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CULPABILIDADE:

1. Teorias da culpabilidade

TEORIA PSICOLÓGICA: tem como base a concepção clássica ou positiva-


naturalista de crime. Assim, pressupõe que o delito é formado por elementos
objetivos (tipicidade e antijuridicidade) e subjetivos (culpabilidade). Nesse
viés, a conduta humana seria o movimento corporal voluntário que causa
modificação no mundo exterior, independente da vontade do agente. A
culpabilidade, portanto, seria o nexo psíquico entre o agente e o crime
praticado. A teoria psicológica divide a culpabilidade em duas espécies: o
dolo e a culpa, tendo como pressuposta a imputabilidade.

TEORIA PSICOLÓGICA NORMATIVA OU NORMATIVA: desenvolveu-se de


acordo com a teoria causal valorativa ou neokantista do delito (concepção
neoclássica ou normativista). A culpabilidade passou a contar com um
elemento normativo, qual seja a possibilidade e o dever do agente de atuar
conforme a norma. Sendo assim, a culpabilidade envolveria os seguintes
elementos: imputabilidade, dolo ou culpa, exigibilidade de conduta diversa.

TEORIA NORMATIVA PURA: fundamenta-se na teoria finalista da ação,


segundo a qual toda ação voluntária tem uma finalidade. A culpabilidade,
nesses termos, seria um juízo de valor feito em relação ao agente. O dolo e a
culpa deixariam de ser elementos da culpabilidade e passariam a integrar a
tipicidade delitiva O dolo, especificamente, perderia seu aspecto normativo,
formado pela consciência da ilicitude, e se tornaria um dolo natural. Sendo
assim, a consciência da ilicitude, antes parte do dolo, corresponderia a
elemento da culpabilidade, juntamente com a imputabilidade e a exigência
de conduta diversa.Ressalta-se que a consciência da ilicitude não precisa ser
concreta, bastando que o agente tenha a possibilidade de conhecê-la. Por
isso, ela é chamada de potencial consciência da ilicitude. A culpabilidade,
assim, passaria a ser formada apenas por elementos normativos e estaria
ordenada hierarquicamente da seguinte forma: imputabilidade, potencial
consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

2. Elementos da culpabilidade

I. Imputabilidade

A imputabilidade é a capacidade de o autor entender o caráter ilícito de


seu ato e poder se orientar de acordo com essa compreensão.

Busato destaca que a imputabilidade refere-se à reunião de características


pessoais que tornam o sujeito capaz de ser uma pessoa à qual se possa atribuir
respon- sabilidade (2015, p. 557).

Verifica-se a imputabilidade penal a partir de três sistemas: biológico,


psicológico e bipsicológico.
O biológico é aquele em que se reconhece a existência de inimputabilidade
pela mera existência de doença mental ou de desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. Esse sistema sofre críticas no tocante à existência de
doentes mentais que possuem discernimento e consciência da realização da
prática criminosa.
Já o sistema psicológico privilegia o momento em que a conduta foi realizada,
isto é, o agente será isento de pena se no momento da prática do crime for
inteiramente incapaz de compreender a ilicitude do seu ato. As críticas a esse
sistema remontam à dificuldade de prova.
Por fim, há o sistema biológico-psicológico, também chamado de
biopsicológico, no qual se considera inimputável aquele que, por doença
mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Bitencourt assevera que a inimputabilidade é caracterizada quando estiver


ausente a sanidade mental do agente ou quando houver falta de
maturidade mental (2011, p. 413).

O Código Penal brasileiro adotou como regra o sistema biopsicológico.


Excepcionalmente, para os menores de 18 anos, consagrou o sistema
biológico.

INIMPUTABILIDADE — ART. 26, CAPUT

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desen- volvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente,


em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era intei- ramente capaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de deter- minar-se de acordo com esse entendimento.

Para o Código, art. 26, caput, são inimputáveis os agentes que não possuam,
ao tempo da ação ou da omissão, condições de entender o caráter ilícito da
conduta ou de determinar-se de acordo com tal entendimento. Tais pessoas
não podem ter sua conduta reprovada e ficam isentos de pena.

Doença mental trata-se de um quadro de alterações psíquicas qualitativas,


como a esquizofrenia, as doenças afetivas (antes chamadas de psicose
maníaco-depressiva ou acessos alternados de excitação e depressão psíquica)
e outras psicoses.

Já o desenvolvimento incompleto ou retardado, é definido pelo autor (2016, p.


514) como sendo a capacidade de compreensão limitada do fato ilícito ou da
ausência de capacidade de se autodeterminar, conforme o precário
entendimento, tendo em vista que o agente ainda não atingiu sua maturidade
intelectual e física, dentre as causas o autor aponta algumas características
pessoais do agente, como por exemplo, o surdo, sem nenhuma possibilidade
de comunicação ou o índio não urbanizado.
INIMPUTABILIDADE — ART. 26, CAPUT

Requisito Doença mental ou


causal desenvolvimento mental
incompleto ou retardado

Requisito Ao tempo da ação ou da


temporal omissão

Requisito Ser inteiramente incapaz de


conseqüêncial entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento

O parágrafo único do mesmo dispositivo trata de um caso de semi-


imputabilidade (melhor seria semi-responsabilidade) que resulta em uma
redução de pena, de um a dois terços, para os agentes que, embora
imputáveis, têm reduzida sua condição de entender a ilicitude ou de conduzir-
se conforme tal juízo.

Mirabete, 2004, p. 213-214 : “Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais,
com capacidade parcial de entender o caráter ilícito do fato. A personalidade
psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco
das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia
psíquica que se manifesta em procedimento violento, acarretando sua
submissão ao art. 26, parágrafo único. Estão abrangidos também portadores de
neuroses profundas (que têm fundo problemático por causas psíquicas e
provocam alteração da personalidade), sádicos, masoquistas, narcisistas,
pervertidos sexuais, além dos que padecem de alguma fobia [..], as mulheres
com distúrbios mórbidos que por vezes a gravidez provoca etc.”

SEMI-RESPONSABILIDADE — ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO

Requisito causal Perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto


ou retardado

Requisito temporal Ao tempo da ação ou da omissão

Requisito conseqüencial Não ser inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do


fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

INIMPUTABILIDADE POR MENORIDADE — ART. 27

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis,


ficando sujeitos às normas estabelecidas na legis- lação especial.

O art. 27 cuida da inimputabilidade por menoridade. É um caso de


desenvolvimento mental incompleto que o Código tratou de maneira
específica para impedir a punição, nos mesmos termos dos adultos, de quem
não tenha atingido ainda a idade de 18 anos. A pessoa torna-se imputável no
primeiro instante do dia de seu 18º aniversário.
Em verdade utilizou-se um critério de política criminal para evitar que pessoas
ainda em formação convivessem, nas mesmas unidades prisionais, e tivessem
um tratamento igual aos criminosos adultos, o que terminaria contribuindo para
a irrecuperabilidade do indivíduo.

Repetindo o art. 228 da Constituição Federal, o CP remete a punição dos


menores de 18 anos à legislação especial — Lei 8.069/90, de 13.7.90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente).

No caso da menoridade, o CP utilizou o critério puramente biológico, pois


despreza se o menor de dezoito anos tem ou não capacidade de entender a
iliticitude do fato ou de conduzir-se de acordo com esse entendimento.

INIMPUTABILIDADE POR MENORIDADE — ART. 27

Requisito causal Ter menos de 18 anos

Requisito temporal No momento da ação ou da omissão

Observação: Tramita no Congresso Nacional a PEC 171/93, que visa reduzir


para 16 anos a maioridade penal para os crimes considerados hediondos,
para o homicídio doloso e para a lesão corporal seguida de morte.

Observação: EMOÇÃO E PAIXÃO

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

I - a emoção ou a paixão;

Emoção: é o estado afetivo que acarreta na perturbação transitória do


equilíbrio psíquico, tal como na ira, medo, alegria, cólera, ansiedade, prazer
erótico, surpresa e vergonha.

Paixão: é a emoção mais intensa, ou seja, a perturbação duradoura do


equilíbrio psíquico. Ex: o amor, a inveja, o ciúme, o ódio e a ambição.

Observação: EMBRIAGUEZ

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:


Embriaguez

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de


efeitos análogos.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,


proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou
da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com esse entendimento.
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por
embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao
tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento

O art. 28 trata da inimputabilidade por embriaguez, mas antes faz duas


ressalvas: a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade, o mesmo se
dando com a embriaguez voluntária ou culposa.

Tem-se por embriaguez o “estado de intoxicação aguda e passageira,


provocada pelo álcool (ou outras substâncias de semelhantes efeitos), que
reduz ou priva a capacidade de entendimento” (Delmanto).

A embriaguez comporta, segundo Damásio de Jesus, três estágios: excitação,


depressão e fase de sono. A embriaguez completa corresponderia aos dois
últimos estágios, enquanto o primeiro caracterizaria a embriaguez incompleta.

Na embriaguez completa o indivíduo perde a capacidade de discernimento e,


por vezes, chega à impossibilidade de compreensão do caráter ilícito de sua
conduta ou à impossibilidade de direcionar-se de modo diverso. O Código,
entretanto, só isenta de pena o agente se tal embriaguez derivar de caso
fortuito ou força maior.

Abaixo apresentamos um quadro com as espécies de embriaguez e suas


conseqüências jurídico-penais:

Espécie Origem Conseqüência

Patológica Doença que provoca Inimputabilidade por


dependência física e psíquica equivalência à doença
mental (art. 26, caput)

Voluntária Intenção do indivíduo em Agente considerado


embriagar-se, embora não imputável
tencionasse praticar crime algum

Culposa Ocasionada por descuido do Agente considerado


agente imputável

Fortuita ou acidental Quando o agente desconhecia Inimputabilidade (art. 28, § 1º)


os efeitos da substância ingerida
no seu organismo

Por força maior O agente é coagido física ou Inimputabilidade (art. 28, §1º)
moralmente a ingerir a
substância

Preordenada O agente embriaga-se Imputável, sendo punido com


propositalmente para o agravante (art. 61, “l”)
cometimento do delito
O parágrafo segundo trata de hipótese de redução de pena quando a
embriaguez é incompleta e disso resulta compreensão apenas parcial do ilícito
ou pouca capacidade de resistência ao impulso criminoso (redução de um a
dois terços).

II. Exigibilidade de conduta diversa

O agente somente será punido se, diante de um caso concreto, puder agir
de forma diversa. Em outras palavras, se o agente estiver diante de uma
situação em que não haveria possibilidade de agir de forma distinta, estará
isento de pena.

Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita


obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior
hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Coação moral irresistível: a coação moral é aquela em que o agente está


sujeito a uma grave ameaça. Como advertido por Bitencourt, na coação moral
irresistível existe vontade, contudo ela está viciada. Acrescenta, ainda, que a
irresistibilidade da coação deve ser medida pela gravidade do mal ameaçado,
isto é, o mal deve ser grave e iminente para que seja considerada irresistível a
coação moral (2011, p. 421).

Aquele que praticou a coação moral irresistível será punido como autor
mediato (que é aquele que se vale de outrem como instrumento para a
consecução da prática criminosa).

Difere de coação física, onde não há vontade.

Caso tal coação seja resistível, caracterizar-se-á a atenuante prevista no art. 65,
inciso III, alínea “c”, do CP6.

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III - ter o agente:

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em


cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência
de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

Obediência hierárquica: ocorre quando a conduta do agente foi decor-


rente de uma ordem emanada de uma autoridade superior.

Para que seja configurada a obediência hierárquica, é necessário que:

a) A ordem seja emanada de uma autoridade superior: a ordem não pode


ser emanada de alguém de posição inferior ou equivalente.
b) A ordem não pode ser manifestamente ilegal: isso significa que a ordem
não pode ser flagrantemente ou claramente ilegal. Caso a ordem seja
legal, trata-se de causa excludente de ilicitude.
c) Seja uma relação de direito público: é imprescindível que se trate de uma
relação de direito público, de modo que qualquer ordem emanada de
superior hierárquico pertencente à iniciativa privada não isenta de pena.

III. Potencial consciência da ilicitude

É indispensável que o agente tenha condições de conhecer a ilicitude de seu


ato, isto é, ele deve ter, no mínimo, potencialidade de compreender que o seu
ato é contrário à ordem jurídica.

O que ocorre na ausência desse requisito é que o sujeito não vislumbra em


sua ação um caráter ilícito.

A potencial consciência da ilicitude não se confunde com o


desconhecimento da lei, pois que este é inescusável.

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude


do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de
um sexto a um terço.

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se


omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível,
nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

O erro de proibição é tratado, sob a rubrica de “erro sobre a ilicitude do fato”;

O erro de proibição é tratado no art. 21 do Código Penal. Não se trata de


desconhecimento da norma (que é inescusável), mas de falta de
compreensão, por parte do agente, da antijuridicidade do fato.

Erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato é o erro que incide sobre a
norma de proibição que emana da lei penal. O agente acredita ser lícita
conduta que a rigor é ilícita;

Observe o caso daquele que planta no quintal de sua casa “cannabis sativa L”
(maconha), acreditando que o entorpecente pode ser utilizado para fins
medicinais. Sabe que é substância entorpecente. Mas acredita que é lícito
utilizá-la para fins medicinais;

Na verificação do erro sobre a ilicitude do fato há que se atentar para as


qualidades do agente, em especial sua cultura; e para as condições em que
ocorreu o fato. Se realmente ficar provado que o agente não teria condições
de, naquelas circunstâncias, alcançar a compreensão da ilicitude da conduta,
estará ele isento de pena. Se lhe fosse possível, apenas terá a seu favor uma
redução da pena de um sexto a um terço (parágrafo único do art. 21).

O erro de proibição, portanto, pode ser:

a) inevitável, invencível, escusável: exclui a culpabilidade (art. 21, caput,


primeira parte);
b) evitável, vencível, inescusável: a pena é reduzida de um sexto a um terço
(art. 21, caput, segunda parte e parágrafo único).

Observação: Difere do erro de tipo

Erro sobre elementos do tipo

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime


exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se
previsto em lei.

Diverge o erro de proibição do erro de tipo porque neste o agente tem uma
falsa representação do fato, não conseguindo perceber que estão
reproduzidas na situação concreta os elementos da figura típica. Exemplo:
alguém que, supondo estar atirando em um animal, no meio de uma caçada,
termina por atingir uma pessoa. Não sabia ele que a elementar “alguém”, do
tipo penal descrito no art. 121, caput, estava presente no fato; logo, sua
conduta não foi dolosa.

No erro de proibição o agente tem exata consciência da situação fática,


apenas não sabe que sua conduta é proibida. Pode acontecer, por exemplo,
de o agente apostar no jogo de bicho entendendo ser lícita tal conduta, pois
todos o fazem abertamente.

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