a relação mais
evidente prende-se com o conflito e com a coesão. Isto significa que o apoio que o
pessoal funcionário despende para os residentes é um factor importante para minimizar
o descontentamento, os comportamentos agressivos, desafiadores e destrutivos entre os
residentes. Desta forma, apela-se à informação e ao conhecimento do staff para a
pertinência destas questões, pois o desempenho dos agentes de geriatria contribui para a
estabilidade do ambiente vivido entre os idosos institucionalizados.
Posteriormente, estudadas as dimensões do clima social, constatamos que a
avaliação do conforto bem como da coesão entre residentes são prenunciadas por outros
factores, também ambientais, ao contrário dos estudos de Izal (1992), em que as várias
dimensões do clima social eram apenas associadas ao tamanho das instalações da
instituição, e não com outras características ambientais.
Assim sendo, a avaliação do conforto físico feito por um idoso institucionalizado
depende do tempo que ele reside na instituição. Pois à medida que o idoso permanece
mais tempo na instituição, mais negativamente avalia os aspectos físicos do meio onde
reside. Por outro lado, esta mesma avaliação do conforto depende do auto – percepção
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
177

de saúde do idoso institucionalizado. Isto significa que se o sujeito se sentir bem com a
sua saúde física e psicológica, tende a estimar melhor o seu meio físico envolvente. Por
fim, a postura activa do sujeito no seu meio residencial, também interfere na sua
avaliação de conforto físico. Desta forma, o idoso que participa activamente na
implementação de normas e políticas na instituição onde reside, avalia mais
satisfatoriamente este aspecto físico do ambiente em que está inserido. Estas relações
tornam-se bastante importantes para percebermos que sendo o contexto físico sempre o
mesmo, a avaliação deste depende bastante de variáveis temporais, pessoais e
ambientais.
Outra dimensão do clima social, importante para este estudo, refere-se à coesão
observada em contexto institucional. O desempenho do pessoal funcionário depende do
estado funcional (autonomia) dos residentes e da organização da instituição. Isto quer
dizer que quanto mais dependentes forem os idosos mais disponibilidade apresenta o
pessoal funcionário para o acompanhamento ao idoso. Este acompanhamento técnico
qualificado é importante para potenciar a independência dos idosos residentes. Estas
relações tornam-se cruciais, pois de alguma forma apelam para a importância da
informação e do conhecimento que o agente de geriatria deve assegurar. Isto porque o
desempenho da sua conduta profissional tem impacto no idoso, ao nível físico e
emocional. Outro ponto importante, diz respeito à própria organização da instituição.
Ressalva-se que quanto melhor estiver organizado o equipamento, melhor é gerido este
apoio dado aos residentes, em função das suas características físicas, mentais e
emocionais. Assim sendo, os modelos de gestão de um equipamento para a terceira
idade têm de ter em atenção questões tão importantes como esta. Uma administração
que lide com método e ordem acaba por promover, de alguma forma, uma intervenção
ajustada aos residentes.

Até agora discutimos algumas relações entre diferentes tipos de características


pessoais e dimensões ambientais em equipamentos para idosos, que foram consideradas
especialmente relevantes, tendo como base os resultados deste e de outros estudos.
Salienta-se os resultados do trabalho desenvolvido por Fernández–Ballesteros (1998),
em que se observaram relações ambientais coincidentes com o estudo agora
desenvolvido. Denote-se que o trabalho desta autora tem uma mais valia, por ser
representativo das residências para idosos, em Espanha e porque, nos seus resultados
VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia
178

acrescem um ponto essencial, no que diz respeito à exploração da variável pessoal – a


satisfação dos idosos.
Indubitavelmente, este trabalho não esgota todas as possibilidades de relações e
interacções em contexto institucional. Contudo, em jeito de conclusão final, gostaríamos
de sublinhar os principais pontos deste estudo. Primeiro, a importância das relações de
diferentes variáveis pessoais nos idosos, realçando a influência da auto percepção de
saúde entre muitos outros aspectos. Segundo, o poder de predizer as características
ambientais (físicas e organizacionais) que influenciam a conduta comportamental do
idoso a residir em equipamentos para idosos. Terceiro a forte relação entre condições
específicas do ambiente institucional.
Resumindo, este estudo tentou explorar a interacção entre variáveis pessoais e
ambientais com contexto institucional para idosos. A continuidade deste trabalho
através de outros estudos empíricos, com o objectivo de fornecer evidências
proporciona mudanças positivas nestes contextos e contribui para a promoção de saúde
e bem-estar nos idosos que vivem nas instituições.

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