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10 Principais Dificuldades do Sistema Teológico Calvinista e Três

Possíveis Soluções

O erudito Reformado James Daane assinala em seu livro The Freedom of God (Eerdmans),
que Calvino abordou a predestinação em suas Institutas sob a seção de soteriologia--após ter
tratado em profundidade da questão central da justificação. A predestinação não era o seu ponto
de início. Ele não tratou a respeito disso nos capítulos iniciais de teologia, propriamente dita.
Contudo, no século XVII os teólogos calvinistas desenvolveram um conceito de “decretos
divinos” que tornavam um certo ponto de vista da predestinação o ponto de partida e centro de
todo um sistema teológico. Isso tem acarretado ao ramo Reformado da Igreja problemas
embaraçosos e complexos dos quais nunca conseguiu desvencilhar-se.
Neste ponto, não atraímos a atenção aos argumentos empregados por declarados oponentes
da fé Reformada, mas mencionamos algumas das dificuldades no sistema Reformado que têm
sido comentadas pelos próprios eruditos Reformados:

1. Não é um idéia cristocêntrica. A noção de um decreto pré-temporal para eleger alguns e


condenar outros “incondicionalmente” não é de fato uma eleição “em Cristo”. É verdade que o
elemento “em Cristo” às vezes é introduzido nessa teoria de eleição, mas somente como um
método de efetivar a decisão divina. Por detrás desse “em Cristo” há ainda a etapa mais profunda
de eleição e condenação. O ato de eleição em si é fora de Jesus Cristo.

2. Jesus Cristo não é o ponto de partida. Cristo deixa de ser o ponto de partida, e sim uma visão
abstrata, filosófica e especulativa que se introduz diretamente na divina glória não velada e torna o
Todo-Poderoso sujeito ao escrutínio da lógica humana. O que vem primeiro de tudo é a “eleição”.

Obs.: Lutero dizia que não devemos presumir penetrar a desvelada glória de Deus mas contentar-nos em
conhecê-lo só como Ele a nós Se revelou em Jesus Cristo.Tudo quanto podemos saber a respeito de
Deus e da eleição foi revelado em Seu Filho. Cristo é a verdade. O evento do Cristo é a verdade sobre o
futuro, pois em Sua morte e ressurreição os eventos do juízo final já foram revelados. Ele é também a
verdade sobre o passado. Jesus Cristo é a plena revelação do que Deus planejou desde a eternidade.
Nesta questão deve-se determinar nada saber, salvo Jesus Cristo, e Este crucificado (1 Cor. 2:2).

3. Deus é a causa do pecado. Quando é asseverado que Deus decretou deixar alguns de parte e
reter deles o dom da fé, isso torna a Deus a causa subjacente de alguns não receberem fé.
Conquanto os calvinistas neguem vigorosamente que Deus seja a causa do pecado, não é fácil
evitarem essa acusação plenamente. Como poderão fazê-lo quando homens como Peter Y. de Jong
declaram abertamente: “Deus claramente pré-ordena o mal”?—Crisis in the Reformed Churches
(Reformed Fellowship, Inc.), p. 148.

4. Uma doutrina que não pode ser pregada. O erudito Reformado James Daane (The Freedom of
God [Eerdmans]) declara que a doutrina Reformada da eleição (e condenação) não pode ser
pregada. Ele nos lembra dos argumentos quanto a se o evangelho devia ou não ser pregado a todos
os homens, e revela como essa pergunta tem torturado as comunidades Reformadas por séculos. A
despeito de esforços hercúleos por um após outro de seus eruditos, ainda não conseguem pôr para
descansar a vexatória questão. Daane declara que, conquanto a teoria de eleição Reformada possa
ser discutida ou argumentada apologeticamente, ela não pode ser pregada. Ninguém pode pregar a
condenação, uma vez que somente o que é objeto de fé pode ser pregado. Daane também assinala
ser um fato que a eleição não é pregada de púlpitos Reformados:
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Hoeksema e Van Til empreenderam as mais abrangentes e sofisticadas tentativas para superar o abismo
entre eleição e pregação. Ninguém tentou mais duramente, ninguém lutou mais séria e vigorosamente
com esse problema. Comparado com os seus esforços, os dos teólogos escoceses do século dezessete e
dos teólogos holandeses Reformados do século dezoito eram simplistas e ingênuos. Entretanto, por
todos os seus esforços, Hoeksema e Van Til não tiveram maior êxito do que predecessores escoceses e
holandeses. Uma vez alguém se comprometa à teologia do decreto, é teologicamente impossível que tal
indivíduo permita, justifique ou explique a pregação do evangelho a todos os homens. Assim, também,
é impossível que leve a eleição para o púlpito.—Ibid., p. 33.

5. Nega a descrição bíblica de Deus como Ser integralmente movido por amor e justiça. A fim de
justificar a doutrina Reformada da predestinação, Hoeksema alega que Deus não é afetado de
qualquer modo pelos eventos fora de Si próprio. O amor de Deus, por exemplo, não é responsável
pelo drama humano, e a misericórdia divina não é chamada à ação pela necessidade do homem.
Quando Deus ama, diz Hoeksema, Ele é apenas amorável a Si próprio. Quando Ele é
misericordioso, é tal somente para Si. O cristianismo é, destarte, reduzido à lógica fria e dura onde
não há nem emoção, nem lágrimas. A isto acrescentem-se as ousadas reivindicações de que Deus
não ama todos os homens, e emergirá disso uma imagem de um determinismo cruel e de punhos
cerrados que é absolutamente insensível à tragédia humana.

6. Quase chega a ser um fatalismo frio e rígido. A teoria da predestinação que, por decreto pré-
temporal de Deus, objectifica dois grupos fixos chamados “eleitos” e “réprobos” pode não ser tão
má quanto o fatalismo, mas ainda surge com a imagem de um determinismo rígido. A despeito de
todos os esforços de eruditos bem-intencionados de suavizar a expressão fixa da face do
determinismo calvinístico, eles não podem livrar-se daquele decreto frio, congelado que determina
tudo que vem a se passar--seja, como lamenta Daane, o preço da beterraba no mercado amanhã ou
o placar do futebol hoje. A responsabilidade humana pode ser firmemente afirmada, mas se tudo
foi programado por antecipação, a liberdade humana é ainda uma ilusão.

7. Torna a história irrelevante. Se todos os eventos foram determinados antecipadamente por


decreto divino, como podemos nós, ou mesmo Deus, levar a história a sério? E uma vez que o
evangelho é história, como podemos levar a sério o evangelho? Uma visão determinística da
história não a esvazia de qualquer conteúdo real?

8. Distorce o sentido da ação humana de aceitação da fé. Uma dificuldade evidente do calvinismo
é a interpretação de que a aceitação da oferta de salvação pelo homem constitui uma participação
humana, uma “obra meritória” no processo de salvação. Contudo, exatamente o contrário é o que
se dá: o homem que aceita a Cristo como seu Salvador está renunciando a seus esforços de salvar-
se a si mesmo, admitindo sua incapacidade de aproximar-se de Deus por seus próprios recursos
humanos e submetendo-se integralmente a Outro, que é o Salvador, de cujos méritos dependerá.

9. Inspira um falso senso de segurança. Quem segue a perspectiva Reformada da eleição é levado a
buscar o seu senso de segurança em sua própria espiritualidade. Isso, tem-se assinalado, é
inevitável uma vez que a “perseverança dos santos” é a única verdadeira evidência que o calvinista
tem de sua eleição. Apesar da decantada objetividade da perspectiva calvinística da eleição, o
crente Reformado pode somente firmar sua certeza de eleição em sua experiência subjetiva.

10. Os frutos não têm sido bons. Jesus declara que “pelos frutos se conhece a árvore, se é boa ou
má”. Alguns dos frutos da visão calvinista não são nada positivos, como certas atitudes conflitantes
desenvolvidas ao longo da história, como a outrora dominante filosofia do apartheid na África do

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Sul e outras situações de discriminação racial, grandemente inspirados por tal cosmovisão
teológica. Também se sabe de muitos que vivem em pecado mas julgam-se “eleitos” de qualquer
modo, sem sentirem o peso da consciência agudamente conclamando-os ao pronto arrependimento.

Estas são apenas algumas das dificuldades a que os próprios eruditos Reformados chamam a
atenção no sistema Reformado de teologia. Mas quando consideram outras alternativas—
geralmente o ponto de vista arminiano de eleição sobre a base de fé e obediência preditas
juntamente com a negação da “depravação total”—estão preparados para conviver com tais
dificuldades, antes que aceitar as intoleráveis conseqüências do sistema alternativo.

Em outras palavras, se o calvinista é posto contra a parede sobre quaisquer das dificuldades que se
erguem de seu sistema teológico, ele diz que não vai saltar fora da frigideira do calvinismo para
dentro do fogo do arminianismo. Considerar as dificuldades de outro sistema torna mais fácil
conviver com suas próprias dificuldades.

Três Opções Para o Cristão Reformado

Parece haver três opções abertas para o cristão Reformado nestas alturas:

1. Renúncia ao seu sistema em favor do sistema arminiano. Sabedor das graves dificuldades no
sistema arminiano, a maioria do pessoal Reformado prefere viver com suas próprias dificuldades
teológicas antes que renunciar ao seu sistema em favor do arminianismo.

2. Apego cego à tradição. Pode apegar-se cegamente a sua tradição e passar o resto de seus dias
polindo os “cinco pontos” e zelosamente policiá-los contra pessoas que em qualquer medida os
maculariam. Este parece ser o declarado propósito de alguns grupos (e publicações) Reformados
que aparentemente nada fazem exceto circular como uma espécie de patrulha da ortodoxia em
defesa do que em inglês forma a sigla TULIP.1 Isso se torna mais seco do que as colinas de Gilboa,
que não tinha chuva nem orvalho, o que nos lembra o que Spurgeon declarou a Gill:

O retrato dele . . . erguendo o nariz de modo extremamente expressivo, como se não pudesse suportar
mesmo o cheiro de livre arbítrio. Foi nessa veia que ele escreveu o seu comentário. Ele caça o
arminianismo por toda a sua extensão . . . cai sobre um texto que não é compatível com o seu credo, e o
golpeia e recorta terrivelmente para trazer a Palavra de Deus numa forma mais sistemática.—
Commenting and Commentaries, Kregel, ed., p. 9.

3. Assumir o slogan da ecclesia reformata semper reformanda. Pode seriamente assumir o desafio
de ser “reformado e sempre em reforma”. Mesmo apreciando a herança da Reforma, não há por
que presumir que Lutero ou Calvino, Westminster ou Dort, fixaram o cânon da verdade absoluta.

Obs.: Tomara que nossos leitores Reformados acolham esta terceira opção. Se o fizerem, podemos
juntos prosseguir e tentar desbravar novos territórios, tomando os lampejos da Reforma segundo os
aspectos legal e moral da redenção e aplicá-los à doutrina da eleição. Ou, expresso doutro modo,
consideraremos certos aspectos da teologia Reformada à luz da justificação pela fé.

1A sigla TULIP é composta dos cinco pontos do calvinismo (em inglês)-- total depravity (depravação total),
unconditional election (eleição incondicional), limited atonement (expiação limitada), irresistible grace (graça
irresistível), e perseverance of the saints (perseverança dos santos).

Obs.: Material adaptado por Azenilto G. Brito do artigo “Aspectos Moral e Legal da Justificação

3
Pela Fé”, de Robert D. Brinsmead, revista Present Truth (ver webpage www.PresentTruthMag.com).

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