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Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Componente Curricular: Antropologia V


Docente: Núbia Rodrigues
Discente: Lidia Bradymir

RESENHA
MEIRA, Thomás Antônio Burneiko. “... Ou Como Ter Ontological Blues”: notas sobre
a vida no tempo da morte durante os bastidores de um axexê. Relig. soc., Abr 2018,
vol.38, no.1, p.36-56

Neste artigo Thomás Meira parte da discussão de Roberto DaMatta à cerca de


um blues antropológico, para tomar notas sobre o fazer etnográfico em seu próprio
trabalho de campo no ritual de axexê de Sérgio Roberto Aparício (Woodume Azuanun),
que ocupava o cargo de pai de santo no terreiro Ilê Asé Azun Dan. O ponto central de
debate do artigo é a questão do “afetar-se”, que tem como base Fraveet-Saada, e sua
relação com o ontological blues de DaMatta.
À cerca da experiência que norteia o artigo, o autor relata ser filho de santo do
Ilê Asé Azun Dan, a quem Woodume Azanun, já após a sua passagem, atribuiu pro meio
do jogo de búzios a missão de escrever sobre a história da casa e autorizou a realização
de trabalho científico. Desse primeiro relato, o autor faz a discussão sobre acreditar ou
não nos “nativos” durante o trabalho de campo. Ele tece críticas à concepção de que a
antropologia deve ter uma relação meramente empática com o campo, onde se tenta
colocar a experiência religiosa das sociedades, principalmente afro-brasileiras, como um
“engano” ou algo que precisa ser traduzido para a nossa ontologia.
Meira defende que a observação participante não deve ser realizada no formato
de um antropólogo que convive com a comunidade, mas que se mantém o tempo todo
distante, como forma de manter uma posição neutra. Mas que, para compreender a
ontologia das sociedades estudadas, precisamos viver com e como os “nativos”, não de
forma a “forçar” uma relação de igualdade ou de fingir-se ser algo, mas de fazer parte
daquela lógica social para compreende-la de dentro.
Isso refere-se ao relato porque, se o antropólogo tomar a posição de duvidar e
de compreender aquela prática como um engano, qual a legitimidade que ele teria em
seu trabalho uma vez que sua autorização foi dada pelo egun do antigo pai da casa?
Neste ponto, o autor conclui que o afetar-se vai além do “imaginar como é”, mas
efetivamente viver aquilo, mesmo que de forma diferente.
A outra experiência pontuada é de uma frustração do autor no campo, quando
ele decide passar os 7 dias de ritual hospedado no terreiro, ele conta ter ido com muitas
expectativas. Contudo, os dias passavam lentamente, ele sentia um grande sentimento
de angústia e aperto no peito, os filhos de santo da casa trabalhavam com marasmo, o
sentimento de tédio e cansaço era geral, ele conta ter ficado desestabilizado de tal forma
que pediu para se retirar.
Esse relato desenha um traço importante, primeiro que ele estava afetado pelo
campo, o que ele sentia era algo muito além da “empatia”, segundo que isso aconteceu
justamente porque ele exerceu ativamente o campo, uma vez que esse sentimento de
cansaço e tédio era geral entre os filhos de santo e considerado comum para este ritual.
Nesta ocasião ele considera ter vivido um ontological blues, ou seja, foi profundamente
afetado pelo campo, de tal forma que impossibilitou a sua continuidade naquele
momento.
Sua conclusão é de que, aquilo que é ou não “real” deixa de ter importância,
pois o essencial é expor-se ao desconhecido para, a partir dele, e das categorias que
surgem daí, pensarmos “com” os interlocutores, e também de pensar o nosso mundo a
partir dos termos do “outro”.

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