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TITULO DO TRABALO
CRATO
2020
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TITULO DO TRABALHO
Orientador:
CRATO
2020
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Página reservada para ficha catalográfica que deve ser confeccionada após apresentação e
alterações sugeridas pela banca examinadora.
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TÍTULO DO TRABALHO
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. xxxxxxxxxx (Orientador)
Universidade Regional do Cariri (Urca)
_________________________________________
Profª. xxxxxxxxxxx
Universidade Regional do Cariri (Urca)
_________________________________________
Prof. Dr. xxxxxxxxxxxxx
Universidade Regional do Cariri (Urca)
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Dedicatória.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus.
À minha família....
6
Epigrafe.
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RESUMO
O presente trabalho tem como premissa principal, discutir, a história da menina Benigna
Cardoso, “a Beata do Cariri”, sob a perspectiva de formação e construção de sua devoção,
trazendo para análise, a criação de sua imagem pública, que trespassa a sua breve existência
humana e sua personalidade em formação e a coloca como uma amalgama daquilo que
constitui a alma do sertanejo Caririense:sua cultura, seus costumes e principalmente do que é
feita a sua religiosidade. A abordagem pretende apresentar um olhar crítico sobre a
religiosidade e a cultura da comunidade de Santana do Cariri, no interior do Ceará,
investigando os artefatos que constituiriam o imaginário popular, suas raízes e causas desde o
fatídico crime, até o estabelecimento de sua imagem oficial e a posterior aceitação coletiva da
simbologia de sua história.Foram utilizados para tal, pesquisa bibliográfica a cerca das
perspectivas sobre construção de imagens religiosas na região, assim como sobre a bagagem
cultural que constitui seus costumes e a personalidade do povo do cariri.
Palavras-chave: Benigna; imagem; artefatos; religiosidade; cultura; tradição.
8
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
10
LISTA DE GRÁFICOS
11
LISTA DE TABELAS
12
LISTA DE SÍMBOLOS
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................16
1 DESENVOLVIMENTO...........................................................................................23
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................91
REFERÊNCIAS........................................................................................................95
ANEXOS....................................................................................................................99
APÊNDICE A - Instrumento de Coleta de Dados...............................................100
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.........................101
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INTRODUÇÃO
Por entre as ruas de Santana do Cariri, não há quem não reconheça a figura da menina
franzina de vestido vermelho e bolinhas brancas, que ocupa cada vez mais espaços nos
cartazes de estabelecimentos públicos e privados e se ergue em destaque sobre o letreiro de
boas vindas da cidade. De certa forma, Benigna Cardoso sempre esteve lá, na vivência
religiosa da cidade, na forma como toda menina foi criada desde então, conhecendo os
pormenores de sua história, mas ao mesmo tempo nunca esteve viva de uma forma tão nova
na forma como compreende-se o que ela significa para a cidade.
Para construir esta análise, foram necessárias pesquisas no campo da genealogia do
discurso, a partir das reflexões de Michel Foucault (1979), filósofo francês, cujos estudos
abordaram, entre outras coisas, as relações de poder e, como alguns grupos sociais se utilizam
da construção de narrativas para exercer controle social sobre as camadas vulneráveis. De
acordo com Foucault (1979) as formas de investigação do passado, passam por uma
compreensão crítica sobre os fatos pesquisados, utilizando-se do que chamava de arqueologia,
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objetivando “escutar” a história e as relações de poder estabelecidas entre aqueles que contam
a mesma através dos artefatos históricos. É importante observar que neste tipo de análise,
não haverá juízo de valor, sobre as narrativas estabelecidas, mas um estudo dos seus
elementos fundadores, traçando uma linha temporal, dos acontecimentos que submeteram a
trágica história da menina Benigna, a uma construção ascendente em mais de setenta anos, até
a sua beatificação.
Os três pilares escolhidos para este trabalho, são principalmente: os atores principais,
dentro do âmbito cultural da cidade de Santana do Cariri, que contribuíram para a difusão da
criança morta brutalmente, como símbolo da moralidade cristã, o contexto cultural em que
estava inserida, quais estereótipos culturais foram determinantes para o entendimento de sua
imagem e os elementos concretos que constituem a sua imagem de santa e mobilizam a fé do
sertanejo nordestino, incluindo os locais onde viveu, seus objetos pessoais e locais sagrados,
construídos em honra de sua fé. O processo de redescoberta e reconstrução desta narrativa, é
relativamente recente, levando em conta aqui, o movimento pró benigna, que se iniciou em
meados de 2012, por autoridades religiosas e pesquisadores locais.
No entanto, essa busca levou a uma constatação, de que a história de martírio da
jovem garota, se manteve viva na memória coletiva da cidade, influenciando-a, tornando
possível, que o seu consciente redescobrimento, se tornasse não apenas um símbolo
representativo à religiosidade da região, mas uma reafirmação coletiva dos valores que
sobreviveram com o povo santanense. Enxergar em Benigna a representação do sacrifício foi
o principal combustível para a forma como a sua imagem se difundiu perante a sociedade.
Uma menina inocente, de criação religiosa, cujas responsabilidades em vida superavam a sua
maturidade, de comportamento irretocável, adorada por seus familiares, mesmo aqueles não
consanguíneos, deu origem a uma construção de ídolo, que não apenas era a vítima do mundo
e suas maldades, mas era a representação perfeita da resiliência, da moral cristã e um exemplo
do quão difícil era ser mulher na época em que viveu.
A sua história, carregou até os dias de hoje o peso da violência contra a mulher. no
crime resultante da negação à submissão sexual ao um homem. Essa visão, originou
representações como a do artista Carlos Weirer, que representam a violência sob o ponto de
vista menos religioso. Para muitos, não apenas uma santa religiosa popular, mas vítima de
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uma violência recorrente. Recentemente serviu de referência para a criação de uma lei.
Alocando para o dia de sua morte o estabelecimento a partir da Lei N.º 16.892, DE 23.05.19
(D.O. 24.05.19),como dia estadual de combate ao feminicídio, reservando o dia 24 de
outubro, como um dia dedicado a prática de ações campanhas, debates, seminários, palestras,
entre outras atividades para conscientizar a população sobre a importância do combate ao
feminicídio (Ceará 2019) e a outras formas de violência contra a mulher. provando mais a
importância simbólica de Benigna Cardoso e sua trágica história, para a comunidade
cearence.
A partir da perspectiva genealógica de Foucault (1979), a narrativa constitutiva de
Benigna, se destaca ao observar que ao se tornar um símbolo, se constrói uma visão baseada
na interpretação coletiva sobre o significado do seu martírio. Há uma mutação da sua função,
deixando ela, de ser apenas uma vítima, para subjetivar as motivações de sua morte e absorver
seus significados. Essa reconstrução ou ressignificação fica evidente por se tratar de um
fenômeno coletivo, que se preocupou em estabelecer uma visão “oficial” sobre esta narrativa,
fazendo-a ressurgir de forma nova para a sociedade atual, reintroduzindo “o descontínuo em
nosso próprio ser, que faça ressurgir o acontecimento no que ele tem de único e agudo”.
(FOCAULT,1979, p. 28).
Benigna não viveu como mártir, mas a interpretação coletiva de sua história, elegeu a
sua morte como a de um, reavaliando o significado de sua vida sob a perspectiva de santidade
católico-cristã. Sua história foi resgatada e redistribuída, com o auxílio das novas mídias
digitais, que por sua vez, carregam suas próprias peculiaridades associadas à forma como as
pessoas lidam com narrativas e informações a nível massificado, trazendo consigo esta
mistura anacrônica de tradicionalismo religioso e modernidade. Benigna atravessou setenta
anos de história e se imortalizou no imaginário do devoto contemporâneo através das fibras
óticas, através das quais ouviu-se em diversas línguas o anúncio de sua beatificação. Benigna
virou desenho, virou cordel,virou exemplo, virou arte e colocou o devoto em contato com a
ressignificação de história, a partir de uma perspectiva de problematizações modernas sobre o
lugar da mulher na sociedade e o peso da religiosidade sobre esta modernidade.
Retomando Foucault(1979), onde ele diz que a história em sua forma mais tradicional,
costuma memorizar os monumentos do passado e transformá-los em documentos
(Foucault.1989). As consequências disso, em parte, residem na absorção de suas “vozes”
como a verdade. Com isso, todo fragmento de narrativa, muitas vezes oral, baseado na
narrativa de fé incrustada na cultura do caririense, torna-se a verdade na reconstituição dos
fatos pela voz dominante das instituições religiosas católico-cristãs da região. Benigna
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Cardoso, foi acolhida como defensora da castidade, muito antes de ser “santificada pelo
povo”, como aponta o historiador Ypsilon Rodrigues Félix, no Livro “Resgatando uma
história de fé”:
A partir de sua morte, no ano de 1941”fiéis, piedosos, leigos e devotos se dirigiam
até o sítio Oiti, no Distrito de Inhumas, à 2km de Santana do Cariri. O local do
martírio tornou-se um ambiente respeitável ao acontecido,as pessoas que ali
frequentavam, realizavam orações e acendiam velas, pedindo a intercessão de
Benigna (...). (Cidrão, p. 54).
A inspiração por trás da construção desses mitos advém da vida dos mesmos, onde a
religião aparece como catalisador de suas realizações e por isso mesmo os elevam à santidade.
Todas as manifestações advindas dessa compreensão destas figuras são de fato parte
integrante desta imagem, já desprendida da individualidade dos mesmos, mas que faz parte da
evolução orgânica coletiva das comunidades aos quais pertence. As primeiras imagens
produzidas de Benigna Cardoso remontam das descrições obtidas através dos remanescentes
de sua breve vida. As irmãs, Maria Rosa e Honorina Cirineu, (LOPES Et al) que serviram de
principal fonte , na reconstrução da personalidade da menina.
O impacto do caso de seu assassinato foi grande, ainda na época do ocorrido,
considerando a violência do acontecimento, como a grande quantidade de “causos” e
associações “místicas” que foram associados aos pormenores de sua morte. As historias
atribuídas a benigna e a causa de sua santidade, dada pelo crença do povo a descrevem como
a serva enviada por Deus, para mostrar o homem o caminho da fé. Os artefatos associados a
sua vida e morte, estariam para sempre como prova concreta que seu martírio não seria em
vão. Acreditam que a sua morte, tria sido ela “vingada” pelo divino espírito santo, trazendo a
ruína para seu algoz, teria este transformado a arma do crime em um objeto amaldiçoado, que
Teria Deus, descido sobre a alma do assassino para que o mesmo confessasse e se entregasse
a Deus.Que teria sido a menina, um instrumento divino de união de um povo, ao redor dos
preceitos religiosos de pureza, castidade e religiosidade.Essas são algumas das versões e
interpretações místicas que o povo de Santana atribui a menina Benigna.
Na biografia intitulada “Um lírio no sertão cearence”, cuja autoria pertence
majoritariamente a membros do corpo religioso da cidade, é possível perceber que os registros
mais conhecidos sobre essa historia estão permeados de uma romantização que se perpetua
sob interpretações religiosas e pessoais,dos quais quase nenhum símbolo religioso está livre.
Os signos católicos, fazem parte da historia de benigna,muito mais do que qualquer fato
concreto.
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Benigna foi capaz de amar Jesus até ao supremo sacrifício da sua vida, porque era
pura. Foi na sua vida de pureza que brotou e enraizou o seu amor por Jesus. Para
isso, ela foi capaz de viver de acordo com a letra do salmo: não hesitou em tirar a
vida do corpo, a fim de preservar a vida, que amadureceu dentro de si; para não ser
erradicada do amor a Jesus; só pra ficar com Deus. (Lopes, 2014, p.69).
Naquele dia, a pequena Benigna, foi transformada num precioso templo, onde
passou a viver, o Deus Trindade. O seu corpo se tornou um tabernáculo e sua alma
foi iluminada por uma luz divina. Aquele Vestidinho Branco que a envolveu, era
símbolo da veste branca da inocência batismal, que só o pecado pode manchar.
(FÉLIX, 2007, p. 42).
Ainda no que diz respeito a criação, o pecado original teria partido dessa mulher
original e Adão haveria de padecer por este erro para sempre,cabendo também a este a tutela e
a proteção do sagrado, em detrimento da mulher, cuja fraqueza representada no pecado
original estaria segura das tentações. Podemos concluir que a visão de feminino esta associada
ao pecado original de Eva e a sacralidade e pureza da vida da mãe de Jesus, estabelecendo
uma relação entre a fraqueza e a tentação para o pecado e a pureza da criação as mulheres e a
tutela destes para o homem.
Esta hierarquia, se perpetuou em diversas organizações religiosas, sobretudo as que
seguem a bíblia como livro sagrado, influenciando assim a formação das sociedades e no
papel da mulher dentro das mesmas. Se estruturando de forma paternalista¹ e patriarcal², as
sociedades influenciadas pela cultura cristã, trazem consigo o peso destas estruturas,
instrumentalizando a mulher e de certa forma a objetificando como “Bem” a ser adquirido
pelo homem, cujo valor esta permanentemente associado ao valor da sua virgindade e a
“posse” masculina por sobre esta pureza.
Para a igreja cristã, a virgindade tem o valor associado a pureza das ações da mulher,
símbolo de sua honestidade social,associada a sua vida de devoção como uma penitencia por
sobre o pecado original, por sob a qual a mulher tem certa responsabilidade. Paralelo a esta
visão, a cultura patriarcal, traz consigo a cobiça pela pureza e a virilidade como uma
obrigação social. No caso de Benigna Cardoso, a forma como a sua resistência aos flertes do
seu assassino, foram interpretadas como claro sina,não apenas de sua coragem em não se
submeter,mas também como um sinal de seu compromisso com os preceitos católicos sob os
quais foi criada.
Teria se sacrificado então em defesa de sua honra perante a sociedade, defendendo a
pureza do seu corpo e com isso, santificando-o em nome da sua fé. Professando da forma
mais óbvia, o valor da sua posição como mulher dentro desta comunidade, perpetuando seus
valores mais tradicionais para que não se percam através do tempo.
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Para seus devotos, Benigna se tornou o alicerce que fortifica a confiança dos seus
seguidores nos preceitos mais tradicionais da igreja católico-cristã. Preceitos esses, pelos
quais é preferível morrer, a viver em pecado.
Nós, brasileiros, somos mais do contorno que do confronto, somos mais dos atalhos
que das linhas diretas, somos mais das saídas silenciosas que da voz que alardeia o
escândalo, o que, às vezes, significa simplesmente abafar o causo, fingir que não
viu. Esses escapes, na verdade, mascaram a velha estratégia da omissão, que pode
ser nada mais que uma roupa mais bonita para a conhecida covardia. (FREITAS,
2001, p.16)
Hoje podemos considerar essa morte como feminicídio (MENEGHEL, 2013, p.253):
“Femicídios são mortes violentas de mulheres, decorrentes do exercício de poder entre
homens e mulheres”. Esse poder resulta no fato do homem sentir-se superior a mulher não
apenas no aspecto físico, mas superior a ponto de sentir-se no direito de tirar a vida delas por
considerá-la propriedade.
Benigna Cardoso viveu em uma época que a simples sobrevivência já poderia ser
considerada um ato heroico. A seca, a fome e a instabilidade política dos anos 40 eram
protagonistas de uma vida dura, assim como conta o livro, Benigna: o lírio do sertão
Cearence, (p. 25), a religiosidade era o refúgio do sertanejo. Os locais de busca de segurança e
conforto diante das dificuldades diárias de sobrevivência, a religiosidade deixou marcas que
se arrastam através do tempo na cultura e no hábito diário do Caririense.O contexto era então
o de uma comunidade construída a partir desta fé, cujos preceitos religiosos regiam não só a
moral, mas todos os aspectos culturais da vida de cada um.
Esse era o Clima de Conflitos entre os poderosos donos de terras e de gado “os
coronéis”. Para parar essa luta intestina se assinou em 1911 o conhecido “pacto dos
coronéis”. O tratado teve uma acolhida muito boa por parte dos coronéis durante
alguns anos, mas não pôs fim às contendas entre os chefes de facções políticas de
Santana do Cariri, tanto que até 1928, foram três ataques que aterrorizaram e
mudaram o cotidiano do município. Naquele tempo a vida humana não valia nada.
Esse foi o clima social onde se formou a personalidade de Raul. ” (CIDRÃO, 2014,
p.73).
O caririense que rezava por chuva, era o mesmo que lutava todos os dias debaixo do
sol a pino em busca de subsistência. A coragem dos que vivem da terra e muitas vezes lutam
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contra ela, se mesclavam nesse misto de bravura e fé que molda a identidade do sertanejo.
Nesse contexto a violência aparece como uma forma de expressão de “bravura” e da sua
capacidade de nunca ceder ou recuar diante do que busca.
O imaginário acerca do nordestino é cercado de estereótipos relacionados a sua
truculência e muito disso se perpetuou através de figuras como o bando de lampião e seus
capangas. A imagem do sertanejo, bravo, cuja agressividade seria então apenas uma prova de
sua virilidade, é de certa forma a do “nordestino ideal”, homem forte, rude, visto que as
próprias condições físicas e materiais lhe impõem isso (FREYRE, 1995).
Muito dessa mística, se traduz nas dinâmicas das relações e em como foram
representadas, imortalizadas culturalmente.
Na história de vida de Benigna Cardoso, estes elementos funcionam como
catalisadores principais de como as pessoas absorveram a narrativa como a de uma menina
cruelmente assassinada por se negar a corromper a sua moral cristã religiosa e a figura do
homem bruto sertanejo cearense.
A mídia pode servir de suporte para a fala mítica, pois a fala nada mais é que a
mensagem. (...). Pode, portanto, não ser oral; pode ser formada por escritas por
representação. O discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem,
o esporte, o espetáculo, a publicidade, tudo isso pode servir de suporte para a fala
mítica (BARTHES, 2001, p. 132).
O feminicídio, só foi tipificado como crime,com a Lei no 11.340, de 7 de agosto de
2006 , que estabeleceu a chamada “lei maria da penha”,(Brasil,2006) entrou em vigor no dia
22 de setembro de 2006 e significou um marco no que diz respeito as legislações que
protegem a mulher contra a violência diretamente relacionada com a sua condição de mulher,
sendo considerada pela Organização das Nações unidas (ONU), como uma das três melhores
legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres.
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o
Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências.(Brasil, 2006).
A compreensão sobre a forma como Benigna Cardoso, fincou raízes tão profundas na
vivência cultural da cidade de Santana do Cariri, passa pela compreensão dos espaços em que
sua historia aconteceu e a forma como foram absorvidos simbolicamente pelos seus devotos.
Desde o local do crime, passando pelo pequeno casebre onde residiu, até a escola onde foi
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alfabetizada. Ou ainda, a árvore, onde segundo contam, se abrigou seu algoz, no dia em que
foi capturado.
Para entender a importância desses locais para o entendimento da construção do
imaginário coletivo que originou a menina beata do Cariri, é preciso compreender de que
forma esses locais adquirem o significado que os torna lugares de peregrinação e reunião. A
sacralidade desses lugares foi forjada a partir da compreensão deles como símbolos de
determinadas crenças e de suas manifestações. (Rosendahl, 2003) chama de território
religioso,espaços institucionalizados, externos ou particulares, que possuem a capacidade de
inserir o indivíduo em contato com a sua fé. A primeira categoria está associada aos espaços
“oficiais”, estabelecidos para a prática das atividades relacionadas à religiosidade, a exemplo
de igrejas e templos, sendo facilmente reconhecíveis e por muitas vezes, reservados apenas
para a prática do culto. No Brasil, onde o cristianismo e suas vertentes se manifestam cultural
e religiosamente desde a sua gênese, as igrejas imperam como símbolo da religiosidade tanto
quanto instituição, como materialização da fé coletiva.
Há de se considerar também, que o distrito de Inhumas, como um todo, possui sua
mística completamente associada a historia pessoal da menina Benigna Cardoso. O lugar que
nasceu, os lugares que frequentou, o seu dia-a-dia e a convivência com seus pares,
transformaram o seu lugar, em um berço de suas lembranças e na gênese de sua imagem.
Rosendhal argumenta que, a sacralidade dos espaços, está vinculada diretamente ao
observador, não sendo possível determinar suas causas absolutas. No entanto,para analisar
seus vetores, é possível acessar as suas causas a partir da cultura desses observadores. Daquilo
que os define como sociedade a partir do tempo e do espaço onde se localizam.Neste em
específico, as peculiaridades que seguram esta narrativa junta, são compostos por uma
religiosidade aguda e o apego ao significado de determinados signos.
A devoção e empatia para com o martírio de Benigna, levou muitos moradores a
santificarem o lugar de sua morte, fazendo orações pela alma da menina e dedicando a ela um
altar, onde eram deixadas velas e flores, marcando-o, como um local de reunião daqueles que
compartilham dos valores que levaram à morte da criança.
Para os devotos de Benigna Cardoso, a relação da menina com seu lar e com o seu
lugar de morte, não são apenas o de fatalidade. Para eles, a ligação da menina com estes
signos é comprovada por seu modo de vida dedicado, crente e temente a Deus. Isso faz com
que a sua imagem esteja permanentemente associada a atos de fé. Atos de fé estes que tendem
a serem repetidos por seus devotos.
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Esta noção de sagrado,engloba tudo aquilo que a toca, ou que emula o seu simbolismo.
estas marcas e práticas, cujo objetivo passa por homenagear e recriar a sua trajetória, são as
responsáveis por agregar esse valor ao espaços, na forma de penitências que refazem o
caminho de fé até o local do seu martírio, ou as imagens produzidas a partir de uma
reconstituição oral de sua aparência e personalidade, mantém todos estes símbolos, novos e
antigos, subjetivos e concretos, associados a sacralidade de seu nome e de sua história. O
sagrado aqui,faz parte da paisagem e da vivencia (GIL FILHO, 2012) e estabelecem para toda
a comunidade um ambiente relacionado ao sagrado (ROSENDHAL), trazendo a tona a
conexão com o divino e suas crenças, materializado de diversas formas, reunido de forma
frequente e constante.
O reconhecimento das instituições religiosas, funciona como um centralizador de
todas estas manifestações, que já ocorriam de forma diversa, não organizada. A Chamada
romaria de Benigna Cardoso, que acontecia mesmo antes deste reconhecimento oficial, marca
este despertar da comunidade para a conexão com estas crenças, pois materializam em um
espaço e tempo definidos, todo o simbolismo associado. As caminhadas em direção ao seu
memorial, estabelecem para toda a comunidade e região a abertura de um período dedicado a
romper o cotidiano e conectar-se com a sacralidade desta história e do que ela significa.
memorial foi literalmente talhado das entranhas da cidade pela força do braços e da fé destes
no que representa Benigna Cardoso, sendo a materialização das crenças desta comunidade em
um espaço institucionalizado,que os separa de sua vida cotidiana e o insere no contato direto
com sua fé (ROSENDHAL,1996).
A partir de sua construção, as peregrinações, que antes ocorriam de forma difusa,
englobando visitas ao seu túmulo e aos locais em que viveu, incluindo as ruínas de sua casa e
a cacimba em que costumava retirar água, se concentraram em um único lugar, oficializando
cerimônias e missas em sua homenagem em um espaço de tempo determinado de dez dias,
que se inicia no dia 15 de outubro, data de seu nascimento e culmina em 24 de outubro, data
de seu assassinato. Todas as manifestações deste período são tidas como celebração e
testemunho de santidade. Eliade (2010), ainda sobre a construção dos espaços sagrados,
argumenta que durante períodos deste tipo, quando são oficializadas as manifestações
religiosas, os espaços cotidianos, como ruas, residências e locais específicos, perdem a
natureza profana, atribuindo-lhes uma ordenação sagrada.
Dentro da religiosidade católica, as peregrinações e os caminhos sagrados, são
cerimoniais, tornando um trajeto comum o foco da conexão e o encontro com a fé e com
Deus.
Inclusive, em relação ao uso destes termos, nota-se em língua francesa e inglesa, não
se fala “romaria” e “romeiro”, mas, apenas, “peregrinação” e “peregrino”. Já nas
línguas portuguesa e espanhola, usam-se no mesmo sentido as duas palavras, sendo
mais comum o emprego dos termos “romeiros” e “romarias” (ARAÚJO, 2009, p.
48).
Durante o período que corresponde a romaria de benigna, a estrada que leva até o
povoado onde se encontra eu memorial adquire caráter sacro, seu percurso se torna uma
espécie de homenagem. A reunião de devotos neste caminho, dá forma concreta a força
coletiva de todo este simbolismo, impulsionando até mesmo iniciativas governamentais, que
possam viabilizar e facilitar estas manifestações.
A romaria é uma manifestação coletiva, em que as pessoas que participam têm como
características as súplicas, os sofrimentos ou muitas vezes a alegria por ter
alcançado uma graça. A romaria faz uma ligação entre o momento presente no
sentido de vivenciar o passado e de agradecer pela graça obtida e o futuro, pelo
provável cumprimento do compromisso firmado com o santo. Na romaria,
encontramos aspectos de interação entre comunidade e indivíduos, sem retirar o
aspecto individual (OLIVEIRA, 2011, p.57)
A reconstrução histórica recente foi feita pelo professor Raimundo Sandro Cidrão e o
cidadão Santanense, Ary Gomes do Nascimento, autor do Livro “Resgatando a memória de
Santana do Cariri”. O livro teria dado inicio a uma série de discussões sobre o crime que
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vitimou Benigna Cardoso, culminando em 2004, na organização de uma Missa por ocasião do
aniversário de 63 anos da morte da menina, no local atribuído ao crime. O evento, que seria
considerado o primeiro movimento real na direção da criação de Benigna Cardoso como santa
popular, consistiu em uma peregrinação de pouco mais de dois quilômetros até o local do
crime, selando assim oficialmente, o que viria a se tornar a “Romaria de Benigna”. No ano
seguinte, o local seria marcando com a pedra fundamental, que daria inicio aos esforços
populares para a construção de uma capela/memorial em nome da que passou a ser
referenciada como “mártir da pureza”. Este que foi inaugurado mais tarde, no ano de 2007.Já
no ano seguinte, a romaria já contava com mais de 2 mil devotos e a fama da “Santa” do povo
se espalhava cada vez mais rápido.
A construção do “corredor de fé” (Diário do Nordeste, 2015), que se tornou a principal
obra pública de suporte a romaria,que a cada ano, agrega mais e mais pessoas. A tradição
religiosa da cidade de Santana do Cariri, se destaca por outras manifestações de fé
tradicionais, cujas cerimônias, agregam o mesmo tipo de valor sagrado aos espaços. Os
festejos da padroeira da cidade remontam ainda da época em que a menina Benigna Cardoso
estava viva e até então eram o maior espaço institucionalizado de manifestação da fé da
comunidade. A ascensão de Benigna ao reconhecimento do vaticano, como beata da igreja
católica, fez com que a romaria em seu nome tomasse rapidamente o protagonismo religioso
cristão da cidade (vaticanews, 2010).Levando ainda em conta a categoria de espaços
particulares, na construção da sacralidade,o crescimento da devoção na beata do cariri, a
peregrinação até as ruínas de sua casa, a pequena escola que frequentou,aumenta
exponencialmente. Seu túmulo, também é um espaço de oração e o acesso aos seus bens
particulares, cuja posse pertence de forma definitiva a instituição da igreja católica, se torna
uma motivação adicional para que a construção da sua imagem se torne ainda mais
complexa.
Depois do memorial, o movimento não só levou a sua história para o resto do estado,
como tornou possível que sua imagem crescesse e ganhasse complexidade na cabeça dos
cristão carirenses. Muito do impacto causado por essa história veem dos testemunhos de fé
que foram dados no processo de beatificação iniciado pelo movimento. É onde a oralidade
tornou-se o principal veículo de divulgação da fé na menina Benigna.
Os testemunhos se multiplicam, como é possível observar a partir do blog dedicado a Santa :
Em setembro de 2012, Padre Paulo Lemos Pereira, pároco de Santana Do Cariri veio
celebrar uma missa na capela de São Vicente de Paulo em Mauriti- Ce. e falou sobre a menina
Benigna. Na época, eu estava passando por um problema de saúde. Enfrentava um câncer na
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tireóide. Fiz a primeira cirurgia em novembro de 2011 e após 40 dias da cirurgia voltei para
fazer o exame de ultrassom na região do pescoço. Após o resultado do exame, foi detectado
outro nódulo e mais uma vez o resultado foi maligno. Realizei o segunda cirurgia em julho de
2012 e após 40 dias voltei novamente para fazer outro exame de ultrassom, e pela terceira vez
outro nódulo foi detectado, fui para fortaleza agendar o tratamento pós-cirúrgico, chamado de
radioterapia. Durante a consulta, o médico me afirma que eu tinha que fazer uma terceira
cirurgia. Diante de tantos resultados negativos, de tanta aflição, orei pedindo à menina Benigna
que intercedesse por mim a Jesus, em retribuição eu iria visitar seu túmulo e deixaria flores e
velas e rezaria um terço. Pela quarta vez realizei outro exame de ultrassom e o terceiro nódulo
havia desaparecido, não havendo necessidade de cirurgia, perante o resultado positivo do
exame viajei pra Fortaleza para me submeter ao tratamento de radioterapia. Para graça e honra
do Senhor, ocorreu tudo bem durante o tratamento, e hoje graças a Deus e Menina Benigna eu
estou curada. A minha fé foi enorme e diante de tanto sofrimento eu nunca deixei de lutar.
Agradeço a Deus e à Menina Benigna por essa grande graça alcançada.
(JovemBenigna.blogspot)
A peregrinação, cresceu e se multiplicou, sendo insuflado pelo próprio padre Neri, que
declarou também que “na Europa, isso já teria levado Benigna aos altares”(Cidrão,p 25), a
partir do que ele chamou de “Sensus fidelium”. Segundo a tradição Católica, (Catechism of
the Catholic Church, ou Catequismo da igreja católica, em tradução livre): "the supernatural
appreciation of faith on the part of the whole people, when, from the bishops to the last of the
faithful, they manifest a universal consent in matters of faith and morals.”(Apreciação
sobrenatural da fé, por parte de todo um povo, quando desde os bispos até o último dos fiéis,
manifestam um consentimento universal em matéria de fé e moral.92,The supernatural sense
of faith,).
O Termo sensus fidei fidelium (Rush, 2009), se referiria a o pressuposto
reconhecimento coletivo da fé, por parte de uma comunidade e reconhecimento por parte dos
representantes hierárquicos da igreja católica, sem o qual, o processo nunca aconteceria.
Benigna então, passou pelo que é chamado de sensus laicorum (Rush, 2009, p. 201)
(reconhecimento popular),onde a crença em seu poder se tornou um fenômeno popular, para
só então ser reconhecida pela igreja católica(sensus fidei fidelium). Isso validaria a história de
Benigna aos olhos do vaticano, permitindo que a mesma pudesse ser reconhecida como “santa
popular”,para análise de possível beatificação.
Os movimentos de “santificação” popular não são um fenômeno novo no mundo.
Carlos Alberto Tolovi (2015) exemplifica no trecho a seguir de que forma o sertanejo
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caririense, se organiza ao redor de ideais religiosas, em busca de uma identidade que lhes dê
propósito e direcionamento necessário em suas organizações sociais:
A figura de padre Cícero, é construída dentro desta expectativa, a partir dos desejos
e das necessidades da coletividade - no caso, aqui, do sertanejo encravado na
“realidade” desafiadora do semiárido nordestino. Um espaço, que não é apenas
geográfico. É um “lugar” de onde emanam representações de um universo
imaginário compartilhado coletivamente no campo da religiosidade popular.
(TOLOVI, 2015, p.62).
Considerando os paralelos existentes, tanto pela sua região de origem, como pela sua
tradição religiosa é possível enxergar a influencia dos elementos previamente analisados,
como religiosidade latente, cultura patriarcal e simbolismo católico-cristão na formação da
sociedade como um todo, moldando as suas ânsias coletivas e projetando nessas figuras, as
respostas para as mazelas sociais e individuais presentes. Tanto Benigna Cardoso, quando o
Padre Cícero, representa para o povo do Cariri cearense, a projeção da sua identidade como
povo, sob todos os aspectos, positivos e negativos, sendo, manifestações cercadas de
misticismo e fé, que de certa forma distorcem e amplificam as suas personalidades em vida. A
contemporaneidade de suas lutas se torna um elo que só se fortifica com o tempo, forjados sob
a força do simbolismo católico. As diferenças também são óbvias, levando em consideração,
este mesmo simbolismo. Padre Cícero, representa uma figura de autoridade dentro da igreja.
Já Benigna Cardoso se apresenta como o cordeiro sacrificado pela remissão dos pecados.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
FONTES
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REFERÊNCIAS
Benigna Cardoso da Silva próxima Beata brasileira. Vatican News, 2019. Disponível em:
<https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2019-10/beata-brasileira-benigna-cardoso.html>.
Acesso em: 19 de jan. de 2020
Festa em honra à Menina Benigna em Santana do Cariri: são esperados 40 mil fiéis para
romaria, Vatican News,2019. Disponível em:
<https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2019-10/serva-de-deus-menina-benigna-santana-
do-cariri-ceara-romaria.html>. Acesso em: 22 de abr. de 2020.
FREITAS, M. E. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações.
Revista de Administração de Empresas, E v. 41 n. 2. Abr./Jun. 2001 Abr./Jun. 2001.
GIL FILHO, S. F. Espaço sagrado: estudos em geografia da religião, Curitiba, IBPEX, 2012.
ANEXOS
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APÊNDICE A
Instrumento de Coleta de Dados