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o objeto do desejo.
A identificaçfo do dono da
cabeça no candomblé *
MONIQUE AUGRAS * *
ANGELA MARIA CORREA ***
O presente trabalho apóia-se numa investigação que foi realizada de junho de 1974
a novembro de 1975, em terreiro de nação Queto, na cidade do Rio de Janeiro, no
quadro de uma pesquisa de cunho antropológico e psicológico, para obtenção do
grau de mestre em psicologia pela PUC/RJ. Propõe uma nova integração dos dados
então recolhidos, que foram parcialmente utilizados para a feitura da tese. As
autoras deste estudo são, respectivamente, a então mestranda, que daí por diante
será especificamente designada pelo nome de investigadora, já que lhe coube reali-
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4. Quais são OS processos e métodos utilizados para identificar o orixá dono da
Clbeça? Qual é o papel da técnica, e da intuição?,
5. Como as pessoas descrevem o "temperamento" do seu orixá? BXiste alguma
oonsciência de identificação, ou não?
6. Submetendo filhos e filhas de santo a exame psicológico, será possível
encontrar correlações oom o "tipo" dos seus santos respectivos?
1. Os livros
Objeto do desejo 39
para comprar óleo no mercado", "Ele é como o barbudo que fica seis meses na
casa do tintureiro. O tintureiro não pode nem tingir sua barba nem ir jantar").
Essa característica, diga-se de passagem, é comum entre os deuses que presidem à
comunicação: em muitos aspectos, o Hermes grego é ~ambém um trickster.
Paralelamente à literatura especializada, no levantamento das características
de cada orixá pode-se recorrer à observação das danças rituais. A dança de cada
orixá representa freqüentemente a ilustração coreográfica da letra do cântico que
a acompanha. Descreve-se, portanto um comportamento específico a partir do
qual é possível fazer inferências sobre a personalidade do orixá. Um caso bastante
ilustrativo é o do banho de Oxum em que se destaca toda sua sensualidade,.
vaidade e riqueza, à medida que ela se olha no espelho enquanto passeia pelas
margens do rio, e mais tarde despoja-se de seus ornamentos para entrar na água. As
vestimentas e" atributos dos orixás também nos fornecem dados neste sentido. É o
caso do abebé de Oxum, ilustrativo ao mesmo tempo da vaidade e de seu caráter
de orixá da fertilidade (forma de cabaça).
Somados os resultados do levantamento bibliográfico, da observação de
rituais e das entrevistas com babalorixás foi possível alcançar um razoável grau de
coerência dentro da descrição dos traços de cada orixá, coerência esta que se
manteve em linhas gerais na comparação com o diagnóstico popular.
. E curioso observár que pessoas ligadas ao candomblé desde as mais leves
tinturas sobre o assunto se prontificam à primeira vista a aventurar uma opinião
.sobre o orixá protetor de cada pessoa. Esta opinião popular reflete bastante aque-
las características que gozam de relativo consenso entre autores especializados e
babalorixás. Em determinadas pessoas, certas características de personalidade
ressaltam tanto que esta identificação alcança alguma unanimidade. Em outros
casos os palpites são os mais disparatados. Nota-se, no entanto, que eles não são
dados ao acaso mas sim baseados em algum conhecimento das histórias dos orixás
e de suas características. Observa-se que quanto maiores conhecimentos a pessoa
adquire dentro do candomblé, quanto mais ela sobe dentro da hierarquia do
terreiro, menos ela se aventura a este tipo de palpite. Chegamos assim ao baba-
lorixá, que só arriscará uma defmição depois de um contato bastante prolongado
com o consulente e várias horas de jogo de búzios. Quando o objetivo é "raspar o
santo", esta precaução é ainda maior, podendo ser solicitada a ajuda de um baba-
laô.
Tal femômeno -não é observável apenas nos terreiros. Basta lembrar a fúria
diagnosticadora que se apodera de tantos calouros de psicologia e que aos poucos
se vai aplacando, à medida que os estudantes adquirem os conhecimentos da sua
especialidade!
A identificação do orixá por pessoa não-habilitada, ao mesmo tempo que
assume certo caráter de estereotipia e de precariedade, serve para ressaltar, pelo
seu próprio esquematismo, os grandes traços que são peculiares a cada orixá. Nesse
sentido, a tradição popular funcionaria quase como uma caricatura da tipologia
mítica: os traços são por demais acusados, mas não deixam de apresentar nítida
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semelhança com o modelo. O seu esquema tis mo talvez tenha a qualidade de
chamar a atenção sobre certos aspectos que de outro modo teriam passado desper-
cebidos. Pode-se- concluir, portanto, que é possível encontrar, tanto na bibliografia
acadêmica como na avaliação ingênua, descrições de traços que diferenciam niti-
damente os orixás entre si sob o aspecto do temperamento.
Como tudo isso funciona então na prática diária do candomblé?
2. N o terreiro
Objeto do desejo 41
Uma pessoa da família da investigadora, já freqüentadora do terreiro! estabe-
leceu o contato inicial e assegurou o pai de santo da pureza das intenções da
pesquisa. A realização da mesma não dependia exclusivamente da boa vontade
pessoal do pai de santo. O ingresso no espaço sagrado tem de ser autorizado pelas
próprias forças que o regem. Os orixás tinham de ser consultados. Felizmente os
búzios deram um parecer favorável.
Este evidentemente é o passo fundamental, sem o qual é ocioso pensar-se em
realizar qualquer tipo de investigação: para penetrar nos degraus do sagrado, é
preciso engajar-se, dar de si para receber. Assim é que mais tarde, no meio dos
trabalhos da pesquisa propriamente dita, o pai de santo comunicou à investigadora
que se fizera necessário realizar um bór; para continuar adequadamente a tarefa.
Trata-se de uma cerimônia por meio da qual se transmite força à cabeça da pessoa
que a ela se submete. Após os rituais, pergunta-se aos orixás se a oferenda foi bem
acei ta. Se não a fosse, não teria sido possível prosseguir a pesquisa. O bári é, de
certa forma, um grau de participação no terreiro maior do que o de um simples
curioso, que garante uma relativa ascendência do pai de santo sobre a pessoa, e
estabelece um primeiro vínculo entre o indivíduo e o terreiro. Se a pesquisa tivesse
se prolongado por mais tempo, é provável que um grau maior de comprometi-
mento tivesse sido exigido.
Uma vez apoiada pela benevolência dos orixás a seu respeito, a pesquisa teve
de defrontar-se com outro problema, de natureza operacional. Para obter as infor-
mações essenciais acerca do funcionamento do terreiro, das técnicas de identifi-
cação do orixá que precedem à iniciação, e principalmente da maneira como o pai
de santo vê a relação entre o temperamento de cada orixá e a personalidade de
cada um dos seus filhos, era preciso realizar uma série de entrevistas com o
babalorixá. Em que horário?
O pai de santo preside as atividades cotidianas do terreiro, organiza as festas,
atende as pessoas que o procuram para consultas urgentes, harmoniza o relacio-
namento entre os seus filhos, e tem também de encontrar tempo para cuidá de
sua vida profana. Marcar hora não adianta. O remédio é ir cedo para o terreiro e
esperar até que o momento propício apareça. Nisso se vão horas, e dias. Vai-se
também o prazo estipulado para a entrega dos resultados da pesquisa.
Conseguida a oportunidade da entrevista, apareceu mais uma dific\lldade,'a
de obter informações completas. O segredo cerca grande parte dos rituais e tem
seus fundamentos em mitos relativos aos orixás. Os esclarecimentos só podem ser
transmitidos gradativamente, à medida que a pessoa passa a ter uma participação
maior dentro do terreiro, e assim mesmo só vão até certo ponto.
É possível também que o próprio pai de sánto nem sempre domine a totali-
dade dos conhecimentos. O carisma e a capacidade de liderança que parecem
elementos fundamentais para a criação e manutenção de um terreiro que funcione
ordenadamente não acompanham necessariamente um conhecimento profundo
dos fundamentos dos rituais. Inversamente, foi encontrado um oluô com extensos
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conhecimentos, mas que desempenhava um papel marginal dentro do terreiro por
faltar-lhe a qualidade da liderança.
Nessa situação, desfizeram-se as fantasias das autoras a respeito de um con-
junto bem estruturado de traços de personalidade descritivo de cada orixá, que
seria ensinado às filhas de santo nas aulas que precedem a iniciação e que serviria
de base ao babalaô quando determina o santo a ser raspado. Isto permite explicar,
em parte a divergência de informações encontradas na literatura, embora haja uma
certa concordância genérica a respeito de cada orixá.
Após as entrevistas com o babalorixá, era necessário examinar os seus filhos.
O obstáculo mais difícil de ser transposto, e que foi superadQ apenas em parte, foi
encontrar filhos de santo disponíveis para se prestarem aos exames planejados, que
'mcluíam entrevista e psicodiagnóstico de Rorschach.
Quando se encontra presente no terreiro, o filho de santo está geralmente
empenhado em alguma atividade relevante, que não pode ser interrompida.
Somando-se o problema da aceitação individual dos exames, a disponibilidade do
pai de santo para fazer as apresentações, ,e mais a exigüidade do prazo de reali-
zação da pesquisa, que ia diminuindo cada vez mais, somente foi possível levar a
cabo os exames de 15 pessoas. Nem todas tinham o mesmo grau hierárquico:
incluíam desde iaôs com um mês de iniciadas até ialorixás donas de terreiro há
muito tempo.
Nem todas tinham sido iniciadas naquele terreiro, e a identificação do seu
orixá tinha sido feita por diversos babalaôs. Algumas filhas de determinados orixás
haviam sido raspadas sob a proteção de outros, considerados mais benéficos. Esse
aspecto veio dificultar sobremaneira a verificação das hipóteses de trabalho. No
entanto, chegou-se a um conjunto de resultados que, embora não conclusivos por
conta dos percalços do caminho, não deixam de apontar para perspectivas enco-
rajadoras.
As informações sobre as características dos orixás colhidas junto ao pai de
santo não permitiram compor um quadro coerente das características dos mesmos.
Na opinião da investigadora, a imprecisão das respostas talvez fosse devido a um
conhecimento não muito profundo dos mitos e do significado dos rituais. Quem
forneceu o maior acervo de informações foi um oluô que freqüentava o terreiro
por ser amigo do babalorixá. Era uma pessoa muito pobre e que vivia do dinheiro
arrecadado com a venda de fios de contas para as pessoas que freqüentavam o
terreiro. Jogava também búzios. Quando havia preparativos para a saída de um
"barco" de ioôs ele ajudava o babalorixá na determinação dos santos que deviam
ser raspados. Ao contrário do pai de santo, parecia possuir conhecimentos apro-
fundados de nagô, que falava fluentemente, bem como dos mitos ligados à adivi-
nhação. Foi possível colher junto a ele uma curiosa versão sobre o aparecimento
dos orixás a partir dos odus (configurações nos jogos de adivinhação) em que se
destacaram vários aspectos da personalidade das divindades do panteão ioruba.
Objeto do desejo 43
3. Os tipos
A partir dos mitos encontrados na literatura, acrescidos das descrições que pude-
ram ser obtidas junto ao babalaô e aos freqüentadores do terreiro estudado,
conclui-se que o panteão compõe algo parecido com uma tipologia.
Essa tipologia não é simples. Cada orixá se desdobra em vários subtipos: o
comportamento esperado de Oxaguiã não é o mesmo de Oxalufã. No entanto, os
mitos relativos a cada orixá desenham configurações específicas, e pode ser ten-
tada uma tradução, em termos psicológicos, da descrição de cada temperamento.
Como ilustração, pode-se dar alguns exemplos:
Exu parece ser malicioso, brincalhão, com forte agressividade dirigida para
fora, coragem e iniciativa, inteligente e com agudo espírito crítico, com vivência
nitidamente extratensiva e muito boa capacidade de relacionamento.
O temperamento de Ogum parece caracterizar-se pela violência; extre-
mamente agressivo e impulsivo, o seu controle é fraco e a afetividade, explosiva.
Omolu também seria agressivo, mas controlado, e eventualmente tenderia a
dirigir sobre si a agressividade. O relacionamento não parece muito fácil. A afeti~
dade é madura. Seria possível encontrar uma certa disforia, com ansiedade e
preocupação com o esquema corporal.
O temperamento de Oxóssi não é tão nitidamente delineado. Os mitos
descrevem-no como alguém dominado pela afetividade, prudente, desconfiado,
mas com bom relacionamento; o seu potencial agressivo parece sublimado.
Ossaim parece ser-lhe semelhante, só que mais introvertido e com certa
dificuldade de relacionamento.
Xangô é sem dúvida um orixá de traços bem marcantes. Inteligente, com
boa capacidade de organização e planejamento, muito criativo, com afetividade
lábil, egocêntrica, e intenso interesse sexual; o grande potencial agressivo é con-
trolado de modo intelectual e utilizado para atingir fins específicos; o relacio-
namento é distante e difícil.
Iansã é um tipo semelhante a Xangô, intelectualizado, agressivo e domi-
nador; a afetividade oscila entre a impulsividade e o controle rígido; o relacio-
namento interpessoal não parece ser fácil.
Oxum é sempre descrita como sensual e narcisista, com necessidade de afeto,
manifestando muito boa capacidade de relacionamento, inteligência intuitiva e
prática.
~ difícil encontrar uma descrição do temperamento de Iemanjá. Como
figura de Grande Mãe, ela é vista em termos de virtualidades, de tendências ainda
não individualizadas. Há urna certa agressividade, que se exprime de modo velado
e indireto. A afetividade parece madura, controlada, e o relacionamento, fácil.
Oxalá é, por definição, criador e aperfeiçoador; a sua afetividade é madura,
com certo. controle intelectual. É bastante teimoso e oposicionista, manifestando
um predomínio das tendências auto-agressivas.
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Resta saber se os fIlhos de santo apresentam tais características, ou se as
mesmas se manifestam exclusivamente durante o estado de posse.
4. As técnicas
1. os quatro pedaços caem com a parte interna dirigida para cima - a resposta
dos deuses à pergunta feita é "sim";
2. se três fragmentos caem com a parte interna voltada para cima, a resposta é
"não";
3. se dóis pedaços têm a parte interna voltada para cima a resposta é favorável;
4. um único fragmento tem a parte interna voltada para cima - a resposta é
desfavorá vel.
Objeto do desejo 4S
de Oxum podem ter acess~ a ele. Os 16 búzios geralmente usados (podem ser 32
em alguns casos) devem ser africanos e apresentam uma das faces quebradas, de
forma a ter um lado aberto e outro fechado. O adivinho sacode-os nas mãos,
lança-os e lê a "palavra" formada. Esta leitura supõe um conhecimento profundo
dos mitos relacionados aos orixás que correspondem a cada jogada. A resposta
depende da aplicação do mito à pergunta que foi feita.
De utilização privativa pelo babalaô é o opelê, ou colar de Ifá. Ele é <:pm-
posto de oito metades de nozes de cola, presas a uma correntinha de ferro que se
joga sobre a mesa, de modo a cair formando um U.cuja abertura fica colocada
diante do adivinho. As duas extremidades do U são de sexo diferente. Esta dife-
rença está representada por um pequeno nó para o sexo masculino e uma pequena
franja para o sexo feminino. As metades de noz, ao caírem, formam então 16
palavras ou odus. O babalaô interpreta a resposta de acordo com seus conhecimen-
tos.
Vemos assim que a determinação do orixá depende em grande parte da
interpretação que o adivinho faz a partir das técnicas específicas, uma vez que a
ele cabe aplicar o mito à pergunta feita. Podemos assim supor que a sua interpre-
tação se baseie não apenas em seus conhecimentos mas em sua capacidade intui-
tiva para determinar o orixá protetor de cada pessoa. A observação do filho de
santo, de seu comportamento, permite-lhe fazer inferências sobre seus possíveis
traços de personalidade, os quais, cotejados com seu conhecimento sobre as carac-
terísticas dos orixás, lhe permitem fazer urna avaliação mágica de cada pessoa.
Dentro deste enfoque, poderíamos comparar o babalaô ao psicólogo, que à
m:dida que cresce em experiência passa a utilizar sua intuição como instrumento
fundamentíll de diagnóstico. As técnicas de adivinhação poderiam ser aproximadas
dos testes psicológicos, fornecendo importantes dados que, no entanto, por si só
não são suficientes: eles dependem dos conhecimentos teóricos e da experiência
do diagnosticador para serem realmente eficientes.
5. A identificação
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-
entrevistadas descreveu a iniciação como uma luz que tenta passar através de um
vidro stgo. Quando o vidro é limpo a luz pode passar melhor.
Ao falar de seu orixá protetor, as pessoas procuram realçar seu poder e
força, características que indiretamente viriam valorizar seus filhos. Geralmente é
possível observar descrições semelhantes entre os filhos de um mesmo orixá. Na
maioria dos casos, estas características são também coerentes com as descrições da
literatura especializada e com aquelas comumente aceitas como próprias daquela
divindade. No caso de Omolu foi destacada sua pertinácia: "quando quer alguma
coisa luta até conseguir", "tem um temperamento positivo e decidido". Quanto a
Xangô o traço dominante foi o seu caráter justiceiro e seu temperamento forte:
"quando se irrita é justiceiro e castiga severamente a pessoa". Uma filha de
Iemanjá descreveu-a como uma vibração de calma e tranqüilidade que vem nas
ondas do mar. Iansã é descrita por uma de suas filhas como "maravilhosa, alegre,
decidida, forte, guerreira, que impõe", "persuasiva, inteligente e muito viva".
As ftlhas de Oxum destacam sua tendência a chorar facilmente, sua grande
sensibilidade. Outras características a ela atribuídas foram a vaidade, sua ambição
e gosto por coisas caras e postos de destaque (é a dona do ouro). Em Oxalufã
ressaltou-se a bondade e calma, apesar de castigar aqueles que "mexem com seus
filhos".
6. A experimentação
Objeto do desejo 47
Quadro 1
Idade Orixá
Idade da Posição Motivação dono da Segundo Terceiro Natural de Profissão Estado
iniciação hierárq uica cabeça
orixá orixá civil
--- --'--- --- -- -- ------ -------- ~----
---
1 - Pedro 66 anos 18 anos oluô e pabi conselho de Omulu Iansã Bahia vendedor de guias solteiro
um babalorixá
2 - Carmem 37 anos 31 anos ialorixá saúde Obaluaê Tempo Itália prendas domésticas casada
3 - Jussara 47 anos 47 anos iaô saúde Obaluaê Rio prendas domésticas casada
4 Marta 39 anos 4 anos ialorixá saúde Ossaim Oxóssi Rio prendas domésticas viúva
5 - Laura 25 anos 7 anos ialorixá não sabe Xangô Bahia ajuda o babalorixá solteira
6 - Fernando 28 anos 19 anos iaô saúde Xangô Oxum Ogum Maranhão fune. da ERCT solteiro
7 - Sérgio 30 anos 30 anos iaô jogo de búzios Xangô Rio economista casado
8 - Nair 13 anos 13 anos iaô saúde Xangô Oxalá Oxóssi R. G. Norte estudante solteira
9 - Mônica 33 anos 32 anos iaô saúde Oxum Pernambuco ajuda o babalorixá solteira
10 - Renata 19 anos 19 anos iaô problemas em Oxum Oxalá Xangô Rio estudante solteira
geral
11 - Joelma 24 anos 24 anos iaô ~~tristeza" Oxum Iansã Xangô Rio prendas domésticas casada
12 - Dora 23 anos 23 anos iaô saúde Oxum Rio datilógrafa solteira
13 - Isabel 23 anos 23 anos iaô azar e saúde lemanjá Rio estudante solteira
14 Cláudia 28 anos 27 anos iaô busca de trans- lansã Xangô São Paulo estudante de psico- solteira
cendentalidade logia
15 - Maria Rita 66 anos 66 anos iaô saúde Oxalá Nanã Minas Gerais prendas domésticas viúva
Quadro 2
R 12 12 10 17 11 11 10 20 14 20 12 13 20 12 40
G% 42 58 60 59 64 64 90 30 64 85 50 62 35 50 12
D% 58 33 10 24 36 36 70 29 15 50 38 65 50 55
Dd% 8 30 10 31
Dbl% 8 17 7 12
F+% 40 lOO 83 50 86 75 50 66 100 73 78 67 75 100 58
F% 42 50 60 35 64 73 60 75 57 55 55 69 90 75 78
K 2 2 1 2 4 4 2 1 2 5
FC 2 4 1 2 2
CF 1 1 1 1 1 1 3
C 1 2
FE 3 2 2 1 1 1 1 2
EF 1 2 2 1 1 1
E 1
A% 75 67 40 53 64 55 10 60 55 30 50 38 60 50 32
H% 8 8 10 29 27 9 50 20 9 35 33 15 5 17 38
Anat% 8 20 6 27 30 5 27 5 31 15 8
Ban 2 5 4 3 6 7 O 3 7 6 5 5 6 5 4
TV 1:1,5 1:2,5 1:2 2:3 2:1,5 1 :1 2:0 0:2 1 :1 4:6 2:0 1:0,5 1:1,5 2:1 5:1
TP G-º Çl.D.Dd.Dbl G-DDd G.D.Dbl º"D Ç!-D Ç!-Dd G-º Ç!-D Ç!-D Çl-D Ç!-D G-º Ç!-D G.D.Dd
Do.Dbl
vado)(Dbl com F+, Dbl com TVintroversivo). No entanto, não se verificou a espe-
rada afetividade madura e bem controlada.
A filha de Iansã já aparecia na entrevista como um tipo altamente represen-
tativo deste orixá. No Rorschach, todos os traços esperados foram encontrados:
"inteligência e criatividade (G% 85 com numerosas secundárias, 4 K, F+% 73), afetivi-
dade intensa e impulsiva (O FC, 3 CF, 2 C), relacionamento difícil - (H) maior
que H.
Nos orixás que contavam com certo número de fIlhos,houve menos concor-
dância. Algumas características foram constantes, apareceram nos testes de todos.
Talvez essas características fossem especialmente relevantes para o "diagnóstico"
do oluô. Observa-se por exemplo que todos os filhos de Omolu possuem em
comum o mesmo tipo de vivência, tendendo para o coaitativo - em dois deles é
nítida a ansiedade (FE e EF). Os filhos de Xangô são todos do tipo G e se
mostram predominantemente introversivos. Um só deles se revela fortemente
agressivo. As filhas de Oxum n[o apresentaram o narcisismo e a sensualidade espe-
rados, e ainda menos a capacidade de relacionamento.
É preciso atentar para o fato que os filhos de determinados orixás tinham
sido identificados como pertencentes a uma sub divindade específica (para retomar
a expressão de Bastide). A pesquisa não procurou levantar as características de
cada um dos subtipos de orixás, nem sequer em nível teórico. Um trabalho mais
extenso teria de levar isso em conta. Basta dizer que Bastide assinalou a presença
de 3 Oxalá, 4 Oxossi, 7 Ogum, 7 Iemanjá, 9Ians[, 12 Xangô, 14 Omolu, 16 Oxum,
e nada menos que 21 Exu! .
É possível portanto que as diferenças encontradas ao nível individual fossem
também devidas a variações entre subdivindades. Por exemplo, os quatro filhos de
Xangô pertenciam respectivamente a Xangô menino, Xangô Alafin, Xangô Agodô
e Xangô tout court.
Outro aspecto que não foi levado em conta é o do santo secundário de cada
um dos filhos. Dentro da mitologia nagô, cada pessoa é um mundo em pequeno,
que inclui dentro de si todos os orixás. O santo é o "dono da cabeça", mas não é o
único atuante.
Essas considerações objetivam mostrar o quanto é complexo o problema da
identificação no mundo mítico do candomblé. O trabalho realizado convenceu as
autoras da adequação dos seus pressupostos. A descrição dos orixás do candomblé
parece mesmo compor uma tipologia intuitiva, e o trabalho de identificação do
dono da cabeça em muito se assemelha a um processo diagnóstico. Como se viu, as
autoras não conseguiram juntar um acervo de dados suficientes para investigar, de
maneira correta, a maneira pela qual o temperamento do orixá pode corresponder
aos traços de personalidade de seus filhos. Fizeram questão, porém, de vir tes-
temunhar da relevância desse tipo de investigação para os estudiosos da psicologia
religiosa.
Serão necessárias muitas investigações, amplas e demoradas, para se chegar a
alguma compreensão do tipo de relações que o iniciado estabelece com o seu
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onxa. Essa temática interessa ao antropólogo cultural, mas diz respeito a todos
nós, que vivemos dentro de uma realidade cultural tão rica, tão original e tão
impregnada de misticismo como é a cosmovisão brasileira. A compreensão do
processo específico de identificação com o "dono da cabeça" permitiria talvez
esclarecer os mecanismos que dão origem à manifestação do "estado de santo". E
serviria também como um modelo para a compreensão dos meios de que o homem
dispõe para lidar com a sua própria estranheza, isto é, com a sua realidade mais
profunda. "O objeto do desejo, eis o vodu de cada um", dizia um dia um africano
pua um etnólogo. Ou seja, o encontro com aquilo que todos nós almejamos.
Résumé
Bibliografia
Bastide, R. O candomblé da Bahia (rito nagô). São Paulo, Cia. Ed.· Nacional, 1961. 285p.
Freitas, B. Os orixás falam no jogo dos búzios. Rio, Eco, 1966. 174p.
Objeto do desejo 51
Magalhães, E. G. Orixás da Bahia. Salvador, Artes Gráficas, 1974. 161p.
Ramos, A. O negro brasileiro. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1940. 174p.
___ o Orilei et Mlenmlen. In: Dieterlen, G. Textes sacrés d'Afrique noire. Paris, Gallimard,
1965. p. 239-56.
REVISTA DE PSICOLOGIA
GENERAL Y APLICADA
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