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HERMAN HANKO
HOMER HOEKSEMA
GISE J. VAN BAREN
© 1976, de Reformed Free Publishing Association
Título do original: The Five Points of Calvinism
Edição publicada pela
Reformed Free Publishing Association (www.rfpa.org)
(Grandville, Michigan, EUA)
1a edição, 2013
Mas nisto se enganam grandemente, porque não existiria eleição, se, por outro lado,
não houvesse reprovação. Diz-se que Deus separa aqueles que adota para que se
salvem. Seria, pois, um notável desvario afirmar que os outros alcançam por
casualidade ou adquirem por sua indústria o que a eleição dá a poucos. Assim,
aqueles por que Deus passa ao eleger, reprova-os; e isto só pela razão de que Ele os
quer excluir da herança que predestinou para seus filhos. Não se pode tolerar a
obstinação dos que não permitem que se lhes ponha freio com a Palavra de Deus,
tratando-se de um juízo compreensível seu, que até os próprios anjos adoram.
Isso é calvinismo e fé reformada.
Em segundo lugar, o decreto de reprovação divina também é um decreto do
seu conselho soberano, eterno e imutável. De acordo com esse decreto, Deus
determinou revelar sua justiça, ira e seu ódio ao pecado, e dessa forma a
santidade do seu ser divino, nos vasos de ira preparados para a destruição e
castigo por toda a eternidade no inferno por causa dos pecados deles.
Esta é a verdade da reprovação.
II. Quais são as negações dessa verdade?
Não é nem um pouco estranho que a verdade da predestinação seja negada de
modo quase universal. A parte triste é sua negação também por quem levanta
a bandeira reformada e alega ser calvinista. Isso é engano.
Há muitas formas de negar a verdade.
Já discutimos a negação do arminianismo. Hoje é evidente que quem adota a
posição arminiana de fato não ensina a doutrina da predestinação. Ela foi
perdida. O arminianismo em especial não tem lugar para a predestinação.
Há outros que negam a verdade apenas silenciando a respeito dela. Talvez
essa seja mais comum que qualquer outra forma de negação nos círculos
reformados. As pessoas dizem crer nela. Mas a omitem de propósito em todas
as suas pregações, todos os ensinos e escritos. A ideia é, sem dúvida, sufocá-
la com o silêncio. Isso também equivale a negar a predestinação. A
justificação apresentada para esse silêncio é que as coisas ocultas pertencem a
Deus. Alega-se que a predestinação pertence às coisas ocultas de Deus, ao
passo que devemos enxergar apenas o conteúdo da revelação concedida a nós
e a nossos filhos. Embora os proponentes dessa alegação insistam crer nessa
doutrina da predestinação, eles se mantêm silentes a respeito dela porque
alegam que ao mencioná-la acabam interferindo nas coisas secretas que não
lhes dizem respeito. Mas tudo isso não é verdade. Ainda que Deus, de fato,
não tenha revelado de forma específica a identidade de cada um dos seus
eleitos, a verdade da eleição em si é encontrada em todas as páginas da
Escritura. Vire-se para na direção que desejar e, se ela não for declarada de
maneira explícita, ao menos se encontra inferida. E pelo fato de ser revelada
com tanta clareza, essa verdade deve constituir também a confissão do povo
de Deus.
Há outros que negam a eleição abertamente. Isso não é verdade só entre os
modernistas; é verdade também nos círculos reformados. Como exemplo
disso segue uma citação retirada de The Reformed Journal [A revista
reformada], edição de janeiro de 1967:
O que dizer da reprovação ou rejeição da parte de Deus? A eleição não implica
logicamente a rejeição? […] A eleição não significa na verdade seleção? […] A
eleição de Israel, embora algumas vezes compreendida de modo incorreto pelo
próprio povo, significa, em última instância, seu chamado para servir a outras nações.
Portanto, não decorre disso a exclusão das outras nações para sempre, mas de Deus
eleger Israel da sua forma para os outros. A eleição, no sentido bíblico, implica
serviço, mas ao que parece não envolve rejeição…
Há dois pontos principais do autor aqui. Em primeiro lugar, o autor ele diz
que a eleição não significa que Deus tenha determinado de forma eterna e
imutável, em Cristo, quem seria o povo destinado a viver com ele para
sempre no céu. Antes, a eleição significa apenas que Deus tomou a o povo de
Israel como nação e a separou para encarregá-la de levar o evangelho ao
mundo todo. De acordo com o artigo, esse é o significado do termo eleição.
Em segundo lugar, pelo fato de a nação de Israel ter sido escolhida para
constituir o veículo pelo qual Deus traz o evangelho ao mundo todo, não há
algo semelhante à reprovação ou rejeição, pois o mundo todo foi eleito em
Israel. E dessa forma, o autor afirma o que ele considera a verdade da
expiação universal e o amor universal de Deus.
Essa é uma negação franca da verdade da eleição e reprovação. Permanece
um mistério como isso pode aparecer sob o nome “reformado”.
Há outros que negam a verdade da predestinação levantando objeções contra
a doutrina. Essas objeções são tão velhas quanto a doutrina. As mesmas
objeções que ouvimos hoje já foram levantadas nos dias de Agostinho — de
fato, nos dias do apóstolo Paulo. Se as examinarmos, elas poderão ser
resumidas a duas principais:
Em primeiro lugar há série de objeções contra a doutrina contendo acusações
contra o próprio Deus. A objeção feita declara que a predestinação faz de
Deus um tirado, o autor do pecado, um ditador caprichoso que de forma
arbitrária escolhe alguns e rejeita os demais. Elas são similares às objeções
consideradas por Paulo considerou em Romanos 9.14, 19:
Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! [...] Tu, porém,
me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade?
Elas são objeções lançadas contra Deus e a justiça.
A outra classe de objeções trata da acusação de fatalismo. Dizem que a
verdade da predestinação é fatalista e similar à doutrina horrível dos
muçulmanos. Essas objeções objetivam acusar a verdade da predestinação de
tornar os homens pecadores descuidados e profanos. A doutrina desperta nos
homens a declaração: “Pequemos para que a graça abunde”. A doutrina força
os homens a dizerem: “Se sou eleito, vou para o céu sem importar o que eu
faça — mesmo que peque grandemente. Desfrutarei muito da vida, pois o
pecado não pode alterar minha eleição. Todavia, se eu não for eleito, não irei
para o céu, não importa quão corretamente conduza minha vida. Portanto, irei
para o inferno se for réprobo, mesmo que viva em santidade. Dessa forma,
devo aproveitar a vida o quanto puder, e pecar o máximo possível. Nada pode
alterar a determinação eterna de Deus”. Assim, dizem, que a doutrina da
predestinação destrói a responsabilidade e prestação de contas do homem, e
faz dele um pedaço de madeira e pedra.
Todas essas objeções são bem antigas.
O que responderemos?
Em primeiro lugar, de modo geral, há tempos essas questões são levantadas
pelo povo sincero de Deus. Eles não questionam para zombar da verdade;
antes o fazem pelo desejo do povo de Deus de entender a verdade com tanta
clareza quanto for capaz. Assim essas perguntas são perfeitamente legítimas.
Na maioria das vezes, entretanto, essas objeções são feitas por homens
perversos que odeiam a verdade. Elas são levantadas para caluniar a verdade,
tornar a doutrina odiosa à mente humana e tentar persuadir os homens a
descartar a doutrina. Quase sempre essas são objeções provenientes de
corações vis e não dos questionamentos humildes do povo de Deus.
É bom se lembrar disso, pois se a motivação for maligna, nada que a
Escritura afirme alterará essas objeções.
Em segundo lugar, devemos estar preparados para admitir o caráter muito
profundo dessa verdade Há de fato questões suscitadas pela mente que
seremos incapazes de responder. Calvino, por exemplo, nos faz lembrar vez
após vez que devemos nos limitar ao que a Escritura diz e não permitir que
perambulemos além dos caminhos pelos quais a Escritura nos leva. Onde a
Escritura nos diz para parar, devemos parar. E, se nesse ponto de parada,
ainda houver questões não respondidas, que assim seja; devemos nos curvar
com humildade diante da verdade da Palavra divina. Contudo, essa verdade é
algumas vezes usada para negar a verdade da predestinação de modo muito
sutil e para impedir de forma total a investigação dessa verdade. Assim, deve-
se enfatizar que, embora não possamos adentrar nos caminhos aos quais a
Escritura não nos leva, devemos seguir por onde a Escritura nos toma pela
mão e nos mostra a glória dessa obra divina. Quando a Escritura nos coloca
essa confissão nos lábios, ela deve de fato nos pertencer. Em terceiro lugar,
com respeito à primeira classe de objeções (acusar Deus de capricho e fazer
dele o autor do pecado), não podemos fazer melhor do que citar a resposta de
Paulo a objeções similares:
Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a
Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-
ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de
quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. Porque a Escritura diz a Faraó: Para
isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja
anunciado por toda a terra. Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também
endurece a quem lhe apraz. Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois
quem jamais resistiu à sua vontade? Quem és tu, ó homem, para discutires com
Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?
Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para
honra e outro, para desonra? (Rm 9.14-21)
Essa é a resposta da Escritura, e deve ser também a nossa.
Por fim, com respeito às acusações de fatalismo, todo filho de Deus sabe em
seu íntimo que elas não são verdadeiras. A história das igrejas reformadas é o
testemunho abundante de sua falsidade. Acaso essa história não foi escrita
com o sangue dos mártires, que não amaram a própria vida até a morte, por
crerem e confessarem a verdade da eleição eterna? Não existe uma longa
galeria de heróis da fé que amaram essa verdade e a confessaram, e sua vida
testemunha o poder da graça divina no coração de cada um deles?
Há motivos para isso. A verdade da eleição não significa apenas que
Deus escolhe os que integrarão seu povo; e não significa apenas a
determinação divina de que eles viverão no céu. Significa também que
Deus garante o caminho de santidade para seu povo no meio do mundo.
O decreto de eleição é o fundamento de todas as bênçãos da salvação. A
eleição foi realizada no Calvário. E nesse lugar a totalidade da salvação
foi operada. Essa mesma salvação é aplicada ao coração dos membros do
povo eleito de Deus pela graça soberana. Esse é o ponto que nossos
Cânones estabelecem de modo contínuo. Esta eleição não é múltipla,
mas ela é uma e a mesma de todos os que são salvos tanto no Antigo
Testamento quanto no Novo Testamento. Pois a Escritura nos prega o
único bom propósito e conselho da vontade de Deus, pelo qual ele nos
escolheu desde a eternidade, tanto para a graça como para a glória, assim
também para a salvação e para o caminho da salvação, o qual preparou
para que andássemos nele (Ef 1.4,5; 2.10). (1.o Capítulo, Artigo 8;
ênfase adicionada. V. tb. 1.o Capítulo, Artigos 6 e 9 citados acima.)
A eleição é a fonte de uma quantidade inumerável de bênçãos que fluem para
o povo de Deus. Pelo poder da eleição eles caminham como povo de Deus
em meio ao mundo. Cristãos descuidados e profanos? Não! Eleitos,
redimidos no sangue da cruz e santificados pelo poder da graça soberana.
III. Qual é sua importância para a Igreja?
A importância dessa doutrina deve ser encontrada em primeiro lugar no
significado teológico. Ela é a verdade central de toda a Escritura. Embora seja
literalmente ensinada em centenas de passagens da Palavra de Deus, ela é
também a verdade fundamental sobre a qual se baseia a totalidade da
Escritura como revelação divina. Está presente em cada passagem,
pressuposta em toda parte, a verdade que integra o todo da revelação divina.
E isso decorre do fato de a Escritura ser a revelação do Deus que salva. Deus
é soberano. Toda a glória pertence só a ele. Essa verdade desperta no coração
a contemplação do Deus adorável dos céus e da terra e nos faz prostrar em
adoração diante dele.
Sustentando essa verdade, portanto, toda a Escritura é uma bela unidade. São
desnecessárias distinções abstratas. Não é preciso seguir uma teologia de via
dupla. Ela é um conjunto maravilhoso. Deus é soberano na escolha do povo.
E por ser soberano, ele redime na cruz a quem escolhe. Ele, o soberano,
deposita seu amor sobre seu povo e odeia os ímpios todos os dias. Como
soberano, ele mostra favor por meio da cruz aos que lhe pertencem; mas
derrama sua ira sobre os praticantes da iniquidade. Portanto, também sua
graça nunca é comum. Ela é sempre particular — concedida por meio da cruz
aos objetos de sua escolha. E é de caráter irresistível porque os escolhidos por
ele sem dúvida serão conduzidos à salvação e bem-aventurança final.
A escolha, portanto, ocorre entre um ponto de vista ou o outro. Podemos
negar a verdade, mas então devemos também fazer de Deus um ser
impotente, formado de acordo com nossos pensamentos, dependente da
vontade instável do homem, reagindo depois de o homem fazer escolhas e
tomar decisões, alterando seu plano de acordo com os caprichos humanos,
totalmente dependente do ato final do homem. Ou fazemos nossa escolha a
favor da verdade da Escritura e sustentamos a verdade do grande e soberano
Deus dos céus e da terra, o único a quem pertence todo o louvor e toda a
glória para sempre.
Dessa forma, a doutrina da eleição, em segundo lugar, proporciona ao povo
de Deus consolo indizível. Somos apenas pecadores que aumentam dia após
dia o peso da própria culpa. Se a salvação fosse deixada a nosso critério,
seríamos lançados no mar tempestuoso da dúvida. Somos incapazes de
merecer algo da parte de Deus. Mas a eleição, a eleição soberana, é a rocha
inamovível sobre a qual permanecemos; e ali, estamos a salvo de todos os
danos. O eleito jamais perecerá: “Entretanto, o firme fundamento de Deus
permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais:
Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”
(2Tm 2.19). Deus preservará a obra da graça no coração dos seus até o final.
Não podemos fazer algo melhor que encerrar o debate nos valendo das
palavras de Paulo para terminar seu argumento a respeito desta verdade. Elas
são encontradas em Romanos 11.33-36:
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão
insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois,
conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu
a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são
todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.
Cristo é o sumo sacerdote do seu povo. E seu povo é constituído pelas
pessoas dadas a ele pelo Pai antes da fundação do mundo. Esses são os
eleitos, escolhidos e ordenados para a vida eterna como resultado da graça
livre e soberana. E seu sacrifício para expiar pecados, foi realizado, não por
todos os homens sem exceção, mas apenas pelos quais a quem o Pai
soberanamente ordenou para a vida eterna, e escolheu em Cristo.
[…]
A doutrina da expiação limitada está em harmonia com toda a Palavra de
Deus. A quem ele conheceu de antemão, e predestinou para a conformidade à
imagem do seu Filho, para que este fosse o primogênito entre muitos irmãos,
também é quem ele chamou, justificou e glorificou (Rm 8.29,30). Mas, sem
dúvida, isso implica que foi também por todos eles que Cristo se ofereceu na
cruz, pois seu chamado, justificação e glorificação descansam na expiação.
Rev. Herman Hoeksema
Capítulo 3: Expiação limitada
Prof. Homer C. Hoeksema
Hoje, quando se ouve a expressão “expiação limitada”, de imediato
vem à mente o debate e, até certo ponto, a controvérsia na comunidade
reformada exatamente acerca deste tópico. E, caso você espere que neste
capítulo eu tenha algo a dizer sobre as questões relacionadas com o que, de
modo geral, veio a ser denominado o “caso Dekker”, eis minha declaração.
[17]
Aquele, pois, que cuida estar em pé veja que não caia. [1Co 10.12]
As palavras em destaque são ênfase minha. A citação não deixa dúvida. As
palavras não poderiam ser mais explícitas. O santo, diz Wesley, o filho de
Deus que vive de modo espiritual, pode cair da graça e por último ser lançado
no inferno, apesar de Cristo ter morrido por ele.
Os textos usados pelos arminianos como provas
Como é esperado, os arminianos alegam contar com o apoio da Escritura.
Quando alguém lê as passagens que eles citam, começa a achar que de fato o
arminiano provou pela Bíblia seu ponto de vista. Não me é possível
mencionar todas as passagens comumente citadas. Entretanto, há algumas,
representativas, que devemos levar em conta. Uma delas é Hebreus 6.4-6: “É
impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o
dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa
palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível
outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão
crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia”. Isto
não parece ensinar a apostasia dos santos? O que você diria sobre isso? Essas
pessoas que anteriormente foram iluminadas, provaram o dom celestial,
tornaram-se participantes do Espírito Santo (etc.) — não ensinam os
arminianos com correção a possibilidade de cair da graça?
Outra passagem é Romanos 11.17, 20-22: “Se, porém, alguns dos ramos
foram quebrados, e tu, sendo oliveira brava, foste enxertado em meio deles e
te tornaste participante da raiz e da seiva da oliveira […] Bem! Pela sua
incredulidade, foram quebrados; tu, porém, mediante a fé, estás firme. Não te
ensoberbeças, mas teme. Porque, se Deus não poupou os ramos naturais,
também não te poupará. Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus:
para com os que caíram, severidade; mas, para contigo, a bondade de Deus,
se nela permaneceres; doutra sorte também tu serás cortado”. O que se pode
dizer dessa passagem? Há um enxerto e um corte. Não seria isso a deserção
dos santos? Os arminianos dizem: “Sim”.
Também se lê em 1 Timóteo 1.19, 20: “… mantendo fé e boa consciência,
porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé.
E dentre esses se contam Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás,
para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem”. Alguns naufragaram
na fé e são lançados à destruição. Isso prova a apostasia dos santos, não é? Os
arminianos dizem: “Prova”.
O que você diria destes textos? Em primeiro lugar, essas passagens não
significam a existência da deserção de santos. Independentemente de seu
sentido, elas não podem significar isto. Do contrário, alguns textos entrariam
em conflito entre si e contradiriam centenas de outras passagens da Escritura.
E a Escritura não se contradiz.
Pode-se encontrar explicação para todas essas passagens citadas. Um dos
modos mais simples de refutar todos os argumentos arminianos é mencionar
1 João 2.19: “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos;
porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia,
eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos”.
Esta é a principal explicação para a maioria das passagens usadas pelos
arminianos para negar a perseverança dos santos. Alguns de fato aparentam
ser dos nossos: são chamados “cristãos”, falam como cristãos — todavia,
saem da igreja. O próprio fato de terem ido embora prova que nunca
pertenceram a nós de verdade. E assim se deve compreender Hebreus 6.
Houve indivíduos iluminados (etc.) Eram filhos de Deus regenerados? Não;
neste caso em particular o texto fala de alguém não convertido ou não
regenerado. Tem-se aqui alguém que não havia caído de joelhos em
arrependimento sincero e bradado: “Ó Deus, tem misericórdia de mim,
pecador!”. Porém, o homem de Hebreus 6 é uma das pessoas que, por uma
razão ou outra razão, se une à igreja na terra. Ouviu a Palavra pregada. Nesse
sentido também provou a boa Palavra de Deus. Anunciou a Palavra. Foi feito
“participante” do Espírito Santo. Ou seja, desfrutou dos outros meios de
graça dados à igreja: o batismo e a ceia do Senhor. Esse hipócrita finge ser
reto e santo até revelar, por fim, seu verdadeiro caráter e vai embora. É de
gente assim que Hebreus fala. Caso apostatem, é impossível renovar-lhes o
arrependimento, visto que crucificam de novo para si o Filho de Deus e o
expõem à ignomínia. Os versículos subsequentes de Hebreus 6 evidenciam
esse conceito.
Ou reflita sobre a passagem de Romanos 11. No texto se faz menção do corte
e enxerto na oliveira. Mas quem lê a passagem com cuidado percebe que o
apóstolo está comparando o ocorrido com a igreja da antiga dispensação com
o que acontece na nova. Por toda a antiga dispensação Deus congregou seu
povo dentre os judeus. Depois do Pentecoste, ele ainda recebeu muitos
indivíduos dentre os judeus, mas muitos outros foram cortados em suas
gerações. No tempo do Pentecoste, gerações inteiras de judeus foram
separadas da igreja; e os gentios em suas gerações foram introduzidos. Agora
o apóstolo avisa aos gentios que, em suas gerações, a falta de fé resulta nisto:
gerações, ramos apodrecidos, são cortadas. Isso também acontece. Não são os
santos individuais cortados da árvore viva que é Cristo, mas as gerações
desobedientes são cortadas — em outros tempos denominadas “igreja”.
Além disso, há ainda a referência a Himeneu e Alexandre. Nota-se aí a
mesma coisa apresentada em Hebreus 6. Esses homens exibiam piedade e fé
fingidas. A fé postiça os fez naufragar. Eles se apartaram. Não se trará de
apostasia dos santos, mas da exposição de hipocrisia. Os textos usados pelos
“arminianos” não invalidam a perseverança dos santos.
Perseverança de acordo com a Escritura e a confissão de fé
Posso afirmar em primeiro lugar que do princípio ao fim a Palavra de Deus
enfatiza a necessidade de perseverança da parte dos santos. Eles devem ser
firmes, constantes, sempre atuantes na obra do Senhor. Esse é o chamado da
Igreja de Cristo. É o nosso chamado. Muitas passagens ensinam esta verdade.
Em Apocalipse 3.11 (à igreja de Filadélfia) Cristo diz: “Eis que venho sem
demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”. Em
Filipenses 2.12 lemos: “De sorte que, meus amados, assim como sempre
obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha
ausência, assim também operai a vossa salvação com temor e tremor”.
E o cristão perseverará. Quer prova? Leia João 5.24: “Em verdade, em
verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou
tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”. Não
é claro o texto? O que é verdadeiro aqui o ouvinte da palavra de Cristo e
crente nela? A Escritura não declara que esse poderá um dia obter a vida
eterna, ou que a receberá de modo condicional; antes, ele já a tem. É sua
agora. E ninguém entrará em juízo, e de fato passou da morte para a vida. A
promessa é segura.
Romanos 8 enfatiza a mesma verdade: “Quem nos separará do amor de
Cristo?” [v. 35]. Esta Palavra de Deus reforça o argumento exatamente neste
aspecto: nada há que possa ou vá nos separar do amor de Deus em Cristo.
Nada.
Ou leia a própria confissão de Paulo em 2 Timóteo 4.7, 8: “Combati o bom
combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me
está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente
a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”. Paulo não questiona
se a coroa estará ali; ele afirma a garantia que é depositada para ele e para
todos os santos.
Devemos ora ponderar sobre as confissões das igrejas reformadas. Em Os
cânones de Dort existe uma seção inteira tratando do assunto ora em
discussão. Citarei uma passagem pertinente: o Artigo 9 [do 5.° Capítulo da
Doutrina.]
Os crentes podem estar certos e estão certos dessa preservação dos eleitos para a
salvação e da perseverança dos verdadeiros crentes na fé. Esta certeza ocorre de
acordo com a medida de sua fé, pela qual eles creem que são e permanecerão
verdadeiros e vivos membros da Igreja, e que têm o perdão dos pecados e a vida
eterna.
Esta é a confissão das igrejas reformadas desde 1618-1619 e mesmo antes.
Perseverança e preservação
Quando se fala da perseverança dos santos, há um elemento que torna a
perseverança absolutamente certa, um elemento que jamais pode ser
esquecido. Quem persevera o faz por ser preservado pelo Deus vivo — e não
há outra razão possível para a perseverança. Caso se fale com um arminiano a
respeito da perseverança dos santos, é muito possível que ele não discorde de
você. O arminiano de pronto mencionará a existência da perseverança e de
seu caráter impreterível — e ela ocorrerá, caso permaneçamos firmes até o
fim. Se continuarmos a guardar a verdade da Palavra de Deus, então
perseveraremos até o fim. Nós que temos o poder de perseverar caso
queiramos; mas também podemos perder o que temos e assim nos perdermos.
Assim, o arminiano também insta o santo a perseverar. Ele, porém, em
seguida, ensina a possibilidade real de um santo se perder em sentido final.
De nossa parte, negamos essa possibilidade. O santo não pode cair porque
sua preservação não repousa no próprio procedimento, mas no poder do todo-
poderoso Deus. Muitos argumentos poderiam ser apresentados para
demonstrar essa verdade. Pode-se trazer à memória o fato de que os atributos
de Deus necessariamente implicam a óbvia preservação do santo. Deus revela
sua misericórdia, seu amor, sua justiça, sua graça, sua verdade e seu poder
onipotente. Reflita sobre cada um dos atributos, pois em essência são todos
apenas um, e reconheça que, necessariamente, eles indicam o fato de que
Deus deve preservar o próprio povo; caso contrário ele não seria Deus.
Apêndice
Breve esboço de Os Cânones de Dort (1618-1619)
Os cinco pontos originais do calvinismo
Rev. Angus Stewart
1.o Capítulo: A divina eleição e reprovação (eleição incondicional)
A. História
1. Todos pecaram e merecem a morte eterna;
2. Deus enviou seu Filho;
3. Deus envia pregadores;
4. Nem todos creem.
B. Explicação
5. A fonte da fé e incredulidade;
6. A fé ocorre de acordo com o decreto de Deus.
C. Significado
7. Definição de eleição;
8. Uma única eleição;
9. Eleição incondicional;
10. Eleição soberana;
11. Eleição imutável.
D. Elaboração
12. A certeza da eleição;
13. A eleição e a piedade;
14. A eleição deve ser pregada;
15. A reprovação sugere a eleição.
E. Diferentes classes de pessoas
16. Os amedrontados pela reprovação;
17. Os filhos de crentes que morrem na infância;
18. Os murmuradores.
2.o Capítulo: A morte de Cristo e a redenção do homem por meio
dela (expiação limitada)
A. A necessidade da redenção em Cristo
1. A justiça divina exige satisfação;
2. Cristo realizou a satisfação;
3. A satisfação realizada por Cristo é de valor infinito;
4. O motivo de a satisfação realizada por Cristo ser de valor infinito.
B. A pregação da redenção em Cristo
5. A promessa do evangelho;
6. A culpa da incredulidade;
7. O dom da fé.
C. A realização da redenção em Cristo
8. A redenção particular;
9. A redenção eficaz.
3.o e 4.o Capítulos: A corrupção do homem, a sua conversão a Deus
e como ela ocorre (depravação total e graça irresistível)
A. A corrupção do homem (v. I.1)
1. A queda;
2. O pecado original;
3. A depravação total.
B. O caminho da salvação
4. A luz da natureza (não);
5. A lei (não);
6. O Espírito Santo e a aplicação do evangelho (sim).
C. A pregação
7. Sua extensão nos dias do AT e NT (v. I.3)
8. Seu chamado sério (v. II.5)
D. As duas respostas
9. Porque alguns se recusam a vir (v. II.6);
10. Porque outros são convertidos (v. II.7).
E. A regeneração
11. A natureza da regeneração;
12. A maravilha da regeneração;
13. O caráter incompreensível da regeneração.
F. A fé
14. A fé é dom de Deus;
15. A fé não é merecida.
G. A responsabilidade do homem
16. Não somos robôs e fantoches;
17. Devemos usar os meios da graça.
5.o Capítulo: A perseverança dos santos (perseverança dos santos)
A. A depravação dos santos
1. O pecado que ainda habita em nós;
2. Nossos pecados e nossas manchas;
3. Nossa incapacidade de perseverar por nós mesmos.
B. Os pecados dos santos
4. Nossa queda em pecados;
5. Os resultados dos nossos pecados;
6. Todavia, não podemos cair de forma definitiva.
C. Porque os santos não podem cair
7. Nossa regeneração e renovação;
8. As obras de Deus, de Cristo e do Espírito Santo.
D. A certeza da preservação e perseverança
9. Ela é obtida por nós;
10. Como é obtida por nós;
11. Ela não exclui a existência de desejos carnais em nós.
E. O fruto da certeza da preservação e perseverança nos santos
12. Não segurança ou orgulho carnal, mas piedade;
13. Não licenciosidade ou desconsideração para com a piedade, mas
vigilância.
F. Diferentes perspectivas sobre a perseverança dos santos
14. Deus usa os meios de graça para preservar os santos;
15. A visão dos ímpios e da igreja sobre a perseverança dos santos.
[1] Kuyper é autor de uma obra clássica sobre o calvinismo e suas implicações para todas
as áreas da atividade humana: Calvinismo (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), 208p.
[2] Cf. as demais obras das Publicações Monergismo para adquirir livros sobre os outros
assuntos.
[3] Segundo o rev. Hermisten Maia da Costa, “a expressão calvinismo foi introduzida em
1552 por Joachim Westphal (c. 1510-1574), polemista e pastor luterano em Hamburgo,
para referir-se aos conceitos teológicos de Calvino, que deplorou a expressão”. Cf. MAIA,
Hermisten. Fundamentos da teologia reformada. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 9,
nota 13.
[4] Sobre João Calvino, cf. o excelente livro “Calvino: mestre da igreja”, publicado pela
Editora Monergismo.
[5] O prof. Herman Hanko foi ordenado e instalado em seu ofício em 1955 na Igreja
Protestante Reformada de Walker (Michigan). Em 1963 aceitou o chamado para servir na
Igreja Protestante Reformada de Doon (Iowa). Em 1965 foi designado professor do
Seminário Protestante Reformado de Grandville (Michigan) onde serviu até a
aposentadoria em 2001. <http://www.prca.org/audiosermons/Ministers/HermHanko.htm >
[N. do R.]
[6] Homer C. Hoeksema, nascido em 30 de janeiro de 1923, morreu aos 17 de julho de
1989. Ele era o segundo filho do rev. Herman Hoeksema. [N. do T.]
[7] O rev. Gise J. van Baren foi ordenado ao ministério e instalado em outubro de 1956 em
Doon (Iowa). Ele aceitou o chamado de diversas igrejas ao longo dos anos: em 1962 serviu
à Igreja Protestante Reformada de Randolph (Wisconsin). Em 1965, à Primeira Igreja
Protestante Reformada de Grand Rapids (Michigan). Em 1977 à Igreja de Hudsonville
(Michigan). Em 1994 atendeu ao chamado da Igreja Protestante Reformada de Loveland
(Colorado) onde permaneceu até à jubilação em setembro de 1999.
<http://www.prca.org/audiosermons/Ministers/VanBaren.htm> [N. do R.]
[8] Todas as citações foram extraídas da versão em português de Os Cânones de Dort: os
cinco artigos de fé sobre o arminianismo (São Paulo: Editora Cultura Cristã, [s. d.]), 64p.
[9] In: Martinho Lutero: Obras selecionadas, volume 4: Debates e controvérsias, II (São
Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1993, p. 11-216). Existe também uma versão
resumida da obra com o título Nascido escravo (São José dos Campos: Fiel, 2. ed., 2007),
104p. [N. do R.]
[10] A Instituição da Religião Cristã, Tomo I, Livro II, Capítulo I, Parágrafo 8. São Paulo:
Editora UNESP, 2008, p. 234-5.
[11] P. 36.
[12] P. 35.
[13] In: Hinário: hinos salmos confissões formas. Jongbloed [Holanda]: Sínodo das Igrejas
Evangélicas Reformadas do Brasil, 1998, p. 710.
[14] Esta versão portuguesa foi extraída da página
http://www.arminianismo.com/index.php/o-que-e-o-arminianismo. [N. do R.]
[15] Gottschalk de Orbais (c. 808-867?) foi teólogo, monge e poeta saxão, tornou-se
conhecido como um dos primeiros defensores da doutrina da dupla predestinação. De suas
várias obras são conhecidas duas profissões de fé e alguns poemas, editados por Traube
em Monumenta germaniae historica: poetae latini aevi carolini (707-738). Alguns
fragmentos de seus tratados teológicos foram preservados nos escritos de Hincmar de
Reims, João Escoto Erígena, Ratramnus e Lupus Servatus. Exemplares das obras de
Gottschalk (incluindo-se De Praedestinatione) foram descobertas em 1931 em uma
biblioteca de Berna (Suíça). [Estas informações foram traduzidas e adaptadas de um artigo
da Wikipédia em inglês pelo revisor:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Gottschalk_of_Orbais>.]