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Os cinco pontos do calvinismo

HERMAN HANKO
HOMER HOEKSEMA
GISE J. VAN BAREN
© 1976, de Reformed Free Publishing Association
Título do original: The Five Points of Calvinism
Edição publicada pela
Reformed Free Publishing Association (www.rfpa.org)
(Grandville, Michigan, EUA)

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


EDITORA MONERGISMO
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970
Sítio: www.editoramonergismo.com.br

1a edição, 2013

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto


Revisão: Rogério Portella
Capa: Raniere Menezes

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


versão Almeida Revista e Atualizada (RA),
segunda edição,1993, salvo indicação em contrário.
Sumário
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
PRÓLOGO DE 1976
CAPÍTULO 1: DEPRAVAÇÃO TOTAL
CAPÍTULO 2: ELEIÇÃO INCONDICIONAL
CAPÍTULO 3: EXPIAÇÃO LIMITADA
CAPÍTULO 4: GRAÇA IRRESISTÍVEL
CAPÍTULO 5: A PERSEVERANÇA DOS SANTOS
APÊNDICE
Prefácio à edição brasileira
Embora na maioria dos debates a visão calvinista seja questionada ou
defendida apenas na esfera soteriológica, devemos nos lembrar de que o
calvinismo não se restringe a ela, pois se trata de uma cosmovisão
abrangente. Por isso, existem conceitos calvinistas sobre a família, igreja,
educação, política, economia etc. Como disse o dr. Abraham Kuyper, o
calvinismo se refere a um sistema que alcança todos os aspectos da vida
humana.[1] O presente livro, originariamente publicado em 1976, tem o
propósito de apresentar e defender apenas a soteriologia calvinista,[2] mais
conhecida como os “cinco pontos do calvinismo”.
Apesar de o calvinismo não ter se originado em João Calvino, algo
demonstrado nos capítulos que se seguem, o sistema recebe o nome dele
como homenagem à sua perícia no bom manejo da Palavra da Verdade,
resultando em uma interpretação cuidadosa e sistemática das Escrituras.[3] A
versão brasileira deste livro surge quatro anos após a comemoração dos cinco
centenários do nascimento do reformador de Genebra (10 de julho de 1509).
[4]

De modo ligeiramente diverso da versão originária deste livro,


incluímos no início de cada capítulo alguns pensamentos do grande teólogo
Herman Hoeksema (1886-1965) e um apêndice com um resumo interessante
dos cinco pontos do calvinismo segundo os Cânones de Dort, escrito pelo
rev. Angus Stewart.
Boa leitura!
Soli Deo gloria.

— Felipe Sabino de Araújo Neto


05 de novembro de 2013
Prólogo de 1976
As cinco doutrinas cardinais expostas nos capítulos deste livro são
conhecidas por muitos como os cinco pontos do calvinismo, e por outros
como as “doutrinas da graça”. Embora essas doutrinas, com certeza não se
originam em João Calvino, elas foram destacadas e ensinadas novamente por
ele no tempo da Reforma; restou ao Sínodo de Dort (1618-1619), reunido
para resolver a controvérsia arminiana nas igrejas reformadas da Holanda,
formular essas verdades com grande clareza e detalhes minuciosos. Essa
formulação oficial foi realizada por meio de um credo que representou o
consenso de todas as igrejas reformadas desses dias, os Cânones de Dort.
Até hoje essas declarações doutrinárias permanecem inalteradas; e
continuam o baluarte poderoso contra a heresia do livre-arbítrio arminiano,
cujo perigo é tão grande e sério quanto nos dias do próprio Jacó Armínio.
O formato desses capítulos se deve ao fato que eles eram
originariamente cinco palestras públicas, proferidas entre 1966 e 1667 em
Grand Rapids, Michigan (EUA), sob o patrocínio das Igrejas Protestantes
Reformadas da área.
Os três autores são ministros das Protestant Reformed Churches in
America [Igrejas Protestantes Reformadas nos EUA]. Herman C. Hanko é
professor de Novo Testamento e História da Igreja na Theological School of
the Protestant Reformed Churches [Escola Teológica das Igrejas Protestantes
Reformadas]; ele escreveu os capítulos 1 e 2.[5] Homer C. Hoeksema é
professor de Dogmática e Antigo Testamento na mesma escola teológica, e é
o autor do capítulo 3.[6] Gise J. Van Baren é pastor da Primeira Igreja
Protestante Reformada de Grand Rapids, Michigan; e ele é o autor dos
capítulos 4 e 5.[7]
Possa o Senhor nosso Deus usar esses capítulos para a instrução e
iluminação de muitos.
Em tempos modernos, a doutrina dos arminianos tem exercido uma
influência muito profunda e disseminada sobre a doutrina de Deus e a
doutrina da salvação. Eles negam a doutrina da predestinação incondicional e
sustentam que Deus elegeu os que previu que creriam em Cristo. Sustentam
que Cristo morreu por todos os seres humanos e enfaticamente negam a
expiação particular. Nesse “Cristo para todos” reside a possibilidade da
salvação de todas as pessoas. Até onde diz respeito à soteriologia, eles
sustentam que a graça é de fato indispensável para a salvação do homem.
Eles até mesmo enfatizam em seus artigos que o homem de si mesmo não
pode fazer nada para ser salvo. Mas, ao mesmo tempo, ao declarar que a
graça é resistível, anulam tudo o que ensinam com respeito à impotência do
homem, de forma que se o homem receberá ou não essa graça depende
apenas dele, e não de Deus. Assim, a graça salvadora pode ser perdida. Em
última instância, a salvação do homem depende não da graça soberana de
Deus, mas da vontade e escolha do homem.
Rev. Herman Hoeksema
Capítulo 1: Depravação total
Prof. Herman Hanko
A doutrina da depravação total, sobre a qual versa este capítulo, é um dos
“cinco pontos do calvinismo”. Não é inapropriado, portanto, discutir com
brevidade a história dos cinco pontos.
Historicamente, seu ocaso deve ser encontrado na controvérsia arminiana dos
séculos XVI e XVII. Nesse tempo um homem chamado Jacó Armínio
começou a ensinar, nas igrejas reformadas da Holanda, doutrinas contrárias à
fé reformada e à Escritura. Na primeira parte do século XVII, em 1610 para
ser exato, seus seguidores, conhecidos como o partido dos remonstrantes,
redigiram cinco declarações de doutrina para a apresentação de seus
conceitos. Eles submeteram essas declarações à consideração das igrejas
reformadas na Holanda, na esperança de que fossem adotadas e aprovadas.
Só no outono de 1618 um Sínodo Geral das igrejas reformadas foi chamado
para considerar as declarações arminianas. Nesse Sínodo estavam presentes,
não só os delegados das igrejas reformadas na Holanda, mas delegados de
todas as igrejas reformadas do continente europeu. Após consideração
cuidadosa, esses cinco pontos de doutrina apresentados pelos arminianos
foram achados em contradição com a Escritura e rejeitados. Mas como
resposta a essas declarações, nossos pais, no Grande Sínodo de Dort,
apresentaram cinco doutrinas que eles consideravam a resposta das Escrituras
e das Confissões à posição dos arminianos. Essas doutrinas foram colocadas
nos cinco Cânones de Dort e se tornaram conhecidas como os cinco pontos
do calvinismo.
O próprio fato, contudo, de que essas doutrinas foram designadas “cinco
pontos do calvinismo” prova que nossos pais em Dort não as consideravam
originárias deles. Eles não estavam, no Sínodo, alegando o desenvolvimento
de doutrinas. Eles mantiveram com coerência a posição de que os arminianos
haviam apresentado doutrinas contrárias à fé histórica. E eles, em resposta
aos arminianos, apenas reiteraram a posição das igrejas reformadas desde o
tempo da Reforma de Calvino.
De fato, nossos pais em Dort sabiam muito bem que essas verdades
apresentadas nos Cânones não poderiam ser traçadas só até a Reforma de
Calvino; elas poderiam ser encontradas na teologia de Agostinho, que viveu
quase um milênio antes de Calvino realizar sua obra em Genebra. Nesse caso,
Agostinho havia originariamente definido essas verdades. O próprio Calvino,
de forma contínua, presta tributo à obra de Agostinho e aponta que suas
declarações haviam sido proferidas antes dele pelo bispo de Hipona. O
Sínodo de Dort estava consciente disso.
Isso é digno de nota, pois deveríamos entender que a verdade da depravação
total, sustentada nesta palestra não diz respeito a uma doutrina nova. Ela
conta com uma longa e ilustre história. Trata-se da confissão da igreja desde
o século V d.C. Os pais em Dort, após a formulação dessas verdades,
elaboraram uma nota sobre isso na conclusão dos Cânones em que aparece
esta declaração:
O Sínodo de Dort julga estarem as presentes declarações e rejeições de acordo com a
Palavra de Deus e com a confissão das igrejas reformadas.[8]
Ora, tudo isso significa que a verdade da depravação total, confessada por um
longo tempo na Igreja de Jesus Cristo, é parte da Confissão da igreja porque
ela sempre acreditou que a fundamentação dessa verdade se encontra na
Palavra de Deus. Isso merece ênfase especial. Com frequência acontece que
os que têm sérias restrições sobre a verdade da depravação total fazem-nas,
não com base da Palavra de Deus, mas a partir da observação pessoal. Eles
olham para seus semelhantes e percebem nas observações encontradas uma
aparente grande quantidade de bens realizados pelos homens, à parte do
poder da graça soberana. E sobre a base dessas observações, eles chegam a
certas conclusões que, com efeito, negam a verdade da depravação total.
Mas isso está errado. Deve-se destacar que essa verdade não deve ser
formulada com base nas observações pessoais. Antes, essa verdade deve ser
apresentada como a própria Escritura a apresenta. Em outras palavras,
devemos nos curvar diante da autoridade infalível e soberana da Escritura.
Devemos ouvir a sentença de Deus que ele pronuncia sobre os homens e
sobre nós. Devemos ouvir o que Deus tem a dizer a respeito de nossa
depravação. E só quando ouvirmos o que Deus tem a dizer, descobriremos a
verdade a respeito da humanidade em geral e de nós mesmos em particular.
Há três assuntos que devemos observar na consideração da depravação total:
I. O que é depravação?
II. O que se quer dizer por depravação total?
III. Qual a importância dessa doutrina?
I. O que é depravação?
Antes de entrarmos no debate do significado da depravação apresentada na
Escritura, é importante analisar com brevidade a história da doutrina a partir
do tempo de Agostinho até o tempo do Sínodo de Dort. Essa história talvez
reserve algumas surpresas para nós.
A ocasião da formulação de Agostinho da verdade da depravação total
ocorreu por causa dos ensinamentos de certo Pelágio que apareceu em Roma
na primeira parte do século V. Ele começou a ensinar conceitos em total
desacordo com a Escritura. Ele ensinava que as crianças que entram no
mundo nascem boas, sem qualquer pecado. De fato, ele insistia que todas as
crianças eram tão boas quanto Adão ao sair das mãos do Criador, antes de
comer da árvore proibida. Se você perguntasse a Pelágio: “Qual é a
explicação então para o fato que existe pecado no mundo?”, ele responderia:
“Isso é determinado pela escolha que o homem é capaz de fazer tanto para o
bem quanto para o mal”. Sua natureza, Pelágio dizia, é inclinada ao bem. De
fato existem ao longo da história do mundo homens que viveram a vida
inteira sem pecar. Mas algumas pessoas pecam. E eles pecam por terem
aprendido maus hábitos com seus semelhantes. O pecado, portanto, na visão
de Pelágio, é um hábito. E como é a verdade de qualquer hábito, quanto mais
um pecado particular for cometido, mas forte também o hábito se tornará.
Quanto mais um homem for culpado de um tipo particular de pecado, mais
profundamente esse hábito ficará enraizado em sua natureza. Todavia, o
pecado sempre permanece é mais que um hábito. E conquanto o pecado seja
apenas um hábito, a solução para o problema do pecado reside na quebra do
hábito. Nada mais. Não há necessidade, Pelágio insistia, de salvação. Não há
necessidade da graça; muito menos da graça soberana. Tudo o que um
homem tem de fazer caso deseje romper com um hábito pecaminoso é manter
uma resolução firme o suficiente. Por meio da escolha da própria vontade ele
terá sucesso em seguida.
Agostinho levantou um protesto longo e alto contra esses conceitos
antiescriturísticos. O próprio Agostinho sabia mais. E ele sabia mais por
haver experimentado na própria vida algo muito diferente. Na vida pregressa
Agostinho foi muito mau, até mesmo imoral. Cometeu vários pecados graves.
Aprendeu com a própria experiência que o pecado era mais que mero hábito.
Tratava-se de uma força corruptora, destrutiva e poderosa na própria natureza
do homem. E aprendeu também, pela graça e misericórdia de Deus que ele
nunca cessava de exaltar, que a única possibilidade de libertação do pecado
era por meio do poder da graça soberana.
E assim ele descobriu essas verdades apresentadas na Escritura. Ele insistia
que, embora Adão de fato tenha sido criado por Deus no estado de justiça
perfeita, todavia a queda trouxe consequências tremendas sobre Adão e sua
posteridade, e o homem se tornou totalmente incapaz de realizar o bem de
qualquer tipo. Agostinho insistia tanto nesse ponto que incluiu em sua
condenação as aparentes boas obras dos pagãos — como Sócrates, Platão e
Cícero. Ele alegou que essas obras não eram boas em nenhum sentido da
palavra: elas constituíam, na verdade, uma perversão e corrupção do bem; o
único poder de fazer o bem devia ser encontrado no poder da graça soberana.
Ora, os conceitos de Agostinho não prevaleceram na igreja de seus dias,
exceto entre uns poucos. Em vez disso, surgiu na igreja um conceito que se
tornou conhecido como semipelagianismo. Os homens que sustentavam esses
conceitos não queria chegar aos extremos ridículos e absurdos do próprio
Pelágio. Ao mesmo tempo, no entanto, eles também não desejavam o sistema
de Agostinho. E tentaram o meio-termo. E como ocorre em todas as
contemporizações, eles apenas inventaram uma nova heresia. Ensinaram que
é verdade o fato de o homem não nascer bom neste mundo. Ele não
permanece no estado em que Adão se encontrava no Paraíso antes da queda.
Todavia, apesar de insistirem nisso, também afirmavam que o homem não era
totalmente depravado. Diziam que ele estava doente. Embora o tipo de
doença fosse fatal, de forma que sem a cura a doença resultaria em morte,
nesse intervalo da enfermidade o homem era capaz de realizar uma grande
quantidade de atos bons.
De forma particular, ele era capaz, mediante o exercício da própria vontade,
de convidar o grande Médico para vir com o bálsamo da graça curadora para
salvá-lo da doença fatal. Deus por sua parte, diziam os semipelagianos,
preparou a salvação para todos os homens. Ele preparara a cura da
enfermidade que aflige o homem. E Deus está pronto a conceder esse
bálsamo de cura a todos os homens. De fato, Deus dá um passo além, e
oferece o bálsamo a todos os homens, para ser aceito ou rejeitado por eles.
Além desse ponto, insistiam os semipelagianos, Deus não iria. O bálsamo
curador seria aplicado ao homem para lhe sarar a enfermidade, caso ele
desejasse. Portanto, a questão da cura e da salvação dependia da escolha da
própria vontade do homem.
Caso esse conceito semipelagiano lhe soe um pouco conhecido, e pareça uma
característica de grande parte da pregação moderna, tenha certeza de que ela
é de fato uma heresia antiga.
Todo o sistema semipelagiano se tornou o fundamento da doutrina das obras
de justiça da Igreja Católica Romana. Toda a estrutura imponente das obras
justas do romanismo estava fundamentada de modo inequívoco nessa
modificação do pelagianismo.
Só nos dias da Reforma protestante que as verdades apresentadas por
Agostinho foram mais uma vez verdades proclamadas em público na Igreja.
Martinho Lutero foi o pioneiro. Em oposição às obras de justiça do
catolicismo romano, ele percebeu que toda a estrutura do semipelagianismo
deveria ser cortada, e que o fundamento firme da depravação total tinha de
ser apresentado uma vez mais. E ele insistiu que tão completa é a depravação
total que até a vontade do homem está escravizada por completo pelo pecado.
Ele escreveu um livro sobre isso que permanece disponível hoje. Seu título é
Da vontade cativa.[9]
Contudo, João Calvino foi quem conectou essa verdade a toda a verdade da
Palavra de Deus e a formulou como foi expressa nos dias do Sínodo de Dort.
Não é necessário entrar em detalhes a respeito do ensino de Calvino.
Qualquer pessoa que conheça minimamente seus escritos (em especial A
instituição da religião cristã) sabe que a verdade da depravação total é
ensinada ou pressuposta em quase todas as páginas. Uma citação será
suficiente para o propósito do momento. Nela é nítida sua dependência de
Agostinho. Ao discutir o uso do termo “concupiscência”, utilizado por
Agostinho, Calvino escreveu:
… Nossa natureza não é apenas indigente e vazia de bem, mas é tão fértil e fecunda
de todos os males que não pode ficar tranquila. Os que disseram ser isso a
concupiscência, não se valeram de uma palavra tão diferente se com isso for
acrescentado (o que raramente é concedido por muitos deles) que tudo o que está no
homem, desde o intelecto até a vontade, e até mesmo desde a alma até a carne, esteja
referido a essa concupiscência, ou, de forma sucinta, que o homem inteiro não seja
por si mais do que concupiscência.[10]
Essa foi a verdade que Calvino apresentou com tanta clareza, lembrando-se
de sua dívida para com Agostinho. Essa foi a verdade formulada pelos nossos
pais no Sínodo de Dort.
Então o que se quer dizer por depravação? O que nossos pais queriam dizer?
O que a Escritura ensina?
Em primeiro lugar, a depravação diz respeito, sem dúvida, ao pecado. Isso
parece óbvio; todavia, só na extensão em que enfatizamos a realidade e o
caráter verdadeiro do pecado que seremos também capazes de manter a
verdade da depravação total.
Ao longo da história até hoje, os que negam a verdade da depravação total
são também os que suavizam as duras realidades do pecado. Esse é o motivo,
por exemplo, de o pecado não ser mais levado a sério hoje. Pelágio o
considerava apenas um hábito. Os semipelagianos o consideravam só uma
doença. Hoje também ele é ignorado com facilidade, considerado com leveza.
Nega-se o horror do pecado de acordo com a definição da Escritura. Nos
extremos distantes do mundo eclesiástico estão os teólogos liberais ensinando
que o pecado é apenas uma aflição social ou uma deficiência mental. A cura
para o pecado deve ser encontrada então na reabilitação social, na reforma
social, na mudança do caráter externo. Essa é a cura para o pecado, pois ele é
apenas um remanescente da ancestralidade animal que mantemos até este
momento do processo evolucionário.
Mas na extensão em que o pecado é considerado apenas um hábito ou uma
doença, o caráter horrível do pecado é negado e se torna impossível manter a
verdade da depravação total.
A Escritura nos dá uma opinião bem diferente do pecado. Ela nos informa
com ênfase que o pecado é sempre cometido em relação a Deus. Isso é
fundamental. Deus é o Senhor santo e soberano do céu e da terra. Ele é
infinitamente perfeito. Sua santidade é tão grande e a glória do esplendor das
suas perfeições tão brilhante que diante dele os anjos cobrem a face e cantam
o tempo todo: “Santo, Santo, Santo é o SENHOR dos Exércitos”. Contra ele
todos os pecados são cometidos. Nunca se deve esquecer isso. O pecado é a
contradição da santidade dele. É uma rebelião contra o Senhor do céu e da
terra. Todo pecado, não importa quão pequeno, não importa quão
insignificante, é sempre cometido como ato de rebelião contra Deus. Deus
criou o homem e o colocou no paraíso. O único propósito da criação do
homem por Deus era que o homem — a coroa da criação de Deus — pudesse
glorificar seu Criador. Não existe outro propósito para Deus ter colocado o
homem no paraíso além deste. Com toda a sua vida, com tudo o que ele era,
com toda a criação sobre a qual foi colocado, ele não tinha outro chamado
que não fosse o de evidenciar o louvor e a glória de Deus — o único ser
digno de todo o louvor e glória.
O pecado de Adão ao comer da árvore proibida, portanto, foi o pecado
cometido contra Deus. Tratou-se do pecado da desobediência contra o
mandamento expresso de Deus. E por ser um pecado de desobediência contra
Deus, ele significou a determinação deliberada, consciente e obstinada de
deixar de realizar o propósito para o qual Adão foi criado. Ele não queria
mais nada com Deus e com sua glória. Escolheu lançar sua sorte com
Satanás, que o tentou. Preferiu representar Satanás; ajudá-lo no esquema
nefando de roubar este mundo do Criador. Adão de forma deliberada deu as
costas para o Deus dos céus e da terra com um ato de desobediência. Isso fez
do seu pecado excessivamente horrível. Ele foi cometido contra Deus.
Até hoje, em toda a história deste triste mundo, jamais existiu pecado de um
tipo diferente. Isso precisa ser entendido. Nunca deveríamos falar do pecado
em termos de relações sociais, desajustamentos sociais. O pecado é um ato
contra o Deus dos céus e da terra. Por essa razão a punição do pecado é tão
grande.
Assim, a morte de Adão foi o castigo imposto por Deus. Você pode entender
o causa de sua necessidade. Deus havia formado Adão para que ele pudesse
representar a causa de Deus no mundo, para que glorificasse seu Criador.
Não havia outro propósito para a existência dele além deste. Adão se recusou
a fazê-lo. Ele escolheu glorificar o Diabo. Esse foi o desejo de Adão. Mas por
causa disso, não havia mais lugar para ele no mundo de Deus. Assim, Deus
matou Adão: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17).
O que significa isso, que Deus matou Adão? Ele não caiu morto aos pés da
árvore, como sabemos agora. Significa, em primeiro lugar, que Deus
derramou sobre Adão a fúria de sua ira e ódio. Deus odiou Adão. Não
poderia ser diferente disso, se Deus mantivesse sua santidade como sempre
faz e deve fazê-lo por causa do seu nome. Ele não poderia mais amar alguém
que pecou e que não era mais santo como antes. Entenda que isso era à parte
de Cristo. Sabemos que em Cristo Adão foi salvo. Mas no que diz respeito à
morte que sobreveio a Adão, Deus derramou sobre ele sua ira. Estava na
própria natureza de Deus agir assim. Adão estava alienado de Deus. Da
mesma forma como foi expulso do jardim do Éden, assim foi ele alienado da
face de Deus. Sua vida antes estava repleta da luz do sol do favor divino,
agora estava cheia das nuvens tenebrosas da ira de Deus. Onde uma vez ele
conheceu a paz, alegria, felicidade e vida em comunhão com o Criador, agora
tudo o que conhecia era agitação, alienação, ira, confusão, aflição, sofrimento
e morte.
Em segundo lugar, o fato de Deus ter matado Adão significa que Deus o
tornou totalmente depravado. Esse é o significado da morte. Morte e
depravação total são termos sinônimos. Como o apóstolo Paulo expressa em
Efésios 2.1: Deus nos “vivificou, estando [nós] mortos em ofensas e
pecados”. Portanto, o castigo da transgressão terrível de Adão era que Deus
trouxe sobre ele o horror da depravação total. Deus fez dele escravo do
pecado com o todo o seu ser e sua natureza. Esse foi o castigo do pecado. E
de acordo com os termos do castigo do pecado que devemos considerar a
verdade da depravação total. Pelo fato de o pecado ser tão terrível, ele merece
tamanho castigo terrível. O castigo é a depravação total da natureza humana.
Todos os homens, portanto, são totalmente depravados.
Como é possível que todos os homens sejam totalmente depravados?
Devemos mencionar com brevidade duas razões.
A primeira, todos os homens são em Adão responsáveis pelo pecado
cometido por Adão. Porque Adão era o cabeça de toda a raça humana, isso é
verdade. Isso é verdade assim como Cristo é o cabeça do povo eleito. O
apóstolo Paulo expressa essa verdade com estas palavras: “Porque, assim
como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em
Cristo” (1Co 15.22). Adão era o cabeça de todos os homens; portanto, todos
os homens são responsáveis com Adão por sua transgressão.
Segunda, Adão era o pai de toda a raça humana, de forma que de Adão
procedeu a raça humana corrupta e depravada como ele era. Davi cantou essa
doutrina com clareza há muito tempo em Salmos 51.5: “Eis que em
iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”.
E assim, a depravação sobreveio a todos os homens.
II. O que se quer dizer por depravação total?
Essa depravação, a Escritura e nossas Confissões nos ensinam, é total.
Antes de entrarmos em uma descrição mais detalhada, devo chamar sua
atenção para algumas distinções que têm sido feitas e que se tornaram cada
vez mais populares. Elas recebem a evidente tendência de suavizar a verdade
da depravação total. Há, por exemplo, a distinção feita algumas vezes entre
depravação total e depravação absoluta. Ela tem a intenção de significar que,
embora o homem seja totalmente depravado, ele não é depravado em sentido
absoluto. A seguinte citação servirá para elucidar o que se quer dizer com
isso (ela foi retirada de The Banner e é encontrada em um artigo explicativo
dos Cânones de Dort, em especial do 3.o e 4.o Capítulos, Artigo 4):
O resultado da Queda é a depravação ou corrupção total. Com isso se quer dizer que
cada parte do homem foi corrompida. Os Cânones dizem que o homem “trouxe sobre
si cegueira, trevas terríveis, leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia,
rebeldia e dureza em sua vontade e seu coração; e ainda impureza em todos os seus
afetos” [Artigo 1]. Não existe nenhuma parte de sua natureza que não tenha sido
afetada pelo pecado. O adjetivo “total” não deve ser tomado em sentido absoluto,
como se o homem fosse completamente depravado. O homem não é tão mal quanto
pode ser. O Artigo 4, que esperamos considerar com mais detalhes nesta série, diz:
“… há no homem depois da Queda um resto de luz natural”. Deus restringe a obra do
pecado na vida do homem sobre a terra. E o homem pecador ainda mantém um senso
de certo e errado. Sua corrupção é total no sentido de não haver parte do seu ser que
seja pura e santa; e o bem que ele faz é feito para Deus e para a sua glória.[11]
Nessa citação a distinção é feita entre depravação total e depravação absoluta.
Depravação total significa que o homem é depravado em cada parte do ser.
Embora seja depravado em cada parte do ser, ao mesmo tempo resta em cada
parte do seu ser um remanescente de bondade. A depravação absoluta
significa que cada parte do ser é totalmente má. Essa distinção, portanto, tem
a intenção precisa de deixar lugar para algum bem que o homem seja capaz
de realizar. E esse bem significa, de modo particular, o bem de aceitar com
sua vontade a oferta do evangelho. É exatamente isso o que os Cânones não
querem dizer com o uso do termo depravação total.
Outra distinção feita algumas vezes é entre a motivação interior (do coração)
e o ato externo. Alguns afirmam que, embora de fato o homem seja
depravado — no que diz respeito à sua natureza —, todavia ele é capaz de
realizar uma quantidade considerável de bem — no que diz respeito os atos
externos. Ele pode realizar obras exteriormente em harmonia com a lei de
Deus. Ele não vive a vida de forma totalmente adulterada. Ele não sai na rua
atirando em todas as pessoas encontras em seu caminho. Ele é capaz de
conformar sua vida e conduta de forma exterior à lei de Deus e realizar uma
grande quantidade de coisas boas, mesmo sendo corrupto em seu interior.
Isso também é algo que os nossos pais não quiseram dizer. Eles falaram de
depravação total. E de fato eles quiseram dizer que o homem é tão mal
quanto pode ser. E isso é o que a Escritura ensina.
Há outra distinção feita entre as bondades chamadas espiritual e natural. A
citação acima também sugere essa distinção. Por bondade espiritual se quer
dizer a bondade que constitui uma base possível para a salvação. É o primeiro
passo em direção ao céu. Eles insistem que, embora o homem seja de fato
incapaz da bondade espiritual, todavia ele é definitivamente capaz da
bondade natural. Por bondade natural se quer dizer algo muito parecido com
bondade exterior — a conformidade externa à lei de Deus. Os que sustentam
isso apontarão para o mundo em que vivemos, onde se pode encontrar grande
quantidade dessa bondade natural.
Todas essas distinções, de uma forma ou outra, têm a intenção de suavizar a
dureza da doutrina da depravação total.
Quando Calvino e os pais de Dort insistiam no caráter total da depravação,
eles sabiam o significado dessas palavras. E eles sabiam que “total” significa
precisamente isso. Eles pretendiam que a expressão “depravação total” fosse
uma descrição do que a Escritura chama de “morte”. O pecador está morto:
espiritualmente morto. Ele já entra no mundo morto em sentido espiritual. Ele
não está doente nem é afligido por uma doença ou enfermidade,
independentemente de seu grau de fatalidade. Ele está morto. E este é o
ensino enfático da Escritura. Sempre a Escritura insiste que no fato de o
pecador estar morto.
O que isso significa?
Isso significa que sua natureza é corrompida de forma tão completa pelo
pecado que ela é incapaz de produzir algo bom. Não há nada que o pecador
possa fazer que seja agradável aos olhos de Deus. Seu coração está morto.
Não diz Salomão: “do coração procedem as fontes da vida” (Pv 4.23)?
Todavia, o coração, a fonte de toda a vida do homem, está morto. A mente
humana está morta. Ela está tão obscurecida pelo pecado que o homem não
pode com sua mente conhecer nenhum bem espiritual. Ele pode, sem dúvida,
em um sentido apenas formal entender a verdade. É capaz de entender o
sentido dessas palavras. Essa não é a questão. Mas sua mente está tão
obscurecida que todas as vezes que enxerga a verdade acerca de Deus, ele a
odeia e se volta contra ele. O homem se rebela contra seu claro ensino. Ele se
afasta dela. Isso é tão verdadeiro que Jesus disse a Nicodemos (Jo 3.3): “Em
verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver
o reino de Deus”. Sua mente está tão saturada com as trevas da mentira que
não há lugar para a verdade nela.
O mesmo ocorre em relação à vontade do homem. Da vontade cativa
descreve o estado do homem com precisão. Sua vontade está presa — presa
pelo pecado. O homem não pode nem deseja o bem. O pecador não quer, nem
pode querer o bem. Essa é a sua natureza. Ele está morto. Pode uma pessoa
morta pensar? Pode um morto dar evidência de vida? O homem
espiritualmente morto é incapaz de qualquer bem.
Isso é o que expressam o 3.o e 4.o Capítulos, Artigo 1:
No princípio o homem foi criado à imagem de Deus. Foi adornado em seu
entendimento com o verdadeiro e salutar conhecimento de Deus e de todas as coisas
espirituais. Sua vontade e seu coração eram retos, todos os seus afetos, puros;
portanto, era o homem completamente santo. Mas, desviando-se de Deus sob
instigação do Diabo e pela sua livre vontade, ele se privou desses dons excelentes. Em
lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis, leviano e perverso juízo em seu
entendimento; malícia, rebeldia e dureza em sua vontade e em seu coração; e ainda
impureza em todos os seus afetos.[12]
Não posso pensar em uma descrição do homem pior do que essa. Talvez você
objete e diga: “Sim, mas os Cânones também mencionam ‘um resto de luz
natural’”. Isso é verdade. Eles falam do restante da luz natural por meio da
qual o homem retém algum conhecimento de Deus, das coisas naturais, e da
diferença entre o bem e o mal. Esse resto de luz natural dá ao homem algum
respeito pelas virtudes, pela boa ordem social e pela manutenção do
comportamento exterior ordeiro.
Mas devem ser feitas duas observações nesse sentido:
Primeira, quando Deus trouxe a morte sobre o homem como punição pelo
pecado, ele não transformou o homem em um Diabo nem o tornou em um
animal. O homem permaneceu homem. Nossos Cânones dizem isso. Ele é
totalmente depravado; mas permanece um ser humano totalmente depravado.
Objeta-se às vezes que se Deus não preservasse alguma bondade no homem,
este teria se tornado um demônio ou uma besta. Isso é um absurdo. O homem
não teria se tornado um demônio ou uma besta caso alguns elementos de
bondade não fossem preservados nele. Ele foi criado homem. Deus o puniu
como homem. Como homem, Deus o expulsou do seu mundo. Como homem,
Deus o coloca no inferno. Mas ele permanece homem. Isso é o que dizem os
Cânones.
Segunda, os próprios Cânones explicam o significado desse resto de luz
natural, e Cânones mostram com clareza no mesmo artigo (3.o e 4.o
Capítulos, Artigo 4) que eles não quiseram dizer com isso que o homem
ainda é bom.
Mas essa luz da natureza está tão longe da suficiência para trazê-lo ao
conhecimento salvador de Deus, e à verdadeira conversão, que ele é incapaz
de usá-lo de modo correto, mesmo nas coisas naturais e civis. E mais: o
homem corrompe essa luz de diversas formas e a sustenta com injustiça, pelo
que se torna indesculpável diante de Deus.
Este é o triste retrato do homem apresentado pelos Cânones à medida que
estes defendem a verdade da depravação total. E o ponto é: se a natureza
humana está morta, ninguém pode esperar que dela procedam boas obras.
Como isso é possível? Pode um morto fazer o bem? O bem natural? O bem
exterior? Qualquer bem, não importa como seja chamado? Pode uma árvore
podre produzir bom fruto? Pode jorrar água doce de uma fonte impura e
nojenta? Pode um cadáver produzir vida? Se a natureza do homem é
depravada — não só em todas as suas partes, mas de tal forma que cada parte
é corrompida por completo —, então não existe nenhum bem que o homem
possa realizar, em nenhum sentido da palavra, que seja agradável aos olhos
de Deus. Ele não pode realizar o bem natural. Não pode realizar o bem
espiritual. Não pode realizar o bem civil. Ele não pode conformar a própria
natureza à lei de Deus; não pode desejar a salvação. Ele está
desesperadamente preso às algemas do pecado.
Nem deve algum bem ser encontrado entre os pagãos. Não raro isso é
retratado em nossos dias, como se os pagãos desejassem de todo o coração
serem libertos dos ídolos; como se anelassem escapar das algemas do
paganismo obscuro. E assim nos dizem que eles de fato servem ao Deus
verdadeiro, e que apenas o desconhecem, e aguardam com grande expectativa
que alguém lhes fale sobre o Deus verdadeiro e sobre Cristo, pois todos os
seus anseios estão direcionados para a religião verdadeira. E isso de forma
que, quando o evangelho é pregado, ele lhes traz as palavras que sempre
desejaram ouvir; e que agora as abraçam de imediato.
Mas nada disso pode ocorrer. Não devemos suavizar a dura sentença da
Escritura. O homem é totalmente depravado. Nele não se encontra nenhum
bem.
Suponho que alguns fariam objeção a isso tudo e insistiram: “Sim, mas
quando vou à rua e observo a conduta dos meus semelhantes, contemplo algo
bem contrário ao que você diz. Vejo no mundo uma grande quantidade de
amor — amor entre marido e mulher; amor dos pais aos filhos; amor entre os
seres humanos. Há no mundo ímpio uma grande quantidade de compaixão,
filantropia e o desejo de ajudar uns aos outros. Há realizações maravilhosas,
que comovem a imaginação, nas fronteiras da ciência, tecnologia e indústria.
Há maravilhas de curas realizadas pela medicina. Que feitos maravilhosos o
homem pode realizar! De que grandes coisas ele é capaz! Você não está
sendo excessivamente duro? Sua sentença não é injusta? Você não está
fechando os olhos para as realidades óbvias que nos cercam? Saia ao mundo
e você descobrirá que seu juízo do homem é muito severo”.
O que dizer sobre isso?
Há três pontos que precisamos estabelecer.
Em primeiro lugar, devemos nos lembrar do que dissemos na introdução. Não
formulamos a verdade da depravação total com base na observação. Se o
fizermos, falharemos. Não devemos prestar atenção à sentença humana sobre
os homens. Antes, devemos prestar atenção à Palavra de Deus — a sentença
de Deus sobre o homem. O Deus que conhece o coração. Temos um
chamado, e esse é nos curvarmos diante da Palavra divina. E Deus diz que o
homem está morto.
Em segundo lugar, devemos dizer algo sobre essas ações aparentemente boas.
Ao que parece, esse problema, visivelmente já surgira nos dias de Agostinho.
Havia os que objetavam à doutrina de Agostinho sobre a mesma base. Mas
Agostinho fez um comentário muito incisivo: a bondade aparente praticada
pelos homens resulta do fato que, em sua existência, um tipo de cobiça
reprime e restringe outro tipo. Ele usou o exemplo de um homem coma vida
toda dominada pelo desejo de obter dinheiro. Esse homem está totalmente
concentrado em adquirir para si uma grande quantidade de bens materiais que
essa cobiça é algo que se sobressai em sua vida e a marca. É uma força
completamente propulsora que bane todas as outras cobiças. Na busca pelo
ganho, ele se esquece de todos os outros prazeres. Ele não quer gastar seu
dinheiro em glutonaria, bebedice e na vida desordenada. Ele come e bebe
com moderação, não gasta seu precioso tesouro de ouro e prata em uma vida
adúltera. Acha isso tolice, pois seu objetivo é obter dinheiro pelo próprio
dinheiro. Essa é a explicação da bondade aparente praticada pelos homens.
Uma cobiça restringe a outra. Essa foi a resposta de Agostinho. E ela é
verdadeira.
Você pode chamar essas coisas que o homem faz de “boas”? Você pode
chamá-las de boas quando um homem abre mão dos prazeres do adultério
para acumular para si maiores quantidades de riquezas? Isso é bom aos olhos
de Deus? Sem dúvida não. O mesmo é verdade em relação à aparente
filantropia humana e suas muitas obras de misericórdia. A única força
motivadora na vida de algumas pessoas é o desejo de honra e
reconhecimento. Orgulho é pecado! E o homem sempre tenta se exaltar
diante dos olhos dos seus semelhantes. Nesse impulso concupiscente e
predominante em busca de honra e fama, ele está disposto a aumentar
bastante suas doações e a partilhar suas riquezas com os semelhantes para
que estes o possam louvar e ele ouça, como música aos ouvidos, a aclamação
de quem vive com ele. Isso é bom? Como poderia ser?
No sentido amplo da palavra, isso é verdade em toda a história deste triste
mundo. Ao criar Adão no paraíso, Deus o colocou neste belo mundo apenas
para que Adão pudesse amar a Deus com todo o seu coração, a sua mente,
alma e força. Ele recebeu o mundo para glorificar o Criador. Essa era a única
razão da sua existência. Mas Adão se recusou e inclinou os ouvidos em
direção ao Diabo. Ele lhe ouviu os sussurros do Diabo: “Como Deus, sereis
conhecedores do bem e do mal” [Gn 3.5]. Adão tomou o lado do Diabo. Mas
esse era o propósito do Diabo — seu propósito resoluto de tirar Deus do
trono e de lhe roubar o mundo. Ele contou com a ajuda do homem para
realizar seu intento. Portanto, o pecado significa (desse ponto de vista) que o
homem que permanece do lado do Diabo é dirigido em tudo o que faz a
buscar o objetivo perverso de fazer deste mundo o reino de Satanás. Isso é
fator determinante de tudo. É essa a exata natureza do pecado. É ódio para
com Deus. É rebelião contra o Altíssimo. E é, portanto, a tentativa
desesperada e infindável do homem de se apropriar do mundo em que foi
posto e fazê-lo seu; expulsar Deus do mundo que lhe pertence; depor Cristo
do seu trono; tornar este universo subserviente à causa do pecado. E, para
realizar esse objetivo, ele está disposto a utilizar cada esforço à sua
disposição e a usar todos os meios disponíveis. E se ele deve, para alcançar
esse objetivo, esquecer-se por um tempo de certos prazeres para concretizar
esse, está disposto a fazê-lo. Assim, ele tem conhecimento de que o governo
não for instituído e criar leis e aplicá-las, a anarquia prevalecerá. E a anarquia
o impedirá de alcançar seus objetivos. Dessa forma, ele não só criará leis,
como também conformará a vida a elas. Isto é, ele continuará a proceder
assim enquanto for necessário até expulsar Deus do mundo que lhe pertence.
Enquanto crer na possibilidade de escapar com segurança da fúria da ira
divina — a consequência do pecado — ele fará tudo o que lhe agradar. Ele se
sentará de braços cruzados e com orgulho dirá: “O mundo é meu. Deus se foi.
Posso fazer tudo o que desejar — pecar tanto quanto quiser. Não há mais
necessidade de temer as consequências do pecado. Deus foi banido do seu
trono”. Tudo o que o homem faz, portanto, (toda a bondade aparente) é
determinada por esse desejo prioritário. Ele pode permanecer nas fronteiras
do espaço, fazer invenções maravilhosas no campo da ciência. Mas isso
decorre de seu engajamento na luta desesperada para arrancar este mundo das
mãos do Criador. Ele não descansará até alcançar esse objetivo. Trata-se do
princípio mais profundo de sua vida. Essa é a razão de todo pecado da raça
humana culminar no homem do pecado, o filho da perdição, o anticristo. No
anticristo ele pensa ter alcançado seu objetivo.
De fato, a depravação do homem é total.
III. Qual é a importância desta doutrina?
Há duas considerações que devemos fazer como conclusão.
Primeira, a importância desta doutrina é teológica.
Isso significa duas coisas.
Em primeiro lugar, a verdade da depravação total não é uma doutrina isolada.
Ela está intimamente conectada e entrelaçada com os outros quatro pontos do
calvinismo. E por ser verdade, essa doutrina está conectada de forma
indissolúvel com toda a verdade da Escritura. É com boa razão que o belo
Catecismo de Heidelberg começa a apresentação da verdade com uma
declaração expressiva sobre a depravação total:
P. 8. Somos então tão corrompidos ao ponto de sermos totalmente incapazes de fazer
bem e inclinados a todo o mal?
R. Somos sim, a não ser que renasçamos pelo Espírito de Deus.[13]
É sobre esse fundamento que o Catecismo erige toda a estrutura da verdade.
A verdade da depravação total é parte de toda a verdade da Escritura. Caso
essa verdade seja negada, suavizada, enfraquecida de qualquer forma, torna-
se impossível preservar qualquer uma das verdades da Palavra de Deus. Isso
tem se provado verdadeiro ao longo da história. É exatamente essa a natureza
do caso. Assim, essa verdade também se aplica aos cinco pontos do
calvinismo. A negação da depravação total conduz à negação da graça
soberana. Essa, por sua vez, leva à negação da expiação limitada e da eleição
incondicional. E por uma questão de lógica também se abandona a
preservação dos santos. Este capítulo não comporta a demonstração detalhada
dessa realidade, mas ela será apresentada nos capítulos seguintes. Deveria ser
claro, no entanto, que não sendo o homem totalmente depravado, faz-se
desnecessária a graça soberana. Como consequência de sua depravação não
ser total, ele é capaz de fazer o bem e capaz de participar da obra da salvação.
Por isso, a graça não é soberana. As duas verdades permanecem ou caem
juntas. E isso acontece com toda a verdade.
Em segundo lugar, tudo isso significa (de forma muito séria) que a
depravação total é a única verdade que preserva intacta a glória de Deus. Na
medida em que se atribui o bem ao homem, retira-se a glória do único Deus
digno de adoração. Dessa forma o homem é descrito de modo diferente da
sentença terrível da Escritura. Deus deixa de ser o soberano glorioso e santo
dos céus e da terra.
E isso nos leva ao último ponto. Essa verdade é também importante no que
diz respeito à vida do filho de Deus.
A doutrina da depravação total não é um dogma frio e abstrato. É uma
confissão viva do povo de Deus. No entanto, mesmo essa confissão não é
algo que ele faça por si mesmo. É o fruto da graça. Característico do pecador
é a exaltação pessoal com orgulho, presunção e arrogância. Com sua
vanglória espantosa, ele se recusa a admitir sua depravação total e se gaba da
própria bondade diante da face do Altíssimo. Mas quando a luz da santidade
de Deus e o poder soberano da graça penetram no coração do filho eleito de
Deus, ele se vê exposto diante do perscrutador de corações, e então ouve
retumbar nos ouvidos a sentença terrível da Escritura. Ele se enxerga indigno,
corrupto, depravado, incapaz de fazer qualquer bem. E as palavras dos santos
de todas as eras são essas: “Eis que eu nasci em iniquidade, e em pecado me
concebeu minha mãe” [Sl 51.5], “Deus, tem misericórdia de mim, um
pecador”. “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta
morte?” [Rm 7.24].
Esta é a confissão viva do filho de Deus. E quando esta confissão adere à sua
alma e ele se vê como é de verdade, como a Palavra de Deus o descreve,
então, com os olhos cheios de lágrimas pode também ver a cruz. Apenas
nesse momento. Por meio da consciência do pecado ele pode perceber a
maravilha, o poder da cruz; a misericórdia e a graça reveladas ali; o infinito
esplendor e amor divinos manifestos no madeiro manchado de sangue. E
contemplar isso, ele percebe a maravilha da graça soberana, e do seu coração
surgem palavras de louvor e glória a Deus — o Deus da sua salvação.
Se aceitarmos incondicionalmente os ensinos da sagrada Escritura, não pode
haver dúvida na nossa mente de que Deus escolheu de modo soberano os que
seriam salvos.
[…]
A doutrina bíblica da eleição significa que Deus desde a eternidade
determinou de forma soberana quem seria salvo em Cristo Jesus, ordenou
todas as formas e meios para sua salvação […] trata-se de uma eleição
pessoal, soberana e orgânica.
Rev. Herman Hoeksema
Capítulo 2: Eleição incondicional
Prof. Herman Hanko
O que segue é uma declaração da doutrina da divina predestinação:
Que Deus, por um eterno e imutável plano em Jesus Cristo, seu Filho, antes que
fossem postos os fundamentos do mundo, determinou salvar, de entre a raça humana
que tinha caído no pecado — em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo —
aqueles que, pela graça do Santo Espírito, crerem neste seu Filho e que, pela mesma
graça, perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim; e, por outro lado,
deixar sob o pecado e a ira os costumazes e descrentes, condenando-os como alheios a
Cristo, segundo a palavra do evangelho de João 3.36 [“Quem crê no Filho tem a vida
eterna; o que, porém, desobedece ao Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a
ira de Deus”] e outras passagens da Escritura.[14]
Poderia ser muito interessante perguntar aos leitores se eles consideram essa
descrição particular da predestinação uma definição aceitável da doutrina. De
fato, caso alguns deles achem essa definição aceitável e precisa de acordo
com a Escritura, isso seria apenas um testemunho eloquente do fato de que a
doutrina da eleição é totalmente estranha à igreja reformada no mundo atual.
A verdade é que essa citação é o primeiro ponto composto pelos arminianos
na primeira parte do século XVII, que junto com os quatro outros pontos da
doutrina, os arminianos submeteram às igrejas reformadas dos Países Baixos
para consideração e aprovação. E quando nossos pais consideraram essa
declaração a respeito da doutrina da eleição, eles a rejeitaram como por ser
totalmente herética; e compuseram uma resposta a ela no primeiro capítulo de
Os cânones de Dort.
Alguém poderia perguntar: O que há de tão errado nessa declaração? Não é
concebível que nossos pais e as igrejas reformadas que rejeitaram essa
declaração estivessem se preocupando com detalhes menores e
insignificantes? Afinal, essa não é uma definição aceitável da doutrina da
eleição em torno da qual todos nós podemos nos unir? A resposta dos pais foi
o mais enfático e veemente “não”. Essa deveria ser também nossa resposta.
Se citarmos mais uma vez a declaração principal dessa definição, talvez o
erro se torne aparente:
Que Deus […] determinou salvar […] em Cristo […] aqueles que […] crerem neste
seu Filho e que […] perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim.
De modo especial, esta é a frase de cujo teor nossos pais discordaram. A
objeção é: embora a declaração dos arminianos tenha sido formulada na
linguagem aparentemente bíblica e reformada, todavia ela constitui a
introdução da doutrina da eleição condicional na fé das igrejas reformadas: a
eleição se baseia na fé prevista e na perseverança da fé. E nossos pais
insistiram, contra essa declaração, que a verdade da Escritura, das confissões
reformadas e das igrejas reformadas desde o tempo da Reforma era a verdade
da eleição incondicional.
Essa verdade é o assunto deste capítulo.
É evidente que todos os cinco pontos do calvinismo — sobre os quais este
livreto versa — são importantes. De fato, caso se negue qualquer dos cinco
pontos, a herança reformada estará completamente perdida. Mas é certo que a
verdade da eleição incondicional permanece o fundamento de todos eles.
Essa verdade é a pedra de toque da fé reformada. É a base da verdade de
Deus com respeito à nossa salvação. É o próprio coração e cerne do
evangelho. É a base do conforto e da segurança do povo de Deus em meio ao
mundo. Só ela inspira no coração dos fiéis a esperança ardente da vida eterna.
Sem dúvida é precisamente por essa razão que nenhuma outra verdade em
toda a história da igreja tem sido atacada de modo tão cruel e regular como a
verdade da eleição incondicional. Contudo, ninguém pode alegar ser
calvinista ou reformado sem o compromisso firme e permanente com esta
verdade preciosa.
Debateremos esta verdade por meio das três questões seguintes que serão
formuladas e respondidas:
I. O que se quer dizer com eleição incondicional?
II. Quais são as negações dessa verdade?
III. Qual é sua importância para a Igreja?
I. O que se quer dizer com eleição incondicional?
Antes de passarmos à definição do significado da eleição incondicional, é
importante recordar de forma sucinta a história dessa verdade na igreja. De
maneira geral, estamos acostumados a traçar a verdade da eleição
incondicional até a Reforma promovida por Calvino. Todavia, Calvino não
foi o primeiro a desenvolver essa verdade. Mesmo assim, como ocorre com a
verdade da depravação total, assim também em relação a esta verdade,
Agostinho, que viveu mais de um milênio antes, no século V d.C., foi o
primeiro a mencioná-la. Caso reflitamos sobre isso por um momento, a
conclusão não será surpreendente. Agostinho assumiu o posicionamento
teológico de que o homem é totalmente depravado. Com isso ele queria dizer
que o homem é incapaz de fazer qualquer bem. E de forma mais enfática: o
homem é incapaz de fazer qualquer coisa que contribua para a própria
salvação. Portanto, em resposta à questão de como os homens são salvos,
Agostinho respondeu que o poder da salvação deve ser encontrado só na
força da graça soberana e imerecida. Não existe outro poder de salvação além
dela. De imediato, porém, surge a questão: se o poder da salvação é a força
da graça soberana e imerecida, totalmente independente do homem, como
alguns homens são salvos e outros não? A resposta a essa questão Agostinho
encontrou no decreto da eleição e reprovação. Assim, ele desenvolveu essa
verdade como parte da resposta ao erro do pelagianismo.
É triste dizer que essa verdade nunca foi oficialmente aceita pela Igreja
Católica Romana de acordo com a definição de Agostinho. Embora Roma
honre Agostinho com “pai da igreja”, suas doutrinas foram logo preteridas.
Nas eras sombrias que separam Agostinho de João Calvino poucos homens
mantiveram essa verdade com a ênfase dada a ela por Agostinho. Um deles
foi Gottschalk,[15] um teólogo alemão que, tendo lido Agostinho, convenceu-
se da verdade da predestinação soberana. Ele foi preso por ensiná-la e pagou
o preço com a morte de mártir, apodrecendo em um calabouço imundo na
França, sentenciado ali pela igreja.
Portanto, foi apenas no tempo da Reforma protestante que a verdade da
predestinação soberana foi trazida à tona. Lutero cria nela, manteve-a e a
ensinou com ênfase. Mas Lutero nunca fez dela parte de sua teologia. A
principal preocupação de Lutero era a verdade da justificação pela fé; e ele
nunca desenvolveu a verdade da predestinação soberana com toda a ênfase
bíblica.
Esse trabalho foi feito por João Calvino. E, de fato, caso haja razão para o
ódio a Calvino, ela se deve ao fato de ele ter mantido inabalável a verdade da
eleição incondicional.
Por isso este ponto da verdade se tornou parte importante do sistema
doutrinário de todas as igrejas que seguiam a teologia do reformador de
Genebra. A verdade da eleição incondicional foi incorporada às confissões de
fé de todas as igrejas reformadas e calvinistas não só na Europa, mas também
neste país [EUA].[16]
Na última parte do século da Reforma e na primeira parte do século XVII que
essa verdade foi atacada por Armínio. Ele era professor de teologia na
Universidade Reformada de Leyden, tendo estudado na Academia de
Genebra. Entretanto, ele repudiava abertamente a verdade da predestinação.
Mas, como acontece com frequência quando uma heresia é introduzida na
igreja de Cristo, também neste caso, Armínio e seus apoiadores tentaram
introduzir seu ensino na igreja sob a bandeira da fé reformada. Desejaram
fazer passar sua heresia como ensino da Escritura, alegando que ela deveria
integrar a confissão das igrejas reformadas. Mas nossos pais colocaram em
linguagem explícita que a eleição condicional arminiana não representava a
verdade da Escritura nem a herança da Reforma calvinista e reformada.
Não é difícil entender porque os arminianos ensinavam a eleição condicional.
Para começar, eles não criam na depravação total. Queriam preservar no
homem a liberdade da sua vontade — o poder da vontade do homem de
escolher o bem, de aceitar a oferta do evangelho. Sua contenção era a favor
do amor de Deus a todos os seres humanos; o ódio e a ira eram estranhos à
natureza divina; a intenção e o desejo de Deus era salvar todos os homens;
portanto, Deus tornou a salvação disponível e obtenível a todos os homens
por meio da expiação universal — a cruz universal sobre a qual Cristo
morreu pelos pecados de todos os homens. Mas é claro que nesse sistema
proposto pelos arminianos, não há lugar para a eleição incondicional. Assim,
enquanto os arminianos desejavam reter a linguagem reformada e bíblica e
falar da eleição, eles arrancaram o coração dessa bela e importante verdade
ao insistir na condicionalidade da eleição. Os arminianos ziem: Deus elege os
que crerão; ele elege os que aceitarão o evangelho que lhes é oferecido. Deus
elege os que, por um ato da própria vontade, aceitarão o evangelho e também
perseverarão na aceitação do evangelho e manterão a fé uma vez exercida. A
eleição se baseia nessa obra do homem.
Mas foi precisamente a essa descrição a respeito da verdade da eleição que
nossos pais se opuseram de forma enérgica. Eles não a consideraram um
ponto menor, um detalhe insignificante da verdade, que tinha lugar nas
igrejas reformadas. Eles a viram como uma ameaça à verdade, um ensino que
arranca o coração de toda a verdade da Palavra de Deus. Eles a consideraram
uma ameaça destruidora da verdade da obra da salvação provida por Deus de
acordo com o ensino da Escritura. E eles insistiram, portanto, que a eleição é
incondicional.
O que se quer dizer com eleição?
Há várias palavras da Escritura para definir essa verdade. O próprio termo
“eleição” é usado em Romanos 9.11, 12:
E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para
que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por
aquele que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo domais moço.
As outras duas palavras “conhecer de antemão” e “predestinar” são usadas
em Romanos 8.29, 30:
Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses
também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.
Quando a Escritura fala de eleição, é evidente que isso se refere ao conselho
de Deus. Em Efésios 1.3, 4, 9, 11 o apóstolo Paulo descreve a eleição nessas
palavras:
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda
sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu
nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele
[…] desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que
propusera em Cristo, […] nele, digo, no qual fomos também feitos herança,
predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o
conselho da sua vontade.
Se, portanto, vamos entender a verdade da eleição, devemos debater de forma
concisa a verdade do conselho de Deus. O formato não permite o debate
dessa verdade importante de maneira detalhada, mas algumas considerações
devem ser feitas.
Em primeiro lugar, é importante observar que o conselho de Deus não pode
ser comparado com um plano — como muitas vezes se faz. Falamos do
conselho de Deus como um plano; mas é possível que ao usarmos essa
terminologia, tenhamos em mente algo como o plano de um arquiteto que faz
o desenho de um projeto de construção. O conselho de Deus não é desse tipo
de plano. Ele não foi escrito em um pedaço de papel e arquivado em algum
ponto no céu. Nem é o conselho de Deus algum tipo de plano similar a um
curso de ação proposto em nossa mente. Por exemplo, se pretendemos viajar,
elaboramos nossos planos para a viagem. Mas não é dessa forma que
devemos considerar o conselho de Deus.
Antes, o conselho de Deus é sua vontade viva. É a vontade viva do Deus do
céu e da terra. Essa é a verdade fundamental a partir da qual se segue de
forma necessária todo o restante da verdade do conselho de Deus. Negá-la
significa de fato desaprovar a totalidade do conselho de Deus.
Em segundo lugar, o conselho de Deus é eterno. A vontade divina é a
vontade do Deus eterno. Se Deus é eterno e sua vontade é eterna, seu
conselho é igualmente eterno. De forma resumida, isso significa que Deus
nunca age sem seu conselho. A criação e o mundo tiveram princípio. Deus
não! Ele está acima do tempo, intocável pelos momentos passageiros do
tempo, habitando na serenidade da eternidade. A verdade de Deus é verdade
do seu conselho.
Em terceiro lugar, pelo fato de o conselho de Deus ser sua vontade viva, o
conselho de Deus é também absolutamente imutável. O profeta Malaquias
informou a Israel “… eu, o SENHOR, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó,
não sois consumidos” (Ml 3.6). A imutabilidade do próprio ser de Deus é
também a imutabilidade do seu conselho eterno. Não há nada que possa
alterar seu conselho; nada que possa forçar Deus a revisá-lo em algum ponto;
nada que possa introduzir uma alteração ou correção no conselho de Deus no
conselho de Deus. Ele é eterno e imutável. Algumas vezes usamos a seguinte
expressão: “A oração muda as coisas”. Não é claro e evidente o que se quer
dizer por essa expressão vaga e ambígua. Todavia, caso o significado seja
que, por meio das nossas orações, a vontade e o conselho de Deus sejam
alterados, e que ele passe e fazer o que não estava originariamente
determinado a fazer, então essa expressão deve ser condenada. Não há nada
que possa mudar ou mude o conselho de Deus.
Em quarto lugar, pelo fato de o conselho divino ser sua vontade viva, ele é
eficaz em sentido soberano. Tudo o que Deus determinou fazer em seu
conselho ocorrerá. Nenhum poder pode frustrá-lo. Todo o poder pertence a
Deus. Nenhuma contingência da vida pode impedi-lo de acontecer. Tudo o
que Deus determinou fazer em seu conselho eterno e imutável com certeza se
dará com precisão absoluta, como ele determinou antes da fundação do
mundo.
Em quinto lugar, o propósito do conselho de Deus — a razão pela qual ele
fez seu conselho — é a glória do seu nome. Deus determinou glorificar a si
mesmo. Não porque ele precise da glória para tornar sua vida perfeita. Não
porque sua glória seja incompleta. Não porque, em qualquer respeito, as
coisas que ele determinou em seu conselho tornarão sua glória mais rica e
plena do que é. Mas apenas pelo fato de ele ter escolhido revelar a glória do
seu ser para que sua glória possa ser reconhecida. Tudo o que Deus faz,
portanto, é determinado pela procura de sua glória.
Mas Deus, de acordo com a Escritura, deseja glorificar a si mesmo por meio
de Cristo. Essa é a ênfase completa da bela passagem de Efésios 1, que
menciona a eleição. Deus determinou tornar sua glória conhecida por meio de
Cristo. Isto é, por meio do Cristo que nasceu de uma virgem e viveu entre
nós; que sofreu e morreu na cruz; que Deus ressuscitou em poder e glória
dentre os mortos; que ele exaltou nas alturas celestiais; o Cristo que virá pela
segunda vez no fim dos tempos para estabelecer o reino eterno de justiça; por
meio dele Deus revela toda a glória do seu ser divino. Cristo é a plenitude da
revelação da glória de Deus.
É isso que nos traz ao cerne do assunto, porque tão logo digamos “Cristo”,
devemos dizer também “o eleito”. Não há Cristo à parte do eleito. Ele nasceu
em Belém, mas veio em nossa carne. Ele morreu na cruz no lugar do seu
povo para satisfazer a justiça divina que demandava o castigo para o pecado.
Ele ressurgiu da sepultura para conquistar a morte a favor do seu povo. Ele
está no céu, à direita de Deus, para orar pelo povo e preparar todas as coisas,
para que seu povo possa chegar a ele em glória eterna. E tudo isso é verdade
porque os eleitos foram escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo.
Deus, determinado a glorificar a si mesmo em Cristo, decidiu dar glória a si
mesmo por meio do povo eleito que ele escolhe em Cristo e que está
destinado a habitar com Cristo para sempre na vida eterna.
Esta é a verdade do conselho de Deus. Assim, tudo o que dissemos com
respeito ao conselho de Deus deve ser dito de igual modo a respeito da
predestinação — tanto da eleição quanto da reprovação.
A eleição é, portanto, o decreto de Deus feito na eternidade, e por meio do
qual, com liberdade soberana, ele escolheu para si mesmo um povo, sobre o
qual determinou colocar seu amor, e resgatá-lo do pecado e da morte por
meio de Jesus Cristo, para si mesmo em glória eterna.
Essa eleição é soberana — a escolha livre e soberana de Deus. Essa eleição é
eterna, da mesma forma que o conselho de Deus é eterno. Essa eleição é
imutável, como o conselho é imutável. Essa eleição é eficaz, de forma que o
decreto da própria eleição é, por meio de Cristo, o poder pelo qual os eleitos
são salvos de verdade.
A eleição é, portanto, definida e particular. Talvez isso precise de ênfase.
Algumas pessoas afirmam que a eleição é uma escolha geral da parte de
Deus, de forma que ele sua decisão diz respeito apenas a salvar algumas
pessoas. Mas o decreto da eleição não decide com exatidão quem será salvo.
Isso, uma vez mais, é a antiga e já conhecida manobra arminiana. Decidiu-se
apenas que Deus salvará alguns; mas precisamente quem ele salvará é algo
decidido pela resposta humana à oferta do evangelho. Isso não é eleição —
nem na Escritura nem de acordo com a herança reformada. Deus conhece os
seus desde antes da fundação do mundo e os escolhe, sabendo-lhes o nome e
registrando-os nas páginas do Livro da Vida. Dessa forma, cada um dos
eleitos permanece diante pela eternidade na mente e no coração de Deus
como alvo do seu amor.
Ora, isso sim é eleição incondicional. Cremos na eleição incondicional. Esta
verdade da eleição incondicional deve ser mantida, pois se opõe à heresia
arminiana que defende a eleição condicional.
Uma vez mais, deveria ficar claro que a verdade da eleição incondicional não
é apenas uma distinção sutil, um detalhe pequeno e insignificante. Quando
nossos pais insistiram na verdade, eles não estavam interessados em debater
— como são acusados de modo bem frequente. Os arminianos estavam
destruindo toda a obra de Deus referente à salvação quando propuseram sua
heresia. Esteja certo de que o mesmo é verdade hoje. É muito injusto acusar
os que mantêm a verdade da eleição incondicional de apego a detalhes
insignificantes acerca da verdade. O fato é que, a menos que se mantenha a
eleição incondicional, inexiste eleição. Tornar a eleição condicional o cerne
equivale a retirar a verdade da salvação, pois se nega o poder da graça
soberana como a capacidade divina de salvar a quem ele escolheu para lhe
pertencer. Então se nega a expiação limitada, ainda quem essa verdade seja
ensinada em cada página da Escritura. Exclui-se também a depravação total e
muitas coisas boas passam a ser encontradas no homem —das quais a
principal é a capacidade de ajudar na obra da salvação. A eleição condicional
pavimenta o caminho para todas essas outras heresias. Tudo se encaixa aqui,
pois a escolha divina não seria soberana, e sim dependente da reação humana
à salvação oferecida por Deus com amor, mas que não será apropriada pelo
homem a menos que a receba pelo próprio poder de aceitá-la ou rejeitá-la.
Talvez não seja inadequado observar de passagem que a posição dos
arminianos é extremamente intricada e complicada. É difícil, para dizer o
mínimo, entender a posição arminiana. Surgem dela muitas questões que os
próprios arminianos preferem não responder, mas eles desprezam com a
evasiva conveniente de que essas são “contradições aparentes”. Por exemplo,
se Deus deseja salvar todos os homens, mas todos os homens não são salvos,
não teria o propósito divino sido frustrado pelo homem? Não é o soberano e
todo-poderoso Deus dos céus e da terra sobrepujado pela força débil do
homem? A resposta inevitável a essa pergunta embaraçante é: Essa é uma
contradição aparente que não podemos explicar. Mas, sem dúvida, contra
essa posição complicada e intricada dos arminianos, a verdade da Escritura é
clara e fácil de entender. Não se trata de os homens concordarem com ela ou
não. Entretanto, os homens podem entendê-la. Ela é simples o suficiente para
a compreensão de uma criança. Ela evita todas as questões perigosas e
embaraçosas do arminianismo.
De forma independente de seu possível significado e suas implicações,
devemos sustentar a verdade da eleição incondicional. O que ela significa?
Antes de tudo (e em sentido negativo) ela significa que nos decretos da
eleição Deus não escolhe tomando por base com algo encontrado no homem.
De forma nenhuma ele não baseou sua escolha no homem, em sua bondade,
suas obras, sua fé ou na santidade humana; tampouco na fidelidade do
homem ao evangelho. Não se encontra no homem nada bom. Foi uma
escolha livre e soberana de Deus. Ele a fez sem qualquer consideração a
respeito dos homens. O apóstolo Paulo expressou isso em Romanos 9.10-13.
Paulo fala de Jacó e Esaú — filhos de Isaque e Rebeca. Ele escreve:
E não ela somente, mas também Rebeca, ao conceber de um só, Isaque, nosso pai. E
ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que
o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele
que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. Como está
escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú.
A mesma verdade foi expressa na antiga dispensação, quando Israel foi
levado aos limites de Canaã. Deus disse a Israel por meio de Moisés:
Não vos teve o SENHORafeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do
que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos
amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com
mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito.
(Dt 7.7,8)
A escolha de Deus não ocorreu por Israel contar com algum traço distintivo,
para separá-lo de todas as outras nações. A única razão pela qual Deus
escolheu Israel foi porque Deus o amava. Sua escolha foi livre e soberana.
Em segundo lugar, e em sentido positivo, essa eleição foi baseada apenas no
beneplácito da vontade divina. Em Efésios 1.4 e versículos seguintes essa
verdade é apresentada.
Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos
santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para filhos de adoção
por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade.
Essa é a única base para a eleição. Deus escolheu porque lhe pareceu bem
fazê-lo. A causa foi o beneplácito de sua vontade eterna e imutável. Isso
ocorreu porque ele determinou glorificar a si mesmo da forma selecionada
por si mesmo, por meio do povo que designaria.
Em terceiro lugar, isso significa que todas as bênçãos da salvação fluem do
decreto de eleição. Não fomos escolhidos por crermos, mas porque Deus se
agradou em nos escolher. A fé e a perseverança na fé são bênçãos que nos
sobrevêm por causa da eleição. Eleição é a fonte de todas as boas obras.
Nossos Cânones (como esperado) dão muita ênfase a isso.
Deus nesta vida concede a fé a alguns enquanto não concede a outros. Isto procede do
eterno decreto de Deus. (1.o Capítulo, Artigo 6)
Esta eleição não é baseada em fé prevista, em obediência de fé, santidade ou qualquer
boa qualidade ou disposição, que seria uma causa ou condição previamente requerida
ao homem para ser escolhido. Ao contrário, esta eleição é para a fé, a santidade etc.
Eleição, portanto, que é a fonte de todos os bens da salvação e, finalmente tem, a
própria vida eterna como seu fruto… (1.o Capítulo, Artigo 9)
Em relação a isso, uma palavra deve ser dita também com respeito à verdade
da reprovação, embora o espaço nos proíba entrar em detalhes.
Em primeiro lugar, deve-se destacar que a verdade da eleição e reprovação
permanecem em pé ou caem juntas. Negar a eleição é negar a reprovação.
Negar a reprovação é negar a eleição. Crer na eleição é crer na reprovação.
Crer na reprovação é crer na eleição. Não há como fazer concessão neste
ponto. Calvino tem uma bela citação a respeito disso em A instituição da
religião cristã. Ele escreve o seguinte no Livro III, Capítulo XXIII,
Parágrafo 1:
Muitos, fingindo que querem manter a honra de Deus e evitar que se lhe faça alguma
acusação falsamente, admitem a eleição, mas de tal maneira que negam que alguém
seja reprovado.

Mas nisto se enganam grandemente, porque não existiria eleição, se, por outro lado,
não houvesse reprovação. Diz-se que Deus separa aqueles que adota para que se
salvem. Seria, pois, um notável desvario afirmar que os outros alcançam por
casualidade ou adquirem por sua indústria o que a eleição dá a poucos. Assim,
aqueles por que Deus passa ao eleger, reprova-os; e isto só pela razão de que Ele os
quer excluir da herança que predestinou para seus filhos. Não se pode tolerar a
obstinação dos que não permitem que se lhes ponha freio com a Palavra de Deus,
tratando-se de um juízo compreensível seu, que até os próprios anjos adoram.
Isso é calvinismo e fé reformada.
Em segundo lugar, o decreto de reprovação divina também é um decreto do
seu conselho soberano, eterno e imutável. De acordo com esse decreto, Deus
determinou revelar sua justiça, ira e seu ódio ao pecado, e dessa forma a
santidade do seu ser divino, nos vasos de ira preparados para a destruição e
castigo por toda a eternidade no inferno por causa dos pecados deles.
Esta é a verdade da reprovação.
II. Quais são as negações dessa verdade?
Não é nem um pouco estranho que a verdade da predestinação seja negada de
modo quase universal. A parte triste é sua negação também por quem levanta
a bandeira reformada e alega ser calvinista. Isso é engano.
Há muitas formas de negar a verdade.
Já discutimos a negação do arminianismo. Hoje é evidente que quem adota a
posição arminiana de fato não ensina a doutrina da predestinação. Ela foi
perdida. O arminianismo em especial não tem lugar para a predestinação.
Há outros que negam a verdade apenas silenciando a respeito dela. Talvez
essa seja mais comum que qualquer outra forma de negação nos círculos
reformados. As pessoas dizem crer nela. Mas a omitem de propósito em todas
as suas pregações, todos os ensinos e escritos. A ideia é, sem dúvida, sufocá-
la com o silêncio. Isso também equivale a negar a predestinação. A
justificação apresentada para esse silêncio é que as coisas ocultas pertencem a
Deus. Alega-se que a predestinação pertence às coisas ocultas de Deus, ao
passo que devemos enxergar apenas o conteúdo da revelação concedida a nós
e a nossos filhos. Embora os proponentes dessa alegação insistam crer nessa
doutrina da predestinação, eles se mantêm silentes a respeito dela porque
alegam que ao mencioná-la acabam interferindo nas coisas secretas que não
lhes dizem respeito. Mas tudo isso não é verdade. Ainda que Deus, de fato,
não tenha revelado de forma específica a identidade de cada um dos seus
eleitos, a verdade da eleição em si é encontrada em todas as páginas da
Escritura. Vire-se para na direção que desejar e, se ela não for declarada de
maneira explícita, ao menos se encontra inferida. E pelo fato de ser revelada
com tanta clareza, essa verdade deve constituir também a confissão do povo
de Deus.
Há outros que negam a eleição abertamente. Isso não é verdade só entre os
modernistas; é verdade também nos círculos reformados. Como exemplo
disso segue uma citação retirada de The Reformed Journal [A revista
reformada], edição de janeiro de 1967:
O que dizer da reprovação ou rejeição da parte de Deus? A eleição não implica
logicamente a rejeição? […] A eleição não significa na verdade seleção? […] A
eleição de Israel, embora algumas vezes compreendida de modo incorreto pelo
próprio povo, significa, em última instância, seu chamado para servir a outras nações.
Portanto, não decorre disso a exclusão das outras nações para sempre, mas de Deus
eleger Israel da sua forma para os outros. A eleição, no sentido bíblico, implica
serviço, mas ao que parece não envolve rejeição…
Há dois pontos principais do autor aqui. Em primeiro lugar, o autor ele diz
que a eleição não significa que Deus tenha determinado de forma eterna e
imutável, em Cristo, quem seria o povo destinado a viver com ele para
sempre no céu. Antes, a eleição significa apenas que Deus tomou a o povo de
Israel como nação e a separou para encarregá-la de levar o evangelho ao
mundo todo. De acordo com o artigo, esse é o significado do termo eleição.
Em segundo lugar, pelo fato de a nação de Israel ter sido escolhida para
constituir o veículo pelo qual Deus traz o evangelho ao mundo todo, não há
algo semelhante à reprovação ou rejeição, pois o mundo todo foi eleito em
Israel. E dessa forma, o autor afirma o que ele considera a verdade da
expiação universal e o amor universal de Deus.
Essa é uma negação franca da verdade da eleição e reprovação. Permanece
um mistério como isso pode aparecer sob o nome “reformado”.
Há outros que negam a verdade da predestinação levantando objeções contra
a doutrina. Essas objeções são tão velhas quanto a doutrina. As mesmas
objeções que ouvimos hoje já foram levantadas nos dias de Agostinho — de
fato, nos dias do apóstolo Paulo. Se as examinarmos, elas poderão ser
resumidas a duas principais:
Em primeiro lugar há série de objeções contra a doutrina contendo acusações
contra o próprio Deus. A objeção feita declara que a predestinação faz de
Deus um tirado, o autor do pecado, um ditador caprichoso que de forma
arbitrária escolhe alguns e rejeita os demais. Elas são similares às objeções
consideradas por Paulo considerou em Romanos 9.14, 19:
Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! [...] Tu, porém,
me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade?
Elas são objeções lançadas contra Deus e a justiça.
A outra classe de objeções trata da acusação de fatalismo. Dizem que a
verdade da predestinação é fatalista e similar à doutrina horrível dos
muçulmanos. Essas objeções objetivam acusar a verdade da predestinação de
tornar os homens pecadores descuidados e profanos. A doutrina desperta nos
homens a declaração: “Pequemos para que a graça abunde”. A doutrina força
os homens a dizerem: “Se sou eleito, vou para o céu sem importar o que eu
faça — mesmo que peque grandemente. Desfrutarei muito da vida, pois o
pecado não pode alterar minha eleição. Todavia, se eu não for eleito, não irei
para o céu, não importa quão corretamente conduza minha vida. Portanto, irei
para o inferno se for réprobo, mesmo que viva em santidade. Dessa forma,
devo aproveitar a vida o quanto puder, e pecar o máximo possível. Nada pode
alterar a determinação eterna de Deus”. Assim, dizem, que a doutrina da
predestinação destrói a responsabilidade e prestação de contas do homem, e
faz dele um pedaço de madeira e pedra.
Todas essas objeções são bem antigas.
O que responderemos?
Em primeiro lugar, de modo geral, há tempos essas questões são levantadas
pelo povo sincero de Deus. Eles não questionam para zombar da verdade;
antes o fazem pelo desejo do povo de Deus de entender a verdade com tanta
clareza quanto for capaz. Assim essas perguntas são perfeitamente legítimas.
Na maioria das vezes, entretanto, essas objeções são feitas por homens
perversos que odeiam a verdade. Elas são levantadas para caluniar a verdade,
tornar a doutrina odiosa à mente humana e tentar persuadir os homens a
descartar a doutrina. Quase sempre essas são objeções provenientes de
corações vis e não dos questionamentos humildes do povo de Deus.
É bom se lembrar disso, pois se a motivação for maligna, nada que a
Escritura afirme alterará essas objeções.
Em segundo lugar, devemos estar preparados para admitir o caráter muito
profundo dessa verdade Há de fato questões suscitadas pela mente que
seremos incapazes de responder. Calvino, por exemplo, nos faz lembrar vez
após vez que devemos nos limitar ao que a Escritura diz e não permitir que
perambulemos além dos caminhos pelos quais a Escritura nos leva. Onde a
Escritura nos diz para parar, devemos parar. E, se nesse ponto de parada,
ainda houver questões não respondidas, que assim seja; devemos nos curvar
com humildade diante da verdade da Palavra divina. Contudo, essa verdade é
algumas vezes usada para negar a verdade da predestinação de modo muito
sutil e para impedir de forma total a investigação dessa verdade. Assim, deve-
se enfatizar que, embora não possamos adentrar nos caminhos aos quais a
Escritura não nos leva, devemos seguir por onde a Escritura nos toma pela
mão e nos mostra a glória dessa obra divina. Quando a Escritura nos coloca
essa confissão nos lábios, ela deve de fato nos pertencer. Em terceiro lugar,
com respeito à primeira classe de objeções (acusar Deus de capricho e fazer
dele o autor do pecado), não podemos fazer melhor do que citar a resposta de
Paulo a objeções similares:
Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a
Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-
ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de
quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. Porque a Escritura diz a Faraó: Para
isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja
anunciado por toda a terra. Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também
endurece a quem lhe apraz. Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois
quem jamais resistiu à sua vontade? Quem és tu, ó homem, para discutires com
Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?
Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para
honra e outro, para desonra? (Rm 9.14-21)
Essa é a resposta da Escritura, e deve ser também a nossa.
Por fim, com respeito às acusações de fatalismo, todo filho de Deus sabe em
seu íntimo que elas não são verdadeiras. A história das igrejas reformadas é o
testemunho abundante de sua falsidade. Acaso essa história não foi escrita
com o sangue dos mártires, que não amaram a própria vida até a morte, por
crerem e confessarem a verdade da eleição eterna? Não existe uma longa
galeria de heróis da fé que amaram essa verdade e a confessaram, e sua vida
testemunha o poder da graça divina no coração de cada um deles?
Há motivos para isso. A verdade da eleição não significa apenas que
Deus escolhe os que integrarão seu povo; e não significa apenas a
determinação divina de que eles viverão no céu. Significa também que
Deus garante o caminho de santidade para seu povo no meio do mundo.
O decreto de eleição é o fundamento de todas as bênçãos da salvação. A
eleição foi realizada no Calvário. E nesse lugar a totalidade da salvação
foi operada. Essa mesma salvação é aplicada ao coração dos membros do
povo eleito de Deus pela graça soberana. Esse é o ponto que nossos
Cânones estabelecem de modo contínuo. Esta eleição não é múltipla,
mas ela é uma e a mesma de todos os que são salvos tanto no Antigo
Testamento quanto no Novo Testamento. Pois a Escritura nos prega o
único bom propósito e conselho da vontade de Deus, pelo qual ele nos
escolheu desde a eternidade, tanto para a graça como para a glória, assim
também para a salvação e para o caminho da salvação, o qual preparou
para que andássemos nele (Ef 1.4,5; 2.10). (1.o Capítulo, Artigo 8;
ênfase adicionada. V. tb. 1.o Capítulo, Artigos 6 e 9 citados acima.)
A eleição é a fonte de uma quantidade inumerável de bênçãos que fluem para
o povo de Deus. Pelo poder da eleição eles caminham como povo de Deus
em meio ao mundo. Cristãos descuidados e profanos? Não! Eleitos,
redimidos no sangue da cruz e santificados pelo poder da graça soberana.
III. Qual é sua importância para a Igreja?
A importância dessa doutrina deve ser encontrada em primeiro lugar no
significado teológico. Ela é a verdade central de toda a Escritura. Embora seja
literalmente ensinada em centenas de passagens da Palavra de Deus, ela é
também a verdade fundamental sobre a qual se baseia a totalidade da
Escritura como revelação divina. Está presente em cada passagem,
pressuposta em toda parte, a verdade que integra o todo da revelação divina.
E isso decorre do fato de a Escritura ser a revelação do Deus que salva. Deus
é soberano. Toda a glória pertence só a ele. Essa verdade desperta no coração
a contemplação do Deus adorável dos céus e da terra e nos faz prostrar em
adoração diante dele.
Sustentando essa verdade, portanto, toda a Escritura é uma bela unidade. São
desnecessárias distinções abstratas. Não é preciso seguir uma teologia de via
dupla. Ela é um conjunto maravilhoso. Deus é soberano na escolha do povo.
E por ser soberano, ele redime na cruz a quem escolhe. Ele, o soberano,
deposita seu amor sobre seu povo e odeia os ímpios todos os dias. Como
soberano, ele mostra favor por meio da cruz aos que lhe pertencem; mas
derrama sua ira sobre os praticantes da iniquidade. Portanto, também sua
graça nunca é comum. Ela é sempre particular — concedida por meio da cruz
aos objetos de sua escolha. E é de caráter irresistível porque os escolhidos por
ele sem dúvida serão conduzidos à salvação e bem-aventurança final.
A escolha, portanto, ocorre entre um ponto de vista ou o outro. Podemos
negar a verdade, mas então devemos também fazer de Deus um ser
impotente, formado de acordo com nossos pensamentos, dependente da
vontade instável do homem, reagindo depois de o homem fazer escolhas e
tomar decisões, alterando seu plano de acordo com os caprichos humanos,
totalmente dependente do ato final do homem. Ou fazemos nossa escolha a
favor da verdade da Escritura e sustentamos a verdade do grande e soberano
Deus dos céus e da terra, o único a quem pertence todo o louvor e toda a
glória para sempre.
Dessa forma, a doutrina da eleição, em segundo lugar, proporciona ao povo
de Deus consolo indizível. Somos apenas pecadores que aumentam dia após
dia o peso da própria culpa. Se a salvação fosse deixada a nosso critério,
seríamos lançados no mar tempestuoso da dúvida. Somos incapazes de
merecer algo da parte de Deus. Mas a eleição, a eleição soberana, é a rocha
inamovível sobre a qual permanecemos; e ali, estamos a salvo de todos os
danos. O eleito jamais perecerá: “Entretanto, o firme fundamento de Deus
permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais:
Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”
(2Tm 2.19). Deus preservará a obra da graça no coração dos seus até o final.
Não podemos fazer algo melhor que encerrar o debate nos valendo das
palavras de Paulo para terminar seu argumento a respeito desta verdade. Elas
são encontradas em Romanos 11.33-36:
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois,
conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu
a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são
todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.
Cristo é o sumo sacerdote do seu povo. E seu povo é constituído pelas
pessoas dadas a ele pelo Pai antes da fundação do mundo. Esses são os
eleitos, escolhidos e ordenados para a vida eterna como resultado da graça
livre e soberana. E seu sacrifício para expiar pecados, foi realizado, não por
todos os homens sem exceção, mas apenas pelos quais a quem o Pai
soberanamente ordenou para a vida eterna, e escolheu em Cristo.
[…]
A doutrina da expiação limitada está em harmonia com toda a Palavra de
Deus. A quem ele conheceu de antemão, e predestinou para a conformidade à
imagem do seu Filho, para que este fosse o primogênito entre muitos irmãos,
também é quem ele chamou, justificou e glorificou (Rm 8.29,30). Mas, sem
dúvida, isso implica que foi também por todos eles que Cristo se ofereceu na
cruz, pois seu chamado, justificação e glorificação descansam na expiação.
Rev. Herman Hoeksema
Capítulo 3: Expiação limitada
Prof. Homer C. Hoeksema
Hoje, quando se ouve a expressão “expiação limitada”, de imediato
vem à mente o debate e, até certo ponto, a controvérsia na comunidade
reformada exatamente acerca deste tópico. E, caso você espere que neste
capítulo eu tenha algo a dizer sobre as questões relacionadas com o que, de
modo geral, veio a ser denominado o “caso Dekker”, eis minha declaração.
[17]

Em relação a isto, desejo tornar o trecho a seguir seja de clareza


cristalina:
Em primeiro lugar, em hipótese alguma tenho interesse e intenção de
me ocupar com personalidades ou criticar ou atacar a igreja de quem quer que
seja, qualquer que seja o nome dessa igreja, ou me alegrar com as
dificuldades eclesiásticas de alguém. Não quero parte nenhuma nisso. A
questão da igreja e a questão da verdade de nossa herança reformada é séria
demais para tal. Portanto, que isso fique entendido.
Em segundo lugar, o outro lado da declaração anterior é que estou
interessado unicamente na verdade do evangelho e em seu progresso; e me
dirijo a vocês, leitores, nessa mesma base. Espero que você esteja interessado
na mesma coisa. E deixe-me logo acrescentar que para mim a verdade do
evangelho e a fé reformada são sinônimas.
Em terceiro lugar, portanto, a questão é: o que dizem nossas
confissões reformadas acerca dessa doutrina, e o que as Escrituras, a base de
nossas confissões reformadas, falam a respeito disso? Este é o único busílis.
O ponto da controvérsia não diz respeito a opiniões teológicas. Nem é
questão de popularidade — porque, com certeza, a verdade reformada não é
muito popular hoje. Tampouco se trata de algo aparentemente útil ou do que
possa ser útil ou nocivo na pregação ou no campo missionário. E também não
se trata do que gostaríamos de pensar. Porém, antes de tudo, o problema para
os crentes reformados é este: o que de fato nossas confissões — de subscrição
compulsória aos oficiais reformados —, têm a dizer? Com isto, se somos
reformados, temos que concordar. Caso contrário, então sejamos honestos o
bastante para dizer: “Não quero ser reformado”. No final das contas a questão
naturalmente diz respeito às Escrituras. Diante delas, diga-se o que quiserem,
você e eu não podemos apenas nos curvar.
Em quarto lugar, não pretendo desenvolver o assunto de forma
negativa: não gosto de ser negativo. Desejo desenvolver — tanto quanto
possível no curso do primeiro capítulo — a verdade reformada e escriturística
respeitante à expiação em sentido positivo, para, em seguida, destacar as
implicações negativas no tocante a vários desvios dessa verdade.
Em quinto lugar, espero que você compreenda que eu forçosamente me
restrinjo ao tentar esboçar as principais linhas e implicações dessa verdade
muito rica. Sem dúvida, vários capítulos poderiam ser devotados a esse único
tópico; e isso também seria recompensador. Porém, esse não é o propósito
agora; não vamos entrar em todos os detalhes do tema. Estamos antes
interessados nas principais linhas do chamado terceiro ponto do calvinismo.
Desejo delinear os pontos principais, admitindo seu acompanhamento da
exposição já feita por meu colega, o professor Hanko, nos dois capítulos
anteriores, estando também na expectativa de que você compreenderá as
implicações adicionais da doutrina da expiação como será explanada pelo
pastor Van Baren nos capítulos quatro e cinco deste livreto.
Por último, à guisa de introdução, havia tencionado devotar um ponto inteiro
da palestra ao assunto da importância relativa da verdade da expiação
limitada na totalidade dos cinco pontos do calvinismo e no todo da verdade
da salvação pela graça. Isso, contudo, seria alongar indevidamente o capítulo.
Contudo, antes de qualquer coisa, quero destacar, como introdução, que na
verdade da expiação limitada a doutrina da eleição soberana (e, na verdade, a
predestinação soberana, com os dois aspectos de eleição e reprovação) se
centraliza. A cruz é a realização e revelação objetivas do propósito
predestinador de Deus. A revelação da predestinação soberana de Deus na
cruz está pintada sobre o pano de fundo da realidade da depravação total do
homem, da condição natural total e desesperadamente perdida do homem. Há
na cruz o ponto focal da totalidade da verdade da salvação pela graça até
onde diz respeito ao irresistível chamado e à preservação e à glorificação dos
santos — deste ponto de vista, concentram-se na cruz e na expiação de nosso
Senhor Jesus Cristo de forma central e objetiva a totalidade da salvação do
povo de Deus, como é na prática percebido no coração e na vida dessas
pessoas. Na expiação que temos a garantia, a garantia absoluta, do chamado,
da preservação e da glorificação final do povo de Deus. A salvação pela graça
soberana é um sistema fechado — fechado a qualquer obra e ufania do
homem. É a obra só de Deus do princípio ao fim. Essa concepção está
exposta em Romanos 8.29, 30, nas bem conhecidas palavras: “Porquanto aos
que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a
esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”. O
que, segundo o conselho de Deus, foi fixado e terminado desde a eternidade
toda, antes da fundação do mundo, é reconhecido e revelado no tempo.
Após essas observações introdutórias, voltemos ao nosso tópico próprio:
EXPIAÇÃO LIMITADA. Peço a sua atenção para três aspectos do assunto: 1) A
expiação; 2) A natureza limitada da expiação; 3) A importância de sustentar
essa doutrina.
A expiação
Deixe-me dizer de início que pretendo seguir a ordem e a instrução do
2.o Capítulo de Os cânones de Dort. Será útil consultar esses artigos.
Em primeiro lugar, permita-me esclarecer o assunto de modo exato.
Deve-se notar que o assunto diz respeito ao sofrimento e à morte de nosso
Senhor Jesus Cristo. Isso provavelmente soa como truísmo. No entanto, ele
conta com essa dupla importância. Primeiramente, significa que todas as
palavras sobre a expiação lidam com um fato histórico, algo objetivo e real.
Não se discute algo que resta ser cumprido ou ser completado, mas algo já
cumprido dezenove séculos atrás. Tudo o que pertence à expiação está
acabado, pertence ao passado, é um fato consumado! Aqui devemos
distinguir a obra de Cristo para nós, efetuada na cruz, e a obra de Cristo em
nós, no que diz respeito à percepção, no coração e na vida do povo de Deus,
do que foi objetivamente executado na cruz. Tal percepção e aplicação dos
benefícios da salvação na experiência do povo de Deus não pertence ao
assunto deste capítulo. Em segundo lugar, esse ponto é importante porque a
questão não é apenas se Cristo sofreu e morreu. Mas a questão é: qual o
sentido, o alcance da morte de Cristo? Que Cristo morreu é um fato; e toda a
cristandade reconhece a morte de Cristo, independentemente do que digam
sobre seu sentido. Porém, há várias respostas, no curso da história
eclesiástica, à questão do que foi consumado por meio do sofrimento e da
morte do Senhor Jesus Cristo. Alguns dizem que foi só um exemplo. Outros
dizem — é a teoria governamental —, que foi uma demonstração do justo
governo do universo por Deus, destinada a trazer os homens ao
arrependimento e assim os salvar. Nós dizemos, baseados nas Escrituras: a
morte de Cristo foi expiação, ou seja, pagamento pelo pecado e aquisição da
justiça e da vida eterna. Mais ainda: dizemos que foi expiação vicária. Foi
substituição. Cristo não fez expiação por si mesmo, mas como substituto de
outros (sejam lá quem forem esses outros). Mais ainda: a fé reformada
sustenta, com base nas Escrituras, que a morte de Cristo foi uma expiação
vicária limitada. Isto é, Cristo expiou como substituto, não de cada um ou de
todos os homens, mas apenas de seu povo eleito.
Em segundo lugar, deixe-me esclarecer os termos.
Nenhum dos termos, limitada ou expiação, encontra-se em nossas confissões.
Nem serão achados nas Escrituras. Expiação ocorre por vezes na versão
inglesa King James, onde poderia ter sido vertida com mais propriedade
como “reconciliação”, ou como “propiciação, cobertura”. Limitada e
expiação são simplesmente termos dogmáticos que se desenvolveram no
vocabulário eclesiástico e são utilizados para descrever com concisão um
conceito perfeitamente escriturístico e confessional. A expressão expiação
cobre termos confessionais como redenção, redimir, adquirir, satisfazer,
sacrifício propiciatório etc. E cobre vocábulos bíblicos como reconciliação,
propiciação, resgaste, aquisição etc. Ela apenas contempla todos esses vários
termos escriturísticos e confessionais do ponto de vista muito básico que, até
onde o termo diz respeito, está estreitamente relacionado com a ideia de
reconciliação. Em inglês, expiação significa de fato, em sentido etimológico,
em concórdia.[18] Refere-se ao fato de que por meio da morte de Cristo Deus
realizou a reconciliação.
Da mesma forma, o termo limitada é usado de maneira dogmática para
descrever de modo sucinto uma verdade escriturística e confessional. A
palavra tem sido criticada por dar a impressão de sugerir um defeito, uma
deficiência ou limitação na morte de Cristo. Foram sugeridos substitutos que
talvez sejam melhores: substitutos como delimitada ou particular. Do ponto
de vista prático isso não diz muita coisa. Para os nossos propósitos o termo
está muito claro. Ele significa isto — e significa isto a todos os que o ouvem
—, que Cristo morreu e fez expiação pelos eleitos, e só por eles.
Em terceiro lugar, permita-me esclarecer o assunto em sentido histórico.
A doutrina da expiação limitada é a doutrina reformada concernente à morte
de Cristo e à redenção do homem por meio dela (conforme o título do 2.°
Capítulo de Os cânones de Dort) como foi oficialmente apresentada em
oposição à heresia arminiana da expiação geral ou universal. O segundo
ponto dos arminianos, o Artigo 2 da Remonstrância, ensina isto:
Que, em concordância com isso,[19] Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por
todos e cada um dos homens, de modo que obteve para todos, por sua morte na cruz,
reconciliação e remissão dos pecados; contudo, de tal modo que ninguém é
participante desta remissão senão os crentes. Segundo a palavra do evangelho de
João 3.16: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. E em
1 João 2.2: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos
próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro”.[20]
Portanto, os arminianos ensinam: 1) Que a expiação de Cristo é para todo
homem individualmente, de maneira que Cristo obteve reconciliação e perdão
de pecados para todos os homens. 2) Não obstante, a expiação é eficaz só nos
fiéis. Apesar de Cristo obter reconciliação e perdão para todos, nem todos
desfrutam da reconciliação e do perdão, mas apenas os crentes. Por
conseguinte, os arminianos ensinam a expiação geral cujo benefício e efeito
ficam na dependência da fé. Ensinam a expiação universal, mas não a
salvação universal. E eles de fato negam toda a ideia da expiação, como
veremos. É da mesma forma muito significativo reparar nos textos
mencionados. Pela citação que fazem desses textos manifestam o erro comum
arminiano de tornar o vocábulo bíblico “mundo” o equivalente a cada ser
humano em sentido individual.
Em oposição à doutrina arminiana está a doutrina reformada no 2.° Capítulo
de Os cânones de Dort.
Caso você se lembre dela, isso torna toda a questão da expiação agora
debatida em algo muito simples. É um ensino arminiano dizer que Cristo
morreu por todos os homens. Este é o ensino literal dos arminianos. E este é o
ensino literal confrontado explicitamente pela verdade positiva no 2.°
Capítulo, na primeira parte, e rejeitado ali, na segunda parte, ou na Rejeição
de Erros. É importante que conservemos nossa postura no tocante a isso e que
não comecemos a imaginar que seja em absoluto possível impor o conceito
arminiano às confissões reformadas. Tal tentativa tem sido feita. Tentou-se
apelar às confissões, sobretudo aos Cânones, por apoio à doutrina da
expiação universal. Ora, isso é ir contra nossas confissões. Esse capítulo dos
Cânones nunca teria sido escrito se não houvesse surgido a doutrina
arminiana da expiação universal. Não teria sido necessário. Logo, é
totalmente falacioso tentar sustentar a doutrina da expiação universal em
nome da fé reformada!
O conteúdo de Os cânones de Dort, no 2.° Capítulo, comprovam o que acabei
de dizer sobre o pano de fundo histórico e sobre a posição fundamental da fé
reformada em oposição à heresia arminiana.
Observemos os elementos específicos da expiação como apresentados por
nossas confissões.
Em primeiro lugar, chamo a atenção para o elemento chave do conceito de
satisfação. Este é o termo principal de todas as nossas confissões. É o caso
sobretudo nos Cânones. Porém, esse termo é enfatizado repetidamente
também no Catecismo de Heidelberg. Os Cânones, entretanto, principiam
com essa ideia de satisfação. Na última parte do Artigo 1 eles já a
mencionam: “Não podemos escapar […] a menos que seja satisfeita a justiça
de Deus”.
A expiação, nesse contexto, é uma questão da mais estrita justiça. Não há
graça alguma, não há misericórdia alguma, não há bênção alguma senão na
senda da retidão divina. Deus abençoa os retos, e amaldiçoa e pune os ímpios
temporal e eternamente. Esse é o princípio básico nessa ideia de satisfação.
Eis o Artigo 1:
Deus é não só supremamente misericordioso mas também supremamente justo.
E como ele se revelou em sua Palavra, sua justiça exige que nossos pecados,
cometidos contra sua infinita majestade, sejam punidos nesta vida e na futura,
em corpo e alma. Não podemos escapar dessas punições a menos que seja
satisfeita a justiça de Deus.
Por conseguinte, o pecado, em relação à justiça divina, é culpa. É dívida. É
risco de punição. E essa punição, de acordo com a justiça de Deus, não se
pode fugir, e o homem não pode ser restaurado à mercê divina, a não ser que
se satisfaça, não ao Diabo, mas à justiça de Deus. Essa satisfação significa, de
forma bem simples, “trabalhar o suficiente, fazer o pagamento de uma dívida
ou obrigação, segundo a demanda da justiça”. Se entre os homens é feita a
satisfação, digamos, de um débito de determinado valor, então, assim que se
faz a satisfação da dívida, o débito desaparece. Está removido. Não existe
mais. Isso é satisfação, e esse é o efeito da satisfação. Dessa maneira, caso se
faça satisfação da dívida do pecado a favor de um homem, então a dívida de
pecado e a culpa dele estão terminados! Não existem mais! Desde o momento
em que a satisfação ocorreu, o débito é suprimido para sempre. Preste
atenção: é suprimido para sempre diante do tribunal da justiça divina! Isso
significa que o próprio Deus, por causa de sua justiça e equidade, não pode
manter a dívida contra o homem por cujo débito foi feita a satisfação. Ainda
não estamos prontos para a questão a favor de quem a satisfação foi
realizada: lidaremos com essa questão posteriormente. Mas, seja quem for o
homem por quem se fez satisfação, sua dívida foi removida diante de Deus!
Se a satisfação abarca todos os homens, então a dívida de todos eles está
extirpada. Mas, quem quer que esteja incluído nessa satisfação, a dívida
terminou para sempre! Esse é o conceito de satisfação. Não se consegue
enfatizar o elemento chave da expiação com demasiado vigor. É seguro dizer
que na Bíblia toda e o conceito confessional da expiação fica de pé ou cai
com esse elemento fundamental.
Nesse sentido, em terceiro lugar, devemos nos lembrar de que nós próprios
não podemos fazer a satisfação. Não preciso entrar em detalhes a esse
respeito. Isso é apenas a inferência do estado desesperadamente perdido em
que o pecador se encontra por natureza. É a inferência da doutrina da
depravação total. Não podemos fazer tal satisfação. Pelo contrário, só
podemos aumentar nosso débito. Semelhante satisfação pode ser feita
somente pelo livre, amoroso e obediente sofrimento da pena do pecado,
sofrimento da morte, sofrimento de todas as agonias do inferno eterno até o
próprio fim. Quando esse fardo da ira de Deus é suportado, quando todas as
taças da ira de Deus são despejados sobre um homem, e esse os suporta
voluntariamente, com amor, por causa do amor e da retidão divinos — então
a satisfação é realizada. E quando a expiação é feita, isso é o que é realizado.
Para fazer semelhante expiação-à-guisa-de-satisfação pelos homens que não
podiam fazer tal satisfação por si mesmos, Deus enviou seu Filho unigênito à
semelhança da carne pecaminosa.
Esse é o significado do termo satisfação.
Esse é o ensinamento de nossos Cânones. Nos primeiros artigos do 2.°
Capítulo da Doutrina a ideia de satisfação ocorre repetidas vezes. Ademais,
qualquer um que tenha conhecimento do Catecismo de Heidelberg se
recordará da ênfase dele sobre o conceito de satisfação. A Confissão de Fé
enfatiza essa ideia da mesma forma (Artigos 20 e 21).
Esse ensinamento das confissões é o ensino das Escrituras também. O termo
satisfação em si mesmo não é um vocábulo escriturístico. Porém, é a ideia
chave em todos os termos das Escrituras que expõe o sentido da morte de
Cristo. Isso é verdade quanto ao termo propiciação, como em Romanos 3.25,
ARC: “Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para
demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos…”. A
ideia fundamental da propiciação é a satisfação. O mesmo é válido para a
expressão bíblica resgate. Satisfação é o conceito básico do resgate. Quando
as Escrituras dizem em Mateus 20.28: “assim como o Filho do homem não
veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de
muitos”, a ideia é que ele realiza a satisfação. Ele satisfaz a justa exigência de
quem estabeleceu esse preço de resgate. O mesmo é verdade para
reconciliação: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não
lhes imputando os seus pecados” (2Co 5.19, ARC). Como isso é possível?
Como pode ser que Deus reconcilie o mundo consigo e não lhes considere as
transgressões? Só sobre esta base, a exigência da retidão e da justiça divinas
ela foi totalmente cumprida. Satisfação! E assim os outros termos
escriturísticos todos atinentes à expiação possuem a mesma ideia de
satisfação em seu cerne.
O segundo elemento principal na expiação é o de substituição. A necessidade
da substituição jaz no fato de que somos incapazes de realizar a satisfação de
nós próprios. Jaz em nossa total depravação. Esta é a razão histórica da
necessidade de expiação. Estamos desesperadamente perdidos! Jamais
poderemos nos libertar! Portanto, o substituto apropriado era necessário. A
ideia é apresentada com muita clareza no Artigo 2 do 2.° Capítulo de Os
cânones de Dort:
Por nós mesmos, entretanto, não podemos cumprir tal satisfação nem podemos
livrar a nós mesmos da ira de Deus. Por isso Deus, em sua infinita misericórdia,
deu seu Filho único como nosso fiador. Por nós, ou em nosso lugar, ele foi feito
pecado e maldição na cruz para que pudesse satisfazer a Deus por nós.
Essa é a doutrina da expiação vicária ou substitutiva. Não podemos declará-
la com mais clareza que os Cânones. Não se pode melhorar essa linguagem.
É muito clara. Nosso Senhor Jesus Cristo ficou na posição, no lugar, das
pessoas pelas quais morreu. Diante do tribunal da justiça de Deus ele
representou esses homens. Foi o substituto deles em um sentido legal.
Repare novamente que essa é uma relação muito precisa. Una agora essas
duas ideias, a de satisfação e a de substituição. Qual o resultado? O resultado
é muito exato. Digamos que um homem dentre mil salde no Banco Old Kent
as hipotecas por mil homens: então, essa relação é tal que o débito dos mil é
pago, e não o débito de todo possuidor de hipoteca no Banco Old Kent. Essa
é a exatidão aqui. Da mesma forma é com a cruz, com a expiação de Cristo.
Todo o que está em Cristo, todo o que é por ele representado na cruz, ou seja:
no lugar de quem ele ficou diante do tribunal da justiça divina satisfeita —
seu débito está pago. Se todos os homens estiverem nele, então a dívida de
todos eles terá findado. Deus nunca mais poderá, nem possuirá esse débito
contra eles em seu julgamento.
Essa é a ideia de expiação substitutiva.
Ademais, isso não é meramente a doutrina de nossas confissões, mas o
ensinamento das próprias Escrituras. Elas ensinam o conceito da substituição
de mais de uma maneira. Mas há em especial dois termos no Novo
Testamento que expressam essa ideia da substituição. Esses termos são
traduzidos de modo geral pela preposição “por” na nossa versão bíblica
inglesa. Um desses vocábulos significa literalmente “no lugar de”. Você
encontra essa expressão em Mateus 20.28: “Como o Filho do homem não
veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por (em vez
de, no lugar de) muitos” (KJV). O outro termo tem fundamentalmente o
mesmo sentido. É a expressão “a favor de, por causa de”. Porém, tal ideia, “a
favor de”, só é possível porque Cristo realizou a satisfação em vez de, no
lugar de quem ele morre. Note como isso é afirmado de forma tão bela na
última parte do 2.° Capítulo de Os cânones de Dort, Artigo 2: “… ele foi
feito pecado e maldição na cruz para que pudesse satisfazer a Deus por nós”.
O segundo termo você acha, por exemplo, em 2 Coríntios 5.21: “Aquele que
não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus”. Esses são apenas dois exemplos de muitas passagens
bíblicas em que essa ideia de substituição ocorre.
O terceiro elemento da expiação é seu valor infinito. Deixe-me avisar desde o
início que esse valor infinito não deve ser concebido em termos de números
finitos. Não é uma questão de quantidade, mas de qualidade, de valor
intrínseco.
A verdade do valor infinito da expiação responde a estas questões: Como
poderia a morte de um cobrir muitos pecadores? Como é que, quando Cristo
expiou, ele não expiou um por um apenas, mas um por muitos? Ou repetindo:
como podia o pecado, contrário à infinita majestade de Deus, causa da ira
divina, e que demanda a pena eterna — como poderia esse pecado ser
expiado em um momento por meio do sofrimento e da morte de nosso Senhor
Jesus Cristo? Toda a ira infinita de Deus foi concentrada no momento em que
se extraiu o brado da alma de Jesus: “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?” Esse valor infinito responde à questão: Como podíamos nós
ser transportados do estado totalmente perdido para o de justiça eterna, a qual
jamais podemos perder? Como pudemos ser providos com o direito à vida
eterna?
A resposta é: o Filho de Deus, o Próprio Deus eterno e infinito, na
semelhança de carne pecaminosa, mas como um homem real e perfeitamente
justo e santo, realizou essa satisfação.
Essa é a ideia básica também da expressão às vezes debatida no Artigo 3 do
2.° Capítulo de Os cânones de Dort: “… abundantemente suficiente para
expiar os pecados do mundo inteiro”. Isso não pode significar, vocês sabem,
que Cristo pretendia morrer pelo mundo todo, no sentido de representar todos
os homens. Essa é a doutrina arminiana. Era exatamente isso que os pais
estavam combatendo nesse capítulo dos Cânones. Ela não significa todos. O
artigo também não diz que Cristo realizou a satisfação pelo mundo inteiro. A
ideia é que em si mesma a morte de Cristo é preciosa e suficiente para o
mundo inteiro. Se Deus houvesse desejado salvar o mundo inteiro, cabeça por
cabeça e alma por alma, ele não teria necessitado de outro sacrifício. Segundo
a opinião de um dos teólogos de Dort posta por escrito para o Sínodo local, a
morte de Cristo foi em si mesma bastante para o mundo inteiro e para mil
mundos mais como este! A morte do Filho de Deus é de valor infinito: não
existe fim de seu valor intrínseco!
Por último, há o elemento da eficácia da expiação. A expiação é eficaz. Na
realidade, esse não é um elemento separado da expiação. O termo eficaz
apenas enfatiza a realidade, autenticidade e veracidade rematada dos
elementos precedentes. Disso se fala no Artigo 8 do 2.° Capítulo de Os
cânones de Dort. Deixe-me citar o artigo bem aqui:
Pois este foi o soberano Conselho, a Vontade graciosa e o Propósito de Deus, o
Pai, que a eficácia vivificante e salvífica da preciosíssima morte de seu Filho
fosse estendida a todos os eleitos. Daria somente a eles a justificação pela fé e,
por conseguinte, os traria infalivelmente à salvação. Isto quer dizer que foi da
vontade de Deus que Cristo, por meio do sangue na cruz (pelo qual ele
confirmou a nova aliança), redimisse efetivamente, de todos os povos, tribos,
línguas e nações, todos aqueles e somente aqueles que foram escolhidos desde a
eternidade para serem salvos e lhe foram dados pelo Pai. Deus quis que Cristo
lhes desse a fé, que ele mesmo lhes conquistou com sua morte, com outros dons
salvíficos do Espírito Santo. Deus quis também que Cristo os purificasse de
todos os pecados por meio do seu sangue, tanto do pecado original como dos
pecados atuais, que foram cometidos antes e depois de receberem a fé. E que
Cristo os guardasse fielmente até o fim e finalmente os fizesse comparecer
perante o próprio Pai em glória, sem mácula, nem ruga (Ef 5.27).
O principal assunto do artigo não é a graça eficaz ou o chamado eficaz; dele
tratam o 3.° e o 4.° Capítulos dos Cânones, os quais ensinam a doutrina da
graça irresistível ou eficaz. Porém, o tema principal aqui é a eficácia, o poder
para consumar tudo, existente na morte de Cristo. Semelhante eficácia está
implícita na expiação. Realmente, no que diz respeito ao significado, quando
você inclui na expiação os elementos de satisfação, substituição e valor
infinito, não precisa acrescentar “eficaz”. Os três elementos significam
eficácia. Mas, visto que os arminianos também falavam sobre expiação, bem
como sobre satisfação e substituição, querendo dizer com seu ensino algo que
não era eficaz, que na realidade nada cumpriu, tornou-se necessário aos pais
reformadores dizer: “Sim, mas a morte de Cristo é eficaz”. Acontece com
essa expressão o mesmo que com a expressão “depravação total”.
Depravação é sempre total. Inexiste um homem meio podre. Mas, pelo fato
de que alguns tentam falar da depravação parcial, fez-se necessário que o
povo reformado adicionasse palavrão adjetivo “total”. Assim se dá com
“expiação eficaz”. É impossível conceber a expiação não eficaz. É uma
contradição de termos. A expiação não eficaz seria a expiação que não expia,
que nada efetua. A expiação — tal é a ideia da expiação eficaz — realmente
expiou! Ela verdadeiramente satisfez por todos os que estavam em Cristo, por
todos por quem Cristo substituiu! Observe bem, expiação eficaz não significa
que a morte de Cristo realmente expiou por todos os que são admitidos em
Cristo — agora, de forma consciente, pela fé. Mas Cristo morreu e expiou
por todos que estavam nele — dezenove séculos atrás, quando ele morreu.
Cumpriu algo por todos eles. A culpa deles se foi para sempre. A justiça e a
vida eterna não lhes pode ser negadas. O direito a todas as bênçãos da
salvação foi estabelecido para sempre ali, na cruz.
Note, em conexão com a doutrina da expiação eficaz, como no Artigo 8 do
2.° Capítulo de Os cânones de Dort, nossos pais enfatizaram o elemento
crucial na morte eficaz de Cristo (a eficácia, o poder da morte de Cristo).
Eles a enfatizam duas vezes. Trata-se do fato de que Cristo adquiriu fé para
seu povo. Fé! A expiação não significa que Cristo adquiriu justiça e vida
eterna e todas as outras bênçãos da salvação e que agora diz no evangelho:
“Eis a salvação, mas cabe a você crer”. Não significa isso. Cristo adquiriu fé.
Ele garantiu, por meio dessa aquisição de fé, que todas as pessoas pelas quais
morreu também crerão e alcançarão, de modo pessoal e consciente, todos os
benefícios da salvação existentes na morte de Cristo.
Por isso, em consonância com o Artigo 8, a aplicação presente e subjetiva das
bênçãos da salvação (o propósito de Deus, o seu soberano propósito), pela
qual eu e todo o povo de Deus entramos na posse efetiva e consciente da
salvação, procede da expiação, e está baseada e é garantida por ela. Todas
essas bênçãos foram na verdade adquiridas, merecidas e obtidas de uma vez
por todas na cruz; e elas pertencem a Cristo e a todos os que estavam em
Cristo na cruz. Todos os santos que viveram antes, os santos da antiga
dispensação, estavam em Cristo na cruz. Todos os eleitos que viveram na
época de sua vinda, fossem eles filhos conscientes de Deus ou ainda tivessem
de se converter, estavam em Cristo na cruz. E todo o povo de Deus que ainda
estava para nascer nessa época e ainda está haverá de nascer hoje — eles
estavam em Cristo na cruz. Ele estava no lugar deles. Ele os representava. E
para todos eles Cristo obteve, de uma vez por todas, todas as bênçãos da
salvação. Este é o ensinamento do Artigo 8. Observe:[21] “Foi o soberano
Conselho [isto é belo, você sabe: ele procede de Deus, de seu eterno decreto],
a Vontade graciosa e o Propósito [no original está: “e intenção”] de Deus, o
Pai, que a eficácia vivificante e salvífica da preciosíssima morte de seu Filho
fosse estendida a todos os eleitos. Daria somente a eles a justificação pela fé
e, por conseguinte, os traria infalivelmente à salvação. Isto quer dizer que foi
da vontade de Deus que Cristo, por meio do sangue na cruz [ou seja, a
expiação], (pelo qual ele confirmou a nova aliança), redimisse efetivamente
[isto é, o que Cristo fez ao morrer] de todos os povos, tribos, línguas e
nações, todos aqueles e somente aqueles que foram escolhidos desde a
eternidade para serem salvos e lhe foram dados pelo Pai. Deus quis que
Cristo lhes desse a fé, que ele mesmo lhes conquistou com sua morte, junto
com outros dons salvíficos do Espírito Santo. Deus quis também que Cristo
os purificasse de todos os pecados por meio do seu sangue, tanto do pecado
original como dos pecados atuais, que foram cometidos antes e depois de
receberem a fé. E que Cristo os guardasse fielmente até o fim e finalmente os
fizesse comparecer perante o próprio Pai em glória, sem mácula, nem ruga”.
Tal é a bela verdade da expiação eficaz, exposta aqui por nossos pais por sua
relação com a aplicação e percepção reais da salvação até a glória final!
A natureza limitada da expiação
Não é surpreendente, portanto, que esse artigo dos Cânones ensine ao mesmo
tempo a expiação limitada. É isto que o artigo ensina de modo óbvio:
“… todos aqueles e somente aqueles que foram escolhidos desde a eternidade
para serem salvos…”.
O caráter limitado da expiação é inseparável da verdade de sua eficácia.
A questão é muito simples à luz do que já dissemos a respeito da expiação.
Se a expiação é satisfação no sentido verdadeiro e concreto da palavra, e se a
expiação é a satisfação substitutiva no sentido real dessa expressão, e se,
como consequência, a expiação é eficaz, de modo que os nela incluídos têm a
dívida removida e a passam a possuir a justiça e a vida eterna para eles
granjeadas, de modo que, havendo sido objetivamente redimidos, resgatados,
reconciliados, sem dúvida serão salvos e se tornarão os reais possuidores da
salvação — então, digo eu, a questão da expiação limitada fica muito
simples. Aqueles incluídos na expiação estão seguramente salvos. Mas nem
todos os homens são salvos. Em vista disso, nem todos os homens estão
incluídos na expiação.
Quem foi incluído na expiação?
A resposta é que Cristo morreu só pelos eleitos, isto é, por aqueles a quem
Deus escolheu desde a eternidade, de forma soberana, e os deu a Cristo. Deus
elegeu a igreja toda e todos os seus membros; e ele deu essa igreja inteira,
com todos os seus membros, a Cristo. Jesus é o representante deles. Na cruz
— o juízo de Deus — ele os representa, toma o lugar deles, e apenas deles.
Esta é a verdade da expiação limitada (ou, se quiser, chame-a de expiação
delimitada ou particular). Trata-se de uma doutrina muito simples. A
expiação é uma realidade e, portanto, houve remoção de culpa, perdão de
pecados, satisfação da justiça e a aplicação de todos os benefícios da salvação
e da vida eterna, só para os eleitos, na cruz. Para todo o resto, os réprobos,
não há na cruz nada positivo, nenhum benefício. Cristo não morreu por eles;
ele não os representou nem lhes tomou o lugar.
Além disso, — e esta é uma bela verdade da qual jamais devemos nos
descuidar, a expiação delimitada é pessoal. Cristo não morreu de forma não
delimitada. E Cristo não morreu por um conjunto indeterminado de homens,
para que, de alguma maneira indeterminada, salvasse alguns do total desses
homens. Cristo morreu por todos os eleitos e no lugar de cada um deles de
modo pessoal. Deus os escolheu. Ele os escolheu em sentido individual.
Desde a eternidade os chamou pelo nome. E todos os eleitos foram
concedidos por Deus a Cristo. Cristo os conheceu, quando eles lhe foram
dados pelo Pai desde a eternidade. E Jesus sacrificou sua vida por eles, por
eles todos, a favor de cada um deles, e só por eles. Todos os eleitos, e apenas
eles, portanto, estavam de fato em Cristo, na cruz, dezenove séculos atrás.
Assim, a cruz é a revelação do amor soberano de Deus: “Nisto consiste o
amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e
enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.10).
Essa é a doutrina das confissões. Ela é de forma explícita a doutrina do
2.° Capítulo de Os cânones de Dort, Artigo 8. A mesma verdade já foi
ensinada em conexão com a doutrina da eleição no 1.° Capítulo, Artigo 7.
Contudo, essa verdade também é ensinada em todas as partes de nossas
confissões. Quando achamos o termo “nos” no Catecismo de Heidelberg e na
Confissão de fé em conexão com a morte expiatória de nosso Senhor Jesus
Cristo, não se esqueça de que este “nos” é, do ponto de vista objetivo, não
todos os homens, mas os eleitos. A expressão não pode ser entendida de outra
maneira. E o que ocorre no Catecismo e na Confissão de fé nessa forma
subjetiva aparece também nos Cânones, de modo objetivo, como os eleitos
exclusivamente.
Há muitas, muitas passagens das Escrituras que ensinam essa verdade, que de
maneira direta, seja pela clara implicação do contexto.
Deixe-me por um momento me concentrar em uma única e linda passagem:
João 10.14, 15. A tradução correta desse texto é encontrada na Nova Bíblia
Viva (NBV): “Eu sou o bom Pastor, conheço minhas próprias ovelhas, e elas
me conhecem. Assim como o Pai me conhece, eu conheço o Pai, e entrego a
minha vida pelas ovelhas”.
Quem são as ovelhas mencionadas na passagem como sendo aquelas por
quem Cristo dá a sua vida? São aquelas que o Pai deu a Cristo, isto é, os
eleitos. Esse é o claro ensino do contexto. No versículo 29a você também lê
sobre essas ovelhas; e Jesus diz ali: “… meu Pai, que me deu todas elas, […]
é mais poderoso do que todos...” (NBV) [ênfase do autor]. E isso é reforçado,
por meio de um contraste, no versículo 26, quando Jesus diz aos judeus
incrédulos que se opunham a ele naquela ocasião: “Mas vocês não creem em
mim porque não são minhas ovelhas” (NBV). Preste atenção nisso! Não
mude o que está em redor como se devesse ser lido: “Vocês não são minhas
ovelhas porque não creem”. Não é este o texto. O texto é: “Vocês não creem
em mim porque não são minhas ovelhas”. Estes são os réprobos.
Isso também já deixa claro que o conceito de “ovelha” é exclusivo. Alguns
argumentam que o texto de João 10.14, 15 não ensina ter Jesus feito a
expiação apenas por suas ovelhas. Mas esse é um argumento muito pobre.
Em primeiro lugar, como também os teólogos de Dort já salientaram em
conexão com essa passagem, o texto não teria sentido se não significasse as
ovelhas de modo exclusivo. Por que Jesus diria que ele dá sua vida pelas
ovelhas, se tivesse morrido por todos os homens? Em segundo lugar, o
contexto estabelece um contraste agudo entre os que são ovelhas dele e os
que não são. Esse contraste se origina no propósito da predestinação realizada
por Deus!
Contudo, repare que nessa passagem não há meramente uma fria doutrina da
eleição. O conhecimento caloroso, palpitante, vibrante do amor divino desde
a eternidade está envolvido aqui: “Conheço minhas próprias ovelhas”. Cristo
conhecia a igreja inteira, e cada um de seus membros quando entregou sua
vida! Isso ocorreu pelo fato de as ovelhas serem as que o Pai lhe deu. Ele as
conhecia todas! Adão estava em Jesus, bem como Abel estava e Noé. Abraão,
Isaque, Jacó e todo o povo de Deus da antiga dispensação estavam nele na
cruz. Ele os conhecia. Conhecia-os individualmente, em amor. Todo o povo
que lhe pertencia naquele tempo, seu povo eleito, fora-lhe dado, outorgado a
ele, pessoa por pessoa, desde a eternidade. Jesus os conhecia! O apóstolo
Paulo estava em Cristo. Ele ainda não havia sido convertido. Mas estava em
Cristo, na cruz, porque Deus o deu a Jesus desde a eternidade. Eis o motivo
de mais tarde Paulo ser capaz de falar do aspecto pessoal da expiação
delimitada nas bem conhecidas palavras de Gálatas 2.19b, 20: “… Estou
crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em
mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus,
que me amou e a si mesmo se entregou por mim”. Ele está falando aqui de
algo que aconteceu na cruz no ano 33 d.C. Então Cristo o amou e se entregou
por ele. Mesmo que o apóstolo não o conhecesse ainda, Cristo o amou e
entregou a si mesmo por ele. O mesmo é verdade para nós como povo de
Deus hoje. Eis a razão de podermos dizer mediante uma confissão de fé
pessoal: “Cristo morreu por mim”. Isso está baseado em um fato objetivo!
Isso não se torna verdade apenas quando creio em Cristo. Isso foi assim —
desde a eternidade, segundo o conselho de Deus! E foi assim em sentido
histórico, de maneira contínua, desde a morte de Cristo na cruz. E em virtude
dessa realidade objetiva, você e eu, quando chegamos à fé-união consciente
com Cristo, podemos também confessar: “Cristo morreu por mim!”.
Essa, de forma resumida, é a verdade da expiação limitada, ou seja: da
expiação delimitada e pessoal.
Naturalmente, há muitas outras passagens das Escrituras que ensinam com
clareza essa mesma verdade. Na realidade, é o ensino corrente delas. A
respeito disso, deixe-me enumerar algumas passagens que ensinam com
muita clareza que a expiação de Cristo foi delimitada, ou seja, somente para
os eleitos. Isaías 53.10 fala de uma “semente”[22] definida que Cristo verá
quando sua alma for oferecida pelo pecado. Em João 17 encontra-se a oração
sacerdotal de Jesus, proferida imediatamente antes da entrega de sua vida e
da realização do sacrifício perfeito pelo pecado. O significado todo dessa
oração é específico. Sendo o sumo sacerdote, nosso Senhor Jesus Cristo ora
somente pelos seus; ele entrega a própria vida e, a caminho da cruz, profere
esta oração: “Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo.
Eram teus, tu mos confiaste […] É por eles que eu rogo; não rogo pelo
mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas
coisas são tuas […] E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que
eles também sejam santificados na verdade. Não rogo somente por estes, mas
também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra
[…] Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os
que me deste, para que vejam a minha glória que me conferiste; porque me
amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17.6,9,10,19,20,24). Em Atos
20.28[23] é a igreja de Deus “que ele adquiriu com seu próprio sangue”. Em
Romanos 8.32, quando se lê que Deus “não poupou o seu próprio Filho,
antes, por todos nós o entregou”, esse “todos nós” é uma referência muito
clara aos eleitos, de acordo com o contexto. Pois nos versículos que
imediatamente se seguem lemos isto: “Quem intentará acusação contra os
eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo
Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus
e também intercede por nós”. E por último, em Efésios 1.7 lemos isto: “no
qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a
riqueza da sua graça”. E qual é o contexto dessas palavras? É o que fala de
forma mais ampla sobre o propósito da predestinação realizada por Deus
como fonte de todas as bênçãos da salvação, incluindo esta “redenção pelo
seu sangue” (Ef 1.3-12).
Nesse sentido, deve-se levantar mais um ponto. Quando as Escrituras falam
do “mundo” e de “todos os homens” em conexão com a morte expiatória de
nosso Senhor Jesus Cristo, elas não ensinam nem podem ensinar algo
contrário ao evidente ensino bíblico da expiação delimitada. Estudar todas as
passagens em que esses termos ocorrem nos levaria para bem longe do
assunto em questão. Contudo, há duas observações que desejo fazer.
Primeira, se essas passagens que mencionam o “mundo” e “todos nós” são
explicadas com o significado de cada indivíduo, ou se o significado pleno da
expiação é atribuído à real satisfação pelo pecado e à genuína substituição,
então elas provam demais. Assim elas necessariamente conduzem ao
universalismo completo, isto é, à doutrina de que todos os homens são salvos.
E se a última consequência não for aceita, então se deve forçosamente aceitar
a consequência da negação da justiça divina: pois se Cristo realmente
realizou a satisfação pelos pecados de todos os homens, e se nem todos os
homens são salvos, então Deus não os trata de forma justame. Deixe-me
completar: nenhuma das duas consequências é aceitável à luz das Escrituras.
Segunda, deve-se suscitar o ponto à luz da verdade da unidade das Escrituras,
que todas as passagens semelhantes que falam do “mundo” e de “todos os
homens” devem ser interpretadas necessariamente em harmonia com o
corrente ensino das Escrituras de que Cristo realizou a expiou apenas pelos
eleitos. Caso não se faça isso, então se deve aceitar a consequência de que
elas se contradizem; e essa, naturalmente, é uma consequência absurda.
Todavia, sempre se fez, e ainda se faz hoje, a tentativa de achar algo positivo
acerca da salvação e acerca do amor e favor de Deus no tocante aos que não
estavam em Cristo na cruz, no tocante aos réprobos. De mofo geral, isso não
acontece — ao menos, não nos círculos reformados — enquanto a conversa
diz respeito à matéria do 2.° Capítulo de Os cânones de Dort, ou seja,
enquanto a doutrina da expiação está em debate. Isso surge mais exatamente
na pregação. Surge na área prática da pregação do Evangelho. Há uma luta
para dizer algo positivo, para apresentar algo bom na expiação realizada por
Cristo na pregação do evangelho a todos os homens. Essa é a forma em que a
matéria inteira apareceu nos escritos do professor Harold Dekker. Surgiu da
questão concernente ao que deve ser dito na pregação do evangelho no
campo missionário. Até aí, do ponto de vista cristão reformado, o prof.
Dekker era coerente: ele percebeu que, caso alguém desejasse ser genérico na
pregação, também devia voltar um passo e ser genérico até o ponto que dizia
respeito à morte de Cristo. Isso é coerente; porém, é coerentemente errôneo!
Todavia, existe a mesma luta da parte de outros indivíduos, de várias formas.
Espera-se isso de todos os tipos de pregadores arminianos. Eles creem na
expiação geral; e pregam de modo congruente. Entretanto, a mesma luta
ocorre também na comunidade reformada. Alguns tentam alcançar a meta do
caráter genérico simplesmente ao deixar a questão da morte de Cristo
indefinida e vaga na pregação. Dizem apenas: “Cristo morreu pelos
pecadores”. Sem dúvida isso é verdade. Sendo, porém, essa a única
declaração, trata-se de meia verdade. E a meia verdade é um subterfúgio!
Outras pessoas — e essa parece a luta do comitê que estudou os pontos
controversos do caso Dekker — tentam falar dos “benefícios da morte de
Cristo não relacionados com a salvação”. E, apesar de também alegarem a
sustentação da expiação delimitada, argumentam os benefícios não ligados à
salvação, de alguma maneira, provêm da morte de Cristo — que morreu só
pelos eleitos. Eu não sei como isso é possível. Se Cristo morreu apenas pelos
eleitos, então não há benefícios possíveis nessa morte para ninguém mais que
não para as pessoas pelas quais morreu. Isso é óbvio! Outros, por vezes, sem
defini-la com cuidado, falam da oferta universal do evangelho. Ainda outros
dizem — e li isso na coluna sobre os Cânones em The Banner de 24 de
fevereiro de 1967 — que devemos dizer na pregação que Cristo deseja a
salvação de todos os homens, e que Deus não deseja a morte de ninguém,
mas a salvação de todos.
É aqui que surge a dificuldade. Ela não se origina na própria doutrina da
expiação limitada. Contudo, quando a expiação é projetada na pregação, ela
passa, de forma súbita para a generalização de um jeito ou de outro. E isso
está de todo arraigado no primeiro ponto da controvérsia de 1924[24] e na
oferta geral e sincera do evangelho como evidência da pretensa graça comum.
Todos reconhecem isso, como fica muito evidente pelo fato de ninguém até
agora ter escrito ou dito algo a respeito das questões do caso Dekker sem
apresentar os acontecimentos de 1924. Isso foi o que levou o prof. Dekker e
outros — digo de novo: de modo coerente, do ponto de vista deles — ao
conceito da expiação geral. Do mesmo modo, no entanto, os críticos da
posição do prof. Dekker não estavam dispostos a abraçar de todo o coração a
doutrina da expiação limitada e seguir de forma coerente, mas insistiram em,
de um maneira ou de outra, preservar um elemento universal e geral no
conteúdo da pregação.
Caso se observe essa tentativa tomando por base a doutrina reformada da
expiação limitada, trata-se de uma tentativa impossível. O evangelho que
deve ser pregado é o evangelho da cruz, o evangelho do Cristo crucificado.
Os Cânones o dizem, e as Escrituras o dizem. O apóstolo Paulo afirmou:
“Nós pregamos a Cristo crucificado”.[25] E: “Porque decidi nada saber entre
vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado”.[26] Isso significa, à luz de tudo
que dissemos, que o Cristo crucificado é Cristo crucificado para os eleitos,
independentemente de como esses eleitos sejam descritos na pregação, quer
eles sejam descritos em sentido histórico como crentes, penitentes, famintos e
sedentos etc. O Cristo crucificado é o Cristo crucificado para os eleitos!
Portanto, não digo a verdade, não apresento o Cristo crucificado, caso eu
apenas diga: “Cristo morreu pelos pecadores”. E com certeza não apresento o
evangelho do Cristo crucificado quando afirmo: “Cristo morreu por todos os
homens”. E, na medida em que essa cruz é a revelação do desejo de Deus, do
propósito de Deus, da vontade de Deus, eu não digo a verdade do evangelho
de Cristo crucificado ao afirmar: “Deus deseja a salvação de todos os
homens”. Ele não deseja isso. Deus revela de forma muito explícita — na
cruz — o planejamento, o desejo, a intencionou e a deliberação de salvar os
eleitos, e apenas eles.
Amiúde essa disjunção entre a morte de Cristo apenas pelos eleitos e o
objetivado desejo divino de salvar todos os homens é apresentada como um
mistério. No entanto, isso não constitui mistério algum. Se você diz que
Cristo morreu pelos eleitos, e só por eles, e que Deus deseja a salvação de
todos os homens, isso não constitui nenhum mistério, e sim uma contradição
nítida. Isso é impossível. Não pode ser porque não há nada positivo, nenhum
benefício, nenhuma salvação, nenhum amor, nenhum suposto benefício não
salvador — coisa alguma positiva — na cruz para qualquer outra pessoa além
dos eleitos. E tal cruz é a revelação do propósito divino de salvação. Dizendo
de outra maneira, tornar o escopo da salvação mais amplo na pregação que o
da cruz equivale à negação implícita da expiação particular. O evangelho
consiste nas boas-novas de Deus concernentes à promessa, para tornar
conhecida aos herdeiros da promessa, isto é, os eleitos, a salvação deles.
Esse é o lado positivo da cruz e da expiação.
Isso é deixar de fora da figura o fato de que houve juízo na cruz — juízo e
salvação. A ira e a mercê foram reveladas na cruz e são proclamadas no
evangelho do Cristo crucificado. Sem dúvida, nada há de positivo para os
réprobos na cruz. Mas isso não quer dizer que a cruz não tenha para eles
algum significado. A ira de Deus é revelada na cruz e no amor divino.
Eis o motivo de nosso Senhor Jesus Cristo poder dizer em João 12.31, por
exemplo, tendo em vista a morte que ele morreria: “Chegou o momento de
ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso”. E nosso Senhor
Jesus Cristo não só deixou claro várias vezes que ele entrou no mundo para
exercer juízo (cf. passagens como Jo 9.39, Mt 21.21-43 etc.), mas devemos
nos lembrar de que a primeira vinda do Senhor pertence ao “grande dia do
Senhor” — do qual os profetas falaram com tanta frequência e em conexão
com o qual também sempre falam do juízo divino. Nesse mesmo contexto
podemos notar que João Batista, o precursor, anuncia Jesus sob o aspecto do
juízo: “O machado está posto à raiz das árvores!”. E o apóstolo Paulo alude
ao mesmo elemento do juízo da cruz em Colossenses 2.14, 15: “Tendo
cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de
ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o
na cruz; e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs
ao desprezo, triunfando deles na cruz”.
Deixe-me delinear brevemente esse conceito.
Houve um processo judicial na cruz. Não ocorreu apenas um processo contra
Jesus da parte dos homens. Ocorreu, de fato, o julgamento do mundo da parte
de Deus. O mundo fora de Cristo, o mundo dos homens pecadores, o mundo
no estado de pecado e culpa, o mundo dos homens na presente criação com
todos os seus meios de subsistência e desenvolvimento, todos os seus meios
de “cultura” — o mundo estava no processo judicial. O mundo inteiro dos
homens em Adão, pela natureza, junto com o príncipe deste mundo, o Diabo,
e como todos os anjos caídos, os principados e as potestades, o mundo
inteiro, o nosso mundo (à parte de Cristo) encontrado em aliança com o
príncipe das trevas e debaixo do domínio moral dele — este mundo inteiro
esteve na audiência de julgamento perante Deus, o Juiz. Deus os citou ali. Ele
controlou os acontecimentos que cercaram o sofrimento e a morte de Cristo.
Jesus foi à cruz de acordo com o conselho determinado e presciência de
Deus, ainda que por mãos ímpias.
O mundo esteve bem representado por Judas, o apóstolo. O mundo da
religião, pelo Sinédrio. O mundo dos homens em geral, da sociedade, foi
representado pela multidão. O poder político mundial, o mundo da sabedoria
e justiça greco-romanas, esteve representado. O mundo em todos os seus
aspectos foi posto em julgamento.
O processo judicial consistiu nisso. Eles foram publicamente expostos ao
desprezo, como diz o apóstolo Paulo em Colossenses 2.15. Eles estavam
cobertos de autojustiça, sabedoria, religião e jurisprudência. Estavam
mascarados! E não podiam ir ao inferno cobertos com a máscara! Tinham de
ser expostos. Deus os expôs. Ele os desnudou. E fez isso ao se postar diante
deles na pessoa do Senhor Jesus Cristo, como um homem, sem poder, e os
confrontando com a questão: “O que vocês farão com Deus? O que farão com
Deus se ele ficar diante de vocês como mero homem — um homem sem
espada, sem exército, sem defesa alguma que não a justiça —, um homem
que não se defenderá de vocês?”.
Eles foram compelidos a dar a resposta para essa pergunta. Tentaram evitá-la.
Em especial Pilatos, por exemplo, de várias maneiras tentou evitar a resposta
dessa questão crucial. Contudo, o Juiz do céu e da terra insistiu:
“Respondam!”.
E eles responderam: “Nós o mataremos! Nós o pregaremos na cruz!”.
Na cruz o veredicto do Juiz do céu e da terra foi pronunciado e executado. Ao
fim do processo, Deus despejou as taças de sua ira. O mundo se provou
merecedor da ira divina; e se seguiu a execução no Gólgota — na cruz, nas
trevas, na pavorosa revelação do abandono de Deus! E Cristo esteve no
centro de tudo isso! O Cristo representante de si mesmo, o Cristo
representante de todo o mundo alcançado pela eleição divina, esteve no
centro do pavoroso derramamento de juízo e ira. E todas as taças da ira de
Deus estiveram concentradas em uma hora, a hora do juízo! E Deus esteve
ali, a favor do conjunto dos eleitos, suportando a sua própria ira devida à
nossa carne!
O resultado?
O mundo em si mesmo, o mundo fora de Cristo, foi condenado! Isso também
é revelado na cruz. O véu está rasgado: Deus deixa o templo, e Israel é
abandonado. A terra treme, e as rochas se fendem, significando que este
mundo deve passar. Isso se torna claro até nos dois ladrões na cruz: só um
deles foi salvo, coberto pela cruz de Cristo.
No entanto, em Cristo, o mundo, ou seja: o mundo do amor de Deus e da
eleição de Deus, é justificado.
O juízo passou! O último dia, o dia da revelação do reto juízo de Deus por
fim revelará a condenação do mundo em si e a justificação do mundo em
Cristo.
Para isso a igreja deve pregar o evangelho, o evangelho da graça
absolutamente soberana, revelada no Cristo crucificado. Para isso a igreja
deve pregar o evangelho de Cristo crucificado: o Cristo crucificado, é uma
pedra de tropeço para os judeus, e para os gregos, loucura (isto é, ao homem
natural, seja judeu ou grego, o poder de Deus para a condenação); porém,
para os chamados, judeus e gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de
Deus.
Esse aspecto negativo da cruz e esse aspecto negativo do evangelho de forma
geral são esquecidos e negados por completo na atualidade. A igreja não mais
está propensa a obedecer a seu chamado para pregar o evangelho de forma
negativa e positiva. Não mais tem vontade de pregar Cristo crucificado como
poder de Deus, o Cristo que é realmente Deus. Ao contrário, a igreja quer
antes pregar um Cristo e um Deus cuja salvação, em última instância,
depende do desejo e da escolha do pecador caído.
A importância de afirmar essa verdade
Essa verdade preciosa deve ser afirmada. Ela deve ser sustentada até onde diz
respeito à expiação, e deve ser afirmada até onde diz respeito ao aspecto
negativo da cruz.
Isso é importante para nós, antes de tudo, como crentes individuais.
Para lembrar: Cristo para todos significa na realidade Cristo para ninguém!
Você deve escolher entre a expiação geral, que na verdade não é expiação, e a
expiação vicária e limitada — real e eficaz. Afinal, se Cristo de fato expiou
de modo vicário os pecados de todos os homens, então todos os homens têm
de ser salvos. Porém, até o arminianismo, que se apega à expiação geral, deve
encarar o fato de que não são salvos todos os homens. Por esse motivo, a
apresentação arminiana da expiação desce a este nível: Cristo morreu por
todos os homens, mas nem todos os homens estão justificados e salvos. O que
se segue daí? Isto: a expiação de Cristo foi ineficaz. Não posso estar seguro
de que ele tenha realizado a expiação por algum homem, incluindo a mim
mesmo. Assim, o crente fica privado da base sólida de segurança existente na
morte expiatória na cruz.
Em segundo lugar, isso é importante para a igreja e a proclamação do
evangelho. Estou ciente de que essa é uma nota estranha em nossos dias. Soa
tão doce e tão humano proclamar Cristo para todos e o amor de Deus por
todos. Isso se tornou muito popular. Alega-se que é impossível pregar e fazer
a obra missionária sem o evangelho genérico e a salvação genérica.
Basicamente, entretanto, o problema é que os homens não querem depositar a
confiança na cruz que é o poder de Deus! Nem querem confiar que Deus
usará com segurança a proclamação geral de uma promessa particular para
congregar e salvar a igreja eleita.
Mas lembre-se de que não é possível ao evangelho ser mais amplo em escopo
que a satisfação e justificação objetivas da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.
Se você se agarrar à oferta geral e sincera, tem de abraçar e, se for coerente,
vai abraçar a doutrina da expiação universal também.
A prova — chamo você para testemunhar — já está aqui!
Por isso, devemos permanecer cem por cento na verdade das confissões
reformadas, tanto no tocante à expiação quanto à pregação. E se já tivermos
nos apartado delas, devemos retornar e abandonar a falsidade.
Que Deus coloque isso no seu coração e no meu.
Somente onde a graça irresistível e eficaz de Deus muda e transforma de
forma radical a vontade perversa do pecador, este pode desejar vir a Cristo. E
nenhum homem tem essa vontade por si mesmo.
[…]
A operação da graça jamais ocorre de modo a violar a natureza racional e
moral do pecador atraído a Cristo. Não se trata de uma ação coerciva. O
pecador não é forçado ir a Cristo contra sua vontade e sem seu entendimento.
Pelo contrário, por meio dessa operação o pecador se torna disposto. Ele é
vencido pela graça irresistível de Deus de tal forma, que se torna muito
disposto a vir, e ele mesmo faz a escolha consciente e voluntária de se voltar
para o Deus da salvação. Sua vontade não é destruída pela graça, mas
transformada; sua mente não é posta de lado, mas iluminada em sentido
espiritual. Ele é ensinado por Deus. Mas por essa mesma razão a pregação do
evangelho é o meio indispensável.
[…]
Somos chamados pela graça irresistível à virtude e glória eterna!
Rev. Herman Hoeksema
Capítulo 4: Graça irresistível
Rev. Gise J. Van Baren
Tenho em minha posse vários impressos de larga publicação. Primeiro, tenho
um cheque, amplamente distribuído, com o objetivo evidente de encorajar
outras pessoas a serem salvas. Está datado: “Em qualquer hora, em qualquer
lugar”. Está preenchido, emitido pelo “Banco das Riquezas de Jesus —
Recursos Ilimitados”. Está preenchido para ser pago à ordem do portador
contra entrega: “Sua necessidade conforme as riquezas na glória por Cristo
Jesus”. Entre outras coisas, a explicação no verso declara o seguinte: “Você
não o aceitará como seu Salvador? Amigo, não o mande embora. Ele está
esperando que você o receba. Ele deseja abençoar e salvar você. Ele quer lhe
dar a vida eterna. E caso você o aceite, ele encherá sua alma com tal alegria
que você nunca conheceu em toda a sua vida e fará de você um filho de Deus,
um herdeiro de Deus, e um coerdeiro com Jesus Cristo”. Agora eu lhe
pergunto: Que tipo de Deus é esse que deve aguardar o endosso do pecador
antes de poder lhe conferir a salvação?
Eis o segundo impresso. Tenho uma cédula, a oportunidade de votar na sua
salvação. A “cédula” também foi amplamente distribuída para promover
“aceitações” de Cristo. Há três votantes na cédula, e cada um pode votar em
um dos dois caminhos. Em primeiro lugar, Deus vota — e ele vota “sim” pela
sua salvação. Em segundo lugar vota o Diabo — e ele vota “não”. Em
seguida há o seu voto — e duas possibilidades são apresentadas: “sim” ou
“não”. O seu voto se torna o voto decisivo. A ideia é a de que a salvação final
do homem é determinada por ele mesmo. E de novo pergunto: Que tipo de
Deus é esse que, embora vote, deve aguardar o seu voto antes que a sua
salvação seja por fim determinada?
Pego outro texto, do livro Mundo em Chamas de Billy Graham. Ele escreveu
o seguinte:
Existe também a resolução volitiva, pois a vontade se encontra obrigatoriamente em
jogo no caso da conversão. As pessoas podem sofrer conflitos mentais e crises
emocionais sem se converterem. Só quando exercem a prerrogativa de um agente
moral livre e a vontade de se converterem é que realmente se convertem. Esse ato da
vontade é um ato de aceitação e compromisso. Aceitam prazerosamente a
misericórdia de Deus e recebem o Filho de Deus e então se comprometem a fazer a
vontade de Deus. Em todas as conversões verdadeiras, a vontade do homem se ajusta
à de Deus. Quase ao final da Bíblia encontramos o convite: ‘E quem quiser receba de
paga a água da vida’ (Apocalipse 22.17). A decisão é sua! Precisa querer, para ser
salvo. É a vontade de Deus, mas deve tornar-se a sua, também.[27]
Outra vez pergunto a você: Que tipo de Deus é esse que deseja a sua
salvação, mas está agora sequiosamente esperando que o seu desejo seja
conforme com o dele?
Esses exemplos põem diante de nós o arminianismo atual, que nega as
importantes verdades bíblicas concernentes à nossa salvação. De fato, hoje
nós temos a ameaça de outro mal: o modernismo. Este nega a própria cruz de
Cristo e a graça que nos é prometida por causa de Jesus. Não obstante, fica
implícito com demasiada frequência que a alternativa ao modernismo é o
arminianismo. Sugere-se, mesmo entre aqueles nos círculos reformados, que,
pelo fato de os arminianos falarem da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo,
deveríamos cooperar com eles e os incentivar. Entenda, leitor, as publicações
apresentadas acima mencionam sim a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo —
entretanto, elas negam o poder de Deus e o poder da cruz de seu Filho. Não,
o arminianismo não nega todo o poder de Deus, nem todo o poder da cruz,
mas nega grande parte dele. O arminianismo deseja colocar poder tal nas
mãos humanas que o próprio homem, por fim, deve determinar a própria
salvação. É realmente uma matéria digna de debate esse tema do
arminianismo? Duas coisas devem ser lembradas. Primeira: nosso assunto
não é apenas algo interessante, mas sem importância; antes, tratamos com
Deus visto como a ele agradou revelar-se em sua infalível Palavra. Nem você
nem eu podemos dizer algo que nos apraza a respeito de Deus. Devemos
defendê-lo com argumentos e confessar o nome dele tal como ele tem se
revelou em sua Palavra. E devemos confessar sua obra tal como ele a expôs
nessa Palavra — obra que experimentamos no próprio coração. Estamos
tratando do assunto da salvação da Igreja de Deus, e há muita diferença no
modo de crermos como ela acontece.
Neste capítulo, chamamos sua atenção para o quarto dos cinco pontos do
calvinismo: a graça irresistível. Repare, em primeiro lugar, o que é essa graça
de Deus; em segundo lugar, atente para sua irresistibilidade; por último,
preste atenção no conforto que emana dela.
Questões concernentes à nossa salvação
De fato, levantam-se perguntas no estudo das verdades relacionadas à nossa
salvação. Há questões a respeito dos três pontos do calvinismo já
apresentadas nos capítulos precedentes. Elas surgem quando se fala das
maravilhosas verdades da eleição incondicional e da expiação limitada:
“Como e quando me torno participante disso? Eu, nem melhor nem diferente
de ninguém, sou beneficiário da expiação limitada de Cristo? Como isso pode
ser? Isso decorre de Deus ter visto em mim algo que não viu em outros? Em
mim se encontra alguma boa vontade e o desejo de segui-lo, não encontrados
em outros?”. Mas não pode ser isso; pois, junto com todos os nascidos de
Adão, sou totalmente depravado.
Levanta-se outra pergunta: “Se é verdade, e creio ser um beneficiário da
expiação na cruz, como isso se aplica a mim? Como desfruto dos benefícios
da salvação concedidos a mim pelo Senhor Jesus Cristo? Recebo seus
benefícios por estar disposto a ir a ele? Recebo-os por estar pronto a endossar
o ‘cheque’ que ele me oferece?”. Contudo, também não pode ser isso.
Salvo só pela graça
A resposta de toda Escritura é: sou partícipe da expiação realizada por Cristo
(da mesma forma que Deus me escolheu eternamente, antes da fundação da
terra) pela graça livre, soberana e imerecida de Deus. Leia-a em Efésios 2.8:
“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom
de Deus”. Pela graça somos “salvos mediante a fé” — e este é o único
caminho possível. “PORQUE pela graça sois salvos”, diz essa Palavra de Deus.
Essa é a base e o fundamento da salvação da Igreja de Deus. Pela graça, e só
pela graça, ele escolheu para si mesmo um povo antes da fundação da terra
em Cristo. Só pela graça ele expede a Palavra e seu Espírito e evoca a nova
vida da regeneração, que o Espírito instila em nosso coração, tirando seu
povo das trevas para sua maravilhosa luz. Pela graça, e só pela graça, somos
diariamente preservados até por fim sermos conduzidos à glória eterna. De
fato: “pela graça sois salvos, mediante a fé”.
A ideia da graça de Deus
Qual é a graça que salva? Não posso começar a apresentar os muitos textos
da Escritura que mencionam a graça. Nem é possível, neste curto ensaio,
tratar com detalhes dos vários elementos da graça de Deus. Todavia, há várias
verdades que devemos saber sobre ela. No tocante ao conceito de graça, há,
sobretudo, dois elementos que requerem ênfase. Primeiramente, a ideia
fundamental de graça é beleza. Alguém é gracioso é a pessoa de aparência
amável. Em segundo lugar, o termo graça sugere o favor demonstrado a outra
pessoa. Muitas vezes, nas Escrituras, o termo graça é usado dessa maneira.
Lemos sobre os que encontram graça ou mercê aos olhos de outrem.
Ora, a graça, a despeito da negação de alguns, é um atributo de Deus. Graça é
o apanágio divino que destaca sua perfeição infinitamente gloriosa. Toda
retidão, verdade, santidade e amor são achados sem medida no Deus vivo.
Essas perfeições infinitas são sua beleza ou graça. O salmista Davi percebeu
isso em Salmos 27.4: “Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei: que possa
morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a
beleza do SENHOR e meditar no seu templo”. Essa “beleza” é a graça de Deus.
Devo dizer mais a respeito dela. A graça de Deus, em seu interior, é o
atributo por meio do qual ele, como Deus trino, contempla as próprias
perfeições, e acha favor a seus próprios olhos com respeito a si mesmo. O
Deus trino, contemplando a si mesmo, regozija-se eternamente em ser ele o
Deus de todas as perfeições.
Aprouve a ele revelar fora de si próprio a mesma graça divina. Esse atributo
de Deus é refletido para no relacionamento com seu povo por causa do seu
nome. Lê-se em Romanos 5.15: “Todavia, não é assim o dom gratuito como a
ofensa; porque, se, pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a
graça de Deus e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foram
abundantes sobre muitos”. Deus desejou revelar as próprias perfeições além
de si mesmo — ao povo que escolheu eternamente pela graça. Essa graça
divina para com seu povo é um favor imerecido. Não empregamos
normalmente esse termo desse modo? A Escritura e nós falamos do contraste
entre a graça e as obras. A Escritura declara em Romanos 4.4: “Ora, ao que
trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida”. Repare
no contraste entre as obras e a graça nessa passagem? A graça aqui é a
bondade não merecida, da qual não éramos dignos, a graça que Deus aprouve
nos conceder por causa de Jesus. É imerecida porque não somos dignos do
que é dado. Estou morto em pecados. Nada mereço. Não posso ganhar nada.
O que Deus me confere não é ganho por mim, mas é dado unicamente por
sua livre graça.
Em terceiro lugar, essa graça divina é a graça que opera. Essa mercê de Deus
com que ele agracia seu povo reflete a beleza que é poder. Ela molda e forma
seu povo de acordo com o seu desígnio. Lembre-se do que o apóstolo Paulo
disse em 1 Coríntios 15.10: “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou”. Que
afirmação sucinta — mas que riqueza de significado! Paulo havia perseguido
a igreja no passado; ele a seguira até Damasco; aprisionara-a e participara no
assassinato de seus membros. Esse mesmo Paulo foi tomado pela graça
divina, maravilhosa e completamente imerecida, sendo transformado de tal
modo que o ex-perseguidor se tornou perseguido como resultado da união
com Cristo. Paulo foi aprisionado, zombado e açoitado. “Pela graça”, diz ele,
“sou o que sou”. O poder da graça divina molda o povo. Ele lhe dá forma
para que o povo possa proclamar seu louvor. Essa é a graça do nosso Deus.
Contudo, qual é o alcance dessa graça? Não se esqueça, em primeiro lugar,
do poder dessa graça. Não se trata apenas de uma influência, mas do próprio
poder de Deus que executa o que ele determinou fazer. Em segundo lugar,
esse poder da graça é revelado de forma exclusiva por meio de seu Filho
unigênito Jesus Cristo. Aprouve a Deus não revelar seu favor de outro modo
que não mediante Jesus. Ele não é apresentado a nenhuma outra pessoa que
não tenha sido unida ao Filho dele. Por último, devemos também nos lembrar
disso: há só um tipo de graça divina. A graça existente no próprio Deus é a
graça revelada por ele fora de si mesmo. E a graça fora dele próprio só é
revelada a seu povo e a ninguém mais.
A graça irresistível
A graça de Deus é irresistível. Você compreende a ênfase do termo
“irresistível”. Não pense que a graça irresistível seja alguma espécie de força
cega e arrastadora do rebelde pecador em direção ao céu que se debate contra
a sua vontade — como se um policial arrastasse um preso rebelde para o
cárcere. A graça divina não é o poder que compila entrar no céu os não
desejosos de fazê-lo.
Afirmar o caráter irresistível da graça divina enfatiza a ideia de que a graça
não só conduz seu povo à glória, mas ela o prepara para a glória e opera nele
o desejo de entrar na glória. A graça é irresistível no sentido de que por ela o
joelho que, de outra forma, não se dobraria, dobra-se; o coração que, de outra
forma, seria duro como pedra, é amolecido. Inexiste o que possa impedir o
cumprimento do propósito divino de salvar seu povo por meio da graça.
A negação da graça irresistível
Nem todos confessam a verdade da graça divina irresistível. Quem crê na
morte de Cristo por todos os pecadores, não pode acreditar na verdade da
graça irresistível. Existem os defensores, como no nosso caso, de que se é
salvo apenas pela graça. Esses defendem, da mesma forma que nós, que o
pecador fora dela jamais pode ser salvo. Esses, como nós, afirmam que só
pelo poder da graça divina o pecador pode de fato dobrar os joelhos; apenas
pela graça alguém vem a Cristo; somente pela graça as pessoas são
preservadas e guiadas em seu caminho. “No entanto”, dizem esses, “a graça
divina é ministrada a todos, em sentido individual, de modo que as pessoas
que de outra maneira seriam incapazes, podem agora aceitar Cristo e anelar
serem salvas caso desejem”. Esta é a velha heresia do arminianismo.
Você se recorda do holandês Jacó Armínio. Sob sua instigação, alguns
membros da Igreja Reformada Holandesa se apartaram das velhas verdades
da Escritura. Naquele tempo, em 1610, os opositores do calvinismo
compuseram um documento chamado Os cinco artigos da Remonstrância
[orig., Vijf artikelen van de remonstranten] (ou “Os cinco pontos do
arminianismo”). Esses cinco pontos se opunham às cinco verdades que
estamos considerando neste livreto. O quarto artigo desse documento trata do
assunto da resistibilidade da graça. Lê-se como segue:
Que esta graça de Deus é o começo, a continuação e o fim de todo o bem; de modo
que nem mesmo o homem regenerado pode pensar, querer ou praticar qualquer bem,
nem resistir a qualquer tentação para o mal sem a graça precedente (ou preveniente)
que desperta, assiste e coopera. De modo que todas as obras boas e todos os
movimentos para o bem, que podem ser concebidos em pensamento, devem ser
atribuídos à graça de Deus em Cristo. Mas, quanto ao modo de operação, a graça não
é irresistível, porque está escrito de muitos que eles resistiram ao Espírito Santo [At 7
e alibi passim].
Você acompanhou o argumento? É as pessoas são salvas totalmente por meio
da graça. No entanto, todos recebem essa graça. E quem não é salvo, não se
salva por ter resistido à graça outorgada por Deus. Quando alguém é salvo,
porém, isso decorre do recebimento dessa graça e da aceitação de Cristo.
Assim, a salvação emerge do homem que não resiste à graça divina. Contudo,
se o homem rejeita a graça, o Espírito Santo está por completo impotente a
respeito dele, diz o arminiano.
O próprio Jacó Armínio diz quase o mesmo, em Complete Works [Obras
completas] (Vol. 1. p. 253-4); buscando demonstrar a validade de suas ideias,
ele escreveu:
Dessa maneira, atribuo à graça O COMEÇO, A CONTINUIDADE E A CONSUMAÇÃO DE TODO O
BEM, e em ponto tal que o homem, conquanto já regenerado, não pode conceber,
querer, fazer nenhum bem e resistir a qualquer tentação maligna sem essa graça
preveniente e animadora, conseguinte e cooperadora. Por esta declaração fica claro
que não faço injustiça à graça, atribuindo, como se relata a meu respeito, coisas
demasiadas ao livre-arbítrio do homem. Pois a controvérsia inteira é reduzida à
solução da questão: “A graça de Deus é uma força inevitavelmente irresistível?”. Isto
é, a controvérsia não se relaciona com as ações ou operações atribuíveis à graça (pois
as reconheço e inculco como nenhum homem jamais fez), mas sim unicamente ao
modo da operação, se é irresistível ou não. No tocante a isto, acredito, de acordo com
as Escrituras, que muitas pessoas resistem ao Espírito Santo e rejeitam a graça
ofertada.
As igrejas reformadas sempre se opuseram a esse conceito. Devemos nos
opor a ele — a ideia de que a graça soberana, gloriosa e imerecida de Deus é
resistível.
Graça irresistível: uma verdade do calvinismo
Devemos, no entanto, provar a irresistibilidade da graça. Em primeiro lugar,
lembro a você que a verdade da graça irresistível é derivada forçosamente dos
pontos precedentes do calvinismo já tratados nos capítulos anteriores:
depravação total, eleição incondicional e expiação limitada. Não se pode
defender a depravação total e negar a graça irresistível. Você consegue
perceber isso? Se o pecador é de todo depravado, morto em pecado, incapaz
de realizar algum bem, então ele precisa muitíssimo mais que mera
assistência. Dê a um morto uma bengala e tente ajudá-lo a caminhar! Você
sabe que essa assistência não terá nenhum proveito. Antes, o morto deve ser
revivido ou jamais caminhará. O mesmo se dá com o pecador totalmente
depravado. Deus não dá a cada pecador morto uma bengala (graça) e diz:
“Aqui está algo para auxiliar você; agora me sirva!”. Deus não o faz. Em vez
disso, a graça divina deve tomar o pecador morto e fazê-lo viver de novo. A
depravação total implica que a única esperança para o pecador morto é a
irresistivelmente poderosa graça de Deus.
O mesmo se pode dizer da eleição incondicional: essa verdade
necessariamente encerra a irresistível graça divina. Deus escolheu para si
mesmo um povo desde antes da fundação da terra. A execução do decreto
divino não pode repousar na volúvel vontade do homem, mas na graça
irresistível que realizará seu propósito eterno com segurança.
A expiação limitada está também inseparavelmente relacionada com a graça
de Deus. Na expiação, nós confessamos que Cristo morre apenas por seu
povo na cruz, redimindo-o plenamente de seus pecados. Ora, como essa obra
de Cristo se torna nossa? Ela repousa em nosso desejo, quer recebamos quer
não a expiação? Deus permitiria que a morte de seu Filho resultasse em nada
se algumas pessoas pelas quais ele tivesse morrido não fossem salvas? De
forma alguma! Quando o Filho pagou pelos pecados do seu povo, isso
decorreu do poder da graça de divina pela qual a vida de Cristo é concedida
aos que lhe pertencem, e eles são trazidos à vida eterna.
Graça irresistível: uma verdade da Escritura
Mas é preciso que você o prove a partir da Escritura. Sim, você terá a prova
bíblica. O que Deus ensina sobre isso em sua Palavra? Os arminianos querem
que consideremos Atos 7. Dizem eles que Atos 7 ensina a graça divina
resistível. Examinemos essa passagem. O versículo 51 afirma: “Homens de
dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao
Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós fazeis”. Estêvão
se dirige aos judeus que estavam prestes a apedrejá-lo. “Vós sempre resistis
ao Espírito Santo”, diz ele. Isso não dá a impressão de que a graça divina é
resistível? Outras passagens da Escritura aparentemente falam do mesmo
modo. Mas lembre-se: em Atos 7 Estêvão está falando aos judeus a respeito
das palavras dos profetas proferidas aos judeus no passado. Ao resistirem às
palavras desses profetas, os judeus haviam resistido ao Espírito Santo. Como
eles fizeram isso? O Espírito Santo revela a Palavra de Deus a homens
santos: profetas e apóstolos. O Espírito Santo utiliza ministros da Palavra
para proclamar a Palavra divina por todas as eras: aos judeus da antiga
dispensação, e a todas as tribos e línguas na nova dispensação. E o que as
pessoas que odeiam a Palavra fazem? Elas resistem; rebelam-se; mostram
desdém. Pegam os homens usados pelo Espírito de Deus para proclamar a
Palavra e os matam. Estêvão está falando de tudo isso. Ele não está lhes
contando que o Espírito de Deus foi dado a todos para conduzir todos ao
arrependimento — e sim que muitos resistiram. Com certeza não é isso.
Porém, ao Espírito se resiste quando as pessoas resistem aos homens santos
enviados pelo Espírito.
Considere agora outras passagens pertinentes da Escritura. Leia João 3.3 e 5
particularmente: “A isto respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo
que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. […] Em
verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito não
pode entrar no reino de Deus”. O que ensina essa passagem? Ali é
apresentada, em primeiro lugar, a figura do nascimento — o novo
nascimento. O que significa? No nascimento físico, quem nasce exerce a
própria vontade a fim de vir à luz? Dá-se consoante seu querer que ele seja
concebido ou trazido à existência? Impossível! Nasce-se neste mundo
pecaminoso, e aqui se deve viver o período de vida concedido. Por isso, a
Escritura usa o termo “novo nascimento”. Esta expressão “nascer de novo”
serve para enfatizar o que acontece na esfera espiritual. Deus não espera para
ver se alguém desejará nascer de novo; ele forma um povo para si mesmo
dando-lhe a vida de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele faz também que essa vida
cresça e se desenvolva. “Quem não nascer da água e do Espírito não pode
entrar no reino de Deus”. Ah, sim; é essa graça irresistível que leva ao
nascimento dos eleitos de Deus. Além do que, a expressão “nascer de novo”
também pode ser vertida “nascer do alto”. Essa mesma passagem também
declara: “se alguém não nascer de novo, não pode VER o reino de Deus”.
Quem não pode ver esse reino, sequer consegue acreditar em sua existência.
Este é o sentido dessa passagem: ninguém pode ver o reino do céu a não ser
que nasça outra vez. Sem dúvida a ênfase é a inexistência, no pecador morto,
do exercício da vontade para enxergar. Pela graça de Deus ocorre o novo
nascimento. Só aí ele pode ver.
Volte agora a Efésios 2.10: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus
para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos
nelas”. De quem é a obra da salvação? Somos feitura dele. O artista cria sua
obra como quer. Ele não pergunta à argila a ser moldada: “Que forma você
deseja assumir?”. O barro é moldado de acordo com a vontade do artista. De
igual modo somos também manufatura de Deus. Ele mesmo forma seu povo
para que este seja o que é agora. Também o profeta o declara em Isaías 43.21:
“… ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor”. Isso é graça
irresistível. Esse poder divino não aguarda a aceitação de Cristo da parte de
miseráveis pecadores — contudo, ele os forma para integrarem seu povo. Por
conseguinte, anunciam o seu louvor.
Leia agora João 6.37: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que
vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”. Versículo 44: “Ninguém pode
vir a mim se o Pai, que me enviou, o não trouxer; e eu o ressuscitarei no
último dia”. Versículo 65: “E prosseguiu: Por causa disto é que vos tenho
dito: ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido”.
Repare: ninguém pode vir a Cristo a menos que isso lhe seja concedido pelo
Pai. Todos os que o Pai dá virão. Como? Esses virão porque “o Pai” os traz,
diz Jesus, “e eu o[s] ressuscitarei no último dia”. Essa é a graça divina
irresistível que toma o pecador morto e o conduz a Cristo.
Recorde agora a maravilhosa história de Lídia em Atos 16: “Certa mulher,
chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus,
nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo
dizia” (v. 14). O coração de Lídia foi aberto pelo Senhor. Isso soa muito
diferente do tipo de canções religiosas que se ouvem hoje proclamando:
“Abra seu coração e o deixe entrar”. Você tem ouvido esse tipo de coisa. E os
evangelistas dos dias atuais declaram: “Cristo está de pé esperando à porta do
seu coração; você não quer permitir que ele entre antes que seja tarde
demais?”. Citei isto também do “cheque do evangelho”: “Abra seu coração e
o deixe entrar”. A Escritura, no entanto, jamais diz isso. É verdade que em
Apocalipse 3.20 Jesus é apresentado batendo à porta. Mas essa não é a porta
do coração de ninguém. Ele bate à porta da igreja corrupta de Laodiceia e
chama à separação os que ainda amam a Palavra de Deus. Contudo, Cristo
não bate ao coração de ninguém. O Senhor abriu o coração de Lídia — então
ela ouviu e creu. Esse é o poder irresistível da graça do nosso Deus. Ele abre
à força o coração fechado, e o filho de Deus crê.
Lê-se em Atos 13.48: “… e creram todos os que haviam sido destinados para
a vida eterna”. Isso também enfatiza o conceito afirmado antes: os eleitos de
Deus com toda a certeza são salvos por ele. Quem ele destinou para a vida
eterna, sem dúvida, crê. Qual é a explicação para isso? Há uma propensão
neles? Não, não há. Só a graça divina e irresistível efetua o que o Senhor
determinou fazer.
Graça irresistível: uma verdade confessional
Nossas confissões ensinam a mesma coisa. Os Cânones de Dort em especial
enunciam essa verdade mais belamente do que eu jamais o poderia. Cito isto
do 3.o e 4.o Capítulos, Artigo 10:
Outros que são chamados pelo ministério do Evangelho vêm e são convertidos. Isto
não pode ser atribuído ao homem, como se ele se distinguisse por sua livre vontade de
outros que receberam a mesma e suficiente graça para fé e conversão, como a heresia
orgulhosa de Pelágio afirma. Mas isto deve ser atribuído a Deus: como ele os
escolheu em Cristo desde a eternidade, assim ele os chamou efetivamente no tempo.
Ele lhes dá fé e arrependimento; ele os livra do poder das trevas e os transfere para o
reino de seu Filho. Tudo isso ele faz a fim de que proclamem as grandes virtudes
daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz e se gloriem, não em si
mesmos, mas no Senhor, como é o testemunho geral dos escritos apostólicos.
Essa é a confissão de todos aqueles genuinamente reformados. O Artigo 11
da mesma confissão enuncia:
Deus realiza seu bom propósito nos eleitos e opera neles a verdadeira conversão da
seguinte maneira: ele faz com que ouçam o evangelho mediante a pregação e
poderosamente ilumina suas mentes pelo Espírito Santo de tal modo que possam
entender corretamente e discernir as coisas do Espírito de Deus. Mas, pela operação
eficaz do mesmo Espírito regenerador, Deus também penetra até os recantos mais
íntimos do homem. Ele abre o coração fechado e enternece o que está duro,
circuncida o que está incircunciso e introduz novas qualidades na vontade. Esta
vontade estava morta, mas ele a faz reviver; era má, mas ele a torna boa; estava
indisposta, mas ele a torna disposta; era rebelde, mas ele a faz obediente, ele move e
fortalece esta vontade de tal forma que, como uma boa árvore, seja capaz de produzir
frutos de boas obras (1Co 2.14).
Os outros artigos são igualmente pertinentes. Leia-os. Essa é a confissão em
que as igrejas reformadas expressam sua crença sobre o ensino inequívoco da
Palavra de Deus.
Outras confissões eclesiásticas ensinam a mesma verdade. A Confissão de fé
de Westminster, no Capítulo X (Da vocação eficaz), Artigo I, afirma:
Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido chamar
eficazmente pela sua Palavra e pelo seu Espírito, no tempo por ele determinado e
aceito, tirando-os daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza para a
graça e salvação, em Jesus Cristo. Isso ele faz iluminando o entendimento deles,
espiritual e salvificamente, a fim de compreenderem as coisas de Deus, tirando-lhes o
coração de pedra e dando lhes um coração de carne, renovando as suas vontades e
determinando-as, pela sua onipotência, para aquilo que é bom, e atraindo-os
eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para
isso dispostos pela sua graça.[28]
Está claro o quadro? Tanto a confissão da Escritura quanto as confissões da
igreja, baseadas na Escritura, declaram que a graça divina é poder irresistível
de Deus mediante o qual ele salva seu povo em Cristo.
O conforto dessa verdade
Isso, porém, significa algo para você? O que a graça divina irresistível quer
dizer para você? Ela deve significar alguma coisa, pois se trata da base do
consolo para o cristão. Imagine se algum dia negássemos a graça irresistível
de Deus. Naturalmente, isso significaria, antes de tudo, a negação do que a
própria Escritura ensina a respeito do poder da graça divina. Por si só, isto é
algo sério — brincar com a revelação divina a respeito do próprio Deus.
Além disso, fosse a graça divina resistível, isto significaria que deixaria de
existir qualquer garantia a respeito da minha salvação. Se a graça de Deus
fosse apenas uma influência resistível, então eu estaria perdido — pois eu não
quereria a minha salvação. Caso eu possa resistir, irei resistir. Se a graça de
Deus fosse resistível, nenhum cristão conseguiria sobreviver a esta era
maligna. Só posso me manter por intermédio da graça que não apenas me
salva, mas me conserva todos os dias — até o fim.
Este é o nosso conforto, e o conforto dos nossos filhos: a graça divina
irresistível não só me atrai, mas me preserva e glorifica por causa de Jesus.
Estou salvo no mais alto grau pelo poder da graça divina. O Diabo nunca
poderá mudar isto — tampouco os homens maus desta época. Eles tentarão,
mas não poderão nos tirar da mão do Pai. A velha natureza que ama o mundo
e visa às coisas das trevas não podem com sucesso se opor à irresistível graça
de Deus. Pois sua graça vem e me quebranta. Ela amolece meu coração
empedernido; curva minha dura cerviz. Pega meu braço, que por natureza se
levantaria em rebelião contra Deus, e o faz bater sobre meu peito de maneira
a bradar: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!”. Tal é a
irresistibilidade da graça de nosso Deus. Ela me torna filho dele. Ela me
conduz nas veredas da justiça. E por fim me glorifica consoante à sua
promessa por causa de seu nome mediante Jesus Cristo nosso Senhor.
Então podemos cantar com o poeta antigo, que também deve ter
experimentado a maravilha da irresistível graça divina, já que exclamou: [29]
Maravilhosa graça, quão doce o som,
Que salvou um maldito como eu.
Estive perdido, mas agora fui encontrado;
Estive cego, mas agora vejo.
Foi a graça que ensinou meu coração a temer,
E a graça minhas lágrimas enxugou;
Quão preciosa pareceu essa graça
Na hora em que inicialmente cri.
A perseverança dos santos é um ato da graça divina em que Deus preserva os
crentes e santos em Cristo Jesus, por seu poder e mediante a fé, até o fim,
para a salvação e glória, de modo que eles lutem o bom combate da fé, e
jamais possam cair da graça uma vez recebida. A Escritura e as confissões
reformadas ensinam a perseverança dos santos por causa da infalível
preservação da parte de Deus.
[…]
A inquestionável perseverança dos santos se fundamenta na eleição eterna
promovida por Deus. Ela é garantida pela obra do Espírito Santo e pelos dons
ilimitados da graça, e assegurada pela própria intercessão de Cristo a favor
dos seus, pois sua oração com certeza será ouvida. For fim, ela está na
própria natureza da vida espiritual dos santos, pois sua vida é eterna. Quem
crê no Filho tem a vida eterna e, portanto, nunca pode perecer. Deus, que
implantou a vida eterna no coração dele, a preservará para a glória final.
Rev. Herman Hoeksema
Capítulo 5: A perseverança dos santos
Rev. Gise J. Van Baren
Lê-se em Apocalipse 21: “Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro
céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade
santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como
uma noiva adornada para o seu esposo. Então ouvi uma grande voz do trono,
dizendo: Eis que o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com
eles. Eles serão os povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes
enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá; já não haverá luto,
nem pranto, nem dor, porque já as primeiras coisas passaram. E aquele que
está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E
acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras” (v. 1-5).
Isso é belo, não é? Foi-nos dada a descrição dos novos céu e da nova
terra onde a justiça mora. Mas você está convencido de que chegará lá? Tem
certeza, neste exato momento, sem a mínima dúvida, de que esse lugar é o
seu lugar? Vivemos na presente era e, apesar de o fim estar próximo, a
estrada diante de nós parece longa e traiçoeira. Existem armadilhas postas
pelos ímpios para nos apanhar a alma. Suas tentações nos rodeiam ao longo
da estrada para a glória, pois eles procuram nos fazer desviar. Você pensa
então que inquestionavelmente chegará a Nova Jerusalém? Você conseguirá
aguentar até o fim diante das ameaças adicionais? Há perseguição ao longo
do caminho antes de chegar aos novos céus e a nova terra. E no tempo em
que vivemos sobre a terra, ainda temos a carne pecaminosa: ela deseja
desfrutar deste mundo, e cai em pecado com muita frequência. Chegaremos
nós àquele glorioso lugar descrito em Apocalipse 21?
Você se lembra do que o salmista disse em Salmos 69.2-4? “Estou
atolado em profundo lamaçal, que não dá pé; estou nas profundezas das
águas, e a corrente me submerge. Estou cansado de clamar, secou-se-me a
garganta; os meus olhos desfalecem de tanto esperar por meu Deus. São mais
do que os cabelos de minha cabeça os que, sem razão, me odeiam; são
poderosos o meus destruidores, os que com falsos motivos são; por isso,
tenho de restituir o que não furtei”. O salmista de fato via as terríveis ciladas
ao longo do itinerário. Salmos 38.3, 4 expressa o mesmo fato: “Não há parte
sã na minha carne, por causa da tua indignação; não há saúde nos meus ossos,
por causa do meu pecado. Pois já se elevam acima da minha cabeça as
minhas iniquidades; como fardos pesados, excedem as minhas forças”.
Outras passagens expressam a mesma ideia. Você entende a mensagem, não
entende? Entre aqui e o céu há um longo caminho pelo qual o filho de Deus
deve seguir — caminho em que existem ameaças e perigos de todos os lados.
Você ficará firme ao longo de todo o curso?
Esta questão é o assunto deste ensaio. Nós confessamos a verdade da
perseverança dos santos. Sustentamos que, apesar da escuridão e dos perigos
que se ocultam de todos os lados do caminho, o filho de Deus será preservado
e perseverará até a nova Jerusalém descer dos céus.
Se você está seguindo a ordem das palestras proferidas e apresentadas
por escrito neste livreto, deve admitir que se os quatro pontos precedentes do
calvinismo são verdadeiros, então o quinto decorre deles como a letra B se
segue à letra A. Confessamos as verdades da depravação total, eleição
incondicional, expiação limitada e graça irresistível. Se as quatro são
verdadeiras, e elas o são, então a quinta, relacionada com a perseverança dos
santos, é uma decorrência natural. Logo depois o destacarei com maior
precisão.
A verdade da perseverança dos santos é uma verdade tão nitidamente
encontrada na Escritura que causa espanto o fato de alguém poder questioná-
la. Espero indicar alguns dos textos mais pertinentes neste texto.
O assunto que sobre o qual ora refletimos é “A perseverança dos
santos”. Consideremos em primeiro lugar: O que é a perseverança dos
santos? Em segundo lugar, devemos considerar sua base: como alguém sabe
que os santos perseverarão até o fim? Por último, devemos perceber o
maravilhoso consolo contido nessa verdade.
Os termos usados
Há dois termos em nosso tópico: “perseverança” e “santos”. Devemos
compreendê-los com clareza. Em primeiro lugar há o termo: “santos”. A
quem se refere? Às vezes as pessoas pensam de forma errônea que o santo é
alguém muito acima de todas as pessoas comuns na igreja. O santo seria
alguém que teria realizado uma grande quantidade de boas obras e, portanto,
estaria acima de todas as outras pessoas e mereceria ser louvado. Essa ideia
provém da Igreja de Roma, que faz acepção de pessoas e afirma que, em
virtude do excesso de boas ações, os santos podem entrar no céu de imediato.
Contudo, essa não é o conceito de santidade derivado das Escrituras. De
acordo com a Palavra, o santo é uma pessoa que se separa e que é separada.
O santo é um indivíduo escolhido pelo Deus vivo desde a eternidade
mediante Jesus Cristo nosso Senhor. Não se trata de alguém melhor que
outros, mas de uma pessoa retirada do barro sujo de pecado e morte. O santo
é regenerado, chamado, convertido, de modo que agora vive em união
consciente com Jesus Cristo, seu Senhor. Ele é então separado deste mundo, e
é transformado em alguém reto e santo. Isto é um santo. Não afirmo que ele
seja um homem sem pecado; digo que ele é santo por causa de Jesus. E
confessamos que estamos enumerados entre os santos.
A esses santos, ainda que imperfeitos na terra, que a Palavra de Deus se
dirige repetidas vezes. As epístolas foram escritas para os “santos” de
algumas cidades. Desses santos é que falamos.
Em segundo lugar, há o termo, “perseverança”. Por meio dele, queremos
designar alguém que continua no estado de santidade e justiça a que foi
elevado por meio da obra do Espírito Santo, e continua nesse estado em todo
o caminho pelo vale da sombra da morte até, por fim, a condução à glória.
De pronto a perseverança preconiza perigos ou ameaças à nova vida recebida
por alguém. Existem os que procuram retardar, destruir e tirar de alguém essa
fé viva que confessamos nossa por causa de Jesus.
Mas a perseverança da mesma forma pressupõe que, apesar de os perigos
estarem presentes em todos os lados, através todos eles em segurança até o
dia de recebermos a glória divinamente prometida a nós em Cristo. Há uma
passagem da Escritura que salienta essa verdade de forma clara: 1 Coríntios
15.58. Lembra-se dela? Depois de o apóstolo haver falado muitas coisas
sobre a ressurreição de Cristo e nossa ressurreição nele, Paulo declara:
“Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e abundantes na
obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão”. Este é
o conceito; esta é a perseverança dos santos. E embora a palavra,
“perseverança”, seja usada só uma vez na Bíblia, o conceito é encontrado por
toda a Escritura, incluindo-se a passagem de 1 Coríntios 15.
O conceito arminiano de perseverança
Vocês estão cientes, presumo, de que o quinto ponto, junto com os outros
quatro pontos do calvinismo, foi proposto em oposição à heresia conhecida
como arminianismo. Havia nos Países Baixos, no início do século XVII, um
grupo influenciado por Armínio. Este ensinava que o santo também pode cair
da graça. Esse indivíduo pode ser um santo real; ele pode ser santo e justo;
pode verdadeiramente ser regenerado — e, no entanto, cair da graça. Farei a
citação, das obras deles, para mostrar que isso é o que eles de fato ensinam.
Em primeiro lugar, cito do quinto artigo da Remonstrância, os chamados
Artigos arminianos, escritos em 1610. Preste muita atenção. Repare como os
arminianos definitivamente questionam a verdade da perseverança dos
santos.
Que aqueles que são enxertados em Cristo por uma verdadeira fé, e que assim foram
feitos participantes de seu vivificante Espírito, são abundantemente dotados de poder
para lutar contra Satã, o pecado, o mundo e sua própria carne, e de ganhar a vitória;
sempre — bem entendido — com o auxílio da graça do Espírito Santo, com a
assistência de Jesus Cristo em todas as suas tentações, através de seu Espírito; o qual
estende para eles suas mãos e (tão somente sob a condição de que eles estejam
preparados para a luta, que peçam seu auxílio e não deixar de ajudar-se a si mesmos)
os impele e sustenta, de modo que, por nenhum engano ou violência de Satã, sejam
transviados ou tirados das mãos de Cristo [Jo 10.28]. Mas quanto à questão se eles
não são capazes de, por preguiça e negligência, esquecer o início de sua vida em
Cristo e de novamente abraçar o presente mundo, de modo a se afastarem da santa
doutrina que uma vez lhes foi entregue, de perder a sua boa consciência e de
negligenciar a graça — isto deve ser assunto de uma pesquisa mais acurada nas
Santas Escrituras antes que possamos ensiná-lo com inteira segurança.
Reparou com quanta habilidade o texto acima é afirmado? Os arminianos
também enfatizam o poder cooperador do Espírito Santo. O artigo é
cuidadoso em declarar, não que os santos NÃO perseverem, mas, antes, que a
matéria não está incontestavelmente determinada pela Escritura.
Contudo, mais tarde o arminiano rejeitou abertamente a ideia de perseverança
dos santos. Cito isto de John Wesley como foi apresentado no livro Elements
of Divinity [Elementos de teologia], por Ralston, página 455.
Pode então o filho de Deus ir para o inferno? Ou pode alguém ser filho de Deus hoje e
filho do Diabo amanhã? Se Deus é nosso Pai uma vez, não é ele nosso Pai sempre?
Respondo: 1. O filho de Deus, isto é, o crente verdadeiro (pois crê ter nascido de
Deus), enquanto continuar crente autêntico, não pode ir para o inferno. 2. Se o crente
naufragar na fé, ele não mais é filho de Deus; então pode ir para o inferno, sim, e com
certeza irá, caso prossiga na incredulidade. 3. Se o crente pode naufragar na fé, então
quem agora crê pode se tornar descrente algum tempo depois; sim, possivelmente
amanhã; assim, o filho de Deus hoje pode ser filho do Diabo amanhã. Pois, 4. Deus é
o Pai dos crentes, enquanto crerem; contudo, o Diabo é o pai dos que não creem,
tenham eles outrora crido ou não.
O resumo de tudo isto é: Se as Escrituras são verdadeiras, os santos, ou justos no juízo
do próprio Deus — os dotados da fé purificadora do coração, produtora da boa
consciência; os enxertados na boa oliveira, a Igreja espiritual e invisível; os ramos da
Igreja espiritual e invisível; os galhos da videira verdadeira, de quem Cristo diz: “Eu
sou a videira, vós as varas”; os conhecedores de Cristo de modo eficaz e escaparam
das profanações do mundo; os que veem a luz da glória de Deus na face de Jesus
Cristo e foram feitos partícipes do Espírito Santo, do testemunho e dos frutos do
Espírito; os que vivem pela fé no Filho de Deus; os santificados pelo sangue do
concerto — PODEM, NÃO OBSTANTE, CAIR DA GRAÇA DE DEUS DE MODO A PERECER PARA
SEMPRE.

Aquele, pois, que cuida estar em pé veja que não caia. [1Co 10.12]
As palavras em destaque são ênfase minha. A citação não deixa dúvida. As
palavras não poderiam ser mais explícitas. O santo, diz Wesley, o filho de
Deus que vive de modo espiritual, pode cair da graça e por último ser lançado
no inferno, apesar de Cristo ter morrido por ele.
Os textos usados pelos arminianos como provas
Como é esperado, os arminianos alegam contar com o apoio da Escritura.
Quando alguém lê as passagens que eles citam, começa a achar que de fato o
arminiano provou pela Bíblia seu ponto de vista. Não me é possível
mencionar todas as passagens comumente citadas. Entretanto, há algumas,
representativas, que devemos levar em conta. Uma delas é Hebreus 6.4-6: “É
impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o
dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa
palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível
outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão
crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia”. Isto
não parece ensinar a apostasia dos santos? O que você diria sobre isso? Essas
pessoas que anteriormente foram iluminadas, provaram o dom celestial,
tornaram-se participantes do Espírito Santo (etc.) — não ensinam os
arminianos com correção a possibilidade de cair da graça?
Outra passagem é Romanos 11.17, 20-22: “Se, porém, alguns dos ramos
foram quebrados, e tu, sendo oliveira brava, foste enxertado em meio deles e
te tornaste participante da raiz e da seiva da oliveira […] Bem! Pela sua
incredulidade, foram quebrados; tu, porém, mediante a fé, estás firme. Não te
ensoberbeças, mas teme. Porque, se Deus não poupou os ramos naturais,
também não te poupará. Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus:
para com os que caíram, severidade; mas, para contigo, a bondade de Deus,
se nela permaneceres; doutra sorte também tu serás cortado”. O que se pode
dizer dessa passagem? Há um enxerto e um corte. Não seria isso a deserção
dos santos? Os arminianos dizem: “Sim”.
Também se lê em 1 Timóteo 1.19, 20: “… mantendo fé e boa consciência,
porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé.
E dentre esses se contam Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás,
para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem”. Alguns naufragaram
na fé e são lançados à destruição. Isso prova a apostasia dos santos, não é? Os
arminianos dizem: “Prova”.
O que você diria destes textos? Em primeiro lugar, essas passagens não
significam a existência da deserção de santos. Independentemente de seu
sentido, elas não podem significar isto. Do contrário, alguns textos entrariam
em conflito entre si e contradiriam centenas de outras passagens da Escritura.
E a Escritura não se contradiz.
Pode-se encontrar explicação para todas essas passagens citadas. Um dos
modos mais simples de refutar todos os argumentos arminianos é mencionar
1 João 2.19: “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos;
porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia,
eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos”.
Esta é a principal explicação para a maioria das passagens usadas pelos
arminianos para negar a perseverança dos santos. Alguns de fato aparentam
ser dos nossos: são chamados “cristãos”, falam como cristãos — todavia,
saem da igreja. O próprio fato de terem ido embora prova que nunca
pertenceram a nós de verdade. E assim se deve compreender Hebreus 6.
Houve indivíduos iluminados (etc.) Eram filhos de Deus regenerados? Não;
neste caso em particular o texto fala de alguém não convertido ou não
regenerado. Tem-se aqui alguém que não havia caído de joelhos em
arrependimento sincero e bradado: “Ó Deus, tem misericórdia de mim,
pecador!”. Porém, o homem de Hebreus 6 é uma das pessoas que, por uma
razão ou outra razão, se une à igreja na terra. Ouviu a Palavra pregada. Nesse
sentido também provou a boa Palavra de Deus. Anunciou a Palavra. Foi feito
“participante” do Espírito Santo. Ou seja, desfrutou dos outros meios de
graça dados à igreja: o batismo e a ceia do Senhor. Esse hipócrita finge ser
reto e santo até revelar, por fim, seu verdadeiro caráter e vai embora. É de
gente assim que Hebreus fala. Caso apostatem, é impossível renovar-lhes o
arrependimento, visto que crucificam de novo para si o Filho de Deus e o
expõem à ignomínia. Os versículos subsequentes de Hebreus 6 evidenciam
esse conceito.
Ou reflita sobre a passagem de Romanos 11. No texto se faz menção do corte
e enxerto na oliveira. Mas quem lê a passagem com cuidado percebe que o
apóstolo está comparando o ocorrido com a igreja da antiga dispensação com
o que acontece na nova. Por toda a antiga dispensação Deus congregou seu
povo dentre os judeus. Depois do Pentecoste, ele ainda recebeu muitos
indivíduos dentre os judeus, mas muitos outros foram cortados em suas
gerações. No tempo do Pentecoste, gerações inteiras de judeus foram
separadas da igreja; e os gentios em suas gerações foram introduzidos. Agora
o apóstolo avisa aos gentios que, em suas gerações, a falta de fé resulta nisto:
gerações, ramos apodrecidos, são cortadas. Isso também acontece. Não são os
santos individuais cortados da árvore viva que é Cristo, mas as gerações
desobedientes são cortadas — em outros tempos denominadas “igreja”.
Além disso, há ainda a referência a Himeneu e Alexandre. Nota-se aí a
mesma coisa apresentada em Hebreus 6. Esses homens exibiam piedade e fé
fingidas. A fé postiça os fez naufragar. Eles se apartaram. Não se trará de
apostasia dos santos, mas da exposição de hipocrisia. Os textos usados pelos
“arminianos” não invalidam a perseverança dos santos.
Perseverança de acordo com a Escritura e a confissão de fé
Posso afirmar em primeiro lugar que do princípio ao fim a Palavra de Deus
enfatiza a necessidade de perseverança da parte dos santos. Eles devem ser
firmes, constantes, sempre atuantes na obra do Senhor. Esse é o chamado da
Igreja de Cristo. É o nosso chamado. Muitas passagens ensinam esta verdade.
Em Apocalipse 3.11 (à igreja de Filadélfia) Cristo diz: “Eis que venho sem
demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”. Em
Filipenses 2.12 lemos: “De sorte que, meus amados, assim como sempre
obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha
ausência, assim também operai a vossa salvação com temor e tremor”.
E o cristão perseverará. Quer prova? Leia João 5.24: “Em verdade, em
verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou
tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”. Não
é claro o texto? O que é verdadeiro aqui o ouvinte da palavra de Cristo e
crente nela? A Escritura não declara que esse poderá um dia obter a vida
eterna, ou que a receberá de modo condicional; antes, ele já a tem. É sua
agora. E ninguém entrará em juízo, e de fato passou da morte para a vida. A
promessa é segura.
Romanos 8 enfatiza a mesma verdade: “Quem nos separará do amor de
Cristo?” [v. 35]. Esta Palavra de Deus reforça o argumento exatamente neste
aspecto: nada há que possa ou vá nos separar do amor de Deus em Cristo.
Nada.
Ou leia a própria confissão de Paulo em 2 Timóteo 4.7, 8: “Combati o bom
combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me
está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente
a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”. Paulo não questiona
se a coroa estará ali; ele afirma a garantia que é depositada para ele e para
todos os santos.
Devemos ora ponderar sobre as confissões das igrejas reformadas. Em Os
cânones de Dort existe uma seção inteira tratando do assunto ora em
discussão. Citarei uma passagem pertinente: o Artigo 9 [do 5.° Capítulo da
Doutrina.]
Os crentes podem estar certos e estão certos dessa preservação dos eleitos para a
salvação e da perseverança dos verdadeiros crentes na fé. Esta certeza ocorre de
acordo com a medida de sua fé, pela qual eles creem que são e permanecerão
verdadeiros e vivos membros da Igreja, e que têm o perdão dos pecados e a vida
eterna.
Esta é a confissão das igrejas reformadas desde 1618-1619 e mesmo antes.
Perseverança e preservação
Quando se fala da perseverança dos santos, há um elemento que torna a
perseverança absolutamente certa, um elemento que jamais pode ser
esquecido. Quem persevera o faz por ser preservado pelo Deus vivo — e não
há outra razão possível para a perseverança. Caso se fale com um arminiano a
respeito da perseverança dos santos, é muito possível que ele não discorde de
você. O arminiano de pronto mencionará a existência da perseverança e de
seu caráter impreterível — e ela ocorrerá, caso permaneçamos firmes até o
fim. Se continuarmos a guardar a verdade da Palavra de Deus, então
perseveraremos até o fim. Nós que temos o poder de perseverar caso
queiramos; mas também podemos perder o que temos e assim nos perdermos.
Assim, o arminiano também insta o santo a perseverar. Ele, porém, em
seguida, ensina a possibilidade real de um santo se perder em sentido final.
De nossa parte, negamos essa possibilidade. O santo não pode cair porque
sua preservação não repousa no próprio procedimento, mas no poder do todo-
poderoso Deus. Muitos argumentos poderiam ser apresentados para
demonstrar essa verdade. Pode-se trazer à memória o fato de que os atributos
de Deus necessariamente implicam a óbvia preservação do santo. Deus revela
sua misericórdia, seu amor, sua justiça, sua graça, sua verdade e seu poder
onipotente. Reflita sobre cada um dos atributos, pois em essência são todos
apenas um, e reconheça que, necessariamente, eles indicam o fato de que
Deus deve preservar o próprio povo; caso contrário ele não seria Deus.
Apêndice
Breve esboço de Os Cânones de Dort (1618-1619)
Os cinco pontos originais do calvinismo
Rev. Angus Stewart
1.o Capítulo: A divina eleição e reprovação (eleição incondicional)
A. História
1. Todos pecaram e merecem a morte eterna;
2. Deus enviou seu Filho;
3. Deus envia pregadores;
4. Nem todos creem.
B. Explicação
5. A fonte da fé e incredulidade;
6. A fé ocorre de acordo com o decreto de Deus.
C. Significado
7. Definição de eleição;
8. Uma única eleição;
9. Eleição incondicional;
10. Eleição soberana;
11. Eleição imutável.
D. Elaboração
12. A certeza da eleição;
13. A eleição e a piedade;
14. A eleição deve ser pregada;
15. A reprovação sugere a eleição.
E. Diferentes classes de pessoas
16. Os amedrontados pela reprovação;
17. Os filhos de crentes que morrem na infância;
18. Os murmuradores.
2.o Capítulo: A morte de Cristo e a redenção do homem por meio
dela (expiação limitada)
A. A necessidade da redenção em Cristo
1. A justiça divina exige satisfação;
2. Cristo realizou a satisfação;
3. A satisfação realizada por Cristo é de valor infinito;
4. O motivo de a satisfação realizada por Cristo ser de valor infinito.
B. A pregação da redenção em Cristo
5. A promessa do evangelho;
6. A culpa da incredulidade;
7. O dom da fé.
C. A realização da redenção em Cristo
8. A redenção particular;
9. A redenção eficaz.
3.o e 4.o Capítulos: A corrupção do homem, a sua conversão a Deus
e como ela ocorre (depravação total e graça irresistível)
A. A corrupção do homem (v. I.1)
1. A queda;
2. O pecado original;
3. A depravação total.
B. O caminho da salvação
4. A luz da natureza (não);
5. A lei (não);
6. O Espírito Santo e a aplicação do evangelho (sim).
C. A pregação
7. Sua extensão nos dias do AT e NT (v. I.3)
8. Seu chamado sério (v. II.5)
D. As duas respostas
9. Porque alguns se recusam a vir (v. II.6);
10. Porque outros são convertidos (v. II.7).
E. A regeneração
11. A natureza da regeneração;
12. A maravilha da regeneração;
13. O caráter incompreensível da regeneração.
F. A fé
14. A fé é dom de Deus;
15. A fé não é merecida.
G. A responsabilidade do homem
16. Não somos robôs e fantoches;
17. Devemos usar os meios da graça.
5.o Capítulo: A perseverança dos santos (perseverança dos santos)
A. A depravação dos santos
1. O pecado que ainda habita em nós;
2. Nossos pecados e nossas manchas;
3. Nossa incapacidade de perseverar por nós mesmos.
B. Os pecados dos santos
4. Nossa queda em pecados;
5. Os resultados dos nossos pecados;
6. Todavia, não podemos cair de forma definitiva.
C. Porque os santos não podem cair
7. Nossa regeneração e renovação;
8. As obras de Deus, de Cristo e do Espírito Santo.
D. A certeza da preservação e perseverança
9. Ela é obtida por nós;
10. Como é obtida por nós;
11. Ela não exclui a existência de desejos carnais em nós.
E. O fruto da certeza da preservação e perseverança nos santos
12. Não segurança ou orgulho carnal, mas piedade;
13. Não licenciosidade ou desconsideração para com a piedade, mas
vigilância.
F. Diferentes perspectivas sobre a perseverança dos santos
14. Deus usa os meios de graça para preservar os santos;
15. A visão dos ímpios e da igreja sobre a perseverança dos santos.

[1] Kuyper é autor de uma obra clássica sobre o calvinismo e suas implicações para todas
as áreas da atividade humana: Calvinismo (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), 208p.
[2] Cf. as demais obras das Publicações Monergismo para adquirir livros sobre os outros
assuntos.
[3] Segundo o rev. Hermisten Maia da Costa, “a expressão calvinismo foi introduzida em
1552 por Joachim Westphal (c. 1510-1574), polemista e pastor luterano em Hamburgo,
para referir-se aos conceitos teológicos de Calvino, que deplorou a expressão”. Cf. MAIA,
Hermisten. Fundamentos da teologia reformada. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 9,
nota 13.
[4] Sobre João Calvino, cf. o excelente livro “Calvino: mestre da igreja”, publicado pela
Editora Monergismo.
[5] O prof. Herman Hanko foi ordenado e instalado em seu ofício em 1955 na Igreja
Protestante Reformada de Walker (Michigan). Em 1963 aceitou o chamado para servir na
Igreja Protestante Reformada de Doon (Iowa). Em 1965 foi designado professor do
Seminário Protestante Reformado de Grandville (Michigan) onde serviu até a
aposentadoria em 2001. <http://www.prca.org/audiosermons/Ministers/HermHanko.htm >
[N. do R.]
[6] Homer C. Hoeksema, nascido em 30 de janeiro de 1923, morreu aos 17 de julho de
1989. Ele era o segundo filho do rev. Herman Hoeksema. [N. do T.]
[7] O rev. Gise J. van Baren foi ordenado ao ministério e instalado em outubro de 1956 em
Doon (Iowa). Ele aceitou o chamado de diversas igrejas ao longo dos anos: em 1962 serviu
à Igreja Protestante Reformada de Randolph (Wisconsin). Em 1965, à Primeira Igreja
Protestante Reformada de Grand Rapids (Michigan). Em 1977 à Igreja de Hudsonville
(Michigan). Em 1994 atendeu ao chamado da Igreja Protestante Reformada de Loveland
(Colorado) onde permaneceu até à jubilação em setembro de 1999.
<http://www.prca.org/audiosermons/Ministers/VanBaren.htm> [N. do R.]
[8] Todas as citações foram extraídas da versão em português de Os Cânones de Dort: os
cinco artigos de fé sobre o arminianismo (São Paulo: Editora Cultura Cristã, [s. d.]), 64p.
[9] In: Martinho Lutero: Obras selecionadas, volume 4: Debates e controvérsias, II (São
Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1993, p. 11-216). Existe também uma versão
resumida da obra com o título Nascido escravo (São José dos Campos: Fiel, 2. ed., 2007),
104p. [N. do R.]
[10] A Instituição da Religião Cristã, Tomo I, Livro II, Capítulo I, Parágrafo 8. São Paulo:
Editora UNESP, 2008, p. 234-5.
[11] P. 36.
[12] P. 35.
[13] In: Hinário: hinos salmos confissões formas. Jongbloed [Holanda]: Sínodo das Igrejas
Evangélicas Reformadas do Brasil, 1998, p. 710.
[14] Esta versão portuguesa foi extraída da página
http://www.arminianismo.com/index.php/o-que-e-o-arminianismo. [N. do R.]
[15] Gottschalk de Orbais (c. 808-867?) foi teólogo, monge e poeta saxão, tornou-se
conhecido como um dos primeiros defensores da doutrina da dupla predestinação. De suas
várias obras são conhecidas duas profissões de fé e alguns poemas, editados por Traube
em Monumenta germaniae historica: poetae latini aevi carolini (707-738). Alguns
fragmentos de seus tratados teológicos foram preservados nos escritos de Hincmar de
Reims, João Escoto Erígena, Ratramnus e Lupus Servatus. Exemplares das obras de
Gottschalk (incluindo-se De Praedestinatione) foram descobertas em 1931 em uma
biblioteca de Berna (Suíça). [Estas informações foram traduzidas e adaptadas de um artigo
da Wikipédia em inglês pelo revisor:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Gottschalk_of_Orbais>.]

[16] E também em todos os lugares alcançados pelos missionários reformados: do Brasil à


Indonésia e da Islândia à África do Sul. [N. do R.]
[17] Alusão a Harold Dekker, docente de Missões no Calvin Seminary, em Grand Rapids
(EUA), que liderou um movimento progressista cuja preocupação era com o suposto
solapamento causado pelo dogma da expiação limitada ao alcance das igrejas reformadas.
Pensando assim, ele trabalhou para relançá-lo em termos mais positivos, ou, mais
precisamente, para rebaixá-lo e relegá-lo à última posição. Dekker e seus liderados
sustentam que Deus amou todas as pessoas com um único e mesmo amor: Ele não odeia
pecador algum, apenas o pecado, pecado que puniu com o objetivo de salvar. A expiação
teria sido universal em suficiência, disponibilidade e desejo divino, só limitada na eficácia.
Decerto emerge um paradoxo aqui — “que Deus ama a todos os homens embora nem todos
eles sejam salvos” — mas isso deveria permanecer no “mistério infinito do coração
daquele que é amor em si mesmo”. Desse modo, segundo esse parecer, ao lugar de insistir
na ira divina ou na lista dos que perecerão, os cristãos reformados deveriam se ocupar em
levar a cabo a missão a todos os homens “consoante os claros dados bíblicos”. [N. do T.]
[18] Em inglês, expiação é atonement, que (at-one-ment) comporta a ideia de harmonia.
Segundo o Illustrated Bible Dictionary, 1897, de M. G. Easton, atonement “só ocorre na
[Authorized Version] inglesa do NT em Rm 5.11, onde na [Revised Version] se usa o termo
reconciliation. No AT é de ocorrência frequente. O sentido da palavra é simplesmente at-
one-ment, i.e., o estado de estar em um só ou de estar reconciliado, de sorte que atonement
[expiação] é reconciliação. Desse modo, ela é usada para denotar o efeito que flui da morte
de Cristo”. [N. do T.]
[19] “Ou seja: em harmonia com a doutrina arminiana da eleição estabelecida no Artigo 1”,
como comentou neste ponto o autor do capítulo, Homer C. Hoeksema [N. do R.]
[20] Este parte do texto, com a citação das duas passagens bíblicas, se encontra no original
inglês do livro, mas não na fonte da versão portuguesa transcrita imediatamente antes.
[N. do R.]
[21] Entre colchetes se encontram os comentários do autor do capítulo. No texto em inglês,
elas estavam entre parênteses e eram acompanhadas das iniciais dele (HCH). [N. do R.]
[22] Bíblia de Almeida, na primitiva versão da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.
[N. do T.]
[23] Versões de Almeida (SBBE) e Almeida Revisada (Imprensa Bíblica Brasileira). [N. do
T.]
[24] Essa controvérsia (em torno da graça comum versus graça particular, da oferta sincera
do evangelho versus graça eficaz, da ênfase na responsabilidade humana versus
predestinação e no bem que os ímpios são capazes de realizar versus a doutrina da
depravação total) gerou o Sínodo de Kalamazoo (Michigan, EUA), em 1924. [N. do R.]
[25] 1Co 1.23. [N. do T.]
[26] 1Co 2.2. [N. do T.]
[27] Belo Horizonte: Editora Betânia, 2. ed., 1968, p. 168. [N. do T.]
[28]Cultura Cristã: São Paulo, 17 ed., 2001, p. 92.
[29] No original: Amazing grace, how sweet the sound!/ That saved a wretch like me. / once
was lost, but now am found; / Was blind, but now I see. / 'Twas grace that taught my heart
to fear, / And grace my fears relieved; / How precious did that grace appear / The hour I
first believed. Canção de autoria de Wayne Pascall Acappella. [N. do T.]

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