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Cacos de espírito

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Arqueologia
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F E L I P E VA N D E R V E L D E N
Universidade Federal de São Carlos
Velden, F. V.

CACOS DE ESPÍRITOS: APROXIMAÇÕES ENTRE ANTROPO-


LOGIA E ARQUEOLOGIA NO CASO KARITIANA EM RON-
DÔNIA
Resumo
Este artigo discute vestígios materiais – fragmentos cerâmicos e
objetos industriais (de ferro e vidro) encontrados no território
Karitiana, Rondônia, bem como as interpretações indígenas des-
tes no processo de definição de sua territorialidade, algo que leva
a consequências teóricas importantes para uma renovada reflexão
sobre a história e a etnicidade na Amazônia indígena. A partir
disso, especula algumas aproximações entre a Antropologia e a
Arqueologia, na forma de uma crítica indígena aos vestígios ar-
queológicos e na reflexão acerca de uma mútua fertilização das
disciplinas em contextos de pesquisa de campo.
Palavras-chave: Karitiana – etnoarqueologia – território.

POTSHERDS OF SPIRITS: APPROACHES BETWEEN ANTHRO-


POLOGY AND ARCHAEOLOGY IN THE KARITIANA CASE IN
RONDÔNIA
Abstract
This paper discusses material vestiges - ceramic fragments and
industrial objects (iron and glass) found in the Karitiana territory,
Rondônia, as well as the indigenous interpretations of these ma-
terials in the process of defining their territoriality, which leads
to important theoretical consequences for a renewed reflection
on history and ethnicity in the indigenous Amazon. From this
starting point, this paper speculates some approaches between
anthropology and archaeology, in the form of an indigenous criti-
que of archaeological remains and in the reflection about the mu-
tual fertilization of the disciplines in contexts of field research.
Keywords: Karitiana, ethnoarchaeology, territory.

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

RESTOS DE LOS ESPÍRITUS: APROXIMACIONES ENTRE AN-


TROPOLOGÍA Y ARQUEOLOGÍA EN EL CASO DE LOS KARI-
TIANA EN RONDÔNIA.
Resumen
Este artículo discute los vestigios materiales –fragmentos cerá-
micos y objetos industriales (de hierro y vidrio) – encontrados
en el territorio Karitiana, Rondonia, así como las interpretacio-
nes indígenas de los materiales en el proceso de definición de su
territorialidad, lo que lleva a consecuencias teóricas importantes
para una renovada reflexión sobre la historia y la etnicidad en la
Amazonia indígena. A partir de esto, el artículo especula algunas
aproximaciones entre la antropología y la arqueología, en forma
de una crítica indígena de los vestigios arqueológicos y en la re-
flexión acerca de una fertilización mutua de las disciplinas en los
contextos de trabajo de campo.
Palabras clave: Karitiana – etnoarqueología, territorio.

Felipe Vander Velden


felipevelden@yahoo.com.br

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Velden, F. V.

INTRODUÇÃO nes 1997). Estudos recentes, no Brasil,


vêm problematizando esta questão, ao
Registros de natureza arqueológica es-
proporem formas compartilhadas e
tão entre as principais evidências mate-
dialógicas de abordagem dos registros
riais da ocupação tradicional indígena
de tempos pretéritos, buscando levar a
em uma determinada região ou terri-
sério o modo como as diferentes so-
tório. A própria materialidade de frag-
ciedades indígenas abordam esses ma-
mentos cerâmicos, pinturas rupestres,
teriais e lidam com eles, produzindo
pontas de flecha de osso ou machados
reflexões culturalmente sensíveis e sin-
de pedra polida costuma encontrar
gulares do dado material: tais as assim
aceitação inequívoca por parte de um
chamadas etnoarqueologia e as diferentes
corpo de normas e práticas jurídicas
de matriz positivista, que – embora “arqueologias adjetivadas” (Cabral 2014:
“paradigma criticado” (Pacheco de Oli- 323): arqueologia colaborativa, arqueologia
veira 2003: 157) – ainda informam pública, arqueologia participativa ou arqueo-
significativamente o julgamento e a logia indígena, abordagens com bagagens
decisão final de processos de identifi- teórico-metodológicas distintas, mas
cação e demarcação de terras indígenas preocupadas, todas, com a multivocali-
no Brasil2. Ainda que superado pela dade das pesquisas arqueológicas (San-
legislação que define a identificação e tos & Pacheco de Oliveira 2003; He-
demarcação de terras indígenas, o dis- ckenberger 2005; Heckenberger et al.
curso cientificista que requisita prova 2003; Eremites de Oliveira 2007, 2016;
materiais associadas ao passado indíge- Eremites de Oliveira & Pereira 2009,
na ainda aparece aqui e ali nas longas 2010, 2012; Moi 2007; Silva 2002, 2009
batalhas judiciais travadas na luta pela e 2010; Silva, Bespalez & Stuchi 2011;
garantia dos direitos originários (Ere- Bespalez 2009, 2014; Stuchi 2010; Ca-
mites de Oliveira 2015a: 366 e 2016: bral 2014; Pereira da Silva 2014; Wan-
145), “cientificidade cada vez mais exigida derley 2016).
pelos magistrados, especialmente para aqueles Estas reflexões conjuntas de arqueólo-
de formação positivista” (Eremites de Oli- gos e povos indígenas, contudo, esbar-
veira 2012: 33). ram em dificuldades que são, a meu ver,
No entanto, o uso de registros arque- fruto do encontro (sempre complexo
ológicos na identificação de territó- e multifacetado) entre uma disciplina
rios tradicionalmente ocupados por acadêmica e saberes não comparti-
populações nativas – ou, dito de for- mentalizados de naturezas ontológicas
ma genérica, a equação entre objetos distintas, temática cuja complexidade
materiais do passado e etnicidades não tenho como abordar aqui, reme-
(especialmente etnicidades contempo- tendo às reflexões de outros (Phillips
râneas) – não está isento de proble- & Allen 2010; Santos & Dias 2010;
mas e enganos, conforme destacado Gnecco 2012; Cabral 2014; Eremites
por vários autores que interrogaram de Oliveira 2015a e 2015b). Quando
as correlações entre cultura material, questões políticas assumem relevância
etnicidade e língua (Renfrew 1987; Jo- neste encontro – por exemplo, no caso

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

em tela, a confecção de um laudo de vêm sendo debatidas no Brasil desde o


identificação de terra indígena – as coi- contexto de pós-redemocratização (Sil-
sas tornam-se ainda mais complicadas. va, Luz & Helm 1994; Pacheco de Oli-
Seria, portanto, mais rigoroso dizer veira, Mura & Barbosa da Silva 2015),
que se trata de encontros entre duas mas, conforme observa Jorge Eremites
disciplinas acadêmicas (a Arqueologia de Souza (2015b: 235), a aproximação
e a Antropologia), mais as maneiras in- entre Antropologia e Arqueologia no
dígenas de conhecer os, e de lidar com, país ainda tem muito o que se desen-
os fragmentos arqueológicos, mais os volver.
contextos políticos que interferem di- Faço essas perguntas como leigo em
retamente na forma como este diálogo Arqueologia, leitor diletante – embora
evolui, em como são negociadas as in-
interessado – dos trabalhos que refle-
terpretações e em quais posições serão
tem sobre a relação entre esta disci-
assumidas diante desse diálogo como
plina e os povos indígenas no Brasil.
produto final – o laudo técnico.
Em certo sentido, o que há aqui é uma
Este artigo pretende discutir um cená- “arqueologia não-qualificada”, nas palavras
rio como este: como, no contexto da de Mariana Cabral (2014). Ou, melhor,
produção de um laudo antropológico uma “etno-etno-aqueologia”: uma obser-
de identificação de terra tradicional- vação e reflexão etnográficas de como
mente ocupada por uma população os Karitiana observam certos vestígios
indígena na Amazônia, utilizar estra- materiais do passado – ou de como
tegicamente as evidências arqueológi- eu, antropólogo, observo o encontro
cas disponíveis quando elas, em certo arqueológico entre os Karitiana e os
sentido, confrontam-se com a visão e materiais pretéritos (Fortis & Praet
os usos nativos desses registros? Como 2011; também Silva, Bespalez & Stuchi
aceitar as interpretações indígenas da 2011; Cabral 2014; Wanderley 2016,
materialidade histórica num contexto para abordagens semelhantes no Bra-
em que objetivo primordial é a recons- sil). Sou antropólogo de formação, e
tituição de laços que vinculem inequi- estou diante dos problemas colocados
vocamente os artefatos arqueológicos no parágrafo anterior, envolvido com
à população que pleiteia a terra? Como, a tarefa de utilizar os materiais dispo-
por fim, empregar esta que é uma das níveis para subsidiar, da melhor forma
mais palpáveis e seguras marcas da co- possível, a reivindicação dos Karitiana
nexão entre um povo e seu território à identificação e garantia legal de seu
quando não existe um vínculo claro território tradicionalmente ocupado.
entre um tipo de material encontrado
no solo e um grupo étnico que reivin- ***
dica este mesmo solo (contra, é claro, Os Karitiana são a única população
outras reivindicações conflitantes)? falante de uma língua da família Tupi-
Muitas das questões mais espinhosas -Arikém, habitantes de cinco aldeias3
concernentes ao trabalho do antro- localizadas nos municípios de Porto
pólogo perito na confecção de laudos Velho e Candeias do Jamari, no norte

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Velden, F. V.

do estado de Rondônia, sudoeste da em 1976, tendo sido posteriormente


Amazônia brasileira. Somando atual- homologada em 1986 com aproxima-
mente cerca de 320 pessoas, estudos damente 89 mil hectares. No entanto,
apontam que os Karitiana – ou um os pedidos insistentes dos índios (isso
bloco populacional falante de uma lín- já logo após a conclusão do processo
gua (ou línguas) Tupi-Arikém – ocu- demarcatório) pelo reconhecimento
pam a região drenada pelos cursos mé- de que grande parte de seu território
dio e baixo dos rios Jamari, Candeias tradicional teria sido desconsiderado
e Jaci-Paraná – afluentes da margem e pela ampliação da área indígena en-
direita do alto rio Madeira, o maior tri-
contraram, nos anos 2000, a constata-
butário do rio Amazonas – desde tem-
ção, por parte de técnicos da Fundação
pos imemoriais (Landin 1989; Lúcio
Nacional do Índio – FUNAI, de que
1996; Vander Velden 2012). Narrativas
a Terra Indígena fora demarcada sem
recolhidas entre os Karitiana mais ido-
sos hoje registram sua presença nesta a realização do estudo antropológico,
área desde o início do século XIX, mas já prevista pela legislação vigente des-
a primeira vez que o etnônimo Kari- de 1973 (Lei 6.001 de 19/12/1973), e
tiana – cuja origem e significado são de forma arbitrária4. Desta forma, ins-
desconhecidos, certamente não se tra- taurou-se a possibilidade da ampliação
tando de uma autodesignação – figura do território demarcado por meio do
em textos escritos, acontece no ano de reconhecimento, efetuado por perícia
1907, num documento produzido pela antropológica, das terras tradicional-
Comissão Rondon, que desenvolvia mente ocupadas pelos índios, ou da-
atividades ali nos primeiros anos do quelas que não mais habitam em fun-
século XX, e que teve notícia desses ção do violento processo de esbulho
índios às margens dos rios Candeias e que sofreram (e vêm sofrendo) desde
Massangano (Rondon 1907). a chegada das frentes de colonização
A Terra Indígena Karitiana foi efe- ao sudoeste da Amazônia brasileira em
tivamente identificada e demarcada meados do século XIX.

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

Mapa 1 – Localização da terra indígena Karitiana e das quatro aldeias existentes até 2012
(Mapa por Sandra Ayres).

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Depois de duas tentativas frustradas locais já foi alterada pela presença dos
(leia-se dois grupos técnicos aborta- brancos, seja via simples ocupação e
dos), instituiu-se em 2011, pela Porta- aproveitamento agropastoril da terra
ria 921/PRES/2011, o grupo técnico (o que não é fortuito, uma vez que as
(doravante GT) para identificação da terras pretas de índio, se apontam zo-
Terra Indígena Karitiana, por mim co-
nas de habitação antiga, também são
ordenado, e que iniciou seus trabalhos
procuradas, por índios e por não índios, em
no mesmo ano. Entre julho e agosto
de 2011 a equipe do GT realizou a função de sua fertilidade), seja, mais re-
pesquisa de campo necessária para a centemente, pela destruição deliberada
identificação das terras de ocupação dos registros com o uso de tratores e
tradicional, incluindo a localização maquinário agrícola, como forma de
e reconhecimento de dezenas de sí- tentar apagar as evidências materiais da
tios de antigas aldeias, paulatinamente presença indígena na região.
abandonadas pelos Karitiana em sua
migração forçada para o oeste, fugindo
da destruição e da violência provoca-
das pelo avanço dos brancos – primei-
ro caucheiros e seringueiros, depois
fazendeiros – pela região do alto Ma-
deira (Vander Velden 2012). A maior
parte dessas antigas aldeias localiza-se
na margem direita do rio Candeias (nos
igarapés Conceição, Tapagem, Taboca
e Três Casas, seus afluentes), a prin- Figura 1 – pé de Licuri (Urucuri? Ouricu-
cipal área que os Karitiana reclamam ri?) marca a localização de sítio da antiga
como sua, e que permaneceu fora da aldeia Karitiana de Pa’ororoj (Foto de Elivar
terra indígena homologada em 1986. Karitiana, 2011).
Em cada um desses sítios – que os ín-
dios localizam e identificam pela me-
mória dos mais velhos, mas também
pela presença de terra preta de índio
(cf. Teixeira et al. 2010) e pela concen-
tração de uma palmeira que os Kari-
tiana denominam licuri5, cujos frutos
– muito apreciados pelos índios – ti-
nham suas sementes descartadas nos
arredores dos locais de habitação, pro-
piciando o aparecimento de palmeirais Figura 2 – índios Karitiana examinam frag-
– podemos encontrar fragmentos cerâ- mentos cerâmicos encontrados em terra
micos em abundância. Digo fragmen- preta no sítio de antigo local de habitação
tos, cacos, porque a maior parte desses indígena (Foto: Elivar Karitiana, 2011).

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

CACOS DE ESPÍRITOS almas só são – depois da morte, quan-


do elas deixam o corpo e seguem, cada
Os Karitiana estão plenamente fami-
uma, seu destino específico. Um dua-
liarizados com a importância e o valor
lismo corpo/alma não parece operar
que esses restos cerâmicos podem ter
aqui – ao menos nos corpos dos viven-
para a fundamentação do estudo de
tes – como, de resto, acontece na Ama-
identificação de seu território. No en-
zônia indígena como um todo. A ideia
tanto, esses fragmentos são outra coisa
de que a alma pode deixar o corpo
para eles, ainda que sua leitura desses
em estados patológicos – neste caso,
materiais aponte na mesma direção do
os Karitiana nunca especificaram qual
nexo entre cacos cerâmicos e ocupação
ou quantas das quatro almas – existe,
imemorial indígena: eles são, sim, evi-
dência concreta da presença do grupo mas está caindo em desuso com a con-
em cada um dos sítios antigos. Na ver- versão massiva deste povo à diversas
dade, eles evidenciam, virtualmente, a denominações evangélicas e ao virtual
presença Karitiana em todo e qualquer sítio desaparecimento do xamanismo (pelo
arqueológico. Explico. menos enquanto prática).

Cada indivíduo Karitiana agrega em si Na morte, essas “sombras” ou “al-


(os índios dizem que a pessoa “tem”) mas” separam-se do corpo defunto e,
quatro “almas” (o termo na língua na- como dizem os Karitiana, “espalham-
tiva é psam’em, glosado também como -se”, assumindo (ou adquirindo), cada
“espírito”, “sombra” ou mesmo “bi- uma delas, caracteres específicos. Uma
cho”6), que podem ser fugidiamente dessas “almas”, chamada psam’em pyyt,
entrevistas, no caso dos vivos, pela conserva a aparência da pessoa quan-
projeção quadripartida da sombra do do viva, mas, diferentemente de outras
corpo quando, em certos momentos, a “almas”, não dá “pesadelo” ou “cho-
luz nele incide de forma difusa, vinda que” (sustos). Psam’pyyt, assim enten-
de várias direções. Não parece haver dem os Karitiana, deixam o local da
muita clareza quanto à situação dessas morte, mas aparecem em locais dis-
almas em um ser humano vivo, nem tantes para as pessoas com as quais o
a questão parece interessar muito aos indivíduo vivo se relacionava (parentes,
Karitiana. De todo modo, as sombras amigos), pedindo a elas sexo em tro-
parecem ser tão-somente índices da ca de alimento; caso um vivo aceite a
presença das almas; mas, ao serem pro- troca, morrerá, porque esta “alma” não
duzidas, apontam para o fato de que oferece comida “viva”, uma vez que le-
não estamos tratando de uma noção de vou a “sombra” da comida, que é, en-
alma imaterial ou incorpórea, tal como tão, considerada morta e não deve ser
se reconhece no mundo Judaico-Cris- degustada pelos viventes. Diz-se, ainda
tão. Provavelmente estamos frente a – e este é o ponto que nos interessa –,
uma noção de alma como um corpo que estes espíritos adoecem – pegam
ou um duplo (Vilaça 2005), mas um a mesma doença que matou a pessoa
corpo-em-potência, por assim dizer, quando em vida – e morrem “como
porque a alma só é – ou, neste caso, as gente” (viva)7, transformando-se, então, em

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Velden, F. V.

cacos de cerâmica quebrados frequentemente parentes antigos, como entre os Apu-


encontrados na floresta8. rinã (Wanderley 2016), esses resíduos
Esta categoria de espíritos Karitiana cerâmicos são parentes antigos. Note-
evoca as “almas” dos grupos de lín- mos, contudo, que, em princípio, aos
gua Jê, que regridem paulatinamente Karitiana não interessava o destino
da forma humana até formas mate- desses seres: eles são outros (perigosos)
riais inertes como cupinzeiros, pedras, em relação aos vivos, e eles vagam por
raízes ou restos de toco (Carneiro da caminhos distantes de onde viveram. É
Cunha 1978: 115-116), expressão da apenas a partir da necessidade de fun-
impossibilidade, segundo Manuela damentar, com dados arqueológicos,
Carneiro da Cunha (1978: 126-130), uma territorialidade indígena passível
de reconhecimento legal pelo Estado
de que o além, estranho à comunida-
que um nexo entre os fragmentos e os
de dos viventes, produza algo criativo,
Karitiana emerge: esses cacos deixam
novo, vibrante: o destino dos mortos
de ser vestígios e passam a ser marcas,
é a imobilidade, a permanência e, em
explorando a formulação de Domini-
certo sentido, o repouso eterno.
que Gallois (Gallois & Cabral 2015) a
Os restos quebrados de psam’em pyyt, respeito dos Wayãpi no extremo norte
contudo, não repousam. Na superfí- do Brasil. Atente-se para o fato de que
cie revolvida dos terrenos de antigas não interessa aos Karitiana a natureza
aldeias agora tomados por fazendei- técnica, por assim dizer, dos materiais:
ros que tentam apagar os registros da quem teria produzido, era tempo9, os re-
ocupação Karitiana, eles gritam suas cipientes quebrados? Há semelhanças
intenções: evidenciam, com a força da entre esses registros e uma cerâmica de
materialidade, que tudo ali é terra indí- confecção reconhecidamente Karitiana?
gena tradicionalmente ocupada ou es-
Na ausência de análises arqueológicas
poliada pela violenta invasão por parte
destes fragmentos pouco pode ser dito,
dos colonizadores brancos. Note-se,
mas o fato é que essas questões não in-
de passagem, que os cacos derivam
teressam, ou não fazem sentido, para
justamente daquela alma que retém
os Karitiana: restos cerâmicos são ca-
a aparência física e as relações de pa-
cos de espíritos e, como tal – posto que
rentesco e amizade que tinha a pessoa restos de espíritos Karitiana –, vinculam
vivente, reforçando, de certo modo, o diretamente o povo indígena ao seu ter-
laço entre os antepassados e os Karitia- ritório. Meu ponto, aqui, refere-se aos
na atuais, relacionados entre si. limites desse vínculo. Desinteressados
Minha questão, contudo, é: o que exa- das qualidades e características dessas
tamente esses fragmentos evidenciam? peças, os cacos de cerâmica espalhados
Virtualmente, todos os cacos de cerâmi- em profusão pela região apontam para
ca encontrados na floresta são restos uma conclusão desconcertante: onde
de espíritos psam’em pyyt. Todos são os encontramos tais vestígios, trata-se de
derradeiros vestígios de ex-Karitiana território deste grupo indígena. Virtu-
(ex-vivos). Mais do que produtos de almente, todos os lugares onde há cacos cerâ-

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

micos é território Karitiana. Bem pode ser que se acha por toda parte, sugerindo
assim, afinal, já que, no início dos tem- que esses espíritos – ex-Karitiana –
pos, contam os mitos, tudo o que havia anda(vam) por todos os cantos, por
no mundo eram mesmo os Karitiana todo o mundo. E as muitas mortes
(além de outras gentes-animais), com que ocorreram no passado, espe-
os não índios só aparecendo muito cialmente quando da chegada dos
tempo depois (ver Lúcio 1996). Como, brancos, acabam por garantir, hoje,
então, traçar as fronteiras necessárias o território Karitiana (ou, ao menos,
à constituição de uma unidade terri- indicá-lo), cheio de cacos de (ex-)es-
torial – a Terra Indígena Karitiana – píritos. E isto constitui um problema
reconhecida pela Federação? De que a ser enfrentado pelos indígenas, pe-
formas esses vestígios arqueológicos los fazendeiros vizinhos ao territó-
podem nos auxiliar (se é que devem rio indígena, pelos administradores
fazê-lo) na descrição e na definição e gestores do ordenamento territo-
do território tradicional Karitiana? rial brasileiro e, no limite, por todos
Questões desse tipo vêm sendo tra- aqueles interessados em refletir sobre
tadas por crescente literatura arque- as formas possíveis ou desejáveis de
ológica no Brasil, e seria importante acomodar distintos modos de habitar
que antropólogos sociais em geral e o mundo.
etnólogos em particular adquirissem ***
amplo conhecimento dela (ver, a res- Até onde sabemos, os Karitiana aban-
peito, Eremites de Oliveira 2015b). donaram a produção regular de peças
O problema que se coloca aqui é cerâmicas há pelo menos 50 anos. Ra-
algo análogo àquele das linhas que chel Landin (1989: 9, minha tradução),
conectam o território Yanomami na missionária que viveu entre os Karitia-
fronteira do Brasil com a Venezuela na a partir de 1972, afirma que as mu-
ao resto do universo, de modo que se lheres “faziam e decoravam potes acordela-
o “peito do céu” (ou seja, a abóbada dos [coiled] de argila de variados tamanhos
celeste) despencar lá do alto (como utilizados para preparar e cozinhar comida”.
ele ameaça fazer em função do ex- Hoje, embora digam que algumas pes-
cesso de fumaça produzida pelos soas (sobretudo mulheres) mais idosas
brancos no mundo contemporâneo), ainda conheçam as técnicas de confec-
cairá sobre todos nós, e não apenas ção de formas diversas de vasilhames
sobre os Yanomami (Kopenawa & cerâmicos, a arte não é mais praticada
Albert 2013). Trata-se, assim, de uma (Silva S/d: 1), e não se veem peças de
questão decididamente cosmopolita, fabricação nativa nas aldeias, nem mes-
e que deve interessar a todos, índios mo já obsoletas. Não obstante, tive
e não índios. Da mesma forma entre notícia, em 2015, de que uma senhora
os Karitiana: um emaranhado de vi- Karitiana havia voltado a confeccionar
vos e mortos que se expande virtu- panelas de cerâmica, e uma dessas pe-
almente por todo o mundo, e isso é ças estava em exposição em uma sala
evidenciado pelos cacos de cerâmica da Coordenadoria dos Povos Indíge-

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Velden, F. V.

nas de Rondônia (COPIR), parte da 221) registrou, entre os Arikém que


Secretaria de Estado do Desenvolvi- visitou na primeira década do século
mento Ambiental (SEDAN). XX, a existência de “cerâmica muitíssimo
desenvolvida”, da qual os índios fabrica-
vam “vasos de grande capacidade”. Ainda
não compreendemos plenamente as
relações entre o povo conhecido desde
Rondon por Arikém e os atuais Kari-
tiana (que falariam duas línguas da fa-
mília Tupi-Arikém, a primeira delas já
extinta), ainda que a partilha do terri-
tório (os Arikém estariam no rio Jama-
ri, a leste da atual zona habitada pelos
Karitiana, embora estes afirmem terem
Figura 3 – panela de cerâmica Karitiana, ocupado o vale do Jamari no passado)
de fabricação recente (Foto: Felipe Vander
e as evidências linguísticas (que falam
Velden, 2015)
de muita proximidade: ver Storto &
As pesquisas arqueológicas na região Baldi 1994; Demolin & Storto S/d) si-
prometem resultados promissores, em nalizem a possibilidade de se tratar de
primeiro lugar, porque o sudoeste da um único povo (de língua Tupi-Arikém)
Amazônia brasileira é considerado por que, cindido em numerosos grupos
muitos autores – especialmente lin- locais atingidos em períodos distintos
guistas – como berço dos povos e lín- pelas frentes de expansão, foi registra-
guas do tronco Tupi (Rodrigues 1964; do pela literatura em um hiato de cerca
Urban 1992). O pouco até agora reve- de 50 anos: os Arikém conhecidos no
lado aponta importantes conclusões: início do século XX, os Karitiana já na
Miller (2009), em um artigo de revisão segunda metade deste (cf. Vander Vel-
dos dados, relata a existência de uma den 2011).
cerâmica ligada a povos Proto-Arikém De todo modo, Miller aventa a hipó-
(que ele denomina tradição Jamari) da- tese de uma “tradição Protoarikém”,
tada de aproximadamente 2.500 anos na região do médio e alto rio Jamari,
AP; o que é interessante é que Miller muito antiga (cerca de 5.000 anos AP),
(2009: 37) aponta que esta cerâmi- e que teria sido resultado do primei-
ca Proto-Arikém teria surgido muito ro deslocamento – para o oeste – dos
tempo depois (cerca de 2.700 anos) da povos Prototupí originados, crê-se, no
agricultura deste povo, indiciada desde vale do Ji-Paraná (Miller 2009: 88). O
5.200 anos AP. Os trabalhos de Miller mesmo autor sugere ainda, estender as
foram desenvolvidos na região do alto investigações arqueológicas e datações
e médio rio Jamari, que os Karitiana de C14 para o vale do rio Candeias –
reconhecem como seu território, mas aqui, sim, inequivocamente território
apenas em tempos muito antigos. tradicional Karitiana – como forma de
O Marechal Rondon (2003 [1916]: comprovar a pertinência de uma “tra-

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

dição Protoarikém”. O que afirma Eu- entre si e testemunhos de uma cons-


rico Miller, enfim, é que as pesquisas trução territorial singular – possam ser
em Arqueologia (com especial atenção negociadas com maior propriedade? A
para a cerâmica antiga) na região ha- interpretação dos vestígios localizados
bitada e reivindicada pelos Karitiana nos sítios de antigas aldeias Karitiana
podem guardar a chave para compre- esteve a cargo do antropólogo e dos
ender a história da origem e da difusão próprios Karitiana, com o apoio da
dos povos Tupi, o que por si só reveste bibliografia existente: essas são, preci-
o material encontrado ali de especial samente, as reflexões que ofereço aqui.
relevância. Baseando-se em materiais Não obstante, o excesso de perguntas
coletados mais recentemente, e numa neste texto sugere, a meu ver, que a
cuidadosa comparação entre fontes incorporação do saber e dos métodos
arqueológicas, linguísticas e etnohis- especificamente arqueológicos à equi-
tóricas, Fernando Almeida (2016) vem pe produziria resultados muito mais
retomando a questão da relação entre interessantes, tanto acadêmica quanto
a cerâmica da tradição Jamari e os po- politicamente.
vos de língua Arikém no centro-norte de Não estou querendo dizer, evidente-
Rondônia, com resultados promissores. mente, que os resultados de pesquisas
A carência de pesquisas arqueológicas arqueológicas devam contrariar as re-
na região, contudo, torna difícil qual- flexões indígenas acerca dos registros
quer conclusão, mesmo a respeito dos materiais antigos, em tudo precisas;
materiais encontrados à flor da terra10. também não coaduno com a ideia de
O que a equipe do GT fez não pode que vestígios arqueológicos são um
nem mesmo ser denominado “coleta tipo de prova inquestionável da pre-
de superfície”, uma vez que não dis- sença indígena em dada região. O que
púnhamos nem das técnicas adequa- quero sugerir é apenas que a colabo-
das para recolher material e nem das ração entre arqueólogos, antropólogos
condições de estudar e interpretar as e os índios me parece crucial, tanto
evidências observadas. Isso coloca-nos mais quando se trata da necessidade
diretamente a questão: não deveriam definição de limites: deste modo, o
os grupos técnicos responsáveis pela problema aqui parece menos utilizar
identificação de terras indígenas incor- os cacos cerâmicos como provas da
porar (e financiar, claro) arqueólogos, ocupação Karitiana na região do que
já que as evidências materiais de na- definir a extensão desta mesma ocupa-
tureza arqueológica podem ser muito ção. Como reconhecer e empregar a
importantes para a definição de territo- evidência arqueológica na sustentação
rialidades indígenas? Mais do que isso: de propostas de identificação de terras
a ausência de pesquisas arqueológicas tradicionalmente ocupadas em casos
nos trabalhos de identificação não im- como estes, em que estes materiais
pede que soluções para um caso como afirmam, na perspectiva indígena, que,
esse dos Karitiana – no qual os cacos se todos os fragmentos cerâmicos são
cerâmicos são, virtualmente, idênticos cacos de espíritos – ou seja, são restos

Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 10 (1): 182 - 208, 2018 195


Velden, F. V.

de ex-Karitiana, signo de que ali vive-


ram, era tempo, os Karitiana –, todos
os locais em que são encontrados fo-
ram, antigamente, território Karitiana?
Os trabalhos de vários arqueólogos
pesquisando com povos indígenas no
Brasil (cf. Wanderley 2016) sugerem al-
gumas pistas, mas a questão colocada
pelos Karitiana – de que todos os frag-
mentos são ex-vivos, gente que morreu Figura 4 – caldeirões de ferro encontrados
pelos Karitiana nas proximidades da aldeia
e se transformou, e os reflexos disso na
Byyjyty ot’soop aky, na margem direita do
definição de um território limitado (e rio Candeias (Foto: Felipe Vander Velden,
que irá oficialmente limitar, necessaria- 2011)
mente, uma territorialidade que, se de- Conforme assinalado, a ausência de
finia seus “limites” no passado, o fazia cerâmica nas aldeias Karitiana de hoje
de uma outra maneira – possui singula- aponta, provavelmente, para a rápida
substituição destes artefatos por peças
ridade que só a contínua reflexão con-
de funções similares ou equivalentes
junta poderá tornar mais transparente. introduzidas com o contato, proces-
so nada incomum entre as sociedades
indígenas nas terras baixas. Meu pon-
ALDEIAS DE FERRO E DE VIDRO to aqui, entretanto, é o modo como
construir a relação entre esses objetos
Os trabalhos de campo do GT de iden- exógenos e a definição e sustentação an-
tificação da Terra Indígena Karitiana tropológicas de uma territorialidade
também toparam com outro tipo de Karitiana. Pois o que dizem os Kari-
registro arqueológico11. Trata-se de ob- tiana deles sugere relativizar a própria
jetos de manufatura industrial, segura- ideia de que esses artefatos são mesmo
exógenos12.
mente originários de diferentes moda-
O que os Karitiana dizem de várias
lidades de intercâmbio (troca, compra,
áreas outrora ocupadas por aldeias é
roubo, furto) entre os Karitiana e os que havia, ali, coexistência entre índios e
não índios que passam a ocupar a re- brancos, ou seja, aldeias mistas, sítios
gião em meados do século XIX, mor- que, com o contato, passaram a ser,
mente garrafas de vidro (de um tônico simultaneamente, aldeias Karitiana e es-
muito popular de fabricação brasileira tabelecimentos não indígenas, como
colocações de seringueiros, barracões,
chamado “Biotônico Phontoura”) e portos de embarque de produtos extra-
recipientes de metal, como panelas e tivistas e mesmo comunidades em que
caldeirões de ferro. residiam os índios e os colonizadores.

196 Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 10 (1): 182 - 208, 2018


Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

Não que processos como a formação da e mesmo coabitada por índios e por
de núcleos populacionais indígenas não índios.
junto a, por exemplo, barracões ou co- Outro caso ainda mais interessante é o
locações sejam estranhos a outras re- de uma aldeia – na verdade uma única
giões amazônicas (Gow 1991; Iglesias casa grande (abi atana, “casa redonda”,
2010). O que interessa destacar aqui é denominação Karitiana das antigas re-
que os Karitiana definem esses locais sidências multifamiliares) – conhecida
hoje como aldeias, mesmo que fossem como Abi atana do Moraes, localizada
resultado já avançado do processo de no alto da Serra Moraes, uma eleva-
ocupação do território por não índios ção do terreno situada bem junto à
e da constituição de espaços de convi- margem esquerda do rio Candeias, no
vência e de coexistência entre diferentes sudeste da Terra Indígena Karitiana13.
povos. Bem próximo desta aldeia – ocupada,
Este é, por exemplo, o caso da antiga ao que tudo indica, por volta dos anos
aldeia chamada Nova Vida, situada nas de 1950 – havia um seringal chefiado
proximidades da cachoeira de mesmo pelo seringalista Sizeando César de
nome, no rio Candeias. Nova Vida Oliveira (os Karitiana afirmam que seu
(que não possui denominação na lín- nome era Cizinano ou Cizino, de onde
gua indígena) constituía-se, segundo o nome do atual único xamã e grande
rememora Cizino Karitiana, xamã e líder político Karitiana), pai de Áureo
importante liderança, em uma espécie César de Oliveira, funcionário aposen-
de entreposto comercial onde os Ka- tado da FUNAI hoje com 60 anos. Se-
ritiana trocavam com os brancos que gundo Áureo contou-me em entrevista
circulavam pelo rio, produtos extraídos (concedida em julho de 2011), ele nasceu
da floresta (borracha, sorva, castanha, na aldeia Karitiana na Serra Moraes, pois
caucho, óleo de copaíba, peles de ani- sua mãe vivia lá. Ademais, o pajé Cizino,
mais selvagens) por objetos industria- que nasceu mais ou menos na mesma
lizados. Nova Vida, segundo Cizino, época (final dos anos 40 e início dos
era composta por algumas construções anos 50) trata Áureo como seu primo,
residenciais e outras destinadas ao ar- forma de tratamento pouco usual nas
mazenamento de gêneros para troca, e relações entre índios e brancos na
parecia articular as relações comerciais Amazônia (onde impera o cunhado ou
entre três aldeias Karitiana (a maior de- a forma mais genérica do parente; ver
las chamada Pa’ororoj) localizadas mais Viveiros de Castro 1993). Ao que pa-
ao norte, um tanto longe das margens rece, portanto, tínhamos ali uma aldeia
do rio Candeias e os não índios que cir- interétnica, ou pelo menos em íntima
culavam pela região explorando as ri- relação com um seringal instalado nas
quezas da Amazônia na primeira meta- vizinhanças.
de do século XIX. O dado interessante Esses dois exemplos14 nos levam a um
é que Cizino afirma sempre Nova Vida ponto crucial, e que também adiciona
como uma aldeia Karitiana; mas uma al- um complicador a mais no uso das evi-
deia que era continuamente frequenta- dências arqueológicas para reconhecer

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Velden, F. V.

o território tradicional dos Karitiana: contato e convívio com os brancos, é


ao contrário do senso comum, essas feito tão somente da recuperação do
peças de clara origem estrangeira – tempo perdido, por meio da reconquis-
ferro e vidro, provenientes do mundo ta de bens, hábitos e práticas que, se
dos brancos ali recém-chegados – não são dos brancos, são, da mesma forma,
indiciam espaços de ocupação por não também dos Karitiana.
índios, mas aldeias Karitiana; isso, até Efetivamente, histórias do surgimento
certo ponto, é óbvio, posto que os ín- de populações indígenas contempo-
dios rapidamente incorporaram obje- râneas a partir do amálgama, da coe-
tos industriais a seus usos cotidianos. volução (simbiose, podemos dizer) e do
As memórias dos Karitiana, contudo, compartilhamento de espaços geográ-
apontam que essas eram, em muitos ficos e trajetórias históricas não são in-
casos, aldeias multiétnicas, posto que comuns na Amazônia, em que as etni-
não parecia haver uma nítida fronteira cidades/identidades indígenas apenas
entre índios e não índios nesta região se consolidaram muito recentemente,
quando dos (prováveis) primeiros en- com a estabilização das políticas indi-
contros entre uns e outros, na virada genistas nas suas relações com o co-
do século XIX para o XX. Karitiana e nhecimento antropológico. Processo
seringueiros se confundem nas aldeias que Bruce Albert (2002) chamou de et-
situadas no vale do rio Candeias: am- nificação: povos originários da mistura ou
bas as sociedades parecem interpene- da mestiçagem estão por toda parte (Gow
trar-se, confundir-se, formar uma só 1991; Iglesias 2010). Talvez estejamos
em certos momentos do tempo. mesmo diante de toda uma região et-
A etnografia dos Karitiana já havia nográfica de índios misturados (Pache-
tomado nota deste fenômeno: Lúcio co de Oliveira 1998). Estes surgiram
(1996) defendeu a tese de que o conta- dos processos históricos de contato e
to com os brancos (os Opok Pe’ejma convívio entre índios de diferentes cul-
[sic], “os outros que têm a escrita”) re- turas e não índios de variadas origens, e
presentou uma retomada de relações fundaram suas identidades contempo-
amistosas de antanho, fundadas não na râneas apenas em tempos atuais: não
alteridade, mas na semelhança: “(...) a é fortuito que o seringueiro Áureo, já
inclusão do ‘modo de vida civilizado’ mencionado, ao ser perguntado como
em seu [dos Karitiana] meio, longe de ser o povo do pajé Cizino (hoje, chamados
uma negação de sua alteridade, ao contrário, Karitiana) era denominado quando ele
é uma de suas componentes básicas” (Lúcio era um menino no seringal de seu pai
1996: 64, grifo no original). Eu mesmo, (nos anos de 1940-1950), tenha res-
em outro lugar (Vander Velden 2008), pondido: “não tinha nome, era tudo índio”.
defendi a ideia de que no pensamento Eram “índios”, não Karitiana.
Karitiana eles e os brancos têm a mes- Os Karitiana são índios: isto, evidente-
ma origem, tendo sido separados em mente, não se questiona. No entanto,
função dos maus feitos dos índios no sua história recente mescla-se com a
tempo antigamente; o presente, feito de história dos primeiros contingentes de

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

não índios que ocupam a sua região a novos objetos por parte dos índios,
partir de meados dos oitocentos. As suas origens, suas formas de circu-
peças de fabricação industrial, pois, são lação naquela zona e de intercâmbio
evidências Karitiana, e não do contato entre brancos e índios, sua inserção
destrutivo; oferecem informações so- nas redes locais de trocas e os modos
bre coexistência de índios e brancos, de descarte ou abandono que os lega-
e não apenas sobre violência, desloca- ram até nós hoje. Pode ajudar, assim,
mentos forçados e a substituição de um a compreender como as histórias dos
conjunto de habitantes por outro. É povos indígenas são muito mais com-
claro que os Karitiana sofreram muitas plexas do que as linhas de continui-
violências nas mãos dos brancos, posto dade normalmente admitidas sem, no
que estes invadiram, paulatinamente, entanto, sugerir que estas mestiçagens
seu território tradicional, começando tenham impacto negativo nas identi-
pela margem direita do rio Candeias e dades indígenas e no conjunto de seus
pela região drenada por seus afluentes direitos específicos, especialmente ao
(do leste para o oeste) – isso não se território. Ao contrário, a análise etno-
pode, claro, negar, e as memórias Kari- arqueológica desses materiais híbridos
tiana mencionam agressões e choques deverá permitir demonstrar a natureza
belicosos abundantemente. É óbvio, Karitiana da própria mistura.
da mesma forma, que o resultado final
desse processo foi a definitiva expulsão
dos Karitiana desta área e sua migração CONSIDERAÇÕES FINAIS
para a margem esquerda do Candeias e A necessidade de um arqueólogo na
para o vale do rio das Garças, lá pelo equipe do Grupo Técnico (GT) de
final dos anos de 1960. O que estou so- identificação da Terra Indígena Kari-
licitando é apenas uma maior atenção tiana é algo a ser considerado funda-
às sutilezas e complexidades dos pro- mental. É certo que a Antropologia
cessos históricos e dos desenvolvimen- pode discutir com os índios as evi-
tos das relações interétnicas naquela dências materiais do passado recolhi-
região, cujos impactos, bem analisados, das no rés do chão, e mesmo atingir
devem levar à iluminação de aspectos a posição sistêmica desses objetos nas
da cosmologia e da historicidade dos transformações históricas da cosmo-
Karitiana ainda obscuros (Lúcio 1996; logia nativa. Contudo, uma interpreta-
Vander Velden 2008), como tem sido ção fundada em dados cientificamente
feito com sucesso para outras partes da consistentes que possa, de fato, em-
Amazônia (Hornborg & Hill 2011). pregar o vestígio arqueológico como
As tais “arqueologias adjetivadas” (Cabral apoio à sustentação das reivindicações
2014: 323) – arqueologia colaborativa, ar- territoriais dos índios só me parece po-
queologia pública, arqueologia participativa der ser alcançada com a mútua fertili-
e arqueologia indígena – podem auxiliar zação obtida no diálogo entre Arque-
em muito neste trabalho, ao investigar ologia, Antropologia e a comunidade
as formas de uso e apropriação desses indígena em questão (Silva, Bespalez

Amazôn., Rev. Antropol. (Online) 10 (1): 182 - 208, 2018 199


Velden, F. V.

& Stuchi 2011). Ademais, antropólo- não profissional em Arqueologia, pois


gos sociais em geral não dispomos de encontrado espalhado na superfície do
formação mínima em Arqueologia que solo ou aflorando dele.
nos possa orientar em como proceder: Artefatos inteiros – desconheço se al-
os casos de dupla formação em Arque- gum já foi, até o presente momento,
ologia e Antropologia Social ilustram, encontrado – podem nos contar muito
a contrário, os benefícios advindos da mais sobre a história dos Karitiana (ou
estreita colaboração disciplinar (Silva dos grupos de língua Tupi-Arikém) e
2002; Silva, Bespalez & Stuchi 2011; sobre os limites da expansão e da re-
Eremites de Oliveira & Pereira 2009 tração de seu território ao longo do
e 2012). Os prejuízos dessa ausência tempo, sempre partindo dos modos
da Arqueologia nos laudos antropo- como os Karitiana reconhecerão pe-
lógicos se verificam também na qua- ças íntegras, e não apenas cacos (que
lificação do material localizado: sem são, como vimos, restos de espíritos).
pesquisas arqueológicas profissionais, Peças melhor conservadas devem per-
o que temos são apenas cacos de cerâ- mitir discutir com os índios – a partir
mica e outros objetos estranhos (vidro do que ainda conhecem hoje e do que
e ferro em aldeias indígenas) localiza- se recordam de processos de fabrica-
dos na superfície15; apenas escavações ção, dos usos e do descarte do passado
feitas com métodos apropriados e um (cf. Moi 2007) – as técnicas, qualidades
trabalho detalhado de arqueólogos po- e variedades dos utensílios cerâmicos
dem nos conduzir, evidentemente, aos produzidos antigamente, de modo a
recipientes que viraram cacos e a tudo situar com mais propriedade uma ce-
o mais que permanece enterrado nos râmica Karitiana, ou Tupi-Arikém, nos
sítios outrora habitados pelos Karitia- moldes do que propõe Eurico Miller
na. Estou absolutamente ciente do que (2009) ou, por outro lado, segundo o
observou Jorge Eremites de Oliveira que dizem os próprios Karitiana. Tais
(2007: 105) sobre o peso conferido, em questões devem ser enfrentadas pela
alguns laudos, ao dado arqueológico: colaboração entre antropólogos e ar-
“Registra-se, contudo, e mais uma vez, queólogos, sustentada pela investiga-
que não é a ocorrência de evidências ar- ção arqueológica detalhada dos mate-
queológicas imemoriais, como artefatos riais em questão, o que certamente irá
líticos e cerâmicos, que poderiam ou não interessar muito aos Karitiana e produ-
comprovar a tradicionalidade da ocupação zir renovadas interpretações sobre es-
indígena na área periciada (...)”. ses cacos de espíritos e sobre os modos
Apenas apelo, como antropólogo, de usá-los estrategicamente na defesa
para um adensamento do debate que de seus direitos a suas terras tradicio-
permita a mim, assim como a outros nalmente ocupadas. Um trabalho que
colegas antropólogos trabalhando em está apenas começando ali no território
processos de identificação, trabalhar Karitiana, mas que tem potencial para
da melhor forma com os registros ar- gerar um diálogo muito produtivo en-
queológicos disponíveis mesmo a um tre distintas epistemologias e, por que

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

não, ontologias. correlação tão direta entre os materiais


Conhecendo melhor esta cerâmica arqueológicos localizados e a “identi-
seria possível, penso, aguçar nosso dade étnica” desses artefatos, embora
entendimento do que é o território os colchetes que arrematam o nome
Karitiana vis a vis a necessidade de se “Karitiana” indiquem não ter sido o
propor e sustentar os limites da Terra arqueólogo, mas o jornalista, a colocá-
-lo ali; Shennan não postula, ao menos
Indígena Karitiana com o auxílio sem-
aqui, uma identificação nítida e incon-
pre importante dos dados de natureza
troversa entre a cerâmica e a etnia,
arqueológica. Devemos levar a sério a
mas fala apenas nos tipos de cerâmica
afirmação de que [w]hile there has been
como instrumentos para definir limites
a reaction against the enthusiastic abuse of
e fronteiras dos sítios. O âmbito do
ceramic style – under such aphoristic rubrics
projeto Tupi Comparativo, no qual ele
as “pots do not speak” or “pots are not peo-
se insere, entretanto, busca esta corre-
ple” – careful use of ceramic and linguistic
lação entre línguas e culturas, idiomas e
evidence has proved very fruitful (Wright estilos ceramistas.
2009: 56). Muito frutífero, ainda mais
em casos em que os potes são, em cer- De todo modo, incluir os povos indí-
to sentido, pessoas! – o que, ao contrá- genas nas pesquisas arqueológicas, de
rio do que possa parecer, adiciona mais modo a produzir interpretações cultu-
dificuldades epistemológicas à colabo- ralmente sensíveis do registro do pas-
ração entre arqueólogos, antropólogos sado e uma verdadeira etnoarqueolo-
e os povos indígenas diretamente inte- gia é absolutamente salutar. Estou de
ressados. acordo, portanto, com a afirmação de
Fabíola Silva (2002: 184) de que:
Como disse o arqueólogo britânico “É preciso entender a incorporação dos
Stephen Shennan em entrevista a res- vestígios arqueológicos no cotidiano Asu-
peito das pesquisas que iniciava no ter- rini – independentemente de uma conti-
ritório tradicionalmente ocupado pelos nuidade histórica comprovada entre eles
Karitiana: e aquelas populações que os produziram
“Os arqueólogos podem visitar essas su- – como um dos aspectos da construção e
postas aldeias antigas para confirmar manutenção da sua identidade étnica na
que são, na verdade, aldeias antigas dos medida em que são elementos materiais
índios [Karitiana]. Podem, por exemplo, que falam para eles sobre a sua ances-
colecionar amostras de cerâmica e definir tralidade e contribuem para a manuten-
as fronteiras dos sítios das aldeias antigas. ção da sua memória cultural” (grifo no
É muito difícil encontrar os sítios arqueo- original).
lógicos na mata, mas quando se encontra No entanto, estou ciente de que alguma
o sítio arqueológico, é muito fácil reconhe- forma de continuidade é importante aos
cer porque, além da cerâmica, existe essa olhos da justiça de cunho positivista
terra preta, que é uma evidência boa da que deve analisar e julgar um laudo
ocupação humana no passado” (Shennan antropológico de identificação e, mais
2003)16. que isso, os próprios Karitiana já per-
Só não estou tão certo quanto a uma ceberam isso e, portanto, fazem um

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Velden, F. V.

uso estratégico desses vestígios ma- Lima, Thomas Fibiger e Astrid Kieffer-
teriais. Reconheçamos, aqui também, -Døssing pelas valiosas sugestões.
que esses usos do material arqueológi- 2
Noto que não estou me referindo à ideia
co em torno da “manutenção da identidade de que os vestígios arqueológicos são to-
étnica” e da “memória cultural” também mados como provas definitivas da ocupa-
são informados por estratégias tecidas ção indígena de certa região, mas apenas
pelos índios de modo a constituir con- afirmando que este tipo de material recebe
tinuidades e, assim, produzir discursos atenção diferente da que recebe, por exem-
plo, a história oral, como aconteceu, por
mais afinados com as noções do senso
exemplo, no caso dos Caxixó em Minas
comum acerca de território ancestral/
Gerais (discutido em Santos & Pacheco de
tradicional e de continuidade histórico- Oliveira 2003). Ainda que vários autores
-cultural. Um debate cuidadoso, então, destaquem que objetos materiais não falam
em torno dos usos estratégicos dos por si mesmos, dependendo, sempre, do
vestígios arqueológicos, envolvendo saber discursivo produzido hoje (por arque-
arqueólogos, antropólogos, historiado- ólogos e índios) a respeito deles, evidên-
res, juristas, os povos indígenas (con- cias arqueológicas são fortes em sua mate-
forme apelou Eremites de Oliveira rialidade positiva, permitindo mesmo, em
2007: 111) e, no limite, toda a socie- alguns casos, a negação de reivindicações
dade civil interessada, se faz mais do étnicas e territoriais com base na (preten-
sa) inexistência de vínculos entre um povo
que necessário. Só assim, “indigenizando
e os sítios arqueológicos de sua região (de
a Arqueologia” (Silva, Bespalez & Stuchi
novo, tome-se o caso dos Caxixó). O ob-
2011: 37), poderemos alcançar uma jetivo do presente artigo é, entre outros,
posição descolonizante que acabe de refletir sobre a natureza do conhecimento
vez com a “violência epistêmica” (Eremi- produzido na interface dos saberes de ar-
tes de Oliveira 2015a: 360) que a Ar- queólogos, antropólogos e povos indíge-
queologia, mas também, seguramente, nas, tomando para isso um caso particular.
a Antropologia, insistem em infringir Sobre a questão das relações entre Arque-
aos povos indígenas. ologia e Antropologia Social na construção
de laudos antropológicos, remeto o leitor
às reflexões de Jorge Eremites de Oliveira
NOTAS (2010, 2012, 2015a, 2015b, 2016).
3
Não tive oportunidade de conhecer a
1
Este trabalho foi apresentado no II CIA- aldeia mais recente, Caracol, fundada em
EE – Congresso Iberoamericano de Arqueologia, 2014. Por isso, este trabalho faz referência
Etnologia e Etnohistória, realizado na Uni- apenas às quatro aldeias Karitiana existen-
versidade Federal da Grande Dourados tes até 2012.
(UFGD), em Dourados/MS, em junho de
2012. Uma versão reduzida dele foi apre-
4
O próprio formato da Terra Indígena
sentada, em janeiro de 2017, no evento Karitiana, praticamente um retângulo per-
Brazilian Heritage – a small seminar, realizado feito, sugere a inexistência dos estudos de
pelo Master’s Degree in Sustainable Heri- identificação previstos em lei.
tage Management da University of Aarhus, 5
Não procedemos à identificação botânica
Dinamarca. Agradeço a Robson Rodri- da palmeira que os Karitiana denominam
gues, Graziele Acçolini, Clarissa Martins licuri, chamada também de ouricuri em ou-

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Cacos de espíritos: aproximações entre Antropologia e Arqueologia no caso Karitiana em Rondônia

tras regiões do Brasil. O fato é que a es- etc – que define seres que manifestam
pécie assim denominada (Syagrus coronata disposições agressivas e/ou monstruosas;
(Martius) Beccari) não é nativa da Ama- como tal, recobre desde seres apavorantes
zônia, sendo encontrada nas áreas secas como o Mapinguari (Owojo) e o Kida hu-
e áridas das caatingas do norte de Minas jhuj (uma espécie de morcego gigante que
Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernam- uiva como um cão e é associado ao diabo
buco (Crepaldi et al. 2001). É provável que cristão), até animais peçonhentos, agressi-
os Karitiana estejam se referindo à pal- vos e potencialmente mortais (e, por isso,
meira urucurí ou ouricuri (Attalea excelsa) não menos apavorantes) como serpentes,
que, segundo Miller (2009: 40), é “dos mais aranhas, escorpiões, onças e outros. Neste
significativos indicadores vegetais, quanto à boa uso – “alma” como “bicho” – os Karitia-
qualidade do solo para a agricultura, que atraiu na se referem às manifestações perigosas,
e adensou os sítios Prototupí desde Ca. 5.210- agressivas e muitas vezes fatais das almas
5.070 a.P.”; além disso, os urucurizais in- dos mortos.
dicariam “as melhores terras para o plantio” 7
Recordemos que, desde Manuela Carnei-
(Miller 2009: 42). O ouricuri é a principal ro da Cunha (1978) os mortos são outros
palmeira identificada pelos Manchineri nas e, portanto, não são gente (viva).
formações arqueológicas denominadas ge-
oglifos, evidências de grandes densidades
8
Para os Asurini do Kuatinemu os inú-
populacionais no passado da Amazônia meros cacos de cerâmica encontrados nas
ocidental (Virtanen 2011: 98-99). No Pan- aldeias são os restos das panelas de Anu-
tanal, os Guató usam e manejam uma pal- mai mamapira, personagem mítico que,
meira chamada acuri, que produz cachos nos tempos antigos, retirou-se para outro
enormes com centenas de frutos (Eremites mundo (Silva 2002: 180). Todos os vestí-
de Oliveira 1996: 116-117). Desconheço se gios arqueológicos no território Asurini
os Karitiana chamam de licuri esta espécie são tidos como evidências da passagem,
de palmeira nativa (o uricurí), ou se uma por este mundo, de seres sobrenaturais nos
planta introduzida nesta região da Ama- tempos míticos (Silva 2002); desta forma,
zônia após a chegada dos brancos – talvez contrastam com os materiais Karitiana,
pelos muitos migrantes nordestinos que se que evidenciam apenas a existência preté-
espalharam pela região desde fins do sé- rita de pessoas humanas – seja de seus ar-
culo XIX – tendo os Karitiana aprendido tefatos, seja das próprias pessoas (como os
a apreciar seus frutos. Neste último caso, fragmentos cerâmicos) – e aproximam-se
teríamos, então, a indicação da existência dos petróglifos e formações rochosas que,
de sítios de antigas aldeias Karitiana por para os povos no alto rio Negro, também
uma espécie vegetal alógena, introduzida ilustram passagens míticas (IPHAN 2007).
após o contato com os não índios. De fato, 9
“Era tempo” é a expressão empregada no
veremos adiante que esta possibilidade discurso Karitiana, em português, para
coaduna-se com outras evidências encon- marcar o tempo dos antigos, que se opõe
tradas em locais de habitação indígena no tanto ao presente quanto ao passado míti-
passado. co, este introduzido pela expressão “tempo
6
“Bicho” (kida) é uma categoria polissê- antigamente”.
mica do pensamento Karitiana – cuja tra- 10
Em 2002, no âmbito do Projeto Tupi
dução alternativa (talvez intercambiável) Comparativo, o arqueólogo britânico Ste-
é “coisa”, daí kida o, “coisa redonda”, i.e., phen Shennan planejou dar início a pes-
fruta; kida papydna, “coisa-asa”, beija-flor, quisas arqueológicas na região (e com a

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Velden, F. V.

colaboração) dos Karitiana, interessado na dios e brancos na região, falando abundan-


busca por correlações entre a(s) língua(s) temente de uma origem comum entre uns
Tupi-Arikém e o registro arqueológico e outros, chegando mesmo a afirmar que
existente (ver a entrevista de Shennan em os Karitiana eram brancos que se “desvia-
http://www.comciencia.br/entrevistas/ ram” em algum momento do seu percurso
arqueologia/shennan.htm). Um infeliz histórico, e que agora estão apenas recupe-
evento ocorrido no mesmo ano – fazen- rando com os brancos de hoje aquilo que é
deiros incendiaram a maloca que Cizino (e deveria ter sido) também seu. Não tenho
Karitiana construíra na margem direita do espaço para desenvolver esses pontos aqui,
rio Candeias como estratégia para reivin- e por isso remeto o leitor a Lúcio (1996) e
dicar aquela porção do território indígena a Vander Velden (2008 e 2010).
desprezada pela demarcação – não permi- 15
A equipe do GT de identificação da Ter-
tiu que o arqueólogo conduzisse seus tra- ra Indígena Karitiana anterior, coordenado
balhos, e o projeto foi paralisado.
por Andréa Carvalho Mendes de Oliveira
11
Evidentemente não foram encontrados Castro, menciona ter encontrado muitas
apenas fragmentos cerâmicos e objetos de panelas de cerâmica nos sítios de antigas
manufatura industrial: são muito comuns, aldeias (Castro 2010: 17) e fotografa um ar-
em toda a área vistoriada, túmulos (reco- tefato cerâmico semienterrado no sítio da
nhecíveis por pequenas elevações no terre- aldeia de Py’oti, no igarapé Taboca (p. 31).
no, orientadas no sentido leste-oeste, pois No entanto, não fornece maiores detalhes
os cadáveres devem ser enterrados com a a não ser a confirmação de que as peças
face voltada para o nascente) além de pe- evidenciam a presença pretérita dos índios
dras achatadas empregadas (ainda hoje) Karitiana nos locais vistoriados.
como mão de pilão e de esteios de antigas 16
Ver nota 7.
moradias (abi atana, as “casas redondas”,
habitações tradicionais Karitiana).
12
Que artefato industriais sejam conce- REFERÊNCIAS
bidos como existindo desde o início dos
tempos não constitui novidade na etnolo- Albert, B. 2002. O ouro canibal e a queda
gia indígena (cf. Hugh-Jones 1992). do céu: uma critica xamânica da economia
política da natureza, in Pacificando o branco:
13
O Moraes que dá nome à aldeia e a serra
cosmologias do contato no norte-amazônico. Or-
onde se localizava é Antônio Moraes, pai
do pajé Cizino Karitiana e o grande líder ganizado por B. Albert & A. Ramos, pp.
que por volta dos anos de 1940-1950 con- 239-274. São Paulo: Imprensa Oficial/
duziu os Karitiana aos contatos perma- Edunesp; Brasília: IRD.
nentes com os brancos e, depois, os instou Almeida, F. O. de. 2016. A arqueologia
(ele morreu antes disso) a atravessarem o do rio Jamari e a possível relação com os
rio Candeias, instalando-se no vale do rio grupo Tupi-Arikém – Alto Madeira (RO).
das Garças e abandonando definitivamen- Inédito.
te parte de seu território tradicional. Sobre Bespalez, E. 2009. Levantamento arqueológico
esta importante e lendária liderança ver Lú- e etnoarqueologia na Aldeia Lalima, Miranda/
cio (1998). MS: um estudo sobre a trajetória histórica da ocu-
14
A cosmologia e a mitologia Karitiana tra- pação indígena regional. Dissertação de Mes-
zem exemplos ainda mais eloquentes desta trado, Museu de Arqueologia e Etnologia,
simbiose, se podemos dizer assim, entre ín- Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

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