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Temas Contemporâneos

da Educação
Ana Cristina Gipiela Pienta

Curitiba
2014
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária - Cassiana de Souza CRB9/1501

T278 Temas contemporâneos da educação / organização de Ana


Gipiela Pienta. – Curitiba: Fael, 2014.
314 p.: il.
ISBN 978-85-8287-062-4

1. Educação I. Pienta, Ana Gipiela


CDD 370

Direitos desta reservados a FAEL.


É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização expressa da FAEL

EDITORA FAEL
Gerente Editorial Denise Gassenferth
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Revisão Ieda Maria Janz Woitowicz
Revisão Técnica Ieda Maria Janz Woitowicz
Diagramação Katia Cristina Santos Mendes
Capa Katia Cristina Santos Mendes
Imagem capa Shutterstock.com/horoscope
Sumário
Apresentação  |  5

1 Temas contemporâneos da educação  |  7

1.1 Multicultuarismo  |  9

2 Educação na atualidade: multiculturalismo, diversidade


étnica-racial e de gênero e inclusão  |  27

2.1 Gênero e Cultura  |  29

2.2 Gênero, uma construção social  |  41

2.3 Relações étnico-raciais e diversidade na escola  |  65

2.4 Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade  |  101

3 Educação, trabalho e cidadania  |  131

3.1 Mundo do trabalho e educação  |  135

3.2 O trabalho como princípio ativo  |  155

3.3 Cidadania, direitos humanos e o direito à educação  |  175

3.4 Educação como direito da criança  |  193

3.5 Saberes e fazeres pedagógicos na contemporaneidade  |  207

3.6 Desafios da prática pedagógica frente ao


novo paradigma educacional  |  209

4 Educação, meio ambiente e sustentabilidade  |  219


4.1 Educação ambiental: definição e emergência do tema  |  221

4.2 Desafios da educação ambiental na sociedade do conhecimento  |  231

4.3 A educação ambiental e a formação de professores  |  241

4.4 Educação, meio ambiente e interdisciplinaridade  |  253

4.5 Ecopedagogia, ética e sustentabilidade  |  261

4.6 O papel da ecopedagogia na sustentabilidade  |  271

Referências  |  279
Apresentação

Ao propormos a reflexão sobre “temas contemporâneos da


educação” lançamos o desafio de fazer com que o educador reflita
sobre a sociedade e o rumo que essa impõe à sua vida e à de seus
educandos. Isso porque os questionamentos centram-se em: quais
seriam os temas contemporâneos relevantes, importantes para o
fazer docente? O que não pode, simplesmente, ser ignorado pelo
processo educacional? Quais os preconceitos, mitos, estereótipos,
que precisam ser superados?
Temas como diversidade, multiculturalismo, inclusão, susten-
tabilidade, cidadania, tecnologia e informação, vêm provocando
Temas Contemporâneos da Educação

mudanças e desequilíbrios estruturais no campo da educação. Tais mudan-


ças exigem transformações nos sistemas educacionais que se veem confron-
tados com novas funções e desafios.
O papel da educação transforma-se, as estratégias modificam-se, frente
a novos desafios e modelos de sociedade, de homem, de trabalho, de vida.
Cabe à educação abrir-se para novas discussões, voltando-se para o objetivo
de um processo de formação que emancipe o educando.

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1
Temas contemporâneos
da educação
Luciana de Luca Dalla Valle

Muitos foram os percursos da educação brasileira, ao longo


dos anos. Do modelo de educação trazido pelos jesuítas, passando
pelas muitas reformas educacionais, considerando métodos,
objetivos e caminhos diferentes, a sociedade e os profissionais da
escola elegeram prioridades dentro da educação, em cada tempo,
tais como: métodos de alfabetização, idade inicial para ingresso no
ensino fundamental, aspectos cognitivos e sócio - interacionistas,
educação como ato político, alfabetização de adultos, entre outros
desse imenso universo educativo.
Mas, assim como a história, a educação é um processo em
permanente construção. Por esse motivo, a cada novo período
surgem temas que sugerem reflexões mais apuradas, pois retratam as
buscas da escola no contexto atual.
Temas Contemporâneos da Educação

Identificamos alguns desses temas, neste trabalho, tendo a consciência


de que são complexos e extensos (daí a sugestão de você leitor, interessar-se
pelas leituras complementares que os links sugerem) e que de forma alguma
irão esgotar-se nas linhas deste artigo.
O que pretendemos é suscitar reflexões que possam formar em cada
professor, além de um panorama histórico da educação contemporânea, a
noção da responsabilidade do ato educativo e da própria função e importância
do ser professor.

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1.1

Multiculturalismo

Segundo o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa,


multiculturalismo é a “prática de acomodar qualquer número
de culturas distintas, numa única sociedade, sem preconceito ou
discriminação”. Segundo Del Priori, o termo “multiculturalismo”
designa tanto um fato (sociedades são compostas de grupos
culturalmente distintos) quanto uma política (colocada em
funcionamento em níveis diferentes) visando à coexistência pacífica
entre grupos étnica e culturalmente diferentes.
Relacionar, no Brasil, multiculturalismo e educação, pode
parecer, no primeiro instante uma tarefa fácil. Vamos a algumas
considerações sobre isso para o entendimento da complexa relação
entre essas duas ideias: a formação étnica no país se fez em grandes
ciclos migratórios, juntamente com a cultura indígena e africana
e as fusões e sincretismos foram, por assim dizer, inevitáveis, com
Temas Contemporâneos da Educação

isso acabaram formando uma diversidade cultural que veio a ser uma das
maiores características da população deste país. Dessa forma, temos no Brasil
um exemplo de multiculturalismo, que se reflete na educação, visto que as
escolas acolhem alunos de diferentes culturas, que convivem lado a lado, o
que possibilita afirmar que o multiculturalismo é a base da escola e portanto,
um tema presente nas escolas brasileiras.
Porém, ao olharmos com apuro para o tema, podemos destacar alguns
pontos e aumentar a reflexão: primeiro: a relação entre diferentes culturas não
é tão harmônica no campo escolar (que em última instância reflete também
os interesses, valores e necessidades da sociedade em que se insere) e segundo
tema multiculturalismo é relativamente novo no universo da escola, como
objeto de estudo como afirma Fleuri, p.123
O debate sobre as relações multiculturais e interculturais na educação
e nos movimentos sociais é bastante recente no Brasil, [...] trata-se de
um debate complexo, em que interagem diferentes vertentes teóricas
e políticas e em que é preciso manter o foco sobre a especificidade das
relações culturais em nosso contexto brasileiro.

Voltamos ao conceito do multiculturalismo como sendo a prática


de agregar culturas distintas, numa única sociedade, sem preconceito ou
discriminação e vemos saltar aos nossos olhos preconceitos e discriminação
no ambiente escolar. Como lidar com isso?
Em primeiro lugar, refletindo sobre o papel da escola. Edgar Morin,
abordou sobre esse tema no limiar do século XXI. Em entrevista concedida à
equipe do programa Um Salto para o Futuro, 2004, ele diz que:
O papel da escola passa pela porta do conhecimento. É ajudar o ser
que está em formação a viver, a encarar a vida. Eu acho que o papel da
escola é nos ensinar quem somos nós; nos situar como seres humanos;
nos situar na condição humana diante do mundo, diante da vida; nos
situar na sociedade; é fazer conhecermos a nós mesmos [...].

Ao afirmar que o papel da escola é o de situar a condição humana diante


do mundo, como seres humanos, Morin remete à questão da cultura que nos
faz seres humanos diferentes uns dos outros. Tal cultura está impressa em cada
uma das pessoas e presente nos relacionamentos. Não se trata obviamente
de simplificar o tema, culpando a diversidade cultural como elemento
desestruturador dos relacionamentos. Trata-se de integrar as culturas, de

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Multiculturalismo

estudá las, de procurar semelhanças e diferenças que sustentem a democracia.


Como alerta Priori:
Pesquisadores de todas as áreas insistem sobre a necessidade de cons-
truir uma verdadeira “educação intercultural”. Apresenta-se, aí, a oca-
sião de um aprendizado democrático. [...] no qual a comunicação
cultural é possível: democracia feita de respeito à alteridade cultural e
de tolerância. É, também, a ideia de uma “democracia inclusiva”, na
qual as comunidades não se definiriam mais pela exclusão.

Aos professores, o desafio de compreender o processo de multiculturalismo


e fazê-lo acontecer nas práticas pedagógicas. Essa, aliás, é uma preocupação
também de documentos oficiais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais,
apresentam os temas transversais como temas que devem ser incorporados
no trabalho educativo da escola, sem, contudo, fazerem parte de uma só área
de conhecimento. Dessa forma, ao apresentarem seus temas transversais,
os PCNs convidam a escola para o debate acerca de: ética, meio ambiente,
saúde, orientação sexual e pluralidade cultural, essa última relacionada ao
multiculturalismo. Ao abordar os temas transversais, (em específico para
nosso estudo, a pluralidade cultural), os textos oficiais possibilitam que
questões sociais sejam apresentadas na formação do professor e almejadas na
aprendizagem e reflexão dos alunos.
O desafio que se apresenta aos profissionais da escola é investir na
superação da discriminação, oportunizando que as pessoas possam conhecer
a riqueza étnico - cultural que forma o Brasil. Desta forma, a escola precisa
incorporar em seu currículo a história e a cultura dos afrodescendentes e
indígenas, bem como a valorização e a cultura do homem do campo e o legado
cultural das diferentes etnias que compõem o mosaico cultural brasileiro.
Assim, a escola deve ser um local de diálogo e convivência, de vivência da
própria cultura e das diferentes formas de expressão cultural (BRASIL, 1997).

1.2 Inclusão
Não há como tratar o tema educação contemporânea, sem uma
abordagem que contemple a inclusão. O termo inclusão remete à ideia de um
processo social em que

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Temas Contemporâneos da Educação

a sociedade começa a perceber a existência de pessoas portadoras de


deficiência e a se organizar, para acolhê-las e, de outro, as próprias
pessoas com deficiência começam a se mostrar, a reivindicar seus espa-
ços, a exercer seu papel de cidadãs (GIL, 2002).

Inicialmente a inclusão foi considerada uma inovação da educação


especial, mas atualmente, o conceito de inclusão permeia todo o contexto
educativo de forma a proporcionar uma educação de qualidade para todos.
Nesse aspecto reside a reflexão que propomos nesse tema: de que forma a
escola pode ofertar uma educação de qualidade, transformando-se realmente
em uma escola inclusiva?
Em primeiro lugar, vamos considerar que a inclusão, partindo do
pressuposto da qualidade, exige da escola brasileira modernização, quebra
de paradigmas e posicionamentos profissionais que precisam ser alterados,
em muitos casos necessitam de modernização. Desta forma, é quase uma
reestruturação da escola em direção à atualização. E isso demanda esforços
e vontade.
Segundo Ballard (1997) as características fundamentais da inclusão são:
a não discriminação das deficiências, da cultura e do gênero. Para esse autor,
todos os alunos têm o mesmo direito de acesso a um currículo culturalmente
valioso, serem e se sentirem membros de uma turma. Novamente voltamos
ao tema que exige da escola constante atualização.
Apenas recentemente, a escola trata das questões da inclusão. A história
da educação especial mostra que o caminho percorrido é extenso. Para citar
somente uma manifestação da sociedade sobre esse tema, destacamos que em
1994, desenvolveu-se na cidade de Salamanca, na Espanha, a Conferência
Mundial sobre “Necessidades Educativas Especiais”. Essa conferência é a
chamada Declaração de Salamanca e o documento que resultou dela, foi
um grande impulso ao desenvolvimento da educação inclusiva nas práticas
educativas contemporâneas.
A seguir, elencaremos os princípios abordados na Declaração de
Salamanca, que devem fundamentar as ações educativas atuais, resultado da
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, realizada
entre 7 e 10 de junho de 1994, na cidade espanhola de Salamanca:

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Multiculturalismo

ÙÙ Cada criança tem o direito fundamental à educação e deve ter


a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de
aprendizagem.
ÙÙ Cada criança tem características, interesses, capacidades e
necessidades de aprendizagem que lhe são próprias.
ÙÙ Os sistemas de educação devem ser planejados e os programas
educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade
cultural e as características e necessidades de cada aluno.
ÙÙ As crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem
ter acesso às escolas regulares, que se devem se adequar a esses
alunos através de uma pedagogia centrada na criança e indo ao
encontro de suas necessidades.
ÙÙ As escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem
os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias,
criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma
sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos. Além disso,
proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e
promovem a eficiência, numa ótima relação custo-qualidade, de
todo o sistema educativo.
Portanto, ao tratar de educação inclusiva, atualmente, estamos falando
de direitos, do fato de que todas as crianças devem ser bem- vindas à escola
e dela receber uma educação de qualidade, que leve em conta seu pleno
desenvolvimento. Para que isso se efetive na prática educacional, a escola
precisa estar preparada para receber as crianças sob sua responsabilidade e
poder oferecer vivências e oportunidades para que elas se desenvolvam.
Certamente, caberá aos professores boa parte desse desenvolvimento.
Não se pode querer que a inclusão seja uma determinação de uma instância
superior. Sendo o professor a pessoa que vai lidar diariamente com a criança,
ele tem o direito de ser informado sobre como fazê-lo e receber meios do
sistema de ensino para que isso se efetive. Dessa forma, a inclusão passa a
ser realmente uma meta de toda a escola, dos pais e, consequentemente,
da sociedade.

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Temas Contemporâneos da Educação

1.3 Gênero e sexualidade


As questões de gênero e de sexualidade estão presentes em todos os níveis
das escolas brasileiras, desde a educação infantil. Sabemos que é a identidade
de gênero que possibilita à criança reconhecer se como pertencente ao gênero
masculino ou feminino, com base nos relacionamentos que se estabelecem a
partir do seu nascimento.
Não se trata do aprendizado de papéis pura e simplesmente, de forma
a adequar-se à expectativa de seu grupo, mas sim, de uma construção de
identidade, do seu próprio reconhecimento como pessoa.
A maneira como a família e a escola agem em relação às meninas e aos
meninos é fundamental no processo de constituição da identidade de gênero.
Porém, mesmo com as transformações ao longo dos anos, a escola
reproduz em seu meio a diferenciação que a própria sociedade ainda faz entre
homens e mulheres, trazendo, via de regra, muitas concepções preconceituosas
construídas com base nas diferenças de sexo.
Como a questão de gênero é um tema recorrente na sociedade, muitas
vezes pode parecer que a escola não tem como lidar com isso de forma diferente.
Para essa reflexão, retomemos o que se espera da escola: um local que
oportunize vivências, que construa conhecimentos e que forme cidadãos críticos
e conscientes. Ora, se a escola é o local dessa formação, é por natureza um espaço
onde o preconceito deve estar minimamente (se não anulado) representado.
Os profissionais da escola precisam tomar para si a responsabilidade
de refletir sobre as questões de gênero e alterar as bases desse preconceito
para com homens e mulheres. Reconhecer que o preconceito existe e
trabalhar com ele. O que não é tarefa fácil. Esse preconceito está de tal
forma intrínseco nas bases culturais, que nos parece aceitável que, mesmo
na escola de educação infantil, a professora escolha as cores azul e rosa para
separar seus alunos e seja difícil aceitar que um professor do sexo masculino
possa ser tão competente no trabalho com crianças pequenas quanto sua
colega do sexo feminino.
Há de se considerar alguns perigos: não basta que professores e professoras
tratem de forma similar meninos e meninas. O preconceito ainda está muito

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Multiculturalismo

impregnado na cultura brasileira, sendo preciso falar sobre o assunto, desvelar


as expectativas e os saberes dos alunos de forma a auxiliá-los a compor novos
referenciais, diferentes até mesmo dos antigos contos de fadas, onde a princesa
espera pelo príncipe que vem salvá-la.
Para o professor e, principalmente, para a professora, essa não é uma
missão de fácil execução. Como professores e pertencentes a um gênero,
fomos criados achando naturais muitos dos preconceitos que validamos em
nossas ações. Para que possamos trabalhar com as questões de gênero na
escola, temos que desconstruir muitas verdades presentes em nossa formação
acadêmica e pessoal.
O fato é que, mesmo com toda a dificuldade, o tema precisa ser tratado,
uma vez que a opinião e as atitudes dos professores são fundamentais para a
construção do que é ser menino e menina.

1.4 Sociedade, tecnologia e educação:


múltiplas relações
Como é do conhecimento de todos, ocorreram, no terceiro milênio,
alterações significativas na vida das pessoas. Diariamente, surgem artefatos
tecnológicos que passam rapidamente das prateleiras das lojas para a vida
cotidiana da população.
A chamada expansão tecnológica também está alterando significativamente
as formas de comunicação e relacionamento, pois a sociedade contemporânea
está descobrindo, a cada dia, como o uso de recursos tecnológicos – juntamente
com as novas formas de trânsito de informação – tem possibilitado a
transformação pessoal na percepção do mundo, nos valores e nas formas de
ação que dela decorrem.
Com relação a isso, Perrenoud (2000, p. 126) afirma que “as novas
tecnologias da informação e da comunicação transformaram espetacularmente
não só nossas maneiras de comunicar, mas também de trabalhar, de decidir,
de pensar”.
Passamos neste momento por uma brutal mudança de paradigmas
da sociedade, em que a geração das novas tecnologias, com a avassaladora

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Temas Contemporâneos da Educação

quantidade de informações disponíveis, amplia vertiginosamente a velocidade


das mudanças. Muito mais que somente uma questão tecnológica, esse fato
precisa ser entendido sob a ótica social, na medida em que representa não
só uma mudança no cenário da tecnologia em si, mas sim no conjunto de
transformações técnicas, ideológicas, estéticas, políticas e educacionais dos
séculos XX e XXI, notadamente as mídias, as Tecnologias da Informação, o
computador e o acesso às redes sociais.
As implicações decorrentes dos avanços do mundo da tecnologia e da
comunicação, não passam despercebidas à escola. Mesmo porque, diante deste
panorama, a educação não tem como ficar indiferente, mas o fato é que, ainda
sem conseguir resolver muitos problemas próprios da educação em si, como
analfabetismo e evasão escolar, a escola já se vê absorvida por desafios novos,
provenientes das mudanças advindas da tecnologia e da comunicação, impostas
quase que forçosamente ao ambiente escolar (PRETTO, 1996).
A tecnologia cruzou os muros escolares e invadiu a educação. Assim, à
luz dos processos de mudança que a sociedade vem concretizando, emerge
nos meios educacionais a necessidade de um caminhar num ritmo alucinante
para poder adequar-se às inovações tecnológicas e ao mundo globalizado e
competitivo. Neste momento, a educação começou um processo de ampliação
de seus limites, pois estamos vivendo a era da inserção cada vez maior, de
recursos tecnológicos no ambiente escolar.
Educar com tecnologia não é uma tarefa fácil. A cultura escolar é
excessivamente baseada no texto impresso e na cultura oral, de modo
que a incorporação de novas linguagens (plásticas, musicais, gestuais ou
tecnológicas) torna-se um desafio.
Por outro lado, o ato de inserir a tecnologia na escola, por si só não garante
uma melhor qualidade na educação ofertada, uma vez que práticas tradicionais
podem ser reproduzidas com o uso dos recursos tecnológicos. Com relação
a isso, Moran (1995, p. 25), alerta que “as tecnologias de comunicação não
mudam necessariamente a relação pedagógica. As tecnologias tanto servem para
reforçar uma visão conservadora, individualista, como uma visão progressista”.
Assim, o desafio agora é repensar a escola sob a ótica das tecnologias.
Segundo Jorge (2002), a pergunta latente é: como formar pessoas num
mundo de tecnologias? A autora chama a atenção para que a escola não caia

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Multiculturalismo

no extremo de ao formar indivíduos para o mundo da tecnologia, dirigir


suas ações para o lado mercadológico, formando-os num contexto onde
serão vistos como trabalhadores eficientes e consumidores em potencial.
Ao contrário, destaca que o desenvolvimento do instrumental tecnológico,
pode dar à escola subsídios para formar um novo homem, necessário ao novo
mundo. Nesta perspectiva, o saber passa a ser um instrumento de melhoria
da vida de todos, sob um prisma de valores éticos.
Para esses fins, serão bem-vindas as novas tecnologias que permitem ao
homem: acelerar a produção de bens necessários para erradicar a miséria material
e intelectual; diminuir o tempo de trabalho socialmente necessário; propagar
rapidamente informações e novos conhecimentos; disseminar novas culturas,
transformando cada indivíduo num “cidadão do mundo” (JORGE, 1998).
Pois bem, viver nessa sociedade que avança consideravelmente no campo
das comunicações, exige habilidades e competências diferenciadas, cada vez
mais complexas, para que o indivíduo possa ter uma posição de criticidade e
não somente de consumo indiscriminado.
Se a vida cotidiana está cada vez mais baseada na leitura de imagens e
nas mídias eletrônicas, provocando no leitor novas formas de compreensão
do mundo, torna-se urgente que a escola incorpore ao fazer pedagógico a
reflexão sobre as diferentes linguagens que existem no mundo, principalmente
a tecnológica, pela amplitude que permite no campo da comunicação e do
desenvolvimento (MORAN, 2000). Dessa forma, um caminho é direcionar
as discussões pedagógicas não só sobre como, mas também sobre o que e para
que educar.
Reforçamos a ideia de Pretto (1996,) quando este diz que inserir a
tecnologia na escola significa não só a utilização de novos recursos no campo
educacional, mas também – e muito fortemente – um repensar sobre as
concepções pedagógicas a respeito da educação como um todo.
Para o necessário repensar sugerido pelo autor, tomemos o conceito de
educação. Etimologicamente, educar significa “levar de um lugar para outro”, o
que pressupõe não mudança física, mas mudança de paradigmas, de pensamento.
Freire (1996, p. 27) alerta que a educação não pode ser uma relação
bancária, em que o educador somente deposita conteúdos que os educandos

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Temas Contemporâneos da Educação

devem memorizar, gravar e repetir. O autor destaca que nesse formato, a


educação é um tipo de dominação, pois “o educando em sua passividade,
torna-se um objeto para receber paternalisticamente a doação do saber do
educador, sujeito único de todo o processo”.
Esse autor ressalta que ensinar é algo profundo e dinâmico, não é a mera
transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de
vida. Segundo Freire, a educação é uma prática política tanto quanto qualquer
prática política é pedagógica. O autor ressalta que como toda educação é
um ato político, sem neutralidade, deve ter como objetivo maior desvelar as
relações de opressão vivenciadas pelas pessoas, transformando-as para que elas
possam transformar o mundo.
Moran (1998, p. 155) colabora na reflexão quando enfoca que:
Educar numa perspectiva ampla, consiste em ajudar a si mesmo e a
outros a aprender a viver, em ajudá-los a desenvolver todas as suas
habilidades de compreensão, emoção e comunicação pessoal [...]
Educar é colaborar para que professores e alunos transformem suas
vidas em processos permanentes de aprendizagem. É ajudar os alunos
na construção da sua identidade, do seu caminho pessoal e profissio-
nal – do seu projeto de vida, no desenvolvimento das habilidades de
compreensão, emoção e comunicação que lhes permitam encontrar
espaços pessoais, sociais e profissionais e tornar-lhes cidadãos realiza-
dos e produtivos.

Educar com tecnologia, sob este ponto de vista, indica que as mudanças
que podem acontecer com a inserção da tecnologia na escola, não dependem
somente do recurso em si, mas sim do que o recurso pode proporcionar ao
processo de ensino-aprendizagem.
Com relação a isso, Gadotti (1994, p. 273), enfatiza que “é preciso
mudar profundamente nossos métodos (de ensinar) para reservar ao cérebro
humano o que lhe é peculiar: a capacidade de pensar, a dominar a linguagem
(inclusive a eletrônica), ensinar a pensar criticamente”.
Concordamos com Demo (1998, p. 33) quando ele afirma que
“reconstruir a forma de ensinar e aprender é o caminho para alcançarmos o
verdadeiro sentido de educação”.
Assim, o desafio que se faz presente à educação não está somente em
aprender a utilizar a tecnologia, como lembrou Moran, como ferramenta de

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Multiculturalismo

ensino, pois não é apenas a sua inserção que deve ser encarada como priori-
tária, e sim a compreensão de que ela pode representar uma nova forma de
ensinar e aprender.
Uma discussão corrente nas escolas da atualidade é a de que é preciso
uma adequação da escola para educar a geração que está interagindo nesse
mundo. Dessa forma, compreendemos porque muitas das práticas educati-
vas desenvolvidas ao longo dos anos tornaram-se obsoletas na medida em
que não respondem mais às necessidades de uma sociedade cujos paradigmas
alteraram-se radicalmente nos últimos anos.
Os desafios de hoje residem em criar e avançar a infraestrutura e os ser-
viços educacionais necessários para colocar a educação em um patamar mais
próximo e condizente com os avanços. O desenvolvimento social exige que
a escola ofereça uma formação sólida, ampla e profunda de seus membros.
Alves (2001), ao citar a escola da Ponte, que visitou em Portugal,
corrobora a visão de repensar a função da escola, o que ela ensina e de
que forma o faz, apontando para o caminho da reconstrução na forma de
educar, sob sua ótica: centrar o ensino no aluno, em suas expectativas,
projetos, ambições:
[...] naquela escola o currículo não é o professor, mas o aluno. A edu-
cação mais do que um caminho é um percurso – e um percurso feito à
medida de cada educando e, solidariamente partilhado por todos [...],
Parece simples e até romântico? Parece, mas funciona. [...]para imensa
surpresa dos observadores mais desprevenidos, o que aconteceu na
Escola da Ponte, significou uma verdadeira “revolução coperniana”
no modo como os professores se posicionam diante dos alunos e os
alunos diante dos professores” (ALVES, 2002, p. 17-18).

Esse autor descreve, a começar pelo título de seu livro A escola que sem-
pre sonhei sem imaginar que pudesse existir, que a reconstrução da escola, até
imaginariamente utópica, pode ser sonhada sob alguns pontos de vista, e que o
sonho é possível e traz resultados, como verificado na “Escola da Ponte”.
Se recorrermos a um dicionário para definir o verbete escola, teremos:
“estabelecimento de educação, público ou privado, no qual o ensino, geral ou
especializado, é ministrado de forma coletiva e segundo uma planificação sis-
tematizada; conjunto dos alunos, professores e pessoal auxiliar de um desses
estabelecimentos; edifício onde funciona um desses estabelecimentos”.

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Temas Contemporâneos da Educação

Os vários significados deste verbete demonstram que a escola é um


espaço constituído por diversas dimensões, entrelaçadas. Cançado (1996, p.
13) destaca algumas:
ÙÙ Dimensão pedagógica – compreende o processo de ensino e
aprendizagem, com todas as variáveis que o constitui, por exemplo,
a organização dos conhecimentos, do espaço e do tempo escolar, a
relação professor-aluno, a metodologia de ensino.
ÙÙ Dimensão administrativa – engloba as questões de infraestrutura
e de pessoal, como os problemas hidráulicos e elétricos, merenda,
quadro de pessoal, dentre outros.
ÙÙ Dimensão política – situa as relações de poder e o processo decisório.
ÙÙ Dimensão social – refere-se à relação com a comunidade escolar
em um sentido bem amplo – a relação interna entre professores,
alunos e funcionários e a relação estabelecida com pais, moradores
próximos à escola, secretaria de educação e sociedade em geral.
Também estão incluídas as experiências sociais de todos os
segmentos, ou seja, suas origens de classe, suas condições de
moradia, trabalho e lazer.
ÙÙ Dimensão cultural – envolve as raízes e vivências que promovem a
elevação do Homem, conferindo-lhe uma identidade social e cul-
tural. Por exemplo, suas tradições religiosas, políticas, expressões
artísticas, hábitos alimentares.
ÙÙ Dimensão humana – compreende os sentimentos, desejos, dificul-
dades pessoais, os conceitos e preconceitos que povoam o íntimo
de cada um de nós.
Cada uma dessas dimensões é constituída por elementos ou traços das
demais, encontrando-se em um permanente movimento de associação e
influências mútuas.
Como já dissemos, as transformações tecnológicas, econômicas e
culturais aumentam a necessidade do conhecimento ético e da educação do
homem em toda a sua multiplicidade. Portanto, dentro de sua função, que é
a formadora, a escola deve considerar todas as suas dimensões para além dos
conteúdos científicos e buscar

–  20  –
Multiculturalismo

uma educação equilibrada, que atenda a essa multiplicidade, é


fundamental para a formação do indivíduo. Educar, em sentido
mais amplo, significa considerar as diversas experiências sociais,
culturais e intelectuais do aluno. Ou seja, respeitar suas histórias
de vida, linguagem e costumes, condições sociais, moradia e lazer
(CANÇADO, 1996, p. 77).

Relacionar a ideia de centrar a escola nos alunos, tendo-os como


foco permanente e ao mesmo tempo estabelecer regras de convivência e
aprendizado nessa sociedade que avança consideravelmente no campo das
comunicações, não é uma tarefa fácil. Por muito tempo o foco da educação
foi centrado no desempenho do professor e educar era sinônimo de dar aulas.
Isso criou paradigmas de que o agente principal deste ato chamado educar, era
o professor, aquele que garantiria, com uma aula bem elaborada, que todos os
seus alunos aprenderiam prestando atenção às informações oferecidas.
Concebemos que uma escola se faz pelas pessoas que nela trabalham,
pelo que elas pensam, pelo que esperam, por seus paradigmas, por suas
crenças, por seus conhecimentos teóricos e por suas expectativas. Pensar
a criação de uma escola condizente com seu tempo, não obstante, requer
pensar profissionais capazes de ajudar a construí-la. A escola desejada não
surgirá sem uma equipe que institua o novo no que já existe. É preciso
uma equipe que trabalhe de forma integrada, que deseje e esteja disposta a
transformar a realidade. Desempenhando um papel fundamental nesta equipe
e, consequentemente, nos caminhos que a escola traçará, está o professor,
interagindo com os ambientes virtuais de aprendizagem, ajudando o aluno a
superar barreiras em relação ao espaço e o tempo com maior habilidade, em
espaços de possibilidades de construção de conhecimento na internet.

1.5 O profissional professor e a necessidade


de uma formação continuada
Concordando com Demo (1998, p. 22), ressaltamos que o foco da
educação moderna não é puramente o desempenho do professor em relação
a dar aulas, mas sim, a comunicação entre este desempenho e o aprendizado
do aluno. Educar é levar de um lugar para outro; quem precisa ter a opção de
caminhos é o aluno, e isto não tem acontecido muito.

–  21  –
Temas Contemporâneos da Educação

Os resultados obtidos e reforçados nas provas do ENEM (Exame Nacional


do Ensino Médio, proposto pelo governo para avaliar o Ensino Médio no
país), e verificados no desempenho dos nossos estudantes no vestibular e
nos estudos acadêmicos, provam que o aluno não foi capaz de aprender, o
objetivo da educação não foi cumprido, utilizando-se recursos tecnológicos
ou não. Desta forma, preparar o professor é melhorar o aprendizado do aluno,
como afirma Pretto (1996, p. 18):
Iniciar hoje a formação do novo educador é premente [...] natural-
mente se estamos pensando numa escola na qual a cultura audiovisiva
seja uma presença, o professor, principal personagem desse processo,
precisa estar preparado para trabalhar com essa cultura.

Ou seja, é necessário conceber o professor como elemento primordial da


equipe de mudanças. Isto nos remete a algumas implicações: valorização de
sua atuação por parte das instâncias públicas e de ensino, no que se refere a
investimentos que traduzam condições dignas de vida e trabalho; implantação
e adequação de programas institucionalizados que o capacite a dominar as
suas habilidades e adquirir tantas quantas sejam necessárias a contribuir
para a formação do indivíduo polivalente que o mercado de trabalho exige;
capacitação não somente para comunicar, como também para desenvolver
práticas voltadas à realidade do contexto social de sua atividade profissional,
bem como a necessidade iminente da revisão de sua prática e de sua formação
profissional, baseado na reflexão.
A partir da década de 90, a formação dos professores trouxe muitas
discussões acirradas. Pesquisadores como Perrenoud (1993), Nóvoa (1992)
e Freire (1997), são exemplos de estudiosos que centralizaram algumas de
suas investigações em respostas à pergunta: O que se espera do profissional
professor na atualidade? De forma geral, as indicações destes autores apontam
o caminho no sentido de que os professores tenham consonância com a
educação de seu tempo, sendo mediadores e pesquisadores, competentes
e reflexivos. E estes conceitos de professor como mediador e professor-
pesquisador, para Ramal (2002, p. 229) estão diretamente implicados na
discussão sobre as práticas educacionais na era informático-mediática.
A reflexão sobre a prática pedagógica tem sido, ultimamente, o conceito
mais adotado por pesquisadores e formadores de professores, para se referirem
às tendências de formação do educador. Atualmente torna-se difícil encontrar

–  22  –
Multiculturalismo

referências escritas sobre propostas de formação de professores que, de algum


modo, não incluam o conceito de reflexão como elemento estruturador.
Sendo assim, estamos de acordo com o que afirma Freire (1997, p. 43),
“na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática”.
Para uma nova delineação da ação docente, que retirou o professor do
plano central da aprendizagem do aluno, colocando-o como um facilitador
da construção de conhecimentos, requerendo deste profissional professor
uma nova forma de agir, Perrenoud (2000, p. 12) toma como guia, um
referencial de competências. Para este autor, a noção de competência designa
uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um
determinado tipo de situação.
No intuito de formar pessoas que possam atuar em sociedade, Perrenoud
considera dez competências que são prioritárias “por serem coerentes com
o novo papel dos professores, com a evolução da formação inicial, com as
ambições das políticas educativas” (PERRENOUD, 2000, p. 12).
Vistas sob a ótica escolar, as competências propostas são compatíveis
com os eixos de renovação da escola, listados a seguir:
ÙÙ Individualizar e diversificar os percursos de formação.
ÙÙ Introduzir ciclos de aprendizagem.
ÙÙ Diferenciar a pedagogia.
ÙÙ Direcionar-se a uma avaliação mais formativa que normativa.
ÙÙ Conduzir projetos relevantes à aprendizagem dos educandos.
ÙÙ Desenvolver o trabalho em equipe docente.
ÙÙ Responsabilizar-se coletivamente pelos alunos.
ÙÙ Colocar os alunos no centro de ação pedagógica.
ÙÙ Recorrer aos métodos ativos.
ÙÙ Recorrer aos procedimentos de projeto.
ÙÙ Recorrer ao trabalho por problemas abertos e por situa-
ções-problema.

–  23  –
Temas Contemporâneos da Educação

ÙÙ Desenvolver as competências e transferência de conhecimentos.


ÙÙ Educar para a cidadania.
Com bases nestes eixos, Perrenoud propõe as dez novas competências
para os profissionais que desejam ensinar:
1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
2. Administrar a progressão das aprendizagens.
3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.
5. Trabalhar em equipe.
6. Participar da administração da escola.
7. Informar e envolver os pais.
8. Utilizar novas tecnologias.
9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.
10. Administrar sua própria formação contínua.
Na décima competência, Perrenoud, (2000) chama a atenção para
a ideia de formação continuada. Ele argumenta que a necessidade desta
reside no fato da escola não ser um mundo estável. Se os contextos mudam,
o público muda, as abordagens mudam, é necessário acompanhar essas
transformações. Se para desenvolver competências é preciso trabalhar
com projetos e problematizações que incitem os educandos a mobilizarem
seus conhecimentos, além do preparo profissional, o professor precisa
identificar suas próprias competências, num exercício que promova a
reflexão dialógica.
A necessidade de formar professores que reflitam sobre sua própria prática
é um instrumento essencial ao desenvolvimento do pensamento e da ação
docente (SCHÖN, 1995). Os conhecimentos e competências adquiridos pelo
professor antes, e durante a sua formação inicial, têm se mostrado insuficientes
para o exercício das suas funções ao longo de toda a carreira. Diferente do que
se pensava anteriormente, o professor está longe de ser um profissional acabado
e amadurecido no momento em que recebe a sua habilitação profissional.

–  24  –
Multiculturalismo

Essa nova visão do professor que está em permanente desenvolvimento


teve a contribuição de vários fatores: as já citadas mudanças na sociedade
que causaram mudanças na escola (não só na estrutura da escola como
no próprio conceito de escola), bem como as novas teorias pedagógicas
que desencadearam pensamentos acerca da função do professor, com
reconhecimentos à complexidade e dificuldades desta função e também à
complexidade de sua formação.

Síntese
Ao longo das páginas anteriores, tratamos de temas que estão
fortemente presentes na educação brasileira: multiculturalismo, inclusão, as
questões de gênero e sexualidade e a necessidade de formação continuada do
professor. Como explicitamos no início, apenas a leitura deste documento
não abrange a totalidade dos temas e sim, fortalece a necessidade de estudo
e reflexão por parte dos profissionais da escola acerca de temas educacionais
contemporâneos, vivenciados nas escolas onde desenvolvemos nossos
trabalhos educativos.
Tivemos o cuidado de, ao longo do desenvolvimento dos assuntos,
alinhavarmos de alguma maneira a questão da responsabilidade do profissional
professor por cada um desses temas. Não que estejamos, com isso, querendo
culpar o professor por essa ou aquela situação, por que verdadeiramente não há
culpados, mas sim, esperamos lembrar a cada profissional a responsabilidade
do ato educativo e a necessidade de a escola ser, mesmo num mundo tão
moderno e tecnológico, um espaço de aprendizagem que possa ressignificar o
mundo de muitos alunos.
Como destaca Becker (2001, p. 32)
para enfrentar esse desafio o professor deveria responder a seguinte
questão: que cidadão ele quer que seu aluno seja? Um indivíduo dócil,
subserviente, cumpridor de ordens sem questionar o significado das
mesmas, ou um indivíduo pensante, crítico, operativo, que perante
uma nova encruzilhada para e reflete, perguntando-se pelo significado
das suas ações futuras?

E avançamos um pouco mais na reflexão: como o professor pode formar


alguém assim, senão for alguém assim?

–  25  –
Temas Contemporâneos da Educação

Essa era a reflexão maior de todo esse texto: a necessidade da busca da


formação, a retomar o significado de ser professor e a certeza de que, se não
temos neutralidade na educação, como afirma Paulo Freire, é preciso que
nos posicionemos em busca da nossa melhor formação, em busca de nossos
desafios e do preenchimento de nossas lacunas. Os autores são unânimes em
afirmar: é pelo conhecimento que vamos mudar. Busquemos então, o melhor
de nós.

–  26  –
2
Educação na atualidade:
multiculturalismo,
diversidade étnica-racial
e de gênero e inclusão

Nesta unidade refletiremos sobre a questão do respeito


à diversidade nas práticas educacionais da atualidade, seja ela de
natureza cultural, étnica, de gênero ou de condição da pessoa. O
respeito à diversidade nos remete à discussão dos direitos humanos,
que também necessita de espaço e reflexão em todas as oportunida-
des de convivência contemporânea.
Há uma grande preocupação em grande parte da sociedade
acerca da luta por justiça, respeito e igualdade nas questões de
gênero, nas questões étnico-raciais, na diversidade cultural e tam-
bém na aceitação e inclusão de pessoas com deficiência. Nesse con-
texto a escola é um espaço privilegiado para fomentar a discussão,
disseminar conceitos e concepções.
Entretanto, para que possa contribuir de forma
comprometida com o respeito e a dignidade de todos, a escola,
como espaço de convívio social, assim como seus atores, precisam
Temas Contemporâneos da Educação

estar em constante formação sobre essas temáticas, para que não sejam
também responsáveis pela manutenção de preconceitos que a dinâmica
social vai produzindo em seu cotidiano.
Dada a importância de tornarmos frequente e contínua a discussão
sobre a garantia do respeito a todos os indivíduos, vale relembrar os dois
primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, importante
documento que norteia as políticas públicas em relação aos cidadãos e cidadãs:
Artigo I: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação
umas as outras com espírito de fraternidade.
Artigo II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, política, opinião
pública ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição. (ONU, 1948)

Os espaços educativos, assim como os educadores que o constituem,


quando se comprometem com um princípio de respeito ao outro, precisam
estar atentos às transformações sociais das quais resultam diferentes maneiras
de ser e viver a vida, entendendo que não se caracterizam como modelos
“certos ou errados”, e sim como opções, ou condições inerentes de vida.

–  28  –
2.1
Gênero e Cultura
(Maria de Lourdes Mazza de Farias)

Homens e mulheres, em todas as épocas, em função de suas


necessidades, foram levados a agir sobre a natureza, para transformá-
-la. Esse trabalho com a natureza lhes possibilitou conhecer como
ela funciona e quais leis a regem (tempo de colher, tempo de plan-
tar); satisfaz necessidades e cria outras mais profundas e complexas,
dependendo sempre do grau de desenvolvimento das relações que
esses homens e mulheres estabelecem entre si e a natureza, na pro-
dução de sua existência (MARX; ENGELS, 1998).
Podemos concordar com a concepção que coloca, em última
instância, como elemento central da história, a produção e repro-
dução da existência (vida imediata). Porém, é importante conside-
rarmos em nossa análise, que a produção e a reprodução, em todas
as épocas, foram permeadas por relações entre homens e mulheres,
homens e homens, mulheres e mulheres. Por que a importância de
Temas Contemporâneos da Educação

acentuarmos essa questão como fundamental? Porque a história, seja qual


for o ponto de vista do historiador, é, na maioria das vezes, contada de uma
forma masculina genérica, desconhecendo-se, assim, o gênero do trabalho1 .

2.1.1 Um outro olhar sobre a história


As informações que temos acerca das sociedades primitivas são
contraditórias, sendo então, difícil sabermos como era a situação da mulher.
Nesse período, a população era composta por povos coletores, que sobreviviam
do que a natureza lhes oferecia. Eles não podiam aumentar os recursos naturais
disponíveis, pois não tinham qualquer controle sobre a natureza e viviam em
condições de extrema pobreza.
Essa situação de pobreza fundamental só foi modificada de forma
durável pela formação de técnicas de cultura do solo e de criação de
animais. A técnica da cultura do solo, a maior revolução econômica
da existência humana, é devida às mulheres, tal como uma série de
outras descobertas importantes da pré-história, nomeadamente a
técnica da olaria e da tecelagem (MANDEL, 1992, p. 16).

Na Antiguidade, a mulher tinha como tarefa central a reprodução da


espécie (gerar, amamentar, criar) e outras atividades ligadas ao plano doméstico
(fiar, tecer), que eram consideradas de pouco valor para a sociedade. A arte e a
política tinham um espaço de discussão próprio e eram atividades exclusivamente
masculinas. Conhecer e pensar eram coisas proibidas às mulheres e, quando
permitidas, o eram apenas às cortesãs, que desfrutavam de um conhecimento
e aperfeiçoamento para melhor agradar aos homens em seus momentos de
distração e relaxamento. “Temos as prostitutas para o prazer; as concubinas para
os cuidados diários, e as esposas para ganharmos uma descendência legítima e
serem fiéis guardiãs do lar.” (SALLES, 1982, p. 20).
Essas sociedades eram constituídas de forma que as mulheres livres
fossem destinadas à procriação da raça e as escravas para proporcionar
prazer aos homens. Os historiadores têm efetuado um minucioso estudo
1 Engels e Marx (1998, p. 22) apontam, em um manuscrito redigido em 1846, que “a
primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos fi-
lhos”. Mais tarde, Engels, em A origem da família, da propriedade privada e do estado, acrescenta
que “o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimen-
to do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes,
com a opressão do sexo feminino pelo masculino” (ENGELS, 1984, p. 181).

–  30  –
Gênero e Cultura

das sociedades – de suas instituições, técnicas, crenças, costumes e relações


dos indivíduos – descrevendo-as e comparando-as. Porém, é Engels (1984),
seguindo o esquema de Morgan, quem acentua a relação entre vínculos
de parentesco e desenvolvimento das forças produtivas, deduzindo que,
nas chamadas sociedades “primitivas” ou “em desenvolvimento”, em
que a produção é limitada, os vínculos de parentesco extenso formam,
frequentemente, a essência das obrigações de um indivíduo e envolvem as
próprias instituições políticas e econômicas.
O oposto ocorre nas sociedades desenvolvidas. A família patriarcal e
individual moderna promove o desenvolvimento da propriedade privada, por
um lado e, por outro, faz com que se perca o caráter público da família antiga.
É o início da cisão histórica, própria da era burguesa, entre esfera pública e
esfera privada, e essa última se desenvolve simultaneamente com a proprie-
dade e a família (ENGELS, 1984).
Historicamente, o que podemos perceber é que a maior participação da
mulher nas discussões da comunidade e no trabalho “produtivo”, quer dizer,
fora de casa, está ligada ao afastamento do homem por motivo de guerra. No
século XX, pudemos constatar tal fato, pois as duas grandes guerras fizeram
com que as mulheres fossem chamadas a participar com sua mão de obra para
que o exército masculino fosse liberado para as frentes de batalha. Porém, as
mulheres das camadas sociais diretamente ocupadas na produção de bens e
serviços nunca foram alheias ao trabalho. Em todas as épocas e lugares, elas
têm contribuído para a subsistência de sua família e para criar a riqueza social.
Nas economias pré-capitalistas, especificamente no estágio imediata-
mente anterior à revolução agrícola e industrial, a mulher das camadas
trabalhadoras era ativa: trabalhava nos campos e nas manufaturas, nas
minas e nas lojas, nos mercados e nas oficinas, tecia e fiava, fermen-
tava a cerveja e realizava outras tarefas domésticas. Enquanto a família
existiu como uma unidade de produção, as mulheres e as crianças
desempenharam um papel econômico fundamental (SAFFIOTI,
1979, p. 32).

Desde Eva, “aquela” que provocou a expulsão do homem do paraíso, a


mulher tem representado uma ameaça constante. Em um tempo marcado por
desgraças, como pestes, guerras, fome, conflitos religiosos, ela é novamente
colocada como a principal responsável por tais acontecimentos. A chamada

–  31  –
Temas Contemporâneos da Educação

“caça às bruxas”, verdadeiro genocídio perpetrado contra o sexo feminino na


Europa e nas Américas – tão pouco estudado e denunciado, que se iniciou
na Idade Média, exacerbando-se no século XVI, início do Renascimento –,
é parte da herança de silêncio que recobre a história das mulheres (ALVES;
PITANGUY, 1991).
Muitas práticas que hoje seriam incluídas numa espécie de “medicina
alternativa” foram condenadas junto com as acusações de copular com
o demônio ou de tornar os homens impotentes [...] se finalmente a
“medicina” triunfou sobre a “superstição”, não apenas as bruxas foram
queimadas nas fogueiras da Inquisição, mas com elas, a possibilidade
de uma ciência médica independente do mercado capitalista
(GUTIERREZ, 1985, p. 46).

Pelo silêncio que sempre imperou quando se trata de mulheres, fica


difícil recuperar historicamente a sua resistência. Poderíamos “[...] supor
que a busca pela mulher de outras formas de conhecimento e de atuação,
castigada como ‘bruxaria’, caracterizaria sua revolta” (ALVES; PITANGUY,
1991, p. 23).
O século XVIII, na Europa, é marcado por grandes revoluções e, conse-
quentemente, pela intensa participação da população no campo da política.
A ideia de igualdade e liberdade se baseia nos direitos do indivíduo, que se
fundam e tomam forma sobre a propriedade privada. As mulheres participa-
ram ativamente da Revolução Francesa, no entanto, seus direitos não foram
garantidos por tal revolução. Elas representavam o privado e sua participa-
ção ativa era rejeitada. “Os próprios revolucionários sentiram a necessidade
de marcar um limite intransponível, de mostrar claramente que as mulheres
estavam do lado privado e os homens do lado público.” (HUNT, 1995, p.
51). Esse é um momento histórico em que o movimento de mulheres toma
forma de ação política organizada. Elas apresentam, então, um documento à
Assembleia Nacional (1789), em que afirmam o domínio do sexo masculino
sobre o feminino:
Destruíste os preconceitos do passado, mas permitistes que se
mantivesse o mais antigo, que exclui dos cargos, das dignidades, das
honrarias e, sobretudo, de sentar-se entre vós, a metade dos habitantes
do reino [...]. Destruístes o cetro do despotismo [...] e todos os dias
permitis que treze milhões de escravas suportem as cadeias de treze
milhões de déspotas (ALVES; PITANGUY, 1991, p. 33).

–  32  –
Gênero e Cultura

No século XIX, havia um movimento ativo de mulheres na Europa e nos


Estados Unidos, enquanto no Brasil, ainda não. Esses movimentos queriam
pôr em prática princípios iluministas e lutar para que as mulheres tivessem
as mesmas chances de formação educacional para, com isso, terem acesso às
mais variadas profissões e lutarem pela paridade política, o que possibilitaria
que ocupassem cargos políticos no parlamento e, por que não, no Governo.
Nessa época, surgem as primeiras advogadas, médicas, juristas, cientistas,
economistas, engenheiras.
O sufrágio universal foi uma das principais conquistas dos homens
trabalhadores no século XIX. Essa luta por cidadania não incluía, no entanto,
o voto feminino. Essa foi uma luta específica das mulheres e muito longa; no
Brasil, data de 1910 (ALVES; PITANGUY, 1991). Foi um movimento liderado
por uma elite feminina letrada, culta e de maior poder econômico. O direito
de voto das mulheres nas mesmas condições que os homens foi decretado em
1932, no governo Vargas, e ratificado pela Constituição de 1934.
Essa luta por direitos civis fortalecia e aprofundava a reivindicação das
mulheres pelo direito à educação, pois, além de ser só privilégio de alguns,
era diferenciada por sexo; existia a educação das meninas e a educação dos
meninos. Nesse momento, a afirmação da igualdade entre os sexos vai
confluir, como afirmamos anteriormente, com as necessidades de liberar mão
de obra feminina para as frentes de trabalho de maior participação social,
embora esse processo venha a ocorrer devido à necessidade de liberar homens
para o exército brasileiro, para as frentes de batalha. Essa absorção da força de
trabalho feminina na indústria emergente torna-se um importante fermento
na luta das mulheres.
Ainda assim, a mulher é colocada como força de reserva, desvalorizada,
sendo super explorada em longas jornadas de trabalho, recebendo salário
menor para trabalhar na mesma função que o homem. Essa situação leva as
mulheres a se integrarem às lutas e greves dos trabalhadores para despertar sua
situação discriminatória, passando, assim, a ter um papel mais destacado nas
lutas de interesse nacional.
Com o término da guerra, novamente o papel da mulher é questionado,
ela volta ao lar para ser esposa, mãe e dona de casa. O trabalho externo da
mulher sofre, mais uma vez, desvalorização. No final da década de 60 do século

–  33  –
Temas Contemporâneos da Educação

XX, em um contexto de lutas por liberdade e igualdade, o movimento de


mulheres começa a ganhar evidência e força no cenário político internacional,
denunciando a condição de opressão, construída nas diferenças percebidas
entre os sexos. Essas diferenças, na elaboração social, acontecem como se
fossem desigualdades, que se expressam ao nível da razão e do afeto, do
público e do privado, do trabalho, do prazer e do desejo. Os movimentos
surgem para dar conta da existência dessa condição de opressão. Essa denúncia
da manipulação da mulher nas sociedades capitalistas ecoou com força no
mundo. No panorama nacional, as mulheres mobilizadas constituíam-se em
um número considerável e pertenciam a grupos diferenciados: donas de casa,
intelectuais, professoras, operárias, advogadas, empresárias.
No contexto de autoritarismo que marcou o início do movimento no
Brasil, os problemas “gerais” da sociedade eram prioritários em relação aos
problemas “específicos” das mulheres. As mulheres trabalhadoras tinham
prioridade sobre as outras – marcas da vinculação com a esquerda marxista
(SARTI, 1988). Em um país em que a miséria, o desemprego, o analfabe-
tismo, a extrema concentração de renda e a ausência de liberdades civis atin-
gem a maioria da população, o desenvolvimento do movimento feminista
esteve profundamente ligado às lutas democráticas em oposição ao regime
militar. No processo de abertura, lento e gradual, a que fomos submetidos, o
movimento de mulheres começa a se tornar visível.
O Ano Internacional da Mulher (1975), celebrado pela ONU, abre
caminho para inúmeras discussões e organização de coletivos femininos; a
organização do Movimento Feminino pela Anistia, no mesmo ano, foi fun-
damental para sua ampliação. Contudo, o feminismo enquanto ideologia e
prática, apesar de as feministas estarem participando ativamente do movi-
mento de mulheres, ficou restrito a um setor do movimento. Somente a partir
de 1978, o movimento de mulheres se consolida como força emergente no
quadro político nacional. As feministas apresentam aos candidatos a eleições
parlamentares, em um grande número de cidades brasileiras, documentos
contendo suas reivindicações, condicionando seu apoio às candidaturas ao
compromisso dos candidatos com essas exigências. A volta de mulheres do
exílio, onde haviam recebido a influência de um movimento feminista atu-
ante, ajuda a fortalecer a tendência feminista no movimento de mulheres
(SARTI, 1988). As eleições de 1982 foram particularmente importantes, pela

–  34  –
Gênero e Cultura

primeira vez pós-64, poderíamos eleger governadores(as). As mulheres con-


centraram seu apoio na oposição, entre partidos de esquerda.
Começam a aparecer candidatas na política, identificadas com o femi-
nismo. A vigência da Constituição Federal de 1988 representa um imenso
avanço na situação jurídica da mulher brasileira. As conquistas ampliam-se
nas Constituições Estaduais de 1989 e nas Leis Orgânicas Municipais de
1990. No entanto, essas conquistas não se traduzem nas modificações corres-
pondentes da legislação ordinária.

Sugestão de Leitura
No artigo “As duas Fridas: história e identidades transculturais”
foi feita uma análise do filme Frida (2003), dirigido por Julie
Taymor e protagonizado por Salma Hayek, que tem como tema
a relação amorosa entre o muralista Diego Rivera e a pintora Frida
Kahlo. Não se trata absolutamente de uma biografia fílmica, a
película enfoca apenas uma etapa da vida da pintora. De um
lado, são feitas algumas comparações com o filme mexicano
Frida, natureza viva (1983), de Paul Leduc, para contrastar
as diferentes visões dos acontecimentos de uma mesma vida,
por exemplo, com relação à política sexual. Por outro lado,
explora-se até que ponto o polêmico filme de Taymor é
histórico, baseado na realidade, ou uma história contada pela
imagem e pelo som a partir de uma biografia escrita.
BARTRA, E.; MRAZ, J. As duas Fridas: história e identidades
transculturais Rev. Estud. Fem., v. 13, n. 1, 2005, p. 69-79.

No livro O segundo sexo, Simone de Beauvoir (1970) afirma que não era a
natureza feminina que limitava as mulheres, tornando-as seres inferiores, mas,
sim, um conjunto de preconceitos, costumes e leis arcaicas das quais elas eram
mais ou menos cúmplices, e podemos dizer que ainda o são em grande medida.
As ideias feministas, em que pesem suas várias interpretações, desencadeiam um
processo de crise no interior de partidos e organizações de esquerda, de ques-

–  35  –
Temas Contemporâneos da Educação

tionamento e ruptura com as concepções vigentes acerca da separação entre o


político e o pessoal, o público e o privado, com as inevitáveis consequências
disso em nível da elaboração teórica, que se choca com uma maneira tradicional
de fazer política (autoritária, burocrática e manipulatória).
O marxismo tem sido um campo privilegiado de interlocução do pen-
samento feminista, embora esse debate se amplie cada vez mais nos campos
da psicanálise, do pós-estruturalismo e do pós-modernismo.
Para Sorj (1992a), considerando as diferenças que separam o marxismo
e o feminismo em termos substantivos (esfera da produção X reprodução,
esfera do mercado X doméstico, público X privado), as homologias entre
ambos são poderosas. A autora argumenta que,
Da mesma forma que o marxismo produziu uma teoria inclusiva,
compreensiva, sobre o desenvolvimento histórico da sociedade
calçada na ideia da luta de classes, a teoria feminista colocará a
opressão da mulher no centro de suas formulações, dando-lhe,
finalmente, um estatuto teórico equivalente ao da exploração de classe
(SORJ, 1992b, p. 16).

De qualquer forma, a classe não é, como alguns cientistas querem,


uma categoria estática, uma certa quantidade de pessoas colocadas nesta ou
naquela relação com os meios de produção. A classe, na tradição marxista, é
(ou deveria ser) uma categoria histórica, descrevendo pessoas em relação, ao
longo do tempo, e as formas pelas quais elas se tornam conscientes de suas
relações, se separam, se unem, entram em luta.
Portanto a classe é uma formação “econômica” e é também uma for-
mação “cultural”, é impossível dar qualquer prioridade teórica a um
aspecto em detrimento de outro o que muda, na medida em que o
modo de produção e as relações produtivas mudam, é a experiência
de homens e mulheres que mudam2 (THOMPSON apud OZGA;
LAWN, 1991, p. 148).

A tentativa de igualar classe e gênero, enquanto conceitos explicativos


centrais, é evidenciada em alguns trabalhos. Sorj (1992b, p. 16) afirma que:
2 No trabalho Tradición, revolta y consciência de classe (1979), Thompson apresenta
sua proposta de estudo da classe operária, em que afirma que a classe é definida pelos homens
ao viverem sua própria história.

–  36  –
Gênero e Cultura

[...] o feminismo pensa a sexualidade da mesma forma que o


marxismo pensa o trabalho: como uma atividade construída e, ao
mesmo tempo, construtora, universal mas historicamente específica,
composta da união entre matéria e mente. Da mesma maneira que a
expropriação organizada do trabalho de alguns em benefício de outros
define uma classe – os trabalhadores – a expropriação organizada da
sexualidade de alguns para o uso de outros define o sexo, mulheres. A
heterossexualidade é sua estrutura, gênero e família suas formas fixas,
os papéis sexuais suas qualidades generalizadas à “persona” social, a
reprodução uma consequência e o controle seu resultado.

As relações de classe e as de gênero são relações estruturantes da socie-


dade e se superpõem. Entretanto, o conceito de gênero (ou de construção
social do sexo) é muito mais recente que o de classe social e destaca que a
exploração, base das relações antagônicas entre as classes, não dá conta de
explicar a opressão sofrida pela mulher. Destaca, também, que as relações de
classe são sexuadas e, portanto, há uma reciprocidade entre ambas. Poderí-
amos dizer que as relações de gênero são perpassadas por pontos de vista de
classe e vice-versa (HIRATA; KERGOAT, 1994). Assim, coloca-se em xeque
a premissa da esquerda de que resolveríamos primeiro as desigualdades de
classe, para, em um segundo momento, resolvermos as opressões ligadas às
construções sociais de gênero. As relações de classe e de gênero são transver-
sais na sociedade como um todo, invadem todos os campos sociais.
A dinamização de uma esfera (classes sociais, produção) não pode
deixar de ter efeito sobre a dinâmica de outra. Tal afirmação redunda
em denunciar o postulado (quase sempre implícito) segundo o qual
essa relação social só se exerce em determinado lugar. Na realidade,
relações de classe e de sexo organizam a totalidade das práticas sociais,
em qualquer lugar que se exerçam. Em outras palavras: não é só
em casa que se é oprimida nem só na fabrica que se é explorado(a)!
(HIRATA; KERGOAT, 1994, p. 96).

O pensamento feminista parte da constatação segundo a qual a estrutura


das relações entre homens e mulheres é uma estrutura de poder, que assegura a
dominação daqueles sobre essas. Partindo desse ponto comum, o pensamento
feminista se diversifica infinitamente. A forma como se concebe o poder é
determinante para se entender a multiplicidade no pensamento feminista (o
poder unilateral, masculino/poder relacional entre os gêneros). Inicialmente,
a teoria feminista esforçou-se por entender e reinterpretar diversas categorias

–  37  –
Temas Contemporâneos da Educação

teóricas de forma a tornar as atividades das mulheres visíveis também no


plano dos diferentes discursos e teorias.
Se a natureza e a atividade das mulheres são tão sociais quanto a dos
homens, nossos discursos teóricos deveriam ser capazes de revelar
nossas vidas com tanta clareza e detalhe quanto supomos que as
abordagens tradicionais revelem as vidas dos homens (HARDING,
1993, p. 7).

Essa necessidade de provar efetivamente a presença de mulheres em


acontecimentos passados, na convicção de que a presença da mulher fora
apagada da história, denuncia o androcentrismo das ciências humanas,
questionando o conceito de “homem universal”, sujeito e paradigma das
teorias da modernidade. Essa operação resgate, ao mesmo tempo em que
dá visibilidade histórica à mulher e desvela a opressão, a subordinação, as
injustiças e as violências sofridas pelas mulheres, reproduz na teoria e na
prática política a tendência de “universalizar a mulher”, produzindo uma
única definição do feminino e gerando um discurso essencialista.
Os anos 80 do século XX vêm inaugurar uma revisão crítica do
feminismo, do conceito de igualdade, de identidade, de diferença e de uma
única natureza feminina. No peso dado, nos anos 70 do mesmo século, à
opressão comum que todas as mulheres sofriam, é colocada a diversidade
existente entre mulheres, segundo a classe, a raça e a cultura. O gênero como
categoria de análise relacional passa a ser utilizado por algumas estudiosas
feministas; outras não o usam e não concordam com ele.
Portanto, dentro desse campo, há vertentes das mais diversas para tra-
balhar as questões de gênero, e cada uma elege questões diferentes, proble-
matiza de um modo diferente e prioriza determinados aspectos. Por ser um
campo relativamente novo, está longe de ser um campo teórico consensual.

Da teoria para a prática


Sugerimos o filme O sorriso de Mona Lisa que, por meio
da temática “história da arte”, consegue passar sutilmente
por substratos ideológicos marcantes, como Bergson,
Nietzsche, Freud e Marx, e fatos históricos, como a

–  38  –
Gênero e Cultura

Primeira e a Segunda Guerra Mundial, que marcaram


profundamente o século XX. Consequência viva e expressa disso
foram as vanguardas, que tentaram chamar a atenção por meio da
arte, mostrando a perplexidade do mundo contemporâneo.
Assim, o aspecto do uso didático do filme, em uma perspectiva
metodológica, engloba o ensino e o conhecimento, por parte
dos alunos, de algumas obras, por meio de ilustrações em
livros didáticos e reproduções dessas obras levadas pelo (a)
professor(a) para a sala de aula. Desse modo, o (a) docente pode
incentivar os (as) alunos(as) a analisarem as obras e refletirem de
maneira dinâmica a respeito das correntes estéticas de vanguarda
na Europa e os sentimentos humanos, expressando as angústias
que caracterizavam psicologicamente o ser humano no início do
século XX. O sorriso de Mona Lisa, dirigido por Mike Newell,
é uma boa oportunidade para que os professores da educação
básica e do ensino superior dos cursos de Pedagogia, Letras,
História e Cinema estabeleçam análises, críticas e reflexões
sobre alguns temas como: arte moderna, fatos históricos, como
a Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial e o papel
da mulher na sociedade, entre outros. O filme é uma produção
norte-americana, com um enredo que se passa entre 1953 e
1954, tratando da história de Katherine Watson, uma professora
de vanguarda recém-graduada que consegue emprego no
conceituado colégio tradicionalista Wellesley para lecionar aulas
de história da arte.
O SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Newell. EUA:
Columbia Pictures; Sony Pict. Entertainment, 2003. 1 filme (125 min).
Consultar também: SANTANA, M. A. O sorriso de Mona Lisa:
direcionamentos para o trabalho em sala de aula. Revista Espaço
Acadêmico, n. 78, ano 7, nov. 2007. Disponível em: <http://
www.espacoacademico.com.br/078/78santana.htm>. Acesso
em: 27 maio 2011.

–  39  –
Temas Contemporâneos da Educação

Síntese
A intenção do texto não é fazer uma exaustiva revisão bibliográfica,
tampouco um estudo de gênero no Brasil, mas refletir sobre essas relações
entre nós, se há indicadores de novas formas de relações, novas formas de
pensar a política e definir espaços de participação. Apesar da ênfase no
universo feminino, tratamos o gênero em sua dimensão relacional, dinâmica,
em transformação, por entendermos que homens e mulheres são forjados
socialmente. Portanto, gênero não é nascer macho ou fêmea, mas se refere
às construções culturais e históricas, às representações que a sociedade faz do
masculino e do feminino.
Optamos pelo caminho das mudanças cotidianas: o momento da
ruptura, o da solidariedade e o da competição, que divide mulheres e
homens. As mulheres fazem um diagnóstico amargo sobre a hierarquia nas
qualificações masculinas e femininas: entre o trabalho das carregadoras de
piano e o efeito do discurso, na maioria das vezes, feito por outro em seu
nome. Enfim, é uma contribuição para que possamos discutir as relações de
gênero, que são tão essenciais à medida em que sensibilizam não só a nossa
vida, as nossas relações, mas alguns temas, ideias e palavras que as significam,
que muitas vezes têm um significado ambíguo e até contraditório na história
da cultura humana, como identidade, igualdade e diferença.

–  40  –
2.2
Gênero, uma
construção social
(Maria de Lourdes Mazza de Farias)

O estudo de gênero no Brasil, assim como no resto do mundo,


é muito recente, e poderíamos dizer que, por muito tempo, foi
sinônimo de estudos sobre a mulher. Sem dúvida, os estudos
sobre mulheres foram fundamentais para se entender o “sexismo”
(discriminação de um dos sexos), como as relações de gênero em
nossa sociedade são assimétricas e como a mulher é oprimida,
por conta da construção social e subordinada do feminino. Esses
estudos são importantes no sentido de dar visibilidade às mulheres.
Porém, essas constatações abalam muito pouco os paradigmas
teóricos mais amplos.
Temas Contemporâneos da Educação

2.2.1 Gênero, educação e cultura


As preocupações teóricas relativas ao gênero como categoria de análise
emergiram somente no fim do século XX, na Europa e nos Estados Unidos.
No Brasil, esse conceito começa a ser utilizado na década de 80 desse mesmo
século. A maior parte das teorias construiu suas análises a partir da oposição
masculino/feminino, mas o gênero como meio de falar de sistemas de relações
sociais ou entre os sexos não aparecia3 . Tentaremos, a partir das reflexões de
algumas estudiosas, estabelecer um caminho para a apreensão de tal categoria.
Scott (1990) define gênero em duas partes e diversas subpartes, que
são ligadas entre si. Para ela, o gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos.
O gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder e
implica quatro elementos:
ÙÙ Os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações
simbólicas (e contraditórias).
ÙÙ Os conceitos normativos que põem em evidência as interpretações
dos sentidos dos símbolos e tomam a forma típica de uma oposição
binária que afirma o sentido do masculino e do feminino. (Esses
conceitos tornam-se posições dominantes e a história é escrita como
se essa norma fosse produto de consenso mais do que de conflito).
ÙÙ O terceiro aspecto é o rompimento com a noção de fixidez na
representação binária do gênero e inclui na sua análise a política, as
instituições e a organização social.
ÙÙ Scott (1990) ressalta, nesse ponto, a importância de levarmos em
consideração as identidades subjetivas – as maneiras como as iden-
tidades de gênero são realmente construídas, além de relacionar
com uma série de atividades de organizações e representações sociais
historicamente situadas, pois o gênero é construído no parentesco,
na economia, no mercado de trabalho (sexualmente segregado), na
organização política.

3 A esse respeito, ler o texto: LOURO, G. L. Nas redes do conceito de gênero. In:
LOPES, M. J. M.; MEYER, D. E.; WALDOW, V. R. Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.

–  42  –
Gênero, uma construção social

Segundo Gomariz (1992), a ideia geral na qual se distingue sexo de


gênero consiste em que o primeiro refere-se ao plano biológico de que a
espécie humana é uma das que se reproduzem por meio da diferenciação
sexual; o segundo guarda relação com os significados que cada sociedade
atribui a tal plano. Portanto, gênero pode ser explicado como conjuntos de
práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades
elaboram a partir da diferença sexual e que dão sentido, em geral, às relações
entre pessoas sexuadas (DE BARBIERI apud GOMARIZ, 1992, p. 84).
Esses comportamentos são apreendidos socialmente, pois tanto o
masculino como o feminino são criações culturais, e é no processo de
socialização que as pessoas vão se conformando, de forma diferenciada, a
cumprir funções específicas, a modelos que significam um conjunto de
atitudes, normas e expectativas que definem a masculinidade e a feminilidade.
Romper com essa lógica de raciocínio bipolar, além de não ser nada fácil, é
um desafio que está ligado a todas as áreas do conhecimento, bem como às
práticas cotidianas dos sujeitos históricos.
Desde 1980, vários (as) estudiosos(as) têm utilizado o conceito de
gênero para sugerir que “[...] a informação sobre mulheres é necessariamente
informação sobre homens, que um implica o estudo do outro” (SCOTT,
1990, p. 7). Essa forma de pensar o gênero desconstrói a lógica de oposição
binária para trabalhar as relações entre ambos. Isso quer dizer que o mundo
das mulheres faz parte do mundo dos homens e vice-versa, e que:
[...] não se trata de constituir um novo território que será a história
das mulheres, tranquila concessão onde elas poderão se lamentar à
vontade ao abrigo de toda contradição, mas de mudar o olhar a dire-
ção do olhar histórico, colocando a questão da relação entre os sexos
como central (LOPES, 1990, p. 26).

Segundo Lobo (1991), foram as reflexões feministas que motivaram a


utilização do gênero como categoria de análise das relações sociais entre mulheres e
homens, mulheres e mulheres, entre homens e homens. Embora em muitos casos
torne-se corriqueiro usar gênero como sinônimo para mulher, muitas correntes
do feminismo avançam sobre essa constatação, indicando que gênero é um
conceito relacional e muito mais amplo do que a simples referência às mulheres.
O que tem sido criticado por algumas feministas é a permanência da
fixidez da oposição binária entre masculino e feminino, levando, muitas vezes,

–  43  –
Temas Contemporâneos da Educação

a uma discussão essencialista, “Estudiosos pressupõem uma visão única da


condição feminina, o que não é aceitável, quando se rejeita o determinismo
biológico enquanto explicação da persistente desigualdade entre os sexos”
(SORJ, 1992b, p. 16-17).
A construção do gênero como categoria de análise avança na medida em
que nos permite pensar as qualidades humanas, desconstruindo a polaridade
masculino/feminino e pensando não mais nas polaridades, mas nas pluralidades.
Gênero seria, assim, um conceito relacional em que cada um desses polos
se complementa, sendo um constitutivo do outro. Constituindo-se como
uma categoria relacional, sua construção vincula-se à construção histórica da
humanidade, que se faz nas relações sociais entre mulheres e homens, homens e
homens, mulheres e mulheres que são iguais e diferentes entre si, o que nos leva
a pensar na pluralidade social e na existência não de uma única feminilidade ou
masculinidade, mas, sim, de várias e múltiplas4.
Homens e mulheres são, evidentemente, diferentes. Mas não são tão
diferentes como dia e noite, terra e céu, yin e yang, vida e morte.
De fato, do ponto de vista da natureza, homens e mulheres estão
mais pertos um do outro do que qualquer outra coisa – por exemplo,
montanhas, cangurus, ou palmas de coqueiro. A ideia de que homens
e mulheres são mais diferentes um do outro do que qualquer outra
coisa deve provir de algum lugar que não seja a natureza (RUBIM
apud CORNELL; THURSCHWELL, 1987, p. 171).

A ordem social, diferente das florestas, mares e rios, é um produto


humano. As divisões humanas não parecem mais tão naturais como eram
consideradas antigamente, quando as atividades humanas pareciam ser regidas
por leis naturais, fatalidade da qual não podíamos nos esquivar. A sociedade
nos aparecia tão natural quanto a natureza. Embora a divisão entre sociedade
e natureza varie muito e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos
ofereça inúmeros exemplos da ampliação do âmbito da cultura sobre o que
antes era considerado como próprio da natureza, o que se distingue de novo
não é a “natureza” ou a “sociedade”, mas a distinção entre elas. Atualmente,
a condição humana aparece mais como produto da lei, da administração e
manipulação deliberada de homens e mulheres5 .
4 Sobre isso ler o texto de Guacira Lopes Louro, “Gênero, história e educação: cons-
trução e desconstrução” da revista Educação e Realidade, v. 20, n. 2, Porto Alegre, 1995.
5 Sobre esse assunto, ver Sorj (1992a).

–  44  –
Gênero, uma construção social

A luta das mulheres por igualdade de direitos, de oportunidades, de


escolher seus companheiros afetivos, sexuais, casar ou não, ter ou não filhos,
ir a qualquer parte, quebra a noção de domínio historicamente reservado
ao masculino. Na maioria das sociedades ocidentais, começa a se esvanecer,
apaga-se pouco a pouco a linha que separa os campos da masculinidade e da
feminilidade, da maternidade e da paternidade.
A saída maciça da mulher do ambiente doméstico para o mercado de
trabalho lhe permitiu romper com determinadas relações na família e na
sociedade. Essas transformações no modo de viver das mulheres, entretanto,
em muitos casos, sobrecarregou-as em duplas e até triplas jornadas de trabalho,
pois muitos homens ainda não dividem com suas companheiras as tarefas
domésticas. Muitas vezes, para romperem com o casamento, separam-se
levando os filhos, tendo que arcar sozinhas com a sua educação e sustento. Esse
reconhecimento da sua não submissão, essa disposição de fazer a história à sua
maneira, ser sujeito do seu destino, abala os homens, abala a família e abala,
profundamente, os paradigmas que se estruturavam na base das diferenças
biológicas e que foram historicamente transformando-se em desigualdades
sociais, que atingiam, e ainda atingem, diretamente as mulheres. Muitos homens
se sentiram e se sentem abalados, mas reconhecem isso como um avanço, têm
discutido e procurado avançar junto com suas companheiras.
Alguns homens, mesmo entrando em crise, conseguem perceber que
acabar com o sexismo nas relações de gênero é um papel também masculino.
Não tem sido fácil para as mulheres, por terem sido mais oprimidas, mas
também não tem sido fácil para os homens, porque isso está no disciplinamento
do corpo, da vida, dos costumes, o papel que cada um tem. Romper com
isso não é fácil devido às representações existentes. O que torna um homem
“homem”, uma mulher “mulher”? Quantas são as combinações possíveis
entre homens e mulheres, mulheres e mulheres, homens e homens? Será que
as relações entre as pessoas não vão além desses papéis preestabelecidos?
A dinâmica do gênero está justamente em podermos falar das
“feminilidades” tanto quanto das “masculinidades”, tanto em uns quanto em
outras, portanto,
[...] o gênero é muito mais que interações face a face entre homens
e mulheres [...]. O gênero é uma estrutura ampla, englobando a
economia e o estado, assim como a família e a sexualidade [...]. O

–  45  –
Temas Contemporâneos da Educação

gênero é também uma estrutura complexa, muito mais complexa


do que as dicotomias dos “papéis de sexo” ou a biologia reprodutiva
sugeririam (CONNEL, 1996, p. 189).

Essa reflexão nos leva a entender que devemos repensar e recriar a


identidade de gênero sob um ponto de vista em que a pessoa, seja homem
ou mulher, não tenha que adaptar-se a estereótipos, que negam dimensões
importantes da vida para ambos. Somente dessa maneira as qualidades
humanas, que são tanto masculinas quanto femininas, podem ser vivenciadas
tanto por uns (umas) quanto por outros (outras) sem constrangimentos.
Concordamos com Butler quando ela afirma que,
[...] embora segundo Beauvoir nos “tornemos” nossos gêneros, o
movimento temporal desse tornar-se não segue uma progressão
linear. A origem do gênero não é temporal, descontínua
precisamente porque o gênero não é originado de repente em
algum ponto do tempo depois do que assume forma definitiva.
Sob importante aspecto, o gênero não é historiável a partir de uma
origem definível porque, por sua vez, é uma atividade originante
que acontece sem cessar. Já não mais entendido como produto
de antigas relações culturais e psíquicas, o gênero é um modo
contemporâneo de organizar normas passadas e futuras, um modo
de nos situarmos e através dessas normas, um estilo ativo de viver
nosso corpo no mundo (1987, p. 142).

Esse modo de nos situarmos, de viver ativamente o nosso corpo no


mundo, tem a ver com o patrimônio cultural que cada pessoa vai absorvendo
durante o seu processo de educação, de sua vida em uma determinada
sociedade. E é esse conjunto de relações que vai lhe possibilitando, ou
não, fazer rupturas. E como a partir de então vai estabelecendo relações
mais igualitárias.
Uma compreensão mais ampla de gênero exige que pensemos não
somente que os sujeitos se fazem homem e mulher num processo
continuado, dinâmico (portanto não dado e acabado no momento
do nascimento, mas sim construído através de práticas sociais mascu-
linizantes e feminizantes, em consonância com as diversas concepções
de cada sociedade); como também nos leva a pensar que gênero é
mais do que uma identidade apreendida, é uma categoria imersa nas
instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a
igreja, etc. são ‘generificadas’, ou seja, expressam as relações sociais de
gênero) (LOURO, 1995, p. 103).

–  46  –
Gênero, uma construção social

O conceito de gênero amplia uma discussão que, por algum tem-


po, foi considerada específica das mulheres. Questiona o conceito de
“homem universal”, bem como de “mulher universal”, para situá-los como
pessoas sexuadas6 , inseridas em um tempo histórico e em um espaço
cultural determinados. Rompe com a noção de sujeito universal, neutro,
assexuado 7.
A ênfase nas relações supõe um fluxo contínuo de e entre poderes
provenientes de múltiplos pontos (hierarquizados, heterogêneos
e instáveis) ao mesmo tempo produtores e produzidos em tais
interações; esta perspectiva de dispersão, de mobilidade, de trans-
versalidade e encadeamento entre redes sustenta a noção de que
poder não é (sempre) algo repressivo, que se possui e/ou conserva,
nem é (só) o controle de um conjunto de instituições, mas, prin-
cipalmente, um exercício produtivo no jogo das relações sociais
(MEYER, 1996, p. 46).

Podemos dizer que “a categoria gênero teria a ambição maior de atravessar


e interrogar todos os campos disciplinares sem reivindicar um território
próprio. Trata-se, portanto, de um instrumento de crítica, de construção e
reconstrução dos discursos disciplinares” (COSTA, 1996, p. 67).
O gênero como conceito relacional que atravessa e interroga todos os
campos da vida social está estritamente ligado à discussão que se insere nas
fronteiras da modernidade e da pós-modernidade 8:

6 Lembramos que as pessoas podem ser homossexuais, heterossexuais, bissexuais, podem viver
a sua sexualidade de diversas formas, ao mesmo tempo em que podem ser de uma ou outra
classe, negras, brancas ou índias. O que significa dizer que as pessoas são atravessadas por várias
e múltiplas identidades.
7 Louro destaca que “desconstruir a polaridade rígida dos gêneros significaria problematizar
tanto a oposição entre eles quanto a unidade interna de cada um. Implicaria observar que o
polo masculino contém o feminino (de modo desviado, postergado, reprimido) e vice-versa;
implicaria também perceber que cada um desses polos é internamente fragmentado e dividido”
(1997, p. 32).
8 Berman (1996, p. 23) questiona: “o que aconteceu, no século XX, ao modernismo do
séc. XIX? A modernidade é um vir a ser, uma aventura a que estamos predestinados desde o
início dos tempos?”. O pós-modernismo, para o autor, se esforça para cultivar a ignorância da
história e da cultura moderna e se manifesta como se todos os sentimentos humanos, toda a
expressividade, atividade, sexualidade, subjetividade, etc. acabassem de ser inventados pelos(as)
pós-modernos(as) – e fossem desconhecidos, ou mesmo inconcebíveis, até a semana passada.

–  47  –
Temas Contemporâneos da Educação

Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aven-


tura, poder, alegria, crescimento, transformação de si e do mundo
e, ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que temos, tudo
o que sabemos, tudo o que somos. Os ambientes e experiências
modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da etnicidade,
da classe e da nacionalidade, da religião e da ideologia; nesse sen-
tido, pode-se dizer que a modernidade une toda a humanidade.
Mas trata-se de uma unidade paradoxal, uma unidade da desuni-
dade; ela nos arroja num redemoinho de perpétua desintegração e
renovação, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser
moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx,“tudo
o que é sólido desmancha no ar” (BERMAN apud HARVEY,
1989, p. 21).

Sendo assim, estamos vivendo um tempo entre teorias gerais e parti-


culares que compartimentam problemáticas, as quais atravessam as relações
sociais e, ao serem circunscritas a espaços específicos, são isoladas e perdem
todo o alcance e a extensão, o que nos leva a concordar com Harvey, quando
ele questiona o pensamento pós-moderno:
[...] um potencial revolucionário em virtude de sua oposição a todas
as formas de metanarrativa (incluindo o marxismo, o freudismo, e
todas as modalidades de razão iluminista) e da sua estreita atenção a
“outros mundos” e “outras vozes” que há muito estavam silenciadas
(mulheres, gays, negros, povos colonizados com sua história própria.
(HARVEY, 1989, p. 47).

Consideramos que é à luz das teorias da modernidade que podemos


começar a compreender muitas das divisões características entre o público e o
privado; o político e o social, o econômico e o familiar, em cujas esferas a vida
e as experiências das mulheres se desenrolaram.
Mesmo que de forma parcial, concordamos com Sorj quando ela discute
sua peculiar inserção nas fronteiras da modernidade e da pós-modernidade,
apontando que:
[...] aquelas que permanecem, basicamente, no campo da moder-
nidade poderão encontrar no discurso pós-moderno um poderoso
antídoto para as tendências totalizadoras e até mesmo intolerantes,
presentes em seu discurso. Por outro lado as feministas pós-moder-
nas não podem desconhecer que a modernidade, como um campo
unificado do social, continua presente demandando um esforço de
identificação de dominadores comuns, mais além das afirmações par-
ticularistas (SORJ, 1992b, p. 22).

–  48  –
Gênero, uma construção social

2.2.2 Relações sexistas na família,


na escola e na sociedade
O sexismo é uma prática discriminatória em relação a um dos sexos
e é tão condenável quanto a que atinge os indivíduos em função de sua
orientação sexual, etnia, religião ou filiação partidária. O preconceito com o
qual se liga o sexo desfavorece as mulheres. Esses estereótipos são levados a tal
ponto que a valorização de uns (homens) é inseparável da desvalorização de
outros (mulheres).
As afirmações de que os homens são fortes, valentes, corajosos, agressivos
e as mulheres passivas, sensíveis, delicadas, discretas são julgamentos
sexistas, porque tendem a fazer essas características inerentes ao homem e à
mulher. Convivemos com pessoas, homens e mulheres, com todas elas nos
identificamos um pouco, mas logo que nascemos a sociedade estabelece que
devemos pertencer e viver conforme um desses dois grupos.
Agindo segundo estereótipos sexistas, o espírito humano funciona de
maneira binária, atribuindo às mulheres qualidades e fraquezas que
são negadas aos homens, ao mesmo tempo que estes se veem cumula-
dos de qualidades e defeitos que são negados às mulheres (MICHEL,
1989, p. 18-19).

Na realidade, não existem qualidades “masculinas” ou “femininas”. O


que existem são qualidades humanas, necessidades humanas. Nascemos bebês
(com pênis e vagina), é a sociedade que nos torna homens e mulheres, dentro
de normas, valores e crenças, em que a heterossexualidade é tratada como
estável e natural.
Nossa cultura arranja os relacionamentos entre as populações masculina e
feminina dentro de normas heterossexistas, o que perpetua a construção social
do gênero de forma fixa. Lésbicas e gays são discriminados por libertarem-se
dos rígidos papéis de gênero masculino e feminino. “A ‘homofobia cultural’
não é apenas o temor de ser identificado(a) com o homossexualismo, mas
também uma crença em que ser gay ou lésbica significa perda da identidade de
gênero socialmente construída” (ARRIOLA, 1994, p. 410). Se o pensamento
funciona em termos de oposição, a força do pensamento crítico é a de não
transformá-lo em camisa de força ou de meramente inverter a hierarquia de
valor, mas, ao contrário, de aprofundar nossa visão de como esses polos se

–  49  –
Temas Contemporâneos da Educação

interpenetram na vida social, o feminino no masculino, o privado no público,


e vice-versa (SORJ, 1992b).

2.2.2.1 Família
A família é um lugar fundamental de reprodução de relações sexistas.
É no seio da família que os meninos e meninas recebem uma educação
diferenciada, aprendendo diferentes papéis. O menino aprende a ser agressivo,
racional, seguro, independente, frio, forte e polígamo, características
identificadas à masculinidade. A menina aprende a ser dócil, emocional,
insegura, dependente, frágil, bela e monógama, símbolos da feminilidade. A
divisão do trabalho entre os pais de acordo com o sexo também reforça essa
identificação, uma vez que os homens não são socializados para a vida no lar.
A questão do desemprego é um exemplo interessante. A mulher pode, entre
aspas, ficar desempregada sem culpa, afinal, ela volta ao lar, onde é “o seu
lugar”, e ainda pode aproveitar para ter mais um filho.
Atualmente, sabemos que a família monogâmica aparece em cena com a
finalidade primeira de procriar filhos de paternidade incontestável. Portanto,
a monogamia não surge na história como uma espécie de reconciliação
entre o homem e a mulher, e menos ainda como a forma mais elevada de
família. Comparece em cena sob a forma da sujeição de um sexo ao outro, da
proclamação de um conflito entre os sexos até aquele momento desconhecido
na história. A primeira opressão de classe manifesta-se com a opressão do sexo
feminino por parte do masculino (ENGELS, 1984).
Os historiadores têm observado que a tendência a relegar a mulher
ao espaço privado data do final do século XVIII. Na Europa, a Revolução
Francesa impulsiona essa evolução nas relações entre os homens e as mulheres
e na concepção de família, “[...] porque a revolução tinha demonstrado os
resultados possíveis (e o perigo para os homens) de uma inversão da ordem
‘natural’” (HUNT, 1995, p. 51). Contudo, é no século XIX que as mulheres
são relegadas à esfera privada de uma forma bem mais profunda. Cada gênero
era diferenciado por natureza, e por isso com características muito próprias.
A mulher, então considerada muito frágil pela sua natureza, devia ser
protegida do mundo público e, assim, foi convertida no símbolo do privado;
cumpridora de seus deveres familiares, cuidando do marido e dos filhos,

–  50  –
Gênero, uma construção social

constituía o centro da família, enquanto o homem viria a ser definido, por


suas atividades exteriores, à vida pública. As mulheres vão se distanciando
cada vez mais desse mundo, fazendo da maternidade e da administração do
lar sua profissão. Começa a se fundar, assim, a masculinidade dependente da
capacidade de o homem prover a sua família e a feminilidade sobre a mulher
dependente, dedicada exclusivamente ao lar. As mulheres que trabalhavam
fora eram tidas como pouco femininas, pelo menos entre a burguesia. Para as
mulheres das classes trabalhadoras, era um pouco diferente.
As mulheres podiam ter um ofício, se fosse um prolongamento de
seu papel feminino “natural”. Não se considerava inconveniente que
as empregadas domésticas limpassem, cozinhassem e cuidassem das
crianças. O ofício de costureira ou de modista também era compatível
da mesma forma que as profissões ligadas à alimentação. Mas certos
ofícios executados por mulheres eram considerados totalmente
incompatíveis com a natureza delas, principalmente se fossem
exercidos num ambiente misto (HALL, 1995, p. 81).

Esses ambientes mistos eram, principalmente, as minas de exploração


de minérios, onde as mulheres pobres dividiam com seus companheiros
as péssimas condições de trabalho. Elas detestavam essas condições, mas
precisavam do dinheiro. Os mineiros, tanto quanto a burguesia, não viam
com bons olhos esse ofício para as mulheres. Se para os primeiros era uma
afronta à moral pública e uma ameaça à família operária, para os segundos
não era só o fato de suas mulheres, como as burguesas, terem direitos a uma
vida digna fora das minas, mas de que o trabalho feminino era uma ameaça,
pois a presença das mulheres mantinha baixos os salários.
Assim é que, ao mesmo tempo em que os homens (operários) são
considerados trabalhadores, as mulheres são relegadas ao papel de apenas
esposas e mães. A criança9 começava a ser uma preocupação da sociedade
como um todo e, com os ideais de cidadania, “o filho da pátria” passa a ser o
filho da mãe. O filho aparece na história como preocupação da mulher. Os
conceitos baseados na diferença biológica entre os sexos ganham força e se
justificam na forma de estruturação familiar.

9 Sobre o assunto, ver: História social da criança e da família (ARIÈS, 1991). Nessa obra,
o autor desenvolve o quadro de transformação pelo qual foi passando a criança e a família.
Outra leitura fundamental, também sobre esse tema, é O sexo e o ocidente (FLANDRIN, 1988),
especificamente o capítulo 3.

–  51  –
Temas Contemporâneos da Educação

A família é a garantia da moralidade natural. Funda-se sobre o casa-


mento monogâmico, estabelecido por acordo mútuo; a família torna-
-se assim a pedra angular da sociedade moderna, átomo da sociedade
civil, é a responsável pelo gerenciamento dos “interesses privados”, cujo
bom andamento é fundamental para o vigor dos Estados e o progresso
da humanidade [...] Como célula reprodutora, ela produz as crianças
e proporciona-lhes uma primeira forma de socialização. Garantia da
espécie, ela zela por sua pureza e saúde. Cadinho da consciência nacio-
nal, ela transmite os valores simbólicos e a memória fundadora. É a
criadora da cidadania e da civilidade (PERROT, 1995, p. 105).

A educação sexista é dada primeiramente pela família, seguindo


estereótipos que são construções sociais de como o masculino e o feminino
são percebidos. Essas construções se fundamentam nas diferenças e é dentro
da família, primordialmente, que se dá essa “naturalização” de um processo
que é cultural. Então, vamos formando as nossas identidades, tendo o
homem (masculino) de um lado e a mulher (feminino) do outro, como
“modelos”. Existe uma infinidade de exemplos que podem demonstrar essas
diferenças construídas.
O homem pode brigar, pode sentir, mas não deve demonstrar; homem
não chora; não pode ser muito vaidoso; deve ser o “cabeça” do casal,
não deve ser servil dentro de casa; pode ter músculos, mas demonstrar
o afeto que tem por outro homem que não seja seu pai ou avô, apenas
com tapinhas. Já a mulher deve ser passiva, sensível e delicada; não
deve competir com o homem; deve ser mãe e responder pela educação e
solicitação dos filhos; pode trabalhar fora desde que mantenha a casa em
ordem e, de preferência, seus rendimentos devem ser menores que os de
seu companheiro, para não desestabilizar a vida do casal; pode ser afetiva e,
uma qualidade fundamental, deve ser recatada e discreta. Tudo que fugir a
essas regras é indicativo de problema. E esses são os modelos que devem ser
incorporados pelas pessoas, sob pena de serem marginalizadas ou mesmo
encaminhadas para tratamento psiquiátrico.
Dentro dessa perspectiva, muitas pessoas aprendem a se esconder,
então aprender a se esconder passa a fazer parte do capital social da pessoa
(BRITZMAN, 1996). Referimo-nos aqui, mais especificamente, à questão
da homossexualidade, bissexualidade, ou outra forma de opção que não seja
a heterossexual.

–  52  –
Gênero, uma construção social

Nenhuma identidade sexual – mesmo a mais normativa – é auto-


mática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual
existe sem negociação ou construção. Não existe, de um lado, uma
identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para ser
assumida, e de outro, uma identidade homossexual instável, que deve
se virar sozinha. Em vez disso, toda identidade sexual é uma constru-
ção instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não
finalizada. É uma relação social no interior do eu, e como os “outros”
seres, a identidade sexual está sendo constantemente rearranjada,
desestabilizada e desfeita pelas complexidades da experiência vivida,
pela cultura popular, pelo conhecimento escolar e pelas múltiplas e
mutáveis histórias de marcadores sociais como gênero, raça, geração,
nacionalidade, aparência física (BRITZMAN, 1996, p. 74).

Atualmente, a partir das lutas dos homossexuais, das mulheres e das


transformações ocorridas na sociedade (o direito da pessoa à cidadania),
aceita-se com mais facilidade a ideia da diversidade sexual, como uma maneira
legítima de assumir a sexualidade. Mas em alguns meios, como a Igreja e
a família, ela ainda é tratada como perversão ou doença, o que dificulta o
entendimento de que a sexualidade, diferente do sexo, é uma construção
social, contraditória e complexa, não acabada.
Não é possível fixar um momento – seja esse o nascimento, a adoles-
cência, ou a maturidade – que possa ser tomado como aquele em que
a identidade sexual e/ou a identidade de gênero seja “assentada” ou
estabelecida. As identidades estão sempre se constituindo, elas são ins-
táveis e, portanto, passíveis de transformação (LOURO, 1997, p. 27).

A falta desse entendimento reforça a ideia do masculino e do feminino,


sempre em oposição, para sexos diferentes, atitudes diferentes.

Sugestão de Leitura
O texto “Corporalidade e desejo: tudo sobre minha mãe e o
gênero na margem” analisa o filme Tudo sobre minha mãe, do cine-
asta espanhol Pedro Almodóvar, que enfoca a personagem travesti
Agrado. Depois de uma comparação com outros filmes que abor-
dam o fenômeno transgênero, é feita uma discussão em torno da
noção de corporalidade e da construção do sujeito, dialogando,
sobretudo, com as teorias do corpo da etnologia ameríndia brasileira.

–  53  –
Temas Contemporâneos da Educação

O ensaio busca propor alguns elementos para uma reflexão sobre


a importância da análise de experiências de margem na renovação
teórica no campo dos estudos feministas e de gênero.
A experiência corporificada de “tornar-se outro” dramatiza os
mecanismos de construção da diferença e se apresenta como
um empreendimento anti-hierárquico desestabilizador de políti-
cas dominantes da subjetividade.
MALUF, S. W. Corporalidade e desejo: tudo sobre minha
mãe e o gênero na margem. Rev. Estud. Fem. [online], v. 10,
n. 1, 2002, p. 143-153.

Ainda no útero, os bebês já estão predestinados a seguir este ou aquele


modelo, vale dizer que essa separação entre masculino e feminino, do mundo
público para os meninos e do mundo privado para as meninas, já se determina
antes do nascimento.
Os meninos são esperados para grandes coisas: vencer na vida, realizar
descobertas, ajudar no sustento da família. A menina é esperada para fazer
companhia à mãe, ajudar nos afazeres domésticos. Nos primeiros anos
de vida, a educação em família é fortemente domesticadora tanto para os
meninos quanto para as meninas.
Em algumas sociedades, os homens já começam a dividir com suas
companheiras o trabalho doméstico, o cuidado com os filhos. No Brasil,
ainda são raros os homens que entendem como sua tarefa também esse
trabalho. Por que os homens, em sua maioria, não aceitam fazer trabalhos
domésticos? Porque não são socializados para isso. As meninas são orientadas
para brincadeiras que se referem a esse mundo doméstico, brincando de
casinha, de boneca e ajudando em pequenas tarefas, e se elas se direcionarem
para outro tipo de atividade, logo aparecerá alguém para protegê-las ou
repreendê-las.
Sabemos que, cada vez mais, os meninos brincam de casinha e as meninas
chutam bola, mas os modelos continuam, tanto que podemos perceber o

–  54  –
Gênero, uma construção social

quanto as meninas se sentem atraídas pelas “brincadeiras de meninos”, mas eles


quase nunca se sentem atraídos pelas “brincadeiras de meninas”, obviamente
pela carga cultural de valorização e de conformação que há em cada uma
delas e, também, porque esse tipo de trabalho ameaça a sua virilidade. Essas
diferenciações ainda são muito fortes e perpassam, de maneira sutil, todos os
espaços da vida cotidiana. Se formos a uma loja e pedirmos um presente para
uma criança, ouviremos, imediatamente, “menino ou menina?”.
Concordamos com Whitaker (1988) quando ela afirma:
Nada mais democrático do que o pluralismo – exaltação e convivên-
cia entre os diferentes. O lado negativo da diferenciação entre os seres
humanos ocorre quando as diferenças são interpretadas como inferio-
ridades dos “diferentes”, o que se faz evidentemente tomando como
padrão, em nosso tipo de sociedade, o indivíduo do sexo masculino,
branco, cristão e ocidental (1988, p. 41).

O ser humano tem um potencial enorme para a diferença, que não pode
fazer parte de uma criação em diferenciada, pois isso gera uma dualidade
de pensamento que violenta, desde a mais tenra idade, tanto meninas
como meninos.

2.2.2.2 Escola
Depois da família, a escola é o lugar mais importante de socialização
da criança, é a primeira experiência de relações fora do círculo familiar. Pela
influência que a escola exerce sobre a pessoa, é importante compreendermos
o papel que ela desempenha no reforço ao sexismo, porque nela se transmitem
valores da cultura, da sociedade, pois o mesmo esquema hierárquico
(autoritário-burocrático) da sociedade é o que informa a escola.
O sexismo aparece logo que se faça uma análise, mesmo que superficial,
na conformação do espaço/tempo, no tipo de ensino, nos textos e livros
didáticos, nas atividades, na divisão do trabalho, nas relações de trabalho, nas
relações professor (a) e alunos(as), nos jogos.
Há uma resistência em relação às questões que dizem respeito à sexuação,
especialmente no ensino fundamental e na educação infantil, em que a teia de
representações de identidades de gênero na constituição da infância se estabelece,
é duradoura e define valores, comportamentos e atitudes na vida da pessoa. É

–  55  –
Temas Contemporâneos da Educação

na infância que o indivíduo começa a incorporar as representações do que é ser


homem e do que é ser mulher. As representações exercem um papel fundamental
na forma de viver das pessoas, elas englobam valores, preconceitos, crenças que
as pessoas vão construindo nas relações sociais e determinam as formas como
se relacionam com a realidade. Na escola, se aprendem e se constroem atitudes
que muitas vezes fazem do espaço escolar, no dia a dia, uma repetição de gestos e
símbolos nem sempre libertadores; ao contrário, mantêm aprisionados homens
e mulheres. Mesmo com o número crescente de pesquisas nessa área, essas
discussões ainda não chegaram ao cotidiano da escola, mostrando que ela ainda é
uma das principais instituições no reforço ao sexismo. É comum no cotidiano da
escola a perpetuação de estereótipos masculinos ou femininos, que se reproduzem
na sociedade, tais como: menina é recatada, submissa; enquanto que ao menino
pode ter atitudes de decisão, conforme relato da professora FARIAS, 1988:
[...] daí pinta o seguinte dentro da própria sala, você tem sempre meni-
nas que tem, entre aspas, uma postura considerada masculina, elas são
decididas, elas são educadas para vencer seja lá de onde saia a família,
mas elas tem esse ímpeto, e isso atrapalha os meninos a sala, [...] ela
atrapalha, ela é uma menina que não se põe no seu lugar, os meninos
tem essa ideia. E o pior ainda, eu uma vez tive uma aluna que era líder,
e ela me enfrentava, foi um problema, até que eu me toquei que ela me
enfrentava porque eu era mulher, quando a gente dá espaço para rela-
ções dentro da sala você consegue trabalhar inclusive você. E eu fui per-
cebendo que ela não me enfrentava, o que me enfrentava era o ser dela
desprendido, e ela dizia, eu não soube fazer a lição o que você vai fazer
comigo? Então essas questões eu fui aprendendo a trabalhar dentro da
própria sala, e ao mesmo tempo fui me questionando, quando eu tinha
essa idade o que é que eu fazia? Bem eu calava a boca, mas por quê?
Porque eu era menina e menina tinha que ficar quieta, quando você
volta, você começa a entender o que está acontecendo. Por isso você não
pode esquecer que ao mesmo tempo que você está trabalhando com
conteúdos está trabalhando com pessoas, e essa relação é entre homens,
mulheres (crianças) e eu que sou adulta, não é homogêneo, e se você
não estiver aberto para isso, [...] tudo se restringe a nota e ninguém
cresce nada (Paule) (FARIAS, 1998, p. 37).

O relato comprova o quanto a escola contribui para a continuidade


dos estereótipos.
Embora tanto as mulheres quanto os homens tenham sido educados (as)
de forma autoritária e repressiva e, por conseguinte, costumem reproduzir

–  56  –
Gênero, uma construção social

como educadores(as) os mesmos valores que receberam, o certo é que esse


tipo de educação pesa muito mais sobre as mulheres. Por que quase não se
encontram educadores na primeira infância? Porque educar crianças não é
ofício para homens. Ainda persiste a ideia de que a única pessoa considerada
apta para se ocupar com crianças é a mulher. A sua “condição feminina” lhe
daria “dotes naturais” para o cuidado das crianças, tanto que existe uma fase
da educação infantil chamada “maternal”.
No final do século XVIII aparece a imagem da boa mãe, a exaltação do
amor materno, que vai engendrar o mito que continua vivo até os dias de
hoje, o do amor natural e espontâneo de toda mãe pelo seu filho. Mãe em
casa, tia na escola. Embora saiba-se que, em muitas instituições, a tia já tenha
virado professora, o que é um grande avanço. De qualquer forma, a presença
de professores homens é muito saudável, tanto para as crianças quanto para os
professores, mas não muda nada se as relações que se estabelecem são sexistas.
Os professores e professoras, de modo geral, preferem alunas meninas
porque via de regra elas são “bem-comportadas”, o que é uma característica
mais do que esperada, deve fazer parte da sua natureza. Não nos esqueçamos
que o menino sofre processo semelhante, só que em outra direção. Muitos
professores e professoras têm mais consciência desses estereótipos e estão
tentando melhorar de alguma forma, questionando esses modelos no
currículo, nos textos e conteúdos trabalhados dentro da sala de aula.
Com o objetivo de exemplificar o que acontecia em nossas práticas
cotidianas em relação ao tema, são utilizadas algumas entrevistas 10, nas quais
podemos perceber como esses esquemas ainda estão presentes em nossa
sociedade. As entrevistas demonstram como é difícil romper com esquemas
formais, unilaterais, principalmente porque ainda somos educados dentro
de limites bipolares excludentes (feminino/ masculino, razão/sensibilidade,
bem/mal, corpo/alma). Os professores (homens) entrevistados, em sua
maioria, tiveram uma formação educacional religiosa e suas falas demonstram
o quanto ela foi prejudicial.
A gente confessava, padre eu fiz coisa feia, imagine o corpo, as partes feias
do corpo, os livros na biblioteca os sexos tapados dos anjinhos e o duro é

10 Essas entrevistas constam na dissertação de mestrado de Maria de Lourdes Mazza de


Farias, intitulada Nem rosa, nem azul: relações de gênero na família, na escola e no sindicato,
Curitiba, UFPR, 1998.

–  57  –
Temas Contemporâneos da Educação

que a gente acreditava realmente nisso, a gente nunca conseguia contes-


tar, então a direção que eles imprimiam era realmente para a sublimação.
A nudez era uma coisa quase que inconcebível, a formação não permitia
isso, a nudez era uma coisa horrorosa, identificada com o pecado, era a
negação do corpo, dentro da dicotomia corpo e alma, o corpo atrapalha
a salvação que a alma busca. Evidente que uma relação complicada, até
hoje a gente tem essa relação nada fácil com o feminino (Henri).
Eu tive uma formação religiosa. A igreja castrava muito, tudo era
pecado. E o medo vinha junto com a sexualidade, o medo estava
sempre presente. As figuras religiosas nunca têm sexo. Os anjos são
assexuados, essa visão da igreja é ruim demais para as crianças, que
entendem que essas figuras celestiais, são figuras do bem, e que o
sexo não está ali. Ficou esta ideia muito forte [...] Todas as mulhe-
res são prostitutas, a mulher andou na rua à noite é prostituta, se
visse uma mulher fumando é prostituta. Cuidado. Essas coisas que
me diziam, os professores mesmo. Eu tinha um medo muito grande
(Luc) (FARIAS, 1998, p. 37).

Não vamos nos aprofundar nas questões religiosas, pois o importante aqui
é destacar que a Igreja também cumpre um importante papel no reforço ao
sexismo, à visão de mulher “santa” ou “prostituta”. Não foi à toa que o movimento
feminista adotou algumas palavras de ordem como “nem santas nem prostitutas,
agora somos mulheres” ou “as boas vão para o céu, as más a qualquer parte”.
Apesar de a escola ser um ambiente propício à troca, são raras as iniciativas
que têm proporcionado aos (às) alunos(as), por meio de debates, conversas,
jogos e brincadeiras em sala, momentos de reflexão sobre a sexualidade, suas
relações, seus conflitos e contradições. No entanto, a escola tem sido chamada
a intervir, pois os alunos cada vez mais expõem suas questões, suas dúvidas.
Porém, muitas vezes, essa forma de intervenção é conservadora, calcada na
reprodução, enfocando apenas o corpo biológico, descolado de sua dimensão
social, cultural, afetiva, em que se prende efetivamente esse corpo.
Enguita (1989) argumenta que as acusações, sem dúvida justas,
que podem ser feitas contra a educação formal, se dão no sentido de que
contribuem para reproduzir o sexismo – através do conteúdo do ensino,
dos estereótipos presentes na interação informal, da orientação escolar e
profissional indicada por preconceitos de gênero, etc. Isso não deve ocultar
o fato de que, com a generalização da educação, o espaço cotidiano das salas
de aula, provavelmente, tem sido o cenário em que menos se discriminam as

–  58  –
Gênero, uma construção social

pessoas por seu sexo ou gênero. Se olharmos historicamente como eram as


escolas antes, divididas por sexo, ou mesmo um espaço até há pouco proibido
para mulheres, podemos entender tal colocação, mas não podemos esquecer
que existem muitas outras formas mais sutis de discriminação que estão
presentes na linguagem, nos gestos, na divisão do espaço, nos símbolos e
códigos existentes dentro da escola. Essa forma de abordar a questão acaba
por isentar a escola, fazendo com que não se trabalhem essas problemáticas
de forma séria e sistemática.
Devido à falta de instrução e de escolas para as mulheres, o trabalho
profissional lhes foi por muito tempo inacessível. Com a expansão da educação,
a situação melhorou, e a mulher passou a participar da rede de ensino quase
na mesma proporção que os homens. Isso vai despertar a consciência das
mulheres que se viam limitadas e freadas pelo trabalho doméstico e o cuidado
da família, sintetizados na dicotomia estabelecida pela ideologia dominante:
o mundo dos homens (externo, de trabalho, a coisa pública, a chefia, o poder)
e o mundo das mulheres (interno, doméstico, a coisa privada, a submissão, a
opressão), fundamentalmente esposas e mães.
De fato, a expansão das redes de ensino absorveu a mão de obra feminina.
Isso está muito ligado ao fato de a mulher ter sido, por muito tempo, a
única responsável pelo trabalho doméstico (calcula-se que uma “dona de
casa” trabalha em média 56 horas por semana). Esse trabalho invisível e de
pouca satisfação pessoal, tão pouco socializado com os outros membros da
família, ao mesmo tempo em que representa uma contribuição enorme à
vida coletiva, afasta as mulheres, pelo menos parcialmente, do mercado de
trabalho. Some-se a isso que o trabalho de ensinar foi considerado, ao longo
dos anos, uma extensão do trabalho doméstico, da maternagem, enfim,
“coisa de mulher”.
Com um grau maior de instrução, as mulheres puderam se inserir em maior
número no mercado de trabalho formal, mas ingressaram, fundamentalmente,
em profissões consideradas femininas, ou que foram se feminilizando ao
longo do tempo, como no caso da educação. Mesmo assim, “os recursos e
oportunidades oferecidos às mulheres beneficiaram principalmente as regiões
mais desenvolvidas do país, o sudeste, mais branco, mais urbano” (SARTI,
1988, p. 40).

–  59  –
Temas Contemporâneos da Educação

De acordo com os dados de um censo feito em 1980, o corpo docente


no Brasil era composto majoritariamente por mulheres (87%), de maneira
absoluta no pré-primário (99%) e minoria no ensino superior (30%).
Ainda assim, Rosemberg (1992) constata que, em uma categoria composta
majoritariamente por mulheres, os homens ocupavam os postos mais elevados,
tanto em prestígio quanto em salário.
Se, de um lado, a história do trabalho dos homens e das mulheres
apresenta características comuns (escravidão, servidão, artesanato, manufatura,
indústria), sempre existiram diferenças profundas, porque nunca o sexo
feminino enfrentou o trabalho nas mesmas condições que o masculino. A
inserção da mulher no mercado de trabalho sofreu importantes modificações nas
últimas décadas, aumentando consideravelmente a sua presença na população
economicamente ativa.
Atualmente, no Brasil, elas representam aproximadamente 41% dessa
população e recebem, em média, pouco mais da metade do salário dos
homens. O salário das mulheres no Brasil era equivalente a 68% do salário dos
homens em 1981, mas em 1996 já equivalia a 80%. Se os salários de homens
e mulheres no país fossem estabelecidos apenas com base nas características
de cada um, as mulheres ganhariam mais do que os homens e essa diferença
cresceria entre os anos pesquisados. Em 1981, as características determinavam
um diferencial de 18% em favor das mulheres, em 1988, de 21%, e em 1996,
de 22% (GIUBERTI; MENEZES-FILHO, 2005).
A concentração de mulheres em determinadas profissões consideradas
femininas tem facilitado o rebaixamento salarial dessas categorias como um
todo. Existe um lugar determinado para a classe trabalhadora na sociedade
capitalista, mas existe um lugar dos homens trabalhadores e um lugar para
as mulheres trabalhadoras. Ou seja, o sistema capitalista não trata da mesma
forma o trabalhador e a trabalhadora, ao definir seu lugar no mundo do
trabalho. A exploração de classe é comum a todos; no entanto, ela assume
características diferenciadas e desiguais em função do sexo dos sujeitos que
compõem a classe, se soma e se articula às relações sociais de gênero que se
estendem por todos os aspectos da vida social.
Nesse sentido,
[...] uma análise da categoria docente não pode ser simplesmente uma
análise de classe: tem que ser também, necessariamente e na mesma

–  60  –
Gênero, uma construção social

medida, uma análise de gênero. Se isto é verdade para praticamente


qualquer categoria de trabalhadores, mais verdadeiro será para um
setor que, como o dos docentes, está constituído em sua maioria por
mulheres (ENGUITA, 1989, p. 52-54).
Apesar de o magistério de ensino fundamental e médio ser composto,
em sua maioria, por mulheres, as pesquisas, os enunciados, os textos e as falas
(das próprias mulheres) são feitas no masculino, o que comprova mais uma
vez que todas as relações e instâncias sociais são instituídas pelos gêneros, ao
mesmo tempo que também os instituem.
Podemos afirmar que, atualmente, as mulheres brasileiras melhoraram
consideravelmente seu nível educacional, apresentando matrículas
semelhantes, ou superiores, às dos homens, nos vários níveis de ensino. Esse
avanço educacional das mulheres nas últimas décadas tem sido acompanhado
por um rendimento escolar melhor que o dos homens.
Um dos elementos destacados como fundamentais nesse processo de
feminilização do magistério foi o conceito de vocação. A ideologia da vocação,
do amor e da dedicação tem ajudado a esconder as condições concretas de
trabalho, esvaziando-as de seu conteúdo profissional.
[...] ligado a ideia de que as pessoas têm aptidões e tendências inatas
para certas ocupações, o conceito de vocação foi um dos mecanismos
mais eficientes para induzir as mulheres a escolher as profissões menos
valorizadas socialmente. Influenciadas por essa ideologia, as mulheres
desejam e escolhem essas ocupações acreditando que o fazem por voca-
ção; não é uma escolha em que se avaliam as possibilidades concretas
de sucesso pessoal e profissional (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p. 7).

O fato de poder conciliar as atividades domésticas e profissionais


também é usado para justificar a presença da mulher no magistério. Estudos
têm constatado que a preferência feminina pelo magistério primário se dá
pelo fato de acomodar, a um só tempo, o papel doméstico e a profissão.
Portanto, ser professora representava um prolongamento das funções
domésticas e instruir e educar crianças, sob o mascaramento da missão e da
vocação inerentes à mulher, significava uma maneira aceitável de sobrevivência
em que se acomoda com facilidade a má remuneração diante da grandeza do
ato de ensinar e a nobreza da missão desempenhada. Poderíamos levantar vários
outros elementos que influíram no processo de feminilização do magistério,
mas o fato é que não há uma preocupação com as questões relativas às relações

–  61  –
Temas Contemporâneos da Educação

de gênero entre os(as) educadores(as). “Uma primeira impressão desconfortável


advém do uso frequente, nessa produção, do masculino genérico para se referir
a indivíduos em situações nas quais o(a) autor(a) está claramente se referindo às
mulheres” (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p. 8).
O mesmo tem acontecido com os materiais impressos na educação,
vejamos o caso dos livros didáticos. Mesmo com a revisão crítica feita por
vários(as) autores(as) sobre o conteúdo dos livros, eles ainda não têm levado
em conta o sexismo. Isso nos leva a considerar que, realmente, não se tem
consciência de sua verdadeira extensão.
Trabalhos teóricos da última década estão perpassados por uma
justificável e bem-vinda preocupação de classe, enfatizando a inépcia das
crianças dos estratos inferiores e a inabilidade da escola para entendê-las
em suas necessidades. Mas referem-se apenas a um professor ou aluno
ideal, no masculino genérico, como se o prisma de classe fosse suficiente
para entender a realidade (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p. 9).

Essa postura tem levado os(as) educadores(as) a tratarem o gênero como


um dado sem significado, mesmo sendo essa categoria, juntamente com a
classe, raça, idade, um dos elementos fundamentais para entender a situação
analisada. Dessa forma, ao analisarem as questões referentes à formação do
magistério, políticas educacionais, relações de trabalho, o fazem sem que as
questões de gênero sejam incorporadas. Entender os processos de relações (de
poder) desiguais entre os gêneros poderá contribuir para que as professoras e
professores se deem conta do quanto há de reprodução na sua prática em sala
de aula, o quanto têm sido instrumentos para a perpetuação das desigualdades.

Da teoria para a prática


Sessenta anos depois, uma história que permanece atual
Para entender melhor as questões propostas neste capítulo,
indicamos o filme Uma questão de mulheres. A história do
filme se passa na França de Vichy, em 1942, e mostra a vida de
Marie Latour, uma mulher que vive com dificuldades, cuidando
dos seus dois filhos pequenos depois de seu marido ter sido
feito prisioneiro de guerra pelos alemães. A sua vida muda no
dia em que uma jovem mulher, sua vizinha, lhe pede ajuda

–  62  –
Gênero, uma construção social

para abortar. Após esse episódio, outras mulheres na mesma


situação irão se aproximar dela. Quando o seu marido regressa,
Marie já não é a mulher com quem ele casara, e a convivência
entre os dois altera-se drasticamente.
Uma questão de mulheres é um dos mais polêmicos filmes de
Claude Chabrol, uma obra que trata, com precisão e sem con-
descendência, de uma época em que as mulheres enfrentavam
solitariamente os rigores da guerra longe dos maridos, enviados
para as frentes de batalha. Chabrol inspirou-se na história real
de Marie-Louise Giraud, a última mulher condenada à pena
de morte na França. Para trabalhar essa questão, sugerimos a
produção de um relatório sobre o filme, relacionando-o com a
vida das mulheres com que convivemos atualmente.
UMA QUESTÃO de mulheres. Direção de Claude Chabrol.
França: Midas Filmes, 1988. 1 filme (103 min).

Síntese
De que maneira abordar um campo que pretende conhecer, compreender
e transformar as relações existentes entre homens e mulheres, mulheres e
mulheres homens e homens? É necessário, inicialmente, criar ou reforçar
nas instituições as instâncias que elaboram propostas políticas de atuação
sobre as relações de gênero. Esse é um instrumento fundamental para que se
possam criar bases sólidas de argumentação em defesa das questões trazidas
pelas relações desiguais entre os gêneros e que mantenham um processo
permanente de produção dessas políticas.
Estamos em um momento de grande avanço em relação às questões que
abordam as discriminações. No que tange à questão do sexismo, da opressão
e discriminação baseada no sexo/gênero, é importante o fortalecimento da
solidariedade entre as trabalhadoras, ampliando o leque de resistência às
posturas sexistas dentro do movimento sindical. Isso não significa criar

–  63  –
Temas Contemporâneos da Educação

uma falsa unidade entre as mulheres que obscureça ou substitua o debate


e as divergências políticas entre elas. No entanto, isso funcionará como
um inibidor do comportamento discriminatório e, ao mesmo tempo,
contribuirá para forçar a conquista de uma relação mais igualitária entre
homens e mulheres.

–  64  –
2.3
Relações étnico-raciais e
diversidade na escola
(Claudemira Vieira Gusmão Lopes)

Qual a importância de se discutir relações étnico-raciais, a


identidade e a diversidade em um país como o Brasil, onde se afirma
não haver discriminação racial? Em primeiro lugar, estamos falando
de um país que foi colonizado pelos portugueses à custa da explora-
ção de indígenas (povos autóctones) e negros.
Esse contato entre colonizadores e indígenas se deu de
forma violenta. Os povos indígenas, legítimos donos da terra, foram
subjugados, socialmente inferiorizados e culturalmente desconside-
rados. O fato de os indígenas terem resistido das mais diversas for-
mas ao processo de escravização, motivou o europeu a escravizar os
africanos. Assim, foram trazidos para o Brasil, de forma compul-
sória, negros de vários países da África, com línguas, costumes e
tradições diferentes.
Temas Contemporâneos da Educação

Neste texto, faremos menções a diversas categorias marginalizadas e


discriminadas, como indígenas, asiáticos, ciganos, mulheres, entre outras.
Porém, a categoria étnico-racial que será tomada como referência é a negra.
O termo étnico na expressão étnico-racial está sendo usado para marcar que
as relações raciais tensas na sociedade brasileira não dizem respeito somente a
diferenças de cor de pele e traços fisionômicos, mas também se referem à raiz
cultural plantada na ancestralidade africana, que difere da visão de mundo,
valores e princípios dos de origem indígena e asiática (BRASIL, 2009a).

2.3.1 Populações historicamente


marginalizadas e discriminadas
Esse passado de exploração e desvalorização da cultura, da religião e das
tradições indígena e negra tem repercutido na autoestima dos descendentes de
negros e indígenas e alimentado o preconceito e a discriminação na sociedade
brasileira. O fato de os escravocratas misturarem as diversas etnias africanas,
aliado ao desconhecimento do território brasileiro, da floresta e da língua falada
no Brasil, facilitou o processo de escravização. Foi dessa forma que os indígenas
e os negros foram impedidos de praticar sua religião e de viver sua cultura.
Entretanto, a Constituição de 1988, quase 500 anos após o início da
barbárie cometida contra negros e indígenas, estabeleceu bases mais éticas
e justas para a convivência social no país, ressaltando o respeito à dignidade
humana e os direitos fundamentais (SARMENTO, 2006).
O texto constitucional brasileiro e os acordos e tratados internacionais
assinados pelo Brasil permitiram que as minorias étnicas, incluindo indígenas,
negros, ciganos, comunidades tradicionais e outras populações historicamente
marginalizadas, tivessem finalmente sua cidadania reconhecida (LOPES;
SALLES, 2010).
Por outro lado, somente a existência das leis não está sendo suficiente
para promover a igualdade das relações étnico-raciais no Brasil. Pelo menos é
o que apontam os indicadores de raça/etnia e sexo, divulgados pelo IBGE, e
outros órgãos que teremos oportunidade de verificar neste texto. O que esses
indicadores mostram é que ainda há um longo caminho a ser percorrido para
que essas populações marginalizadas sejam compostas por cidadãos plenos de
direitos (LOPES, 2009).

–  66  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

Os profissionais que atuam na educação precisam levar em conta que,


de um modo geral, o povo brasileiro é oriundo de quatro continentes:
América, Europa, África e Ásia. Todos esses povos trouxeram em sua bagagem
memórias e elementos representativos de diferentes culturas e civilizações.
Nesse sentido, o Brasil, como povo, pode ser considerado o melhor exemplo
de encontro de culturas e civilizações, pois cada um desses componentes
étnicos contribuiu para a formação do povo, da cultura, da identidade e da
história dos brasileiros (MUNANGA; GOMES, 2006).
O fato de uma grande parte de brasileiros e brasileiras desconhecer a
cultura e as tradições de povos indígenas, africanos, ciganos e outros que
ajudaram a formar a nação brasileira, tem promovido o preconceito e
estimulado as desigualdades sociais. Também indica ausência de democracia
racial, cultural e política. Nesse sentido, os questionamentos de Luciano
(2006, p. 38) nos parecem pertinentes:
Um mundo que se auto define como moderno e civilizado não pode
aceitar conviver com essa ausência de democracia racial, cultural e
política. Como se pode ser civilizado se não se aceita conviver com
outras civilizações? Como pode ser culto e sábio se não se conhece – e
o que é bem pior – não se aceita conhecer outras culturas e sabedorias?

A escola tem sido disseminadora da cultura greco-romana, em detrimento


da cultura de outros povos. Contudo, ela também pode se tornar um espaço de
estudo e reflexão de outras culturas e sabedorias, contribuindo para a promoção
da igualdade das relações étnico-raciais na sociedade brasileira. Para tanto,
professores, pedagogos e outros trabalhadores da educação precisam conhecer
a história do Brasil a partir da história de cada povo que contribuiu com suas
matrizes culturais para tal formação: indígena, europeia, árabe, judia e asiática
(MUNANGA; GOMES, 2006). Eis o desafio para professores e educadores:
mudar a forma de ensinar a história do Brasil, tradicionalmente ensinada e
sistematizada pela historiografia oficial. Além disso, é preciso conhecer e multiplicar
alguns conceitos, como diversidade, identidade, discriminação, preconceito,
cultura e todos os que forem necessários para a reflexão dessas questões.

2.3.2 Indígenas
A denominação índio ou indígena, dada aos povos que habitavam o Brasil
desde a invasão dos europeus, persiste até a data de hoje. De uma maneira

–  67  –
Temas Contemporâneos da Educação

geral, chamamos as diversas etnias indígenas de índios ou simplesmente


indígenas, como se fossem todas iguais. Entretanto, de acordo com Luciano
(2006, p. 28), “não existe nenhum povo, tribo ou clã com a denominação de
índio. Na verdade, cada ‘índio’ pertence a um povo, a uma etnia identificada
por uma denominação própria, ou seja, a autodenominação, como o Guarani,
o Yanomami etc.”
Entretanto, o processo histórico de discriminação e preconceito contra
as etnias indígenas foi tão intenso que até hoje o termo índio ou indígena é
carregado de significado pejorativo. Na visão de alguns brasileiros, o termo
pode assumir o significado de alguém sem cultura, incapaz, selvagem,
preguiçoso e tantos outros (LUCIANO, 2006). Para outros, também costuma
ser associado a algo que deu errado ou que não saiu conforme o planejado.
Quem entre nós nunca ouviu a expressão “isso é programa de índio” para se
referir a um programa ruim?
Por outro lado, há quem considere que o termo índio evoca um ser
romântico, puro, protetor das florestas. Embora as etnias indígenas vivam
em harmonia com a natureza, esse tipo de visão a seu respeito também
é equivocada.
Não obstante, na atualidade, o termo indígena ou índio tem assumido outra
conotação, resultado do trabalho desenvolvido pelo movimento indígena. O fato
é que as injustiças, a discriminação e o preconceito contra esse povo se tornaram
tão exacerbados que eles tiveram que se organizar em forma de “movimento”
para exigir das autoridades os mesmos direitos dos outros cidadãos brasileiros.
Bartolomé de Las Casas, frei que viveu no século XVI na América Central,
foi uma das pessoas que denunciou a violência cometida contra os indígenas
e lutou para a criação de uma legislação mais humana entre os povos. Foi um
dos primeiros defensores da ideia de convivência pacífica entre as culturas, do
respeito à diversidade de raças, religião, entre outros (WOLKMER, 1998). Um
crime marcante e recente, que chocou profundamente a comunidade brasileira
e a internacional, acontecido no final do século XX, quando alguns jovens
atearam fogo em um indígena da etnia pataxó, na cidade de Brasília, ilustra o
preconceito contra os povos indígenas e a necessidade de se organizarem.
A organização dos índios em prol dos seus direitos também ajudou na
recuperação de sua identidade e autoestima, tanto que o termo indígena

–  68  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

deixou de ser pejorativo e hoje serve para enaltecer os membros das mais
diversas etnias existentes no Brasil.
Sobre esse assunto, Luciano (2006, p. 28) esclarece que:
Com o surgimento do movimento indígena organizado a partir da
década de 1970, os povos indígenas do Brasil chegaram à conclu-
são de que era importante manter, aceitar e promover a denomi-
nação genérica de índio ou indígena, como uma identidade que
une, articula, visibiliza e fortalece todos os povos originários do
atual território brasileiro, e principalmente para demarcar a fron-
teira étnica e identitária entre eles, enquanto habitantes nativos
e originários dessas terras, e aqueles com procedência de outros
continentes, como os europeus, os africanos e os asiáticos. A partir
disso, o sentido pejorativo de índio foi sendo mudado para outro
positivo de identidade multiétnica e de todos os povos nativos
do continente.

O texto supracitado confirma a luta dos indígenas brasileiros para


conquistarem o direito de serem cidadãos. Da mesma forma, os negros, os
ciganos, as mulheres, os homossexuais e as populações tradicionais tiveram
que se organizar para terem seus direitos garantidos na Constituição de 1988.
É importante que as nossas crianças e jovens conheçam e valorizem essas lutas
e as conquistas desses povos. Isso ajuda a promover a igualdade das relações
étnico-raciais.

Saiba mais
Etnogênese é um termo referente a um fenômeno que vem
acontecendo no Brasil desde a última década do século XX.
Os povos indígenas, devido a pressões políticas, religiosas ou
econômicas, foram forçados a esconder seus costumes tradicio-
nais e a negar suas identidades tribais, na tentativa de amenizar
o preconceito e a discriminação de que eram vítimas. Hoje,
muitos desses povos estão reassumindo e recriando suas tra-
dições, fenômeno chamado de etnogênese ou reetinização
(LUCIANO, 2006).

–  69  –
Temas Contemporâneos da Educação

Para entender como o preconceito e a discriminação podem ser tão cruéis


a ponto de fazer uma pessoa negar sua identidade, é necessário refletir sobre
o conceito de preconceito que, neste texto, assume o significado de conjunto
de valores e crenças estereotipadas que levam um indivíduo ou um grupo a
alimentar opiniões negativas a respeito de outro, com base em informações
incorretas, incompletas ou em ideias preconcebidas. É a forma mais frequente
de racismo (ROCHA, 2009a).
É comum as pessoas confundirem preconceito e racismo achando que
se trata da mesma coisa. No entanto, neste texto, entendemos racismo como
uma estrutura de poder baseada na ideologia da existência de raças superiores
ou inferiores. Pode evidenciar-se na forma legal e institucional ou por meio
de mecanismos e de práticas sociais.

2.3.2.1 Identidade indígena e o orgulho de ser índio


O fato de a Constituição de 1988 ter reconhecido a cidadania indígena,
atualmente, ser índio é ter direito à educação, à saúde, à cultura e às
tradições dos ancestrais, ou seja, é sinônimo de orgulho identitário. Nesse
sentido, concorda-se com Luciano (2006, p. 38) que ser índio passou a ser
socioculturalmente importante, pois:
[...] não está mais associado a um estágio de vida, mas à qualidade,
à riqueza e à espiritualidade de vida [...]. Após 500 anos de massa-
cre, escravidão, dominação e repressão cultural, hoje respiram um ar
menos repressivo, o suficiente para que, de Norte a Sul do país, eles
possam reiniciar e retomar seus projetos sociais étnicos e identitários.
Culturas e tradições estão sendo resgatadas, revalorizadas e revividas.

Dito de outra forma, os indígenas brasileiros que sofreram com a


imposição da cultura europeia, que se tornou dominante de forma violenta,
hoje estão vendo sua cultura se tornar dominante pelo fato de estar sendo
tomada como ponto de referência e fonte inspiradora para a retomada dos
projetos sociais étnicos e identitários.

2.3.3 A escola e a “civilização indígena”


Os indígenas viam a educação escolar como um meio do branco impor
sua cultura, por isso sempre nutriram certa desconfiança e, até mesmo, certa
aversão quanto ao processo de escolarização realizado na sociedade envolvente.

–  70  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

Entretanto, as necessidades impostas pela globalização têm feito os indígenas


repensarem o assunto. Nesse sentido, compreendem que uma educação escolar
pode ser uma ferramenta no fortalecimento das culturas e identidades indígenas
e um instrumento a mais na luta pela cidadania (LUCIANO, 2006).
Por outro lado, o fato de a educação escolar ter sido utilizada como
instrumento de catequização pelos colonizadores e como aliada na disseminação
do preconceito contra os indígenas muito contribuiu para o desaparecimento
de sua cultura. Foram usadas construções ideológicas baseadas na desvalorização
da imagem do outro, que por terem sido incluídas nos currículos escolares,
perpetuaram-se até a contemporaneidade (ÂNGELO, 2006).
Vejamos a argumentação de Oliveira e Freire (2006, p. 72) sobre esse
assunto:
A “civilização” dos índios seria realizada em escolas públicas, onde
lhes seriam ensinados ofícios domésticos e para a subsistência [...].
As famílias indígenas viveriam separadas, em casas próprias, os índios
vestidos e sem o vício do alcoolismo. As atividades mais virtuosas
eram o comércio e a agricultura, para as quais os índios seriam dirigi-
dos pelos diretores, sempre com a ambição de produzirem muito para
obterem maiores privilégios e honrarias.

O texto de Oliveira e Freire (2006) nos ajuda a compreender que


no Brasil Colonial, em nenhum momento se considerou os pressupostos
civilizatórios indígenas, sua forma de organização social e sua cosmovisão. Isso
não interessava aos colonizadores. Felizmente, hoje os profissionais que atuam
em educação têm à sua disposição um arsenal de artigos científicos, livros e
outros materiais dos quais poderão extrair os conhecimentos necessários para
o desenvolvimento de ações nas escolas, visando mostrar para as crianças e
os jovens da sociedade envolvente que há outros pressupostos civilizatórios
capazes de orientar uma etnia, diferentes dos preconizados pela sociedade
ocidental e fundamentados na civilização greco-romana.

Entre os indígenas se pratica educação
Os saberes ancestrais são transmitidos oralmente
de geração em geração. Dessa maneira,
conseguem formar pintores, músicos,

–  71  –
Temas Contemporâneos da Educação

artesãos, ceramistas, cesteiros, agricultores, pescadores e


caçadores. Aos pais e avós, cabe a responsabilidade pela
transmissão dos conhecimentos ancestrais, feita por meio
da observação, da experiência empírica e da autorreflexão,
proporcionadas por mitos, histórias, festas, cerimônias
e rituais realizados para esse fim. Os indígenas também
educam pelo exemplo dado pelos pais, irmãos mais velhos
e líderes comunitários (LUCIANO, 2006). Esse tipo de
educação é chamada de educação não formal (GOHN, 2006).

Retomando a problemática da educação escolar, é possível afirmar que


de 1970 em diante a mobilização dos indígenas, apoiada por entidades e
diversos segmentos da sociedade brasileira, possibilitou que se pensasse uma
escola diferente para as crianças, a partir dos direitos humanos e sociais,
reconhecendo a educação comunitária, a diversidade cultural, as experiências
linguísticas e pedagógicas, o saber tradicional dos povos indígenas e os
processos próprios de aprendizagem e cosmovisão (ÂNGELO, 2006).
Atualmente, as escolas indígenas estão inseridas no sistema de
ensino brasileiro como modalidade de ensino e como categoria “escola
indígena”, que a torna diferente das outras escolas brasileiras. Isso tem
forçado as instituições de ensino a aprenderem a lidar com a diversidade
cultural e a garantirem os direitos dos indígenas a uma escola diferenciada
(ÂNGELO, 2006).

2.3.4 Pressupostos civilizatórios indígenas


Um dos muitos pressupostos civilizatórios indígenas que poderiam
ser trabalhados com as crianças da sociedade envolvente é o respeito à
ancestralidade, expresso no respeito dos indígenas pelos mais velhos. De
acordo com Mandulão (2006), os idosos sempre tiveram um papel de
destaque na transmissão dos conhecimentos aos mais jovens, pelo fato de
serem os responsáveis pelo relato das histórias antigas, das restrições de
comportamento e das visões de mundo. Parafraseando os Yanomami,
“existem muitos caminhos, os mais velhos conhecem todos os caminhos e

–  72  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

nós aprendemos com eles a encontrar o melhor caminho” (MANDULÃO,


2006, p. 218).

2.3.5 Diversidade cultural indígena


O etnólogo Curt Nimuendaju (apud OLIVEIRA; FREIRE, 2006) se
refere à existência de aproximadamente 1.400 povos indígenas no território
que correspondia ao Brasil, por ocasião da chegada dos europeus. Ainda de
acordo com esse autor, eram povos de grandes famílias linguísticas, a saber:
tupi-guarani, jê, karib, auák, xirianá, tucano e outras, com diversidade
geográfica e de organização social.
Na contemporaneidade, essa riqueza de diversidade sociocultural dos
povos indígenas, embora tenha diminuído pela dizimação que sofreram,
continua relevante e tornou-se um instrumento de luta pelos seus direitos.
A cultura indígena se distingue pela forma de organização da vida social,
política, econômica e espiritual de cada povo. Cada cultura é diferente da
outra, pois faz relação com a forma como cada povo se relaciona com o
mundo (LUCIANO, 2006).
Nesse momento, cabe a questão: os livros didáticos costumam mencionar
essa diversidade sociocultural indígena? É muito raro que tragam essa visão
porque foram escritos do ponto de vista do colonizador. Também não
mencionam que os indígenas do continente americano haviam desenvolvido
avançadas civilizações milenares, em muitos aspectos mais sofisticadas do que as
indo-europeias. Por exemplo, as civilizações astecas, maias e incas diferiam das
europeias apenas na questão do desenvolvimento da arma de fogo. Algumas dessas
civilizações chegaram a alcançar o ponto máximo de desenvolvimento, seguido
de decadência, muito tempo antes da chegada dos colonizadores, fato que ajuda
a desconstruir a ideia de que foram os europeus, com sua superioridade, que
destruíram todas essas civilizações milenares. É bom que nossas crianças saibam
que, no Brasil, já foram descobertos indícios de civilizações tão desenvolvidas
quanto às da América Central (LUCIANO, 2006).
Nossos jovens também precisam saber que a diversidade cultural
no mundo é algo tão valorizado, que é reconhecida pela Organização das
Nações Unidas (ONU) e foi considerada, pela Unesco, patrimônio comum
da humanidade. No que se refere à diversidade cultural indígena ou das

–  73  –
Temas Contemporâneos da Educação

populações tradicionais, ela é considerada patrimônio da humanidade pela


Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada
pelo governo brasileiro em 2003 (LUCIANO, 2006).
Não obstante, parece que o fato de a cultura ser considerada patrimônio
da humanidade não tem contribuído para minimizar as situações de
preconceito e violência. Segundo Verdum (2011, [s. p.]):
De todas as formas e situações de violência vividas pelos indígenas,
a mais dramática é sem sombra de dúvidas a dos Guarani Kaiowá no
estado do Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Para-
guai. Aí, a discriminação social e cultural e o não reconhecimento
dos seus territórios e formas próprias de territorialidade estão na raiz
do problema [...].

As situações de violência vividas pelos indígenas Guarani Kaiowá,


por serem discriminados social e culturalmente, têm levado muitos jovens
indígenas ao suicídio.

2.3.6 Ciganos no mundo: preconceito,


discriminação e chegada ao Brasil
O termo cigano é usado para designar povos de diferentes cores, crenças,
religiões e costumes, da mesma forma que usamos a palavra indígena para
os Kayapó, os Kaingang e outros povos. Hoje existem muitos ciganos
sedentários, mas, no passado, a maioria era nômade. Ser nômade quer dizer
não ter endereço fixo, e isso significa dificuldade para o acesso a vários direitos,
para os quais há necessidade de comprovante de endereço, como possuir uma
conta no banco, obter determinados documentos, etc. O povo cigano tem
convivido e superado esses obstáculos, porém, o preconceito e a ignorância
das pessoas têm sido quase impossível de superar, pois essa etnia é uma das
mais hostilizadas no mundo (MARSIGLIA, 2008).
Por outro lado, os ciganos estão dispersos pelo mundo e o que foi escrito
sobre sua cultura e história é resultado do trabalho de antropólogos e pesquisa-
dores do assunto, pois sua tradição oral não propicia registros escritos. Também
não se tem certeza da quantidade de ciganos no mundo. Estima-se que haja um
total de 17 milhões em todo o planeta. Desses, cerca de 1,5 milhão estão na
América Latina.

–  74  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

A antropóloga Cristina da Costa Pereira acredita que, depois de


deixarem a Índia, por volta dos séculos IX e XI d.C., os ciganos se
espalharam pela Europa, ocasião em que muitos se tornaram artistas de
circo e até hoje são adeptos dessa profissão. Uma grande contribuição dada
por eles à cultura ocidental é a música, que aperfeiçoaram na Península
Ibérica (PEREIRA, 2009).
Os ciganos estão presentes entre os europeus desde os séculos XIV
(Grécia, Sérvia e Romênia), XV (Moldávia, Suíça, Alemanha, Áustria, França,
Holanda, Bélgica e Espanha) e XVI (Portugal, Itália, Escócia, Inglaterra,
Suécia, Dinamarca e Noruega) (PERROTTI, 1997).
Batuli (2007) corrobora Pereira (2009) ao afirmar que, apesar dos
poucos registros que ajudariam a elucidar a origem do povo cigano, há
indícios de que eles tenham vindo do norte da Índia para o Oriente Médio
há, pelo menos, mil anos. De acordo com a literatura, os ciganos saíram
da Índia porque pretendiam fugir dos muçulmanos, atravessaram a Pérsia,
viveram vários séculos no Império Bizantino, indo para o Norte no século
XIV. Chegaram ao Brasil e a outros países do continente africano por meio da
deportação de países colonizadores, como Portugal, que os enviaram, como
castigo, para as colônias.
Embora sejam chamados de ciganos, eles se autodenominam “Rom” ou
“Roma”, que no idioma romanês significa homem. No Brasil, os Rom estão
divididos em sete clãs: Kalderash, Moldowaia, Sibiaia, Roraranê, Lovaria,
Mathiwia e Kalê (BATULI, 2007).
Na contemporaneidade, é de conhecimento de todos, o holocausto a
que foi submetido o povo judeu pelos nazistas, porém, nem todo mundo
conhece a perseguição sofrida pelos ciganos nessa mesma época. Acredita-se
que 500 mil ciganos tenham sido mortos nos campos de concentração
alemães e outras centenas deportados (BAÇAN, 1999).
Na argumentação de Seabra (2008), é a falta de conhecimento dos valores
e do modo de vida da população cigana que permite que essa seja a minoria
étnica que mais sofre os efeitos da exclusão social. Os ciganos portugueses
sofreram muitas perseguições ao longo dos anos, como a expulsão para a
Espanha, o açoitamento em praça pública, o estabelecimento da pena de
morte, o embarque forçado para o Brasil e para a África, a proibição do uso

–  75  –
Temas Contemporâneos da Educação

da língua, dos trajes e das suas profissões tradicionais, como a feira, além da
apropriação legal dos seus bens e mercadorias.
Dessa forma, a etnia dos primeiros ciganos que chegaram ao Brasil
deportados de Portugal, ainda no século XVI, era, em sua maioria, “Calon”
(MARSIGLIA, 2008). Essa deportação sistemática para o Brasil, na mesma
época da escravização dos africanos, reservou aos ciganos um novo lugar
social, e, pela primeira vez na história, eram os negros, e não os ciganos,
que ocupavam o nível mais baixo na hierarquia colonial brasileira (MELLO;
SOUZA; COUTO, 2004).
Não obstante, nem todos os ciganos chegaram de forma compulsória, os
Rom, por exemplo, vieram para o Brasil por vontade própria a partir da segunda
metade do século XIV. Para sobreviver, praticavam o comércio ambulante de
escravos, cavalos e artesanatos (MARSIGLIA, 2008). Quanto à sua inserção na
sociedade brasileira, Mello, Souza e Couto (2004, p. 3) afirmam que:
No Brasil, os ciganos gradualmente foram se incorporando à socie-
dade local, entre os brancos de classe baixa, diluindo fronteiras étnicas
e culturais. Não tiveram dificuldades em encontrar ocupação, par-
ticipando de atividades tanto da vida urbana quanto do comércio
interprovincial, sobretudo aquelas ligadas ao tráfico de escravos e de
animais de montaria.

Essa facilidade para encontrar ocupação no Brasil pode ter sido um dos
fatores responsáveis por estimular a vinda voluntária de outros ciganos para o
nosso país. Recentemente, em 1990, depois da queda do muro de Berlim, veio
para o Brasil um grupo de ciganos oriundo do Leste Europeu (MARSIGLIA,
2008), para se somar aos 500 mil que aqui vivem, de acordo com Pereira (2009).
Há divergências com relação a esse número, que, segundo estimativas, é possível
que esteja entre 800 mil a 1 milhão de pessoas. Pelo menos, é que nos informa
a Agência Brasil de Notícias, que vem publicando uma série de reportagens
especiais em comemoração ao dia 24 de maio, Dia Nacional do Cigano. Ivonete
Carvalho, da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir):
[...] estima que a população cigana, no Brasil, ultrapasse os 800 mil,
uma vez que a cultura nômade ainda persiste em muitas comunidades.
Estima-se ainda que 90% dessa população sejam analfabetos.
O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) constatou a existência de acampamentos em 291 dos 5.565
municípios brasileiros. “Precisamos verificar agora a quantidade

–  76  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

de famílias [ciganas] nesses municípios, quais as demandas dessas


comunidades” (JINKINGS; CHAGAS, 2011c).

Segundo Marsiglia (2008), atualmente, são três as principais etnias


ciganas que vivem no Brasil: os Rom (oriundos da ex-Ioguslávia, Sérvia e
outros países do Leste Europeu), os Calon (oriundos da Espanha e de Portugal)
e os Sinti (oriundos da Itália, Alemanha e França). Para sobreviverem,
compram e vendem carros, televisores e toalhas. Entretanto, há muitos
ciganos que conseguiram romper a barreira do preconceito, frequentaram a
escola, se graduaram e ganham a vida atuando como advogados, professores
universitários, pintores, músicos, artistas circenses e outros.
Embora entre os ciganos atuais haja grupos que se sedentarizaram,
possuindo endereço fixo, uma grande parte deles continua nômade.
Indiferentemente ao fato de serem itinerantes ou sedentários, continuam
sofrendo com o preconceito (MARSIGLIA, 2008).

Entre os ciganos se pratica educação
Reflita sobre o preconceito contra os povos
ciganos assistindo aos vídeos a seguir:
ISSO é coisa do passado – Mestre Marcos Gytauna.
Disponível em: <http://www.youtube.com/
watch?v=PmMSZqO2wWA>. Acesso em: 13 jun. 2011.
EMBAIXADA cigana entrevista TV Gazeta.
Disponível em: <http://www.youtube.com/
watch?v=WHdowp_At5Q>. Acesso em: 13 jun. 2011.

Ainda no que se refere à problemática da discriminação sofrida pelos
ciganos, Marsiglia (2008) argumenta que, em praticamente todos os países
da Europa, eles representam a minoria mais discriminada, muito mais do
que os judeus e os negros. Para Cipriano (2007), nenhum povo sofreu tantas
perseguições e discriminações quanto o povo cigano e, mesmo assim, foram
capazes de manter suas tradições, cultura e ensinamentos.

–  77  –
Temas Contemporâneos da Educação

No Brasil, o desconhecimento sobre a cultura dos povos ciganos também


tem feito com que sejam tratados, muitas vezes, com discriminação,
[...] como ladrões e vagabundos. Um dos exemplos do preconceito
está guardado no arquivo histórico do Senado Federal: o Decreto n.
3.010, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas em 1938, um
ano após instalação do Estado Novo. A norma restringia a entrada
de estrangeiros no país e impedia que “indigentes, vagabundos, ciga-
nos e congêneres” ingressassem em território brasileiro (JINKINGS;
CHAGAS, 2011b).

Essa discriminação transparece, por exemplo, na falta de políticas


públicas para as comunidades ciganas, pois, de acordo com a Agência Brasil
de Notícias, desde a instituição do Dia Nacional do Cigano, em 2006:
[...] nenhuma ação ligada à educação, saúde e programas assisten-
ciais para os ciganos foi implantada. “Não temos uma política para
as comunidades ciganas, mas estamos trabalhando na perspectiva de
ter”, afirmou a secretária de Políticas para Povos e Comunidades Tra-
dicionais da Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial
(Seppir) [...] (JINKINGS; CHAGAS, 2011c).

Saiba mais
Entre os ciganos se pratica educação
Na página do Centro de Estudos e Resgate da Cultura Cigana
(Cerci), é possível descobrir o que estão fazendo pela educa-
ção e saúde de pessoas dessa etnia. A Cerci atua em parceria
com outras instituições, como o Coletivo de Ciganos Calon do
Brasil (CCB), a Associação de Preservação da Cultura Cigana
(Apreci), a Associação Brasileira de Ciganos, a União Cigana
do Brasil, a Defensoria Pública e o Governo Federal. Disponível
em: <http://www.fundodireitoshumanos.org.br/viewConteu-
doOut.no-filter?pager.offset=0&catTipo=PRO&conID=118&l
wYEAR=2009>.

O tom escuro da pele dos ciganos, aliado ao fato de praticarem a


quiromancia e a cartomancia, tem contribuído para que sejam discriminados.
As práticas adivinhatórias praticadas pelos ciganos também colaboraram para

–  78  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

que, no passado, fossem rejeitados pelas mais diferentes religiões cristãs,


incluindo a católica (BATULI, 2007). Não obstante, a Igreja Católica tem se
redimido por meio da atuação da pastoral do nômade, que tem trabalhado
para promover a inserção social de ciganos, circenses e parquistas (pessoas
que vivem de forma nômade, de cidade em cidade, acompanhando parques
de diversão itinerantes).

2.3.7 A identidade, a cultura e a especificidade cigana


Os ciganos têm língua, cultura e história próprias, as quais lhes asseguram
uma identidade. A língua, o romani, é essencialmente oral, embora nem
todos os ciganos a falem. Possuem uma estrutura familiar diferente, crenças e
costumes, modos de vida que permitem perpetuar sua cultura (PINTO apud
VIEIRA, 2008).
Para Maalouf (1998), autor que investiga a discriminação sofrida pelos
ciganos em Portugal, é possível classificar como identidade aquilo que nos
diferencia do outro. A identidade é algo construído por meio da interação
entre indivíduos e por trocas reais e simbólicas entre grupos. Além disso,
Maalouf (1998) considera a construção das identidades como fruto das
relações de poder (econômicas, políticas ou simbólicas), capazes de distinguir
dominantes e dominados, maiorias e minorias, no seio de mecanismos que
apontam as relações desiguais.
Para alguns autores, os traços fisionômicos, a língua própria, adicionados
a valores específicos, como práticas endogâmicas, identificam os ciganos
etnicamente (MENDES apud PEREIRA, 2008).
Uma característica percebida em todo cigano é o apreço pela liberdade
para viajar. Embora nem todos sejam nômades, eles se sentem cidadãos do
mundo, não criam raízes, possuem um conceito de propriedade diferente do
ocidental e suas próprias regras (MARSIGLIA, 2008).
Os ciganos também valorizam muito a família, o respeito aos mais
velhos, o cumprimento de acordos entre as famílias, o respeito aos mortos
e aos rituais funerários, a fidelidade conjugal e o respeito às crianças. Além
disso, censuram o abandono dos filhos, a separação dos cônjuges e valorizam
a virgindade da mulher, um dos aspectos potencializados nos rituais de
casamentos ciganos (MENDES apud PEREIRA, 2008).

–  79  –
Temas Contemporâneos da Educação

Dentro da comunidade cigana há sempre um líder do sexo masculino.


Para ser um líder cigano, alguns dos pré-requisitos são: possuir carteira de
identidade, sem a qual não consegue alugar terrenos; participar de feiras ou
montar um circo; ser capaz de manter as negociações entre o Poder Público e
a comunidade; ter habilidade para resolver os problemas internos que surgem
na comunidade. As responsabilidades do líder são fazer as regras, dividir as
tarefas e criar as leis do grupo (MARSIGLIA, 2008).
Nem todos os ciganos possuem documentos, como identidade e registro
de nascimento, o que dificulta o registro dos filhos. Assim, não é difícil
encontrar jovens ciganas e ciganos com mais de 17 anos ainda sem registro
de nascimento.
No que se refere aos relacionamentos familiares, a comunidade cigana
confere a liderança e o sustento da família ao marido, que depois do casamento
leva a esposa para morar com os pais. Nesse sentido, a mulher passa a ter
obrigações de cuidar do marido, dos filhos deles, dos sogros e da casa.
Em suas caminhadas, os ciganos foram assimilando e incorporando
cerimônias e ritos praticados pelos ocidentais. Assim, no Brasil, não é raro
encontrar ciganos católicos que possuem imagens de santos, como a de
Nossa Senhora Aparecida, em suas barracas. Apesar de praticarem religiões
ocidentais, algumas tradições ciganas não foram abandonadas, caso dos
rituais fúnebres. A etnia Calon, por exemplo, recorre a rezas, correntes de
orações, garrafadas de ervas, chás e simpatias e realiza rituais de cura para
seus problemas de saúde, porém, também se utiliza da medicina ocidental
(MARSIGLIA, 2008). Nesse sentido, é possível considerar a cultura cigana
como uma identidade étnica que foi capaz de resistir ao processo de violência
simbólica e de assimilação cultural (MAGANO; SILVA, 2011).

Uma das formas de combater a discriminação e o precon-
ceito contra a etnia cigana é conhecendo um pouco mais
sobre esse interessante povo. Para tanto, sugerimos a leitura
de algumas obras da escritora Cristina da Costa Pereira:
Povo cigano, de 1986 (edição da autora); Os ciganos ainda
estão na estrada, da Editora Rocco, 2009; Sociologia.

–  80  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

Introdução à ciência da sociedade, da Editora Moderna,


2010; e o texto “Ciganos: a oralidade como defesa de uma
minoria étnica”, disponível no site: <http://www.lacult.
org/docc/oralidad_04_34-39-ciganos-a-oralidade.pdf>.
Outras obras interessantes sobre essa temática são:
VASCONCELLOS, V. M. R. de; SAR-
MENTO, M. J. (Org.). Infância (in)visí-
vel. São Paulo: Junqueira e Marin, 2007.
FERRARI, F. Palavra cigana. Seis contos nôma-
des. São Paulo: Cosac Naify Edições, 2005.

2.3.8 Os ciganos e a escola


Fernandes (apud VIEIRA, 2008) informa que a educação da criança
cigana é tarefa da família. Assim, valores, crenças, comportamentos e atitudes
devem ser espelhados naquelas pessoas com as quais a criança cigana convive
no cotidiano.
Pereira (2008) também é partidário da tese de Vieira (2008) e afirma
que a cultura cigana delega a tarefa da educação das crianças à família, por
considerá-la a unidade básica da organização social, econômica e educativa,
que possibilita vivências de experiências, necessárias à incorporação dos saberes.
O processo de discriminação e exclusão que as crianças da etnia cigana
têm sofrido nas escolas por onde passam tem contribuído para torná-
las desconfiadas e avessas à escolarização. Sobre esse assunto, Aires (apud
PEREIRA, 2008, p. 22) esclarece que:
[...] uma parte significativa das comunidades ciganas, especialmente
aquelas que enfrentam maior pobreza e exclusão social, encaram
ainda a escola como um espaço alheio e adverso à sua cultura. É
também encarado pelos ciganos como um espaço de “domesticação”,
onde as crianças, por desconhecimento e racismo, são mal vistas e mal
tratadas. Quando estas comunidades (ciganas) aceitam integrar um
processo educativo fazem-no numa ótica minimalista, somente para
dotar as crianças – aprender a ler, contar e escrever.

–  81  –
Temas Contemporâneos da Educação

Além dos maus-tratos e da discriminação, outros fatores que dizem


respeito à cultura e à tradição cigana têm contribuído para afastar suas crianças
da escola. Um exemplo está relacionado ao casamento. Para as comunidades
ciganas, a permanência das meninas na escola torna-se complicada pela
possibilidade de potencializar relações que resultem em casamento fora da
etnia cigana (PEREIRA, 2008). Fato confirmado por Elias da Costa, líder de
um acampamento Calon em Brasília, Distrito Federal.
De acordo com Elias da Costa, [...] os ciganos se casam cedo para
garantir a união da comunidade. A festa de casamento chega a durar
três dias. “A gente se casa cedo porque é uma tradição de muito
tempo. Para segurar a nossa adolescente, para que ela fique dentro da
comunidade. Como cigano nunca estudou, nunca se formou, se casa
cedo.” (JINKINGS; CHAGAS, 2011a).

As questões que dizem respeito ao encaminhamento pedagógico também


parecem afastar as crianças ciganas da escola. Sousa (apud PEREIRA, 2008, p.
23) pondera que a escola não valoriza a cultura e nem as tradições das crianças
ciganas, que, por sua vez, “não estão preparadas para ter sucesso numa escola
que valoriza registros diferentes dos seus”. Dito de outra forma “os conteúdos
de ensino e possivelmente as formas de os apresentarem não são adequados
porque não emergem de uma pedagogia ‘centrada sobre aquele que aprende’”
(PEREIRA, 2008, p. 23).

Saiba mais
A Rádio Senado produziu o maior radio-documentário sobre os
povos ciganos do país, realizado pelos jornalistas da rádio que, para
tanto, visitaram comunidades ciganas em seis estados brasileiros. O
programa O povo cigano no Brasil está disponível para transmissão
por todas as rádios não comerciais do país. O conteúdo pode
ser acessado pelo seguinte endereço: <http://www.arpub.org.br/
inscricao/index.php?option =com_content&view=article&id=9:o-
povo-cigano-no-brasil&catid=1:radiodocumentario&Itemid=1>.

–  82  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

Além das questões inerentes ao encaminhamento pedagógico, para


Perly Cipriano, os ciganos têm sido prejudicados com a lentidão do Poder
Público em entender a sua lógica. Um exemplo disso é o fato de os ciganos
nômades não receberem o Bolsa Família, além da falta de acesso à educação,
atribuída à condição de nômades, porém, Cipriano (2007) alerta que: “É
necessário que o Ministério da Educação, os prefeitos e as autoridades
comecem a estabelecer uma política social adequada a essa realidade”
(JINKINGS; CHAGAS, 2011c), diz, destacando o grande número de
adultos e crianças analfabetas.

2.3.9 A origem dos negros brasileiros


A resistência indígena ao processo de escravização imposta pelo
colonizador europeu colaborou para que vários povos africanos fossem
trazidos compulsoriamente para serem escravizados no Brasil. Nesse sentido,
concorda-se com Siqueira (2010, p. 157), quando a autora afirma que:
A colonização portuguesa encontrou na escravização do indígena,
originário da terra, e no negro escravizado na África o suporte para
desenvolver seu projeto colonial de extrair riquezas das Américas,
incluindo os lucros da triangulação Europa – América – África-
-Negra. Houve dificuldades para a escravização e manutenção do tra-
balho escravo indígena, o que deu origem à opção político-econômica
de escravizar africanos em meio a dificuldades políticas enfrentadas
pelo Continente Africano naquele período (grifos do autor).

O projeto colonial português só foi possível graças a esse processo de


escravização de vários povos africanos. Os negros residentes em nosso país hoje,
com raras exceções, são descendentes desses povos. Dentre eles, há pessoas
oriundas da miscigenação entre brancos, negros e índios. São os mestiços,
classificados pelo IBGE como pardos. Entretanto, muitas dessas pessoas se
autodenominam negros ou afrodescendentes (MUNANGA; GOMES, 2006).
Esse processo de escravização dos negros foi uma das maiores tragédias
da humanidade, só comparada com a dizimação dos indígenas nas Américas
e o holocausto dos judeus e ciganos pelos nazistas. Nas palavras de Munanga
e Gomes (2006, p. 18):
O tráfico negreiro é considerado, por sua amplitude e duração, como
uma das maiores tragédias da história da humanidade. Ele durou
séculos e tirou da África Subsaariana (região do continente africano

–  83  –
Temas Contemporâneos da Educação

abaixo da linha do deserto do Saara) milhões de homens e mulheres


que foram arrancados de suas raízes e deportados para três continen-
tes: Ásia, Europa e América.

Entre esses milhões de homens e mulheres que, de acordo com Munanga


e Gomes (2006), foram trazidos para o Brasil no século XV, estão as etnias
Balantas, Diulas, Mandingas, Manjacos, Peules, Quissis, Saracolês, Sereres,
Tenês, Tuculeres, Uolofes e outras (LOPES, 2008).
No século XVI, depois de chegarem ao Congo, Cabinda, Luanda e
Benguela, os portugueses passaram a trazer para o Brasil africanos, em sua
maioria, da etnia Banto, predominando os chamados Bantos do centro:
Congo, Quimbundo, Cuango, Casai, Lunda-Quioco e Bemba. Depois
vieram africanos de outros grupos: Iorubas (Ibinis, Ibos, Ibibios e Ekoi), do
sudoeste da atual Nigéria; Fons ou Jejes, dos atuais Togo e Benin; Fantis e
Axantis, da atual Nigéria (LOPES, 2008).
Sabendo da diversidade de povos que vieram para o Brasil, fica fácil
imaginar a riqueza cultural que todas essas etnias trouxeram em suas
bagagens. Porém, não só essa sóciodiversidade cultural tem sido ignorada
na hora de pensar e elaborar o projeto político-pedagógico nas escolas
brasileiras, como a matriz africana tem estado ausente na maioria dos livros
didáticos ou apresentada de forma distorcida e estereotipada (MUNANGA;
GOMES, 2006).
Ainda de acordo com os autores citados, para agravar a situação,
as informações veiculadas sofre a África pela mídia, de um modo geral,
normalmente focalizam as calamidades naturais, doenças, como a Aids, ou
a fome e a miséria, que têm dizimado milhões de africanos. Não obstante,
com a realização da Copa do Mundo, em 2010, na África do Sul, observou-se
que algumas emissoras de televisão se preocuparam em mostrar, embora de
forma incipiente, outros aspectos do Continente Africano, como a cultura, as
vestimentas, os costumes e a alimentação.
Por outro lado, concorda-se com Lopes (2008) que o (a) brasileiro(a)
que tem por ancestral o africano e o indígena, ao contrário dos brasileiros(as)
de outras origens (europeia, asiática, árabe, judia e outras), só teve direito
de conhecer a história e a memória de seus ancestrais a partir das Leis n.
10.639/2003 e n. 11.645/2008, que alteraram a Lei n. 9.394, de 1996,
responsável por estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional,

–  84  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática


“história e cultura afro-brasileira e indígena” (BRASIL, 2008).

2.3.10 Negros, cultura e identidade


Linton (apud MACHADO, 2002) afirma que a configuração de
elementos culturais bem integrados fornece aos membros de uma determinada
comunidade entendimentos e valores comuns. É a partir desses valores comuns
que será possível predizer, por exemplo, determinadas reações características
desses indivíduos em uma grande gama de situações. Dito de outra forma:
[...] parece que a identidade cultural é a configuração de reações
que o indivíduo desenvolve como resultado de sua vivência. Vivên-
cia que, por seu turno, deriva da interação destes indivíduos com “o
meio”. Considere-se como “o meio” toda a realidade física, biológica,
humana e cultural que orienta a comunidade e que a eles se ligam de
uma maneira direta, através da vivência e intercâmbio no cotidiano
(MACHADO, 2002, p. 26).

O texto de Machado (2002) pode ser melhor compreendido ao tomar-


mos como referência, por exemplo, as comunidades tradicionais como as
quilombolas, que são constituídas “por grupos étnico-raciais [...] com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida” (BRASIL, 2009b, p. 11). Essas comunidades se constituíram a partir
de diferentes processos, que ocorreram na vigência do período escravocrata e até
mesmo depois da abolição ocorrida no século XIX.
A identidade dessas comunidades pode ser definida “pela experiência
vivida e as versões compartilhadas de sua trajetória comum, construída a
partir de vivências e valores compartilhados” (BRASIL, 2009b, p. 11).
Portanto, onde quer que os afrodescendentes estejam reunidos, seja em
uma comunidade quilombola ou em uma comunidade terreiro, tudo que se
vive dá identidade ao grupo e estabelece princípios que norteiam a relação
desses indivíduos com o meio (MACHADO, 2002).
Nesse caso, é possível compreender também, como um fator de
manutenção da vida, tudo que se refere à construção e uso de quadros
de valores morais e éticos. Tais valores podem ser identificados nas
relações humanas e sociais; são relações que estabelecem uma forma

–  85  –
Temas Contemporâneos da Educação

de organização peculiar, tanto pela hierarquia quanto pelas relações


interpessoais e de sobrevivência, determinantes e estimulantes da vida
comunal (MACHADO, 2002, p. 30).

O fato de as crianças negras ou afrodescendentes, salvo as exceções,


verem seus valores expressos em sua religiosidade e cultura desrespeitados pela
escola e pela sociedade, dificulta o processo de identificação dessas crianças
com eles.
Por outro lado, concordamos com Soares e Faria-Baibich (2010, p.
65-66) quando afirmam que “a identidade está diretamente vinculada
à maneira que cada grupo ou indivíduo percebe a si próprio, e advém da
percepção que temos de como os demais indivíduos nos veem”.

“A pequena Ana Beatriz Simplício Luz (foto), de 3 anos, nasceu
praticamente dentro do candomblé e até hoje acompanha a mãe e a
irmã no terreiro. A cabeleireira Évelin Simplício, de 24 anos, mãe
da menina, afirma que ela é bem resolvida quanto à religião – Ela
canta, dança, reza e veste até a roupa. Mas, quando crescer, vai poder
escolher a religião que quiser. Hoje ela frequenta porque vai comigo.
Évelin garante que nenhuma de suas filhas tem problema em
assumir que pertence ao candomblé. Tanto que, Ana Beatriz
ilustrou o cartaz do seminário “Juventude de terreiros: herdeiros
do axé”, realizado em abril pela Cia de Aruanda, no terreiro Ilê
Axé Alá Koro Wo, em São João de Meriti” (CRUZ, 2011).
Seria muito interessante se outras crianças pudessem ter a sorte da
Ana Beatriz, ou seja, poder exibir sua crença sem sofrer preconceito.
Lembrando que a maneira como a Ana Beatriz se vê está diretamente
relacionada à construção de sua identidade. O trabalho desenvolvido
nas escolas por professores e pedagogos pode mudar essa atual situação
de discriminação e revertê-la para um processo de reetinização, como
vem acontecendo com os indígenas, cuja valorização da cultura
e da identidade tem despertado neles o orgulho de ser índio.

–  86  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

Um importante trabalho contra o preconceito e a discriminação está


sendo desenvolvido pela Cia de Aruanda em escolas do Rio de Janeiro.
É possível ler sobre o assunto acessando o link: <http://oglobo.globo.
com/rio/bairros/posts/2011/05/14/luta-contra-preconceito-380248.asp>.

2.3.11 Os negros, o racismo, o preconceito e a


discriminação presentes na sociedade brasileira
Embora se diga que no Brasil não há racismo, as relações de poder
envolvidas no fato de brasileiros (as) negros(as) ou seus descendentes, ainda
hoje, mais de cem anos depois da abolição, viverem em uma sociedade
assimétrica, violenta e desigual, desmentem essa afirmação. Assim, apesar
de o racismo, a discriminação e o preconceito praticados no Brasil nem
sempre serem explícitos, se tornam visíveis nos dados estatísticos retirados
de uma publicação de 2005, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho
e Desigualdade (Ceert) (apud ROCHA, 2007, p. 15), intitulada Políticas de
Promoção da Igualdade Racial na educação, que servem para comprovar a
problemática da escolaridade dos negros:
ÙÙ [...] a taxa de analfabetismo funcional das pessoas com 15 ou mais
anos de idade representa 84% de brancos, contra 32,1 % de negros;
ÙÙ 75,3% de adultos negros não completaram o ensino fundamental
contra 57% de brancos;
ÙÙ 84% de jovens negros de 18 a 23 anos não concluíram cursos de
nível médio contra 63% de brancos;
ÙÙ 3,3% dos jovens negros concluíram curso de nível médio contra
12,9% de brancos; apenas 2% de jovens negros têm acesso
à universidade.
Além das estatísticas supracitadas, há outras que podem nos ajudar a
responder as seguintes questões: qual povo representa hoje a maior popu-
lação carcerária do país? Qual a cor da maioria dos analfabetos? Qual a cor
dos jovens que morrem com maior frequência hoje, no Brasil, vítimas da
violência policial? Qual a cor das pessoas com os menores salários no Brasil?

–  87  –
Temas Contemporâneos da Educação

Qual a cor das mulheres brasileiras que se enquadram nas mais altas taxas de
mortalidade por falta de atendimento, com recorte étnico à saúde e, por fim,
qual a cor e a idade mais frequentes nas vítimas de assassinato em nosso país?
É possível encontrar dados estatísticos que respondem muitas das per-
guntas que fizemos (www.ibge.gov.br). Todavia, essas perguntas não param
por aí. Respondê-las implica uma profunda reflexão sobre a origem do
racismo e da discriminação praticados hoje no Brasil contra negros, indíge-
nas, ciganos, homossexuais e tantos outros. Implica também perceber que
essas questões constituem a base de uma estrutura profundamente desigual,
as quais devem ser discutidas em todos os espaços possíveis, notadamente na
escola, reconhecida na sociedade contemporânea como espaço social em que
se constroem identidades pessoais e sociais, objetivando a formação integral
do ser humano. Uma formação a partir da valorização das questões de gênero,
étnico-raciais, religiosas e multiculturais, em especial no que diz respeito à
contribuição das culturas negra, indígena, cigana e outras para a formação da
sociedade brasileira.
Esses dados também nos permitem inferir que a democracia racial no Brasil
é um mito que precisa ser desconstruído. Além disso, o racismo e o preconceito
brasileiro contra negros, indígenas e outras etnias é uma construção histórica,
oriunda de uma sociedade colonialista (ROMÃO, 2005). É importante
destacar que os negros e indígenas resistiram bravamente contra as iniquidades
que sofreram por meio de estratégias como formação de quilombos e diversas
revoltas. Com isso, ajudaram a construir a democracia nesse país.
Neste momento, cabe a pergunta: qual o papel da escola nesse processo
de desconstrução do mito da democracia racial, visando à promoção da
igualdade racial? No nosso entendimento, o papel histórico da escola é
muito importante nesse processo todo, pois ela pode ser um espaço de
construção de uma sociedade mais democrática, além de ser o principal
instrumento de ascensão social da classe trabalhadora e de construção de
uma sociedade civil forte.

Sugestão de Leitura
Fala-se sobre mito da democracia racial porque essa questão
reforça a ideia equivocada de que as relações estabelecidas

–  88  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

entre brancos e negros, no Brasil, se construíram historicamente


de forma harmônica.
Leia A história da África na educação básica: almanaque peda-
gógico – referenciais para uma proposta de trabalho, de Rosa
Margarida de Carvalho Rocha (2009), para refletir melhor
sobre esse assunto.

2.3.12 As diferentes formas de


racismo contra os negros
Uma vez constatada a existência de racismo e discriminação no Brasil,
resta-nos argumentar a respeito dessa tese. Assim, chamamos para contribuir
com esse debate o coordenador do Observatório Afro-brasileiro, professor
Paixão (2006), pois ele concorda conosco ao afirmar que são os negros os que
formam a maioria da população privada do acesso aos serviços públicos, aos
melhores empregos, os que mais sofrem o drama da indigência e da violência
urbana, doméstica e policial. Além disso, de acordo com o autor, o racismo
praticado no Brasil tende a “naturalizar” os aspectos supracitados. Em nosso
país, convivemos com a falsa ideia de que, não obstante as desigualdades
sociais, as pessoas que realmente se esforçam conquistam seu lugar ao sol
e ascendem socialmente. Portanto, há os que acreditam que os negros não
sofrem preconceito racial, pois o principal problema da sociedade brasileira
está somente na luta de classes. Porém, para desmentir essa tese, é suficiente
buscar as evidências das diferentes formas de discriminação que a população
negra sofre, estampadas nos dados do Censo 2000. Para citar um exemplo:
De acordo com dados do Censo 2000, levantados pelo Observatório
Afro-Brasileiro, dos 15,3 milhões de analfabetos brasileiros existentes
naquele ano, 9,7 milhões eram formados por negros e negras. Entre
os 32,7 milhões de analfabetos funcionais, os negros totalizavam
18,8 milhões de pessoas. Assim, segundo os indicadores do Censo
Demográfico de 2000, a taxa de analfabetismo dos negros maiores
de 15 anos era de 13,1%. Esses percentuais eram substancialmente
maiores do que os verificados entre a população branca, cujos
percentuais de analfabetismo e de analfabetismo funcional eram de,
respectivamente, 8,3% e 20,8% [...] (PAIXÃO, 2006, p. 32).

–  89  –
Temas Contemporâneos da Educação

Para compreendermos melhor o que estamos querendo dizer sobre a


falsa ideia de democracia racial no Brasil, PAIXÃO, 2006, afirma que a elite
branca brasileira, por meio de processo de mestiçagem, pretendeu ver-se livre
da mancha “negra” na sociedade:
O mito da democracia racial nunca logrou se dissociar do projeto
de branqueamento do povo brasileiro. A tão decantada mestiçagem
vem a ser o elegante modo pelo qual a elite eurodescendente
compreendeu o processo de transição étnico-demográfica do povo
brasileiro, rumo a uma sociedade totalmente livre da mancha negra
e indígena. Desse modo, o que nos separa dos outros povos não
seria propriamente a tolerância racial, mas sim o fato de que no
processo de transformação do Brasil rumo a nos tornarmos uma
Europa Tropical, as origens étnicas e raciais de cada um não seriam
levadas em consideração, ou tanta consideração. A partir desse
entendimento, cada um estaria devidamente limpo de suas marcas,
físicas e culturais, negras ou indígenas, mais ostensivas (PAIXÃO,
2006, p. 24).

No Brasil, ainda de acordo com o autor supracitado, prevalece um tipo


de preconceito conhecido como “marca”, de forma que a origem racial de
um indivíduo quase não tem relevância. Nesse sentido, tanto o preconceito
quanto a discriminação estariam vinculados à intensidade da manifestação
dos fenótipos de cada pessoa. Estamos nos referindo à cor da pele, tipo de
cabelo, formato do nariz, boca, entre outros. Dito de outra forma, quanto
mais escuro for o tom de pele, quanto mais crespo for o cabelo, quanto
mais grossos forem os lábios, maior a chance de um afrodescendente sofrer
preconceito. Nas palavras de Paixão (2006, p. 24):
[...] quanto mais próximas forem as características pessoais de um
indivíduo em relação a um tipo negroide, maior será a probabilidade
de que essa pessoa venha a ser discriminada ao longo de seu ciclo de
vida. Assim, o modelo brasileiro de relações raciais afeta especialmente
as probabilidades de mobilidade social ascendente dos indivíduos
dos distintos grupos de raça/cor da população. Assim, é inequívoco
que na sociedade brasileira, um negro pobre, assim como das demais
classes sociais, tenderá a apresentar maiores dificuldades para a sua
realização socioeconômica (nas searas educacional, profissional etc.)
do que uma pessoa branca na mesma situação social.

Além do fato de as características físicas do negro e de seus descendentes


interferirem na questão da mobilidade ascendente socioeconômica, essa
desvalorização do corpo pode fazer com que uma criança negra, para se ver

–  90  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

livre do preconceito, queira identificar-se com as crianças brancas. Sobre esse


assunto, Fanon (apud DIOGO, 2008, p. 58) argumenta que:
As escolas psicanalíticas estudaram as reações neuróticas que nasce-
ram em certos meios, mas questionam se esses estudos de fato deram
conta de contemplar a questão do negro. O psiquiatra trabalha com
o exemplo de uma criança negra que, enquanto no seio familiar, lida
com o seu ser de uma forma diferente de quando ela chega à escola.
Nesse momento, ela é convocada, na maioria das vezes, a adotar uma
atitude de branco, em função da negação do seu corpo por parte de
seus colegas. Entre os seus familiares, ela era aceita. No entanto, ao
chegar entre os diferentes, as atitudes devem ser alteradas, em função
da busca de aceitação. Os problemas emocionais e afetivos afloram-se
de maneira diferente do que acontece com uma criança branca que
chega à escola. Uma criança considerada “normal”, criada por uma
família “normal”, será um homem “normal”, sem desproporções, a
priori [...]. A tendência é de que o rejeitado pela cor da pele assuma
uma postura antagônica à sua matriz racial e se adeque à postura de
um mundo de heróis brancos.

Ao argumentarmos a favor do pacto pela igualdade racial, não queremos,


de forma alguma, acirrar os ânimos entre negros e brancos, indígenas e
brancos, ciganos e brancos ou qualquer que seja a etnia e os brancos, pois
entendemos que essa luta deve ser solidária e aberta a todos que desejarem
combater a discriminação e o racismo. Assim, fazemos nossas as palavras de
Abdias Nascimento (apud PARANÁ, 2009, [s. p.]): “[...] Invariavelmente,
encontramos companheiros brancos e negros nessa mesma batalha. Nós não
queremos construir uma sociedade de negros contra brancos, ou vice-versa,
mas sim de todos”.
Para Paixão (2006), o preconceito e o racismo no Brasil estão presentes
no dia a dia das pessoas, na mídia, nas empresas, nos processos de contratação,
nas políticas de promoção e até nas tomadas de decisão sobre demissões.
Também nas instituições públicas e privadas (racismo institucional), nas
escolas e universidades – no dia a dia do aluno, em sala de aula, nos livros
didáticos, nas estruturas curriculares, na distribuição das bolsas de pesquisa
e outros –, nas lojas, nas bibliotecas, nos hospitais, nos postos de saúde, nos
tribunais, nas delegacias, nos processos eleitorais e nas casas das pessoas.
Um exemplo de racismo sofrido pelas crianças negras na escola diz
respeito aos apelidos pejorativos que recebem por causa do cabelo. Nem

–  91  –
Temas Contemporâneos da Educação

sempre os professores e pedagogos possuem conhecimentos suficientes para


lidar com a questão, perpetuando o preconceito. Sobre esse assunto, Gomes
(2005, p. 237) informa:
Na escola também se encontra a exigência de “arrumar o cabelo” [...].
Em alguns momentos, o cuidado dessas mães não consegue evitar
que, mesmo apresentando-se bem penteada e arrumada, a criança
negra deixe de ser alvo das piadas e apelidos pejorativos no ambiente
escolar. Alguns se referem ao cabelo como: “ninho de guacho”, “cabelo
de Bombril”, “nega do cabelo duro”, “cabelo de picumã”! Apelidos
que expressam que o tipo de cabelo do negro é visto como símbolo de
inferioridade, sempre associado à artificialidade (esponja de bombril)
ou elementos da natureza (ninhos de passarinhos, teia de aranha e
enegrecida pela fuligem).

Receber esses apelidos na escola pode representar para a criança negra as


primeiras rejeições que recebe da sociedade, motivada pelo fato de ter cabelo
crespo. Para Gomes (2005, p. 27), isso pode marcá-la por muito tempo, pois:
A experiência da relação identidade/alteridade coloca-se com maior
intensidade nesse contato família/escola. Para muitos negros, essa é
uma das primeiras situações de contato interétnico. É de onde emer-
gem as diferenças e se torna possível pensar um “nós” – criança e
família negra – em oposição aos “outros” – colegas e professores/as
brancos. Embora o discurso que condiciona a discriminação do negro
à sua localização na classe social ainda seja predominante na escola,
as práticas cotidianas mostram para a criança e para o adolescente
negro que o status social não é determinado somente pelo emprego,
renda e grau de escolaridade, mas também pela posição da pessoa na
classificação racial.

Talvez esse fato do cabelo possa parecer até insignificante, porém,


convidamos nossos leitores a somarem todas as situações negativas resultantes
do contato interétnico. Não será difícil notar que essa criança se tornará um
adulto muito sofrido e com dificuldades de se identificar com seus ancestrais.
Essa história do cabelo nos faz lembrar que, via de regra, são as meninas
negras que mais sofrem preconceito e discriminação na infância, quando entram
para a escola, por conta do cabelo crespo. Depois de adultas, essas mulheres
sofrerão duplamente com a discriminação, por serem mulheres e negras:
A discriminação sobre as mulheres negras perpassa planos não
conhecidos pelos homens do mesmo grupo racial, tais como os
reportados aos direitos reprodutivos, violência doméstica, violên-

–  92  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

cia sexual, dupla jornada de trabalho e demais sequelas geradas por


uma sociedade machista, como a brasileira. Esse contingente tam-
bém comumente vê impactado pelo seu rebaixamento à condição
de objeto de prazer sexual dos homens (especialmente simbolizado
na figura da mulata) e pela constante violação de sua autoestima nos
planos profissional e estético e à marginalização no mercado matri-
monial (PAIXÃO, 2006, p. 26).

Embora saibamos que a escola é o espaço para se debater essas questões,


não podemos ignorar que ainda há muitas pessoas despreparadas para discutir
e enfrentar a problemática do racismo e do preconceito nesse espaço. Até
porque, nosso sistema educacional também faz parte dessa sociedade que
discrimina e, por isso mesmo, tem se tornado pouco atraente aos meninos
e meninas afrodescendentes, indígenas, ciganos, entre outros. A seguir,
apresentamos fatores que têm resultado em dificuldades para a escolarização e
ascensão social dos afrodescendentes, mostrando como a escola tem fechado
os olhos para a realidade e problemas típicos das crianças negras:
[...] i) entrada precoce no mercado de trabalho; ii) a baixa qualidade
do ensino público, no qual se concentra a maioria dos estudantes
afrodescendentes, que não contribui para promover a construção do
conhecimento; iii) imposição de um conteúdo programático que não
valoriza o universo dos afrodescendentes e, portanto, não estimula a
elevação de sua autoestima; iv) a presença do racismo e do preconceito
em sala de aula e no ambiente escolar, o que reduz a continuidade dos
estudos; v) a falta relativa de bons exemplos no mercado de trabalho que
possam sinalizar melhores perspectivas de retorno profissional financeiro
para aqueles que investem nos estudos (PAIXÃO, 2006, p. 34).

Saiba mais
Visitando a página A cor da cultura, através do endereço
<http://www.acordacultura.org.br/>, nas abas: “O projeto”;
“Kit a cor da cultura”; “Artigos”, será possível retomar e refletir
acerca da questão da discriminação e do preconceito.

Dessa forma, é necessário conhecer e debater essa questão do preconceito


e discriminação racial, nos espaços formais e informais de educação, para

–  93  –
Temas Contemporâneos da Educação

viabilizar seu enfrentamento e promover a igualdade das relações étnico-raciais.


No próximo segmento, abordaremos a questão do papel histórico da escola
e de como os negros, impedidos de estudar, inclusive por questões legais,
enfrentaram essa problemática e ajudaram a construir a democracia brasileira.

Preconceito racial: conjunto de valores e crenças
estereotipadas que levam um indivíduo ou um grupo a
alimentar opiniões negativas a respeito de outro, com
base em informações incorretas, incompletas ou em ideias
preconcebidas. É a forma mais frequente de racismo.
Racismo: estrutura de poder baseada na ideologia
da existência de raças superiores ou inferiores. Pode
evidenciar-se na forma legal, institucional ou por meio
de mecanismos e de práticas sociais (ROCHA, 2006).

2.3.13 O acesso do negro à escola e suas


iniciativas de educação escolar
Compreender os dados estatísticos citados em itens anteriores passa
por entender que tudo isso é resultado de um longo processo de exclusão ao
qual os negros foram submetidos, como a falta de acesso aos direitos sociais
básicos (saúde, segurança, acesso à justiça), com destaque para a educação,
que poderia ter contribuído para mudar esse cenário. No caso dos indígenas,
a situação é semelhante, pois só tiveram seus direitos reconhecidos a partir da
Constituição Federal de 1988.
Os profissionais da educação precisam de dados que os ajudem a perceber
que a atual situação de inserção da população negra no sistema de educação
formal brasileiro, público ou particular, entre outros fatores, está relacionada
à forma como a questão foi tratada durante o empreendimento escravista
colonial e imperial, que durou mais de trezentos anos e continuou ao longo
da história, até a contemporaneidade. “No Período Imperial, a escola formal
estava restrita, por lei, aos cidadãos brasileiros – automaticamente, essa legis-
lação (Art. 6º da Constituição de 1824) coibia o ingresso da população negra

–  94  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

escrava, que era, em larga escala, africana de nascimento” (ARAÚJO; SILVA,


2005, p. 68). Embora a situação legal fosse um obstáculo considerável à pre-
sença negra nessas escolas, isso não impedia tentativas da população negra
para obter educação formal. É o que demonstram algumas iniciativas como as
aulas públicas oferecidas pela irmandade de São Benedito, até 1821, em São
Luís do Maranhão (MORAES apud CRUZ, 2005) e da Escola Perseverança
ou Cesarino, fundada em Campinas, em 1860. Em relação a essa última, os
pesquisadores destacam que, embora não fosse uma escola destinada à popu-
lação negra (era particular, destinada a meninas), atendia meninas negras
cujas famílias não podiam pagar os custos do ensino privado. Era dirigida por
Antônio Ferreira Cesarino e sua mulher (BARROS, 2005). Outra iniciativa
citada foi o “Colégio São Benedito, criado em Campinas, em 1902, para alfa-
betizar os filhos dos homens de cor da cidade” (CRUZ, 2005, p. 28).
Todas essas iniciativas comprovam que as restrições legais, econômicas ou
culturais não impediram que afrodescendentes se tornassem grandes técnicos,
intelectuais e literatos, como Luis Gama, Lima Barreto, Machado de Assis e Mil-
ton Santos, que participaram ativamente da vida política e cultural de sua época.
É preciso destacar que outras etnias também enfrentaram dificuldades,
preconceitos e discriminação tanto quanto os negros, como os indígenas e
os ciganos, que também possuem entre eles diversos expoentes, é o caso do
Cacique Raoni, Cacique Juruna (deputado constituinte), Daniel Mundu-
ruku, Azelene Kaingang e Miriam Batuli (de origem cigana).
Embora o sucesso desses personagens expresse, em parte, esforços de seus
familiares, também refletem a busca da população negra e de outras minorias
por educação, que ocorria tanto da forma individual como coletiva. Como
exemplo da preocupação da população negra com a educação dos seus filhos,
podemos citar o caso do professor Pretextato dos Passos Silva, homem negro,
residente no Rio de Janeiro (em meados do século XIX), que:
[...] reivindicava, às autoridades competentes, reconhecimento de
uma escola para meninos pretos, que fora criada por reivindicação de
famílias negras desejosas de um ambiente onde seus filhos pudessem
estudar sem serem coagidos pelo racismo corrente nas escolas da corte
(COSTA; OLIVEIRA, 2011, p. 9).

Apesar do visível esforço da população negra para obter escolariza-


ção, esta não lhes foi oportunizada, conforme afirmação de Siqueira (2010,

–  95  –
Temas Contemporâneos da Educação

p. 276) de que “os africanos no Brasil, durante a escravidão, tinham proibi-


ções formais que [...] os impediam de preparar-se para os sistemas nos quais
eles, provavelmente, deveriam viver após a abolição”.
O fato é que, após a escravidão, os negros oriundos de plantações, minas,
serviços de rua e outros foram obrigados a prover seu próprio sustento sem
o devido preparo. A maioria não sabia ler e nem escrever português (língua
colonial estabelecida no país) (SIQUEIRA, 2010).
Com a Proclamação da República, os obstáculos ao acesso da população
afrodescendente à escola continuaram. Isso pode ser constatado observando-
-se que os investimentos estatais em educação nessa época eram ínfimos.
Além disso, a oferta em larga escala em educação iniciou-se apenas após 1930.
Nesse período, a busca por educação formal adquiriu uma nova expressão
ligada ao processo de industrialização e urbanização do país, tornando-se
uma das principais reivindicações do primeiro movimento negro de expres-
são nacional – a Frente Negra Brasileira (FNB), fundada em 16 de setembro
de 1931, em São Paulo –, expandindo-se por Rio de Janeiro, Pernambuco,
Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A FNB não só fundou escolas,
como construiu uma reflexão teórica sob o tema (ARAÚJO; SILVA, 2005).
Outra iniciativa foi a do Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado no
Rio de Janeiro, em outubro de 1944 (ROMÃO, 2005).
Contemporaneamente, dezenas de outras iniciativas poderiam ser cita-
das. Todo esse desenvolvimento histórico desdobrou-se em movimentos
sociais que influenciaram a LDB, que, nos “Princípios e Fins da Educação
Nacional”, Art. 3º, estabelece:
O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I –
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II
– liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura,
o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de
concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à
tolerância (BRASIL, 1996).
Frutos significativos dessa história são a Lei n. 10.639/03, a Lei n.
11.645/08 e outros marcos legais, como a Convenção n. 169, da Organização
Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, e o Decreto n.
6.040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais. A partir do marco legal da Lei n. 10.639

–  96  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

(BRASIL, 2003), os sistemas de ensino devem, conforme as Diretrizes para


Educação das Relações Étnico-raciais, entre outras medidas, promover:
Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como
em remanescentes de quilombos, comunidades e territórios negros
urbanos e rurais. Organização de centros de documentação,
bibliotecas, midiotecas, museus, exposições em que se divulguem
valores, pensamentos, jeitos de ser e viver dos diferentes grupos
étnico-raciais brasileiros, particularmente dos afrodescendentes.
Incentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos
educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimen-
tos afro-brasileiros e indígenas, com o objetivo de ampliação e for-
talecimento de bases teóricas para a educação brasileira (BRASIL,
2006, p. 27).
Tudo isso nos ajuda a compreender que o negro e o índio não
aguentaram de forma passiva o processo de discriminação imposto pelo regime
escravocrata (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). É preciso desconstruir essa crença
na passividade, na indolência, na preguiça e também no conformismo do
negro e do índio diante da escravidão porque, em primeiro lugar, trata-se de
um equívoco histórico e, em segundo, interfere na construção da autoestima
e da identidade das pessoas negras e brancas (MUNANGA; GOMES, 2006).
Assim, concordamos com Munanga e Gomes (2006, p. 67), quando
afirmam que foram muitos os fatores que contribuíram para que em nossa
sociedade esse equívoco histórico ainda persista, com destaque para:
a. a existência do racismo em nossa sociedade, produzindo e dissemi-
nando uma visão negativa sobre o negro. Expressões marcantes do
racismo podem ser percebidas nas piadas racistas formuladas no dia a
dia e na associação que muitas pessoas fazem entre negro e criminali-
dade; negro e pobreza; negro e sujeira, dentre outras;
b. o desconhecimento de uma grande parte da população brasileira,
inclusive de intelectuais, sobre os processos de luta e organização dos
africanos escravizados e de seus descendentes durante o regime escravista.
É muito comum ouvirmos as pessoas atribuírem de maneira equivocada,
a longa duração da escravidão a um comportamento passivo e resignado
dos negros ou demonstrarem total ignorância sobre as revoltas escravas
e movimentos de luta após a escravidão. Há também uma falta de
conhecimento sobre as ações do movimento negro na atualidade;
c. a falta de divulgação de pesquisas e livros que recontam a história do
negro brasileiro, destacando-o como sujeito ativo e não como vítima
da escravidão e do passado escravista [...];

–  97  –
Temas Contemporâneos da Educação

d. a crença de que no Brasil não há racismo e de que os diferentes grupos


étnicos-raciais aqui existentes, nos quais está incluído o seguimento
negro, viveram uma situação mais branda de exploração e escravidão
quando comparados com a realidade de outros países [...].

Diante do exposto, há de se mencionar as diferentes formas de resistência


empreendidas pelos negros, durante e após o regime escravocrata. É claro
que se torna necessário contextualizar essas lutas no seu período histórico,
evitando cometer outro equívoco que é “querer encontrar nas formas de
organizações negras que existiram durante a escravidão o mesmo tipo de
luta e organização dos movimentos sociais dos dias atuais” (MUNANGA;
GOMES, 2006, p. 68-69).
Essas estratégias de luta e organização negra que remontam à época
do Brasil Colônia são chamadas por alguns autores de resistência negra.
Assim, várias foram as maneiras encontradas pelos negros escravizados para
resistirem ao processo de escravidão, entre elas destacam-se: insubmissão às
regras do trabalho nas roças ou plantações; movimentos de ocupação de terras
disponíveis; revoltas; fugas; abortos; quilombos; irmandades; sociedades de
ajuda mútua; associações recreativas e organizações religiosas (MUNANGA;
GOMES, 2006); compra de escravos por libertos para, posteriormente,
alforriá-los; várias tentativas de escolarização das crianças negras por meio de
escolas informais.
Nesse sentido, concordamos com Munanga e Gomes (2006) quando
argumentam que todas essas estratégias de resistência negra demonstram que esses
homens e mulheres não se submeteram passivamente ao regime escravocrata,
como quiseram nos fazer acreditar alguns autores de livros didáticos.
Dentre as estratégias de resistência encontradas pelos negros estão os
quilombos, a Revolta dos Malês, a Revolta dos Alfaiates, a Cabanagem, a
Sabinada, a Balaiada, a Revolta da Chibata, a imprensa negra, a Frente Negra
Brasileira, o Teatro Experimental do Negro (TEM), a resistência negra na
ditadura (LOPES, 2008; ROMÃO, 2005).

Para saber mais sobre as revoltas que apontam a resistência do
índio e do negro ao processo de escravização, os leitores podem
aproveitar a facilidade dos materiais disponibilizados na internet

–  98  –
Relações étnico-raciais e diversidade na escola

e localizar a página do Ministério da Educação. Clicando no


link “Publicações” e, em seguida, “Coleção Educação para
Todos”, é possível encontrar 33 volumes que tratam da questão
da diversidade na educação. Sugerimos, em especial, o volume
13, “A presença indígena na formação do Brasil”, por abordar
as formas de resistência empreendidas por negros e índios.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Publicações.
(Coleção Educação para Todos). Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=
13529%3Acolecao-educacao-para-todos&catid=194%3Asecad-
-educacao-continuada&Itemid=913>. Acesso em: 17 jun. 2011.

No ano de 2001, ocorreu em Durban, África do Sul – promovida pela
ONU – a III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias
Correlatas. Essa reunião foi significativa para o combate ao racismo, pois
173 países reconheceram que as estatísticas das desigualdades social e racial,
a violência e o racismo têm sua origem na escravidão. O Brasil assumiu o
compromisso de elaborar políticas de ações afirmativas para minimizar a
imensa desigualdade existente entre a população negra e branca do país. Dentre
as ações afirmativas, podemos citar revisão nos livros didáticos, capacitação de
professores, revisão dos conteúdos curriculares, mudanças de posturas e lógicas,
conhecimento e valorização da cultura africana (ROCHA, 2006).
Todas as injustiças sobre as quais refletimos neste texto foram
reconhecidas no ano de 2001, no texto da Declaração de Durban,
documento que sintetiza as discussões ocorridas em Durban, África do
Sul, durante a III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e
Intolerâncias Correlatas promovida pela ONU.

Da teoria à prática
O texto “Morte e violência. Um debate sobre a discriminação
contra os índios” trata-se de uma entrevista com o antropólogo
e padre jesuíta Aloir Pacini, concedida por e-mail para a IHU

–  99  –
Temas Contemporâneos da Educação

On-Line. Nesse texto, ele comenta o assassinato da indígena


Paresi Valmireide Zoromará, ocorrido no dia 10 de janeiro de
2009, e os atos de violência praticados contra os índios no
Mato Grosso.
Aloir constata que “cada vez mais os crimes contra os índios
são apurados e a sociedade está alerta para cobrar mudanças no
modo de nos relacionar com as sociedades diferentes. O Brasil
hoje se concebe como sociedade pluricultural e multiétnica e
isso exige respeito às diferenças”.
Você concorda com o antropólogo Aloir Pacini? Seguindo essa
linha, sugerimos que seja feita uma pesquisa na internet sobre
o número de indígenas brasileiros assassinados nos últimos
vinte anos por preconceito, discriminação ou racismo. Será que
podemos afirmar que o nosso país respeita as diferenças? Qual o
desafio da educação na implementação do respeito às diferenças?
Fonte: IHU ON-LINE. Morte e violência. Um debate
sobre a discriminação contra os índios. Entrevista especial
com Aloir Pacini. 22 jan. 2009. In: Ecodebate. Cidadania
e Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.ecodebate.
com.br/2009/01/24/morte-e-violencia-um-debate-sobre-a-
discriminacao-contra-os-indios-entrevista-especial-com-aloir-
pacini/>. Acesso em: 20 maio 2011.

Síntese
A forma como os indígenas e os negros foram submetidos ao processo
de colonização pelo europeu deixou profundas sequelas na sociedade
brasileira. Entretanto, a história tradicionalmente ensinada nas escolas não
considera as contribuições dos negros e dos índios, além de colocá-los
em posições de subserviência e inferioridade. Isso tem promovido relações
étnico-raciais desiguais.

–  100  –
2.4
Inclusão: ensinando
e aprendendo na
diversidade
(Dinéia Urbanek e Paulo Ricardo Ross)

Fundamentados no desejo de concretizar uma política edu-


cacional transformadora, capaz de oferecer uma escola acolhedora e
competente, preocupada em possibilitar a construção individual e
coletiva do saber, temos como objetivo oferecer indicadores para a
reflexão acerca dos fundamentos filosóficos da educação inclusiva,
por meio da análise do painel real das possibilidades e dificulda-
des das comunidades escolares brasileiras. Propomos a análise de
possíveis implicações do princípio da diversidade humana aplicado
à pedagogia da inclusão das pessoas com necessidades especiais na
escola e serviços comuns da sociedade.
Partimos do pressuposto de que as diferenças são as marcas
fundamentais das relações sociais. Isso significa o rompimento de
toda espécie de rótulos e preconceitos. Propomos que ninguém seja
chamado de diferente, porque a diferença manifestará novas indivi-
Temas Contemporâneos da Educação

dualidades dos novos sujeitos ou atores sociais. Na verdade, a individualidade


das pessoas que apresentam necessidades especiais só será produzida quando
conquistarem as condições para estabelecer com autonomia e independência
suas relações sociais. A conquista da individualidade é a expressão maior da
diferença que se pretende. Proclamamos que não haja necessidade de nenhum
qualificativo para designar este ou aquele indivíduo. As designações classifica-
tórias ao outro dão lugar ao respeito à individualidade.

2.4.1 Relacionamento com a diversidade


Atualmente, a diversidade se constitui como uma mola propulsora de
mudanças em todas as dimensões da vida. As mudanças provocadas com
a inclusão escolar e social da pessoa com deficiência produzem benefícios
no âmbito das atitudes humanas, nas políticas públicas, nas inovações
tecnológicas, nos processos de gestão, nas concepções, no conhecimento do
tempo, do ambiente e do ser humano.
Contudo, são notórias as barreiras ainda existentes em práticas
pedagógicas não significativas, em processos avaliativos classificatórios. Isso
significa que as dificuldades para beneficiar-se do conhecimento, dos saberes
e valores sociais se localizam também no modo como se organizam a escola
e a sociedade.
Dessa forma, se as condições estruturais, as expectativas e atitudes forem
positivas, alteradas, adaptadas, a pessoa pertencerá à sociedade, na qual se
manifestam a identidade, as diferenças e as possibilidades de cada um.
Os avanços em relação às concepções adotadas não foram suficientes
para a libertação da deficiência de sua marca metafísica de maldição ou castigo
do céu, do fatalismo clínico da hereditariedade inevitável, nem da segregação
para a educação especial, além do fato dessas pessoas, do ponto de vista
sensorial e motivacional, serem tratadas como se fossem iguais e imutáveis.
Não há oferta de emprego, não há captação das competências dessa mão de
obra pelo mercado de trabalho, e também não há trânsito social nas instituições
básicas da cidadania, como saúde e educação. Ainda se pensa que a formação de
professores deve ser específica (especializada) em pedagogia especial e que esses

–  102  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

docentes devem ser remunerados com gratificação especial por sua ocupação
com pessoas que apresentam deficiências (SKLIAR, 1997, p. 40).
Ainda que se pregue hoje a exigência de libertação das pessoas com
deficiência, do cárcere da segregação ou mesmo da reclusão, tal cárcere
é mantido com relação às suas atitudes e decisões. À vida dessas pessoas é
reservado um destino funesto, a negação da alteridade é expressa a partir da
exigência de que sejam pacatas, normais, saudáveis e adequadas às melhores
relações sociais.
A sociedade atual proclama a liberdade e a igualdade como bases para
legitimar os empreendimentos capitalistas. O emprego das forças de trabalho
alimentam a ilusão e o sonho do enriquecimento, da ascensão social, tornando
as pessoas resignadas com o sofrimento, com a subserviência, o que evidencia
a desqualificação engendrada no próprio processo de trabalho.
As pessoas com deficiência eram consideradas, a priori, inferiores,
incapazes, indignas para travar as lutas pela liberdade, mas não lhes era
conferido um lugar digno para usufruírem dos benefícios humanos. Elas
constituíam a negação, a marginalidade, a invisibilidade. Eram negadas e
excluídas por fragilidade, empecilho aos propósitos de se formar uma sociedade
harmonicamente funcional. Elas não eram tomadas como sujeitos merecedores
de investimento de recursos e de atenção da sociedade para garantir-lhes a
promoção da vida, o compartilhar dos afetos e saberes humanos.
Assim, não basta concentrarmos todos os esforços em um diagnóstico
precoce, tratamento médico, reabilitação profissional e social dessas pessoas
se não provocarmos mudanças na esfera do trabalho, na pesquisa científica
e tecnológica, nas práticas educacionais e formativas, nas relações familiares
e humanas em geral. Hoje alguns campos da ciência e da atividade humana
se voltam para a seguinte questão: quais são os melhores procedimentos para
acolher a pessoa com deficiência?
Nesse momento, as políticas inclusivas proclamam o seguinte princípio:
toda pessoa tem o direito de ser ouvida, isto é, manifestar suas necessidades,
preferências, aspirações e fazer escolhas, tomando decisões e participando em
todos os projetos que afetem direta ou indiretamente suas vidas. Mas, para
obter o resultado de suas decisões, é necessário o segundo princípio: toda
pessoa tem o direito de usufruir do acesso aos ambientes, às ações, às práticas
culturais, econômicas e políticas que se organizam socialmente.

–  103  –
Temas Contemporâneos da Educação

Desse modo, cabe à escola e às outras instituições sociais promover as


condições de acessibilidade multidimensional, multicultural e politécnica,
isto é, um estado de plena oportunidade para quem se encontra em situação
de desvantagem ou de desigualdade.

Para garantir a autonomia e a interdependência do aluno
com deficiência, é necessário que os códigos, os currículos,
as avaliações, os procedimentos, as linguagens, as crenças
e os instrumentos avaliativos se apresentem flexíveis.
Há de se pensar na formulação de avaliações, para que
elas sejam mais formativas e menos classificatórias. As
aulas também precisam ser revistas, no sentido de se
apresentarem mais desafiadoras e exploratórias, provo-
cando maior envolvimento e participação dos alunos.

O professor pode ser mais acolhedor da diversidade de cada aluno e


menos homogeneizador da turma. Ele pode conjugar mais ação e abstração,
interação e autonomia, aprendizado da teoria e da ética, conceito e significado,
ciência e arte, intelectualidade e política, compreensão e crítica ao existente,
escrita e expressão dos sentimentos e da trajetória de cada um.
O professor pode ir além da transmissão do conhecimento, sem mais
esperar a absorção homogênea por parte dos alunos; isso é, educar para
reproduzir. É preciso tornar-se um professor pesquisador, isto é, levantar
hipóteses sobre o que trabalha e investigá-las. O professor pesquisador desafia
os alunos a formular métodos, organizar experiências, compreender o sentido
e o significado do que aprende.
Diante da necessidade de assumir a condição de quem repensa e
recria o conteúdo do trabalho, o professor passa a construir sua identidade
profissional. Ao realizar a verificação de hipóteses por meio de experiência,
confrontação com outros autores e outras visões, sistematizará o método, os
resultados, tomará consciência desses procedimentos e retomará o sentido e o
significado do exercício de ser professor. Refazendo sua identidade, passará a

–  104  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

compreender as diferenças com outros pares e buscará aquelas existentes em


cada um de seus alunos.
Acreditando no valor das diferenças, o professor forma uma nova
concepção de unidade e de coletivo, os fundamentos que orientam o próprio
projeto político-pedagógico. Nessa concepção, a necessidade do docente
ultrapassa a dimensão técnica, o fazer da sala de aula, para alçar demandas
mais amplas, participando e oferecendo alternativas à gestão política dos
processos de formação. Diagnosticando as carências e os recursos existentes,
o professor assume seu papel político, reivindicando o que falta, as condições
estruturais que viabilizam melhor o processo de ensino, melhores condições
para os alunos exercerem a autoria do conhecimento e da aprendizagem.
Para dar início a essa concepção de ensino e aprendizagem, é preciso
acreditar no valor das diferenças, no valor dos confrontos e conflitos de pontos
de vista, no valor educativo do erro, na riqueza das trajetórias de vida, na
importância da crítica aos métodos, ao raciocínio preestabelecido, no caráter
ontológico das falas e das experiências e saberes dos alunos.
Essas mudanças podem contribuir para a formação de um novo saber,
isto é, um saber ser, um saber articular-se socialmente rumo à autoria do seu
tempo. Desafiar o aluno a produzir conhecimento sobre o modo como o
tempo é apropriado diferentemente pelas pessoas em função de suas ocupações
e responsabilidades, por exemplo, torna-o autor, protagonista de sua história.
Podemos afirmar que a educação inclusiva busca o desenvolvimento de
inteligências cognitivas, emocionais e sociais, que permitam uma flexibilidade
para alterar o curso linear de procedimentos existentes na educação tradicional.
O professor manifesta sempre atitude encorajadora, proativa, positiva, seu
comprometimento com a ética, com a justiça e com o direito à autoria da
diversidade de cada um. As organizações que já produziram essas mudanças
podem ser consideradas mais inclusivas, mais tolerantes e acolhedoras.

2.4.2 Compreensão das necessidades


educativas especiais
Em consequência das conquistas históricas, questionamos a legitimidade
de empregar rótulos e/ou categorias para descrever e/ou classificar os sujeitos

–  105  –
Temas Contemporâneos da Educação

resultantes da aplicação massiva dos testes de inteligência. Consideramos


que rótulos, como atraso mental, distúrbios de aprendizagem e emocionais,
produzem efeitos negativos, tanto no autoconceito quanto nas expectativas
da sociedade sobre esses sujeitos, as quais contribuem para perpetuar os
estereótipos e para obstaculizar a aceitação plena das diferenças individuais
(ILLAN ROMEU, 1992, p. 17-25).
A lógica da exclusão apoia-se na lógica de classes. Classificar é uma
organização que coloca os iguais, os que respondem ao mesmo critério, em
um mesmo lugar, em uma mesma caixa. Assim, as pessoas que se enquadram
dentro das mesmas dificuldades formam uma nova classe: dos deficientes
intelectuais, deficientes visuais, deficientes auditivos, deficientes físicos e
pessoas com transtornos invasivos do desenvolvimento.
Os testes de inteligência são questionados não só como origem da
rotulação, mas também por suas graves consequências no processo de decisão
sobre o encaminhamento de alunos para a educação especial como situação
duradoura e irreversível.
Nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX, os progressos em neuropsicologia
substituem os rótulos qualitativos (idiota, imbecil, débil) ou quantitativos
(QI 0-20, 20-50, 50-75, por exemplo) e a psicopedagogia propõe critérios
de avaliação e classificação baseados em desempenhos observados nas diversas
situações. Mais recentemente, “a psicanálise vem contribuindo à produção
de relações familiares e sociais capazes de qualificar a deficiência no campo
das diversidades humanas, propondo um sistema de estimulação de bebês
e produção de vínculos de saúde nas relações familiares e sociais” (KLIAR,
1997, p. 40).
A constatação de uma distinção deveria, sim, contribuir para o
desenvolvimento de uma intervenção educativa adequada. O diagnóstico
de necessidades especiais – ao contrário do rótulo – não possui o caráter
estático e irremovível, ele se converte em ponto de partida para a melhoria das
possibilidades do indivíduo.
Embora tenha suas origens no ano de 1960, o conceito de necessidades
educativas especiais só foi adotado e redefinido a partir da Declaração de
Salamanca (BRASIL, 1997), passando a abranger todas as crianças e jovens
cujas necessidades envolvam deficiências ou dificuldades de aprendizagem.

–  106  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

Desse modo, passou também a atender tanto as crianças em desvantagem


quanto as chamadas superdotadas, bem como crianças de rua ou em situação
de risco, que trabalham, que fazem parte de populações remotas ou nômades,
pertencentes a minorias étnicas ou culturais, e crianças desfavorecidas ou
marginalizadas, além das que apresentam problemas de conduta ou de
ordem emocional.
De acordo com Marchesi e Palacios (2004), podemos enumerar quatro
razões importantes para a utilização da terminologia “necessidades educativas
especiais”. A primeira compreende que várias pessoas são afetadas por várias
deficiências e não existe uma só que possa caracterizá-las. O segundo ponto
revela que as categorias confundem o tipo de educação especial necessário,
pois se estão todos nas mesmas categorias, suas necessidades são também
semelhantes. O terceiro aspecto levantado pelo autor diz respeito aos recursos
proporcionados a uma determinada categoria, os que não se enquadram nela
não podem utilizar, por exemplo, recursos comunitários só para pessoas que
têm um tipo de deficiência.
Para concluir, Marchesi e Palacios ressaltam o caráter rotulante e negativo
que é designado às pessoas com deficiência, separando-as por grupos distintos
tornam, assim, impossível a ideia de que façam parte de outros grupos.
Dessa forma, as necessidades educativas especiais (N.E.E.) afetam
um conjunto maior de pessoas e referem-se principalmente aos problemas
de aprendizagem dos alunos em sala de aula, além de supor a provisão de
recursos necessários, assim podem existir deficiências ou dificuldades de
diferentes níveis de gravidade.
O mesmo autor ainda considera que a avaliação dos problemas de
aprendizagem deve levar em conta o funcionamento da escola, os recursos
disponíveis, a flexibilização do ensino, a metodologia e os critérios de avaliação
utilizados. Somente com essa análise contextual podemos identificar a grande
variedade de dificuldades que podem impedir o sucesso escolar do aluno e,
então, levantar as suas necessidades educativas especiais, que, para surpresa
de todos, acabam sendo necessidades também de um grande número de
estudantes, não apenas do indivíduo identificado com problemas. O tipo
de ensino que se desenvolve em uma escola pode originar ou intensificar as
dificuldades dos educandos.

–  107  –
Temas Contemporâneos da Educação

É preciso identificar como foram geradas tais dificuldades, que influência


os ambientes social e familiar exercem sobre o aluno e qual o papel da escola
frente a essas dificuldades. A finalidade principal da avaliação é analisar as
potencialidades de desenvolvimento e de aprendizagem para providenciar
todos os recursos necessários para que a educação aconteça no contexto mais
integrador possível.

“Não são as espécies mais fortes e nem as mais
inteligentes que sobrevivem, mas, sim, aque-
las que melhor respondem às mudanças.”
Charles Darwin

2.4.3 Identificação das necessidades


educativas especiais
Para Vygotsky (1989), o desenvolvimento humano é visto como uma
atividade social em que as crianças participam de ações de natureza cultural
mediante ações dos colegas ou adultos com mais experiência. Assim,
compreendemos que a aprendizagem é fruto da interação com outras pessoas
significativas nos diversos contextos da vida, ideia completamente contrária ao
parecer de diagnóstico que leva em consideração somente o sujeito biológico
sem analisar a sua história pessoal e o contexto em que está inserido. Dessa
forma, o autor convoca o professor a levantar as soluções para as mudanças
das condições do ambiente de maneira a favorecer a aprendizagem do aluno.
A avaliação psicopedagógica não é um ato pontual. Devemos considerar
o desenvolvimento de natureza interativa e contextual, o que gera mudanças
importantes nas práticas de avaliação e nas tomadas de decisões frente ao
contexto em que o aluno está inserido. Passa a ser um processo de coleta
de informações das variáveis que intervêm no ensino e na aprendizagem,
que levará a identificar quais as N.E.E. do aluno e as diversas decisões com
relação às adaptações curriculares e ao tipo de suporte que o sujeito venha
a precisar. Assim, a avaliação psicopedagógica deve servir para orientar o

–  108  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

processo educacional em seu conjunto, facilitando o trabalho do professor


que trabalha cotidianamente com o aluno.
A coleta dessas informações deve acontecer principalmente na rotina da
escola, tornando o professor o principal personagem desse encaminhamento,
visto que a ele também serão oferecidas as diversas medidas de apoio que se
considerem necessárias. Deverão ser analisados os itens listados a seguir.
ÙÙ Programações da turma: a forma como é distribuída a rotina na
sala deve ser considerada, pois o limite natural de uma criança
para desenvolver uma atividade é um aspecto fundamental para o
sucesso da aprendizagem, assim como não ter rotina escolar também
influencia na forma como o aluno se organiza para efetivar sua
aprendizagem. Atividades que levam mais de uma hora para serem
realizadas tornam-se naturalmente desmotivantes para a criança.
ÙÙ Conteúdos: é preciso levantar os pontos fortes e fracos do aluno
com relação ao currículo escolar, identificando o que é capaz de
fazer com relação aos objetivos e conteúdos (atitudinais, conceituais
e procedimentais) das diferentes áreas curriculares, bem como
verificando qual o conhecimento prévio que o aluno deve ter para
apropriar-se do novo conteúdo apresentado.
ÙÙ Metodologia utilizada, critérios de acompanhamento e avaliação:
as observações frente a todas as participações dos alunos são
o instrumento mais eficaz de avaliação da aprendizagem, por
proporcionar informações qualitativas sobre as experiências na sala
de aula, podendo contribuir com o tipo de ajuste que eles possam
vir a necessitar. Criar um portfólio11 individual pode auxiliar no
levantamento e organização das informações necessárias.
ÙÙ Relação do professor com o aluno e a turma: as considerações
acerca de como se estabelecem as relações do professor são outro
fator importante. É preciso perceber o quanto existe de desejo e
vontade de transformar a sua realidade, possibilitando condições
específicas de aprendizagem. As condições afetivas nesse aspecto
são determinantes para impulsionar o aluno rumo a novas metas.

11 O portfólio é uma coleção de todos os trabalhos pedagógicos realizados pelo aluno.


Podem ser textos, atividades gráficas, fotografias, filmagens ou desenhos.

–  109  –
Temas Contemporâneos da Educação

ÙÙ Interação com os colegas: considerando que a aprendizagem


acontecerá na relação que se estabelece com o outro e com o contexto,
a forma e a intensidade da relação do aluno com os colegas revelam
pontos importantes a serem analisados.
ÙÙ Ajuda que lhe é prestada: os apoios possibilitados devem ser
enumerados e descritos quanto às circunstâncias em que foram
usados. Existem atividades nas quais o aluno pode não precisar de
apoio ou recurso concreto e outras nas quais possa precisar.
ÙÙ Ritmo de aprendizagem: a forma como o aluno aprende, como se
dá o seu desempenho, as características individuais que apresenta
na resolução de situações-problema que lhe são colocadas, assim
como suas preferências, interesses e habilidades.
ÙÙ Condições pessoais de deficiência: nesse aspecto, devemos levantar
as condições próprias para cada deficiência, como a comunicação
alternativa para as pessoas que apresentam paralisia cerebral
e não conseguem utilizar a linguagem oral, as características
comunicativo-linguísticas dos surdos, aspectos etiológicos e/ou
neurológicos, as condições de saúde, higiene e hábitos alimentares.
ÙÙ Contexto familiar e social: uma parte da responsabilidade do
desenvolvimento cabe aos adultos, que organizam as experiências
da criança; assim, é necessário analisar em que medida as condições
de vida familiar e social influenciam seu desenvolvimento.

As necessidades educativas especiais referem-se a crianças e jovens
que apresentam elevada capacidade ou dificuldades para aprender,
são as pessoas com altas habilidades/superdotação, deficiências
cognitivas, físicas, psíquicas e sensoriais. O uso da expressão
“necessidades educativas especiais” tem por objetivo evitar os efeitos
negativos de expressões como deficientes, excepcionais, subnormais,
superdotados e incapacitados. É dada atenção às soluções positivas
como forma de suprir as dificuldades encontradas pelo aluno.

–  110  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

2.4.4 Integração e inclusão educacional


Na integração escolar, o aluno tem acesso às escolas por meio de um
leque de possibilidades educacionais, que abrange desde a inserção em salas
de aula do ensino regular até o ensino em escolas especiais, dentro de uma
concepção de inserção parcial e segregadora.
O aspecto mais importante desse processo é que a escola isola os alunos
com necessidades educativas especiais e só integra os que não constituem
nenhum tipo de desafio, indicando escola de rede regular aos que foram
avaliados por instrumentos e profissionais supostamente objetivos. Nessa
concepção é prevista a individualização dos programas instrucionais, que
devem se adaptar às necessidades de cada um dos alunos, com deficiência ou
não. Nesse modelo existe a inserção do educando com necessidades especiais
no ensino comum, com sistemas diferenciados para cada tipo de deficiência,
separando os alunos em dois grupos distintos: aqueles com e aqueles sem
deficiência. Os planos e ensino devem ser individualizados e também
separados em dois grupos distintos, em que se tem o controle do processo de
aprendizagem por especialistas.
A noção de inclusão é incompatível com a de integração e institui a
inserção escolar de forma radical, completa e sistemática. O conceito se refere
à vida social e educativa, e todos os alunos devem frequentar as salas de aula
do ensino regular, considerando todas as suas necessidades, para as quais são
organizados o espaço e os recursos.
É por isso que inserir um aluno com necessidades especiais em uma sala
de aula regular não faz dela uma sala inclusiva. Essa somente será uma sala
inclusiva quando puder atender e responder, com qualidade, às necessidades
educacionais especiais de todos os alunos que nela se encontram.
Ao falarmos em integração, referimo-nos a um processo que privilegia
os esforços de modificação do repertório e do funcionamento do aluno.
Já quando falamos em inclusão, mencionamos um processo que, além de
investir na modificação do aluno, impõe essencial atenção à modificação
do contexto escolar (projeto pedagógico, objetivos educacionais, conteúdo,
método de ensino, processo de avaliação, acessibilidade, métodos de
comunicação, etc.).

–  111  –
Temas Contemporâneos da Educação

Basicamente, a diferença entre inclusão e integração é simples: na


inclusão, é a escola que tem de estar preparada para acolher todos os alunos;
na integração, é o aluno que tem de se adaptar às exigências da escola. Na
primeira, o fracasso escolar é da responsabilidade de todos (professores,
auxiliares, pais, alunos); na segunda, o fracasso é do aluno, que não teve
competência para se adaptar às regras inflexíveis da escola, que presta mais
atenção nos impedimentos do que nos potenciais das crianças.
Inclusão é estar com o outro, integração é estar junto ao outro (que
não necessariamente significa compartilhar nem aceitar). Na integração, nem
todos os alunos com deficiência têm a chance de entrar em uma turma de
ensino regular, já que a escola faz uma seleção prévia dos candidatos que
estariam ou não aptos. A integração escolar se resume ao deslocamento da
educação especial para dentro da escola regular, muitas vezes criando “turmas
especiais” para atender aos “alunos especiais”, e permanecendo as “turmas
normais” para “alunos normais”. Enfatiza-se, assim, a discriminação e o
preconceito dentro da própria escola.
Dessa forma, a inclusão é incompatível com a integração, visto que
defende os direitos de todos, sem exceção, de frequentarem as salas de aula
de ensino regular. Não se trata apenas de todos frequentarem a mesma escola,
mas, sim, as mesmas salas de aula, todos os alunos juntos, independente das
suas necessidades ou particularidades. Então, a escola inclusiva é aquela que
tem salas de aulas inclusivas, assim como bibliotecas inclusivas, banheiros
inclusivos, acessos inclusivos, projeto pedagógico inclusivo e, principalmente,
alunos e professores inclusivos.
O termo “inclusão” refere-se primordialmente à valorização e ao respeito
à pessoa humana, independente de sua raça, credo, condição biofísico-
sensorial ou intelectual, opção sexual, situação econômica e cultural. Assim,
buscamos alcançar, construir e contribuir para a obtenção de ambientes,
processos, relações e atitudes cada vez mais adequados às necessidades e aos
direitos, ao modo de ser e de existir das pessoas com e sem deficiência.
O valor do paradigma da inclusão não se localiza apenas na necessidade
de se organizar uma escola comum adequada às possibilidades dos alunos,
mas também nos direitos de cada família, cada aluno de usufruir de uma
escola especial, promotora de suas capacidades e valorizadora de seus direitos.

–  112  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

Cabe, portanto, à sociedade eliminar todas as barreiras físicas e atitudinais


para que as pessoas com necessidades especiais tenham acesso a todos os
recursos existentes na comunidade de forma ampla, a fim de garantir o seu
desenvolvimento pessoal, educacional e profissional.
A escola para todos reconhece e valoriza as diferenças, a cidadania global
plena, livre de preconceitos, a heterogeneidade das turmas e a diversidade
do processo de construção coletiva e individual do conhecimento. Ela não
possui valores e medidas predeterminantes de desempenho escolar, prevê a
abolição dos serviços segregadores e do mito da necessidade do atendimento
clínico a todos os indivíduos com deficiência. Tal escola considera que o
conhecimento não obedece a critérios rígidos estabelecidos e limitados pelas
disciplinas curriculares, mas configura ampla rede de ideias introduzindo
objetivos e conteúdos funcionais. Nas escolas são consideradas as experiências
socioculturais dos educandos, seus saberes e práticas familiares, assim como é
proposto apoio permanente a toda equipe que os acompanha.
A inclusão considera a criação de condições e possibilidades para que as
pessoas com necessidades educacionais especiais possam realmente usufruir da
comunidade, ao mesmo tempo em que tenham suas singularidades respeitadas.
O paradigma da educação inclusiva compreende que toda criança tem
direito à educação e que os seus limites e possibilidades devem ser respeitados.
Assim como possuem possibilidades e recursos de comunicação, interesses,
habilidades, necessidades de aprendizagem singulares, trajetórias de vida ricas e
significativas, têm o direito de se beneficiar dos serviços e da atenção ofertados
na escola comum ou na escola especial, independentemente das dificuldades
ou diferenças que elas possam apresentar. A ideia que permeia essa questão
é a dos direitos humanos, da autodeterminação, do apoio entre pares, do
empoderamento12 , do direito de correr riscos e de se integrar à sociedade.
O principal objetivo do processo inclusivo é fazer com que todas
as pessoas com deficiência alcancem a indepe ndência, a autonomia e a
responsabilidade e, por consequência, empoderem-se de sua própria vida.

12 O empoderamento diz respeito ao processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de


pessoas, usa o seu poder pessoal inerente à sua condição. Por exemplo: deficiência, gênero, idade,
cor, para fazer escolhas e tomar decisões. O poder pessoal está em cada ser humano. A sociedade
não tem consciência de que a pessoa com deficiência também tem esse poder pessoal.

–  113  –
Temas Contemporâneos da Educação

O processo de cooperação e organização deve passar pelo respeito às


necessidades do outro, sendo um processo de negociação aberto e dinâmico,
no qual o aluno sente-se responsável e participante. Assim, ele pode estar na
classe regular e ter um professor de educação especial para fazer um programa,
para compensar das suas áreas deficitárias e desenvolvê-las individualmente,
fora da sala de aula, em contra- turno. Não compreendemos, hoje, uma
educação especial para uma fatia de crianças ou jovens, assim como não
compreendemos que seja necessário separar as pessoas para educá-las, para
ensiná-las a viver com os outros e para juntá-las posteriormente.

2.4.5 Modelo médico-clínico e modelo inclusivo


A educação especial esteve impregnada pela ideia corretiva e curativa,
tendo em vista a necessidade de adequar os alunos aos modelos biológicos e
sociais construídos pela obra da natureza. Regenerar os sujeitos de necessidades
especiais passava a ser a marca e expressão do autoritarismo da ciência médica
sobre outras ciências.
O modelo médico-clínico tem raízes mais profundas que o campo da
educação especial. Tem suas origens em uma concepção de sociedade na
qual todos os problemas sociais eram explicados localizando suas causas no
indivíduo. Esse seria um problema, alguém a ser curado. Deveria, então,
sofrer intervenções médico-clínicas e de reabilitação para estar de acordo com
as exigências da sociedade.
A suposta necessidade de tantos procedimentos e técnicas especiais para
atender a esses alunos e a suposta incapacidade de professores e de outros
profissionais da educação para levar a cabo essas exigências têm produzido,
genericamente, resultado comum aos alunos com e sem deficiência: o fracasso
escolar. De um lado, as escolas estariam cumprindo seu papel e os educandos
que não conseguissem aprender teriam características pessoais impeditivas para
aprender. De outro lado, os procedimentos e técnicas especiais compatíveis
com suas necessidades só poderiam ser trabalhados pelos especialistas em
educação especial, cabendo, portanto, aos professores do ensino comum lavar
as mãos diante de pessoas e de “problemas” que não se enquadrassem em sua
formação e competência profissionais.
Tal como ocorria em outras instâncias sociais, nas quais os problemas
deveriam ser imputados ao indivíduo, o fracasso escolar das pessoas com

–  114  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

deficiência também precisa ser convertido em processo de individualização,


mistificação e acobertamento das determinações sociais e históricas. A
individualização se expressa na medida em que as características pessoais
compõem a responsabilidade do indivíduo, seu fracasso ou sucesso na
escolarização e a conquista do trabalho, autonomia e independência social. Tal
perspectiva está fundamentada na concepção liberal de educação, segundo a
qual o sucesso e o mérito são determinados pelo esforço e trabalho de cada um.
A educação liberal constituiu-se condição para a construção de uma
sociedade democrática e livre, concebida como uma somatória de indivíduos.
Descontextualizar o papel e a função da educação especial das determinações
sociais, econômicas, políticas e culturais implica um duplo processo de
discriminação e marginalização: o processo de segregação e de isolamento
em relação à sociedade, bem como a crença na existência desse lugar ideal,
nessa separação, nessa naturalização da divisão entre o modo como interagem
pessoas sem e com deficiência.
As pessoas com deficiência eram discriminadas e culpadas em razão da
exigência de características individuais que se constituiriam na prontidão e
maturidade para aprender a se relacionar socialmente. Ao não se adequarem
a esses requisitos, além de não serem levadas em conta suas condições
sociais e econômicas, esses alunos deveriam ser encaminhados aos serviços
de educação especial.
A desigualdade de oportunidades de acesso aos saberes sociais para
as camadas subalternas da população, nas quais está inserida a maioria das
pessoas com deficiência, confere atitude tão discriminatória quanto a de
responsabilizar o indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso escolar.
No entanto, a educação inclusiva propõe a organização de escolas
nas quais seja privilegiada a fusão entre a qualidade do atendimento
especializado com a qualidade do atendimento da rede regular de ensino,
vivendo a experiência de uma verdadeira comunidade educacional, em que
exista a aceitação, a solidariedade, a diversidade, o respeito, a compreensão
e os direitos à saúde, educação e trabalho. Tal comunidade deve, também,
compreender que o convívio social da pessoa com deficiência com seus pares
pode oferecer a efetivação das relações de respeito, a dignidade, a construção
da identidade, da cidadania e a organização das regras sociais de forma justa,
respeitosa e solidária.

–  115  –
Temas Contemporâneos da Educação

É necessário ter coragem, vontade política e organização coletiva para


obter as mudanças desejadas em prol de uma cidadania plena. No interior da
escola, é preciso unir as forças ao invés de dividi-las, lutando para que haja
igualdade de oportunidades.
A ideia de inclusão, por outro lado, não pode cair no extremo e simples
ato de fé, não basta ao educador aceitar e acolher os seus alunos, é necessária a
ação objetiva. O professor deverá saber o que, quando e como fazer, tornando
a sua capacitação profissional indispensável. Falar de atitudes inclusivas a todo
o momento para o corpo docente e demais profissionais da escola é condição
inquestionável para que ali nasça e reine a solidariedade e o espírito de equipe,
em detrimento do individualismo e do espírito de competição. É preciso
termos em mente que estamos construindo coletiva e gradativamente um
conhecimento diferente daquele que comumente encontramos nas escolas,
de intervenções pedagógicas inclusivas, cooperativas e solidárias.
A clareza das relações e das ações configura-se essencial para o sucesso no
processo educacional, pois qualquer profissional que fizer parte dessa escola deve
ter claro que os alunos ali matriculados podem ser deficientes ou superdotados,
de população nômade pertencente a minorias linguísticas, étnicas ou culturais,
ou, ainda, participar de grupos desfavorecidos ou marginalizados. Sendo assim,
deverão ser tratados de forma igual e possuir a mesma oportunidade de crescer.
É o espírito positivo da equipe que vai criar e garantir a implementação de
formas eficazes de combater atitudes discriminatórias.
Uma sociedade e uma escola inclusiva aprendem a trabalhar com as
diferenças, com a diversidade de ritmos, de estilos de aprendizagem, interesses,
motivações e maneiras distintas de construir o conhecimento, e consideram
que todas as diferenças humanas são normais e que o ensino deve se ajustar às
necessidades de cada pessoa e não o contrário. A deficiência deve ser pensada
não pela lógica da falta, mas como pura e simples diferença.
De acordo com a atual perspectiva inclusiva, o ambiente escolar é
que precisa se transformar para receber os alunos. Pensar assim representa
uma grande mudança, não só nas estruturas de ensino, mas em toda a
sociedade. Significa, ainda, mudar posturas para combater o preconceito
e a exclusão de todos os grupos marginalizados, inclusive entre as próprias
pessoas com deficiência. Consideramos que os alunos com necessidades

–  116  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

educativas especiais devem ter acesso à escola regular, acolhidos em uma


ação pedagógica que organiza o tempo e o espaço para eles e que é capaz de
satisfazer as suas necessidades.

Saiba mais
Em Portugal, há uma escola na qual não existem turmas sepa-
radas por idade ou grau de escolaridade, nem lugar fixo ou
sala de aula. Os alunos, organizados em pequenos grupos com
interesse comum, reúnem-se com o professor em grandes gal-
pões e desenvolvem programas de trabalho de quinze dias.
Avaliam o que aprendem e formam novos grupos. Saiba mais
acessando o site <http://www.escoladaponte.com.pt>.

O aluno passa, portanto, a ter o direito de expressar seus desejos com


relação à sua educação, assim como de exercê-lo com relação ao ensino
fundamental, ou seja, compreendemos nesse processo uma educação que
possibilite atingir e manter um nível de aprendizagem adequado dentro de
suas necessidades.
Para esse fim, a escola precisa, em regime de urgência, adequar-se para
garantir que o sistema de ensino não desconsidere que a aprendizagem deve
ocorrer de acordo com os interesses e habilidades de cada aluno.
Cabe à instituição acolher todas as características próprias de
aprendizagem, assegurando ensino de qualidade a todos mediante um
currículo apropriado, alcançado por meio de arranjos organizacionais,
estratégias de ensino, uso de todos os recursos que estiverem ao alcance da
escola e parceria com as comunidades envolvidas, conforme preveem as
Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica. A inclusão
deve significar concretamente a aprendizagem de conteúdos e objetivos
previamente planejados e organizados.
Ao pensarmos em qualidade de educação para todos, também é
preciso que consideremos determinados princípios fundamentais, entre eles
a liberdade de escolha do indivíduo. Essa é uma ação que devolve a ele, o

–  117  –
Temas Contemporâneos da Educação

principal interessado e responsável por seu destino, esse direito que esteve na
mão dos especialistas durante décadas.
Outro aspecto a ser considerado é o de que as pessoas com deficiência
têm o direito de receber atendimento complementar, caso seja necessário.
A legislação prevê que é dever da rede pública de ensino oferecer
acompanhamento pedagógico aos alunos com deficiência que apresentarem
dificuldades de aprendizagem, sempre no período contrário ao das aulas na
classe regular. A ideia é manter abertas as escolas especiais e ressignificá-las
nessa tarefa. Assim, dentro do novo contexto da educação inclusiva, o papel
dessas escolas passa a ser, também, o de oferecer serviços complementares na
área pedagógica e/ou da saúde.
O processo de cooperação e organização deve respeitar as necessidades de
cada um, assim como de todo o grupo, sendo uma negociação aberta e dinâmica,
na qual o aluno se sente responsável e participante. Dessa forma, a ressignificação
compreende não só o atendimento especializado, a escola especial é o lugar onde
há preocupação com a prevenção, com a prestação de serviços no contexto da
educação regular, capaz de proporcionar aos alunos independência, autonomia e
empoderamento, com objetivos educacionais de caráter funcional.
Objetivamente, podemos concluir que os fatores elencados a seguir devem
estar presentes e que são essenciais para que a educação inclusiva ocorra:
ÙÙ flexibilidade no sistema educativo;
ÙÙ ensino e aprendizagem cooperativos;
ÙÙ projeto político-pedagógico coerente com a legislação do país;
ÙÙ gestão escolar defensora da política de inclusão;
ÙÙ sistema de avaliação processual do aluno sem retenção;
ÙÙ boa relação entre escola, família e comunidade;
ÙÙ diferenciação pedagógica a quem precisar;
ÙÙ atitudes solidárias, de respeito e de aceitação por parte do professor;
ÙÙ plano específico de ação para a sala de aula;
ÙÙ formação de professores;

–  118  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

ÙÙ recursos materiais e humanos;


ÙÙ professores fixos nas escolas.
A escola inclusiva, portanto, compreende todos os alunos, respeitando
sua condição sexual, etnia, sua origem, religião, condição física, social
ou intelectual, clamando a gestão das diferenças, na qual cada condição
converte-se em força, um princípio, uma base do trabalho.

Na escola inclusiva os alunos aprendem participando.
Não é apenas a presença física que conta, mas se sentir
pertencente à instituição e ao grupo de tal maneira que
o sentimento de pertencimento por parte do aluno e de
reponsabilidade por parte da escola sejam mútuos. O
educando não é uma parte do todo, mas compõe o todo.

A escola se compromete a desenvolver uma pedagogia capaz de educar todas
as crianças com sucesso, incluindo as mais desfavorecidas e as que apresentam
deficiências graves, na perspectiva de que o ensino deve se adaptar às necessidades
dos alunos, mais do que a adaptação deles às normas preestabelecidas.

Dica de Filme

O milagre de Anne Sullivan é um filme de 1962, dirigido


por Arthur Penn. Baseado na vida real de Helen Keller, o
filme conta a comovente história de Anne Sullivan, uma
persistente professora cuja maior luta foi a de ajudar uma
menina cega e surda a adaptar-se ao mundo que a rodeava.
O MILAGRE de Anne Sullivan. Direção de Arthur Penn. EUA:
Classic Line, 1962. 1 filme (106 min.), sonoro, legenda, color.

–  119  –
Temas Contemporâneos da Educação

2.4.6 Da segregação ao direito de compartilhar,


aprender e interagir socialmente
A instrumentalização das entidades mantenedoras das escolas especiais
passa a ser descartada com a possibilidade e necessidade de organizar, prestar e
vender serviços à comunidade. Em decorrência da despolitização crescente de
instituições, profissionais, sujeitos com necessidades especiais e suas próprias
filosofias, tais entidades acabam se autonomizando, criando seus vínculos,
sua unidade, individualizando suas necessidades e eliminando até mesmo os
conflitos. Mas não existe prática política emancipatória na qual não possa
haver democracia com sujeitos e com conflitos.
A sociedade não se constrói apenas por estruturas econômicas e polí-
ticas e pelo dinamismo ligado às classes em conflito. Nela há espaços,
tempos e relações que passam pela subjetividade pessoal e coletiva e
que deixam sua marca na configuração social (BOFF, 1998, p. 102).

Quebrados os vínculos entre o movimento organizado, os profissionais


de educação e os próprios sujeitos com necessidades especiais, desintegram-se
a escola e as práticas educativas, enquanto proclamadoras da defesa dos bens
públicos sociais fundamentais.
A luta pela integração das pessoas com necessidades especiais, suas
instituições e suas utopias eram expressão de um momento da politização
dos sujeitos, de um lado, e a adoção ou implementação de políticas públicas
de bem-estar, de outro. Com a despolitização constatamos a desintegração e
desmobilização das pessoas. Ao invés de se lutar pelo direito ao exercício do
trabalho, ao bem-estar, à participação política, à felicidade, à rebeldia, às trocas
simbólicas e culturais, bastaria, agora, estar “incluso” em uma escola comum?
As escolas especiais, ao atenderem pessoas com graves deficiências,
lutando para que elas recebam a atenção adequada à dignidade humana,
potencializando suas capacidades comunicativas, ampliando a aquisição
de habilidades sociais, pessoais e mantendo uma prática democrática e
politizadora em seu interior, podem ser classificadas como escolas inclusivas.
Nessa perspectiva de inclusão, a escola especial pode se constituir como
um espaço inclusivo, se for acolhedora e valorizadora das possibilidades de
determinadas pessoas. A escola especial pode ser um direito de escolha de
famílias que a elejam como seu projeto de inclusão.

–  120  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

No tempo da desmobilização, as diferenças não precisariam ser


superadas, mas simplesmente discursadas e mantidas. Com a fragmentação
e despolitização das pessoas e das organizações não haveria mais luta contra
o monopólio do poder, das decisões, do conhecimento, nem a consequente
falta de acesso e usufruto daqueles que apresentassem necessidades
educacionais especiais.
Agora, serão reservadas às pessoas com deficiência, atividades de caráter
pragmático, nas quais possa ser despertado o seu espírito de criatividade. Tais
práticas pedagógicas são revertidas em um novo otimismo, uma nova fantasia,
uma pseudo - diversidade, um isolamento escancarado, um abandono
vigiado, uma segregação assistida. Sem mudanças radicais, sem uma nova
organização escolar e social, a inclusão educacional mascararia seu caráter
classificatório, meritocrático, competitivo e individualista.
Como o otimismo pedagógico apresentava-se messiânico e redentor
das condições de vida, a inclusão escolar resgatava as pessoas da segregação,
provocando mudanças estruturais na sociedade. Enquanto seria promovida
uma educação inclusiva voltada à competitividade, paralelamente, seriam
mantidas e acomodadas as desigualdades, referidas, agora, como diversidade.
Em decorrência da autonomização da escola, as práticas educativas
passam a ser dirigidas a uma diversidade abstrata, dissociando-se das
práticas sociais desses sujeitos entendidos como diversidade. Tais práticas
são organizadas para uma “diversidade média”, análoga ao aluno médio ou
padrão buscado por aquela pedagogia considerada tradicional.
Dessa forma, é fundamental reconhecer que, além da pretendida atenção
adequada às necessidades e possibilidades de cada um dos alunos nas escolas
especiais e comuns, tais instituições sempre têm a ver com os movimentos
sociais. A pseudo absolvição da prática educacional com relação às práticas
sociais não é outra coisa senão a forma dominante de estabelecer o vínculo
específico entre elas.
Uma escola inanimada perante a mudança social é uma escola
comprometida com a conservação da ordem, com o mascaramento das
condições de miséria e exploração existentes em nossas sociedades. Se a escola
não contribui para o fortalecimento dos movimentos populares, ela acaba
contribuindo para o seu enfraquecimento.

–  121  –
Temas Contemporâneos da Educação

Por sofrerem um processo forçado de isolamento e segregação social


e por terem a subjetividade negada, muitas das pessoas que apresentam
necessidades especiais não se agregam, de fato, à população brasileira. Se
as organizações sociais, em parceria com a escola, conseguirem resgatar a
função social e política da educação, uma de suas tarefas prementes será a
de identificar esses milhares de excluídos, recuperando -lhes a identidade, a
subjetividade e contribuindo, assim, para que superem sua clandestinidade.
Contudo, não basta recuperar a individualidade no plano simbólico se
isso não for feito igualmente nos planos material e político social. Não basta
identificar as deficiências se não forem criados meios de estancar sua produção
acelerada, produto mórbido dos acidentes de trabalho e de trânsito. Para esse
produto não há forma nem marketing, mas o descaso equivale a uma guerra
civil, que é incompatível com qualquer projeto de uma sociedade inclusiva
cuja vida possa ser festejada todos os dias.
Ocorre que certas organizações sociais, em razão de sua despolitização,
seu formalismo e isolamento das necessidades reais e direitos das pessoas,
estão limitadas e movidas pela cotidianidade, na qual os problemas sociais
não entram na pauta de discussões. Em última instância, a problemática da
exclusão social e da própria clandestinidade fica restrita à preocupação dos
próprios excluídos e clandestinos.
Tendo como pressuposto que os direitos do homem, por mais
fundamentais que sejam, são direitos históricos que nascem de circunstâncias
caracterizadas por lutas e defesas contra velhos poderes, resistências e
preconceitos ou velhas circunstâncias limitadoras, podemos afirmar como
irreversível e irresistível o movimento da sociedade inclusiva. Tal sociedade
será, irreversivelmente, cada vez mais adaptada às condições de vida das
pessoas dotadas de uma condição biofísico-sensorial distinta.
As necessidades especiais humanas serão cada vez mais respeitadas na
forma de oferecimento das condições específicas para a manifestação humana
do direito de educar-se e ser feliz em sociedade. Elas serão atendidas gradual
e progressivamente e não todas de uma só vez.
Dessa forma, como a liberdade religiosa é resultante de guerras de
religião, a liberdade civil resulta da luta de povos e parlamentos contra o
poder absoluto dos soberanos. Como a liberdade política e social resulta

–  122  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

do fortalecimento das lutas dos trabalhadores, dos sem-terra, a liberdade


individual das pessoas com deficiência nasce do seu reconhecimento social
geral enquanto seres individuais dignos da condição humana.
Do mesmo modo que os trabalhadores exigem dos poderes públicos
a proteção do trabalho contra o desemprego, a gratuidade e qualidade dos
serviços educacionais, as pessoas com deficiência exigem a proteção das suas
necessidades específicas, condição essencial para a manifestação do respeito às
suas diferenças.
Todas as carências e necessidades que os detentores do poder econômico
podem satisfazer para si próprios precisam ser protegidas à luz dos chamados
direitos sociais, que são, na verdade, individuais. Os direitos sociais, que
já foram considerados direitos de segunda e terceira geração, tratam-se de
uma categoria ainda heterogênea e difícil de se materializar em termos de
especificidades individuais.
Atualmente, é almejado que todos sejam contemplados pelo direito à
educação e ao usufruto das conquistas desenvolvidas. Do mesmo modo que
as pesquisas biológicas produziram condições para que indivíduos reclamem
o direito de manipulação ou comercialização de seu patrimônio genético,
os avanços científicos acabaram permitindo que determinadas pessoas
tenham o direito de ampliar suas funções biológico-orgânicas, repercutindo
diretamente em sua capacidade de vida, que pode ser cada vez mais autônoma
e independente.
Toda vez que uma gama de direitos se apresenta como possível em
determinada sociedade, ainda que se constitua base material para novas
reivindicações, apresenta socialmente a forma mais desenvolvida. No momento
em que as pessoas com deficiência passam a ser treinadas para a aquisição de
determinadas habilidades, não se imagina que possam realizar, no futuro,
trabalhos remunerados, nem mesmo serem consideradas trabalhadores.
No momento em que a pessoa considerada deficiente passa a existir
concretamente, interagindo com os outros, assumindo responsabilidades,
desenvolvendo capacidades, revelando talentos na realização de diferentes
trabalhos, seus direitos passam a existir como decorrência de sua condição
de agente único e, ao mesmo tempo, coletivo, distinto e integrado às relações
sociais. Os direitos são expressão material da existência social dos homens.

–  123  –
Temas Contemporâneos da Educação

Se não for dado ao ser humano o direito de interagir socialmente frente às


diversidades, não serão produzidos nele os benefícios resultantes das lutas e
resistências, pois ele não terá lutado na vida real.
Em condição segregada, existirá a representação de um pseudo mundo,
acobertando as aspirações e necessidades do indivíduo e, de outro lado,
falseando uma harmonia e uma aparente igualdade entre as pessoas da
sociedade. Reclusas em um aparente conforto, são retardadas as mudanças a
serem enfrentadas pelos dirigentes, governantes e demais pessoas.
Nesse sentido, podemos afirmar que o ser humano só se constitui como
pessoa compartilhando os benefícios dos instrumentos e recursos materiais,
no usufruto dos saberes, dos valores e dos afetos humanos, no confronto com
as possibilidades e com os limites reais, objetivos e subjetivos, tangíveis e
intangíveis. É no teatro das interações e dos enfrentamentos que assumimos
diferentes papéis enquanto personagens e atores da nossa existência.
Nos ambientes segregados e restritos, o ser humano manifesta apenas
suas necessidades primárias e privadas. Quanto mais se consolida a vida na
sociedade das pessoas deficientes, mais se denunciam suas necessidades e,
ao mesmo tempo, mais se tornam fundamentais, inalienáveis e invioláveis
os direitos à vida, à liberdade, ao pensamento e expressão, à educação, ao
trabalho, enfim, à constituição da individualidade no seio das relações sociais.
É a vida em sociedade que materializa o direito à educação, à autonomia,
à interdependência, o compartilhar de ideias e emoções, saberes e afetos,
objetos, instrumentos e aconchegos. É a vida em sociedade, também, que
desenvolve estratégias práticas de superação das limitações humanas.
Nesse sentido, devem ser superadas as representações sociais da
deficiência caracterizadas pelas ideias de inferioridade, protecionismo,
piedade, genialidade e, ao mesmo tempo, certas proclamações constantes
de declarações políticas da “igualdade de oportunidades”, tendo em vista a
necessidade de compreendermos o homem ativo, suas lutas reais para superar
as dificuldades e se apropriar tanto da sua individualidade quanto dos bens
socialmente construídos.
É preciso recuperar o conhecimento perdido na mera informação, na
grande superficialidade pela qual navegamos quase como autômatos. É preciso
desenvolver a qualidade mental de organizar e dominar o conhecimento em

–  124  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

meio à multiplicidade de notícias produzidas e lançadas para todos os lados


todos os dias. Esse projeto requer de nós uma tarefa essencial, a de definir os
rumos de nossa existência, de nosso trabalho, de nossa formação, os rumos de
nossa docência escolar e não escolar, profissional e não profissional, de selecionar
sempre aquilo considerado fundamental para nós, com os procedimentos,
os caminhos para alcançá-lo, para que cada um manifeste sua aprendizagem
segundo suas possibilidades e de acordo com a condição humana.
A condição de cidadão, ao qual são exigidos deveres, em contrapartida
ao exercício de direitos, ainda é algo abstrato, tendo em vista a dicotomia
existente entre o discurso que proclama a humanização e a inclusão social frente
à organização de práticas assistencialistas. Onde impera o assistencialismo são
sufocados os direitos individuais e coletivos; onde há repressão aos direitos
não pode haver cobrança quanto ao cumprimento de deveres; não existem
deveres onde não existem indivíduos constituídos como cidadãos.
Se, de um lado, as características intrínsecas das pessoas com deficiência
deixam cada vez mais de se constituir como determinantes para suas
dificuldades de acesso a serviços educacionais, de trabalho e outros serviços
sociais mais amplos, de outro lado, temos a organização e a difusão de modelos
educacionais inclusivos que ganham status salvacionistas quanto às condições
de escolaridade de tais pessoas.
Outra dicotomia constatada no processo histórico de organização dos
sistemas de educação especial diz respeito às funções contraditórias que justificaram
sua generalização. De um lado, foram abertas as oportunidades educacionais
para cegos, surdos, deficientes mentais e outros, que não podiam usufruir dos
processos pedagógicos correntes. De outro, o princípio da generalização da
educação legitimou as formas de segregação daqueles que não apresentavam
resultados compatíveis com os interesses econômicos e de ordem social vigentes.
Assim, a ideia de ampliar as oportunidades educacionais se contrapôs à ideia de
segregação e secundarização social e humana daquelas pessoas.

A inclusão diz respeito à mudança de valores e
atitudes que só acontece mediante a conscientização
de cada pessoa e de geração a geração.
–  125  –
Temas Contemporâneos da Educação

Quem está comprometido com a sua concepção está “arando


a terra da inclusão”, da qual nossos filhos semearão, nossos
netos cultivarão e nossos bisnetos colherão o fruto.

2.4.7 Benefícios e desafios da inclusão


Após o acompanhamento dos alunos incluídos que apresentam
necessidades educativas especiais, constatamos que eles se tornaram mais
autônomos em suas relações sociais, percebendo que suas dificuldades não
os impossibilitam de viver dignamente em sociedade, melhorando sua
autoestima e, por consequência, tornando-se mais produtivos e apresentando
crescente responsabilidade e aumento na aprendizagem, assim como nas
relações de amizade com outros alunos.
A ação inclusiva também apresenta socialmente como resultado novos
amigos, que mais tarde poderão se tornar recursos formais para a própria
área da deficiência (médicos, professores, serviços técnicos variados, etc.),
transformando a postura dos futuros profissionais em todas as áreas com relação
às deficiências, comprovando que esse processo se dá a longo prazo, mas de
forma eficiente. Esses amigos poderão representar, ainda, recursos informais
(amigos, colegas, familiares, grupos sociais, etc.). Os pares, com ou sem os
professores, funcionam como suporte social e instrucional na aprendizagem
cooperativa, modelação, aprendizagem por imitação, entre outros.
A magnitude do benefício da heterogeneidade torna-se um grande aliado
dos estudantes com ou sem deficiências na luta contra a discriminação. A
maioria descobre ser capaz de atos solidários e cooperativos, tornando-se mais
compreensiva, tolerante e confiante nas relações com o outro. O grupo passa
a ser o fator fundamental na construção da aprendizagem em uma prática
equilibrada entre trabalho coletivo e individual.
Os alunos com necessidades educativas especiais poderão, futuramente,
envolver-se em transições sociais de forma autônoma e diversificada. Por outro
lado, os alunos ditos “normais” poderão desenvolver maior capacidade afetiva
e cognitiva, construída com base na aceitação e no respeito às diferenças,
desenvolvendo crescente conforto, confiança e compreensão a respeito da sua
diversidade individual e de outras pessoas.

–  126  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

Outro aspecto importante a ser ressaltado entre os benefícios da inclusão


diz respeito à proximidade do indivíduo com a comunidade onde mora.
Quando um aluno com necessidades educativas especiais vai para uma escola
especializada, geralmente se afasta da área de sua residência, o que implica um
corte nas relações com seus amigos e vizinhos. A escola especial tem, então,
que proporcionar um currículo funcional, pois o aluno precisa aprender a
utilizar os recursos de seu bairro. Ao estar próximo de sua casa, ele resgata
a aprendizagem contextualizada nas condições em que, posteriormente, as
competências serão exercidas.
Para que os benefícios se consolidem, é imprescindível ultrapassar as
barreiras impeditivas encontradas ao longo do processo, a primeira delas
trata da rigidez e cristalização dos esquemas institucionais, reprodutores de
injustiças e desigualdades sociais, que têm sido um dos grandes entraves para
a conquista desse ideal. Assim, apresenta-se a impossibilidade de investir em
novas ações, com uma mudança nas prioridades, e as pessoas continuam
sendo marginalizadas. As barreiras nos fazem esquecer de que nas atitudes de
cada indivíduo também estão postos os princípios da educação inclusiva, ao
valorizar e ser valorizado, ao respeitar e ser respeitado.
Como toda instituição, a escola vive em seu interior as contradições
das relações de poder, que determinam os papéis sociais e a conduta, tanto
de alunos quanto de pais e profissionais, reproduzindo ou enfatizando
erroneamente as diferenças que são vistas de forma prejudicial quando
supervalorizam a hierarquia, a burocracia e a rigidez disciplinar,
tornando-se controladora da práxis pedagógica. Embora cristalizada por
meio de seus costumes e retificada pelas leis e normas, cabe ao cidadão
ter a sobriedade e a inquietude necessárias para transformar quando for
preciso essa instituição.
Outro ponto que tem sido elemento dificultador do processo inclusivo é
reservado a um dos atores fundamentais desse processo, o professor, a quem é
exigido que, independente de sua experiência de vida e cultura, acolha a todos
indiscriminadamente, como se fosse possível garantir que a base da formação
de todos os docentes tenha sido calcada nos princípios da valorização humana.
Também não é possível afastar as dificuldades das condições financeiras e
pessoais dos docentes, o que faz com que eles se vistam do altruísmo necessário
para oferecer seus conhecimentos.

–  127  –
Temas Contemporâneos da Educação

Dentre todos os fatores do processo de inclusão, a questão do professor


é considerada um grande diferencial para a efetivação dos princípios da
educação inclusiva. Quando o docente estiver mobilizado, acolhido e apoiado,
compreendendo que ele, com suas atitudes, fará a diferença no atendimento
educacional, será quebrado o circuito interminável de desmotivação, queixa,
preconceito e fracasso, sem fechar os olhos para o que o corpo docente tem
encontrado no dia a dia quanto à construção dessa escola: a baixa qualidade
do ensino, a falta de infraestrutura, o baixo salário dos professores e o espaço
escolar cheio de barreiras (físicas e atitudinais).
Não menos importante é a discussão sobre o número elevado de alunos
que o professor tem em suas turmas, o que se revela um elemento de grande
dificuldade para o oferecimento de atendimento individualizado, se for
necessário, a quem precisar. Tal discussão pode auxiliar a realização de uma
prática pedagógica mais organizada.
Reservamos à capacitação dos professores uma atenção especial. Esse
não é um problema exclusivo da rede regular de ensino, que entende que
seus professores não se consideram capacitados para atender pessoas com
deficiência, levando-os a buscar especializações que, imaginariamente, darão
conta de toda a diversidade dos alunos. Os docentes que buscaram estudar
a questão da educação especial nas instituições especializadas também não
se sentem preparados para trabalhar com tal diversidade, pois a capacitação
ofertada trata da forma como lidar com a diversidade em sala de aula e não
especificamente com as deficiências.
Um terceiro aspecto importante diz respeito ao poder de decisão e da
palavra das pessoas com deficiência, a maioria das ações voltadas ao seu bem-
estar costuma não ser decidida por elas. De forma geral, encontramos pais
e professores envolvidos em sua defesa. É preciso instigar as pessoas com
deficiência a lutarem pelo que consideram melhor para si.
Os espaços físicos onde estão constituídas as escolas também merecem
ser destacados, não parecem ser atrativos a qualquer criança, visto que
geralmente sua distribuição arquitetônica não possibilita que pessoas com
dificuldade de locomoção transitem com segurança e autonomia.
Por outro lado, os profissionais das instituições especializadas reagem
negativamente ao movimento inclusivo e à ressignificação das escolas por

–  128  –
Inclusão: ensinando e aprendendo na diversidade

terem medo do risco iminente de esvaziamento ou desmantelamento dessa


atividade, não compreendendo que se trata de uma função mais ampla da
educação especial, que agora pode sair dos muros da instituição e atuar
também na rede regular de ensino, da educação infantil ao ensino superior.

Da teoria para a prática


Uma forma interessante de trabalhar o conteúdo abordado é
elaborar um inventário individual. Levando em consideração
que a conscientização acerca da importância do paradigma
inclusivo só se dá de forma pessoal, quando o sujeito se coloca
no lugar da pessoa excluída, percebemos que se torna mais
eficaz, pois passa pela condição emocional de cada um.
Dessa forma, propomos que o professor, juntamente com os
alunos, dobre uma folha de papel sulfite em quatro partes iguais.
Assim, é necessário orientar o grupo a montar um bloco pequeno
de quatro páginas. Na primeira folha, será solicitado que façam um
autorretrato, ressaltando o que mais e o que menos apreciam em
seu corpo. Posteriormente, é possível pedir para que relatem ao
grupo suas características pessoais, levando os colegas a perceber
as diferenças e particularidades de cada um.
As páginas seguintes devem ser reservadas para cada seção
trabalhada neste capítulo. Será pedido para que os alunos
descrevam uma situação que se relacione com o subtítulo tratado,
por meio de desenho ou da escrita, e posteriormente relatem ao
grupo o que elegeram como importante. Após a dinâmica de cada
página registrada, poderá ser dado início à explicação do assunto,
pois os sujeitos estarão mais sensibilizados ao que ouvirão e, assim,
poderão envolver-se melhor com o assunto abordado.
Na segunda página cada um deverá descrever uma situação
diferente com a qual já teve de lidar nos ambientes em que
está inserido ou na própria escola, que inicialmente lhe causou
estranheza e depois passou a ser bem-vinda, especialmente
situações que lhe tenham parecido injustas, ressaltando o benefício

–  129  –
Temas Contemporâneos da Educação

ou a aprendizagem que elas lhe trouxeram.


O professor deve, então, solicitar a cada aluno um relato ao
grupo, que deverá compreender que todas as pessoas passam
por situações diferentes das que imaginam como ideais,
mas aprendem a lidar com elas, assim como aprendem algo
importante para seu desenvolvimento pessoal.
A terceira página ficará reservada à descrição de algum “rótulo”
que já tenham recebido em função de uma atitude ou jeito
de ser, e o que isso implicou à sua vida. Na página quatro,
eles devem relatar como é sentir-se fora de um grupo do qual
gostariam de fazer parte, ou como é estar inserido em um grupo
com o qual são obrigados a conviver.
Ao final, o professor deve levar a turma a perceber que a
inclusão está em cada indivíduo e que o que é proposto para
ser feito na escola, com os alunos em primeira instância, deve
ser feito consigo mesmo, visto que, ao contrário, não será
possível oferecer a alguém o que não se sente ou não se vive.
A inclusão envolve mudanças de valores e atitudes.

Síntese
Vimos neste capítulo que a diversidade tem se configurado um elemento
essencial para o novo milênio, provocando mudanças significativas na
sociedade, embora ainda encontremos pessoas com deficiência sofrendo com
atitudes discriminatórias, evidenciando-se, assim, a falta de acesso à educação,
ao trabalho, à saúde e ao lazer. A educação inclusiva apresenta, como uma
de suas alternativas, a articulação de um mundo diferente que possibilite
mudanças significativas. A figura do professor assume maior responsabilidade
nesse processo, ainda que muitas vezes seja vítima de uma história excludente.
Vimos, ainda, que devem ser levados em conta os interesses, habilidades,
potencialidades e necessidades de cada aluno, criando condições para que
possam usufruir da comunidade da qual fazem parte.

–  130  –
3
Educação, trabalho e
cidadania

Discutir a relação existente entre trabalho, educação e


cidadania significa pensar a educação de maneira dialética, apro-
ximando-a da realidade do mundo produtivo. Será esse o foco de
nossas atenções nesse capítulo.
As práticas educacionais, inseridas em uma concepção que
valorize o saber socialmente significativo, terá que desenvolver a rela-
ção direta entre educação e trabalho. Essa relação consiste em fazer
o confronto entre a experiência de educadores e educandos, as suas
práticas vividas e os conteúdos cuja apreensão é necessária garantir.
Não se trata, portanto, de impor dogmaticamente o saber
já constituído, ou direcionar ferreamente os processos educacionais
de forma a inserir o aluno no mundo do trabalho. Trata-se sim, de
orientar, de abrir perspectivas a partir dos conteúdos, garantindo o
seu envolvimento e ligação com a realidade da vida dos educandos.
O professor não deverá se restringir em satisfazer apenas as neces-
sidades e carências, buscará despertar outras necessidades, acelerar
Temas Contemporâneos da Educação

e disciplinar os métodos de estudo, exigir o esforço do educando, propor


conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências vividas para que o
indivíduo se mobilize para uma participação ativa em seu grupo social e de
trabalho.
Segundo Paulo Freire, o educador é político, e faz política ao fazer
educação; então que se faça de maneira mais consciente, localizando os dis-
centes dentro de sua realidade produtiva; ensinar exige respeito aos saberes
socialmente construídos, na prática comunitária e profissional do aluno:
“Por que não estabelecer uma necessária intimidade entre os saberes curri-
culares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como
indivíduos?” (FREIRE, 1999, p. 34)
Sendo assim, nas práticas educativas, o aluno como cidadão/trabalha-
dor, deve ser encarado como um ser ativo, dinâmico e coparticipante do pro-
cesso educativo. O aluno, a partir de sua experiência sócio - cultural imediata,
deve participar ativamente do processo de aprendizagem.
Sem o diálogo entre o trabalhador e o conteúdo real da aprendizagem,
sem o diálogo entre a prática profissional e a prática escolar, não haverá
possibilidade de que o conhecimento adquirido através do cotidiano
profissional seja re-elaborado a partir da prática escolar. Sem esse diá-
logo, dificilmente se conseguirá que o trabalhador conheça os meios de
superação de sua condição social e os limites e possibilidades que lhe
são impostos pela sociedade mais ampla. (CARVALHO, 2000, p. 15)

Se as iniciativas de educação se distanciam da vida, do mundo do tra-


balho, deixam de ser um espaço de criação de sujeitos livres e conscientes.
Os indivíduos que buscam escolarização, qualificação, aperfeiçoa-
mento constante, veem na educação a esperança de um mundo melhor, que
garanta um preparo voltado para o mundo do trabalho e das relações, onde
os conhecimentos adquiridos tenham relação prática com a vida e a realidade,
contando com educadores e um sistema competentes para fazer com que isso
aconteça. Essa preocupação se baseia nas constantes dificuldades enfrentadas
pelos indivíduos e também pelas novas exigências que lhe são impostas, difi-
culdades e exigências que nem sempre eles estão preparados para enfrentar.
Muitos pretendem, mediante processos educacionais, conseguir empregos
melhores, manter-se nas atuais colocações ou disputar uma vaga neste con-
corrido mercado.

–  132  –
Educação, trabalho e cidadania

Ao retornar à situação de aluno, seja em qual for o espaço ou a cir-


cunstância, o indivíduo busca uma forma de estar inserido no mundo atual,
em uma sociedade que valoriza o conhecimento e a informação. Frente a essa
constatação, é necessário, portanto, uma atenção maior à relação entre educa-
ção, trabalho e garantia à cidadania.

–  133  –
Temas Contemporâneos da Educação

–  134  –
3.1
Mundo do trabalho e
educação
(Ana Lorena Bruel)

Este capítulo apresenta uma reflexão a respeito das relações


entre as formas de produção da existência humana por meio do
trabalho, ao longo dos principais períodos da história ocidental, e
as formas de organização da sociedade e produção da educação. É
importante salientar que o objetivo central da análise é estabelecer
conexões entre o modo de produção e as formas de efetivação dos
processos educativos, ou seja, entre trabalho e educação.
Temas Contemporâneos da Educação

3.1.1 Concepção de trabalho e educação


Para dar início às reflexões acerca das relações entre educação e trabalho, é
fundamental a construção de uma compreensão sobre os conceitos subjacentes
aos termos “educação” e “trabalho” em si, diferenciando o uso de senso comum,
cotidiano, e o seu uso filosófico. Iniciaremos com o conceito de educação.
O termo educação é marcado por sua característica polissêmica, pois é
utilizado com diferentes sentidos para indicar situações distintas, dependendo
do contexto em que é empregado. Além disso, há diversas concepções teórico
filosóficas que conferem ao termo interpretações às vezes diferentes, às vezes
divergentes. Disso decorre a necessidade de uma análise sobre possíveis
explicações para “educação”. Cabe ressaltar que não pretendemos esgotar
o tema, o que nem mesmo seria imaginável, mas indicar a importância de
compreender os termos e procurar utilizá los com correção teórica.
Muitas vezes, em nosso dia a dia, utilizamos a ideia de educação ou de
educado para nos referirmos a pessoas que demonstram ter se apropriado
adequadamente de conhecimentos e comportamentos que consideramos
socialmente valorizados. Usamos também como sinônimo de polidez. Esses
usos não são equivocados no contexto de uma linguagem coloquial, mas num
contexto acadêmico é preciso garantir certo rigor teórico.
A educação, em sentido amplo, abrange os processos, ações, relações,
tempos e espaços de interação humana. Em outras palavras, só é possível
falar de educação no contexto de relações sociais entre seres humanos
que possibilitam a produção e apropriação de cultura, o que significa a
internalização e criação de modos de ser, pensar e agir sobre a realidade, seja
em relação ao mundo físico e material, seja em relação ao próprio homem.
Assim, compreende se que os seres humanos precisam interagir e se
apropriar de elementos historicamente produzidos pela humanidade para
que também possam se construir como sujeitos históricos, ou seja, o ser
humano precisa aprender a ser humano. E esse processo se faz por meio da
educação, que se realiza em múltiplos espaços, em processos sistemáticos ou
assistemáticos, planejados ou não.
A origem da educação remonta à origem do próprio homem e transcende
a existência de instituições sociais criadas especificamente para essa função,

–  136  –
Mundo do trabalho e educação

como a escola. Cada sociedade constrói estratégias adequadas para a formação


da população de maneira a atender seus interesses e necessidades, conforme
o grau de desenvolvimento das forças produtivas em cada época. Nesse
contexto, a escola, como instituição social, e a própria educação escolar, são
concebidas pelo modelo de sociedade em que se inserem a fim de cumprir a
função de garantir a atualização histórico cultural da população.
Voltaremos à análise do processo de constituição histórica da escola
como instituição social e de sua consolidação na sociedade capitalista moderna
ainda neste capítulo. Por enquanto, é importante ressaltar que a educação é
uma ação especificamente humana, que se manifesta como uma exigência
fundamental do e para o processo de trabalho (SAVIANI, 2003), o que nos
remete ao segundo termo a ser explicitado.
Em uma perspectiva materialista histórica, trabalho é toda ação humana,
intencional e planejada – pois pretende atingir determinados objetivos – que
transforma a natureza ou o próprio homem, seus pensamentos, ideias ou
valores, num processo contínuo de produção cultural. O trabalho é ação
exclusivamente humana, pois, embora outros animais realizem ações que
transformam a natureza, como as abelhas, passarinhos e castores, o fazem sem
uma intencionalidade consciente, pois são ações determinadas por seu código
genético e não por outras necessidades que não as biológicas. Enquanto os
outros animais se adaptam à natureza, o homem a transforma adaptando
a a suas necessidades, a fim de que ela lhe ofereça condições cada vez mais
adequadas de existência.
A ação humana se diferencia das ações dos outros animais, sobretudo,
porque o homem é capaz de prever o resultado do seu trabalho antes mesmo
de realizá lo, ou seja, antes de realizar a ação, ele é capaz de construir uma
imagem mental das transformações a serem realizadas. É possível que o
resultado se distancie da previsão inicial por inúmeros motivos, mas o ser
humano organiza e prevê suas ações, bem como as modifica ao longo do
processo, adequando as aos objetivos que pretende alcançar.
Nesse processo, o homem cria coisas e situações que não existiam
anteriormente, e assim produz cultura. Ter consciência dos resultados de
seu trabalho não significa que essas ações e transformações sejam sempre
destinadas a causas nobres. Reiteradas vezes, as ações humanas causam

–  137  –
Temas Contemporâneos da Educação

consequências desastrosas para o ambiente, os outros animais e para a


própria humanidade.
De acordo com Marx e Engels (1998, p. 10 11),
Pode se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião
e por tudo o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir
dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência [...].
Ao produzirem seus meios de existência, os homens produzem indire-
tamente sua própria vida material (grifo dos autores).

A produção dos meios de existência significa que os homens deixaram


de depender diretamente do que a natureza lhes oferecia e passaram a
transformá la, por meio do trabalho, para suprir as suas necessidades de vida.
A humanidade passou a inventar coisas para atender suas necessidades de
sobrevivência, concebendo “modos de vida” que não existiam até então, pois,
à medida que estas invenções tornaram se também necessárias e passaram a
fazer parte do cotidiano, a própria existência humana se modificou e ficou
dependente dessas invenções.
Ao criar algo novo para satisfazer uma necessidade, seja física ou cultural,
a humanidade acaba por criar uma nova necessidade e, ao mesmo tempo,
começa a produzir a sua história. Por exemplo, ao criar a roda para facilitar o
deslocamento de cargas, cria se uma necessidade em relação à própria roda.
Por seu turno, a existência da roda leva à possibilidade de construir carroças.
O uso da carroça a torna útil e necessária, e, assim, ad infinitum.
A compreensão das sociedades a partir do grau de desenvolvimento
das forças produtivas nos ajuda a entender como as pessoas aprendem a
viver e produzem sua existência frente às condições provenientes do avanço
tecnológico. As condições materiais existentes são determinantes dos modos
de vida produzidos pelos seres humanos, ao mesmo tempo em que a ação
humana modifica e produz novas condições materiais.
Dessa forma, compreende se a afirmação de que o homem é o
homem e sua circunstância, pois todo sujeito precisa ser percebido como
ser histórico, situado em seu contexto, em sua história de vida. Contudo,
não se pode esquecer que “são precisamente os homens que transformam
as circunstâncias” (MARX; ENGELS, 1998, p. 100), ou seja, são sujeitos
sociais de sua própria história.

–  138  –
Mundo do trabalho e educação

Na medida em que o homem é o único ser na natureza capaz de pensar


sua ação, de concebê la anteriormente à sua execução a partir de fins
determinados, o trabalho se constitui como o momento de articulação
entre subjetividade e objetivação, entre a consciência e o mundo da
produção, concebidos não como dois polos antagônicos, mas como os
contrários da relação dialética que define o objeto como produto da
atividade subjetiva, compreendida por sua vez não abstratamente, mas
como atividade real, material. [...]

Esta forma de conceber o trabalho implica caracterizá lo como atividade


ao mesmo tempo teórica e prática, reflexiva e ativa [...] (KUENZER,
1995, p. 184).
Essa reflexão apresentada por Kuenzer (1995) inclui no debate os
fundamentos de um dos conceitos centrais para a compreensão das relações
entre educação e trabalho, que é a ideia de práxis. Ou seja, a atividade
humana que possui um caráter subjetivo, intencional e consciente e, ao
mesmo tempo, outro caráter real e objetivo, que gera ação sobre a realidade.
O conceito de práxis, dessa forma, se refere à atividade humana que se
realiza, concomitantemente, de forma subjetiva e objetiva. Vázquez (2007,
p. 219) afirma que “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é
práxis”, pois a compreende como um tipo específico de atividade humana
que pode se manifestar de diferentes formas, como práxis produtiva, política,
artística, experimental.
Cabe ressaltar que a atividade exclusivamente teórica não pode ser
compreendida como práxis, bem como a simples atividade não é suficiente
para caracterizá la. O conceito de práxis se constrói exatamente a partir da
imbricação entre essas duas dimensões da ação humana.
A práxis se apresenta como uma atividade material, transformadora e
adequada a fins. Fora dela, fica a atividade teórica que não se mate-
rializa, na medida em que é atividade espiritual pura. Mas por outro
lado, não há práxis como atividade puramente material, isto é, sem a
produção de fins e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica
(VÁZQUEZ, 2007, p. 237).

Depois dessas explicações iniciais, podemos reunir novamente os


dois conceitos de educação e trabalho a fim de compreender suas inter
relações. Das indicações anteriores, podemos concluir que o que determina
a especificidade humana, distinguindo o ser humano dos outros animais, é

–  139  –
Temas Contemporâneos da Educação

precisamente o que permite a realização dos processos educativos: o trabalho.


Portanto, as formas predominantes de educação em cada período da história
da humanidade guardam relação direta com os modelos de sociedade e de
produção vigentes, o que explica porque Gramsci afirma que cada sociedade
educa o homem para o seu tempo (NOSELLA, 1992).
Como vimos, o homem transforma a si próprio e a realidade na medida
em que se relaciona com outros homens e com a natureza, transformando
os e produzindo cultura. Esse processo contínuo de transformação cria
novos patamares de desenvolvimento tecnológico, bem como de normas
sociais de convivência.
A partir dessas considerações, cabe o aprofundamento de dois aspectos
relevantes: em primeiro lugar, uma retomada histórica que nos permita rever
as relações entre educação e trabalho no contexto dos processos de divisão
social do trabalho e da sociedade em classes; em segundo lugar, mas não
menos importante, a compreensão da educação como trabalho humano, que
exigirá uma reflexão sobre a diferença entre trabalho material e não material,
bem como entre trabalho produtivo e improdutivo.

3.1.2 A divisão social do trabalho e a


divisão da sociedade em classes
Revisitando a história da humanidade, é possível perceber que as formas
predominantes de educação em cada período, mantêm relação íntima com
o modelo de sociedade e o modo de produção vigentes, uma vez que a vida
humana, em todos os seus aspectos, depende diretamente das formas por
meio das quais as pessoas produzem a sua existência.
Assim, o olhar sobre o passado deve nos ajudar a compreender o presente a
partir da identificação e diferenciação dos elementos que compõem a natureza
humana e, portanto, possuem um caráter mais perene, dos elementos situados
historicamente como provisórios, característicos de determinados modelos de
vida e de produção, que se modificam com a alteração das circunstâncias que
lhes deram origem.
No período pré histórico, por exemplo, homens e mulheres produziam
as condições para a sua existência de forma coletiva e se apropriavam coleti-

–  140  –
Mundo do trabalho e educação

vamente dos produtos de seu trabalho13. Esse modo de produção é conhecido


como “comunismo primitivo”. As pessoas viviam em tribos, eram nômades e
dependiam da natureza para se alimentar, proteger, sobreviver. Estudos antro-
pológicos indicam que, embora não existisse divisão de classes214, o trabalho
era dividido entre homens e mulheres com o intuito de preservar as suas
vidas, responsáveis pela perpetuação da espécie.
Não existiam processos educativos separados das tarefas diárias. Homens
e mulheres aprendiam o que precisavam com as gerações mais velhas, edu-
cavam se uns aos outros sem um tempo ou espaço específico para esse fim,
uma educação que se efetivava no e pelo processo de trabalho. Ao mesmo
tempo em que realizavam o trabalho necessário para produzir a sua existência
enquanto grupo, estabeleciam relações interpessoais, por meio das quais ensi-
navam e aprendiam a desenvolver as tarefas cotidianas. Cabe ressaltar que,
do ponto de vista do processo produtivo, as pessoas viviam no campo e do
campo, ou seja, viviam no espaço tipicamente rural e trabalhavam sobre a
terra, que se constituía como o meio de produção por excelência, para garan-
tir as condições de sobrevivência.
A fixação do homem à terra, em substituição à vida nômade, provocou
muitas transformações no modo de vida dos seres humanos, que passaram a
desenvolver variadas técnicas ligadas à agricultura e ao pastoreio, tornando
possível a produção de excedente. Isso significa que as pessoas passaram a
produzir mais do que precisavam para garantir a sua sobrevivência, e assim
surgiram as primeiras atividades de escambo (troca de mercadorias).
A permanência no mesmo espaço cria também outra consequência, que
é a ideia de propriedade sobre a terra, principal meio de produção. Primeira-
mente, a terra passa a ser concebida como propriedade das tribos e, depois, de

13 É importante lembrar que o conceito de criança ou de infância não existia. As crian-


ças recebiam o mesmo tratamento dos adultos, sem qualquer diferenciação.
14 Estudos sobre estratificação social discordam da ideia de existência do comunismo
primitivo e indicam que sempre houve alguma forma de distinção entre os seres humanos,
mesmo no período pré histórico, reconhecendo situações de hierarquização entre homens e
mulheres e, também, entre figuras que possuíam características místicas ou relacionadas à cura
de doenças, por exemplo. Cherkaoui constata que “a estratificação é universal e onipresente”
(1996, p. 107), permeia todas as sociedades humanas, diferenciando grupos dentro dos siste-
mas sociais, sejam eles mais ou menos complexos.

–  141  –
Temas Contemporâneos da Educação

grupos dentro das tribos, dividindo as pessoas em duas classes: proprietárias


de terra e não proprietárias. Dessa forma, a fixação dos homens à terra, que
possibilitou a produção de excedentes e a sua apropriação de maneira privada,
originou a primeira grande divisão da sociedade em classes.
A produção de excedente cria, ainda, a necessidade constante de aumento
dessa produção, para permitir níveis cada vez mais elevados de escambo. Uma
solução encontrada para possibilitar a ampliação da produção foi o processo de
escravização de grupos de outras tribos. Os escravos trabalhavam e produziam
as condições para a manutenção da existência dos “senhores” ou proprietários
das terras, que passaram a sobreviver sem trabalhar ou a viver do trabalho alheio.
O desenvolvimento de todos os ramos da produção – criação de gado,
agricultura, ofícios manuais domésticos – tornou a força de trabalho
do homem capaz de produzir mais do que o necessário para a sua
manutenção. Ao mesmo tempo, aumentou a soma de trabalho diário
[...]. Passou a ser conveniente conseguir mais força de trabalho, o que
se logrou através da guerra; os prisioneiros foram transformados em
escravos. Dadas as condições históricas gerais de então, a primeira
grande divisão social do trabalho, ao aumentar a produtividade deste,
e por conseguinte a riqueza, e ao estender o campo da atividade pro-
dutora, tinha que trazer consigo – necessariamente – a escravidão. Da
primeira divisão social do trabalho, nasceu a primeira grande divi-
são da sociedade em duas classes: senhores e escravos, exploradores e
explorados (ENGELS, 1987, p. 181).

Esse modelo de produção e de organização social, baseado na escravidão,


possibilitou a constituição de imponentes impérios e deu origem à consoli-
dação das chamadas “grandes civilizações” da Antiguidade (egípcia, grega,
romana). A base do processo produtivo continuava sendo a agricultura e a
pecuária, mas as cidades passaram a dominar o campo, tornando se a fonte do
poder político e econômico, pois os proprietários ali se concentravam. Pode
se afirmar, então, que as pessoas passaram a viver nas cidades, mas continua-
vam a sobreviver do trabalho no campo.
Do ponto de vista da organização política da sociedade, passa a haver
uma diferenciação entre a esfera privada, da família, e a esfera pública, da
cidade estado ou polis. Arendt (2007) nos ajuda a compreender esse pro-
cesso histórico de distinção entre a esfera pública e a privada. A esfera da
família mantém o caráter de preocupação com a sobrevivência, alimen-
tação, cuidados com a saúde, proteção, ou seja, conserva a relação dos

–  142  –
Mundo do trabalho e educação

homens com o reino da necessidade e, por isso mesmo, continua aceitando


a existência do trabalho escravo, de relações sociais baseadas na violência,
domínio e submissão.
Já a esfera da cidade estado se constitui como o espaço da liberdade e do
estabelecimento de relações sociais entre sujeitos concebidos como iguais entre
si, relações políticas nas quais o discurso e a persuasão substituem a força e a
violência. Cabe ressaltar que a participação política nas cidades estado estava
restrita aos homens, adultos, livres e proprietários, pois eram essas as caracterís-
ticas que os definiam como “iguais”, como “cidadãos”. A necessidade de criação
de uma esfera pública esteve assentada sobre a existência de um mundo comum
a diferentes famílias, que transcendia a garantia da sobrevivência.
Uma das principais preocupações desse mundo comum era a necessidade
de defesa da propriedade privada. Com a intenção de garantir essa defesa, as
nações criaram polícias e exércitos, tomando para a si a responsabilidade e o
poder de efetivar ações pautadas na força, violência e controle, para manter uma
sociedade baseada no princípio de liberdade. Ressalta se que tanto o princípio
de igualdade quanto o de liberdade estavam definidos pela condição de proprie-
dade sobre a terra e pela “faculdade de deixar o lar e ingressar na esfera política”
(ARENDT, 2007, p. 42). Dessa forma, tais princípios não podiam ser observados
nas relações familiares e se restringiam à esfera pública da cidade estado.
A exploração do trabalho por meio da escravidão, que se mantinha no
interior das relações familiares, na esfera privada, liberava o chefe da família
para participar da vida pública, possibilitando lhe estabelecer formas dife-
renciadas de relação com a natureza e os demais sujeitos, criando estratégias
e espaços diferenciados para ocupar o tempo ocioso. Enquanto na esfera pri-
vada a educação continuava se efetivando essencialmente no e pelo processo
de trabalho, na esfera pública constituiu se um espaço destinado à discus-
são de ideias acerca da filosofia, astronomia, matemática, física, engenharia,
medicina, etc., que passou a se chamar de escola.

A palavra escola vem do grego scholé e significa tempo do
ócio. A escola não se caracterizava pela existência de um
espaço próprio e não se assemelhava em nada às instituições

–  143  –
Temas Contemporâneos da Educação

hoje chamadas de escolares. Na Grécia Antiga, o termo escola


designava, acima de tudo, a forma de utilização do tempo ocioso
em reuniões cujo objetivo era o debate de ideias sobre diversas
áreas de conhecimento. A escola não era um espaço destinado
às crianças, mas um lugar para adultos, homens, proprietários
de terras, com tempo para pensar e refletir sobre assuntos de
diversas naturezas, livres, inclusive, da preocupação com a
garantia das condições necessárias para a sobrevivência.

Esse modelo de produção e as formas educativas afins foram amplamente


disseminadas com a expansão do Império Romano sobre parte do território
da Europa e norte da África. Porém, é importante ressaltar que, “nesse
contexto, a forma escolar da educação é ainda uma forma secundária que se
contrapõe como não trabalho à forma dominante determinada pelo trabalho”
(SAVIANI, 1994, p. 154). Além de não ser a forma dominante, porque
abrangia uma pequena parcela da população, a educação por meio da escola
estava restrita aos homens da elite, considerados “cidadãos”. Dessa forma, é
possível afirmar que a origem da escola coincide com a divisão da sociedade
em classes, que permite à classe dominante permanecer no ócio e sobreviver
do trabalho alheio.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, por volta do século V
d.C., começa a se estruturar um novo modelo de organização social. O declínio
econômico e militar do Império, aliado aos impactos produzidos pela influência
das tribos germânicas formadas por povos conhecidos como bárbaros, produziu
uma transformação significativa nos padrões de relação social, de trabalho e
de concepção sobre a propriedade privada da terra, originando a forma de
organização medieval em feudos.
Alguns aspectos sobre a organização social dos povos germânicos são
relevantes para a compreensão das mudanças efetivadas com a sua incorporação
ao modelo de organização feudal. Essas tribos eram, em sua grande maioria,
matriarcais, organizavam se como grandes famílias proprietárias de terra em
uma perspectiva comunal e não reconheciam ou aceitavam a escravidão. Tais
características, ao serem incorporadas ao modelo de organização do Império
Romano, deram origem a uma forma totalmente distinta de organização social,

–  144  –
Mundo do trabalho e educação

extinguindo relações de trabalho escravocratas e estabelecendo uma lógica de


propriedade familiar, e não individual, sobre a terra.
Dessa forma, o feudalismo foi construído sobre um modo de produção
que se manteve rural, mas com algumas diferenças importantes em relação
à Antiguidade: a população voltou a viver no campo e o trabalho escravo foi
substituído pelo trabalho servil. A servidão estabeleceu uma vinculação do
trabalhador à terra, portanto, ele deixou de ser considerado propriedade de
outrem, embora continuasse a ser explorado.
Ao longo da Idade Média, a Igreja Católica cresceu em tamanho,
abrangência e importância política e econômica, assumindo um papel de
grande relevância social. O cristianismo tornou se a religião dominante
e oficial, resultado dos acordos estabelecidos entre a Igreja e os estados
monárquicos. Clero e monarquia tornaram se classes aliadas, proprietárias
e dominantes. A Igreja manteve certo controle sobre a aceitação das mazelas
da vida cotidiana da população, em troca das expectativas em relação à
grandiosidade do sagrado e da vida extraterrena.
Enquanto isso, os senhores feudais assumiram o poder de mando e de
justiça nos limites de suas propriedades, com funções de preposto do estado
monárquico nos feudos. Assim, as discussões e decisões que se realizavam
no espaço da esfera pública, na Antiguidade, passaram a ser resolvidas na
esfera privada das famílias feudais e servis, extinguindo se, em certa medida,
o conceito mais amplo de esfera pública e sociedade.
A Igreja monopolizou o acesso ao conhecimento e a educação escolar
ficou restrita à formação eclesiástica. Mesmo entre a nobreza era difícil
encontrar pessoas que fossem alfabetizadas. A instituição escolar ganhou
contornos mais próximos do conceito de escola atual, mas a educação da
maioria da população continuava se realizando no e pelo processo de trabalho.

Dica de Filme
O filme intitulado O nome da Rosa, baseado no romance
do mesmo nome, de Humberto Eco, apresenta uma história
fictícia desenrolada durante a Idade Média e envolve uma
trama de assassinatos ocorridos em um mosteiro beneditino.
O enredo apresenta alguns dos embates ideológicos entre

–  145  –
Temas Contemporâneos da Educação

defensores do teocentrismo e dogmatismo característicos da


Igreja Católica medieval e os intelectuais renascentistas, que
buscam a utilização da razão e a recuperação dos conhecimentos
e valores produzidos pela civilização greco romana.
O NOME da Rosa. Direção de Jean Jacques Annaud.
Alemanha: 20th Century Fox Film Corporation, 1986. 1
filme (130 min).

Além da agricultura e da pecuária, outra atividade laboral presente no


período medieval foi o artesanato, típico do trabalho rural. Contudo, com
a decadência da produção rural, com o esgotamento das terras devido à
sua utilização durante séculos, o trabalho artesanal foi se desenvolvendo e
ganhando espaço importante nas economias locais. Os artesãos passaram a
se organizar em corporações de ofício e impulsionaram as relações mercantis.
Essas corporações de ofício funcionavam como aglomerados de artesãos, que
produziam e dividiam os resultados da produção, e também como espaço de
aprendizagem do ofício sob a orientação de um mestre.

Saiba mais
O termo burguês refere se ao habitante do burgo, da cidade,
que sobrevivia do trabalho com o comércio. Para conhecer mais
sobre esse período histórico e os demais períodos analisados
neste capítulo, o leitor pode buscar elementos para aprofundar a
reflexão com a leitura da obra História da riqueza do homem, de
Leo Hubermman (1986). Esse livro proporciona uma viagem pela
história da humanidade, com uma linguagem acessível e envolvente.

Inicialmente, o comércio dos produtos artesanais dependia da


organização de feiras periódicas ou itinerantes, habitualmente baseadas na
troca de mercadorias. Com o crescimento dessa atividade, as feiras fixaram se e
deram origem aos burgos e às cidades. A produção e o comércio de artesanato

–  146  –
Mundo do trabalho e educação

passaram a ocupar papel de destaque na economia à medida que substituíram


a produção rural. O enriquecimento do comércio e, consequentemente, dos
comerciantes, conferiu lhes poder e reconhecimento econômico, mas não
político, uma vez que eram filhos de servos e não poderiam participar das
decisões políticas, que cabiam exclusivamente à monarquia.

3.1.3 Consolidação do modo de produção capitalista


O desenvolvimento das forças produtivas na perspectiva do
fortalecimento da produção artesanal e do comércio transferiu a importância
do campo para a cidade e impulsionou a constituição de um novo modo de
produção centrado na fabricação e circulação de mercadorias: o capitalismo. As
restrições à participação dos comerciantes nas decisões políticas da sociedade
que se constituía impulsionaram as revoluções burguesas que marcam o fim
da Idade Média, como a Revolução Francesa e a Revolução Gloriosa.
No início do sistema feudal, a terra era utilizada como medida das rique-
zas do homem. Com a expansão do comércio e, posteriormente, com o
desenvolvimento dos interesses da burguesia, aliados ao incipiente modo
de produção capitalista, desenvolveu se um novo tipo de riqueza – o
dinheiro. [...] Assim, o desenvolvimento do comércio situar se á como
a principal causa da desintegração da sociedade medieval no que diz res-
peito ao sistema de trocas e de seus costumes. Outras causas contribuíram
para o declínio do feudalismo e a emergência de uma nova economia
orientada para o mercado, entre elas, o renascimento intelectual, a explo-
ração colonial, os progressos tecnológicos agrícolas entre o século XI e o
final do século XII (FELDMANN, 2003, p. 129 130).

A ascensão da burguesia ao poder foi inicialmente marcada por uma


perspectiva revolucionária, na medida em que reivindicou o acesso de todas
as pessoas a direitos considerados universais, como: trabalho, moradia,
alimentação, educação, saúde. A queda da monarquia simbolizava o fim de
um regime servil, que garantia privilégios inesgotáveis à classe dominante
enquanto a população enfrentava situações de miserabilidade.
A substituição de uma sociedade pautada no direito divino e hereditário
por uma sociedade fundada em relações contratuais e liberdades individuais,
a princípio, acenou com a possibilidade de realização de direitos universais,
independentemente da origem ou condição de classe dos sujeitos. Essas
convenções contratuais são de extrema relevância para a compreensão sobre

–  147  –
Temas Contemporâneos da Educação

o modo capitalista de produção, pois todas as relações sociais passam a


ser regidas por convenções e contratos criados para estabelecer um direito
positivo, formal, sem necessidade de intervenções determinadas por
laços naturais.
Essa dimensão ampla e revolucionária do posicionamento burguês, que
abarcava a defesa de toda a população, foi paulatinamente modificada pelo
discurso baseado no merecimento pessoal, na defesa das liberdades individuais
e no princípio da inviolabilidade da propriedade privada. Assim, a burguesia
passou de revolucionária a defensora de seus interesses de classe.
A sociedade capitalista se distingue das demais não pela divisão da
sociedade em duas classes fundamentais, posto que as sociedades anteriores
também estavam divididas em classes sociais, mas pela característica própria
de cada classe e da relação de assalariamento que as mantêm dependentes uma
da outra. Para o materialismo histórico, o que caracteriza a organização social
no capitalismo é a existência de duas classes fundamentais e antagônicas:
uma classe proprietária dos meios de produção e outra classe trabalhadora
assalariada, a primeira detém a riqueza e o poder, enquanto a segunda possui
apenas sua própria força de trabalho e vende o tempo de utilização dessa força
em troca de um salário.
Os trabalhadores assalariados são definidos como “livres” porque não
estão presos aos meios de produção, como os servos estavam ligados à terra.
Em tese, esses trabalhadores podem escolher para quem vão vender o tempo de
utilização de sua força de trabalho. Contudo, na prática, foram expropriados
de seu objeto e meio de trabalho (matéria prima e meios de produção), pois
estão estruturalmente impossibilitados de estabelecer relações de propriedade
e posse sobre eles, na medida em que essa forma de propriedade sobre os
meios de produção caracteriza a classe capitalista.
Dessa forma, percebe se que o conceito de liberdade no capitalismo se
afirma numa perspectiva contraditória, pois, ao mesmo tempo em que liberta o
trabalhador da servidão, o despoja da propriedade sobre os meios de produção
da existência, obrigando o a vender o tempo de utilização da sua força de
trabalho para o capital em troca de um salário. Evidencia se, assim, que o modo
de produção capitalista concebe o capital como principal meio de produção.

–  148  –
Mundo do trabalho e educação

Em relação a esse aspecto, é importante lembrar que o termo capital, em


seu sentido comum entendido como bem material capaz de gerar ampliação
de renda para o seu possuidor, pode referir se a “recursos” que já existiam
com esse propósito muito antes do capitalismo. O que Marx denomina
capital e que caracteriza o modo de produção capitalista se diferencia
do uso de senso comum do termo na medida em que não se confunde
com dinheiro.
Para Marx, capital não é uma coisa e sim uma relação social, ou seja,
só se concretiza enquanto tal na relação entre proprietários dos meios de
produção e trabalhadores, no processo de circulação de mercadorias que são
produzidas, compradas e vendidas, possibilitando a acumulação ampliada de
capital. Portanto, não é qualquer recurso financeiro ou dinheiro que pode ser
considerado capital.
No Dicionário do pensamento marxista, editado por Tom Bottomore
(1988), é possível encontrar definições conceituais que contribuem para a
compreensão do capitalismo e os elementos que o constituem. Bottomore
descreve as principais características315 do modo de produção capitalista,
dentre as quais ressaltamos as seguintes:
a. produção para a venda e não para uso próprio, por numerosos pro-
dutores [...]; b) existência de um mercado onde a força de trabalho é
comprada e vendida, em troca de salários em dinheiro, por um dado
período [...] ou por uma tarefa específica [...] (BOTTOMORE,
1988, p. 52).

Uma das características centrais do modo de produção capitalista, desta-


cada na citação de Bottomore (1988), é a mudança do objetivo do processo
produtivo. Outros elementos importantes destacados no mesmo verbete refe-
rem se a “c) mediação universal (ou predominante) das trocas pelo uso do
dinheiro [...]; d) o capitalista, ou seu agente gerencial, controla o processo
de produção [...]” (BOTTOMORE, 1988, p. 52). A produção deixa de ter
como meta a geração de valores de uso416 para produzir mercadorias que
serão comercializadas, ampliando o capital inicialmente investido na sua pro-
dução. O objetivo central do modelo capitalista é a reprodução ampliada do
15 Para ler o texto na íntegra, buscar o verbete “capitalismo” no Dicionário do pensa-
mento marxista, editado por Tom Bottomore (1988).
16 A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso.” (MARX, 1996, p. 166).

–  149  –
Temas Contemporâneos da Educação

capital, ou seja, a acumulação de riquezas. As mercadorias são, em última


instância, um meio para essa ampliação e acumulação.
A sociedade capitalista passa por um processo intenso de industrializa-
ção e urbanização. O centro do processo produtivo se desloca do meio rural
para as cidades, tornando as referência para todos os demais espaços sociais.
Para Adorno, um dos conceitos fundamentais para a explicação da sociedade
capitalista e de como cada sujeito passa a ser considerado como “mero exem-
plar” do homem comum, como indivíduo substituível, é o de indústria cultu-
ral, que “realizou maldosamente o homem como ser genérico” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 136).
Nesse processo de constituição do capitalismo e de massificação, os indi-
víduos acabam assumindo como suas as interpretações de mundo veiculadas
pela mídia e, à medida que as incorporam, agem de acordo com elas. Os
homens são coisificados, tornam se inconscientes de seu “eu”, do outro e das
intencionalidades que impulsionam sua ação. Daí a exigência e necessidade
de emancipação humana, levando cada um a tomar consciência dessa situa-
ção para transformá la.
A transformação só será possível na medida em que esse processo for
revertido, conferindo a devida importância aos indivíduos, autônomos, cons-
cientes de seus objetivos e suas ações. As análises de Adorno conduzem à
compreensão de que a coisificação dos homens pela indústria cultural ani-
quila o indivíduo, fazendo com que seja indiferente a si mesmo e aos outros.
Essa indiferença manifesta a concretização da desumanidade, o que leva ao
caminho da barbárie.
A emancipação dos homens é fundamental para que eles se realizem
enquanto indivíduos autônomos e conscientes do seu eu, o que implica, neces-
sariamente, resistir e combater a influência maciça da indústria cultural e da
barbárie. “O único poder efetivo contra o princípio de Auschwitz517seria a auto-
nomia, para usar a expressão kantiana; o poder para a reflexão, a autodeter-
minação, a não participação.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 125).
Para os autores, a educação engendra uma possibilidade concreta de emancipa-

17 Referência explícita do autor ao genocídio judaico estabelecido pelo nazismo alemão


durante a Segunda Guerra Mundial. O campo de concentração de Auschwitz foi palco de
ações atrozes contra a humanidade.

–  150  –
Mundo do trabalho e educação

ção dos homens sempre que busca a construção de uma consciência verdadeira,
através da qual o homem não se adapte simplesmente à realidade, mas princi-
palmente, resista a ela.
A escola é uma organização social de grande importância para o mundo
capitalista, sobretudo porque participa ativamente dos processos de formação
e conformação humana ao modelo de sociedade dominante. A escola como
instituição destinada a ensinar conhecimentos válidos para a vida cotidiana,
formando sujeitos para o convívio social e o trabalho, é uma necessidade
imposta pela sociedade capitalista moderna.
A ascensão do capitalismo e a consequente ampliação dos processos
de produção em massa, a industrialização e a urbanização tornaram neces-
sário um tipo de formação da população que a integrasse ao novo modelo
de sociedade, aos novos padrões de produção e de consumo, aos valores
mercantis que se tornavam paulatinamente predominantes. A educação no
e pelo processo de trabalho continuava existindo, mas já não era suficiente
para atender às demandas do novo modelo de produção.
A escolarização passou a ser compreendida, de um lado, como possibili-
dade de difusão da linguagem escrita, extremamente necessária à sociedade con-
tratual que se estabelecia em contraposição ao modelo baseado no direito here-
ditário e verbal, característico do período medieval; e de outro, como instru-
mento de consolidação dos elementos necessários ao modo de vida capitalista.

Sugestão de Leitura
FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. São
Paulo: Cortez, 1995.
No livro, o autor incorpora traços relevantes da Teoria do Capi-
tal Humano, redimensionados com base na sociedade capita-
lista. Busca, ainda, destacar a visão reducionista de desenvolvi-
mento e os contextos históricos em que se formula a teoria do
capital humano e as noções de sociedade do conhecimento,
pedagogia das competências e de empregabilidade.

–  151  –
Temas Contemporâneos da Educação

A partir do século XVIII, sobretudo durante o século XIX, consolida-se


a defesa da existência de uma escola pública, gratuita, universal, obrigatória
e laica. Esses princípios manifestam as intenções do ideário liberal burguês
em relação à escolarização, demonstrando como, na sua origem, a burguesia
possuía um caráter revolucionário, que se explica pela origem de classe, como
já tratado neste capítulo.
As mudanças no mundo produtivo correspondem às mudanças no
processo de formação dos sujeitos, que devem se adaptar às novas exigências
do mercado capitalista. Os processos de reorganização do mundo do
trabalho são decisivos nas reformulações das perspectivas das instituições
de ensino nos diferentes níveis e modalidades, sem que isso signifique,
necessariamente, a adoção inconteste dos princípios de mercado.
Ao longo dos pouco mais de duzentos anos de história do capitalismo
é possível observar diferentes etapas do seu desenvolvimento, que deram
origem a modelos diferenciados de organização do Estado e de relação
com a sociedade civil. O quadro a seguir procura demonstrar as principais
características, semelhanças e diferenças entre os períodos, mas é importante
lembrar que a realidade é dinâmica e contraditória, portanto, características
de diferentes modelos podem coexistir no mesmo período histórico .
Assim, a organização do quadro a seguir tem objetivos didáticos de
apresentação do conteúdo, não se revelando como uma definição estática e
irretocável – o que não seria possível – do período histórico em análise. Cabe
ressaltar, ainda, que o momento atual, por estar em processo de mudança,
não permite o fechamento hermético da última coluna.
A história mostrará o que poderá ser considerado válido ou não.

Quadro Características gerais das etapas do capitalismo.


HISTÓRICO
PERÍODO

Século XVIII Final do século Século XX – Final do século Início do


e início do XIX e início do pósSegunda XX e início do século XXI.
século XIX. século XX. Guerra Mundial. século XXI.

–  152  –
Mundo do trabalho e educação

Continuidade
CAPITA-LISMO do
capitalismo
FASE DO

Monopolista Concorrencial financeiro


Concorrencial. Monopolista.
de Estado. global. internacional
ou
retomada do
capitalismo
de Estado?
MODELO DE
ESTADO

Neoliberal Estado
Bemestar social
Liberal clássico. Monopolista. (Estado mínimo
(Estado forte).
mínimo). ou forte?

Crise do
petróleo da
Grande concen- década de 1970.
tração de capital Crise
Ascensão da econômica da Nova
substituindo a
ORIGEM À MUDANÇA

burguesia e
CONTEXTO QUE DEU

década de 1920. estagnação do Crise do


revoluções que concorrência capitalismo pelo mercado
depuseram pelos monopólios. Estagnação do
esgotamento financeiro
os estados Revisão do papel capitalismo pela
do modelo internacional,
monárquicos. do Estado. intensa pobreza.
de produção acentuada
Substituição da Racionalização Necessidade em massa. no final de
produção da produção de reconstru- 2008 e início
Necessidade
artesanal industrial. ção dos países de 2009.
de criação de
pela fabril. arrasados pela
Intenso processo novos mercados
guerra.
de urbanização. consumidores
nos países
periféricos.
Retomada
CARACTERÍSTICAS

2ª Revolução Intervenção da defesa


PRINCIPAIS

Revolução Industrial do Estado na 3ª Revolução do papel do


Industrial (taylorismo e economia: Industrial (base Estado como
(máquinas fordismo). regulador e microele- interventor,
a vapor). Consolidação dos produtor de trônica). regulador e
estados nacionais. bens e serviços.
normatizador

–  153  –
Temas Contemporâneos da Educação

Concentração Planejamento
Estado
do capital e macroeco-
mínimo,
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

crescimento dos nômico.


desregula-
monopólios. Fortalecimento
Autorregulação mentação e das relações
dos mercados. Parcelarização e de políticas privatização. entre capital
desqualificação públicas e
Concorrência Acumulação e trabalho.
do trabalho. sociais.
generalizada. flexível. Continuidade
Urbanização e Consolidação
Extrema Globalização do modelo
organização dos de direitos
precarização do da economia. de economia
trabalhadores. trabalhistas.
trabalhador. Precarização globalizada.
Reivindicações Constituição e
do trabalho e
operárias e fortalecimento
desemprego
nascimento de de organismos
estrutural.
políticas públicas. internacionais.

Da teoria para a prática


Selecionar artigos de jornais de grande circulação (nacional ou
regional) que tratem de temas ligados às políticas públicas para
a educação e situem as ações do poder público (seja na esfera
municipal, estadual ou federal). Verificar quais são as características
dessas políticas, a fim de localizar o modelo (ou os modelos) de
Estado ao qual se assemelham. Utilizar as orientações do quadro
estudado para relacionar as reflexões construídas ao longo do capí-
tulo com as informações detalhadas nas reportagens escolhidas.

Síntese
Este capítulo apresentou definições conceituais para os termos educação
e trabalho, indicando sua relação com o processo de produção de cultura.
Demonstramos o processo de consolidação do modo de produção capitalista,
situando o historicamente, em contraposição aos modelos produtivos que o
antecederam. Concluímos o capítulo apresentando as características gerais
das etapas de desenvolvimento do capitalismo.

–  154  –
3.2
O trabalho como
princípio educativo

A organização do trabalho pedagógico no interior das ins-


tituições de educação e ensino assume formas históricas constru-
ídas socialmente. Isso implica o reconhecimento da escola como
resultado da multiplicidade de relações que se estabelecem entre as
dimensões gerais do mundo capitalista e as dimensões específicas da
natureza da educação, em um processo de continuidades e rupturas,
que requer reprodução, resistência, acomodações, negociações.
Nessa perspectiva, compreende se que a educação não é
vítima absoluta da sociedade, no sentido de apenas reproduzir rela-
ções que foram preestabelecidas; tampouco é redentora da humani-
dade ou da civilização, pois não possui poderes que permitam uma
interferência de dentro da escola para a sociedade no sentido de
modificá-la e resolver os problemas existentes.
Temas Contemporâneos da Educação

Há muitos estudos que procuram relacionar diretamente os avanços


de escolaridade da população e desenvolvimento econômico dos países.
É importante reconhecer que há uma forte correlação entre essas duas
dimensões, mas isso não significa a existência de uma relação de causalidade
linear e direta, como se não existissem outros aspectos intervenientes.
Assim, o que se pretende defender é a importância da educação reconhe-
cida no contexto de seus limites e suas possibilidades. Este capítulo pretende
ressaltar justamente as possibilidades de transformação, em diferentes aspec-
tos, estabelecidas pela atuação educativa.

3.2.1 Concepção e forma do trabalho


como princípio educativo
O mundo está e sempre esteve em constante transformação, porque
é construído historicamente nas relações que homens, mulheres e crianças
estabelecem entre si para produzir sua própria existência – e não há novidade
nessa afirmação. Porém, “para aqueles que analisam o mundo atual, alguma
coisa radicalmente nova surgiu, alguma coisa mudou na própria mudança:
é a rapidez e a aceleração perpétua de seu ritmo” (FORQUIN, 1993, p.
18). Se antes as transformações levavam décadas e, por vezes, gerações,
para se manifestarem, atualmente a mesma geração passa por inúmeras
transformações, que não se resumem simplesmente ao avanço tecnológico.
Pode se dizer que a única coisa permanente, hoje, é a mudança. E quanto
mais velozes são as mudanças, mais se evidencia a exclusão das maiorias.
Os princípios de racionalidade, hierarquia, consumo de massa, que
sustentavam a sociedade industrial moderna, estão sendo substituídos pela
crescente importância conferida à intelectualização, por uma nova ética, uma
nova estética, pela virtualidade, pela consideração da subjetividade. Essas
mudanças tomam tal amplitude que as interpretações intelectuais e morais
construídas até então não são mais suficientes para explicar este mundo, estas
transformações. As mudanças são muito aceleradas e a vida humana não as
tem acompanhado.
Do ponto de vista da produção científica, uma das questões centrais
que se apresentam, segundo Santos (1988), é que a ciência moderna e
seus conceitos não respondem às perguntas da atualidade. “As condições

–  156  –
O trabalho como princípio educativo

epistêmicas das nossas perguntas estão inscritas no avesso dos conceitos que
utilizamos para lhes dar resposta.” (SANTOS, 1988, p. 47). Isso marca o
fim de um período hegemônico da ciência moderna, que durante os últimos
quatrocentos anos tem naturalizado a explicação da realidade.
O rigor científico, porque fundado no rigor matemático, é um rigor
que quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao obje-
tivar os fenômenos, os objetualiza e os degrada, que, ao caracterizar os
fenômenos, os caricaturiza. [...] o conhecimento ganha em rigor o que
perde em riqueza e a retumbância dos êxitos da intervenção tecnológica
esconde os limites da nossa compreensão do mundo e reprime a per-
gunta pelo valor humano (SANTOS, 1988, p. 58).

O pensamento moderno acostumou-se em tal medida à utilização de


categorias fundadas em números, tempo, espaço, matéria, que não conseguem
conceber explicações científicas que possam prescindir dos conceitos
“cartesianos” convencionais. Nesse paradigma, conhecer implica dividir
e classificar para depois determinar as relações que se estabelecem entre as
parcelas, generalizando-as na forma de leis da ciência. Essas leis privilegiam a
explicação do funcionamento das coisas e fenômenos, buscando suas causas,
independentemente de seus agentes ou fins.
Esse modelo de racionalidade da ciência natural logo foi transposto para
o estudo da sociedade, conferindo-lhe o estatuto de ciência. A distinção dico-
tômica entre ciências naturais e sociais está assentada em uma “concepção
mecanicista da matéria e da natureza a que contrapõe [...] os conceitos de ser
humano, cultura e sociedade” (SANTOS, 1988, p. 60). A naturalização das
categorias da ciência moderna foi um processo lento e ainda encontra eco nas
comunidades científicas, assim como no interior da escola.
A organização do trabalho pedagógico tem se pautado nos princípios
da ciência moderna, reproduzindo o paradigma até agora dominante e
contribuindo, em certo sentido, para sua cristalização. A própria divisão do
conhecimento escolar em disciplinas, assim como a forma de sistematização
dos conteúdos de cada área, a seriação dos anos letivos são manifestações do
processo de incorporação desse paradigma. É importante perceber que
a disciplinaridade da presente estrutura curricular não [somente] como a
tradução lógica e racional de campos de conhecimento, mas como a
inscrição e recontextualização desses campos num contexto em que proces-
sos de regulação moral e controle tornam se centrais (SILVA, 1996, p. 93).

–  157  –
Temas Contemporâneos da Educação

A escola, espelhando a ciência, dicotomiza natureza e cultura, matéria


e mente, objetividade e subjetividade, e não abre espaço para que se efetue
a superação dessas dicotomias. De maneira bastante evidente, os alunos se
apropriam dessa lógica de pensamento e a reproduzem, mesmo que sintam,
ainda que intuitivamente, que poderia ou deveria haver superação.

A escola precisa pensar sobre as questões suscitadas pelo
paradigma científico emergente, não para incorporá las de
forma mecânica e abstrata, mas para rever seus próprios
fundamentos, sobretudo em relação à: a) necessidade
de superação da dicotomia entre as ciências sociais e
naturais, entendendo que não é possível conceber uma
natureza humana diferenciada de outros tipos de natureza,
porque toda natureza é humana; b) compreensão de
que todo conhecimento é local e total porque tem como
horizonte a totalidade universal; c) superação da dicotomia
entre sujeito e objeto de conhecimento, considerando
a ciência como um ato criador; d) compreensão de que
todo conhecimento científico visa a constituir se em
um novo senso comum porque busca traduzir se em
uma nova racionalidade (SANTOS, 1988, p. 60 71).

Não é mais possível, nem saudável, ocultar as dúvidas. É preciso torná


las parte das preocupações dos sujeitos que compõem a escola, envolvendo
toda a comunidade escolar nos debates sobre essas questões, porque elas
dizem respeito ao mundo, à vida, para além dos limites da escola.
Os processos de superação das contradições não são, sob quaisquer
aspectos, lineares ou naturais; assim como o confronto entre a ciência
moderna e o novo paradigma “pós moderno” não é a única contradição
criada pela contemporaneidade. Forquin toma as análises de Hannah
Arendt em relação à existência de “uma espécie de incompatibilidade
estrutural entre o espírito de modernidade e a justificação da educação como

–  158  –
O trabalho como princípio educativo

tradição e transmissão cultural” (FORQUIN, 1993, p. 20) para discutir o


caráter aparentemente paralisado, esvaziado e até ilegítimo que assumem os
objetivos do trabalho pedagógico.
Arendt (apud FORQUIN, 1993) sublinha que autoridade e tradição
são próprias da natureza da educação, processo através do qual os conteúdos
culturais necessários à continuidade do mundo são transmitidos às novas
gerações. Contudo, o mundo não está mais organizado sobre esses princípios
de autoridade, tampouco é regido pela tradição – o que cria contradições
que precisam ser pensadas a fim de recontextualizar os processos educativos.
É preciso reconhecer que não se pode ignorar a modernização do mundo,
ao mesmo tempo em que não se pode rejeitar a história. “[...] só uma visão
extremamente superficial e prematura da modernização pode nos fazer
aderir ao mito de efêmero e rejeitar, como um fardo, nosso pertencimento à
memória.” (FORQUIN, 1993, p. 20).
Nesse sentido, são muitos os desafios da escola frente à pós modernidade,
inclui se entre eles a necessidade de uma prática fundamentalmente ética,
contra a exploração e a exclusão. A exclusão não se materializa somente
no desemprego, na fome, na miséria, na exclusão do mercado produtor e
consumidor, mas, sobretudo, e talvez com maior intensidade, materializa-se
na exclusão dos processos de produção e socialização do conhecimento, dos
elementos que formam o ser humano na sua plenitude.
Parece, então, ser fundamental uma análise e revisão rigorosa dos conceitos
e objetivos que foram sendo construídos historicamente como resultados
possíveis das relações entre as dimensões gerais do processo de produção
capitalista e as dimensões específicas da natureza da educação. Contudo, isso
não pode ser feito de fora dos processos educativos. É fundamental que essa
reflexão seja realizada por todos aqueles que compõem a escola.
A vida social é assim o produto de uma “composição” entre cada um
e os outros, de um concerto e de uma partilha, mas produto constan-
temente ameaçado, constantemente contestado, causa e efeito de uma
“negociação” perpétua entre os atores portadores de interpretações e de
“definições de situações” divergentes (FORQUIN, 1993, p. 79).

A perspectiva de educação a partir da qual se constrói essa análise e a


proposta de revisão dos princípios que sustentam as ações educativas partem
do pressuposto de que o trabalho, compreendido como atividade humana,

–  159  –
Temas Contemporâneos da Educação

intencional e planejada, voltada para a transformação da natureza e da cultura


– e consequente produção da própria humanidade –, para a satisfação das
necessidades materiais e simbólicas, deve ser o princípio educativo, por
excelência, de todo o sistema de ensino.
Compreender o trabalho como princípio educativo significa reconhecer sua
importância no processo de constituição dos seres humanos. É imprescindível
retomar a compreensão de trabalho como dimensão de produção humana e
da própria humanidade. O reconhecimento de que o homem se faz homem
por meio do trabalho leva à compreensão da relevância do trabalho para a
organização dos processos educativos formais, informais e não formais.

Sugestão de Leitura
FORQUIN, J. C. Escola e cultura. As bases sociais e epis-
temológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artmed, 1993.

Se compreendermos que toda ação humana intencional é trabalho,


então todas as formas de relacionamento que produzem ações educativas,
sejam sistemáticas ou assistemáticas, são formas de trabalho. Nesse sentido,
conclui-se que educação, como já analisado no capítulo 1, é trabalho.
Partimos, portanto, dos conceitos já estudados para a elaboração da reflexão
acerca das proposições para a organização do ensino que tome o trabalho
como princípio educativo.
Cabe salientar a importância de conceber a educação para além dos
muros da escola, ou seja, como um conjunto de processos de relação humana
que se estabelecem em diferentes tempos e espaços de vida, na interação com
diferentes grupos sociais. Assim, entende-se que a educação se perpetua por
toda a vida dos indivíduos, possibilitando a apropriação, ressignificação e
produção de cultura aqui entendida como produção humana, que envolve
formas de pensar, agir, produzir, viver, estabelecer prioridades e atuar em
função delas, relacionar se com os demais, etc.
Mészáros (2005) ressalta as reflexões de José Martí, intelectual cubano
do século XIX e mártir da independência daquele país, sobre o objetivo da

–  160  –
O trabalho como princípio educativo

educação enquanto possibilidade de construção da liberdade por meio do


acesso à cultura. É preciso lembrar que sua reflexão trata de um período de
defesa da liberdade e busca da independência de seu país, mas a reflexão se
mantém atual, tendo em vista que tanto a conquista da liberdade quanto o
acesso à cultura social e historicamente produzida pela humanidade não se
caracterizam como realidade universal.
De fato, o papel dos educadores e sua correspondente responsabilidade
não poderiam ser maiores. Pois, como José Martí deixou claro, a busca
da cultura, no verdadeiro sentido do termo, envolve o mais alto risco,
por ser inseparável do objetivo fundamental da libertação. Ele insistia
que “ser cultos es el único modo de ser libres”. E resumia de uma bela
maneira a razão de ser da própria educação: “Educar es depositar em
cada hombre toda la obra humana que le ha antecedido; es hacer a
cada hombre resumen del mundo viviente hasta el dia em que vive.”
(MÉSZÁROS, 2005, p. 58, grifos do autor).


Na concepção de Martí (apud MÉSZÁROS, 2005), o
objetivo maior da educação é garantir que cada sujeito
tenha acesso ao que a humanidade produziu como
um direito inalienável, para que essa humanidade
possa reviver em cada homem singular. Ou seja, o
reconhecimento da máxima de que o homem se faz
homem implica, necessariamente, no reconhecimento da
importância da educação nesse processo, pois, para fazer
se humano, é imprescindível que cada sujeito se aproprie
individualmente da cultura produzida socialmente.

Vigotski (1998) explica esse processo como “internalização” ou


reconstrução intrapsíquica de relações que se estabeleceram inicialmente de
forma interpsíquica. Compreende-se, assim, que qualquer conhecimento
ou relação se produz primeiro entre pessoas (pelo menos duas) para que os
sujeitos possam internalizá-lo individualmente. Esse processo se inicia muito
antes do acesso à escola e se prolonga para além dela, mesmo que essa seja a
razão da existência da instituição escolar.

–  161  –
Temas Contemporâneos da Educação

Dessa forma, a aprendizagem é um aspecto fundamental da constituição


dos seres humanos. Para Vigotski619 , o aprendizado adequadamente
organizado gera o desenvolvimento humano em seus diferentes aspectos;
“[...] o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e
especificamente humanas” (VIGOTSKI, 1998, p. 118) e, por essa razão, se
perpetua por toda a vida do indivíduo.
A defesa dessa perspectiva deve-se à necessidade de humanização
dos processos educativos, pois, como vimos, há um intenso processo de
desumanização e coisificação das relações humanas que precisa ser revisto. Essa
situação provoca reflexos no interior das escolas, tornando possível, muitas
vezes, reconhecer atitudes que incentivam o individualismo, a competição,
o desprezo pela solidariedade, tanto nas relações entre os profissionais da
educação quanto nas relações com e entre alunos.
Para Kuenzer (1995, p. 191),
eleger o mundo do trabalho como ponto de partida para a proposta
pedagógica da escola comprometida com os interesses dos trabalhado-
res não significa propor uma formação profissional estreita e limitada,
determinada pelo mero “saber fazer” despido de compreensão, de aná-
lise, de crítica.

A autora ressalta que a compreensão abrangente de trabalho como todas


as formas de ação humana implica, necessariamente, perceber que
toda e qualquer educação é educação para o trabalho, e contém uma
dimensão intelectual, teórica, e outra instrumental, prática, na medida
em que ela interfere de algum modo nas formas de interação do homem
com a natureza, com os outros homens e consigo mesmo (KUENZER,
1995, p. 191).

3.2.2 Educação como trabalho não material


A perspectiva materialista histórica de análise da realidade explica a ação
dos seres humanos por meio do conceito de trabalho, como estudamos. Mas
6 Não nos deteremos aqui em um estudo mais aprofundado sobre a Teoria do De-
senvolvimento e Aprendizagem de Vigotski, posto que esse não é o tema deste livro, mas é
importante ressaltar interfaces relevantes entre teorias que se aproximam do ponto de vista das
concepções teórico filosóficas.

–  162  –
O trabalho como princípio educativo

há formas diferentes de trabalho e de ação sobre a natureza e a sociedade, por


isso distingue se trabalho material de trabalho não material.
A categoria trabalho material refere-se à transformação da natureza que
produz uma modificação material na realidade, com a produção de artefatos
e mercadorias que possuem existência sensível. Trata-se, por exemplo, de
processos como a transformação da madeira bruta em mesas e cadeiras; do
trabalho industrial que transforma matéria prima de natureza diversa em
plástico, tecido, ligas de metal, produtos igualmente diversos. Inclui-se nessa
classificação não só a produção industrial em larga escala, mas também a
bricolagem e o trabalho artesanal que produz diferentes objetos.
Já, a categoria trabalho, não material trata basicamente da produção
intelectual, que não transforma diretamente a realidade material, mas produz
ideias, conhecimentos, valores. Ou seja, produz modificações sociais e
individuais sobre os próprios seres humanos, sem precisar resultar em objetos
sensíveis e palpáveis – o que não significa que isso não possa acontecer.
Compreende se como não material o trabalho que produz arte, filosofia,
educação. Muitas vezes, esse trabalho exige um suporte material para que
possa existir de fato e para que possa ser comunicado, divulgado, socializado.
A separação absoluta entre trabalho material e não material, portanto,
é possível apenas para fins didáticos, pois, na prática, eles se encontram, se
relacionam e muitas vezes são, realmente, inseparáveis. A produção de um
livro, por exemplo, pode ser classificada como trabalho não material, posto
que se refere à elaboração de ideias, mas se não existir a produção material
do livro enquanto objeto, essas ideias não serão divulgadas, não chegarão aos
leitores e não haverá sentido para a sua produção.
De forma análoga, não há produção material que possa prescindir de um
trabalho não material que envolva planejamento, previsão de utilização de
recursos e de resultados esperados. Assim, percebemos que essa divisão didática
entre trabalho material e não material, embora não encontre correspondência
na realidade cotidiana, pode nos ajudar a compreender melhor o sentido e a
natureza da ação humana.
Vamos nos concentrar na análise do trabalho não material, no qual se
situa a educação. É importante distinguir duas formas de compreender e
definir a educação na perspectiva do trabalho não material: uma definida

–  163  –
Temas Contemporâneos da Educação

por Saviani (2008) e outra por Paro (2006). As explicações dos dois autores
não são necessariamente excludentes, mas diferentes em alguns aspectos, que
veremos a seguir.
Saviani (2008)720 diferencia o trabalho não material, em que o produto não
se separa do produtor e do processo de produção, daquele tipo de trabalho não
material que permite essa separação, ou seja, não exige um consumo imediato.
No primeiro caso estão as peças teatrais, os concertos orquestrados ao
vivo, os shows de diferentes tipos, as aulas. Na educação, o produto não se
separa do produtor e do processo de produção porque ela exige a presença de
professor e aluno no mesmo espaço e ao mesmo tempo, para que a interação
e a aprendizagem possam se realizar. Ao mesmo tempo em que a aula é
produzida é, também, consumida. Obviamente, o autor trata do ensino
presencial e não do ensino a distância.
No segundo caso, encontramos os livros que podem ser lidos muitos
anos depois de escritos e até mesmo depois da morte de seus autores, as obras
de arte como pinturas e esculturas, as músicas, os filmes, etc.
Paro (2006) apresenta algumas reflexões com o objetivo de problematizar
as definições de Saviani (2008), defendendo que a educação pode se separar
do produtor e do processo de produção, na medida em que se prolonga para
além do momento da aula, nas reflexões e ações de alunos e professores,
provocadas durante a aula. Assim, Paro (2006) retoma a discussão sobre o
objetivo do trabalho educativo, na perspectiva de defender a transformação
do estudante para além dos muros da escola. O autor salienta, ainda, que
o aluno, nesse processo, assume um papel triplo: (co) produtor da aula,
consumidor e objeto do trabalho do professor.
As diferenças entre as explicações apresentadas pelos autores não as tornam
divergentes, ao contrário, ambas as teorizações corroboram a compreensão
da educação como trabalho não material. A partir da compreensão dessa
condição de trabalho não material, ambos os autores defendem a ideia de que
“a especificidade da atividade educativa escolar impede que aí se generalize
7 Essa reflexão pode ser encontrada no texto clássico produzido pelo autor, intitulado:
“Sobre a natureza e a especificidade da educação”, publicado no livro Pedagogia histórico crí-
tica: primeiras aproximações (SAVIANI, 2008).

–  164  –
O trabalho como princípio educativo

o modo de produção capitalista. [...] no trabalho não material o capitalismo


não pode aplicar se a não ser de forma restrita” (PARO, 2006, p. 140).
As restrições apontadas referem-se a, pelo menos, três dimensões
importantes, relacionadas à impossibilidade de expropriar plenamente o
produtor do conhecimento sobre o processo de trabalho, reduzir o aluno a
mero consumidor e a aula, ou o aprendizado, a simples mercadoria.
O produtor não pode ser expropriado plenamente do conhecimento
sobre o processo de trabalho sob pena de torná lo inviável, tendo em vista
que o conhecimento é o próprio objeto sobre o qual professores e alunos se
debruçam. O aluno, como já indicado, não estabelece um papel passivo no
processo educativo, ao contrário, participa ativamente e sua aprendizagem
depende diretamente da sua ação sobre o conhecimento.
Por último, mas não menos importante, a aula não pode ser confundida
com uma mercadoria comum, mesmo em situações em que há pagamento
de mensalidades em instituições privadas de ensino, já que a presença na
aula não garante a aprendizagem do aluno, que é o verdadeiro produto da
educação. Dessa forma, o aluno educado (e não a aula em si) consiste no
resultado almejado pelo trabalho escolar.

3.2.3 O princípio educativo da escola unitária


A necessidade de uma proposta educativa que apresente ideias para
construir relações de novo tipo é fundamental para rever o modelo de
sociedade no qual estamos imersos. A convivência com situações de
violência, de desrespeito pela vida, caos e relativização de todos os conceitos,
muitas vezes, nos habitua à desumanidade e nos impede de ter reações
de indignação.
Portanto, cabe tomar emprestada da pesquisa de tipo etnográfico, de
cunho antropológico, a premissa de estranhar o familiar e familiarizar-se ao
estranho para analisar a realidade de maneira objetiva, a fim de constatar
as possibilidades de intervenção e transformação dessas relações. Uma das
atitudes necessárias é resgatar a capacidade de indignação frente às situações
que se tornaram cotidianas, mas que demonstram comportamentos de
abandono da civilidade e negação da cidadania.

–  165  –
Temas Contemporâneos da Educação

Na intenção de defender a ação educativa contra a barbárie e os


fatalismos, Paulo Freire (2000) apresenta reflexões sobre a necessidade de
reconhecer que existem fatores condicionantes da realidade, mas que não
podem ser tomados como determinantes a priori de todas as dimensões da
vida humana. Isso implica, ainda, e sobretudo, reconhecer a possibilidade
de transformação social, não como devaneio e sim como resultado da ação
histórica dos homens e mulheres sobre a realidade.
Freire conecta a ideia de uma educação emancipadora à necessidade de
construção de um mundo menos injusto, pautado em relações de respeito à
dignidade do outro. A justiça, assim como a igualdade, é um conceito que
exige maior aprofundamento, posto que necessita de uma “adjetivação”, ou
seja, exige que se determine justiça ou igualdade em relação a quê.
Para Amartya Sen (2001), todas as teorias normativas acerca do
ordenamento social apresentam a defesa da igualdade em algum aspecto,
campo ou espaço, ainda que divirjam em relação ao conteúdo dessa
igualdade. Dessa forma, diferentes teorias defendem a igualdade no espaço
que consideram possuir um papel central para o ordenamento social. Assim,
a igualdade passa a ser definida “como igualdade num espaço em particular”
(SEN, 2001, p. 45, grifos do autor), em um aspecto específico.
O autor defende que é necessário sempre qualificar o termo igualdade,
a fim de explicitar de que igualdade se trata. Da mesma forma, podemos
ampliar essa reflexão para a defesa da ideia de justiça. Para Sen (2001, p.
52), “a questão importante na presente discussão é a natureza da estratégia
para justificar a desigualdade por meio da igualdade”, ou seja, em nome da
igualdade em determinado aspecto, o discurso social justifica a desigualdade
em outro.
Por exemplo, em nome da igualdade de reconhecimento dos méritos
individuais, justifica-se a desigualdade de rendimentos; ou então, em nome da
igualdade de liberdade no mercado, justifica-se a desigualdade de condições
de vida. Desse modo, muitos discursos de justificativa da desigualdade se
constroem pelo argumento de igualdade em algum aspecto da vida, tendo
em vista que a diversidade humana cria espaços de diversificação frente às
situações de vida, necessidades de sobrevivência, características individuais,
capacidades, potenciais, etc.

–  166  –
O trabalho como princípio educativo

Não é possível analisar as questões relacionadas à igualdade e à


justiça independentemente da compreensão acerca dos condicionantes e
determinantes sociais. Em relação ao tema, Freire apresenta uma importante
reflexão sobre a diferença entre reconhecer que os seres humanos são
condicionados e determinados pela estrutura econômico social.
É o que nos faz recusar qualquer posição fatalista que empresta a este
ou àquele fator condicionante um poder determinante, diante do qual
nada se pode fazer. Por grande que seja a força condicionante da econo-
mia sobre o nosso comportamento individual e social, não posso aceitar
a minha total passividade perante ela. [...] É neste sentido que, reconhe-
cendo embora a indiscutível importância da forma como a sociedade
organiza sua produção para entender como estamos sendo, não me é
possível, pelo menos a mim, desconhecer ou minimizar a capacidade
reflexiva, decisória, do ser humano. O fato mesmo de se ter ele tornado
apto a reconhecer quão condicionado ou influenciado é pelas estruturas
econômicas o fez também capaz de intervir na realidade condicionante
(FREIRE, 2000, p. 55 56).

Essa reflexão é importante na medida em que restabelece a dimensão


histórica da ação dos indivíduos sobre a realidade, considerando como de “mão
dupla” a relação entre o homem e suas circunstâncias821 . O reconhecimento
da dimensão estrutural da sociedade, das relações de trabalho que criam as
condições de existência da humanidade, é fundamental para construir uma
visão que se aproxime da realidade concreta. Porém, é preciso cuidar para não
mergulhar em um fatalismo determinista ou estruturalismo, que impeça de
reconhecer a dimensão da autonomia dos indivíduos, pois é justamente na
autonomia que se encontra a possibilidade de transformação, de transgressão
e de construção de novos paradigmas.

Por isso, a discussão sobre a formação humana, para


Grasmci (2000), não pode prescindir do debate acerca da
autodisciplina intelectual e autonomia moral dos indivíduos,
com vistas à formação integrada das dimensões técnicas
e políticas. Na perspectiva gramsciana, todo homem é

21 Questão enunciada por Marx no texto intitulado “Teses sobre Feuerbach” (MARX;
ENGELS, 1998).

–  167  –
Temas Contemporâneos da Educação

concebido como intelectual, ainda que não execute funções


intelectuais frente à divisão social do trabalho, e possui o
dever e o direito de ser formado para ter condições técnicas
e políticas de assumir papéis dirigentes na sociedade.
Assim, coloca se em xeque a dualidade estrutural que permeia
a organização escolar, estabelecendo cursos diferenciados
para os indivíduos que assumirão posições de comando e
para os que assumirão posições consideradas produtivas.
A partir da defesa de uma educação ampla para todos os
sujeitos, Gramsci (2000) apresenta o ideal da escola unitária.

A escola unitária constrói se sobre o princípio de unitariedade da


própria sociedade. Pretende-se a superação das dualidades, bem como das
desigualdades e injustiças criadas pelo modelo de produção que distingue,
separa e hierarquiza as formas de trabalho intelectual e industrial. Considera-se
que a plenitude de uma escola unitária é possível apenas em uma sociedade
também unitária, em que não sobreviva a ideia de dominação e de expropriação
do homem por outros homens. Gramsci explica que
O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre
trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em
toda a vida social. O princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos
os organismos de cultura, transformando os e emprestando lhes um
novo conteúdo (GRAMSCI, 2000, p. 40).

A proposta de escola unitária se refere à reorganização da educação básica


como um todo, sobretudo nos níveis fundamental e médio. Para Gramsci, a
escola precisa ser mais coercitiva no início do processo de escolarização, a
fim de que os alunos possam internalizar a disciplina necessária aos estudos,
contemplando, além dos conhecimentos sobre leitura, escrita e rudimentos
das ciências, conteúdos relacionados aos direitos e deveres fundamentais para
a organização de uma sociedade de novo tipo.
Desde as atividades destinadas à educação infantil, a escola precisaria
organizar tempos e espaços para a aprendizagem coletiva e para uma disciplina
igualmente coletiva. Ao longo do processo de escolarização, o trabalho

–  168  –
O trabalho como princípio educativo

pedagógico deve tornar se menos coercitivo e mais voltado para a construção


da autonomia dos estudantes.
No último nível, que corresponderia ao ensino médio, a escola deve
se constituir como uma escola criativa, o que significa enfatizar os valores
fundamentais do humanismo, a disciplina intelectual e a autonomia moral
voltados para a aprendizagem dinâmica das ciências, seus princípios e métodos
de produção do conhecimento sobre a realidade. A escola criativa não
significa a utilização de métodos considerados construtivistas, significa uma
abordagem baseada na investigação que possibilite a criação ou criatividade a
partir de uma sólida base de conhecimentos científicos.
A escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo,
“humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional),
ou de cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir os jovens na ati-
vidade social, depois de tê los elevado a um certo grau de maturidade e
capacidade para a criação intelectual e prática e a uma certa autonomia
na orientação e na iniciativa (GRAMSCI, 2000, p. 36).

A instituição escolar, nessa concepção, constitui se como desinteressada


e de cultura geral. Esses conceitos são fundamentais na medida em que
Gramsci defende a não profissionalização precoce dos jovens, bem como
certo distanciamento dos interesses específicos do mercado. A escola
deve ser articulada ao mundo do trabalho, mas não deve submeter-se às
exigências transitórias do processo produtivo, o que explica a utilização do
termo “desinteressada”. Assim, a especialização técnica para o trabalho seria
realizada em momentos posteriores, garantindo a escola de caráter unitário e
de formação geral para toda a população.
Esse modelo de escola propõe a articulação entre a formação técnica e a
formação política de todos os sujeitos, a fim de torná-los potencialmente dirigentes.
Essa perspectiva pode ser traduzida pelo conceito de educação politécnica, que
se contrapõe à formação polivalente e defende um projeto pedagógico baseado
nas descobertas científicas e tecnológicas em uma perspectiva omnilateral.
Isso implica reconhecer o caráter histórico e provisório do conhecimento;
não sacralizar a ciência em detrimento das demais áreas de estudo; consi-
derar as exigências e necessidades da vida humana em todas as suas dimensões.
Uma educação politécnica que levasse em conta as dimensões aqui dis-
cutidas e que tomasse como sua moldura teórica e prática a perspectiva

–  169  –
Temas Contemporâneos da Educação

da omnilateralidade (a dialética entre trabalho e não trabalho; o cultivo


dos cinco sentidos e da sensibilidade humana; a formação do eu social-
mente competente; a integração entre educação geral e educação pro-
fissional; a escola unitária e sua combinação com experiências práticas
de trabalho concreto; o estímulo da iniciativa dos alunos por meio de
projetos e de experimentos conduzidos por eles mesmos etc.) desem-
bocaria naturalmente num duplo engajamento: em prol do desenvol-
vimento das capacidades humanas e em prol das transformações sociais
necessárias (MARKERT, 1996, p. 32, grifos do autor).

Markert (1996) nos ajuda a compreender como é possível detalhar o


conceito de omnilateralidade e perceber os impactos de uma educação politécnica
em duplo sentido, tanto individual como social. Assim, uma educação de novo
tipo não estaria voltada apenas à formação dos sujeitos de maneira atomizada,
independente dos demais e da sociedade em que estivesse inserida, tampouco
trataria das estruturas sociais aniquilando a dimensão individual. É justamente
na compreensão da necessária articulação entre o uno e o múltiplo, entre o
indivíduo e a sociedade, em suas dimensões subjetivas e objetivas, que se constrói
a possibilidade de uma educação verdadeiramente transformadora.
Para que a transformação social seja possível, com vistas à superação do
atual padrão de produção excludente e opressivo, é fundamental que exista uma
superação do ordenamento social em seus múltiplos aspectos. A transformação
a que nos referimos exige mudanças profundas em relação à sociedade, à
economia, à cultura, às relações humanas em sua totalidade. Tais mudanças
não se estabelecem “de cima para baixo”, ou seja, qualquer processo de
transformação não pode prescindir das pessoas que agem, pensam, produzem,
sentem, relacionam se entre si e constroem cotidianamente a vida em sociedade.

Dica de Filme
O filme A história de Ron Clark – o triunfo relata a história
de um professor que procura enfrentar novos desafios, com
o objetivo de elevar a aprendizagem dos alunos, sobretudo
aqueles estigmatizados pela sociedade. O professor demonstra
grande sensibilidade ao estabelecer relação com os alunos
e consegue resultados amplamente reconhecidos. É uma
história envolvente, que provoca e incentiva a reflexão sobre
a organização do trabalho escolar em múltiplas dimensões.

–  170  –
O trabalho como princípio educativo

A HISTÓRIA de Ron Clark – o triunfo. Direção de Randa


Haines. Estados Unidos; Canadá: California Home Video,
2006. 1 filme (95 min).

Portanto, quando se pensa em uma proposta destinada à transformação


da escola, a fim de construir um “novo tipo” de instituição a partir de novas
bases, é preciso pensar em educação para quê e para quem – ou seja, no
aluno. Desse ponto de vista, é possível associar a proposta de escola unitária à
concepção de escola defendida por Snyders (1988), em relação à necessidade de
garantir a satisfação cultural dos alunos. Por satisfação cultural, compreende-se
a alegria possibilitada pelo acesso à cultura, pela desmistificação da realidade,
pela compreensão do mundo a partir da multiplicidade de elementos
historicamente elaborados pela humanidade.
Assim como Gramsci, Snyders (1993) defende que a escola deve ser
inicialmente mais dogmática, baseada em obrigações e na disciplina, para
tornar-se cada vez mais aberta, mas sempre enfatizando o método investigativo
e o desenvolvimento do espírito crítico – levando os alunos a tornarem-se
independentes. A questão central para a conquista da satisfação cultural está
no acesso aos saberes mais elaborados de cada área do conhecimento, que
possibilitem o desvelamento da realidade.

Snyders (1993) chama esse tipo de conhecimento de “obra
prima”. Para ele, é importante que o aluno seja colocado em
situações que o possibilitem romper com os conhecimentos
fragmentados que possui e que o conduzam a experiências
de satisfação ao se apropriar de saberes mais complexos,
permitindo o seu contato com a cultura mais elaborada.
A singularidade da “minha” escola é transformar os
conteúdos escolares a ponto de colocar em primeiro plano
a obra prima e a alegria que o aluno pode extrair da obra

–  171  –
Temas Contemporâneos da Educação

prima; uma escola que ambiciona confrontar o aluno com as


conquistas humanas essenciais, na esperança de que ele alcance
assim as alegrias essenciais (SNYDERS, 1993, p. 111).

A escola, na sua concepção, precisa aprender a encantar o aluno e
surpreendê-lo, precisa buscar a beleza e a admiração pelo conhecimento,
precisa instigar os alunos para que participem do mundo à sua volta. Nesse
sentido, supera-se a ideia de que é necessário estudar para o futuro, de que
não há vida na escola e de que as instituições escolares possuem uma função
de simples preparação para a vida. Snyders (1993) defende que a escola é
tempo e espaço de vida, aprendizagem e alegria cultural.
Isso não minimiza a dificuldade do estudo, o peso das obrigações estudantis
e o sofrimento muitas vezes causado pelo esforço. Ao contrário, a satisfação só
é possível com trabalho árduo e o esforço é valorizado e compensado pelas
satisfações que apenas a compreensão de determinadas teorias, conceitos, leis,
poesias, períodos históricos, entre outros, poderiam apresentar. O encontro do
aluno com a obra prima é acompanhado da certeza de que, espontaneamente,
ele não atingiria tal nível de reflexão e apropriação desse saber.
“Desenvolver o espírito crítico é uma das tarefas essenciais da escola”
(SNYDERS, 1988, p. 235), que está intimamente relacionada à possibilidade
de estabelecer interpretações e análises para além dos textos e conteúdos
estudados. A satisfação cultural criadora permite a originalidade, possibilita a
internalização dos saberes e sua reelaboração, incorporando novas perspectivas
à compreensão do mundo, à vida.

Dica de Filme
O filme Entre os muros da escola apresenta situações cotidianas das
relações entre jovens alunos e professores. O filme foi produzido
garantindo espaço para o improviso, o que lhe confere grande grau
de realismo. A trama não pretende apresentar heróis ou experiên-
cias fantásticas de superação das adversidades, mas centra se na
exploração de dilemas atuais e reais sobre o trabalho escolar. É um
filme que privilegia os diálogos e a reflexão.

–  172  –
O trabalho como princípio educativo

ENTRE OS MUROS da escola. Direção de Laurent Cantet.


França: Sony Pictures Classics; Imovision, 2007. 1 filme (128 min).

A escola é necessária porque a aprendizagem do conhecimento elaborado,


nos leva à emancipação, não se dá ao acaso. A escola é o local onde se apresenta
aos jovens, a todos os jovens, um tipo de poesia diferente da que eles estão
acostumados em seu cotidiano: modos de raciocínio rigoroso que eles não
tinham atingido até então. Isso só é possível por meio do reconhecimento,
intervenção e confronto com o outro: outros pensamentos, teorias, atitudes.
Por isso é tão necessária a orientação e a intervenção do professor nesse
processo, para que os alunos e alunas atinjam os níveis mais elevados do
conhecimento e, dessa forma, possam prescindir de seus mestres, construindo
graus cada vez mais elevados de autonomia intelectual e moral. O objetivo de
todo processo educativo que se pretenda emancipador, será sempre conduzir
os estudantes à autonomia que possibilite sua intervenção crítica, criativa e
consciente sobre a realidade.

Sugestão de Leitura
SNYDERS, G. Alunos felizes. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

Da teoria para a prática


Solicite autorização de uma escola de educação básica para
conhecer e acompanhar algumas das atividades realizadas com
os estudantes. Lembre se de sempre pedir para entrar nos espa-
ços e agradecer a possibilidade de conhecer a escola em funcio-
namento. Na condição de observador, cuide para não intervir
negativamente na dinâmica de organização da instituição e para
manter uma postura respeitosa diante de toda comunidade esco-
lar. Procure conhecer experiências que possibilitem o acesso ao

–  173  –
Temas Contemporâneos da Educação

conhecimento elaborado, de forma a promover a satisfação cul-


tural e oferecer o contato com as “obras primas” da produção
humana. Escolha e relate uma das experiências observadas e
relacione com o referencial teórico estudado neste capítulo. Se
tiver a oportunidade, socialize as experiências entre colegas e
professores, a fim de divulgar o trabalho responsável realizado
pelas escolas.

Síntese
Neste capítulo, apresentamos a concepção de escola unitária como
perspectiva de superação dos limites do modo de produção capitalista
estudados nos capítulos anteriores. A partir da compreensão do trabalho
como princípio educativo, são estabelecidas possibilidades de organização
das instituições escolares para a promoção de uma educação omnilateral,
politécnica e emancipadora, que considere os alunos como sujeitos históricos.

Glossário
ÙÙ Cartesiano: O termo cartesiano é uma referência ao cientista e
filósofo francês René Descartes (1596–1650) e pode ser utilizado
em diferentes sentidos. O uso mais habitual é feito na matemática
e na geografia em relação ao “plano cartesiano”, sistema de
coordenadas organizado sobre um plano, formando a imagem de
um papel quadriculado. Outra forma de utilizar o termo pode ser
uma referência ao método científico enunciado por Descartes, por
meio do qual se pretende conhecer determinada realidade a partir
da sua subdivisão na menor partícula possível, a fim de proceder
à análise das partes e posteriormente reagrupá-las. Essa ideia está
baseada sobre o fundamento de construção do conhecimento a
partir das questões menos complexas para as mais complexas.

–  174  –
3.3
Cidadania, direitos
humanos e o direito
à educação

O direito à educação está intrinsecamente ligado à mate-


rialização dos direitos de cidadania próprios do Estado moderno
e encontra na legislação um poderoso instrumento para sua con-
solidação. Cabe lembrar que a aprovação do texto legal é elemento
importante, mas não suficiente para a realização do direito. Assim,
além da legislação, é fundamental a ação da população com vistas à
efetivação dos dispositivos legais.
No caso brasileiro, o direito à educação está disposto na
Constituição Federal de 1988 e em suas emendas. Contudo, não é
possível imaginar que exista uma relação direta e linear entre a lei e
a realidade. Portanto, a reflexão sobre a educação como um direito
social exige, necessariamente, o estudo de sua origem histórica, da
legislação atual, dos princípios que a caracterizam enquanto tal e
dos aspectos da realidade que a tornam mais ou menos efetiva.
Temas Contemporâneos da Educação

3.3.1 Concepção de cidadania: elementos


para uma retrospectiva histórica
O termo cidadania foi construído ao longo da história da humanidade,
sua origem remonta à civilização grega e seu significado assumiu distintos
sentidos em diferentes tempos e sociedades. Como já vimos no capítulo
1 deste livro, na Antiguidade Grega era considerado cidadão o homem,
adulto, livre e proprietário, que tinha o direito de participar da vida política
da polis. Assim, o nascimento da ideia de cidadania é acompanhado da
criação do espaço público na perspectiva de existência de uma esfera de vida
comum aos cidadãos.
Cury (2007, p. 37) ressalta que a polis se caracterizava “como a
comunidade de pessoas, livres e iguais, politicamente organizadas, capazes
de decidir na agora922 os destinos da comunidade.” Dessa forma, pode
se compreender que o cidadão é o indivíduo que possui o direito de
exercer a cidadania e, portanto, participar das decisões políticas tomadas
coletivamente e em nome de toda a comunidade. Cabe lembrar que essa
classificação excluía as mulheres, crianças, escravos e estrangeiros, tornando
a cidadania um direito de poucos. Para Bendix (1996, p. 110), “à parte
algumas exceções notáveis, a cidadania a princípio exclui todas as pessoas
social e economicamente dependentes”.
O espaço público, da polis, se contrapõe ao espaço privado, da família,
e se materializa como espaço de liberdade, contrapondo-se à dimensão de
necessidade que caracteriza a ação familiar, como explica Arendt (2007), já
citada no capítulo 1. A liberdade, naquele momento histórico, se definia pela
possibilidade de participação nos processos decisórios que envolviam a vida
política da comunidade.
Vale lembrar que essa concepção de liberdade é muito distinta do conceito
atualmente disseminado, pois hoje a ideia de liberdade está intimamente
relacionada aos direitos individuais de ir e vir, manifestação de opiniões,
credo religioso, propriedade. É possível verificar, assim, uma transposição do
conceito de liberdade da esfera pública para a esfera privada.
22 A agora era um espaço para o encontro dos cidadãos, onde eram tomadas as decisões
relacionadas à vida pública. Também pode ser entendida como um espaço propício para a
circulação de pessoas e mercadorias, como uma praça.

–  176  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

A polis diferenciava se da família pelo fato de somente conhecer «iguais»,


ao passo que a família era o centro da mais severa desigualdade. Ser livre
significava ao mesmo tempo não estar sujeito às necessidades da vida
nem ao comando de outro e também não comandar. Não significava
domínio, como também não significava submissão. Assim, dentro da
esfera da família, a liberdade não existia, pois o chefe da família, seu
dominante, só era considerado livre na medida em que tinha a facul-
dade de deixar o lar e ingressar na esfera política, onde todos eram
iguais (ARENDT, 2007, p. 41 42).

Além de se situar unicamente na esfera pública, a liberdade estava


associada também à definição de igualdade, pois dependia da compreensão de
cada cidadão como um indivíduo com igual poder de intervenção e decisão
em relação aos demais. A liberdade, nessa perspectiva, é, em certa medida,
condicionada pela esfera pública e pela relação estabelecida com os outros
homens considerados igualmente livres.
O Império Romano contribuiu para a disseminação desses princípios, mas
o fez de forma a estabelecer uma distinção entre cidadania e liberdade. Em casos
de crime e condenação, o indivíduo poderia perder o direito à cidadania, à
participação nas decisões políticas, sem perder o direito à liberdade. O direito à
liberdade também poderia ser reduzido, chegando, no limite, à determinação de
redução do cidadão a escravo 23 . Dessa forma, cidadania e liberdade tornaram- se
objeto de concessão ou cassação, dependendo da situação.
O período medieval, que se construiu a partir da queda do Império
Romano1124 , caracterizou-se pela supressão da esfera pública e concentração
de todas as questões concernentes à vida no espaço privado da família. As
famílias, regidas pelos senhores feudais, passaram a ter grande poder sobre
as decisões que impactavam a vida da população, sem que os indivíduos
pudessem expressar seus interesses e opiniões.
A transferência de todas as atividades humanas para a esfera privada
e o ajustamento de todas as relações humanas segundo o molde
familiar teve profundas repercussões [...]. O conceito medieval de
«bem comum», longe de indicar a existência de uma esfera política,
reconhecia apenas que os indivíduos privados têm interesses materiais
e espirituais em comum, e só podem conservar sua privatividade e

23 Para conhecer mais sobre esse processo, ver Cury (2007) e Bovero (2002).
24 Ver análises construídas no capítulo 1 desta obra.

–  177  –
Temas Contemporâneos da Educação

cuidar de seus pró­prios negócios quando um deles se encarrega de zelar


por esses interesses comuns. O que distingue da realidade moderna
esta atitude essencialmente cristã em relação à política não é tanto o
reconhecimento de um «bem comum» quanto a exclusividade da esfera
privada e a ausência daquela esfera curiosamente híbrida que chamamos
de «sociedade», na qual os interesses privados assumem importância
pública (ARENDT, 2007, p. 44 45).

Assim, é possível afirmar que, na Idade Média, os servos são


condicionados, desde a infância, à ideia de serem comandados à imagem
da hierarquia e ao aspecto da obediência. É importante lembrar que todo
o direito medieval está baseado na hereditariedade. Nos países onde reina a
desigualdade permanente de condições e oportunidades, os senhores obtêm
de seus serviçais uma obediência pronta, completa, respeitosa e fácil. Os
trabalhadores ocupam uma posição subordinada, da qual eles não podem sair.

O processo de modernização da sociedade tem início justamente
com o fim da era medieval, a disseminação dos ideais iluministas,
a constituição do Estado nação e fortalecimento de sua soberania,
a retomada da importância da esfera pública, o estabelecimento
de direitos e deveres concernentes a todas as pessoas adultas
consideradas cidadãs. Ao mesmo tempo, a consolidação do
modo de produção capitalista, a urbanização e a industrialização
também foram determinantes para a modernização, além da
substituição do direito hereditário pelo contrato social.
A grande novidade trazida pela modernidade será o
reconhecimento do ser humano como portador de determinados
direitos inalienáveis: os direitos do homem. [...] A modernidade
acaba por se marcar pela ideia de direitos universais do
homem e cuja essência igualitária na vida e na liberdade deve
ser reconhecida pelo direito positivo (CURY, 2007, p. 41).

Assim, considera se que os direitos do homem, estabelecidos


inicialmente e defendidos pela Declaração de 1789, no coração da Revolução

–  178  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

Francesa, antecedem e anunciam os direitos de cidadania. Considerá-los


como inalienáveis indica a aceitação da igualdade irrestrita entre os seres
humanos, superando a visão de mundo sectária do período medieval. Essa
nova concepção proclama a construção de um mundo mais cosmopolita, no
sentido da integração e inclusão dos diferentes.
No entanto, esse processo de transformação social não se dá de maneira
uniforme e, tampouco, concomitante em todos os países. Com a intenção
de conhecer as diferenças entre os processos de modernização da sociedade
europeia e norte americana, Alexis de Tocqueville (1840) percebe que
nas sociedades aristocráticas, identificadas como as europeias, os homens
se comunicam muito pouco com os demais, o que fortalece as relações
hierárquicas. Já nas sociedades democráticas, como a norte americana,
essa situação se modifica, pois, embora continuem existindo privilégios, a
possibilidade de conquistá-los e a mobilidade entre os grupos sociais criam
uma proximidade entre os indivíduos que compõem a sociedade.
Essa possibilidade de mobilidade social e de conquistar privilégios pode
ser compreendida como consequência da consolidação e ampliação dos
direitos e deveres a todos os cidadãos, que passam a estabelecer uma relação
mais direta com o Estado e se tornam legalmente iguais perante o soberano. A
análise da transformação da sociedade medieval e sua estrutura política rumo
à sociedade com a estrutura política moderna indica a existência de
[...] tendências simultâneas à igualdade e a uma autoridade
governamental de âmbito nacional. A constituição de um Estado nação
moderno é tipicamente a origem dos direitos de cidadania, e esses
direitos são um símbolo da igualdade de âmbito nacional (BENDIX,
1996, p. 135).

Portanto, não é possível analisar a construção da cidadania isolada do


princípio de igualdade, visto que, na sua origem, os direitos de cidadania são
estabelecidos a partir da definição de direitos iguais perante a lei. É importante
salientar a diferença entre igualdade formal, definida pela legislação, e
igualdade real, construída nas relações sociais, pois não há uma transposição
direta e linear dos dispositivos legais para a realidade.
Outra contradição presente nesse processo é a concomitância entre
igualdade legal e desigualdade social e econômica. O dilema entre essas duas
dimensões acompanhou os debates e o processo de constituição das nações

–  179  –
Temas Contemporâneos da Educação

durante todo o século XIX. Verifica se que “a igualdade formal perante a lei
beneficia a princípio apenas aqueles cuja independência social e econômica os
habilita a tirar proveito de seus direitos legais [...]” (BENDIX, 1996, p. 135),
deixando a classe trabalhadora em situação de maior precariedade de vida do
que os servos medievais. A igualdade legalmente estabelecida pelos princípios
de cidadania se desenvolve ao mesmo tempo em que as desigualdades de
classe se fortalecem.
No processo de formação de cada Estado nação é possível identificar
movimentos dos diferentes grupos e classes sociais no sentido de reivindicar,
pressionar, negociar com os demais a extensão dos direitos para além das
classes privilegiadas. Nessa dinâmica, percebe-se a importância do direito de
associação (sindical, por exemplo) e de educação formal como fundamentais
para a entrada da classe trabalhadora na política nacional. Trataremos da
questão da educação mais à frente, mas é importante ressaltar que
Esses direitos são também um produto dos processos sociais levados
adiante pelos segmentos da classe trabalhadora, que viram nele um
meio de participação na vida econômica, social e política. Algumas ten-
dências afirmam a educação como um momento de reforma social em
cujo horizonte estaria a sociedade socialista. Para outras tendências, a
educação, própria da classe operária e conduzida por ela, indicava uma
contestação da sociedade capitalista e antecipação da nova sociedade.

A história da classe trabalhadora, contada por vários historiadores como


E. P. Thompson ou Eric Hobsbawn, aponta que a educação se apresentava
como uma bandeira de luta de vários partidos, movimentos radicais populares
e de vários programas políticos de governo (CURY, 2002, p. 253).
Para compreender o avanço possibilitado pelos direitos de cidadania, é
preciso reconhecer os movimentos criados pela ampliação dos direitos civis,
políticos e sociais, como distinções dos direitos de cidadania. Entre os direi-
tos civis, Marshall (1967) destaca a liberdade pessoal, de fala, pensamento e
crenças, o direito à propriedade e à justiça. Entre os direitos políticos, o autor
enuncia o voto e o emprego em serviço público; e entre os direitos sociais
estão o bem estar, a segurança, o direito a uma vida civilizada e o acesso à
herança social.
Marshall (1967) procura identificar a evolução histórica dessas três
dimensões da cidadania, concluindo que o século XVIII propiciou o

–  180  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

desenvolvimento dos direitos civis; o século XIX foi palco do estabelecimento


de direitos políticos; e o século XX possibilitou a extensão da cidadania para
a dimensão social. Ainda que a tipologia criada por Marshall date de meados
do século XX, continua atual e quase unanimemente aceita entre os teóricos
da área. Uma das críticas a essa teorização reside na característica evolutiva
do pensamento apresentado, que indica a existência de etapas sequenciais na
consolidação de cada uma dessas três dimensões.
Nessa perspectiva, a radicalização da cidadania implica necessariamente
na garantia e universalização dos direitos humanos, ou seja, na compreensão
de cada ser humano em particular como um sujeito de direitos que não
podem lhe ser subtraídos. O consenso construído em torno da defesa dos
direitos humanos ultrapassa os limites e as fronteiras de cada Estado nação,
assumindo uma feição universal e generalizada.

Sugestão de Leitura
BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

Assim, os direitos humanos se constituem como um horizonte a ser


alcançado na construção da convivência humana. Para Cury (2007, p. 43), “esse
conceito continua sendo o patamar mais fundo pelo qual se combatem todas as
formas e modalidades de discriminação, inclusive de pertença étnica e, por ele,
pode se, então, assegurar o direito à diferença”. Desse ponto de vista, a garantia
universal dos direitos do homem poderia se manifestar como uma possibilidade
de superação das desigualdades, com vistas ao respeito às diferenças.
O autor indica, ainda, que compreende os direitos humanos como
direitos universais e os direitos de cidadania como particulares, pois esses
são vinculados ao Estado nação de origem de cada indivíduo. Se cada Estado
nação possui uma trajetória de desenvolvimento econômico, cultural, político
e social que lhe é peculiar, possuirá também uma história própria no processo
de definição dos direitos de cidadania.
Porém, não é possível pensar a cidadania apenas como condição legal,
como o conjunto de leis de determinado país que dispõe sobre os direitos

–  181  –
Temas Contemporâneos da Educação

dos cidadãos, pois à legislação devem corresponder ações efetivas para a


garantia de realização desses direitos na prática cotidiana dos indivíduos. É
essa materialização dos direitos em políticas que se realizam e atendem às
demandas da população que confere concretude e realidade à cidadania.
Cabe lembrar que a própria legislação reflete o avanço e o amadurecimento
político da sociedade, ao mesmo tempo em que abre caminhos para novos
avanços, em um movimento contínuo de transposição de barreiras, avanços,
retrocessos e disputas entre grupos sociais com interesses antagônicos. O
processo de tramitação da legislação também encerra grandes disputas e
dissensos, o que exige a construção de consensos possíveis para sua aprovação.
Outra forma de compreender a cidadania, além de sua definição como
condição legal, é tomá la como atividade desejável, como um exercício ético,
fundamentado em valores emancipatórios. Gentili (2000, p. 147) defende
essa compreensão assinalando a importância de entender que “a cidadania se
constrói socialmente como um espaço de valores, de ações e de instituições
comuns que integram os indivíduos, permitindo seu mútuo reconhecimento
como membros de uma comunidade”.
Cabe ressaltar que a definição legal é imprescindível para a garantia dos
direitos de cidadania em suas diferentes dimensões, mas não é suficiente.
Como ensina Oliveira (2001), já possuímos uma legislação que defende os
direitos civis, políticos e sociais, então precisamos de pessoas que lutem para
a efetivação desses direitos, ou seja, para transformar a lei em ação prática.

3.3.2 Educação como direito de cidadania


A educação pode ser compreendida como um dos direitos sociais
fundamentais para a conquista da cidadania, por vários motivos, mas talvez
o mais importante seja a constatação de que o acesso à educação é, muitas
vezes, condição para o acesso a outros direitos sociais, civis e políticos. Essa
relevância da escolaridade se manifesta nas possibilidades de compreensão e
atuação sobre a realidade a partir das oportunidades construídas por meio do
acesso à leitura e à escrita, aos rudimentos das ciências sociais e naturais, às
diferentes linguagens, a visões abrangentes do mundo que nos cerca.
Historicamente, nas sociedades ocidentais, ao mesmo tempo em
que a escolarização se configura como direito se estabelece também como

–  182  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

dever. Assim, podemos afirmar que o direito à educação não pode ser
isolado do dever de frequentar a escola. Isso nos leva a compreender,
por um lado, o papel do Poder Público na oferta de escolarização para a
população1225 e, por outro, o papel das famílias na garantia de frequência e
permanência das crianças e adolescentes em idade escolar em instituições
de educação e ensino.
A Constituição Imperial brasileira, aprovada em 1824, foi uma das
primeiras no mundo a estabelecer o direito à educação para toda a população1326,
determinando em seu Art. 179 (BRASIL, 1824):
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira
seguinte.
[...] ddddd
XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.

É preciso distinguir o texto legal da realização do direito à instrução


primária, pois, apesar de instituir a sua gratuidade, não houve uma política
que tornasse o dispositivo legal verdadeiramente efetivo. A educação inicial
da população ficava a cargo das províncias, que possuíam poucos recursos e
interesses para investir em escolarização.
Ainda que as constituições seguintes tenham apresentado avanços
e retrocessos em relação à definição do direito formal à educação, cabe
ressaltar que o Brasil iniciou o século XX com 65,3% da população
analfabeta, sem qualquer direito à instrução. O analfabetismo tornou
se uma preocupação das políticas públicas nacionais com o processo de
consolidação da República e da democracia. Não podemos esquecer que
o país teve dois longos períodos de ditadura durante o século XX e que
esses períodos omitiram, sobretudo, os direitos políticos da população, mas
mesmo os governos de exceção não conseguiram reduzir a importância da
educação como direito social.

25 No Brasil, com a aprovação da Emenda Constitucional n. 59/2009, a educação


básica passou a ser obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade.
26 A esse respeito, é interessante verificar as análises sobre a Constituição mexicana, de
1917, e a Constituição de Weimar, de 1919.

–  183  –
Temas Contemporâneos da Educação

O século XX, no Brasil, concentra as principais ações e políticas para a


democratização do acesso à educação. Para a reflexão sobre os movimentos que
levaram à expansão do tempo de obrigatoriedade de ensino brasileiro, Bruel
(2010) apresenta um quadro com as alterações na legislação que trata do ensino
fundamental durante o período republicano, de 1891 até 2009.
Quadro O ensino fundamental na legislação brasileira no período republicano.
Disposição
Ano Conteúdo da legislação em relação à obrigatoriedade e gratuidade
legal
1891 CF Laicidade do ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
Ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória.
1934 CF2127 Tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário.
Ensino primário obrigatório. Garantia de gratuidade apenas
1937 CF aos que alegam “escassez de recursos”. Contribuição
mensal dos estudantes para a “caixa escolar”.
Ensino primário obrigatório, ministrado na língua nacional
1946 CF e gratuito para todos. Ensino ulterior ao primário gratuito
aos que comprovam insuficiência de recursos.
Ensino primário com, no mínimo, quatro séries anuais de
LDB duração, podendo ser estendido para seis séries pelos sistemas
1961 de ensino, obrigatório a partir dos sete anos de idade. Isenção
n. 4.024 aos que comprovam estado de pobreza, quando houver
insuficiência de escolas ou a criança apresentar doença grave.
Ensino primário obrigatório para todos, dos 7 aos 14 anos, e
gratuito nas escolas oficiais. Ensino ulterior ao primário gratuito
1967 CF aos que comprovam insuficiência de recursos. Substituição
da gratuidade por distribuição de bolsas de estudos.
Lei Ensino de 1° grau com oito anos de duração, obrigatório e gratuito dos 7
1971 aos 14 anos de idade. Gratuidade nos níveis ulteriores para os que provam
n. 5.692 insuficiência de recursos e não tenham repetido mais de um ano letivo.
Ensino fundamental obrigatório e gratuito até para os
1988 CF que não tiveram acesso na idade própria. Gratuidade
do ensino público em estabelecimentos oficiais.
Ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada a
1996 EC n. 14 gratuidade para os que não tiveram acesso na idade própria.

27 Constituição Federal

–  184  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

Disposição
Ano Conteúdo da legislação em relação à obrigatoriedade e gratuidade
legal
LDB Ensino fundamental obrigatório e gratuito até para os que não tiveram
1996 acesso na idade própria, com, no mínimo, oito anos de duração.
n. 9.394 Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.
Lei Altera a LDB n. 9.394/96, estabelecendo o ensino fundamental
2006 com nove anos de duração, obrigatório e gratuito na
n. 11.274 escola pública, a partir dos seis anos de idade.
Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade,
2009 EC n. 59 assegurada a gratuidade para os que não tiveram acesso na idade própria.
Fonte: Bruel (2010, p. 154 155).
Analisando o quadro pode se perceber que a primeira legislação a estabelecer
um tempo mínimo de obrigatoriedade de frequência, relacionada ao ensino
primário, foi a Constituição Federal de 1934, 110 anos depois da Constituição
Imperial, que estabeleceu a gratuidade da instrução primária. Verifica se, portanto,
que os princípios de gratuidade e obrigatoriedade não se estabelecem de forma
concomitante na história de expansão da educação brasileira.
Cabe ressaltar que as constituições aprovadas nos períodos ditatoriais,
em 1937 e 1967, não primavam pela manutenção da gratuidade do ensino,
garantindo a apenas aos alunos que alegassem escassez de recursos (CF de 1937,
aprovada durante o Estado Novo) ou, então, transformando-a em bolsas de
estudo (CF de 1967, aprovada durante a ditadura militar). A exceção está na
Lei n. 5.692/71, aprovada em plena ditadura, que define a extensão do período
de obrigatoriedade para oito anos e flexibiliza a gratuidade apenas aos níveis
posteriores ao obrigatório.

Sugestão de Leitura
BRUEL, A. L. Políticas e legislação da educação básica no
Brasil. Curitiba: Ibpex, 2010.

Com o fim do período ditatorial e a abertura democrática, os movimentos


sociais voltaram a se organizar e explicitar as demandas pela recuperação dos
direitos políticos – cassados durante o regime de exceção – e ampliação dos
direitos civis e sociais, o que marcou a história dos anos 80 do século XX.

–  185  –
Temas Contemporâneos da Educação

Em decorrência desse movimento de efervescência democrática, muitas


das reivindicações da sociedade civil foram incorporadas ao texto da
Constituição Federal, aprovada em 1988, que, por isso, ficou conhecida
como a “Constituição Cidadã”. Em um período caracterizado mundialmente
como de retrocesso em relação aos direitos sociais, devido à incorporação dos
princípios do neoliberalismo na condução das políticas de diferentes nações,
o Brasil aprovou uma constituição que ampliou consideravelmente os direitos
dos cidadãos.
O Art. 5º da CF estabelece os direitos civis e políticos fundamentais
dos cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, reconhecendo o
princípio de igualdade perante a lei. O caput do Art. 5º (BRASIL, 1988)
dispõe textualmente que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade [...]”, e se desdobra em 78 incisos que detalham os termos
sob os quais a igualdade de todos se estabelece. É importante lembrar que a
igualdade legal não exclui a desigualdade em outros aspectos da vida humana.
A CF reserva todo o Capítulo II para a descrição dos direitos sociais da
população. O caput do Art. 6º determina que “são direitos sociais a educação,
a saúde, a alimentação1428 , o trabalho, a moradia1529 , o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).
Especificamente sobre os direitos relacionados à educação, Oliveira
assinala que
A declaração do Direito à Educação é particularmente detalhada na
Constituição Federal (CF) da República Federativa do Brasil, de 1988,
representando um salto de qualidade com relação à legislação anterior,
com maior precisão da redação e detalhamento, introduzindo se, até
mesmo, os instrumentos jurídicos para a sua garantia. Entretanto, o
acesso, a permanência e o sucesso na escola fundamental continuam
como promessa não efetivada (OLIVEIRA, 1998, p. 61).

28 A alimentação é um direito social incluído no texto desse artigo por meio da EC n. 64


(BRASIL, 2010).
29 A moradia é um direito social inserido nesse artigo por meio das mudanças aprova-
das com a EC n. 26 (BRASIL, 2000).

–  186  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

Da análise realizada por Oliveira, depreende se que o direito à educação


toma novos contornos qualitativos. Ainda que a obrigatoriedade tenha-se man-
tido nos oito anos de ensino fundamental1630 , há outras questões que contri-
buem para a ampliação desse direito. Entre elas, podemos ressaltar os itens esta-
belecidos como dever do Estado por meio do Art. 208 da CF (BRASIL, 1988):
ÙÙ A maior abrangência da gratuidade, que foi estendida a todos os
estabelecimentos públicos de ensino.
ÙÙ A garantia de oferta da educação gratuita para as pessoas que não
tiveram acesso na idade própria, superando a limitação de idade
entre 7 e 14 anos presente na legislação anterior.
ÙÙ A definição do ensino fundamental (e posteriormente do ensino
obrigatório) como direito público subjetivo, incluindo responsabili-
zação da autoridade competente pela sua não oferta. Assim, o ensino
passa a ser reconhecido como direito inalienável de todo cidadão
brasileiro e o Estado passa a ser responsabilizado por sua oferta.
ÙÙ A ideia de progressiva universalização do ensino médio, indicando
uma preocupação com a continuidade da escolarização, o que dei-
xou espaço para a definição do conceito de educação básica estabe-
lecido posteriormente pela LDB n. 9.394/96.
ÙÙ A extensão da obrigatoriedade do ensino à educação básica dos 4
aos 17 anos de idade, ampliando o tempo de escolaridade obriga-
tório que antes da aprovação da EC n. 59/09 se limitava ao ensino
fundamental. O início do período obrigatório na etapa de educa-
ção infantil aos quatro anos de idade tem gerado muitas polêmicas
por não se configurar como consenso entre legisladores e intelectu-
ais da educação.
ÙÙ O atendimento especializado às pessoas com deficiência. Mesmo
que esse tema ainda seja alvo de muitas discussões e dissensões, foi
importante o seu reconhecimento pela CF.

30 Sobre a alteração do tempo de escolaridade obrigatória depois da CF 1988, com


a finalidade de expandi lo, ver o Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.172/01), a Lei n.
11.274/06 e a Emenda Constitucional n. 59/09.

–  187  –
Temas Contemporâneos da Educação

ÙÙ A oferta de ensino noturno regular adequado às condições dos alu-


nos e o atendimento aos estudantes por meio de programas suple-
mentares indicam a preocupação do Poder Público com a satisfação
das necessidades dos alunos, a fim de garantir a sua permanência no
sistema de ensino.
Como já vimos, a maior inovação presente na CF de 1988 não reside
na definição da gratuidade do ensino, prevista já na Constituição Imperial,
tampouco no tempo de educação obrigatória, pois o texto aprovado em 1988
mantém os oito anos já determinados pela Lei n. 5.692/71, mas na determinação
dos mecanismos da justiça por meio dos quais a realização do direito à educação
pode ser requerida. Sobre isso, Oliveira (1998, p. 65) afirma que
O que é inovador, para além de uma maior explicitação dos direitos e
de uma maior precisão jurídica, evidenciada pela redação, é a previsão
dos mecanismos capazes de garantir os direitos anteriormente enuncia-
dos, estes sim, verdadeira novidade. São eles o mandado de segurança
coletivo, o mandado de injunção e a ação civil pública.

A partir da CF de 1988, portanto, a população passa a ter reconhecido


como inalienável o direito à educação e se estabelece o sistema de justiça
como espaço para discussão sobre a realização desse direito. O mandado de
segurança coletivo1731 e o mandado de injunção1832 são direitos previstos no Art.
5º da Constituição, e a ação civil pública1933 está prevista no Art. 129, ao dispor
sobre as funções do Ministério Público.

Dessa forma, se consolida a reciprocidade entre o direito à
educação como um direito social e o dever do Poder Público

31 Conforme Art. 5º da CF de 1988, inciso LXX, “o mandado de segurança coletivo


pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b)
organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funciona-
mento há, pelo menos, um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associado”.
32 Conforme Art. 5º da CF de 1988, inciso LXXI, “conceder se á mandado de injun-
ção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liber-
dades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
33 Conforme Art. 129 da CF de 1988, “são funções institucionais do Ministério Públi-
co: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (BRASIL, 1988).

–  188  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

enquanto ente responsável pela garantia desse direito.


Compreende se que a ação do Estado sobre a educação não se
esgota na oferta de vagas, mas abrange a garantia de acesso a
elas, permanência na escola e um padrão mínimo de qualidade
de ensino. Assim, não se pode falar em garantia do direito à edu
cação sem matrícula em instituição de educação ou de ensino
reconhecida pelo Poder Público, continuidade dos estudos com
vistas à conclusão, pelo menos, da educação básica, padrão de
qualidade que se reflita em aprendizagem efetiva do aluno.

Essa discussão sobre o direito à educação suscita, de um lado, a reflexão


sobre a necessidade de busca da igualdade, no sentido de garantir condições
e oportunidades iguais para todos os indivíduos, com o intuito de superar
a discriminação, a segregação, os privilégios e construir uma educação mais
universal e democrática. Por outro lado, não faz sentido a defesa de uma
igualdade tão absoluta e abstrata que perca de vista as diferenças individuais
e sufoque os sujeitos. Esse dilema, que pode se apresentar como paradoxal,
encerra uma questão de fundamental importância: os perigos de relativização
de todos os princípios universalizantes, levando à confusão entre os conceitos
de diferença e desigualdade.
Assim, a defesa de uma educação que possibilite a construção de uma
sociedade mais justa e democrática é, necessariamente, aquela que garanta a
emancipação dos sujeitos. Para possibilitar essa emancipação, é fundamental
que o processo de escolarização atenda às suas necessidades de aprendizagem,
levando-os à superação de seus limites e à construção de um conhecimento
que possua caráter sistemático, histórico e crítico. O conhecimento pode se
materializar em instrumento de desenvolvimento omnilateral do ser humano
e, por isso mesmo, de fortalecimento da justiça social.
Uma educação que instrumentalize os cidadãos para que possam
compreender melhor a realidade em que se inserem e agir sobre ela,
transformando-a, a fim reduzir as desigualdades promovidas pela lógica
de organização da sociedade capitalista, é fundamental para promover o
necessário empoderamento da população. A redistribuição dos bens materiais

–  189  –
Temas Contemporâneos da Educação

e culturais, dos saberes e poderes, das oportunidades e condições de existência


são essenciais para a democracia e a cidadania.
Nesse sentido, reafirma-se a relevância do papel do Estado, enquanto
ente que representa a esfera pública constituída, e de sua intervenção por
meio de políticas públicas destinadas a garantir os direitos fundamentais
da população, entre os quais se encontra a educação. Pois, isoladamente, a
escolarização pode ter pouco impacto sobre a garantia dos demais direitos ou
mesmo sobre o processo de democratização da sociedade. É preciso pensar
a educação no conjunto das políticas sociais, integrando e coordenando as
ações do Poder Público nas diferentes dimensões da vida cidadã.

Dica de Filme
O filme intitulado Sociedade dos poetas mortos apresenta uma his-
tória fictícia desenrolada em uma tradicional escola secundária. Um
professor com atitudes pouco convencionais procura mostrar aos
alunos que o conhecimento pode ser mais intrigante do que o cur-
rículo proposto pela escola. As consequências são desafiadoras e
inquietantes, tanto para os alunos quanto para quem assiste ao filme.
O filme, mostra que existem novas formas de ensinar.
SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção de Peter Weir.
EUA: Buena Vista Pictures, 1989. 1 filme (129 min.).

Da teoria para a prática


Escolha uma das questões relacionadas à garantia do direito
à educação, considerando as disposições do Art. 208 da
CF de 1988 ou outro aspecto legalmente instituído. Procure
em reportagens de jornais/revistas e em sites oficiais , que
apresentam indicadores de realização da educação no país,

–  190  –
Cidadania, direitos humanos e o direito à educação

informações que comprovem, ou não, a realização desse


direito. Compare o texto legal com os dados obtidos e avalie o
que poderia ou deveria ser feito para atender integralmente às
necessidades da população, a fim de garantir a plena efetivação
do direito à educação.

Síntese
Neste capítulo discutimos a consolidação do direito à educação como um
direito de cidadania. A análise histórica do processo de definição de cidadania
mostra se de grande importância para a compreensão do movimento da
sociedade em torno da definição dos direitos sociais. Como a legislação é o
instrumento por excelência para a definição dos direitos, a reflexão sobre as
constituições federais do Brasil, em especial a aprovada em 1988, em vigor,
orientou a análise sobre elementos da política nacional voltados à realização
do direito à educação.

–  191  –
Temas Contemporâneos da Educação

–  192  –
3.4

Educação como direito


da criança

Neste capítulo vamos discutir o que significa conceber a


criança como sujeito de direitos e entender quais são esses direi-
tos quando estamos tratando de educação. Para tanto, a análise do
Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma articulada à Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é central. Não vamos
entrar na seara da legislação de ensino propriamente dita e, sim, nas
interseções que se estabelecem entre as duas leis e a realidade.
Temas Contemporâneos da Educação

3.4.1 A criança como sujeito de direito

A definição da criança, do adolescente e do jovem como sujeitos de


direito se contrapõe à concepção de sujeitos de tutela. Durante um longo
período da história da humanidade, a criança não desfrutou de uma
atenção diferenciada do adulto. A “invenção” do conceito de criança e da
compreensão de sua especificidade é bastante recente e confunde-se com a
consolidação do Estado moderno, já analisado em capítulos anteriores.
A compreensão desse grupo como sujeitos de tutela indica que os
direitos, em última instância, referem-se aos seus pais ou responsáveis, que
tomam as decisões e assumem os direitos pelas crianças, adolescentes e
jovens. Isso pode ser exemplificado com a legislação anterior à CF de 1988,
quando, por exemplo, as mães trabalhadoras tinham direito à creche para
os filhos pequenos. A conquista desse direito precisa ser compreendida no
contexto das lutas feministas das mulheres trabalhadoras, que garantiu as
condições necessárias para a emancipação feminina e a entrada da mulher
na esfera pública, no mundo do trabalho. No entanto, ao mesmo tempo,
é preciso identificar que a atenção à infância era considerada um direito da
mãe trabalhadora e não da criança em si.
Essa situação se altera legalmente com a aprovação da CF de 1988
e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/90, que
reconhecem não apenas os tradicionais direitos humanos, mas incluem
direitos especiais, decorrentes da compreensão de que crianças e adolescentes
são seres “em desenvolvimento”. De acordo com o Art. 2º do ECA,
“considera se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”
(BRASIL, 1990).
É importante lembrar que a adoção internacional dos direitos das
crianças deve se, principalmente, à Convenção da ONU de 1989, da qual
o Brasil é um dos países signatários. Para a realidade nacional, a atuação
dos grupos da sociedade civil organizada, que reivindicavam avanços no
sentido da garantia de direitos para a população nessa faixa etária, foi tão
relevante quanto a influência do movimento internacional.

–  194  –
Educação como direito da criança

Saiba mais
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Orga-
nização das Nações Unidas (ONU), em 1989, e 193 países ratifi-
caram o documento. O Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) divulga que apenas dois países assinaram formalmente,
mas não ratificaram a convenção: Estados Unidos e Somália.
No site da ONU no Brasil é possível acessar o documento na
íntegra: <http://onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-as-criancas/>.

A Constituição Federal de 1988, Constituição Cidadã, é considerada


um marco importante no processo de definição de direitos civis, políticos
e sociais, de forma abrangente e também no que concerne aos direitos
de crianças, adolescentes e jovens. Há uma transformação significativa
em relação à transição da compreensão anterior – que indicava a criança
como sujeito de tutela – para uma compreensão mais ampla, da criança
como sujeito de direitos. Esses direitos incorporam diferentes aspectos da
vida cidadã, incluindo a educação, e indicam a necessidade de cuidados
que resguardem essa população de diferentes formas de discriminação
e violência.
De acordo com a CF de 1988, é estabelecida prioridade absoluta
ao atendimento à criança, ao adolescente e ao jovem, tanto pela família
quanto pela sociedade e pelo Estado. Pode se afirmar, portanto, que há
uma responsabilidade compartilhada entre as três instâncias para garantir
essa prioridade em múltiplas dimensões da vida, conforme disposto no
Art. 227.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (BRASIL, 1988, redação dada pela Emenda
Constitucional n. 65, de 2010).

–  195  –
Temas Contemporâneos da Educação

Sugestão de Leitura
ROCHA, R. Os direitos das crianças segundo Ruth Rocha.
São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002.

Ao definir a prioridade do atendimento às crianças, adolescentes e jovens,


a CF de 1988 estabelece um princípio importante para a definição e execução
de políticas públicas para a população. No entanto, o texto constitucional não
indica os instrumentos para a garantia dessa prioridade e tampouco define em
que ela consiste, exigindo da legislação que normatizou os direitos da criança
e do adolescente um detalhamento maior, como indica o parágrafo único do
Art. 4º, da Lei n. 8.069/90.
Art. 4º [...]
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b. precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c. preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d. destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas
com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1990).

Essa definição do que significa “absoluta prioridade” é fundamental para o


direcionamento das políticas de atendimento à população até 18 anos de idade.
Mesmo porque, com a aprovação da CF de 1988, estabeleceram se novas regras
para a distribuição de competências entre os entes federados e os municípios
alcançaram níveis de autonomia que não tinham até então, ficando responsáveis
pelo planejamento e execução de grande parte das políticas sociais.

É importante salientar o papel do Poder Público no
processo de garantia da proteção integral necessária à
infância, adolescência e juventude, pois o reconhecimento
e a determinação legal dos direitos não implicam
uma transferência direta e imediata para a sua

–  196  –
Educação como direito da criança

realização. Assim, muitos desses direitos formalmente


conquistados ainda não são efetivamente realizados.

As autoras Oliva e Kauchakje (2009) realizaram um estudo sobre os


“Planos Plurianuais Municipais (PPA)2034 referentes ao quadriênio 2004 2007”
(OLIVA; KAUCHAKJE, 2009, p. 24) de dezenove capitais brasileiras, para
avaliar a inserção de políticas públicas sociais destinadas a crianças, jovens
e adolescentes, no sentido de cumprir os dispositivos legais relacionados
à priorização desse público. As pesquisadoras concluíram que muitos
municípios apenas reproduzem políticas estaduais ou federais, sem organizar
políticas próprias e articuladas à realidade local. Para elas,
num país com tantas diferenças e contrastes culturais, o gestor munici-
pal deve estar atento para perceber as peculiaridades locais, adequando
estratégias e ações adaptadas à realidade da infanto adolescência, reco-
nhecendo os no lugar que merecem, como novos sujeitos de direitos
(OLIVA; KAUCHAKJE, 2009, p. 29).

Como já analisado no capítulo 5, a realização de qualquer direito


instituído exige um dever que envolve a oferta de condições correspondentes
para garantir sua satisfação. Portanto, esse acompanhamento das ações
específicas das administrações municipais, estaduais e federal é de extrema
importância para averiguar se as políticas realizadas estão atendendo às
necessidades da população de forma adequada. Compreende-se que “o
Estado democrático de direito existe em função da pessoa. Nessa perspectiva,
a realização dos direitos humanos tem como escopo a ação estatal, que se
volta à garantia desses direitos e à promoção da dignidade da pessoa humana”
(SANTOS, 2007, p. 134).
Assim, é fundamental a atuação da sociedade civil organizada na fiscalização
não só do processo de elaboração e aprovação das leis orçamentárias, mas também

34 O Plano Plurianual (PPA) é um documento elaborado pelo Poder Executivo e apro-


vado pelo Poder Legislativo, transformando se em lei. É um instrumento de gestão obrigatório,
deve preceder a discussão, elaboração e aprovação das Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis
Orçamentárias Anuais, orientado as. O PPA deve ser elaborado para abranger as ações de
governo no período de quatro anos, materializando se como um planejamento das ações da
administração pública em relação às políticas e diversas áreas de atuação.

–  197  –
Temas Contemporâneos da Educação

e, sobretudo, das ações delas decorrentes. A execução orçamentária, portanto,


não deve ser objeto de análise apenas dos tribunais de conta, mas também
da população, pois é preciso que exista um processo de acompanhamento e
fiscalização contínuo, possibilitando a democratização da gestão pública. O
principal espaço para isso, seguramente, é o das audiências públicas de prestação
de contas, que precisam assumir um caráter cada vez mais político e analítico,
e não meramente técnico.
Nessa perspectiva, o ECA estabelece direitos para crianças e adolescentes;
deveres para o Poder Público, a sociedade e as famílias; e possibilidade de
punição em caso de ação ou omissão que atente contra tais direitos. Nos
termos do Art. 5º, “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão,
aos seus direitos fundamentais” (BRASIL, 1990).

Dica de Filme

O pequeno Nicolau é inspirado no livro Le petit Nicolas, de


Jean Jacques Sampé e René Goscinny, publicado em 1959. O
filme apresenta as aventuras de um garotinho na década de 50 do
século XX que, com idade de oito ou dez anos, é cercado de
amigos que possuem estereótipos de personalidades presentes
na sociedade moderna. Ao assistir ao filme, é interessante prestar
especial atenção ao que acontece quando é necessário substituir
a professora da turma na qual Nicolau estuda.
O PEQUENO Nicolau. Direção de Laurent Tirard. Produção
Fidélité Films; Wild Bunch; M6 Films. França, 2009. 1 filme (91
min) color.

Para estimular o debate e a organização nacional de políticas destinadas


à juventude, a Emenda Constitucional n. 65/2010 inseriu novo parágrafo no
texto do Art. 227 da CF de 1988, com o seguinte teor:

–  198  –
Educação como direito da criança

§ 8º A lei estabelecerá:
I. o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;
II. o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à
articulação das várias esferas do poder público para a execução de
políticas públicas (BRASIL, 1988).

Esse novo parágrafo, além de estabelecer a necessidade de um “estatuto da


juventude” à luz das conquistas possibilitadas pelo ECA, institui a exigência de
um plano nacional que regule e articule as políticas públicas para o atendimento
à juventude. A ideia embutida no inciso II é fundamental, pois as políticas para
todas as áreas sociais deveriam articular a ação dos entes federados, bem como
dos órgãos e setores da administração pública corresponsáveis.

Dessa forma, percebe se que as discussões sobre os contornos
da definição dos conceitos de cidadania, dos direitos humanos
e, especificamente, dos direitos das crianças, adolescentes e
jovens, das políticas públicas necessárias para a consolidação
dos direitos sociais, do espaço da educação e da instituição
escolar nesse processo são, ainda, objetos de disputa entre
diferentes grupos da sociedade civil organizada. Os princípios
de democratização da sociedade estão cada vez mais presentes
nos debates e nas práticas sociais, o que significa compreendê
los no processo constante de vir a ser, de construção coletiva
e, portanto, de contestação e embate entre diferentes grupos
sociais que defendem concepções distintas e/ou divergentes.

3.4.2 Estatuto da Criança e do Adolescente


e suas interfaces com a LDBEN2135
É preciso entender a legislação como produto social, ou seja, como
produção de determinada sociedade, em um dado momento histórico,
35 Neste capítulo as siglas LDBEN e LDB referem se à Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional n. 9.394, aprovada em 20 de dezembro de 1996.

–  199  –
Temas Contemporâneos da Educação

a partir das condições existentes e das correlações de força explícitas (ou


não) entre os diferentes grupos sociais que participaram de sua elaboração.
Assim, todas as leis são ao mesmo tempo determinadas e determinantes de
práticas sociais concretas e são construídas por pessoas que passarão a sentir
seus efeitos.
Muitas vezes, a legislação aprovada legitima práticas sociais já existentes
que precisam ser regulamentadas, outras vezes, a lei incorpora reivindicações
ligadas a necessidades e demandas de certos grupos que ainda não se tornaram
realidade, mas que são percebidas como legítimas. Em alguns casos, cria-se
um hiato entre o texto da lei e a realidade, estabelecendo se uma distância
entre direitos formais e reais. De toda forma, em todas as circunstâncias, para
que se tornem parte da prática cotidiana de um grupo social, é fundamental
que os agentes sociais, em diferentes níveis, assumam a responsabilidade pelas
ações decorrentes da legislação.
Assim, compreende-se que a lei não se realiza apenas em decorrência
de sua aprovação pelo Poder Legislativo, tampouco a sua realização se limita
à letra fria da lei. As práticas que se estabelecem tendo em vista as normas e
regras estabelecidas pela legislação, muitas vezes, criam consequências não
previstas inicialmente, que dão origem a novos debates, dissensos e, por
vezes, apresentam novas demandas aos legisladores. É importante perceber
esse movimento que envolve a regulamentação da sociedade a fim de superar
qualquer visão formalista ou funcionalista da relação entre legislação e
realidade social.
Além de práticas sociais modificadas, a regulamentação das relações
sociais ajuda a constituir e é constituída por representações, valores,
culturas, formas de conceber a vida humana em suas diferentes dimensões.
No caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, é possível
afirmar que muitos dos seus dispositivos estão se incorporando à dinâmica
social, enquanto outros continuam polêmicos e sofrem com a resistência de
grupos sociais.
Essa discussão não pretende exaurir o debate acerca do ECA, mas tomar
como objeto de análise os elementos fundamentais que estabelecem interfaces
com a lei federal específica da área educacional, a Lei de Diretrizes e Bases

–  200  –
Educação como direito da criança

da Educação Nacional n. 9.394/96. É importante observar que o Estatuto


foi aprovado logo depois da CF de 1988, portanto, ainda envolvido pela
efervescência democrática embalada pela queda da ditadura e consequente
abertura democrática brasileira, enquanto o projeto de lei que deu origem à
LDB ficou oito anos em discussão e foi aprovado já em meados dos anos 90
do século XX.
Não é do interesse dessa discussão tratar dos processos de tramitação
das leis aprovadas2236 , mas indicar a grande mobilização nacional em torno
das discussões que antecederam a sua aprovação e que se manteve presente
em um processo contínuo de acompanhamento das ações e políticas, locais e
nacionais, decorrentes das leis. É possível afirmar que:
O ideário de formação da cidadania, que percebemos ora presente
nos movimentos sociais, ora nos textos acadêmicos, ora nos textos
jurídicos, foi sendo progressivamente assumido nas políticas
públicas educacionais a partir da década de 1980 (CAPDEVILLE,
2007, p. 74).

No que tange especificamente aos dispositivos ligados à educação, o


Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu um capítulo intitulado
“Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer” (BRASIL,
1990), destacando se o conteúdo dos Artigos 53 ao 57. Muitas das questões
presentes no ECA foram retomadas e reapresentadas no texto da LDB.
Assim, destacaremos as principais questões que envolvem as duas legislações
e o trabalho escolar.
O Art. 53 do Estatuto define que:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao
pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da
cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando lhes:
I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II. direito de ser respeitado por seus educadores;
III. direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às ins-
tâncias escolares superiores;
IV. direito de organização e participação em entidades estudantis;
V. acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

36 Para conhecer uma análise sobre a tramitação do ECA e da LDB, ver: Barría (2006).

–  201  –
Temas Contemporâneos da Educação

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do


processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas
educacionais (BRASIL, 1990).

Percebe se que apenas o caput do artigo e o conteúdo do inciso I se


repetem no texto da LDB. O conteúdo do parágrafo único, que aparece
aqui como direito dos pais, é transformado, na LDB, em incumbência dos
estabelecimentos de ensino. Todas as outras questões, que envolvem assuntos
mais relacionados ao fazer pedagógico cotidiano, não foram incorporadas. A
LDB se caracteriza por ser uma legislação bastante enxuta e lacunar, deixando
de detalhar questões relevantes como a necessidade de garantia do respeito ao
estudante, de contestação dos critérios de avaliação.
O Art. 54 do ECA corresponde aos dispositivos estabelecidos pelo Art.
208 da CF de 1988 e pelo Art. 4º da LDB, que definem as responsabilidades
do Poder Público com relação à oferta de educação escolar. E o Art. 55 do
ECA corresponde ao Art. 6º da LDB, indicando a responsabilidade dos
pais ou responsáveis com relação à matrícula dos filhos na escola de ensino
fundamental da rede regular de ensino.
Já o Art. 56 indica responsabilidades dos dirigentes das instituições de
ensino em situações que exijam a comunicação de maus tratos, ausências
injustificadas dos alunos ou situação de evasão escolar, bem como casos de
reincidência de retenção, ao Conselho Tutelar.
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental
comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
I – maus tratos envolvendo seus alunos;
II – reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os
recursos escolares;
III – elevados níveis de repetência (BRASIL, 1990).

O inciso VIII do Art. 12 da LDB também reforça essa ideia, definindo


como uma das responsabilidades dos estabelecimentos de ensino:
notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da
Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação
dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta
por cento do percentual permitido em lei (BRASIL, 1996, incluído
pela Lei n. 10.287, de 2001).

–  202  –
Educação como direito da criança

A determinação de comunicação das situações descritas nos artigos citados


ao Conselho Tutelar não deve gerar um “descompromisso” da instituição de
ensino com a busca de soluções pedagógicas para o problema detectado,
quando for o caso. Ao contrário, a intenção é promover a articulação e o
trabalho conjunto entre os órgãos do Poder Público a fim de garantir efetiva
prioridade à criança, ao adolescente e ao jovem, ao mesmo tempo em que se
busca a consolidação de uma real política de proteção integral.

Sugestão de Leitura
TONUCCI, F. Com olhos de criança. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.

Os órgãos de atendimento local à população nas áreas de educação,


saúde, assistência social, alimentação, cultura, esporte, etc., além dos
conselhos tutelares, devem compor redes de proteção à infância, adolescência
e juventude de forma a articular e mobilizar diferentes recursos para atender
a essa população de forma ágil e adequada. A política de atenção à infância,
por meio das redes de proteção, pretende garantir o atendimento às
necessidades básicas e também o atendimento especial (quando necessário),
com a importante participação e fiscalização dos conselhos de direitos da
criança e do adolescente.
Em muitos municípios essas redes ainda são frágeis ou inexistentes. É
fundamental que a população, consciente de seus direitos, promova ações de
cobrança em relação à execução de políticas de atenção integral à infância,
adolescência e juventude, bem como assuma a responsabilidade de fiscalização
das atividades realizadas pelo Poder Público. As ações de controle social são
essenciais para a efetivação das políticas públicas e garantia de realização dos
direitos dos cidadãos.
[...] sabemos que as políticas dirigidas à educação dependem, para
sua concretização, da adesão de atores dispostos a colocá las em
prática e por isso contemplam diversas e ambíguas concepções,
representações sociais, tensões, conflitos e ações (CAPDEVILLE,
2007, p. 74).

–  203  –
Temas Contemporâneos da Educação

Dica de Filme
O documentário A invenção da infância apresenta uma intrigante
reflexão sobre o significado e as condições de realização da
infância no mundo contemporâneo e conclui que: “ser criança
não significa ter infância”.
A INVENÇÃO da infância. Produção de Monica Schmiedt.
Direção de Liliana Sulzbach. Brasil, 2000. 1 documentário (26
min). color. Disponível em: <http://www.portacurtas.com.br/
Filme.asp?Cod=672>. Acesso em: 9 mar. 2011.

Enfim, a realização dos direitos estabelecidos pela legislação não depende


apenas dos legisladores e dos níveis mais elevados da administração pública,
depende também das ações cotidianas realizadas no interior de cada órgão
público, de cada escola, de cada unidade de saúde, de cada conselho tutelar.
Em última instância, depende diretamente dos atores sociais que realizam
cotidianamente o trabalho junto à população. Depende, também, de cada
cidadão e cada cidadã, que deve ser corresponsável no processo de disputa
pela ampliação e realização dos direitos sociais, civis e políticos.

De acordo com Romualdo Oliveira, “não basta uma
legislação de defesa dos direitos do homem; temos de ter
uma população disposta a defendê la enquanto prática
social concreta” (OLIVEIRA, 2001, p. 232 3).

Da teoria para a prática


Escolha uma das músicas do CD Canção dos direitos da criança,
de Toquinho & Convidados, o documentário A Invenção da

–  204  –
Educação como direito da criança

da infância ou o material sobre os direitos das crianças


elaborado pelo Quino, com desenhos da Mafalda, ou pelo
Maurício de Souza, com desenhos da Turma da Mônica, e
organize um debate com outros colegas ou professores sobre
os seguintes conceitos:
• instituição e realização de direitos sociais, civis e políticos;
• compreensão da criança como sujeito de direitos;
• atuação da administração pública na
garantia dos direitos sociais;
• atuação da sociedade civil na garantia
de realização dos direitos;
• aspectos legais, formais e reais do direito à infância.

Síntese
Neste capítulo estudamos os conceitos de sujeito de tutela e sujeito de
direito e suas implicações para a compreensão dos direitos da criança, do
adolescente e do jovem. Analisamos alguns dos dispositivos legais do ECA
e da LDB que se articulam em relação à garantia do direito à educação.
Concluímos o capítulo com reflexões sobre a importância da atuação da
sociedade civil no processo de definição, ampliação e garantia de realização
dos direitos sociais.

–  205  –
3.5

Saberes e fazeres
pedagógicos na
contemporaneidade

Ao se observar a transformação que vem ocorrendo


na sociedade contemporânea percebe-se que estas implicam
diretamente na educação. Hoje, o conhecimento passou a ser
considerado fundamental para a produção de riquezas, o que exige
mudanças significativas nos modelos educacionais, pois, as práticas
pedagógicas desenvolvidas muitas vezes não têm dado conta de
atender os desafios que o atual momento exige.
Neste sentido, cabe destacar que pensar em educação,
segundo Behrens (2000, p. 17): “implica em refletir sobre os
paradigmas que caracterizaram o século XX e sobre a projeção das
mudanças paradigmáticas necessárias para o século XXI”.
Temas Contemporâneos da Educação

Gadotti (1997, p.33), declara que diante da crise paradigmática que


“atinge a escola esta deve se perguntar sobre si mesma qual é seu papel
numa sociedade caracterizada pela globalização da economia, das comuni-
cações, da educação e cultura e do pluralismo político”. Isso requer uma
redefinição do papel da escola e do próprio conhecimento mediante uma
sociedade cada vez mais interconectada pelas tecnologias da informação
e comunicação.
Os tempos atuais, profundamente exigentes, encontram-se marcados
por dilemas sociais, políticos, econômicos e de sentido da própria existência,
que forjam a ideia de que educar é interagir, conhecer juntos, constituir-
-se sujeito político e socialmente emancipado. Esse contexto social requer
uma leitura diferenciada do mundo em que se vive. Isto evidentemente exige
uma postura de desprendimento de velhos conceitos e velhas linguagens, dos
paradigmas e práticas pedagógicas.
Há necessidade de se entender que aprender é um processo complexo,
onde o ser humano deve ser o sujeito ativo na construção do conhecimento, e
que este somente se dá a partir da ação consciente do sujeito sobre a realidade.

3.5.1 Desafio da prática pedagógica frente


ao novo paradigma educacional
A análise da prática pedagógica somente é possível se realizada sob o
prisma do contexto no qual ela se desenvolve. Neste capítulo, situaremos
a educação, a escola de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental e a prática de seus atores no atual modelo de sociedade em
que vivemos. Tratar de educação remete-nos, necessariamente, às atuais
discussões sobre os paradigmas científicos, à globalização do conhecimento e
ao desenvolvimento da tecnologia.

3.5.2 Educação em tempo de novos paradigmas


Hoje, o conhecimento passou a ser considerado elemento fundamental
para a produção de riquezas e na geração de qualidade de vida para os
indivíduos, o que exige mudanças significativas nos modelos educacionais,
pois as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores, muitas vezes,
não têm dado conta de atender aos desafios que o atual momento exige.

–  208  –
Saberes e fazeres pedagógicos na contemporaneidade

A sociedade do conhecimento, também chamada de sociedade


aprendente, requer uma leitura diferenciada do mundo onde se vive. Isso,
evidentemente, exige uma postura de desprendimento de velhos conceitos
e velhas linguagens, dos paradigmas e práticas pedagógicas. Nas palavras de
Veiga (2007, p. 60):
[...] têm surgido cada vez mais críticas ao paradigma clássico e, junto,
a possibilidade de outros paradigmas que ainda estão se construindo.
São os chamados paradigmas emergentes, que abrem o caminho para
a transdisciplinaridade que se opõe ao característico isolamento disci-
plinar do paradigma clássico.

Nesse mesmo contexto, cabe destacar que pensar em educação, segundo


Behrens (2000, p. 17): “[...] implica em refletir sobre os paradigmas que
caracterizaram o século XX e sobre a projeção das mudanças paradigmáticas
necessárias para o século XXI.”
Ao tratar da prática pedagógica dos professores, Behrens (2000, p.
17) aponta que: “de maneira geral, os professores têm mantido uma ação
docente assentada em pressupostos do paradigma conservador, que sofre
forte influência do pensamento newtoniano-cartesiano”.
Para explicar sua afirmativa, Behrens destaca, ainda, que o processo
pedagógico na atual conjuntura educacional assume duas dimensões:
[...] uma assentada no paradigma newtoniano-cartesiano, que carac-
terizou um ensino fragmentado e conservador, que tem como foco
central a reprodução do conhecimento. A prática pedagógica influen-
ciada por esta visão conservadora caracterizou o paradigma tradi-
cional, o paradigma escolanovista e o paradigma tecnicista. A outra
dimensão, caracterizada como inovadora, tem como eixo central a
produção do conhecimento. Designada como paradigma emergente
[...] propondo uma ciência que supera a fragmentação em busca do
todo e que contemple as conexões, o contexto e as inter-relações dos
sistemas que integram o planeta (BEHRENS, 2000, p. 14).

Há que se admitir que o paradigma tradicional permanece vivo no


cenário escolar brasileiro, caracterizado por uma postura pedagógica que
valoriza demasiadamente um ensino humanístico e da cultura geral, em que
o conhecimento advém dos grandes feitos realizados pela humanidade. A
educação por esse enfoque desloca-se da realidade de mundo do educando,

–  209  –
Temas Contemporâneos da Educação

que passa a visualizá-la de forma idealizada, sem, contudo, entendê-la como


aplicável ao seu cotidiano.

Paradigma significa modelo, é a representação de
um padrão a ser seguido. Segundo Kuhn (1970),
paradigma é uma constelação de crenças
comungadas por um grupo, ou seja, o conjunto
das teorias, dos valores e das técnicas de pesquisa
de determinada comunidade científica.

Como alternativa de superação de um modelo educacional mais


conservador, os escolanovistas visaram a reagir ao paradigma tradicional
centrando as suas bases pedagógicas na biologia e na psicologia, como forma
de romper com o humanismo e defender um pensamento cientificista.

Saiba mais
Quando falamos de um paradigma newtoniano-cartesiano,
nos referimos a um pensamento baseado nas teorias de Isaac
Newton e René Descartes, que falam de um mundo mecâ-
nico, em que a natureza funciona como um relógio, o tempo
é linear e o espaço tridimensional, ou seja, teorias que defen-
dem que a natureza e todos os fenômenos podem ser meca-
nicamente explicados.

O aluno, então visto como sujeito do processo ensino e aprendizagem,


adquire autonomia sobre a sua própria aprendizagem, o papel do professor
passa a ser o de facilitador. Embora houvesse uma tendência de implementação
nos estabelecimentos de ensino, os professores continuaram mantendo
uma postura tradicional, por falta de conhecimento metodológico e de
equipamentos adequados à prática de ensino científico. Por outro lado, esse

–  210  –
Saberes e fazeres pedagógicos na contemporaneidade

movimento não se descaracterizou, pois contribuiu para o enriquecimento


dos conteúdos científicos.

Saiba mais
O filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-
1952) foi, sem dúvida, um dos nomes mais marcantes na
divulgação dos princípios da Escola Nova. Marcado pelos
efeitos da Revolução Industrial e pelo ideal da democracia,
Dewey queria preparar o aluno para a sociedade do
desenvolvimento tecnológico e formar o cidadão para a
convivência democrática. Seus mais notórios seguidores e
difusores do ideário escolanovista foram William Kilpatrick,
Maria Montessori, Ovide Decroly e Celestin Freinet.

O rompimento com os paradigmas conservadores, desencadeado pelo


movimento da Escola Nova, deflagrou a necessidade de uma nova compreensão
sobre o conhecimento. De acordo com Aranha, o ideal escolanovista resultou da
tentativa de superar a escola tradicional – “excessivamente rígida, magistrocêntrica
e voltada para a memorização dos conteúdos” (2006, p. 246) –, na busca por uma
escola mais realista, que se adequasse ao mundo em constante transformação.
Tentando superar o viés estritamente intelectualista do paradigma
tradicional, surgem outros paradigmas, com mais ênfase nos processos do
conhecimento sob diferentes enfoques do que no produto final. Destacamos,
aqui, os pressupostos da visão holística, da abordagem -progressista e do
ensino com pesquisa no cerne de um “paradigma emergente”, adequado às
necessidades da produção de conhecimento da sociedade pós-moderna.
Em respeito a isso, Behrens (2000, p. 61) defende “uma aliança entre
os pressupostos da visão holística, da abordagem progressista, do ensino
com pesquisa e produção do conhecimento”. Para a autora, essas abordagens
se expressam de forma interconectada e, por isso, podem contribuir
significativamente no exercício da prática pedagógica.
Complementando esse conceito, a visão holística enfatiza a superação
do conhecimento fragmentado e lança o desafio de resgatar o ser humano em

–  211  –
Temas Contemporâneos da Educação

sua totalidade. O pressuposto holístico requer um constante diálogo com o


mundo e com a vida, bem como um posicionamento diferente diante desses,
visualiza uma formação sistêmica e plena, cujo conhecimento se dá de forma
gradativa e integral. Busca-se aqui superar o conhecimento fragmentado,
propondo o resgate do ser humano em sua totalidade. Contemplam-se práticas
pedagógicas interativas, promotoras do senso crítico, ético e transformador
das realidades sociais presentes na contemporaneidade.

Saiba mais
Holístico, na natureza da palavra que vem do grego holos,
pode ser comprendido como todo ou por inteiro. E é assim
que se entende o “paradigma holístico”, o estudo do todo,
dentro de uma metologia humanista e natural.

Na abordagem progressista, o centro da ação consiste em pressupostos


teóricos voltados ao diálogo e à discussão coletiva como elementos propulsores de
uma aprendizagem significativa. Destaca-se, assim, uma parceria e participação
crítica e reflexiva entre alunos e professores, no sentido de desenvolver atividades
que possam contribuir para a produção do conhecimento. Ainda, possibilita
estabelecer o intercâmbio entre sujeito e objeto a serem conhecidos e busca a
formação do homem real, concreto, situado no tempo e no espaço, conforme
declara Mizukami (1986, p. 87): “O homem é um ser que possui raízes espaço-
temporais: é um ser situado no e com o mundo”.
Mediante essa compreensão, a prática do ensino com pesquisa passa a
ser considerada como uma possibilidade que permite ir além da imitação
dos conhecimentos já produzidos, ampliando a autonomia, o espírito
investigativo e a criatividade. Desperta, também, uma prática pedagógica
capaz de dar conta dos desafios da sociedade moderna.
Desse modo, fica evidenciado que para formar cidadãos criativos,
inovadores, capazes de enfrentar as novas situações do mundo contemporâneo,
é necessário uma educação inovadora, com profissionais preparados. Gadotti
(1997, p. 33) declara que, diante da crise paradigmática que atinge a escola,

–  212  –
Saberes e fazeres pedagógicos na contemporaneidade

“esta deve se perguntar sobre si mesma sobre qual é seu papel numa sociedade
caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação
e cultura e do pluralismo político”. Isso requer uma redefinição do papel da
escola, da formação do professor e do próprio conhecimento mediante uma
sociedade cada vez mais interconectada e influenciada pelas novas tecnologias.
Para Stahl (2001, p. 299), “as exigências feitas à educação pela era da
informação constituem-se também em grandes e específicos desafios para os
professores”, destaca-se aqui a necessidade de entendermos a ordem social
dessa nova era da informação, exigente de habilidades que nem sempre
são desenvolvidas durante o processo de formação profissional. Assim, vale
destacar que a aquisição do conhecimento propiciada pelas novas tecnologias
implica numa prática diferenciada.
Segundo Libâneo (1998, p. 52), “há uma exigência visível de mudança
da identidade profissional e nas formas de trabalho dos professores”, o que
significa dizer que a formação de profissionais que atendam às exigências do
mundo contemporâneo requer, necessariamente, uma formação de qualidade
dos professores.
São essas inquietações contemporâneas que requerem a construção de uma
prática pedagógica permeada por condutas inovadoras, descortinando novos
caminhos e sentidos para as ações pedagógicas no campo da aprendizagem.
Para tanto, há a necessidade de se compreender que o aprender é um
processo contínuo e complexo. O ser humano deve ser considerado como
sujeito ativo na construção do conhecimento, e que esse aprender somente se
dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade.
Diante desse quadro de mudanças no campo educacional e profissional,
Brunner (apud TEDESCO, 2004, p. 17) contribui na reflexão ao destacar que:
A educação vive um momento revolucionário, carregado, por isso
mesmo, de esperanças e incertezas. Isso se manifesta claramente na
aproximação entre educação e novas tecnologias da informação e da
comunicação [...] existe hoje um verdadeiro fervilhar de conceitos e
iniciativas, de políticas e práticas [...] as esperanças se misturam com as
frustrações, as utopias, com as realidades.

Por conseguinte, na medida em que ocorrem rápidas e profundas


modificações no mundo contemporâneo, a educação se encontra em

–  213  –
Temas Contemporâneos da Educação

permanente tensão. Isso contribui para ampliar as possibilidades de


conhecimento em uma sociedade marcada pela forte presença da informação
e da tecnologia cada vez mais sofisticada.
Nesse contexto, e de acordo com Brunner (apud TEDESCO, 2004, p.
34), “[...] a educação é mais do que apenas a transmissão de conhecimentos
e a aquisição de competências valorizadas no mercado, envolve valores, forja
o caráter”. Isso porque o sujeito não é um mero depositário de conhecimen-
tos, ele pensa e reage a cada nova situação que se lhe apresenta e estabelece
relações humanas e sociais capazes de gerar novas formas de interação entre
os sujeitos.
Em outra perspectiva, Delors oferece uma visão prospectiva de uma
educação voltada para o desenvolvimento de competências, afirmando que:
Não basta que cada qual acumule no começo da vida uma
determinada quantidade de conhecimentos de que se possa abastecer
indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e
explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar,
aprofundar e enriquecer esses conhecimentos, e de se adaptar a
um mundo em mudança. Para poder dar resposta ao conjunto das
suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro
aprendizagens fundamentais, que, ao longo de toda a vida, serão
de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento:
aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão;
aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender
a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas
as atividades humanas; aprender a ser, via essencial que integra as três
precedentes (2001, p. 89-90).

Depreende-se, portanto, da necessidade de construir caminhos para


os professores se apropriarem criticamente de novas práticas. E isso requer
incentivo à autonomia individual, à solidariedade, espírito científico,
condições consideradas essenciais para o desenvolvimento humano integral,
entendendo que o conhecimento não é constituído de verdades estáticas,
mas em uma dimensão processual dinâmica, que acompanha a vida humana
e serve como guia da ação dos sujeitos.
O sistema educacional vê-se, assim, confrontado com requisitos cada
vez mais elevados ao nível da criatividade, da aplicação e disseminação
da informação, da transferência e adaptação de conhecimentos a novas

–  214  –
Saberes e fazeres pedagógicos na contemporaneidade

situações socialmente relevantes e exigentes. Portanto, a preparação


para responder a tais exigências coloca a educação, em todos os níveis
e modalidades, diante de situações que exigem uma reconstrução dos
métodos e técnicas de ensino.
Existe certa concordância quanto à importância da presença da inovação
e das práticas de investigação no contexto das instituições educacionais, bem
como a necessidade do desenvolvimento de competências para essas atividades
nos processos de formação básica e permanente das pessoas.
Trata-se, então, não de uma técnica ou de mais um saber, mas de uma
capacidade de mobilizar um conjunto de recursos, conhecimentos, esquemas
de avaliação e de ação, ferramentas e atitudes, a fim de enfrentar com eficácia
situações complexas e inéditas.
A educação é o resultado do trabalho de milhares de pessoas que,
interagindo, ensinam e aprendem, podendo-se considerar a atividade
educativa como uma responsabilidade das famílias, da sociedade e do
Estado. Quanto às famílias, enfatiza-se sua função socializadora e o dever
de buscar todos os meios para que os seus integrantes possam ter acesso
aos bens culturais e às ofertas que cada sociedade disponibiliza aos seus
cidadãos. Ao Estado é confiada a responsabilidade de oferecer possibilidades
concretas para que todos tenham acesso à educação, permaneçam na escola e
alcancem os melhores resultados em cada contexto. Às sociedades solicita-se,
de maneira difusa, que apostem tanto na instrução como na formação de
valores, por intermédio dos meios de comunicação e das mais diversas formas
de cooperação.
Assim, pode-se entender que a missão da educação, na sociedade atual,
reside em permitir que sejam exploradas e desenvolvidas metodologias que
levem os jovens a olhar a escola como um local de aprendizagem e que,
uma vez cumprido o ciclo básico, possam a ela regressar para continuar
aprofundando e compartilhando novos saberes
A escola, vista então como local prazeroso de aprendizagem,
descolada da obrigatoriedade de cumprimento de ciclos promocionais
com fechamento e rompimento com o conhecimento que se constrói no
cotidiano social, deve ser objeto de reflexão para a construção de projetos
de formação de professores.

–  215  –
Temas Contemporâneos da Educação

Isso requer o dissipamento de visões mecanicistas e muitas vezes ingê-


nuas, no sentido de perceber as relações existentes entre educação e sociedade
e as estruturas que permeiam. Essa compreensão é fundamental para que
se possa entender a prática pedagógica presente no exercício profissional e
desenvolver uma ação pedagógica contextualizada transformadora.
Daí a necessidade de se construir práticas pedagógicas alicerçadas em
paradigmas inovadores, uma vez que esses possibilitam maior viabilidade em
atender aos desafios da sociedade do conhecimento.

Da teoria para a prática

Neste capítulo, tratamos da prática pedagógica no contexto


da sociedade da informação, da globalização, da revolução
tecnológica. Frente à prática observada e à discussão suscitada,
fica a proposta de reflexão: a tecnologia pode transformar a
educação? Em que medida o uso de novas tecnologias no
processo pedagógico poderá contribuir positivamente no
processo ensino-aprendizagem?
Se o leitor trabalha ou estagia em alguma escola, pode
realizar atividades de observação da prática docente, já que é
possível se deparar com o uso de novas tecnologias. Além da
observação realizada na escola, é interessante assistir ao vídeo
Metodologia ou tecnologia, indicado a seguir, e refletir sobre a
relação educação-tecnologia.
METODOLOGIA ou tecnologia. Disponível em: <http://
www.youtube.com/watch?v=xLRt0mvvpBk>. Acesso em: 20
out. 2010.

Síntese
A prática pedagógica dos atores educacionais não é um fenômeno alheio
às transformações da sociedade contemporânea. Uma “nova sociedade”

–  216  –
Saberes e fazeres pedagógicos na contemporaneidade

requer um novo paradigma educacional, o que demanda alterações na


concepção de conhecimento, assim como nos papéis e funções de professores
e alunos.
Em nosso atual contexto, há a necessidade de se compreender que a
aprendizagem é um processo contínuo e complexo. Dessa compreensão,
depreende-se a exigência de um processo de formação permanente,
continuado, cabendo ao novo paradigma da educação a reestruturação de
novas práticas, permitindo e estimulando os indivíduos a regressarem aos
processos educativos para que continuem aprofundando e compartilhando
novos saberes.

–  217  –
Temas Contemporâneos da Educação

–  218  –
4
Educação, meio
ambiente e
sustentabilidade
É praticamente consenso no discurso e na racionalidade da
atualidade a importância de nos preocuparmos em deixar um pla-
neta melhor para as gerações futuras, constatação que exige mudan-
ças de comportamento no presente. Já nos demos conta que nossa
existência não está separada do planeta, entretanto, vivemos em um
constante conflito, em que precisamos escolher entre uma vida de
consumo e exploração irresponsável do local de nossa existência ou
uma relação saudável e amistosa com o planeta.
Nesse capítulo apresentaremos textos que denotam a
importância da inserção das questões ambientais nos processos edu-
cacionais, deixando de lado a pedagogia da era industrial, que tem
uma visão produtivista e exploratória do planeta, assumindo assim
um novo paradigma em que o planeta é compreendido como um
ser vivo, e não apenas como um corpo astronômico.
Temas Contemporâneos da Educação

Por meio da educação ambiental consciente e responsável educamos


para a sustentabilidade, e isso se reflete nos direitos humanos. Nesse con-
texto, conceitos como justiça social e econômica e paz estão contemplados,
mostrando aos educandos que é possível mudar a vida na Terra para uma vida
mais digna para todos.
Nesse sentido, a educação é o caminho de orientação para nossas ações,
o que definirá o futuro que teremos. Partindo dessa concepção, estabelecemos
a relação indissociável entre educação e meio ambiente, a qual aponta para a
necessidade iminente de uma educação para uma vida sustentável.
Moacir Gadotti, na página 63 de sua obra Educar para a sustentabili-
dade, publicada em 2009 pelo Instituto Paulo Freire, afirma que “precisamos
de uma Pedagogia da Terra, justamente porque sem essa pedagogia para a
reeducação do homem/mulher, principalmente do homem ocidental (...) não
poderemos mais falar da Terra como um lar.”

–  220  –
4.1
Educação ambiental:
definição e emergência
do tema
(Francisco Carlos Pierin Mendes)

Desde o início da civilização, o homem, nas diferentes épocas


históricas, buscou acumular riquezas utilizando os recursos naturais
à sua volta. Quando esses rareavam, empreendia luta na tentativa de
encontrar mais e melhores recursos em outras regiões, assegurando
as condições de sobrevivência de seu grupo. Assim, travou guerras
hegemônicas, montou grandes expedições, submetendo povos e seus
recursos naturais à sua ganância e exploração.
A forma arrogante e prepotente com que tratava o seu meio
tornava-o cego ao óbvio: “os recursos ambientais são finitos, limitados
e estão dinamicamente inter-relacionados” (PEDRINI, 1997, p. 21).
Na tentativa de reverter essa situação, o homem percebe a
necessidade de discutir seu modelo de desenvolvimento econômico
e social e suas implicações ambientais. Cria leis, normas, acordos
globais, e outros instrumentos que visam conscientizar a sociedade
sobre a importância de se preservar o patrimônio natural do planeta.
Temas Contemporâneos da Educação

Nesse contexto, apresenta-se a educação ambiental como uma dimensão


do processo educativo voltada para a participação de seus atores, educandos
e educadores, na construção de um novo paradigma que contemple as
aspirações populares de melhor qualidade de vida socioeconômica e mundo
ambientalmente sadio (GUIMARÃES, 1995).
Para compreender esse processo, é fundamental recordar o surgimento
da educação ambiental no Brasil e no mundo.

4.1.1 A emergência internacional da temática ambiental


A educação ambiental, assim como outros assuntos referentes ao meio
ambiente, não pode ser abordada apenas na dimensão local. O ambiente é
compartilhado por diferentes povos e nações; por exemplo, um lençol freático
contaminado em um bairro ou cidade, pode originar um riacho, em outra
localidade, expandindo assim a contaminação; ou uma indústria que libere
resíduos líquidos contaminados nos rios, pode contribuir para alterar as condições
de solo, qualidade da água em regiões distantes, trazendo prejuízos à comunidade.
A abrangência internacional da degradação do meio ambiente, em
determinadas regiões, vem afetando grandes massas populacionais de
diferentes setores da sociedade. As fronteiras não são fatores de contenção
para a poluição atmosférica.
No século XIX, quando as questões ambientais não eram preocupação da
população e dos governos, alguns já denunciavam a devastação e a destruição
do planeta. Como exemplo clássico, podemos citar o cacique indígena norte-
americano Seattle, que previu intuitivamente problemas ambientais que
seriam enfrentados pela sociedade moderna, cuja causa principal seria a ação
desordenada do homem sobre a Terra.
Raquel Carson também denuncia a desatenção com o meio ambiente em
sua obra Primavera silenciosa (1962), clássico da história do ambientalismo
mundial, em que levanta a questão da prática de alguns países de crescer às
custas dos recursos naturais de países subdesenvolvidos e pobres.
No século XX, percebeu-se o início de uma preocupação maior da
sociedade para com o equilíbrio ambiental, pois diferentes eventos marcaram

–  222  –
Educação ambiental: definição e emergência do tema

passos relevantes na trajetória da EA138 contemporânea, como a Conferência


das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (1972), marco
inicial de interesse pela educação ambiental. Ao mesmo tempo, o Clube de
Roma publicava importante documento baseado no crescimento demográfico
e na exploração dos recursos naturais, falando sobre um possível colapso da
humanidade (PEDRINI, 2002).
Na sequência, aconteceu o Encontro de Belgrado (ex-Iugoslávia), em
1975, que gerou a Carta de Belgrado (1994), com a participação de 65 países.
Esse documento, dentro de uma nova ética planetária, buscou promover a
erradicação da pobreza, do analfabetismo, da fome, da poluição, da exploração
e da dominação humana. Além disso, condenou o desenvolvimento de uma
nação às custas de outra e sugeriu a criação do Programa Mundial de Educação
Ambiental. Assim, a Unesco criou o Programa Internacional de Educação
Ambiental (PIEA), com importantes publicações em diversos idiomas.
A Unesco promoveu, então, uma segunda reunião, a mais marcante de
todas, que revolucionou a EA: a Primeira Conferência Intergovernamental
sobre Educação Ambiental, realizada em Tbilisi (Geórgia), de 14 a 26 de
outubro de 1977. Nessa conferência, funções, princípios e recomendações
para a educação ambiental foram apresentados (DIAS, 2000). Pedrini (2002,
p. 28) ressalta alguns pontos fundamentais dessa conferência:
Deveria a EA basear-se na ciência e na tecnologia para a consciência
e adequada apreensão dos problemas ambientais, fomentando uma
nova conduta quanto à utilização dos recursos ambientais. Deveria se
dirigir tanto pela educação formal como informal a pessoas de todas
as idades. E, também despertar o indivíduo a participar ativamente
na solução de problemas ambientais em seu cotidiano. Teria que ser
permanente, global e sustentada numa base interdisciplinar, demons-
trando a dependência entre as comunidades nacionais, estimulando a
solidariedade entre os povos da Terra.

Pode-se dizer que são recomendações, princípios, que primam pela


união entre as nações, um esforço comum na busca por resolver as questões
ambientais, tendo na EA um dos principais fatores que poderiam determinar
um desenvolvimento igualitário entre os países.
38 EA: educação ambiental.

–  223  –
Temas Contemporâneos da Educação

Em 1987, ocorreu em Moscou, a terceira conferência, com trezentos


educadores, de cem países, que avaliaram o desenvolvimento da EA desde a
Conferência de Tbilisi, reforçando seus princípios já consagrados e determinando
uma reorientação do processo educacional. Nesse encontro, foram apontadas
metas de ação para a década de 90 do século XX, que resumidamente seriam:
desenvolvimento de um modelo curricular; intercâmbio de informações;
desenvolvimento de recursos instrucionais; promoção de avaliações de
currículos; capacitação de docentes e licenciados em EA; melhora nas mensagens
ambientais veiculadas pela mídia ao grande público, entre outras.
No Rio de Janeiro, em 1992, aconteceu a Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também denominada de
Conferência de Cúpula da Terra, que reuniu 103 chefes de estado e 182 países.
Essa conferência aprovou acordos internacionais oficiais, como a Declaração do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21 e os meios para sua
implementação, Declaração de Florestas, Convenção-Quadro sobre Mudanças
Climáticas e Convenção sobre Diversidade Biológica. Paralelamente, o governo
brasileiro aprovou um documento denominado Carta Brasileira para a Educação
Ambiental, que enfoca o estado, em particular as instâncias educacionais
como: Ministério da Educação (MEC) e Conselho de Reitores, determinando
implementação imediata da educação ambiental em todos os níveis.
Nessa conferência, participaram ONGs e a sociedade civil – todas as
matizes ideológicas e credos –, debatendo questões ambientais e produzindo
documentos importantes como o Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e de Responsabilidade Global.
Em Cape Town, África do Sul, em 2002, dez anos após a Conferência
Mundial de Meio Ambiente (Rio 92), a Agenda 21 buscou sua chancela e
tomou novos rumos, consagrando-se nos espaços político-governamentais.
O mundo aguardava com grande expectativa a Conferência sobre
Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP 15), realizada em dezembro
de 2009, em Copenhague, que contou com a participação de delegações dos
193 países e muitos chefes de estado. Porém, os resultados não confirmaram
as expectativas. Acordos preliminares são assinados sem discussão e aprovação
em plenária, determinando a implantação de metas modestas para emissão de
gases responsáveis por prováveis mudanças climáticas no planeta. Pode-se dizer
que ocorreu um pequeno avanço; no entanto, ficou em aberto o espaço para

–  224  –
Educação ambiental: definição e emergência do tema

discussões futuras, reafirmando a necessidade de acordos mais consistentes


com a participação de todos os países, principalmente os desenvolvidos.

Saiba mais
A Conferência de Copenhague criou uma expectativa muito
grande na comunidade mundial em relação a possíveis acordos
relacionados às questões ambientais, porém, ficou muito aquém
das expectativas. Os pontos principais do acordo preliminar
dessa conferência podem ser vistos no link: <http://www.cop-
15brasil.gov.br/pt-BR/?page=noticias/acordo-de-copenhague>.

Para Pedrini (2002), as conferências são importantes fontes de consulta


para a prática da EA, não tanto pelas suas contradições e pressupostos políticos,
alguns claramente neoliberais, mas pelos avanços técnicos apresentados nos
pressupostos pedagógicos arrolados. Diferentes publicações disseminam
experiências inovadoras do Terceiro Mundo, relatam resultados de eventos
em várias partes do planeta, contribuindo para o avanço nas discussões.
No Brasil, simultaneamente às conferências, discussões contribuem para
o desenvolvimento de políticas com a perspectiva de melhorar as condições
ambientais do País.

4.1.2 Educação ambiental no Brasil


No Brasil, a educação ambiental se fez tardiamente, teve início na década
de 70 do século XX, coincidindo com o período de início das conferências
em nível mundial. Conforme a opinião de muitos pesquisadores, a EA
encontrava-se em estágio embrionário, isto porque em um país periférico as
inovações tendem a chegar com atraso em relação aos países centrais. O atraso
no início da discussão ambiental também é justificado pela situação política
vivenciada no País, pois nesse período, o regime autoritário comandava as ações.
Em um breve olhar para o passado, constata-se que o debate ambiental
se instaurou no País sob a égide do regime militar, nos anos 70 do século XX,
muito mais pela força de pressões internacionais do que por movimentos

–  225  –
Temas Contemporâneos da Educação

sociais de cunho ambiental, nacionalmente consolidados (LOUREIRO,


2004). No entanto, com a abertura política, algumas ações, projetos e
programas passam a ser desenvolvidos, garantindo a inclusão do tema na
Constituição de 1988.
O ambientalismo ganha caráter público e social efetivo no Brasil apenas
no final da década de 80 do século passado, quando começam a surgir, mais
intensamente, trabalhos acadêmicos abordando a temática, paralelos ao
envolvimento maior da sociedade nessa questão, tendo em vista um processo
de abertura política.
Com a Conferência para Desenvolvimento e Meio Ambiente do Rio
de Janeiro, também conhecida como Eco 92, a EA se estabelece perante a
sociedade brasileira como uma demanda institucional, determinando o
desenvolvimento de muitos projetos. A expressão “educação ambiental” se
massifica, porém, seu conceito ainda não é muito claro entre os educadores
e a população em geral, sendo muitas vezes confundido com o ensino de
ecologia (GUIMARÃES, 1995).
Diferentes relatórios apontam como um dos principais problemas que
determinaram a precariedade da educação ambiental como política pública,
o fato de não ter sido tratada como parte da área de educação e sim como de
meio ambiente. Essa falta de percepção da EA
como processo educativo, reflexo de um movimento histórico, produ-
ziu uma prática descontextualizada, voltada para a solução de proble-
mas de ordem física do ambiente, incapaz de discutir questões sociais
e categorias teóricas centrais da educação (LOUREIRO, 2004, p. 81).

Na década de 90 do século XX, pela mobilização social, em decorrência


da Rio 92 ou pelo alcance global das questões ambientais, o Governo Federal,
por meio do Ministério da Educação e do Ministério do Meio Ambiente,
produziu importantes documentos, como o Programa Nacional de Educação
Ambiental (1994), que definiu algumas linhas de ação para a temática
ambiental: inclusão da educação ambiental no ensino formal; educação no
processo de gestão ambiental; realização de campanhas específicas de EA;
busca de cooperação com os meios de comunicação e com os comunicadores
sociais; articulação e integração das comunidades e articulação intra e
interinstitucional; criação de um rede de centros de educação ambiental,
entre outras (BRASIL, 2003, p. 9).

–  226  –
Educação ambiental: definição e emergência do tema

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n. 9.394/96),


no Artigo 36, inciso I, prevê a EA como conteúdo curricular da educação
básica a ser ministrada de forma multidisciplinar e integrada em todos os
níveis. Ela é o único dispositivo legal que prevê a inclusão da temática na área
de educação, e isto pode ser considerado um avanço.

Saiba mais
Nas discussões sobre a educação ambiental, um documento
que merece uma atenção especial é a Carta da Terra, publicada
em março de 2000, que nasce da colaboração do Conselho
da Terra – constituído a partir da Rio 92 – com a Cruz Verde
Internacional, com representantes de vários países. Procure fazer
a leitura desse documento, ele significa a ruptura cultural episte-
mológica com o antropocentrismo e alerta sobre a importância de
todos os seres sobre a Terra (FERRERO; HOLLAND, 2004).

Em 1997, com base na LDBEN, são produzidos e lançados os Parâmetros


Curriculares Nacionais. Esse documento definiu temas de relevância social,
urgência e universalidade, tratados, transversalmente, e com eixos definidos
nas disciplinas; além disso, constituiu avanço significativo ao determinar que
a temática ambiental seja inserida não como disciplina, e sim como elemento
a ser abordado em diversas áreas do conhecimento.
Em 27 de abril de 1999, a Lei n. 9.795 (BRASIL, 1999), que dispõe
sobre a educação ambiental, foi sancionada, instituindo a Política Nacional
de Educação Ambiental e outras providências. Entre elas podemos destacar
a definição de EA como componente essencial e permanente da educação
nacional, seus princípios – com enfoque humanista, holístico, democrático e
participativo – e os objetivos, visando ao desenvolvimento de uma compreensão
integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações.
Regulamentando a lei, temos o Decreto n. 4.281, de 25 de junho
de 2002, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e cria o
órgão gestor da política, dirigido pelos Ministérios da Educação e do Meio

–  227  –
Temas Contemporâneos da Educação

Ambiente, com assessoramento de diferentes entidades ligadas à sociedade


organizada (BRASIL, 2002).
Para Loureiro (2004), apesar da mobilização dos educadores ambientais
e da aprovação da lei que define sua política nacional, a educação ambiental
ainda não se consolidou como política pública de caráter democrático,
universal e includente. No entanto, a construção de espaços de diálogo que
envolvem redes, universidades e os Ministérios do Meio Ambiente e da
Educação, constituem avanços nas políticas de EA.
Esse breve relato do percurso da EA permite conhecer um pouco da sua
história, construída, principalmente, com base nas conferências, marcadas
pela contradição, visto os diferentes interesses econômicos e de mercado que
permeiam a temática ambiental.

4.1.3 O que é a educação ambiental?


Para que possamos compreender melhor como está sendo construída a
temática educação ambiental no contexto atual e, principalmente, no Brasil,
recorremos a alguns autores que abordam o tema em livros e artigos acadêmicos.
Essa definição se apresenta como elemento fundamental para compreender a
inclusão da EA na escola e nas diferentes modalidades de ensino.
Entre as muitas definições apresentadas, pode-se dizer que a de Tbilisi
(1977) significa um marco no desenvolvimento da EA. Pois apresenta a EA como
um processo de reconhecimento de valores e clarificação de concei-
tos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando
atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações
entre humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A educação
ambiental também está relacionada à prática das tomadas de decisão e
a ética que conduzem para a melhoria na qualidade de vida (CONFE-
RÊNCIA INTERGOVERNAMENTAL DE TBILISI apud SATO,
2003, p. 23).

Esses princípios, estratégias e objetivos são definidos em Tbilisi, conforme


consta no Programa Parâmetros em Ação Meio Ambiente na Escola:
[...] uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada
para a resolução dos problemas concretos do meio ambiente, através de
enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de
cada indivíduo e da coletividade (BRASIL, 2001, p. 13).

–  228  –
Educação ambiental: definição e emergência do tema

Essa conferência apresentou a educação ambiental como fator primor-


dial para que a riqueza e o desenvolvimento dos países sejam atingidos igua-
litariamente. Ainda, determinou que a EA deve ser abordada pela educação
formal e informal, procurando atingir pessoas de todas as idades, despertando
o indivíduo a participar ativamente da solução de problemas ambientais de
seu cotidiano (PEDRINI, 1997).
Outra definição importante está presente na Lei n. 9.795, que dispõe sobre
a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental:
Art. 1º. Entendem -se por educação ambiental os processos por meio
dos quais o indivíduos e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial
a sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999).

Existem diferentes definições atribuídas à educação ambiental, porém, a sua


inclusão na escola ainda se apresenta como um grande desafio aos educadores.
A historicidade da educação ambiental no Brasil apresentada no texto,
evidencia que, apesar de ser considerada um assunto recente no meio educativo
e na sociedade civil, já se consolidou como campo de estudo sistematizado e
de grande importância nas discussões ambientais no país.

Da teoria para a prática


“Nós somos a Terra, gente, planta e animais; somos chuva e
oceanos. Honramos a Terra que é o lugar dos seres vivos.
Apreciamos a beleza da Terra e sua diversidade de vida”
(CARTA DA TERRA apud SATO, 2003, p. 57).
Para despertar a criticidade dos alunos em relação à Educação
Ambiental, abordar a temática constante na Carta da Terra, uma
declaração de princípios éticos fundamentais para a construção,
no século 21, de uma sociedade global justa, sustentável e
pacífica. A Carta da Terra busca inspirar todos os povos a um
novo sentido de interdependência global e responsabilidade
compartilhada, voltada para o bem-estar de toda a família
humana, da grande comunidade da vida e das futuras gerações.

–  229  –
Temas Contemporâneos da Educação

Síntese
Neste capítulo refletimos sobre a degradação ambiental que ocorre em
todos os continentes, sobre como os problemas ambientais criados por um
país distante interferem diretamente em regiões próximas, determinando o
caráter global das questões ambientais.
Conhecemos aspectos que determinaram a emergência internacional
do estudo da EA e também o surgimento da temática no Brasil, a partir da
abertura democrática e da participação do país em importantes conferências
sobre o tema, culminando com a organização da Rio 92.
As conferências criadas pela comunidade internacional se apresentam
como espaços importantes para a discussão dos problemas ambientais e para
a tomada de decisões coletivas, visto a abrangência do assunto.
Por meio dessas reflexões, procurou-se definir a educação ambiental no
contexto brasileiro, como processos coletivos e individuais, ações, habilidades,
atitudes e conhecimentos voltados à conservação do meio ambiente e à
melhoria nas condições de vida da população.
Podemos dizer, ainda, que a educação ambiental se apresenta como
um campo de estudo que jamais estará pronto, quanto à sua forma ou seu
conteúdo. No entanto, pesquisadores estarão à procura de caminhos para
atender às reais necessidades da temática, para contribuir para a melhoria das
questões ambientais do planeta.

Glossário
ÙÙ Antropocentrismo: Relativo a antropocêntrico, concepção que con-
sidera que a humanidade deve permanecer no centro do entendi-
mento dos humanos, isto é, o universo deve ser avaliado de acordo
com a sua relação com o homem. É normal se pensar na ideia de “o
homem no centro das atenções”.
ÙÙ Epistemológica: Relativo à epistemologia, que estuda a origem, a
estrutura, os métodos e a validade do conhecimento.

–  230  –
4.2

Desafios da educação
ambiental na sociedade
do conhecimento

Neste capítulo tem-se a intenção de discutir a educação


ambiental no mundo contemporâneo, os seus desafios e a
necessidade de respeitar às diversidades: cultural, social e biológica.
Tristão (2002) apresenta alguns desafios que podem
contribuir para que a educação ambiental realmente tenha significado
nessa sociedade que valoriza o conhecimento, as informações e as
novas tecnologias.
Aliado a isso, discutiremos a contribuição das novas tecnologias
e seus efeitos sobre a complexa estrutura ambiental do planeta.
Temas Contemporâneos da Educação

4.2.1 O desafio
A educação ambiental, entendida como uma prática transformadora,
comprometida com a formação de cidadãos críticos e corresponsáveis por
um desenvolvimento que respeite o ambiente e as diferentes formas de vida,
enfrenta muitos desafios neste início de século (TRISTÃO, 2002).
O momento pede uma articulação de princípios teóricos que
fundamentam a educação ambiental com o pensamento contemporâneo.
“O respeito às diversidades cultural, social e biológica é o fio condutor das
relações estabelecidas com o contexto contemporâneo.” (TRISTÃO, 2002, p.
169). Vivenciamos uma nova fase, outra realidade, a que o autor denomina
de pós-modernidade ou modernidade tardia, em que uma ruptura com a
racionalidade instrumental – levando a um saber pertinente e significativo.
Nesse contexto, vemos a possibilidade de articulação entre diferentes
dimensões. Religar o que parece disjunto é o grande desafio da educa-
ção ambiental.
A complexidade ambiental vem ao encontro do que está sendo discutido,
o seu entendimento só ocorre a partir do conceito de diversas disciplinas,
é tecido a partir da convivência, do diálogo inter, trans e pluridisciplinar
(ARDOINO apud TRISTÃO, 2002).
Percebe-se que os conceitos que contribuem para discutir os desafios
da educação ambiental extrapolam o limite das disciplinas, são transversais,
multirreferenciais.
Com o objetivo de desvendar os desafios da educação ambiental na
sociedade contemporânea, Tristão (2002) pontua brevemente alguns deles.

4.2.2 Enfrentar a multiplicidade de visões


A educação é uma área de interseção de múltiplos saberes, sendo
impossível pensar a educação ambiental através da metáfora da árvore do
conhecimento, em que temos um tronco comum irradiando os galhos das
diferentes “especializações” (GALLO, 1999).
O pensamento e o conhecimento não podem ser pensados de maneira
linear e hierarquizada como a metáfora propõe. Apesar da origem comum,

–  232  –
Desafios da educação ambiental na sociedade do conhecimento

vários campos devem se integrar visando à articulação dos saberes, a


multiplicidade de visões.
Outra metáfora, chamada de rizoma, é apresentada pelo autor com
base nos trabalhos de Deleuze e Guattari (1996), em que a dimensão
ambiental está associada a todas as dimensões humanas, cujos conceitos
estão entrelaçados, interligados, articulados, permitindo possíveis trânsitos
de múltiplos saberes.
Assim, o professor deve estar preparado para trabalhar com a diversidade
de visões, saber fazer a conexão entre as culturas. É importante que a
educação ambiental respeite a diversidade social, cultural e biológica e,
através da escola, procure passar da simples transmissão do conhecimento
para o estabelecimento de uma comunicação crítica, criadora de um sistema
imaginativo e transformador da cultura e do ser humano.

4.2.3 Superar a visão do especialista


A especialização contribuiu muito para o desenvolvimento das ciências;
inúmeros foram os benefícios com a fragmentação, o aprofundamento, a
exploração e a experimentação. Como consequência, essa lógica se estendeu
para a sociedade e para as relações humanas, determinando uma dificuldade
em adotar uma abordagem multidisciplinar.
Essa concepção que fraciona, separa os problemas em uma única
dimensão, impossibilita a reflexão multidimensional e a capacidade de
compreensão a longo prazo, pois o especialista pensa apenas no imediato.
Ao contrário dessa postura, professores que irão trabalhar com a
educação ambiental devem ousar e buscar romper as barreiras conceituais
que existem entre as disciplinas, “visando à constituição de um conhecimento
que compreenda a interação entre diferentes fenômenos da realidade, além
de buscar os exercícios de práticas coletivas mais flexíveis e vivenciais”
(TRISTÃO, 2002, p. 175).
É difícil falar da interdisciplinaridade como proposta para superação da
visão do especialista, se considerarmos que a estrutura de currículo, presente na
maioria das escolas, não apresenta articulação entre as disciplinas. Ações ditas
interdisciplinares não passam de projetos multidisciplinares (TRISTÃO, 2002).

–  233  –
Temas Contemporâneos da Educação

Disciplinas como as ciências naturais e a geografia têm afinidade de


conteúdos, pois abordam questões ambientais. No entanto, a inserção dos
conteúdos ocorre por meio de exercícios multidisciplinares, acontecendo, um
diálogo entre as disciplinas.
Desmontar tudo que foi construído pelas disciplinas e acabar com
todas as barreiras pressupõe uma mudança radical, que não acontece
rapidamente. [...] a interdisciplinaridade pode propiciar uma organi-
cidade, encarando as disciplinas como abertas ou fechadas, ao mesmo
tempo rompendo aos poucos a concepção parcelada de conhecimento
(TRISTÃO, 2002, p. 175).

Destruir essas barreiras contribui para que a educação ambiental passe a


ser abordada de forma interdisciplinar, superando assim a visão fragmentada
e descontextualizada do especialista.
A pedagogia foi marcada por um ideal de ciência objetivista, pelo
estudo de um mundo-objeto, distante, externo do sujeito cognoscente238
, que imprimiu à educação uma tecnificação sustentada por uma
pseudoneutralidade da ciência, da certeza, que afasta os envolvidos da
atitude reflexiva (TRISTÃO, 2002).
Diante disso, a importância da educação ambiental,
que não se propõe apenas a ampliar o conteúdo do processo edu-
cativo inserindo mais um objeto denominado meio ambiente,
mas implica rever os pressupostos epistemológicos da pedagogia
moderna sustentada em uma razão instrumental, acrescentando a
essa pedagogia a compreensão de uma sociedade diferente, múl-
tipla, heterogênea, diversa e cheia de contradições (TRISTÃO,
2002, p. 177).

Para o autor, assimilar as incertezas traz grandes contribuições para uma


nova prática no trabalho com a educação ambiental, já que esta, muitas vezes,
está dominada por “verdades ecológicas”, ou mesmo por concepções de que a
natureza é harmônica, como encontramos em documentos oficiais.

4.2.4 Superar a lógica da exclusão


A complexidade da sociedade moderna, aliada ao caráter integrador do
tema meio ambiente, que permite por meio da teoria e da prática estudar as
38 Cognoscente: sujeito capaz de adquirir conhecimento.

–  234  –
Desafios da educação ambiental na sociedade do conhecimento

diferentes dimensões da sociedade, apresenta-se como grande desafio em um


contexto muito mais amplo, a luta para superar a lógica da exclusão.
Em uma abordagem que valorize a sustentabilidade, propõe-se superar a
lógica da exclusão através da eliminação das desigualdades entre classes, povos
e nações, abolindo a pobreza e procurando garantir um desenvolvimento
satisfatório para todos.
Tristão (2002) faz referência às consequências provocadas pela globa-
lização – apoiada em tecnologias da informação, sistemas de pesquisa e de
desenvolvimento – como responsáveis pela reprodução de desigualdades
sociais no Brasil e em outros países periféricos. A valorização da concepção
econômica em detrimento da socioambiental é determinante para o aumento
dessas desigualdades.
A sustentabilidade, como concepção, deve superar a globalização, pois
as necessidades de saúde, água de qualidade, ar puro e beleza natural são
fundamentais para o bem-estar humano.
A questão da ética socioambiental como um conjunto de compor-
tamentos significativos, envolvendo a sociedade como um todo. Ao
contrário dessa postura, a globalização promove uma polarização entre
países pobres e ricos. [...] essa falta de solidariedade global exigida por
este contexto exclui a maioria (TRISTÃO, 2002, p. 181).

Esse contexto global determina uma falta de solidariedade. Por um lado,


ocorre uma pressão por uma padronização da economia, e por outro, a afirmação
de uma cultura homogenizadora dos padrões de consumo, ocasionando grandes
problemas sociais, principalmente nos países mais pobres.
Assim, nos países centrais, ricos, o risco maior está na deteriorização
dos recursos naturais pelo consumismo exagerado, enquanto que os pobres
enfrentam outros tipos de riscos, como a exclusão dos serviços básicos de
saúde, educação, saneamento e pobreza, fatores esses que determinam um
aumento da pressão sobre a natureza (TRISTÃO, 2002).
A superação desse impasse não ocorrerá enquanto não sobrepujarmos
essa visão dual de mundo e da vida, que sustenta todo o pensamento
moderno (ASSMANN, 1998). A lógica racional exclui alguns sentimentos
importantes, como a emoção e a intuição, fundamentais para estreitar os
laços com a natureza e para se viver em solidariedade, determinando, assim, o
compartilhamento da insensibilidade em relação à lógica excludente.
–  235  –
Temas Contemporâneos da Educação

Desse modo, faz-se necessária uma compreensão da correlação entre a


problemática ambiental e social. A preocupação com os problemas ambien-
tais surgiu na ecologia, com base disciplinar na biologia, portanto, somente
as ciências naturais se interessaram pelo seu estudo, o que determina uma
redução da sua abordagem.
Com o aumento da complexidade dos problemas ambientais, percebeu-
-se a necessidade de entrelaçar, de estabelecer uma relação de interdepen-
dência entre vários fenômenos, relacionando os estudos da natureza com a
sociedade (TRISTÃO, 2002).
O trabalho dos educadores – buscando um ensino que inclua temas de
significação social, como de uma educação ambiental que seja comprometida
com a sustentabilidade socioambiental – é fundamental para superar a lógica
da exclusão presente na sociedade moderna.

4.2.5 As novas tecnologias e a educação ambiental


Para Leff (2002, p. 194), as transformações que determinaram a cha-
mada crise ambiental foram produzidas pelo “desconhecimento do conheci-
mento”, que produziu a falsa certeza de que todas as modificações e conse-
quências desse processo sobre o ambiente podem ser resolvidas com a ajuda
da tecnologia.

Saiba mais
Considerado o pai da filosofia moderna, Descartes (1999), que
desenvolveu o método dedutivo, com inúmeras contribuições para
a matemática. Esse método pode ser dividido em quatro fases:
evidência, análise, síntese e remuneração. Descartes tornou possível,
assim, avanços significativos na ciência, porque possibilitou que os
problemas fossem abordados a partir de suas partes.

Nesse contexto, faz-se necessária uma reapropriação do conhecimento,


ou a aprendizagem de uma nova forma de viver, superando as concepções

–  236  –
Desafios da educação ambiental na sociedade do conhecimento

do paradigma cartesiano e buscando a construção de novo saber ambiental


que “perpassa pela compreensão de que mais do que aprender informações
sobre o ambiente precisa-se aprender/compreender como o conhecimento
atua sobre o mesmo” (GOUVÊA, 2006, p. 4).
Assim, esse aprendizado, compreendendo como o conhecimento pode
atuar sobre o ambiente, pode ser facilitado pelo uso de diferentes tecnologias
da comunicação e da informação. Para Gouvêa (2006), a conscientização dos
problemas ambientais ocorre pela divulgação das informações, e pela capaci-
dade do indivíduo de transformar essas informações sobre as diferentes ques-
tões ambientais em conhecimentos.
Segundo Gadotti,
O desenvolvimento espetacular da informação, quer no que diz
respeito às fontes, quer à capacidade de difusão, está gerando
uma verdadeira revolução, que afeta não apenas a produção
e o trabalho, mas principalmente a educação e a formação
(2000, p. 33).

Essas novas tecnologias, que estão sendo incorporadas aos processos


educativos, permitem uma formação continuada, trocas de experiências bem
sucedidas e também uma reflexão sobre o conhecimento no mundo real.

Saiba mais
Um texto importante para ampliar seu conhecimento em rela-
ção às tecnologias e sua importância na sociedade do conhe-
cimento é: “As novas tecnologias na educação ambiental: ins-
trumentos para mudar o jeito de ensinar e aprender na escola”,
de Paulo Blikstein (2007). Disponível no link: <http://portal.
mec.gov.br/secad/CNIJMA/arquivos/educacao_ambiental/
novas_tecnologias.pdf>.

Além da informação, a comunicação ganha espaço nesse novo cenário, as


diferentes linguagens facilitam a interação entre as pessoas. O conhecimento,
que antes ficava restrito ao meio acadêmico, técnico, agora é veiculado pela

–  237  –
Temas Contemporâneos da Educação

mídia. Como resultado dessa democratização, temos uma reflexão maior,


principalmente em relação aos problemas ambientais (GOUVÊA, 2006).
A internet se populariza, constituindo-se no grande canal de divulgação
de informações textuais, músicas, filmes, mapas e outras informações variadas.
O seu uso acarretou uma verdadeira revolução no tratamento de diferentes
informações, permitindo interatividade e, principalmente, facilitando o
acesso a diferentes informações em tempo real.
Assim, tratando-se da educação ambiental “o professor deve conseguir
problematizar o saber ambiental apresentado no suporte digital, colocando-o
em uma perspectiva onde os alunos possam se apropriar e utilizá-lo para a
construção de atitudes ecológicas” (GOUVÊA, 2006, p. 64).
A tecnologia na escola não é só uma ferramenta. Alguns itens tecnológicos
deixam de ser complementos e se tornam parte integrante da nossa vida,
como o computador, que dá sustentação a todas as nossas atividades, na
sala ou fora dela. O grande impacto da tecnologia não é permitir apenas a
procura de informações na internet ou a conversa com amigos pelas diferentes
ferramentas de comunicação, mas, sim, usá-las para expressar seus interesses
intelectuais e científicos, sua indignação com os problemas do mundo, como
o meio ambiente, criando alternativas e artefatos para contribuir com a
mudança desta realidade (BLIKSTEIN, 2007).
Pode-se dizer que o uso das novas tecnologias de comunicação
com ênfase na educação ambiental representa um avanço, visto que,
com a integração da informática e de outros meios, pode haver uma
sensibilização e conhecimento dos ambientes e de seus problemas. Esse
mundo virtual pode contribuir para a incorporação de conhecimentos
ambientais que irão embasar a discussão sobre o desenvolvimento de
uma sociedade sustentável, respeitando o ambiente (RODRIGUES;
COLESANTI, 2008).
Considerando a inserção das tecnologias, em especial a internet, “o
educador não pode estar à margem de todas as mudanças, uma vez que
estas estão refletindo diretamente na escola” (GOUVÊA, 2006, p. 4). Deve
inserir e discutir diferentes instrumentos que possibilitem novas formas de
trabalho, principalmente com a educação ambiental, dentro de princípios
éticos, que contribuam para a solução de diferentes problemas ambientais.

–  238  –
Desafios da educação ambiental na sociedade do conhecimento

Para Gouvêa (2006), essas tecnologias poderão contribuir para uma nova
visão do mundo, respeitando as relações homem-natureza, suas interações, e
visando a não destruição dos recursos naturais do planeta.
Finalmente, a introdução das tecnologias pode contribuir interligando
novos saberes na busca por uma compreensão maior desta complexa relação
entre homem-natureza-sociedade, dentro de um processo de autonomia,
liberdade e respeito ao ambiente.

Da teoria para a prática


O professor deve pensar em ações que possam ser desenvolvidas
junto aos alunos, na perspectiva de diminuir os efeitos da tecnologia
sobre o ambiente. Como exemplo, podemos citar a importância
de reciclar as pilhas de celular, aparelhos eletrônicos que foram
descartados, CDs, DVDs e outros materiais, diminuindo assim a
contaminação do ambiente com perigosos resíduos.

Síntese
Neste capítulo, foi possível perceber alguns desafios enfrentados pela
educação ambiental na busca por uma prática transformadora e comprometida
com a formação de cidadãos críticos, responsáveis e que busquem um
desenvolvimento que respeite o ambiente e as diferentes formas de vida.
Como desafios a serem superados para que essa prática possa ser
implementada, temos: o enfrentamento da multiplicidade de visões, a
superação da visão do especialista, da pedagogia das certezas e da lógica
da exclusão.
Observamos, também, a importância das novas tecnologias da
informação e da comunicação como forma de conscientização acerca da
busca de alternativas para os problemas ambientais enfrentados pelo planeta.

–  239  –
Temas Contemporâneos da Educação

–  240  –
4.3
A educação ambiental
e a formação de
professores

No capítulo anterior, procuramos trabalhar a importância da


superação da dicotomia teoria e prática, por meio de uma abordagem
em que esses elementos se complementam em um exercício libertador.
Abordaremos, agora, a importância do processo de formação
dos profissionais que irão atuar na educação ambiental, enfocando a
necessidade de um professor reflexivo-crítico, aberto às mudanças e
inovações, o que somente será possível através de um processo de for-
mação que valorize os conhecimentos científicos, a ética e a participa-
ção política do indivíduo.
Veremos que essa capacitação, muitas vezes, é realizada por
entidades governamentais ou não governamentais, determinando
dificuldades no encaminhamento. A capacitação fica a cargo das
secretarias estaduais e municipais e o Ministério da Educação, assim
como as universidades.
Temas Contemporâneos da Educação

4.3.1 A formação dos professores e os PCNs


Os currículos dos cursos de licenciatura das faculdades e universidades,
e os cursos de formação, não têm garantido o preparo efetivo para o exercício
adequado das atividades profissionais na área ambiental. O seu modelo é
convencional, teórico e prioriza a docência. Não capacita o indivíduo para
atuar em projetos ambientais ou para elaborar propostas diferenciadas para o
trabalho em sala de aula.
Dessa forma,
as práticas de formação de professores não favorecem o desenvol-
vimento de competências profissionais que implicam a capacidade
de mobilizar múltiplos recursos entre os quais os conhecimentos
teóricos e experienciais da vida profissional e pessoal para responder
às diferentes demandas colocadas pelo exercício da profissão. Ou
seja, implicam a capacidade de responder aos desafios inerentes à
prática, de identificar problemas e de pôr em uso o conhecimento
e os recursos disponíveis para resolvê-los (BRASIL, 2001, p. 21).

As especificidades da educação ambiental, tanto em nível temático


como nas práticas metodológicas, determinam a necessidade de processos
específicos de formação e capacitação dos professores, a fim de que ela seja
implementada na escola para atender às reais necessidades do educando.
Assim, torna-se relevante que a formação de profissionais para atuar com
a educação ambiental assegure:
ÙÙ o conhecimento dos conteúdos específicos da temática;
ÙÙ o domínio de procedimentos que favoreçam a pesquisa dos complexos
temas ambientais em suas complexas fontes de informação;
ÙÙ uma atitude de disponibilidade para a aprendizagem e busca
por atualização;
ÙÙ reflexão sobre o tratamento didático dos conteúdos, valores e atitu-
des sobre o meio ambiente.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, no caderno específico sobre meio
ambiente e saúde, atentam para a necessidade de uma formação docente
permanente e contínua, visto a educação ambiental ser um campo novo na
cultura escolar. A necessidade de um processo de formação/informação deve

–  242  –
A educação ambiental e a formação de professores

ser priorizada, buscando sempre um aprofundamento dos conhecimentos em


relação à temática ambiental.
O documento determina que o professor precisa “conhecer mais
amplamente os conceitos, procedimentos da área para abordá-los de modo
adequado à faixa etária” (BRASIL, 1997b, p. 54). Cabe aos professores a
integração desses conceitos aos diversos conteúdos ambientais, tratando
também da realidade natural e social de forma abrangente e crítica.
Portanto, a possibilidade de os professores desenvolverem diferentes
práticas na educação ambiental depende dos processos de formação e
informação, e também de diferentes entidades, de pessoas e de políticas
públicas destinadas à melhoria, embora muitas vezes, de forma indireta, da
qualidade do ensino.

4.3.2 Reflexões sobre a formação de professores para o


ensino formal
A educação ambiental deixou de ser uma preocupação apenas dos
profissionais envolvidos com a escola e com organizações que lutam pela
preservação do meio ambiente, ela passa a gerar inquietações em grande
parcela da população, uma vez que todos nós estamos sujeitos aos efeitos que
os problemas ambientais podem provocar. A EA transcende o envolvimento
apenas de biólogos, ecologistas, geógrafos e professores, visto ser uma questão
inerente à toda humanidade.

Saiba mais
Segundo Os Parâmetros em Ação – Caderno Meio Ambiente
na Escola, apenas a qualificação profissional dos professores não
garante uma educação ambiental de qualidade, pois outras variáveis
podem interferir como:
Desenvolvimento profissional e condições institucionais para um
trabalho educativo sério.
Infraestrutura material: adequação do espaço físico e das instalações;
qualidade dos recursos didáticos disponíveis; entre outros.

–  243  –
Temas Contemporâneos da Educação

Carreira: valorização profissional real; salário justo; disponibilidade


de tempo para a formação permanente (BRASIL, 2001).

A crescente necessidade da formação de um número maior de educadores


ambientais decorre do desenvolvimento de uma consciência sobre os problemas
ambientais enfrentados pela Terra, e do importante papel do espaço escolar na
busca de soluções que venham a contribuir para o avanço neste campo.
Observa-se hoje
nos diferentes setores sociais, uma forte tendência em reconhecer o
processo educativo como uma possibilidade de provocar mudanças
e alterar o atual quadro de degradação do ambiente com o qual
deparamos. Independentemente do modelo adotado para explicar
o atual estado de agressão à natureza, o processo educativo é sempre
apresentado como uma possibilidade de alteração desse quadro, isto é,
como um agente eficaz de transformação (CARVALHO, 2001, p. 56).

Nesse processo de formação de professores, é importante ter claro, a


partir de qual conceito de educação ambiental estamos partindo. Se de um
conceito tradicional, fragmentado, fundamentado apenas em desenvolver
atitudes voltadas à preservação do ambiente, ou a partir de uma modalidade
da educação geral, que se apresenta como alternativa para um trabalho
diferenciado, em que a educação ambiental se apresente como processo,
consiste em propiciar às pessoas uma compreensão crítica e global
do ambiente, para elucidar valores e desenvolver atitudes que lhes
permitam adotar uma posição consciente e participativa a respeito das
questões relacionadas com a conservação e a adequada utilização dos
recursos naturais, para a melhoria da qualidade de vida e a eliminação da
pobreza extrema e do consumismo desenfreado. A educação ambiental
visa à construção de relações sociais, econômicas e culturais capazes
de respeitar e incorporar as diferenças (minorias étnicas, populações
tradicionais), à perspectiva da mulher e à liberdade para decidir
caminhos alternativos de desenvolvimento sustentável, respeitando os
limites dos ecossistemas, substrato de nossa própria possibilidade de
sobrevivência como espécie (MEDINA, 2001, p. 17).

A autora defende a educação ambiental como resposta aos desafios atuais,


buscando, por meio de uma educação crítica e transformadora, desenvolver

–  244  –
A educação ambiental e a formação de professores

valores e atitudes que conduzam os sujeitos da educação a se inserir em


processos democráticos de transformação das modalidades de uso dos
recursos naturais e sociais e de entender a complexidade das relações
econômicas, políticas, culturais, de gênero, entre outras, e ainda agir em
consequência com as análises efetuadas como cidadão responsável e par-
ticipativo, exige a realização efetiva de processos de formação em serviço,
a fim de que esta capacitação teórico-prática se reflita posteriormente nas
ações a serem implementadas (MEDINA, 2001, p. 18).

Dessa forma, é fundamental responder aos desafios colocados pelo modelo


econômico dominante, construindo um novo “estilo harmônico entre a sociedade
e a natureza, e que, ao mesmo tempo, os cidadãos sejam capazes de superar a
racionalidade meramente instrumental e economicista que deu origem às crises
ambiental e social que hoje nos preocupam” (MEDINA, 2001, p. 26).
Com uma concepção de educação ambiental definida, apesar das inúmeras
dificuldades enfrentadas, é pensamento de grande parte dos pesquisadores da
área de que há a necessidade de uma capacitação de professores da Educação
Infantil e anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, envolvendo todas as
áreas do conhecimento.
A capacitação dos professores nessa perspectiva, implica em fazer com que
eles vivam no curso uma experiência ambiental, ou seja, fornece os instrumen-
tos para que sejam os próprios agentes de sua formação (MEDINA, 2001).
Os programas de capacitação devem, além da fundamentação com
conhecimentos teóricos, conceitos complexos e debates éticos, permitir a
discussão e buscar a assimilação de diferentes metodologias práticas, que
permitam a participação efetiva do indivíduo como agente transformador.

Sujeito que aprende


Fonte: adaptado de Medina (2001, p. 20).
Uso do conheciomento
Conhecimento

Modelo tradicional de Incorporação passiva do


formação conhecimento

Modelo inovador de EA Construção ativa e ação


participante

Sujeito que adecide

–  245  –
Temas Contemporâneos da Educação

Medina (2001) defende a necessidade de superação do modelo


tradicional de formação – que trabalha com a incorporação passiva do
conhecimento – por uma modalidade de caráter ativa, na qual o indivíduo
participe do processo de construção do conhecimento, e que assegure uma
continuidade nos processos de auto - formação e de atitudes diferenciadas no
uso dos conhecimentos adquiridos.
Nessa perspectiva, a proposta de educação ambiental para o Ensino
Fundamental deve apresentar coerência de objetivos, conteúdos e instrumentos
de avaliação, favorecendo a discussão sobre desenvolvimento sustentável,
educação, problemas ambientais, diferentes potencialidades, entre outros.
Medina (2001) aponta a necessidade de que todos os conteúdos sejam
abordados de forma contextualizada, espacial e temporalmente, enfatizando
as relações entre eles. Isso garantirá uma nova forma de pensar, diferente da
compreensão linear dos processos, construindo uma nova forma de entender
a ciência e o saber popular, e sua importância na transformação do mundo.
O que pode ser resumido no seguinte organograma:
Incorporação passiva do
conhecimento Desenvolvimento
Incorporar profissional
Educação
Debates, novos centrado na
ambiental Modelo inovador de EA Construção ativa e ação
discussões conhecimentos racionalidade e
(formção) participante
e metodologias participação
comunitária

Observando a necessidade de uma formação diferenciada de profissionais


para atuar com a educação ambiental, Compiani (2001) apresenta dois
modelos de educadores possíveis:
Modelos de educadores
Técnico especialista Profissional reflexivo
O ensino deve guiar-se
Os fins e os valores
pelos valores educativos
Dimensões da ficam convertidos em
Obrigação pessoalmente assumidos.
profissionalidade resultados estáveis e bem
moral Define as qualidades
do educador definidos que se tornam
morais da relação e da
previsões alcançáveis.
experiência educativa.

–  246  –
A educação ambiental e a formação de professores

Modelos de educadores
Técnico especialista Profissional reflexivo
Negociação e equilíbrio
Despolitização da
entre os distintos
prática. Aceitação das
Compromisso interesses sociais,
metas do sistema e
com a interpretando seu valor,
preocupação pela eficácia
comunidade mediando politicamente
e pela eficiência dos
e buscando resultados
resultados definidos.
Dimensões práticos concretos.
da profissio-
nalidade do Investigação/
reflexão sobre a
educador
prática. Deliberação
Domínio técnico dos
Competência da forma moral ou
métodos para alcançar
profissional educativamente mais
os resultados previstos.
correta de atuar em
cada caso nas situações
de incerteza.

Fonte: adaptado de Compiani (2001, p. 45).


Analisando os modelos de educadores propostos, percebe-se a presença
do modelo técnico especialista em muitas escolas, em que o ensino é coercitivo
, a aprendizagem fica atrelada aos docentes, que aplicam o conhecimento e os
investigadores, que o produzem.
Esses educadores desenvolvem uma prática despolitizada – valorizam a
eficácia e a eficiência – que, aliada ao domínio técnico, contribuirá para que
se alcancem os resultados previstos.
Em contrapartida, o modelo de profissional reflexivo, inovador,
defendido por Compiani (2001) e Medina (2001), reforça a necessidade de
uma participação ativa do educador, interpretando os diferentes interesses
sociais e políticos presentes no processo.
Para Compiani (2001), sem o desenvolvimento de uma formação
reflexiva e crítica, grande parte dos professores seguem a rotina e permanecem
com as velhas práticas, não se abrindo para mudanças e mostrando-se
inseguros para desenvolver novas ideias.

–  247  –
Temas Contemporâneos da Educação

A formação de educadores para o trabalho com a temática ambiental


possui três dimensões (CARVALHO, 2001):
ÙÙ natureza dos conhecimentos presentes nos diferentes programas
de formação;
ÙÙ valores éticos e estéticos;
ÙÙ participação política do indivíduo.
Quanto aos conhecimentos, de maneira geral, a abordagem dada pelos
professores privilegia a descrição e a classificação dos elementos, fenômenos e
processos ambientais de forma isolada, desprezando as complexas relações e
interações com os constantes e dinâmicos mecanismos que a todo o momento
estão transformando o mundo real.
Assim, uma abordagem ecológica que valorize as questões evolutivas, a
relação do homem com a sociedade e com a natureza, poderá contribuir com a
formação de um profissional mais capacitado para compreender a complexidade
da dinâmica e dos inúmeros processos interativos presentes na natureza.
Nessa mesma dimensão, outro aspecto a ser valorizado na formação de
profissionais para atuar na questão ambiental diz respeito ao trabalho com
o processo de produção do conhecimento. Os aspectos de sua natureza e
outros relacionados à economia, política e a questões sociais não devem ser
desconsiderados.
A dimensão ética permite o desenvolvimento de valores fundamentais
que permitirão o controle da relação do homem com a terra e, também,
em que novos padrões serão construídos. Pode-se dizer que não são tarefas
fáceis, considerando as questões ideológicas sempre presentes. No entanto, as
propostas devem levar à superação de visões ingênuas de mundo.
Além das questões éticas, alguns ambientalistas têm chamado a atenção
para a importância da dimensão estética dentro do processo educativo. A
participação política, o envolvimento coletivo na busca por soluções para
diversos problemas ambientais presentes no dia a dia das pessoas, se apresenta
como um dos objetivos do trabalho educativo nessa dimensão.
Esse nível de envolvimento é visto, assim, como uma grande oportunidade
para o desenvolvimento de atitudes relativas à participação política e ao
processo de construção da cidadania. Uma das consequências práticas

–  248  –
A educação ambiental e a formação de professores

dessa concepção é a busca de procedimentos didáticos que contribuam


para o desenvolvimento de um espírito cooperativo e solidário
(CARVALHO, 2001, p. 60).

Assim, com o trabalho nessa dimensão, tem-se como meta contribuir para
a formação de cidadãos e a construção de uma sociedade mais democrática,
na qual as questões ambientais sejam vistas como fundamentais. A figura a
seguir sintetiza as diferentes dimensões presentes na formação do educador.
Dimensões para o desenvolvimento de atividades de educação
ambiental e para a formação de educadores.

Fonte: adaptado de Carvalho (2001, p. 57).


Conhecimento

A temática
ambiental e
o processo
Valores éticos e Participação
educativo
estéticos política

4.3.3 Quem capacita


Capacitar em educação ambiental “é em primeiro momento, levar o
indivíduo a repensar a sua relação com o meio, a fim de garantir mudanças
de atitudes em prol da melhoria da qualidade de vidas de sua sociedade”
(SANTOS, 2001, p. 33).
Para a autora, é necessário que uma mudança ocorra, que esse indivíduo
que vai ser capacitado se reconheça como parte integrante do ambiente,
desperte para os diferentes problemas e se sinta responsável pelo ambiente.
Percebe-se, em um segundo momento, a importância de uma formação
mais adequada para professores do Ensino Fundamental, para que possam
inovar, reformular suas práticas, desenvolver diferentes projetos, incorporando
a questão ambiental à sua realidade escolar (SANTOS, 2001).

–  249  –
Temas Contemporâneos da Educação

No Brasil, esse trabalho de capacitação vem sendo desenvolvido


principalmente por entidades governamentais e não governamentais, o que
determina muitas divergências no encaminhamento da temática ambiental,
em que concepções conservacionistas radicais ou meramente tecnicistas e
economicistas se fazem presentes.
O Ministério da Educação, as secretarias estaduais e municipais,
assim como as universidades, garantem a continuidade do trabalho com a
temática ambiental, por meio de ações que permitam o estudo, a elaboração
e implementação de políticas específicas para a área.
Para Medina (2001, p. 21),
os processos de ensino e de aprendizagem implicam sempre mediações
sociais, cognitivas e afetivas, que terão de ser trabalhadas na formação
em educação ambiental, visando ao mesmo tempo uma melhoria na
qualidade de ensino, acrescentando-lhes novos conteúdos, estratégias,
habilidades instrucionais e modelos de gestão da classe.

Esse professor de educação ambiental como sujeito que aprende, na


visão de Medina (2001), deverá envolver-se na melhoria da escola, através
de processos de aperfeiçoamento, trabalhos coletivos, com a participação de
outros professores, alunos e a comunidade.
A figura a seguir sintetiza alguns elementos importantes no processo
de formação de educadores em educação ambiental, valorizando o currículo
como espaço inovador.

Formação dos professores EA


A escola como O ensino como
contexto O currículo como espaço de tarefa do professor
intervenção do professor
Fonte: adaptado de Medina (2001).

ÙÙ Concepção em torno do currículo para o desenvolvimento e inovação escolar.


ÙÙ Perspectivas no desenvolvimento e inovação curricular.
ÙÙ O professor: agente de desenvolvimento e inovação curricular para EA.
ÙÙ Sistemas relacionados ao processo de desenvolvimento e inovação curricular para
EA.
ÙÙ A administração escolar, as características dos alunos, a comunidade do entorno,
os diversos atores sociais envolvidos, o contexto geográfico e histórico.

–  250  –
A educação ambiental e a formação de professores

Saiba mais
Procure saber mais sobre o assunto lendo: “A formação dos
professores em educação ambiental”, de Naná Mininni Medina
(2001). Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/
pdf/pol/panorama_educacao.pdf>.

Da teoria para a prática


Com a perspectiva de implantar um modelo inovador no
trabalho com a educação ambiental, sugere-se como atividade
para ser desenvolvida com os alunos do Ensino Fundamental
“Memória viva”, que valoriza o conhecimento da comunidade
(DIAS, 2000).
Essa atividade consiste em convidar moradores que vivem há
mais tempo na cidade para conversar com os alunos a respeito
de como era a cidade anteriormente, em relação à fauna e flora
locais, os rios, as florestas, a energia elétrica, o clima, hoje tema
muito interessante e que pode render informações importantes.
Após essa pesquisa, o professor pode fazer anotações com os
alunos e elaborar um quadro com as conclusões, reconhecendo
o que melhorou e o que piorou com o passar do tempo.

Síntese
Neste capítulo, foi abordada a importância de uma formação permanente
e contínua na educação ambiental, por meio do aprofundamento do
conhecimento em relação à temática ambiental.
Procuramos refletir sobre a capacitação dos profissionais que irão atuar
no Ensino Fundamental, conhecer os modelos de educadores técnicos

–  251  –
Temas Contemporâneos da Educação

especialistas e profissionais reflexivos, defendendo a superação do modelo


tradicional de ensino por um modelo ativo, que assegure continuidade nos
processos de auto- formação. Vimos, também, que essa capacitação cabe às
universidades, secretarias e Ministério da Educação.

–  252  –
4.4
Educação, meio
ambiente e
interdisciplinaridade

Essa reflexão terá início a partir da educação. De qual edu-


cação falamos? Daquela tradicional, centrada no currículo e nas dis-
ciplinas? Parece que educação e meio ambiente não combinam com
a visão antropocêntrica, tão presente na educação tradicional, por-
que esse tipo de visão baseia-se na fragmentação, no isolamento e na
disjunção do pensamento. Com a maior urgência é preciso entender
que essa sociedade carece de uma educação para o século XXI. De
acordo com Morin (2001b), trata-se de um tipo de educação que
precisa centrar-se na condição humana. Isso será perfeitamente possí-
vel se for lembrado que a humanidade se encontra na era planetária,
ou seja, todos estão em um mesmo barco vivendo uma aventura, ao
mesmo tempo, comum e singular. Sabemos que há no planeta uma
enorme diversidade de culturas. Como fazer para que elas reconhe-
çam-se em sua humanidade comum, sem perder de vista sua diversi-
dade cultural? Com certeza, está posto um desafio para a educação.
Temas Contemporâneos da Educação

Por outro lado, além de se ter um desafio, tem-se também um pro-


blema epistemológico. A educação necessária na era planetária é aquela que
ensina a condição humana (MORIN, 2001a). Ensiná-la pressupõe conceber
a condição complexa do ser humano. É possível realizar essa tarefa a partir
do pensamento que isola e separa o conhecimento em disciplinas?

4.4.1 Complexidade e meio ambiente


Quando falamos de um modelo de pensamento que isola e separa o
todo em partes para melhor compreendê-lo, estamos nos referindo ao pen-
samento cartesiano. Concordamos com a afirmação de Grün (2009, p. 52)
de que “o modelo explicativo advindo do cartesianismo simplesmente nos
impede de abordar a crise ecológica em sua forma necessariamente complexa
e multifacetada”. O fato é que a crise ecológica vivenciada pela humanidade
hoje também é fruto da forma fragmentada e cartesiana de pensar o mundo.
Quando se pensa que “desenvolvimento” seja sinônimo de “progresso”, está
se enxergando apenas uma parte da realidade, em detrimento de todo um
conjunto de outras dimensões. Morin (2001a, p. 95), em seu livro Ciência
com consciência, analisa essa problemática do progresso a partir do conhe-
cimento. Sua tese pode ajudar na reflexão sobre essa questão:
[...] o progresso é noção aparentemente evidente; sendo por
natureza cumulativa linear; traduz-se de forma simultanea-
mente quantitativa (crescimento) e qualitativa (isto é, por um
“melhor”). Vivemos durante dezenas de anos com a evidência de
que o crescimento econômico, por exemplo, traz o desenvolvi-
mento social e humano e aumento da qualidade de vida e de que
tudo isso constitui o progresso. Mas começamos a perceber que
pode haver dissociação entre quantidade de bens, de produtos,
por exemplo, e qualidade de vida; vemos igualmente, que, a par-
tir de certo limiar, o crescimento pode produzir mais prejuízos
do que bem-estar e que os subprodutos tendem a tornar-se os
produtos principais. Portanto, a palavra progresso não é tão clara
quanto parece.

A visão parcial, herdada com a educação tradicional, não só impede de


se perceber o todo presente na palavra progresso, necessário para o trabalho
com as questões ambientais, como também coloca a humanidade diante de
verdadeiros problemas epistemológicos.

–  254  –
Educação, meio ambiente e interdisciplinaridade

Analisando o parágrafo que acabamos de ler, percebemos que, além


de citar Morin, ele contempla também uma citação do livro de Grün
(2009), intitulado Ética e educação ambiental: a conexão necessária. Esse
autor chama a atenção para a seguinte questão: embora na atualidade a
educação ambiental tenha recebido uma considerável atenção, o mesmo não
acontece quando se trata de uma reflexão sobre as bases epistemológicas que
lhe dão suporte teórico. Grün continua sua reflexão ponderando que isso
coloca os seres humanos diante de um problema sério, pois há uma enorme
dificuldade em se encontrar uma abordagem que possibilite a compreensão
das multidimensões da crise ecológica.
No início dessa reflexão, colocamos a condição de seres humanos imersos
em uma sopa de culturas. Dessa forma, há culturas que percebem a natureza
de forma diferente daquela defendida pelo pensamento hegemônico ocidental.
Trata-se de comunidades que não separam o espiritual e o material. É o caso
das comunidades indígenas. No entanto, não é difícil encontrar propostas de
transformar o local onde essas comunidades vivem e se reproduzem há décadas
em parques ou uma outra área qualquer de preservação. O paradoxo está
no fato de que, ao “protegermos” suas áreas transformando-as em unidades
de conservação, esquecemos de olhar a base epistemológica implícita nesse
modelo, que, por ser cartesiana, separa natureza e cultura. Dessa forma,
obriga comunidades tradicionais, que precisam retirar dessas áreas o necessário
para manter viva sua cultura, a realizarem um plano de manejo. Ora, isso
faz algum sentido? É por esse e outros motivos que concordamos com Grün
(2009), quando ele afirma que essa cisão cartesiana entre natureza e cultura,
fundamentando a educação moderna, praticamente impede que se promova
uma educação ambiental com resultados positivos.

4.4.2 Complexidade e interdisciplinaridade


Vimos que o saber compartimentado em disciplinas é uma herança do
pensamento cartesiano. Sabemos, também, que elas possuem fronteiras que
as impedem de se comunicar umas com as outras. Dessa forma, na escola
se estuda os fenômenos de forma fragmentada (MORIN, 2001a). Na visão
disciplinar, existe uma tendência à obediência estratégica de se dividir o
objeto de estudo em partes. Assim, as disciplinas isoladas costumam se dirigir
apenas aos seus respectivos objetos de estudo: a química estuda os fenômenos

–  255  –
Temas Contemporâneos da Educação

químicos, a física os processos físicos, à biologia cabe explicar os biológicos e


assim por diante (MARIOTTI, 2000). Esse tipo de fragmentação não facilita
nem um pouco a aprendizagem. Observemos o exemplo da fotossíntese.
Trata-se de um fenômeno que é, ao mesmo tempo, químico, físico e
biológico. Como fazer para explicá-lo se existem fronteiras entre essas áreas?
Além disso, as disciplinas acabam se dividindo em muitas outras, criando-se,
assim, as especialidades e as subespecialidades, acelerando a problemática da
unidimensionalização (MARIOTTI, 2000).
A interdisciplinaridade permite que diferentes disciplinas examinem o
mesmo objeto, a partir da melhora da comunicação entre si, em uma tentativa
de falar a mesma língua. Então, o certo é fazer interdisciplinaridade? Vejamos
o que diz Morin (2001a, p. 135) a respeito:
a interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas como a ONU con-
trola as nações. Cada disciplina pretende primeiro fazer reconhecer sua
soberania territorial, e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras
confirmam-se em vez de se desmoronar.

Com essas palavras, esse importante pensador contemporâneo nos


convida a ir para além da interdisciplinaridade: fazendo transdisciplinaridade.
Concordamos com Mariotti (2000, p. 91), quando ele afirma que a
transdisciplinaridade é um passo à frente:
Na definição clássica de Jean Piaget, ela representa uma fase superior
de desenvolvimento, na qual as interações ou reciprocidades entre as
disciplinas especializadas não bastariam. A abordagem transdiscipli-
nar seria então um sistema total, sem fronteiras entre as disciplinas. O
termo indica que uma disciplina não deve julgar-se superior ou inferior
a quaisquer outras; o que existe são diferenças, e é precisamente essa
diversidade que mantém a tensão criativa necessária para o constante
aparecimento de novas ideias e práticas.

Ao concordarmos que a transdisciplinaridade pressupõe um sistema total,


admitimos que o paradigma cartesiano não é suficiente para teorizá-la. Portanto,
precisamos de um paradigma que, além de nos permitir separar e opor, também
consiga fazer com que os conhecimentos científicos se comuniquem sem operar
a redução (MORIN, 2001a). Nesse caso, o paradigma da complexidade nos
será muito útil à medida que consegue ao mesmo tempo separar e associar, além
de conceber “os níveis de emergência da realidade sem os reduzir às unidades
elementares e às leis gerais” (MORIN, 2001a, p. 138).

–  256  –
Educação, meio ambiente e interdisciplinaridade

4.4.3 Complexidade e educação ambiental


Refletimos anteriormente sobre o fato da problemática ambiental,
vivida na atualidade pela humanidade, ser fruto das relações que os seres
humanos estabeleceram com a natureza. Por sua vez, os graves proble-
mas ambientais pelos quais passa o Planeta Terra nos levam à prática da
educação ambiental. Embora saibamos que a educação sozinha não con-
seguirá salvar o Planeta, ela pode, ao menos, nos fazer refletir sobre os
equívocos já cometidos e, quem sabe assim, muda-se o rumo do “nosso
barco comum”.
Porto-Gonçalves (1990) afirma que a questão ambiental convoca vários
campos do saber a depor, visto que ela contém as complexas relações entre
o mundo físico-químico e orgânico, fazendo com que nenhuma área do
conhecimento específico sozinha possa resolver o problema, embora todas
tenham muito a contribuir. Esse autor afirma que as relações que provocam
a gravidade da questão ambiental dificilmente serão compreendidas sob um
único enfoque ou mesmo por uma disciplina. Será preciso uma interação
entre elas. Por isso, é comum ouvirmos que a questão ambiental é complexa.
Embora muitas pessoas confundam complexo com complicado, que são
duas coisas totalmente diferentes, trabalhar com questões ambientais exige
de nós o pensar complexo (QUINTAS, 2009).
Assim, estamos diante da seguinte questão: resolver os problemas do
mundo passa por organizar e articular os conhecimentos de maneira que
não se perca de vista o contexto, o global, o multidimensional e o complexo
(MORIN, 2001). O que precisamos compreender é que a sociedade da qual
a humanidade faz parte é um todo ao mesmo tempo organizador e desor-
ganizado. Aqui, novamente será necessário o pensar complexo, que é capaz
de perceber que o todo tem propriedades que não se encontrarão nas partes
se elas estiverem isoladas umas das outras (QUINTAS, 2009). Dessa forma,
só recompondo o todo conheceremos as partes. Compreendendo isso, com-
preendemos, também, que “cada célula contém a totalidade do patrimônio
genético de um organismo policelular; a sociedade, como um todo, está pre-
sente em cada indivíduo, na sua linguagem, no seu saber, em suas obrigações
e em suas normas [...]” (MORIN, 2001a, p. 37). Portanto, está presente na
formulação de leis e políticas de educação ambiental.

–  257  –
Temas Contemporâneos da Educação

4.4.4 Educação ambiental, sociedade de risco e


complexidade
O progresso, entendido como melhora, evolução, hoje está se
transformando em autodestruição. A sociedade industrial se transformou e
deu origem à atual sociedade de risco (BECK, 1997).
Os profissionais que atuam na área da educação ambiental não podem
mais se esquivar dessa discussão: a complexidade envolvida no processo
de transformação de uma sociedade, que, ao confundir desenvolvimento
com progresso, se encontra cada vez mais ameaçada pelos riscos dos graves
problemas socioambientais.
Nesse sentido, concordamos com a afirmação de Jacobi de que:
Em um contexto marcado pela degradação permanente do meio
ambiente e do seu ecossistema, a problemática envolve um conjunto
de atores do universo educativo em todos os níveis, potencializando o
engajamento dos diversos sistemas de conhecimento [...]
Vive-se, no início do século XXI, uma emergência que, mais que
ecológica, é uma crise do estilo de pensamento, dos imaginários sociais,
dos pressupostos epistemológicos e do conhecimento que sustentaram
a modernidade. Uma crise do ser no mundo que se manifesta em toda
a sua plenitude; nos espaços internos do sujeito, nas condutas sociais
autodestrutivas; e nos espaços externos, na degradação da natureza e da
qualidade de vida das pessoas (JACOBI, 2005, p. 240).

Beck (apud JACOBI, 2005, p. 241) corrobora a discussão sobre a


educação ambiental, sociedade de risco e complexidade, ao ponderar que
a essência da crise ambiental é a incerteza, visto que o seu impacto está
relacionado com a maneira como a sociedade
levanta a questão da autolimitação do desenvolvimento, assim como
da tarefa de redeterminar os padrões (de responsabilidade, segurança,
controle, limitação do dano e distribuição das consequências do dano)
atingidos naquele momento, levando em conta as ameaças potenciais.

Neste momento, chegamos a um ponto crucial da discussão. Como


redeterminar padrões de responsabilidade, segurança, controle, limitação
do dano e distribuição das suas consequências em uma sociedade cujo
pensamento hegemônico é a globalização neoliberal? Em capítulos anteriores
refletimos sobre o fato da globalização neoliberal corresponder a um novo

–  258  –
Educação, meio ambiente e interdisciplinaridade

regime de acumulação do capital, muito mais intensamente globalizado que


os anteriores. Tal regime, por um lado, pretende dessocializar o capital para
libertá-lo dos vínculos sociais e políticos. Por outro lado, visa submeter a
sociedade no seu todo à lei do mercado. Também já sabemos as principais
consequências dessa dupla forma de pensar: “a distribuição extremamente
desigual dos custos e das oportunidades produzidos pela globalização
neoliberal das desigualdades sociais entre países ricos e países pobres e entre
ricos e pobres no interior do mesmo país.” (SANTOS, 2009, p. 11).
Aproveitando a reflexão do autor, é possível ponderar que essa
desigualdade acontece também no campo dos danos socioambientais.
Embora os países ricos, como Estados Unidos, Japão e os da União Europeia,
sejam os maiores emissores de gases responsáveis pelo efeito estufa, no caso do
aumento da temperatura do Planeta, quem sofrerá as maiores consequências
serão os países mais pobres, devido à falta de estrutura para enfrentar
catástrofes ambientais. Eis um dos desafios da educação ambiental: refletir
sobre a complexidade presente na sociedade de risco.
Sorrentino (2005), em uma palestra de abertura do Encontro Pan-
Amazônico de Educação Ambiental, realizado em Belém do Pará, em 2005,
apresentou a seguinte reflexão, em voz alta aos educadores ambientais da
Amazônia, procurando contextualizar o “caldo de cultura” que origina as
políticas públicas para a educação ambiental, extremamente pertinente para
essa discussão que adentrou no campo da complexidade:
Meu filho mais velho uma vez me perguntou “o que é complexi-
dade?” Procurei responder-lhe olhando para a Praça onde estávamos
e pedindo-lhe para descrevê-la. Após a sua descrição perguntei-lhe se
o pipoqueiro a descreveria da mesma forma. E o casal de namorados?
E o turista?... e o cachorro? E a árvore? Quando cheguei à árvore,
resolvi perguntar-lhe qual era o tamanho da praça: 10 mil m² ou
um quarteirão? Mas, se computássemos a área das folhas das árvores
somadas certamente isto se multiplicaria (milhares de vezes). E ainda
perguntei-lhe como descreveria a praça, quem esteve aqui ontem ou
estará amanhã? Nós mesmos faríamos a mesma descrição se estivesse
chovendo? Ou se estivéssemos sentados em outro local, olhando-a sob
outra perspectiva? Olhando para o solo, por exemplo, ou olhando-a
do alto de um prédio... ou, ainda, se estivéssemos tristes por algum
acontecimento... ou se estivéssemos há três ou quatro décadas atrás?
(SORRENTINO, 2005, p. 7).

–  259  –
Temas Contemporâneos da Educação

Esse exemplo demonstra que as questões socioambientais não serão nem


compreendidas e muito menos resolvidas a partir do pensamento simplificador,
que impossibilita o olhar a partir de vários ângulos, de diferentes pontos de vista.
Por isso, Morin (2000) alerta em Os sete saberes necessários à educação do futuro
que a crise que a humanidade vive hoje é, na realidade, uma crise do pensamento.

Da teoria para a prática


Neste capítulo, propomos uma atividade prática como forma de
compreender a complexidade.
Para esta atividade, o professor vai precisar levar para a sala de
aula duas agulhas de tricô, dois novelos de lã e um cachecol
feito de lã ou outro fio qualquer. Ele deve pedir para uma
das pessoas presentes puxar a ponta do novelo de maneira
desordenada pela sala (basta desenrolar 1/3). Em seguida,
é necessário perguntar se algum dos presentes lembra como
tricotar um ponto simples, como o de meia.
Caso ninguém saiba, o professor pode pegar o cachecol e
compará-lo com o novelo de lã desenrolado, perguntando: qual dos
dois é exemplo de uma situação complexa? É necessário explicar a
diferença entre complexo e complicado e mostrar que o cachecol é
uma analogia para entender a problemática da complexidade.

Síntese
Este capítulo nos permitiu uma reflexão sobre a educação de que precisamos
na era planetária: aquela que ensina a condição humana. Ao refletirmos sobre
complexidade e meio ambiente, vimos que “desenvolvimento” só é sinônimo
de “progresso” do ponto de vista do pensamento simplificador, tão presente na
educação tradicional. Assim, ficou evidente a contribuição da complexidade
que, por permitir a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, possi-
bilita a compreensão dos atuais problemas socioambientais para além da
globalização neoliberal.

–  260  –
4.5
Ecopedagogia, ética e
sustentabilidade

(Claudemira Vieira Gusmão Lopes


e Jefferson de Oliveira Salles)

No capítulo anterior refletiu-se sobre a conexão que há


entre a atual crise ambiental e os limites da racionalidade econô-
mica. Neste momento, será realizado um debate acerca da neces-
sidade de novas categorias para o ensino da Ecopedagogia. Será
proposta, ainda, uma reflexão sobre o fato de a complexidade ter
nascido simultaneamente com essa crise, como uma resposta ao
pensamento cartesiano, unificador do conhecimento e homogenei-
zador do mundo, que tanto contribuiu para agravar os problemas
ambientais (LEFF, 1999).
Temas Contemporâneos da Educação

Saiba mais
Para saber mais sobre o conceito de complexidade ou pensamento
complexo, é possível embasar-se nas palavras de Edgar Morin,
nascido em Paris no ano de 1921, considerado um dos maiores
pensadores do século XX. Com formação pluridisciplinar
(sociólogo, antropólogo, historiador, filósofo e geógrafo),
escreveu mais de quarenta livros nas áreas de Epistemologia,
Sociologia, Política e Antropologia; entre elas, um estudo sobre
a transformação das ciências e do seu impacto na sociedade
contemporânea (SÁTIRO, 2002).
Na formulação de Morin (2001), entender o paradigma da comple-
xidade implica, antes de tudo, em se tomar consciência do paradigma
da simplicidade que ora toma conta das instituições científicas.
Na obra Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin
(2001) apresenta uma visão de complexidade bastante simples ao
afirmar que significa o que foi tecido junto. Pensando, como exemplo,
em uma tapeçaria produzida a partir de um novelo de lã, é possível
dizer que esse tecido, produzido por fios de uma forma ordenada,
é complexo. Imaginando o mesmo novelo de lã, jogado ao chão
e sendo desenrolado por uma criança pequena e de maneira
desordenada, pode-se vislumbrar como resultado um emaranhado de
fios, ou seja, uma complicação. Dessa forma, é possível mostrar que
complexidade é diferente de complicação.

Na argumentação de Leff (1999), a crise ambiental de hoje é, na verdade,


uma crise de nossa civilização, explicitada em três aspectos fundamentais: a)
os limites do crescimento e a construção de um novo paradigma de produção
sustentável (desenvolvimento sustentável); b) a fragmentação do conhecimento,
a criação da teoria dos sistemas e do pensamento da complexidade; c) a discussão
sobre o excesso de poder do Estado e do mercado, juntamente com as exigências
por democracia, equidade, justiça, participação e autonomia.

–  262  –
Ecopedagogia, ética e sustentabilidade

Os aspectos citados anteriormente podem ser considerados pontos de rup-


tura com os paradigmas de conhecimento e com os modelos de desenvolvimento
da modernidade, explicitando a urgência de se construir outra racionalidade
social, norteada por outros valores e saberes, por sistemas de produção baseados
em uma sustentabilidade ecológica e com ênfase nos significados culturais.
Mudar um paradigma social para transformar o modelo econômico,
político e cultural só será possível mediante uma transformação nas
consciências e no comportamento das pessoas. Aqui entra o papel estratégico
da educação, que, ao trabalhar com valores, poderá orientar a passagem do
velho ao novo paradigma da sustentabilidade.

4.5.1 Categorias necessárias ao estudo da


Ecopedagogia
Neste mesmo capítulo refletiu-se sobre a opinião de Leff (1999) a
respeito do paradigma da complexidade. É importante ressaltar, no entanto,
que há outros teóricos que concordam com o autor a esse respeito, é o
caso de Gadotti (2000), que afirma ser tal paradigma uma resposta aos
modelos clássicos (positivismo, marxismo e cartesianismo), que dificultam
o entendimento da problemática ambiental em todos os seus aspectos. Além
disso, Gadotti (2000) chama a atenção para as categorias fundantes desse
novo paradigma, que são: a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade, a
complexidade, a planetaridade e a sustentabilidade.
Deve-se perceber que, embora essas categorias sejam importantes para a
compreensão das perspectivas atuais da educação a partir da complexidade,
sozinhas não sustentam a Ecopedagogia como teoria da educação, pois ela
necessita afirmar sua capacidade de promover a aprendizagem a partir da
“vida cotidiana” (GUTIÉRREZ; CRUZ PRADO, 2002). Daí a necessidade
de se desenvolver outras categorias como, por exemplo, a subjetividade, a
cotidianidade, dentre outras, pois elas discutem a vida cotidiana a partir das
práticas individuais e coletivas (GADOTTI, 2000).
Refletindo sobre tudo o que já se discutiu até agora, é possível afirmar
que para a existência de uma racionalidade ambiental e não só de uma
racionalidade economicista, instrumental, há que se conjugar uma nova
ética, assim como novos modos produtivos, tendo como ponto de partida

–  263  –
Temas Contemporâneos da Educação

a complexidade, visto que ela facilita a problematização das ciências, além


de incorporar o saber ambiental emergente (LEFF, 1999).

4.5.2 Interdisciplinaridade
De acordo com Leff (1999), a emergência da crise ambiental como
resultado do modelo de desenvolvimento e a interdisciplinaridade como
método que possibilite um conhecimento mais integrado também devem ser
consideradas respostas complementares à crise da racionalidade moderna.

4.5.3 Ética e sustentabilidade


O surgimento da interdisciplinaridade e da complexidade levou à
formação de categorias como a ética ambiental (LEFF, 1999). Não se trata
de mais uma disciplina ou de um conteúdo, mas de um conhecimento que
deve perpassar o ato de educar, referindo-se à própria essência desse ato. Nesse
caso, a natureza da prática educativa é percebida como prática formadora
(FREIRE, 1997). Na visão da Ecopedagogia, a ética deve ser uma parte
essencial da competência do educador (RIOS in GADOTTI, 2000). Por outro
lado, é importante mencionar que o fato da democracia e da cidadania serem
consideradas fundamentais na reconstrução ética e política da educação fez
com que a cidadania se tornasse o principal eixo da educação (escola cidadã),
e, dessa forma, a ética acabou confundindo-se com a noção de cidadania
(GADOTTI, 2000).
Sem dúvida, dentre os maiores desafios do desenvolvimento sustentável
está a necessidade de se formar capacidades que levem o desenvolvimento
na direção das tecnologias, da equidade social, da diversidade cultural
e da democracia participativa. Dizer isso é o mesmo que reivindicar o
direito de todos os cidadãos a uma formação ambiental fundamentada na
sustentabilidade (LEFF, 1999).

4.5.3.1 Transdisciplinaridade e complexidade


Embora o conceito ainda seja discutido, a transdisciplinaridade
pretende ultrapassar o sistema fechado de pensamento (seja ele motivado por
ideologias, religiões ou filosofias), e, assim, permitir uma unidade da cultura,

–  264  –
Ecopedagogia, ética e sustentabilidade

visando à formação de uma civilização de escala planetária, que consiga


dialogar interculturalmente, respeitando a singularidade de cada indivíduo e,
ao mesmo tempo, a integralidade dos seres (GADOTTI, 2000).
Para Morin (1999), a transdisciplinaridade só pode ser considerada uma
solução para os problemas ambientais e educacionais se estiver ligada a uma
mudança de paradigma. Dessa forma, é necessário substituir o pensamento
que está separando o todo em partes por um que estabeleça as devidas ligações,
contextualizando, globalizando, relacionando e buscando as infinitas causas
das coisas. E mais, para Morin,
um conhecimento só é pertinente na medida em que se situe num
contexto. A palavra polissêmica por natureza adquire seu sentido uma
vez inserida em seu contexto. Uma informação só tem sentido numa
concepção ou teoria. Do mesmo modo, um acontecimento só é inteligível
se é possível restituí-lo em suas condições históricas sociológicas ou outras
[...] (MORIN apud GADOTTI, 2000, p. 38-39).

4.5.4 Planetaridade
Na proposição de Delors (1999), o fenômeno da globalização, além de
marcar o final do século XX, facilitado pelo avanço da tecnologia, influencia
e determina os rumos das pessoas no planeta. Assim,
[...] grande parte do destino de cada um de nós, joga-se num cenário de
escala mundial. Imposta pela abertura de fronteiras econômicas e finan-
ceiras, impelidas por teorias de livre comércio, [...], instrumentalizada
pelas novas tecnologias da informação, a interdependência planetária
não cessa de aumentar, no plano econômico, científico, cultural e polí-
tico (DELORS, 1999, p. 35).

Com o fenômeno da globalização determinando o dia a dia das pessoas


é preciso perguntar: quais as implicações desse fenômeno na educação? Ou,
parafraseando Gadotti (2000), que consequências podem sofrer alunos,
professores e currículos?
Concorda-se com a afirmação de Gutiérrez e Cruz Prado (2002) de que
educar seres humanos como membros de um imenso cosmos requer uma
profunda mudança de valores, relações e significações como parte do todo
global, além do desenvolvimento de atitudes básicas de interação solidária,
subjetividade coletiva, formas de sensibilidade, afetividade e espiritualidade.

–  265  –
Temas Contemporâneos da Educação

Dessa forma, é possível afirmar que a pedagogia para uma cidadania


ambiental, em era planetária, vai muito do além dos parcos limites da edu-
cação tradicional, que trabalha com a lógica da competição e acumulação e
na produção ilimitada, sem levar em consideração os limites impostos pela
natureza e a necessidade de se formar outros tipos de seres para habitar essa
grande aldeia global (GUTIÉRREZ; CRUZ PRADO, 2002).
Os professores e pedagogos precisam ter claro o número de empeci-
lhos que terão no momento de trabalharem para o desenvolvimento de cida-
dãos planetários. Um desses obstáculos está na concentração de renda pro-
vocada pela globalização capitalista. Uma verdadeira cidadania planetária só
será possível mediante a superação da desigualdade social, da eliminação das
enormes diferenças econômicas, além da integração da diversidade cultural
(GADOTTI, 2000). Falar e pensar em cidadania planetária implica, antes
de tudo, falar na cidadania da esfera local e nacional e na existência de uma
democracia planetária. Portanto, ao contrário do que afirmam os neoliberais,
ainda se está distante de uma verdadeira e já referida cidadania. Tudo isso por-
que a globalização está muito mais ligada à internacionalização do mercado
do que à solidariedade.
O problema da globalização é que, centrada no mercado, é mais compe-
titiva do que cooperativa, além de não apresentar solidariedade (GADOTTI,
2000). Não obstante, de acordo com Singer (1996), no meio dessa economia
em que predomina o mercado existe outra em que predominam a coopera-
ção e a solidariedade, que ele chama de “economia solidária”, ou seja, uma
economia capaz de fundamentar a sustentabilidade (CAVALCANTI apud
GADOTTI, 2000, p.152).
Dessa forma, a globalização competitiva, na qual os interesses dos povos
são subordinados aos interesses corporativos dos grandes empreendimentos
transnacionais, pode ser considerada problemática. É possível, então, como
foi visto, distinguir dois tipos de globalização: a competitiva, vinculada às leis
do mercado, e a cooperativa e solidária, que, por sua vez, encontra-se subor-
dinada aos valores éticos e à espiritualidade humana (GADOTTI, 2000).
Por outro lado, falar em planetaridade implica em dissertar um pouco
acerca da expressão que se tem usado desde 1992, após a publicação da Carta
da Terra: “nós, povos da Terra”. Quem vai trabalhar nas escolas em prol de

–  266  –
Ecopedagogia, ética e sustentabilidade

uma Ecopedagogia precisa conhecer e refletir sobre a Carta da Terra, visto que
ela esclarece quais os sujeitos que se comprometem com essa nova proposta de
sustentabilidade e planetaridade.
Também se defende a ideia de que para desenvolver seu trabalho com
excelência, o professor e o pedagogo precisam refletir sobre questões do tipo:
“quem somos nós”? ou “como será que vivem os cidadãos planetários neste
início de século”? Alguns dados citados por Gadotti (2000, p. 156) podem
ajudar na reflexão dessas questões. Eles representam o sonho de se construir
uma nova civilização:
22 5,77 bilhões de pessoas habitam a Terra;
22 1,15 bilhão de pessoas vivem no hemisfério norte, nos países desen-
volvidos.
22 4,62 bilhões vivem no hemisfério sul, nos países pobres (em desenvol-
vimento).
22 1,44 bilhão vivem abaixo do nível da pobreza, quer dizer, 25% da
população do Planeta.
22 1,3 bilhão de pessoas nos países do sul vivem com menos de um dólar
por dia; 110 milhões na América; 220 milhões na África e 970 milhões
na Ásia.
22 1 bilhão de pessoas são analfabetas, dentre elas, 600 milhões são
mulheres.
22 1 bilhão de pessoas sobrevivem sem acesso à água potável.
22 800 milhões de pessoas sofrem com a desnutrição crônica.
22 500 milhões de mulheres de todo o mundo vivem na miséria.
22 Há um médico para cada 6 mil pessoas no hemisfério sul, enquanto que
no hemisfério norte há um médico para cada 350 pessoas.
22 Entre 1980 e 1993, 82% dos empregos novos na América Latina foram
gerados na economia informal.
22 As posses de 349 multimilionários de todo o mundo são maiores que a
renda de 45% da população mundial.
22 Segundo o Banco Mundial, um entre três latino-americanos é
pobre, e 18% da população da América Latina (86 milhões de pes-
soas) está na miséria, sobrevivendo com uma renda abaixo de um
dólar por dia.

–  267  –
Temas Contemporâneos da Educação

22 Continuando assim, o número de pobres da América Latina


crescerá ao ritmo de um milhão por ano. A cada minuto surgem
dois pobres.

Os dados lidos anteriormente se encontram na obra Pedagogia da Terra,


de Moacir Gadotti. Aquele que se propõe a trabalhar com Ecopedagogia
precisa ter claro que esses são os desafios que os cidadãos da Terra deverão
enfrentar para a criação de uma verdadeira cidadania planetária. Educar para
tal cidadania passa pelo reconhecimento do Planeta como uma comunidade
global e uma sociedade planetária (GADOTTI, 2000).
Neste momento é possível perguntar: como trabalhar pedagogicamente
as exigências de uma sociedade planetária? Gadotti (2000) sugere que se
comece pela vida cotidiana, a partir dos interesses e necessidades das pessoas.
Já Gutiérrez (apud GADOTTI, 2000, p. 160) entende que para se educar
para uma cidadania planetária é necessário desenvolver nos alunos novas
capacidades como, por exemplo, de:
22 sentir, intuir, vibrar emocionalmente (a capacidade de se emocionar);
22 imaginar, inventar, criar e recriar;
22 relacionar e interconectar-se, auto-organizar-se;
22 informar-se, comunicar-se, expressar-se;
22 localizar, processar e saber utilizar as informações da “aldeia global”;
22 buscar causas e prever consequências;
22 criticar, avaliar, sistematizar e tomar decisões;
22 pensar em totalidade.

O assunto do próximo capítulo, “educação sustentável”, também


contribuíra para reflexão acerca do fato de que uma educação, com vistas
a uma cidadania planetária, precisa da construção do que Gadotti (2000)
chama de “cultura da sustentabilidade”.

SÍNTESE
Refletiu-se sobre Ecopedagogia a partir do despojamento da visão linear de
mundo para compreender novas categorias como a ética, a sustentabilidade, a
complexidade, a planetaridade, entre outras. Observou-se, também, a necessidade
de se ver o outro com um novo olhar, para se compreender a necessidade de um

–  268  –
Ecopedagogia, ética e sustentabilidade

trabalho a partir das necessidades e interesses desse outro, desenvolvendo nele


novas capacidades, como sentir, inventar, criar, se emocionar.
Percebeu-se, ainda, que uma educação para a cidadania só será possível
a partir da sustentabilidade e da convivência harmônica entre os seres vivos
que habitam o planeta Terra. Não é mais possível uma racionalidade apenas
instrumental, como diria Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão,
considerado um dos últimos representantes da escola de Frankfurt. Por outro
lado, é possível uma “racionalidade molhada de emoção”, no dizer de Paulo
Freire (1997), ou uma racionalidade ambiental, no dizer de Enrique Leff
(1999), ou mesmo de uma “lógica do vivente” no dizer de Morin (apud
GADOTTI, 2000, p. 161).

–  269  –
Temas Contemporâneos da Educação

–  270  –
4.6
O papel da
ecopedagogia na
sustentabilidade

Conhecer a problemática da situação ambiental mundial é


importante, entretanto, apenas isso não levará a uma solução. São
dois os objetivos pretendidos neste capítulo: perceber o papel da
Ecopedagogia na luta pelo consumo sustentável e compreender a
vulnerabilidade dos jovens em relação à publicidade veiculada por
diferentes mídias.
Para maior compreensão do assunto, recomenda-se que o
acadêmico se disponha a procurar os textos sugeridos nos endere-
ços eletrônicos indicados. Também é necessário o debate em grupo,
para ajudar na reflexão dos temas.
Neste capítulo, se estudará, dentre outras coisas, a maneira
como a publicidade veiculada por diferentes mídias pode influenciar
e estimular o consumo, tornando-o incompatível com um modelo
de sociedade sustentável. Porque, além de interferirem na qualidade
Temas Contemporâneos da Educação

de vida das pessoas à medida que seus resultados levam à deterioração do


meio ambiente, ainda podem estimular a manutenção do modelo de desen-
volvimento baseado no consumo e no crescimento desmedido.
O tema consumo sustentável não é preocupação exclusiva de
professores e pedagogos, visto que tem inquietado organizações, como a
de consumidores mais conscientes e atuantes, que perceberam o impasse
em que a sociedade se encontra: ou altera seus padrões de consumo ou
não haverá recursos naturais para garantir o propalado direito das gerações
futuras a uma vida saudável.
Preocupados com essa questão, o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) elaboraram,
em 1999, um manual para professores, intitulado Manual de educação
para o consumo sustentável, como parte de um projeto maior, no qual
evidenciam a relação entre consumo e sustentabilidade. Nesse manual, ao
qual se fará menção durante abordagem da problemática da publicidade e
do consumo, são trabalhadas questões como a poluição da água, o impacto
na natureza oriundo da produção de alimentos convencionais, a produção
sustentável, as funções ambientais das florestas, o manejo sustentável, os
riscos que os transportes acarretam para o meio ambiente, a geração de
energia elétrica e seus impactos ambientais, o lixo e o consumo, o lixo
e a pobreza e, por último, o papel da publicidade no consumo e suas
repercussões no meio ambiente. Saber tudo isso pode levar à conclusão de
que todos esses problemas existem hoje porque o homem teve acesso ao
avanço da tecnologia. Tudo o que foi dito leva à percepção da existência de
certa contradição entre tecnologia e humanismo.
Por outro lado, concorda-se com a afirmação de Gadotti (2000) de
que tecnologia e humanismo não se contrapõem. O que está errado são os
excessos do “estilo poluidor e consumista de vida”, que, por sua vez, não é
fruto da técnica, mas do modelo econômico colocado em prática.
Também é possível afirmar que o desenvolvimento sustentável tem
um “componente educativo formidável: a preservação do meio ambiente
depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência
ecológica depende da educação” (GADOTTI, 2000, p. 79). É aqui que a
Ecopedagogia entra em cena com mais uma de suas categorias: a virtualidade.

–  272  –
O papel da ecopedagogia na sustentabilidade

É importante falar de virtualidade, educação e consumo sustentável. Neste


exato momento, professor e aluno conseguem se comunicar a distância, visto
que estão na era da informação, em que dados, sons, imagens, entre outros,
permitem a comunicação em tempo real, independente da localização de
cada indivíduo. Na afirmação de Gadotti (2000, p. 152), trata-se do “tempo-
espaço (ciberespaço) da virtualidade, proporcionado pelo avanço das novas
tecnologias, que estocam de forma prática o conhecimento e gigantescos
volumes de informações [...], armazenadas de forma inteligente, permitindo
rapidamente a pesquisa e o acesso [...]”.
Cabe aqui uma infinidade de perguntas, porém, uma em particular, é
inquietante: como o professor, mediador do conhecimento e organizador
do trabalho na escola, poderá fazer para minimizar, por exemplo, o impacto
causado pela publicidade, que pelo fato de se utilizar de várias formas de
tecnologias, além desse ciberespaço que foi mencionado, induz ao consu-
mo desnecessário?

4.6.1 Publicidade, consumo e meio- ambiente


Já foram discutidos os graves problemas ambientais que o planeta Terra
sofre atualmente. Sem dúvida, grande parte desses problemas tem sua origem
no crescimento da população mundial, que acarretou o aumento do consumo
de produtos. No entanto, não se pode esquecer que atualmente vive-se em uma
sociedade de consumo, em que comprar e vender estão entre as estratégias do
atual modelo de desenvolvimento econômico. Para conseguir seus objetivos,
os publicitários, defendendo os interesses dos capitalistas, bombardeiam as
pessoas diariamente com muita publicidade, que, aliada a diversas técnicas,
acaba por induzir à compra desnecessária, sem nenhum remorso ou nenhuma
preocupação com o meio ambiente.
O problema atinge as crianças, mas também os adultos, visto que
por meio da publicidade tentam convencê-los, a todo momento, de que
precisam, por exemplo de um novo celular, de um novo computador, de uma
nova marca de sabão em pó ou de um novo modelo de geladeira. O grande
alvo da publicidade, no entanto, tem sido as crianças e os jovens.
É fácil observar a perseguição da publicidade em toda parte. Ela está
nas ruas, nas fachadas dos prédios, nos ônibus e nas vitrines. Em casa, ela

–  273  –
Temas Contemporâneos da Educação

aparece nos jornais, no rádio ou na televisão. Existe até mesmo um tipo de


publicidade que usa o próprio consumidor como veículo de divulgação da
marca. Isso acontece quando são usadas roupas, sapatos e outros acessórios
com etiquetas à mostra (BRASIL, 2002).
Autores como Layargues (2005) alertam que o discurso ambientalista
do governo brasileiro trabalha com duas vertentes em relação à questão
ambiental: há um discurso ecológico oficial, defendido pelo ambientalismo
que, por sua vez, representa a ideologia hegemônica encarregada do
status quo dos valores culturais presentes na sociedade; e outro que pode
ser chamado de discurso alternativo, proferido pelo movimento social
organizado que combate a visão hegemônica governamental. Layargues
(2005), em uma pesquisa realizada no ano de 1998, identificou que a
postura do empresariado brasileiro é a mesma governamental.
O autor chama atenção para o fato de o discurso alternativo perceber
a problemática do lixo como de ordem cultural, situando, assim, a cultura
do consumismo como um dos alvos da crítica à modernidade. Dessa
forma, emerge a necessidade de uma mudança no padrão de consumo,
defendida pelo ambientalismo alternativo, que aponta para a importância
de uma mudança qualitativa na produção (alterando insumos e matrizes
energéticas), e sugere a diminuição na descartabilidade de objetos. Assim,
tanto o discurso oficial quanto o alternativo criticam o consumismo, o
primeiro, porém, enxerga a problemática do lixo como de ordem técnica
e não cultural. Para o discurso alternativo a questão está no próprio
consumismo, já o discurso oficial, ao divulgar sua posição por meio da
Agenda 21 – documento confeccionado com base nas discussões da ECO
92 – entende que o consumo é insustentável.
Concorda-se com o argumento de Layargues (2005, p. 186) de que:
[...] é fundamental perceber que a compreensão do problema é
diferente para os dois modelos discursivos: enquanto a posição
ideológica do discurso alternativo é radical e subversiva, a posição do
discurso oficial é moderada e conservadora, na medida que qualifica o
consumo como insustentável, pressupondo assim a possibilidade de um
consumo sustentável [...] propiciado pela aliança da reciclagem com
as tecnologias limpas e eficientes. A ideologia hegemônica permite a
crítica ao consumismo insustentável porque existe hoje um consumo
sustentável; no entanto, não se permite a crítica ao consumismo, pois

–  274  –
O papel da ecopedagogia na sustentabilidade

a frugalidade representa uma subversão perigosa demais ao sistema


econômico vigente.

Saiba mais
Você sabe a diferença entre propaganda e publicidade?
Esses dois termos geralmente causam confusões. Propaganda
diz respeito à divulgação de ideias, podendo ter conteúdo
político, religioso ou social. Normalmente, é usada para
informar o público em campanhas de saúde, trânsito, entre
outras. A publicidade, por outro lado, é uma mensagem de
interesse comercial, pois visa a apresentar “vantagens” de certo
produto, na tentativa de convencer o público a comprá-lo
(BRASIL, 2002).

A publicidade é, a priori, um meio eficiente para apresentar informações


sobre determinado produto, inclusive ajudando os consumidores a fazer uma
escolha. O problema começa quando as mensagens publicitárias utilizam
os pontos vulneráveis do público para convencê-lo da necessidade desse ou
daquele produto. É nesse momento que tais mensagens costumam apelar para
os desejos, as vaidades, os preconceitos e outros aspectos da personalidade
do consumidor.
Prestando mais atenção nos anúncios publicitários, percebe-se como as
pessoas são apresentadas. Normalmente, são bonitas, saudáveis, felizes e bem-
-sucedidas. A pobreza definitivamente não integra o mundo da publicidade.
O mais grave nesse fato é que a publicidade é fruto de muito estudo, e de
trabalho sério por parte dos profissionais da área de marketing. Esses profis-
sionais utilizam diferentes tipos de estratégias para induzir um determinado
público-alvo a comprar. Assim, para vender produtos de limpeza, cosméticos
e alimentos, por exemplo, seus anúncios são dirigidos às mulheres. Em tais
anúncios não aparecem mulheres comuns, mas um determinado estereótipo
de mulher difundido pelo padrão ocidental. No caso do anúncio de cosmé-
ticos, os personagens são mulheres jovens, magras e atraentes. Entretanto,
quando se deseja apresentar um alimento, por exemplo, é utilizada a imagem
da família perfeita, em uma linda e enorme casa, que, por sua vez, sempre está
muito limpa e brilhante (BRASIL, 2002).

–  275  –
4.6.2 Os jovens e as crianças: alvos vulneráveis da
publicidade
São várias as consequências na publicidade dirigida para crianças e
adolescentes. que deveriam incomodar educadores, professores e pedagogos.
Geralmente, esses anúncios utilizam a ideia “todos têm e por isso eu também
devo ter”, procurando mantê-la viva na mente das crianças e dos jovens. O
problema reside em induzir as pessoas a agirem simplesmente por impulso,
sem se preocuparem com a real necessidade que teriam daquele produto.
Comprar coisas desnecessárias não prejudica só a renda das pessoas, mas
também o meio ambiente, pois aumenta a quantidade de lixo e poluição,
oriundos de uma produção nada sustentável (BRASIL, 2002).
A preocupação com as crianças e jovens deve ser grande, pois eles são
muito mais vulneráveis ao “bombardeio” publicitário que os adultos, tudo
isso porque ainda não desenvolveram a capacidade de perceber o que está
por trás de uma mensagem publicitária. Esse problema tem se agravado nos
últimos tempos pelo fato dos jovens constituírem um grupo cada vez maior
de consumidores, sendo, por isso mesmo, “bombardeados”.
Os professores podem trabalhar com a problemática do consumo
induzido pela publicidade. Podem ser abordadas questões que envolvam
a categoria globalização no contexto da cultura. Basta que observem, por
exemplo, a preferência das crianças por uma determinada boneca americana,
totalmente diferente dos padrões brasileiros, ou por guerreiros intergalácticos
e outros heróis estrangeiros.
É obrigação da escola, na luta por uma educação sustentável, perceber que
os anúncios dirigidos aos jovens alunos se aproveitam de uma personalidade
em formação, manipulando de tal forma os desejos mais comuns dos
indivíduos com esse perfil que é quase impossível que consigam resistir, o
que pode, nesse caso, significar ser diferente justamente em uma fase na qual
precisam se identificar com determinados grupos.

Saiba mais
O que diz a lei brasileira sobre publicidade?
O Artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei
O papel da ecopedagogia na sustentabilidade

n. 8.078/90, estabelece em seu parágrafo primeiro o seguinte


o seguinte: “é enganosa qualquer modalidade de informação
ou comunicação de caráter publicitário inteira ou parcialmente
falsa, ou qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz
de induzir a erro o consumidor a respeito da natureza,
características, qualidade, quantidade, propriedades, origem,
preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.”
Saiba mais sobre o Artigo 37 do Código de Defesa do
Consumidor, pesquisando-o no seguinte endereço eletrônico:
<http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/cdc_
L8078.pdf.>
Outros endereços e links para saber mais sobre o assunto:
• Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
<http://www.idec.org.br>.
• Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da
Amazônia Legal <http://www.mma.gov.br>.
• Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis <http://www.ibama.gov.br>.

Dessa forma, a publicidade vem causando estragos não só induzindo


o consumo desregrado dos jovens, como também interferindo nos padrões
de alimentação e no uso de drogas lícitas, visto que eles estão diariamente
expostos a mensagens que vendem bebidas alcoólicas e cigarros, deixando
claro que esses produtos são símbolos de sucesso e bem-estar. No entanto,
tais anúncios normalmente ocultam a possibilidade da dependência química
e mesmo de doenças que podem, inclusive, levar à morte. Muitos jovens têm
sido levados ao vício tanto do álcool como do fumo (BRASIL, 2002).
Embora vários assuntos tenham sido discutidos, muitas outras
abordagens não foram contempladas neste capítulo. Um trabalho sério
dirigido a jovens e crianças, visando a prepará-los para criticar as mensagens
publicitárias, necessita de professores e pedagogos que abordem outras
questões, além daquelas citadas aqui. Pode-se, por exemplo, questionar a

–  277  –
Temas Contemporâneos da Educação

publicidade enganosa ou abusiva, a necessidade de se consumir de maneira


sustentável, além de discutir os artigos do código de defesa do consumidor
que tratam da questão da publicidade, e uma infinidade de outros assuntos
que não foram abordados neste capítulo, mas que poderão ser explorados
pelos profissionais da educação durante a realização do seu trabalho na escola.
Para isso é necessário que aprofundem mais os conhecimentos sobre
todas essas questões, aproveitando a enorme quantidade de informações
disponíveis em bancos de dados da internet. O trabalho a ser desenvolvido nas
instituições de ensino pode ser organizado de várias maneiras, incluindo-se os
projetos de pesquisa, tema que será abordado posteriormente.

Síntese
Discutiu-se neste capítulo como a publicidade veiculada por diferentes
mídias pode estimular o consumo desnecessário de certos produtos,
inviabilizando um modelo de sociedade sustentável.
A Ecopedagogia, por trabalhar com categorias como a virtualidade,
poderá desenvolver um trabalho significativo a partir de temas como educação
e consumo e o papel das mídias nesse processo.
Foi evidenciado que professores e educadores podem trabalhar com a
problemática do consumo, abordando outras categorias da Ecopedagogia
como, por exemplo, a globalização. Dessa forma, ao se refletir sobre a
vulnerabilidade dos jovens ao “bombardeio” da publicidade, procurou-se
deixar evidente a necessidade do tema “educação e consumo” ser abordado
com bastante ênfase na Ecopedagogia.

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Temas Contemporâneos da Educação

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