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Apesar dos percalços, é possível divisar uma linha temática em parte da

programação do 20º Festival Isnard Azevedo: trata-se da preocupação social e política


de alguns espetáculos. A peça “O outro lado”, apresentada pelo grupo mineiro
Quatroloscinco, no Sesc Prainha, dias 7 e 8, traz como pano de fundo toda uma
preocupação existencial sobre os homens e mulheres perdidos, encaixotados em porões,
em periferias, em lugares pouco iluminados, onde apenas a arte pode trazer um pouco de
luz. “O outro lado” é uma criação coletiva, e como tal, tem a sua verdade, a sua força,
porém falta-lhe aquele um olhar mais incisivo, mais conciso sobre a matéria-prima
colocada em cena. A peça conta com atores bastante expressivos, sobretudo Rejane
Faria, que também canta em cena. Algumas cenas conseguem traduzir toda a angústia,
as fraquezas, as hipocrisias da contemporaneidade, porém ainda é um espetáculo que
necessitaria de cortes, sobretudo em alguns clichês e algumas alegorias mais óbvias,
para que o impacto de sua proposta fosse realmente contundente, provocasse realmente
rupturas na apatia do público contemporâneo. O grupo é jovem, vê-se claramente que
ousa investir numa linguagem própria, necessitando apenas uma direção mais firme, para
dar alguns saltos sem rede de proteção.
O outro espetáculo veio da Paraíba. Trata-se da peça “O deus da fortuna”, de
Bertolt Brecht. O discurso político de Brecht é importante e ainda válido em tempos de
capitalismo ferrenho, mas para trazê-lo aos palcos nos dias de hoje, é preciso que se
abandone a ingenuidade e a pieguice política de Brecht, é preciso colocar no palco
apenas o cerne de seu discurso: a vontade de transformação do mundo. Nós estamos
bem piores do que o tempo de Brecht, portanto é preciso agredir o mundo com mais força
ainda. Eis o grande problema da montagem do Coletivo de Teatro Alfenim, aposta em na
pieguice, na obviedade das alegorias, aposta na indecisão entre um teatro sério e a
commédia dell'arte, aposta no teatro de manipulação e no musical, e consegue desvirtuar
todos os gêneros, consegue tornar o texto de Brecht um apanhado desnecessário de
falas pseudo-políticas e conscientizadoras.

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