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Breves considerações sobre as obrigações acessórias

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS


Revista dos Tribunais São Paulo | vol. 3 2013 | p. 133 - 139 | Nov - Dez / 2013
DTR\2014\929

Eduardo Souza Maciel


Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiros de Estudos Tributários - IBET.
Advogado tributarista.

Área do Direito: Tributário


Sumário:

A) Acórdão - B) Comentário

A) Acórdão

TJSP -AgIn 0075486-40.2013.8.26.0000- 9.ª Câm. de Direito Público - j. 05.06.2013 -


v.u. - rel. Des. Décio Notarangeli - Área do Direito: Constitucional; Tributário;
Administrativo.

ATO ADMINISTRATIVO - Senado Federal que, mediante portaria, estabelece


preenchimento de notas fiscais eletrônicas com informações relativas a custos de
importação dos contribuintes - Inadmissibilidade - Violação ao sigilo empresarial que se
evidencia - Obrigação tributária acessória, ademais, que se sujeita ao princípio da
reserva legal estrita.

Veja também Doutrina

• O princípio da legalidade no sistema constitucional e no sistema tributário, de Francisco


de Assis Munhóz -RDCI 26/127 (DTR\1999\49).

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos de AgIn


0075486-40.2013.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí, em que é agravante Fazenda do
Estado de São Paulo, são agravados Indústria de Chaves Gold Ltda. e Security Systems
Solutions Comercial Ltda.

Acordam, em 9.ª Câm. de Direito Público do TJSP, proferir a seguinte decisão: "Negaram
provimento ao recurso. v.u.", de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Moreira de Carvalho


(pres.) e Oswaldo Luiz Palu.

São Paulo, 5 de junho de 2013 - Décio Notarangeli, relator (assinatura eletrônica).

Voto 13.494.

AgIn 0075486-40.2013.8.26.0000 - Jundiaí.

Agravante: Fazenda do Estado de São Paulo.

Agravadas: Indústria de Chames Gold Ltda. e outra.

Juiz de 1.ª Instância: Paulo Roberto Ferreira Sampaio.

Ementa Oficial: Constitucional e processual civil - Mandado de segurança - Portaria CAT


174/12 - Divulgação de custos financeiros - Obrigação tributária acessória - Princípio da
legalidade estrita - Sigilo de dados financeiros.

1. Para concessão de liminar em mandado de segurança é necessária a concorrência dos


requisitos da relevância da fundamentação e da irreparabilidade do dano (art. 7.º, III,
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da Lei 12.016/2009).

2. Portaria CAT 174/2012. Divulgação de custos financeiros da empresa em relação a


mercadorias a faturar. Obrigação tributária acessória. Princípio da legalidade estrita.
Sigilo de dados financeiros. Concorrência dos requisitos. Liminar deferida.
Admissibilidade. Decisão mantida. Recurso desprovido.

É agravo de instrumento tempestivo tirado de mandado de segurança e de decisão que


deferiu liminar para que o Fisco Estadual se abstenha de exigir das impetrantes o
cumprimento das obrigações acessórias contidas na Portaria CAT 174/2012 e Ajuste
SINIEF 19/2012, quando do preenchimento de notas fiscais eletrônicas ou de fichas de
conteúdo de importação.

Alega-se, em síntese, que não concorrem os requisitos da liminar e que as impetrantes


pretendem se beneficiar de alíquota mais favorável de ICMS sem o cumprimento de
obrigações acessórias. No mais, aduz a agravante a impossibilidade de impetração
contra lei em tese (Súmula 266 STF) e que a Res. SF 13/2012 decorre de competência
constitucional (art. 155, § 2.º, IV, CF/1988 (LGL\1988\3)), na qual se ancoram o Ajuste
SINIEF 19/2012 e a Portaria CAT 174/2012. Por fim, assevera que a informação exigida
pelo fisco não viola sigilo empresarial e diz respeito apenas a parte dos custos
operacionais.

Recurso bem processado, sem efeito ativo e contraminuta pugnando pela manutenção
da decisão agravada.

É o relatório.

Em que pese o inconformismo da agravante, merece confirmação a r. decisão atacada.

Para concessão de liminar em mandado de segurança é necessária a concorrência dos


requisitos da relevância da fundamentação e da irreparabilidade do dano (art. 7.º, III,
da Lei 12.016/2009). Ambos devem existir sendo insuficiente a ocorrência de apenas um
deles.

No caso vertente, em sede de cognição sumária própria dessa fase do procedimento, e


sem prejuízo de melhor e mais aprofundado exame a final, é de boa aparência o direito
invocado pela impetrante, pois as evidências são no sentido de que o ato administrativo
impugnado se mostra ilegal e abusivo.

Com efeito, a exigência de preenchimento de notas fiscais eletrônicas com informações


relativas ao custo de importação medida que em princípio extrapola a competência do
Senado Federal de fixar alíquotas para as operações interestaduais (art. 155, § 2.º, IV,
CF/1988 (LGL\1988\3)) constitui obrigação tributária acessória, matéria sujeita ao
princípio da reserva legal estrita (arts. 5.º, II, e 146, III, a, CF/1988 (LGL\1988\3)),
revestindo-se de ilegalidade a sua instituição por mero ato administrativo.

Nesse sentido o ensinamento de Souto Maior Borges ao observar que, "por força do art.
5.º, II, CF/1988 (LGL\1988\3) qualquer pretensão ao cumprimento de obrigações
acessórias deverá ser submetida à regência de lei, e não de atos infralegais do
Executivo, como os decretos regulamentares" (apud CARRAZZA, Roque Antônio. Curso
de direito constitucional tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 335).

Ressalte-se que as mesmas razões também levaram o C. STF a sustar, em antecipação


de tutela, ato administrativo que instituía, sem previsão em lei, obrigação tributária
definida no art. 113, § 2.º, CTN (LGL\1966\26).

Confira-se:

"Obrigação tributária acessória - Surgimento por força de instrução da Receita Federal -


Relevância do pedido de concessão de tutela antecipada e risco de manter-se o quadro
com plena eficácia. Ante o disposto no art. 113, § 2.º, do CTN (LGL\1966\26), a exigir
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lei em sentido formal e material para ter-se o surgimento de obrigação tributária, ainda
que acessória, mostra-se relevante pedido de tutela antecipada veiculado por Estado,
visando a afastar sanções, considerado o que previsto em instrução da Receita Federal"
(AgRg na ACO 1098 TA/MG, Tribunal Pleno, j. 08.10.2009, rel. Min. Joaquim Barbosa).

Mas não é só. A referida exigência também se mostra desnecessária uma vez que os
dados referentes à importação de produtos são de conhecimento do Fisco Estadual pelo
menos desde o momento do desembaraço da mercadoria. Acresce ainda que a
divulgação desses custos na nota fiscal é medida que atenta contra o sigilo de dados
sobre a situação econômica e financeira, a natureza e o estado dos negócios do
contribuinte (art. 198 do CTN (LGL\1966\26)).

O outro requisito, a irreparabilidade do dano, também se mostra presente e decorre do


fundado receio de divulgação dessas informações, ante a proximidade do início de
vigência do ato administrativo impugnado, ou da aplicação de sanções pelo
descumprimento da obrigação tributária acessória.

Por essas razões, nega-se provimento ao recurso confirmando-se a r. decisão agravada


por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Décio Notarangeli, relator.

B) Comentário

Analisando o julgado do TJSP, quanto ao recurso AgIn 0075486-2013.8.26.000, é


possível extrair alguns pontos de relevância:

1. Breves considerações sobre as obrigações acessórias

O poder tributante pode normatizar as obrigações acessórias, também chamadas como


1
dever instrumental por Paulo de Barros Carvalho, que, sumariamente,possuem a função
de trazer executoriedade ou concretude à análise de incidência de tributos legalmente
instituídos, e ato contínuo à forma de arrecadação deste tributo.
2
Assim, a obrigação acessória genericamente prevista no art. 113, § 2.º, do CTN
(LGL\1966\26) - tem como função prestar auxílio à apuração da ocorrência
(fiscalização)do fato gerador e auxiliar na arrecadação do tributo.

Bem certo é que toda vez que se realiza a complementação ou elucidação por meio de
ato infralegal, com intuito de dar executoriedade à lei, estar-se-á sobre a certa
existência de uma restrição ou alargamento aos termos da legislação, pelo próprio modo
que se opera o ato infralegal, trazendo pleno e sequencial detalhamento de imposições
normativas tendentes à executoriedade da lei.

Ocorre que há limites para o campo de implantação da executoriedade da legislação e


por consequência, ou seja, atuação da norma infralegal! Não se pode violar princípios
constitucionais ou legais ou ainda desvirtuar o espírito da Constituição Federal
(LGL\1988\3) lei e da lei que instituiu o tributo.

Assim, o TJSP previu a necessidade da manutenção das garantias constitucionais em


favor do contribuinte, como o necessário respeito ao princípio constitucional da reserva
legal e o da estrita legalidade tributária.

2. Respeito ao princípio constitucional da estrita legalidade tributária

O princípio da reserva legal está previsto na Constituição Federal (LGL\1988\3), em seu


3
art. 5.º, II, e o princípio da estrita legalidade em matéria tributária previsto no art. 146,
4
III, também no mesmo Diploma Magno.

Depreende-se, então, do art. 146, III, a, da CF/1988 (LGL\1988\3) que cabe à lei
complementar a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
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impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de


cálculo e contribuintes.

Por isso as normas infralegais não podem invadir campo reservado à lei e por
consequência não podem traçar obrigações relativas à apuração do fato gerador, base de
cálculo e contribuinte, de forma diversa daquela legalmente prevista.

Quando a Portaria CAT 174/2012 e o Ajuste Sinief 19/2012 exige, no caso concreto em
análise, que nas notas fiscais de importação deva constar valor de custos há a invasão
da norma infralegal na análise de ocorrência do fato gerador (incidência tributária) e na
forma de apuração da base de cálculo reservadas à lei, ainda mais quando "os dados
referentes à importação de produtos são de conhecimento do Fisco estadual pelo menos
5
desde o momento do desembaraço da mercadoria", como citado no acórdão.

Não bastasse isso o comando do art. 113, § 2.º, do CTN (LGL\1966\26) traz previsão de
que a obrigação tributária acessória decorre da previsão legal, ou seja, há a necessidade
de lei que a institua como obrigação tributária, como se destacou no julgado do Pleno do
STF, ao apreciar a ACO 1098 AgR-TA/MG, citado no acórdão do TJSP.

Afora toda abordagem e julgamento ter se dado sobre o fato da Portaria CAT 174/2012 e
o Ajuste Sinief 19/2012 terem desrespeitado o princípio da reserva legal e o da estrita
legalidade tributária, ainda merece análise o entendimento de que "a divulgação desses
custos (operacionais) na nota fiscal é medida que atenta contra o sigilo de dados sobre a
situação econômica e financeira, a natureza e o estado dos negócios do contribuinte (art.
198 do CTN (LGL\1966\26))".

Resta ventilada a ideia de proteção aos dados e à situação do contribuinte e de seus


negócios, por conseguinte mais um limitador ao alcance das obrigações acessórias e ao
direito do Fisco em relação à individualidade do particular.

3. Proteção à livre iniciativa e livre concorrência

Pela proteção aos dados, negócio, e à situação do contribuinte pode-se observar que o
TJSP quis resguardar o sigilo às informações pessoais e aquelas de formatação e
manutenção do negócio empresarial do contribuinte.

Isso porque a livre iniciativa e a livre concorrência são princípios constitucionalmente


6 7
previstos no art. 170, caput e inc. IV, respectivamente.

Deve-se, então, ser rechaçada qualquer obrigação acessória que atente à livre iniciativa
8
e à livre concorrência, como bem asseverou Diego Bomfim ao prescrever que "da
mesma forma que as obrigações acessórias podem funcionar como instrumentos de
preservação da livre concorrência, criando mecanismos que impeçam a evasão fiscal e,
por via reflexa, a utilização de tributo como ponto de desequilíbrio concorrencial - podem
essas obrigações configurar flagrante ofensa ao princípio da livre iniciativa(através da
instituição de sanções políticas ou indiretas) ou mesmo ao princípio da livre concorrência
(com a instituição de obrigações acessórias mais gravosas e pontuais para os
contribuintes em particular em flagrante ofensa ao princípio da proporcionalidade)".

O mesmo doutrinador continua asseverando que "em relação ao princípio da livre


concorrência, é de se verificar, caso a caso, a compatibilidade das obrigações acessórias,
devendo ser instituídas com o intuito de otimizar, ao máximo, a arrecadação tributária,
sem que, com isso, restem maculados o próprio princípio da livre concorrência
(configurado em decorrência do tratamento desigual entre contribuintes com a mesma
capacidade contributiva) e o princípio da livre iniciativa (por meio da instituição das já
chamadas sanções políticas tributárias)".

O Fisco não pode onerar o contribuinte com obrigações que impliquem em ofensa ao
princípio da livre concorrência, possibilitando alíquotas e condições de pagamento de
tributos mais benéficas para aqueles que cumprirem as obrigações acessórias, criando
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então uma desigualdade de condições concorrenciais. Essa prática caracteriza uma


sanção indireta àqueles que não cumprirem tais obrigações, ainda que o
descumprimento tenha a única finalidade de proteção dos seus negócios frente ao
resguardo ao princípio constitucional da livre iniciativa, dessa forma em detrimento da
possibilidade de obtenção da menor alíquota.

Por isso não pode haver instituição de obrigação acessória que leve à exposição do custo
do produto, sob pena de violação ao princípio da livre concorrência, pois qualquer um
seria sabedor dos custos do produto e por consequência da margem lucrativa adotada,
de forma que um cliente poderia querer negociar descontos, por exemplo, caso
observasse haver margem para tanto, achatando a lucratividade da empresa.

Assim, fazer crer que é optativo o cumprimento da obrigação acessória imposta é, na


verdade, uma forma de imposição de norma que impõe uma sanção indireta, pois aquele
que pretende resguardar seus dados e protegê-los contra a concorrência, não poderá ter
direito à alíquota mais favorável.

4. Conclusão

Por todo o exposto, vê-se que a instituição de obrigações acessórias deve guardar
relação direta com a obrigação principal (tributo) à que se pretende a fiscalização quanto
à sua ocorrência, bem como arrecadação dos valores decorrentes da incidência
tributária. Para tanto, sua instituição deve se dar por lei, respeitando o comando da
Constituição Federal (LGL\1988\3) e Código Tributário Nacional (LGL\1966\26) - CTN
(LGL\1966\26).

Qualquer obrigação acessória que não for originada por lei deve ser rechaçada.

Da mesma forma deve ocorrer com as obrigações acessórias que violarem os princípios
constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, com exposição de custos e
margem lucrativa do negócio da empresa, mostrando-se impertinente para a verificação
da incidência tributária e arrecadação do tributo.

1 "É preciso assinalar que os deveres instrumentais cumprem papel relevante na


implantação do tributo porque de sua observância depende a documentação em
linguagem de tudo que diz respeito à pretensão impositiva. Por outros torneios, o plexo
de providências que as leis tributárias impõem aos sujeitos passivos e que nominamos
de "deveres instrumentais" ou "deveres formais", tem como objetivo precípuo relatar em
linguagem aos eventos do mundo social sobre os quais o direito atua, no sentido de
alterar as condutas inter-humanas para atingir seus propósitos ordinatórios (CARVALHO,
Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 4.ed., p. 502).

2 "Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.


(…)

§ 2.º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as


prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da
fiscalização dos tributos."

3 "Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(…)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
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lei;

(…)."

4 "Art. 146. Cabe à lei complementar:


(…)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos


discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes;

(…)."

5 p. 4 do acórdão do julgado do TJ ora comentado.

6 "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios: (…)."

7 "(…) IV - livre concorrência; (…)."

8 Bomfim, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva: 2011. p. 260.

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