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Um mártir da ciência

Olavo de Carvalho | 13 Abril 2011

Artigos - Cultura

O confronto com a Inquisição não foi uma disputa entre "ciência e fé", nem muito menos
entre "ciência e superstição", mas entre a pseudo-ciência presunçosa de Galileu e a ciência
superior de São Roberto Belarmino.

As biografias convencionais falsificam não somente as suas doutrinas, para torná-las mais
palatáveis ao gosto do público, mas os fatos materiais de suas vidas.

A narrativa praticamente inteira da origem das ciências modernas, tal como aparece na
mídia popular, em livros escolares, em filmes, em peças de teatro e até numa boa quantidade de
obras escritas por acadêmicos, é uma farsa publicitária de dimensões colossais, que a pesquisa
histórica das últimas décadas vem desmascarando impiedosamente.

As biografias convencionais de Giordano Bruno, Galileu, Newton, Copérnico, Descartes e


outros pais da modernidade falsificam não somente as suas doutrinas, para torná-las mais
palatáveis ao gosto do público, mas os fatos materiais de suas vidas, para embelezar esses
personagens à custa da difamação de seus contemporâneos.

Se você pretende que seus filhos venham a ter uma educação de verdade, comece por
não permitir que eles sejam alimentados, por um sistema educacional criminoso, com balelas
idiotas que deformarão para sempre sua visão do passado histórico e farão deles bois-de-
presépio, prontos a dizer "amém" aos professores analfabetos que não veem neles almas imortais
a ser protegidas, mas militantes e eleitores em potencial, para a glória dos picaretas que nos
governam.

Entre muitas outras, a lenda mais deformante é talvez a de Galileu Galilei como "mártir da
ciência", fundador da ciência experimental e homem corajoso que enfrentou a Inquisição em nome
do direito de investigar a verdade.

Para começar, qualquer pesquisador sério da história das ciências sabe que Galileu nunca
raciocinou a partir de dados experimentais, mas de construções matemáticas hipotéticas que
depois ele legitimava com pseudo - experimentos puramente imaginários, jamais levados à
prática, e usados sempre como meios de persuasão retórica, nunca de verificação. Os poucos
experimentos efetivos que ele realizou foram todos errados.

No que Galileu estava mesmo interessado eram antigas doutrinas ocultistas e esotéricas,
das quais obteve a inspiração para suas teorias e dinheiro para sustentar uma vida senhorial
como autor de horóscopos para celebridades.

Em segundo lugar, ele jamais sofreu pressão ou intimidação de qualquer natureza. Sob
recomendação pessoal do Papa Urbano VIII, aliás seu padrinho, ele foi tratado com o maior
respeito e deferência pelos inquisidores. Ao longo de todo o processo, teve completa liberdade de
movimentos e ficou hospedado na embaixada da Toscana, que seu amigo Benedetto Castelli
descreveu como "a melhor de Roma" e sua filha Maria Celeste como "um lugar tão delicioso".

O confronto com a Inquisição não foi uma disputa entre "ciência e fé", nem muito menos
entre "ciência e superstição", mas entre a pseudo-ciência presunçosa de Galileu e a ciência
superior de São Roberto Belarmino, que desmantelou com argumentos irrefutáveis a presunção
galilaica de que o Sol fosse o centro do universo (e não só de um sistema planetário em
particular).
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A famosa abjuração, ante a qual gerações de vigaristas intelectuais derramaram oceanos
de lágrimas de crocodilo, foi apenas uma declaração pro forma feita ante o tribunal, após a qual
Galileu, sob a proteção do Papa, pôde continuar a ensinar suas mesmas doutrinas de antes sem
jamais voltar a ser incomodado.

Por fim, a única penalidade que a Inquisição lhe impôs foi de uma benevolência quase
obscena, que hoje soaria como favorecimento ilícito: ele foi condenado a rezar uma vez por
semana, durante três anos, os sete salmos penitenciais, podendo fazê-lo em privado, isto é, sem
nenhum controle da autoridade. A coisa inteira levava quinze minutos no máximo, e ele ainda não
precisava submeter-se à penitência pessoalmente, podendo solicitar que suas duas filhas, ambas
freiras, a fizessem em seu lugar. Nisso consistiu o "martírio" do grande homem.
Comparem esse e outros episódios do mesmo teor com os de centenas de milhões de
inocentes torturados e assassinados em nome da ciência por iluministas, evolucionistas, marxistas
ou nazistas, e verão que a famosa "opressão religiosa" da qual a modernidade teria nos libertado
era um reino de tolerância e benevolência que a brutalidade da vida moderna soterrou num
passado cada vez mais distante, cada vez mais inimaginável.

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