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II.

AS NORMAS JURÍDICAS E AS FONTES DO DIREITO

1. A NORMA JURÍDICA

A Ordem Jurídica exprime-se através de regras que pautam as condutas


humanas – as normas jurídicas.
É através das normas jurídicas que o Direito realiza a sua finalidade,
prosseguindo a Justiça e a Segurança. A norma jurídica constitui um elemento
fundamental do direito, na sua função de ordenar a convivência humana.
A norma jurídica, enquanto modelo de comportamento, será, em princípio,
obrigatória, podendo o seu respeito ser coercivamente imposto.

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1.2. ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA

A norma jurídica está, em regra, estruturada


de acordo com os seguintes elementos:
a) Previsão
b) Estatuição

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a) PREVISÃO

A previsão da norma consiste na descrição da situação de


facto que, a verificar-se efectivamente, produz certas e
determinadas consequências jurídicas.

Também podemos denominar a previsão de «hipótese», na medida em


que é a situação típica da vida, o facto cuja verificação, em concreto,
desencadeará a consequência jurídica.

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Como a própria terminologia indica, a
previsão prevê a situação, é antecedente.

Na maioria das situações será geral e


abstracta, para que seja susceptível de
contemplar várias realidades futuras.

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b) ESTATUIÇÃO

A estatuição da norma estabelece as


consequências jurídicas produzidas pela
verificação da situação descrita na previsão, é

consequente.

A estatuição são os efeitos jurídicos que surgem por força do


preenchimento da previsão.

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Art. 130.º do Código Civil

«Aquele que perfizer dezoito anos de idade


adquire plena capacidade de exercício de
direitos, ficando habilitado a reger a sua
pessoa e a dispor dos seus bens.»

-Previsão?
- Estatuição?

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Art. 130.º do Código Civil

«Aquele que perfizer dezoito anos de idade


adquire plena capacidade de exercício de
direitos, ficando habilitado a reger a sua
pessoa e a dispor dos seus bens.»

-Previsão
-Estatuição

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Nem sempre a previsão aparece, no texto da
norma, antes da estatuição.

Ex: Art. 284.º Constituição da República Portuguesa


«1. A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos
cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão
ordinária.»

Pois, «A Assembleia da República pode rever a Constituição» é a


estatuição e aparece antes da previsão, que é : «decorridos cinco
anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária».
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Por vezes, afigurar-se-á mais difícil reconhecer
aquela estrutura.

Ex: Artigo 122.º do Código Civil


« É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de
idade.»
Também aqui podemos distinguir uma previsão e uma
estatuição. Neste caso a previsão surge após a estatuição.

Previsão: «quem não tiver ainda completado dezoito anos de


idade»
Estatuição: «É menor»
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Sanção

Há autores que incluem a sanção na estrutura


da norma jurídica, contudo esta nem sempre
está presente nas normas jurídicas.
Ex:

- As obrigações naturais, porque não são judicialmente exigíveis não a admitem – 402.º do Código Civil;
- As normas imperfeitas não estabelecem nenhuma sanção (ex: arts. 63.º e 64.º da Constituição da
República Portuguesa)

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Na maioria dos casos as normas são
respeitadas espontaneamente, embora a
sanção não deixe de constituir uma das
garantias mais eficazes do direito.

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CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS JURÍDICAS:

- Hipoteticidade - os efeitos jurídicos só se


produzem se se verificarem as situações ou factos
previstos, se não ocorrerem a norma jurídica não se
aplicará. A concretização é apenas uma hipótese. Na
previsão da norma é descrita uma determinada
situação que poderá ou não vir a suceder.

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CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS JURÍDICAS:

- Generalidade – a norma jurídica é geral quando,


no momento da sua criação, se destina a pessoas
indeterminadas. A norma destina-se a uma categoria
de pessoas e não a sujeitos determinados. Não deixará

de ser geral se se referir a uma categoria de pessoas e não,


especificamente, àquela que, num determinado momento, exercer um
certo ofício (ex: alínea b) do art. 134.º da CRP)

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CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS JURÍDICAS:

- Abstracção – a norma jurídica não se aplica a um


caso específico. É previsto um modelo de conduta a
que se pode subsumir um número indeterminado de
situações que se venham efectivamente a verificar. A
norma não pretende regular apenas um ou vários
casos, mas toda uma categoria de situações que são
previstas de forma não individualizada.
(Ex: n.º 1 do art. 483.º C.C. : aplica-se a toda e qualquer violação ilícita, independentemente
da forma como a mesma se concretizou, engloba um número indeterminado de situações
que se podem vir a verificar)

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1.3. CLASSIFICAÇÕES DAS NORMAS JURÍDICAS:

Normas Proibitivas: proíbem uma conduta ou impõem um


comportamento negativo (abstenção). Ex: 877.º do Código
Civil; alíneas a) e c) do art. 1601.º do Código Civil; grande
parte das normas penais são proibitivas, etc.

Normas Preceptivas: impõem uma conduta ou um


comportamento positivo. Ex: 406.º; 473.º, 483.º, todos do
Código Civil.
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1.3. CLASSIFICAÇÕES DAS NORMAS JURÍDICAS:

Normas Gerais: estabelecem o regime-regra para o sector


da vida que regulam. Ex: 219.º, 309.º, 342.º do Código Civil.

Normas Excepcionais: são aquelas que consagram um


regime oposto ao regime-regra para um sector restrito. Ex:
344.º, 310.º, 316.º, 317.º, 947.º do Código Civil.

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1.3. CLASSIFICAÇÕES DAS NORMAS JURÍDICAS:

Normas autónomas : expressam um sentido completo,


isto é, possuem um conteúdo independente do de outras
normas jurídicas. Ex: 130.º, 1367.º, 1690.º do Código Civil.

Normas não autónomas (ou remissivas): não têm


sentido completo e, para o obterem, remetem para outra ou
outras normas. Ex: n.º 1 do 1407.º, 1186.º do Código Civil

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1.3. CLASSIFICAÇÕES DAS NORMAS JURÍDICAS:

Normas imperativas: a sua aplicação não depende da


vontade das pessoas, impõem um comportamento positivo
(facere) ou negativo (non facere). Ex: 1877.º C.C. (As normas

preceptivas e proibitivas provêm das normas imperativas.)

Normas permissivas: permitem ou facultam certos


comportamentos, reconhecendo determinados poderes ou
faculdades. Ex: 1305.º, 2188.º, 2281.º do Código Civil.
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2. FONTES DO DIREITO:

Em sentido técnico-jurídico, fontes do Direito são os


modos de formação e de revelação das normas
jurídicas.

Como fontes do Direito, em sentido técnico-jurídico, são tradicionalmente


referidas a lei, o costume, a jurisprudência e a doutrina.

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2.1. NOÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO:

• Modos de formação das normas jurídicas – lei e


costume;
• Modos de revelação das normas jurídicas –
jurisprudência e doutrina

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2.1. NOÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO:

Podemos subdividir as fontes em:


• Fontes imediatas: têm força vinculativa própria,
sendo verdadeiro modo de produção do Direito – Lei
- n.º 1 do art. 1.º do Código Civil.
• Fontes mediatas: são importantes pelo modo como
influenciam o processo de formação e revelação da
norma jurídica – Costume, Jurisprudência e Doutrina.
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Em suma, são fontes de Direito Português:
- Lei (norma jurídica emanada por órgão competente);
- Costume (resulta duma prática social constante acompanhada da convicção da
sua obrigatoriedade);
- Jurisprudência (conjunto de orientações seguidas pelos tribunais no julgamento
dos casos concretos);
- Doutrina (conjunto de estudos e opiniões de juristas, professores e técnicos do
Direito, sendo um elemento fundamental na compreensão e revelação das
normas jurídicas);
- Princípios fundamentais do Direito (princípios suprapositivos, universais que
integram o Direito positivo, dando-lhe uma orientação, sendo o fundamento da
sua validade.);
- Equidade («justiça do caso concreto», toma em consideração as circunstâncias
especiais do caso em apreço).
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2.2. A LEI

O termo lei assume diversos significados e pode ser objecto


de várias distinções (em sentido amplo ou restrito, formal ou material, etc).

Podemos definir a lei como a norma jurídica


deliberadamente criada e imposta na sociedade por
uma autoridade com poder para o fazer.

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Neste sentido, a lei abrange as normas
jurídicas de âmbito geral hierarquizadas do
seguinte modo:

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LEIS CONSTITUCIONAIS E ORDINÁRIAS

Leis constitucionais: fixam os grandes princípios da organização política e da

ordem jurídica. Constituem as leis fundamentais do Estado

Leis ordinárias: estabelecem, em regra, as normas, princípios e institutos para a


resolução de conflitos.

Lei em sentido amplo: todos os diplomas, de carácter geral e imperativo,


provenientes de órgãos competentes;

Lei em sentido restrito: diploma emanado pela Assembleia de República, no


exercício do poder legislativo.
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PROCEDIMENTO LEGISLATIVO
Apesar de, frequentemente, os conceitos de Lei e Decreto-Lei serem usados,
indistintamente, a verdade é que são conceitos distintos.

• A lei emerge do poder legislativo da Assembleia da República (A.R.), órgão legislativo por
excelência – arts. 161.º, 164.º e 165.º da CRP.

Por outro lado, os decretos-lei são criados pelo Governo, no exercício do seu poder
legislativo. Contudo, este poder é condicionado:
- Quando se trata de matérias não reservadas à A.R., o Governo pode legislar sobre
essas matérias (competência concorrencial do Governo e A.R);
- Quando se trate de matérias sujeitas a reserva legislativa da A.R, o Governo necessita
de autorização daquela (lei de autorização legislativa);
- Quando se trate de matérias respeitantes à própria organização e funcionamento do
Governo, este tem competência exclusiva, não depende da A.R..
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Todos os actos legislativos têm de ser publicados no Diário da
República, é o meio de os tornar conhecidos («a ignorância
da lei não aproveita a ninguém», art. 6.º Código Civil).

O período de tempo que decorre entre a data de publicação e


a data da entrada em vigor denomina-se vacatio legis.

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI

• Termo de vigência
Passado o período de vacatio legis, se este existir, a lei ficará,
em princípio, ilimitadamente em vigor.

Como formas de cessação de vigência de lei, o art. 7.º do


Código Civil prevê a caducidade e a revogação.

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI

• Termo de vigência

A caducidade pode resultar de cláusula expressa pelo


legislador, contida na própria lei, de que esta só se manterá
em vigor durante determinado prazo ou enquanto durar
determinada situação e pode ainda resultar do
desaparecimento dos pressupostos de aplicação da lei.

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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI

• Termo de vigência

A revogação resulta de uma nova manifestação de vontade do


legislador, pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei, em
substituição da lei já existente.
A revogação quanto à forma pode ser expressa ou tácita e,
quanto à sua extensão pode ser total ou parcial.

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• Revogação expressa: quando a nova lei declara que revoga
determinada lei anterior;
• Revogação tácita: quando existe incompatibilidade entre as
normas da lei nova e as da lei anterior;

• Revogação total (ou ab-rogação): quando a lei nova vem


substituir, por completo, a lei anterior;
• Revogação parcial (ou derrogação): quando só algumas
disposições da lei antiga são revogadas pela lei nova.

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2.3. O COSTUME
O costume pode ser entendido como a prática social
reiterada, acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade.
Assim, estão presentes dois elementos:
- elemento objectivo (corpus): que se traduz na prática
reiterada e habitual de determinada conduta;
- elemento subjectivo (animus): que se concretiza na
convicção de que aquela conduta é obrigatória e é, pela
comunidade, assumida e praticada.

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2.3. O COSTUME
2.3.1. Relação com a Lei
Na sua relação com a lei o costume pode ser:

- Secundum legem - a norma que a interpretação retira do costume


(consuetudinária) tem o mesmo sentido da norma extraída da lei;

- Praeter legem - norma consuetudinária disciplina matérias que a lei


não previu;

- Contra legem - a norma consuetudinária está em oposição à norma


legal. Não é admissível, no nosso ordenamento jurídico, qualquer costume
contra legem.

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2.3. O COSTUME
2.3.2. O valor dos usos
O uso é uma prática mais ou menos constante e reiterada, mas
desacompanhada do sentimento ou convicção da sua obrigatoriedade
jurídica – há um corpus, mas falta o animus para ser costume.
A lei reconhece aos usos, que não sejam contrários aos princípios da boa
fé, o carácter de fonte mediata do direito (art. 3.º Código Civil).

Existem situações pontuais em que a lei manda recorrer aos usos. Ex: art.
218.º, 234.º, n.º 2 do art. 885.º do Código Civil.
Em certos casos os usos podem desempenhar um papel relevante quer na
interpretação, quer na integração da vontade negocial (ex: 239.º C.C.)
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2.4. A JURISPRUDÊNCIA
Entende-se por jurisprudência «o conjunto das decisões em que se exprime
a orientação seguida pelos tribunais ao julgarem os casos concretos que
lhes são submetidos». (BAPTISTA MACHADO)

Em Portugal não vigora a regra do precedente, no nosso sistema o juiz é independente e,


portanto, goza de liberdade para não julgar como os outros e, até ele próprio, já julgaram –
só deve obediência ao Direito. Na tarefa de julgar os tribunais são independentes e apenas
estão sujeitos à lei, não podendo abster-se de julgar.
Contudo, a jurisprudência não deixa de ter um contributo importante na formação do
ambiente necessário à elaboração das leis e na criação do direito. Do mesmo modo, cabe à
jurisprudência a função de actualizar o direito.

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2.4. A JURISPRUDÊNCIA

Os assentos foram, até ao Decreto-Lei n.º 329-A/95, de


12 de Dezembro, fontes do direito – art. 2.º Código Civil.
Eram decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de
Justiça que fixavam doutrina com força obrigatória geral
e tinham força imperativa para futuros casos idênticos.
Os assentos foram declarados inconstitucionais – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
810/93, de 7 de Dezembro.

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2.4. A JURISPRUDÊNCIA

• Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência

Ao contrário do que sucedia com os Assentos, os Acórdãos


Uniformizadores de Jurisprudência, proferidos pelo Supremo Tribunal de
Justiça, não são vinculativos. Todavia, contêm força persuasiva (têm como
objectivo prosseguir o valor da Segurança Jurídica e a busca de soluções que
potenciem o tratamento igualitário, bem como uma tendencial estabilização da
jurisprudência). É sempre admissível recurso, independentemente do valor da acção,
quando o tribunal da 1.ª instância ou da Relação tenham desrespeitado jurisprudência
uniformizada.

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2.4. A JURISPRUDÊNCIA

Existem diferentes tipos de decisões jurisdicionais:

Despachos – decisões proferidas pelo juiz num processo sobre matéria pendente
ou para cumprimento de decisões dos tribunais superiores (é toda a decisão que
não concerne à questão principal em litígio).

Sentenças – decisões proferidas por um tribunal singular (isto é, constituído por


um só juiz).

Acórdãos – decisões proferidas por um tribunal colectivo.

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2.5. A DOUTRINA

A doutrina é fonte mediata do direito e compreende as


opiniões ou pareceres dos jurisconsultos sobre a realidade
jurídica. A doutrina procede ao estudo teórico do Direito,
sendo um elemento de fundamental importância na
compreensão e revelação das normas jurídicas.
As opiniões emitidas pelos cientistas do Direito não são vinculativas, a sua
relevância será tanto maior quanto maior for o mérito reconhecido do seu autor.

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