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Escrito a partir da minha intervenção na atividade da EBP-Rio: Psicanálise e cinema em
2/4/2004. Apresentação do filme “Todo sobre mi madre” de Pedro Almodóvar. Debatedores:
Marcus André Vieira e Tania Coelho dos Santos. Coordenação: Ângela Batista com a colaboração
de: Maria Angela Maia, Fernando Coutinho e Elza Marques Lisboa de Freitas.
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Analista praticante – AP. Membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação
Mundial de Psicanálise (AMP).
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plásticas e as formas femininas alcançadas. Será um milagre da ciência que o
pai de Esteban seja um travesti?
Quanto ao amor, não é mais o esforço de se fazer amar pelos homens que
caracteriza as mulheres. O amor entre mulheres, que vai da relação de ajuda
mútua, passa pelo encanto com as crianças e não exclui a parceria
homossexual, toma o lugar de importância outrora concedido à relação com os
homens. Como diz Manoela, “nós mulheres fazemos qualquer coisa por amor,
inclusive somos todas um pouco lésbicas”. Homossexualidade, maternidade e
desencanto. Serão elas hoje menos mulheres e mais mães?
O que dizer dos papéis masculinos, em tempos de “Tudo sobre minha mãe”? O
tema quase surrado do declínio da função paterna ganha aqui roupa nova.
Para além do pai carente, humilhado, doente, submetido à tirania da mulher,
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impotente ou fraco agora temos que enfrentar também o pai esclerosado,
vítima do milagre da ciência que o condena a uma velhice indigna,
prolongando a vida para transformá-lo em ridículo cyborg, autômato vivo e
completamente acéfalo. Ele passeia como um cego com seu cachorro e repete,
reduzido a um formulário ambulante, cacoete da sociedade da escala de
avaliação e de medida, as mesmas perguntas para todas as mulheres: Como
você se chama? Quanto você mede?
É chocante, sem dúvida mais é muito pouco. O avanço da ciência nos faculta
uma outra face do pai ainda mais decadente. O pai gay, pai travesti, pai com
peitos siliconados. O que é o que é? Um travesti é uma mulher com um falo ou
é um homem com peitos? Como do sublime ao ridículo há um passo, lembro a
cena tocante em que Lola, o travesti que na verdade se chama Esteban, toma
conhecimento de que Manoela estava grávida quando o deixou. Quer conhecer
o filho, vê-lo uma vez só, ainda que de longe. Ele chora numa cena belíssima
que o retrata como uma espécie de Madona travesti, ao saber que o filho está
morto. É..., os brutos também amam. A gente só não sabe mais o que esperar
das identificações sexuais. Prossigamos nessa direção. Lola é ainda o pai de
um segundo Esteban, filho de Rosa a enfermeira grávida que sonha substituir
as freiras mortas pelas guerrilhas latino-americanas. Ela não quer viver e vai
morrer de Aids depois de dar à luz a uma criança soropositiva. Adotado por
Manoela, o segundo Esteban sobrevive e se torna um desafio, um milagre que
desperta o interesse da ciência. Desta vez é a ciência que quer aprender com a
vida. O milagre do amor de mãe é topologicamente idêntico ao milagre do
amor do príncipe encantado pela Bela Adormecida que tivemos a ocasião de
ver redespertá-la em outro filme de Almodóvar, o “Fale com Ela”.
O amor de mãe é único índice do real nesse admirável mundo novo, onde a
foraclusão do Nome do Pai fragmenta os corpos e deslocaliza o gozo; onde os
seres humanos destacados das identificações geracionais e sexuais procuram
elevar seus absurdos pactos imaginários à potência da lei simbólica. Esforço
inútil, o desses cyborgs, apressadamente improvisados, de dar estatuto
simbólico ao imaginário. Essa modalidade canhestra de redução do signficante
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mestre, do dito primeiro, da prerrogativa do simbólico ao pacto intersubjetivo,
vem se impondo entre nós como uma nova moral que não temos o direito de
recusar. Quando declina o papel do Estado de garante da lei simbólica, vemos
a sociedade atônita às voltas com a suplência inglória da lei por meio da
multiplicação dos contratos intersubjetivos. Isso é verdade no que diz respeito
aos Comitês de Ética que se travestem sem nenhum pudor em comitês
científicos e se demonstra nos esforços atuais de regulamentação da profissão
de psicanalista. Isso é ainda mais verdadeiro, no que diz respeito à degradação
cotidiana do valor das insígnias simbólicas, que o novo gosto pós-moderno e
relativista nos impõe. Já não nos indignamos com mais nada, vez que
tendemos a reduzir tudo a semblantes, a máscaras descartáveis e apostamos
todas as nossas fichas no vazio central do sujeito barrado. Engordamos sua
insatisfação, alimentamos com ela o discurso do capitalismo e colhemos um
sujeito ora desidentificado, ora cínico. Ele não tem de que se envergonhar,
nem a que honrar. Nenhuma razão para viver e ainda menos pelo que morrer.
Pedro Almodóvar é um cineasta sério. Em nenhum momento ele banaliza os
índices de uma pós-modernidade relativista que quer expulsar toda a
tragicidade da existência humana. Eu concluo relançando uma conhecida
incitação sadiana: psicanalistas um esforço a mais se não quereis ser pós-
modernos!