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Roteiro de Filosofia da Linguagem

Universidade Federal de Santa Maria/CCSH


Departamento de Filosofia -
FAF 1021 - Filosofia da Linguagem

Primeira aula: dia 10 de Agosto


Segundo Semestre - 2016 -
Prof. Ronai Pires da Rocha


1. Um conceito muito amplo de linguagem: A aula teve como objetivo apresentar ao
aluno a necessidade de um conceito abrangente de “linguagem”, na medida em que
usamos essa palavra para nos referir a muitos tipos de linguagens: de computador,
visual, corporal, matemática, natural, musical, etc. Devemos nos perguntar sobre quais
seriam as características essenciais que toda e qualquer linguagem deve possuir para
que possamos dizer que trata-se de linguagem. Um conceito abrangente (ou mínimo) de
linguagem tem dois componentes. Qualquer coisa que chamemos de “linguagem” deve
ser dotada de alguma materialidade de sinais e de algum conjunto de regras de
combinação. Para que essa caracterização seja fiel ao compromisso de fazer do estudo
da Filosofia da Linguagem também um estudo de Antropologia, procuramos relacionar
esses dois componentes da linguagem com os conceitos de “consciência discriminativa”
e “consciência reflexiva”, que foram apresentados ainda de forma introdutória.

2. Filosofia da Linguagem como Antropologia. Inicialmente apresentei um quadro de
referência inicial para o estudo de Filosofia da Linguagem. Trata-se da clássica passagem
da Política de Aristóteles (Livro I, Cap. 2, 1235), na qual o autor indica a existência de
uma diferença substantiva entre a “simples voz” dos animais e a língua humana. Essa
passagem será usada na disciplina como ponto de partida para diversos temas. O
primeiro deles, de natureza antropológica, diz respeito ao tema da comparação, cada vez
mais importante na filosofia contemporânea, entre as formas de pensamento e
linguagem humana e de primatas e recém-nascidos. O segundo diz respeito ao estudo
detalhado do modo de funcionamento da linguagem proposicional.

3. A frase de Aristóteles. “A razão pela qual o homem é um animal político em maior
grau que qualquer abelha ou qualquer animal gregário é algo evidente. A natureza, com
efeito, segundo dizemos, não faz nada sem um fim determinado; e o homem é o único
entre os animais que possui linguagem. A simples voz, é verdade, pode indicar dor e
prazer e, portanto, também é possuída pelos demais animais – já que suas naturezas se
desenvolveram ao ponto de ter sensações do que é doloroso ou agradável e de poder
indicar isso uns para os outros -; mas a linguagem tem a capacidade de indicar o
proveitoso e o nocivo e, por conseguinte, também o justo e o injusto, já que é uma
característica particular do homem, que o distingue de todos os demais animais, o fato
ser o único que tem a percepção do bom e do mau, do justo e do injusto, e das demais
qualidades morais, e é a comunidade e a participação nessas coisas o que faz uma
família e um estado.” (Política, Livro I, cap. 2, 1253)

4. Se algo é linguagem, esse algo tem alguma materialidade (visual, acústica, tátil,
etc); isto é, toda e qualquer linguagem exige algum meio concreto, material, que pode
ser visto, ouvido, tocado. Poderíamos dizer que toda linguagem precisa de um “corpo”.
Palavras devem ser vistas ou ouvidas ou tateadas (no Braile). Por outro lado, toda
linguagem tem alguma “espiritualidade”, isto é, toda e qualquer linguagem cria algum
tipo de regra para lidar com seus sinais. Uma outra forma de dizer isso é a seguinte: toda
linguagem precisa de um estoque de signos (ao menos dois tipos de signos diferentes –
como zero e um – e de regras de combinação desses signos. Resumindo, em outras
palavras: a condição mínima para que algo seja uma linguagem é a existência de um
léxico e de uma sintaxe.

5. Tipos de consciência: fizemos uma introdução a uma distinção entre dois tipos de
consciência, que foram chamadas de discriminativa (analógica) e reflexiva (digital). Elas
foram introduzidas a partir de exemplos. O principal deles foi a apresentação da frase
inicial de Satisfaction, pela partitura (a ser compreendida por uma forma de consciência
reflexiva, que demanda alfabetização musical, da mesma forma que uma frase escrita
pode ser lida apenas por pessoas alfabetizadas linguisticamente. Em seguida ouvimos a
música, o que é um desempenho de nossa consciência discriminativa; uma pessoa que
não sabe que está ouvindo Satisfaction ainda assim pode apreciar as frases musicais que
está ouvindo. Voltaremos ao tema.

6. Comparando frases: “Em música, uma frase é um trecho de música que é
relativamente autônomo e coerente em relação a uma escala de tempo média. Na
prática, as frases têm quatro ou, mais frequentemente, oito compassos. Uma analogia
grosseira entre frases musicais e a frase linguística é feita com frequência, comparando-
se a frase de menor nível com a oração e o maior nível com um período.”

7. Um acréscimo: a comparação de “linguagem musical” (no sentido auditivo) com
“linguagem humana” (falada) parece ter limitações importantes. Compare a experiência
de escutar a música feita por um grupo humano que nunca vimos (um tipo de música
que não conhecemos) com a experiência de escutar uma língua que não dominamos.
Como podemos conceituar a diferença entre as duas experiências?

7. Problemas que surgiram ou ficaram entrevistos:
a) Quais são as características essenciais que toda e qualquer “linguagem” deve possuir
para que possamos dizer que trata-se de linguagem?
b)Quais são as características exclusivas da linguagem humana? Ou não há essa
exclusividade?
c) Quais são as características, sob o ponto de vista da linguagem, que partilhamos com os
grandes macacos e com bebês?
d) Podemos pensar sem linguagem?
e) O que é “signo”? Como devemos compreender “regra”?

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