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Immanuel Wallerstein

Ofim do mundo
como o concebemos

Ciência social para o SéCUlO XXI

Tradução: Renato Aguiar

Editora Revan
SUMÁRIO
Do original:
The end of world as we know it, cia edição publicada por Universty of Minnesota Press
NOTA DO EDITOR NO BltsIL /7
Copyright © 2001 by Immanuel Wailerstein.
Copyright © 2003 by Editora Revan Ltda.
INTRODUÇÀO À EDIÇÃO BRASILEIRA /9
Todos os direitos reservados no Brasil pela Editora Revan Ltda. Nenhuma parte desta
publicação poderá reproduzida,
ser seja por meios mecânicos, eletrônicos ou via PREFÁCIO /31
cópia xerográfica, sem a autorização prévia cia Editora.
INCERTEZA E CRIATIVIDADE: PREMISSAS E CONCLUSÕES /33
Revisão de tradução
Roberto Reixeira

PARTE I
Revisão
O MUNDO DO CAPITALISMO
Marta Ramos
Geni Harb
CAPÍTULO 1 -

A ciência social e o interlúdio comunista, ou interpretações


Capa da história contemporânea /39
Paulo Vermelho
(Inspirada na capa da edição original)
CAPÍTULO 2-O CNA e a África Cio Sul: passado e futuro dos movimen-
tos de libertação do sistema -mundo /51
Impressão
(Em papei off-set 75grs. após paginação eletrônica, em tipo Gatineau, e. 11/13)
CAPÍTULO 3 -
A ascensão cia Ásia oriental, ou o sistema -mundo no
Ebal/Coopag
século XXI /67

CIP -Brasil. Catalogação -na -Fonte Coda: A assim chamada crise asiútica: geopolítica na
longue clurée /83
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

CAPÍTULO 4- Estados? Soberania? Os dilemas dos capitalistas numa era

w182f de transição /91


Wallerstein, Immanuel Maurice, 1930-
O fim do mundo como o concebemos: ciência social para o
CAPÍTULO 5 -

Ecologia e custos capitalistas de produção: sem saída /111


século XXI / Immanuel Wallerstein; tradução, Renato Aguiar. Rio -

de Janeiro: Revan, 2002,


32Op. CAPÍTULO 6- Liberalismo e cleniocracia: Frères en'neinis? /123

CAPÍTULO 7 -Integração em quê? Marginalizrção em relação a quê? /141


Tradução de: The End of the World as We Know it: Social Science
for the Twenty-First Century
ISBN 85-7106-252-8 CAPÍTULO 8 -Mudança social? A mudança é eterna. Nada muda jamais /155

1. Ciências sociais -

Filosofia. 2. Sociologia -
Filosofia. I. Título. PARTE II
II. Título: Ciência social para o século XXI. O MUNDO DO SABER

02-1273 CDD 300


CAPÍ11JLO 9- Ciência social e sociedade contemporânea: As garantias
CDU3
evanescentes de racionalidade /173
30.07.02 30.07.02 001381
Capítulo 11

Eurocentrismo e seus avatares


Os dilemas da ciência social
*

A ciência social tem sido eurocêntrica ao longo de toda a sua histó-


ria institucional, vale dizer, desde a existência dedepartamentos lecio-
nando ciência social no sistema universitário. Isso não é minimamente

surpreendente. ia social é um produto do


demo, e o eurocentrismo é cons iloulturado mundo mo-

derno. como esti:utura institucional, a ciência s6ia1


iss end
'fas ampIamente
ciens rUsaremos aqui a expressão
"Europa" inai riiIiiisiiÏo cultur I do ue cartográfic6; assim, na dis-
cussão so re os últimos c ois séculos, estaremos nos referindo primária e

conjuntamente à Europa e à América do Norte. As disciplinas da ciência


social de fato se localizaram, pelo menos até 1945, esmagadoramente
em apenas cinco
países França, Grã-Bretanha, Alemanha, Itália e Esta-
-

dos Unidos. Mesmo hoje, apesar da disseminação global da ciência so-


cial como atividade, a grande maioria dos cientistas sociais mundo afora
permanece européia. A ciência social surgiu em resposta a problemas
europeus, num momento da história em que a Europa dominava o
sistema -mundo moderno. Era virtualmente inevitável que suas escolhas
de temática, suateorização, metodologia
sua epistemologia refle-
e sua

tissem as restrições do crisol dentro do qual estava sendo formulada.


Entretanto, no período após 1945, conizaão cia Ásia e daÁfri-
ca,emaisa consciência agudamente acentuada do mundo não europe
em toda a prte, afetiam o m1iiido donto uanto tinham afetado a
picaciosist-mincio.Udessas diferenças maiores, hoje e pelo
menos pelos próximos 30 anos, é que o "eurocentrismo" da ciência social
tem estado sob ataque, sob cerrado ataque. Este ataque, é claro, é funda-
mentalmente justificado, e não há dúvida de que, se quiser fazer algum
progresso no século )O(I, a ciência social precisa superar a herança
eurocentrista que tem distc.rcido as suas análises e sua capacidade de lidar
com os problemas cio mundo contemporâneo. Se quisermos fazê-lo, entre-

Discurso deorientação geral do colóquio regional da Associação Internacional


*

de da Ásia Oriental, "0 futuro da sociologia na Asia Oriental", 22-


Sociologia
23 de novembro de 1996, Seul, Coréia.

205
tanto, temos de examinar cuidadosamente o que constitui o eurocentrismo, não Outros povos, terão desencadeado o fenô-
porque os europeus, e

pois, como veremos, trata-se cabeça de hidra e muitos


de um monstro com
meno especificado, e porque o terão feito num determinado momento
avatares. Não será fácil matar o dragão rapidamente. Se não formos caute-
cia sua história. Ao buscar esta explicação, o instinto cia maioria dos
losos na tentativa de lutar contra ele, não há dúvida de que podemos
estudiosos foi de nos fazer recuar na história, em busca de presumidos
criticaL Ii:oçntrismo usando categorias eurontdças, reforçando assim antecedentes. Se os europeus cio século XVIII ou XVI fizeram x, diz-se
iluência sobré comunicIad&öãTintjstas humanos.
a

São pelo menos cinco as acusações de eurocentrismo feitas à ciên-


que isto provavelmente se deve ao fato de os seus ancestrais (ou supos-
tos ancestrais, o ancestral pode ser menos biológico cio que cultu-
pois
cia social. Elas não constituem um conjunto logicamente coeso de cate-
pretensamente cultural) terem feito, ou siclo, y
no século XI ou
ral, ou
gorias, já que se superpõem de maneiras obscuras. Contudo, pode ser no século V a.C., e mesmo antes. Podemos todos imaginar
a multiplici-
útil revisar as alegações sob cada urna das cinco rubricas.
Argumentou- dade de explicações que, uma vez tendo estabelecido ou ao menos
se que a ciência social
expressou seu eurocentrismo (1) na sua afirmado um fenômeno qualquer ocorrido entre os séculos Xvi e XIX,
historiografia, (2) no provincianismo do seu universalismo, (3) nas suas nos fizeram vários pontos
recuar a linhagem européia, em
anteriores na

sup6Fções busca das variáveis verdadeiramente determinantes.


Há aqui urna premissa que não está verdadeiramente oculta, mas
europeu do mun
longo tempo indiscutida. A premissa é que qualquer
-

que permaneceu
cio moderno virtude
realizações históricas
especificamente Europa seja considetacla responsável
em de euro-
que seja a inovação pela qual a
péias. A historiografia é provavelmente fundamental para outras explica- entre os séculos XVI e XIX, é uma boa inovação, cia quUipropacly.
ções, mas é também a variante mais obviamente ingênua, cuja validade se otgulhu o test inte do munci inyi ou 'io menos se m0stiu
pode-se muito facilmente qüestionar. Nos últimos dois séculos, os euro- iscetível bern A inovação é percebida corno urna realiza-
de apreciar.
peus estiveram inquestionavelmente sentados no topo do mundo. Coleti- títulos de livro testemunham esta avaliação
ção, e numerosos
vamente, controlaram os países mais ricos e militarmente mais poderosos.
O fato de a historiografia atual cia ciência social mundial ter em
Usufruiram a tecnologia mais avançada e foram os
principais criadores grande medida expressado esse tipo de
percepção cia realidade não me
dessa
tecnologia avançada. Esses fatos parecem ser amplamente iricontestes percepção pode ser questionada em várias
e realmente é difícil
parece muito discutível. Esta
questioná-los de maneira plausível. A questão é o
bases, é claro, o que tern acontecido crescentemente nas décadas
recen-

que explica este diferencial em termos de poder e padrões de vida em do aconteceu


tes. Pode-se questionar a precisão da representação que
relação ao restante cio mundo. Um tipo de resposta é que os europeus e no mundo como um todo entre os séculos XVI
e XIX.
fizeram algo meritório e diferente dos outros povos nas outras
na Europa
partes cio Pode-se certamente questionar a plausibilidade dos presumidos
antece-
mundo. É do que estudiosos estão falando quando mencionam o "mi-
ocorrido naquele período. Pode-se implantar a his-
os
dentes culturais cio
lagre europeu"1. Os europeus terão desencadeado a revolução
industrial, tória dos séculos XVI ao XIX numa duração maior, de vários séculos a
ou o crescimento sustentado, desencaciearam modernidade, ou o está
get-al
ou a
dezenas de milhares de anos. Se for o caso, em o que se

capitalismo, ou a burocratização, ou a liberdade individual. É claro, preci-


"realizações" européias do período entre os
definir
argumentando é que as
samos estes termos com. muito cuidado e descobrir se realmente mais variante
séculos XVI e XIX parecem menos notáveis, ou com uma
foram europeus que clesencaclearam
os o que quer signifique cada uma
cíclica, ou menos corn realizações passíveis de serem creditadas prima-
dessas inovações, e, se tanto, exatamente quando. inovações foram
riamente à Europa. Finalmente, pode-se aceitar que as

Mas, mesmo se concordarmos sobre a definição, as datações acontecimento posi-


argumentar que constituíram
e, menos
reais, mas um

consequentemente, por dizer,


assim sobre a realidade do fenômeno, na
tivo cio que negativo.
verdade estaremos explicando muito pouco. Pois é preciso explicar Este tipo de historiografia revisionista frequente é persuasivo no

detalhe e tende certamente a ser cumulativo. Num certo ponto, o

difuso, talvez fir-


E. J. Jones, The European Miracle: Environment, Economics, and Geopolitics desmascaramento ou desconstrução pode se tornar e

in the contrateoria. Por exemplo, é isso que parece estar aconte-


Histoiy of Europe and Asia (Cambridge: Cambridge University Press, mar-se uma

1981). cendo (ou já aconteceu) com a historiografia cia Revolução Francesa,

206 207
em
que a chamada interpretação social, que dominou a literatura duran- de que o passado conduziu inevitavelmente ao
te é a melhor época, e
te pelo menos um século e meio, foi desafiada e depois até certo
ponto E mesmo os ti'tbalhos historicos mais empuicistas por in us
derrubada nos últimos 30 anos. Provavelmente, estamos entrando num presente
queioclamassem sua aversão à teorização, tendiam todavia a refletir
chamado deslocamento paradigmático deste tipo exatamente agora, no
subconscientemente uma subjacente.
teoria das etapas
tocante à historiografia básica da modernidade. Qsob a forma abistórica tempo -reversível dos cientistas sociais
Sempre que este tipo de deslocamento acontece, entretanto, deve- noinoteticos ou sob a forma diacrônica da teoria
das etapas dos histori-
mos respirar fundo, dar um passo
para trás e avaliar se as hipóteses que
adÇiencia social européia
se apresentam são mais
plausíveis, e acima de tudo se realmente rom- acontecido Euro a entre os séculos
que quer que tivesse
na
mar que o
pem com as premissas fundamentais das hipóteses dominantes anterio- todo lugar, seja
padrão aplicável por
em ser
XVI ao )U, representava urn
res. Esta é a
questão que quero sugerir em relação à historiografia das da humanidade, seja porque representava a

supostas realizações européias no mundo moderno. Ela está sob


ataque.
O que está sendo proposto para substitui-la? Até
que ponto a tese subs- a
tituta é diferente? Contudo, de
antes poder lidar corn esta questão tão ira cio futuro em toda parte.
axnpla, temos que revisar algumas outras críticas ao eurocentrismo. As teorias universalizantes sempre fora iatacaclasc0ffi
nase em
Unwersalisino O univeisiJismo e lugar particulares não
e 't visio
segundo i
qual existem
que a situação particular
de um tempo parece
veichdes univeis -us que sio vJidas'ein to
p_enpo e espiço Em sui modelo. Também houve estudiosos que argumentaram
se enquadrar no
maior parte, o pensamento
europeu à65
últimos séculos foi foi temente universais intrinsecamente impossíveis. Porém,
universalista. Foi a era do triunfo cultural da ciência como atividade
que generalizações eram

de ataque contra teorias


de
surgiu nos últimos 30 anos urn terceiro tipo as

conhecimento. A ciência deslocou a filosofia como modo de prestigiado universalizantes da ciência social moderna. Argumentou-se que
as su-

conhecimento árbitro cio discurso social. A ciência de


e
não são de fato universalizantes, pas ar4ç5
que falamos é a postas teorias universalizantes
ciência newtoniana -cartesiana. Suas premissas são de ocidental como se fosse universal.
que o mundo é a re rese o do adrão histórico
que tomam a forma de processos de N eedharn, já lá u in certo tempo, chamomro
equilíbrio, e que, ao afirmar essas leis como equações reversíveis uni- de eurocentrismo (...) o postulado tácito de que a ciência e a tecnologia
versais, só precisamos de saberes articulados sobre algum conjunto de modernas, que de fato têm raízes na Europa do Renascimento, sejam
condições iniciais para poder prever o estado do sistema em qualquer universais, e que decorra que tudo que é europeu
é universal"2.
época futura ou passada. Assim, a ciência social foi acusada de ser eurocêntrica na medida

O que isto significava para o saber social dizia


parecia claro. Cientistas em que era particularista. Mais do que eurocêntriç, -segu era
sociais poderiam descobrir os processos universais orgulho da
que explicam o com- altamente p inciansso doeu até a medula, já que o

portamento humano, e qualquer hipótese que pudessem verificar se o ter se elevado acima cio paroquial.
manteria no tempo e no devia enunciada de modo esta crítica era muito mais eloqüente
espaço, ou ser a ser Até onde se mantivesse razoável,
válida tempo e espaço. A persona do estudioso do que apenas afirmar que ainda não tinham sido formuladas proposi-
no no era
irrelevante,
pois estudiosos operavam como analistas neutros. E o lócus da evi-
os todos os casos.
ções universais que pudessem contar para
dência empírica podia ser essencialmente urr conjunto de c' actersc is
ignorado, desde que os dados Coilmzação A noção sc efe e
fossem manuseados corretamente, pois o são contrastadas umitivisnIQOUri5nO.
progresso 'sOdais, as quais coin

rc.oütan1e. Contudo, as conseqüências não éiim muito diferenfés no A Europa moderna considera mais do que apenas uma "civilização"
se
ao dos estudiosos
cuja abordagem fosse mais bisrica do q.ue entre várias outras; ela se considera (única ou pelo menos especialmen-

que se aceifàva a existência de um modelo ser civilizado não é


de subjéiie te) "civilizada". O que caracteriza este estado
-

iiolvimento histórico. Fundamentalmente, todas as teorias de eta- entre os europeus.


algo sobre que se tenha um consenso óbvio, sequer
pas (seja em Comte, Spencer ou Marx, para escolher apenas poucos
nomes de urna
longa lista) eram teorizações cio que se convencionou
chamar de interpretação Whig da história, a Citado em Anouar Abclel-Malek, La dialectique sociale (Paris: Seuil, 1972), 89;
presunção de que o presen- Social Dialectics (J..ondres: Macmillan, 1981).
traci. ingl.:
208 209
alguns, a civilização estava conticia na "modernidade", isto é,
Pai -a no As pressuposições do Ocidente e das ciências sociais sobre "civili -

avanço da tecnologia e no aumento da produtividade, assim como na zação" mostrado totalmente impermeáveis ao con
decerto não se têm -

do desenvolvimento histó- ceito da multiplicidade de "civilizações". Sempre que se colocou a ques


crença cultural na existência cio progresso e -

ricos. Para outros, civilização significava a autonomia aumentada cio tão da origem dos valores civilizados, como terão surgiclo originairnente
"indivíduo" face a todos os outros atores sociais -

família, a comunicla-
a (ou assim argumentava-se) ocidental, a resposta quase mcvi
no mundo -

de, o Estado, as instituições religiosas. Para outros, civilização significa- tavelmente foi de
que produto
eram de tendências únicas e de longa
vt compoi imentos não biut us mi vicl't do cita 't -clri condutas sociais duração no p'tssado do mundo ocidenttiF- altêfn2.tlv'trnente clescritos
como herança da antiguidade e/ou das Idades Médias cristãs, herança
no sentido mais amplo. Para outros ainda, civilização significava o dec11-
nio ou estreitamento da extensão cia violência legítima e a ampliação cia do mundo hebreu, ou herança combinada dos dois, esta última opção

definição de crueldade. E para muitos, é claro, civilização envolvia vári- às vezes rebatizada ou reespecificada como herança judaico -cristã.
os ou todos esses traços combinados. Muitas objeções podem e têm sido feitas ao conjunto de pressupo -

Quando os colonizadores franceses cio século )UX falaram de mission sições sucessivas. A noção de que o mundo moderno, ou o mundo
civilisatrice, europeu moderno, é civilizado no mesmo sentido que palavra é usada
a

(ou mais geralmente a Europa) iia aos povos não europeus os no discurso europeu é algo que tem sicloquestionado. Eis a pilhéria
valores e normas abrangidos por estas definições de civilização. Quan- notável de Mahatma Gandhi, que, perguntado: "Sr. Gandhi, o que acha
do, na década de 90, vários grupos nos países ocidentais falaram cio da civilização ocidental?", respondeu: "Seria uma boa idéia". E acrescen -

"direito de intervir" nas situações políticas de várias partes do mundo, te -se que a afirmação de que os valores da Grécia e Roma antigas ou da

emboi't quise sempie p'tites...no Qclclent'us do mundo foi em nome tntmga Israel seu'tm imus conducentes 'to 'tssent'Lmento d'is bases dos
desses mesmos valoies mviliz'icmon'us\ charnidos vibres modernos do que os v'tloies de outmis civilizações
Este çon;unto de T'tioi-es--corno quei prefuimos clesmgn't lo v tio -
iainuem foi coniest idt E fin urnenie o fito die i Ew opa odluemal pu-

réãdfvilizados, valores humanistas seculares, valores modernos reivindicar Grécia e Roma, por um lado, ou a antiga
plausivelmente
permeia der
-

a ciência social, como ei-a de se esperar, já que a ciência social é prociu- Israel, por outro, pano de fundo civilizacional nada tern de
como seu

to cio mesmo sistema histórico que os elevou aos pináculos da hierar- evidente. Com certeza, existe há muito um debate entre os que vêem a
Os cientistas sociais incorporaram estes valores em suas definições Grécia ou Israel como origens culturais alternativas. Cada lado nega a
dos oiobleinis (dos pioblemis socm'iis e dos piobiemis intelectu us) plausibilichcle do outmo lido E 't ocouênci't do debite lançi duvidi
t pent exploi'ti Eles incoipom-u'tm estes vlloles sobie a plausibilidide da clemiv'tçio
que consiclei'tm valei
nos conceitos que inventaram para analisar os problemas e nos indica- De qualquer modo, quem argumentaria que o Japão pode reivincli -

dotes que utilizam pti't mcclii os conceitos Pode se estai ceito cir 'is intigas civilizições inclicis como suis piecuisoias com bise no fito
que i

maioria dos cientistas sociais insistiu em que buscava ser livre de julga- de que se situaram no lugar de origem cio budismo, o qual se tornou
.3 mentos de valor, na medida que afirmava não
em interpretar mal ou parte central da história cultural do Japão? Os Estados Unidos estariam
intencionalmente, em função de mais perto culturalmente de Grécia, Roma ou Israel antigas do que o
::: clistorcer dados suas preferências
sociopoliticas. Mas estar livre de julgamentos de valor não significa ab- Japão da civilização Indica? Poder-se-ia argumentar, afinal, que a cristan
-

,s solutamente que valores, no sentido de decisões sobre a significância dade, longe de representar urna continuidade, marcaria uma ruptura de-
histórica de fenômenos observados, estejam ausentes. Este é o argu- cisiva com a Grécia, Roma e Israel. Vejam bem, foi isto precisamente que
'

mento centi ii de Heinuch Rickeit (1913) sobie 'i especificiclide bogici os crisGos iigument'uirn ite o Renascimento Nio e 't iu tui'i com 1

do que ele chama de "ciências culturais"3. Elas são incapazes de ignorar antiguigç hoje uma parte da doutrina das igrejas cristãs?
"valores" nas suas avaliações da significância social. se
-

projetado e i esfeii politica O piimeuo mmnistio Mihithir di M ilisma


foi muito especifico 'to 'ugument'u que os p'uses 'tsnncos podem e
)
devem se "modernizar" sem aceitar alguns ou todos os valores cia civili -

u HemnrichRickert, The Limits of concept Formation in the Phisical Sciences


opiniao foi ecoada por outros lideres politicos
-. .. -

zaçao europeia. E
- - .

sua
(Cambridge: Cambi-icige University Press, 1986 [19131).
210 211
construto social de alguém que vinha de cultura diferente. E
central pró- uma
asiáticos, O debate sobre "valores" também
se tornou nos a

validade desses construtos passou a ser atacada em três níveis diferen-


(mas não só Estados Unidos,
prios países europeus, especialmente
nos
tes: diz-se que os conceitos não se encaixam na realidade empírica;
corno debate sobre "multiculturalismo". Esta versão cio debate atual
o que
são excessivamente abstratos e por isso obliteram a variedade
tem certamente tido urn impacto importante sobre
a ciência social insti- empírica;
corn o florescimento de estruturas dentro das universida- e que são extrapolações
do preconceitos europeus.
tucionalizada,
da singularidade de Contudo, o ataque contra o orientalismo foi mais do que um ata-
des agrupando os estudiosos que negam a premissa
que a um nível baixo de saber. Também foi uma crítica das conseqüên-
uma coisa chamada civilização.
que o &fentahsm6
cias políticas desses conceitos da ciência social. Dizia-se
Orientalismo. O conceito se refere a e
.

obverso lrnIva posição ominante na


Europa, desempenhava
abstrata das características das
' iza ões não ocidentais. E o uma parte
maior de discussão fundamental carapaça ideológica do papel cia Europa imperial na
na
conceito de "civilização" e se tornou um tema
estrutura cio sistema -mundo moderno. O
desde escritos de Anouar Abdel-Malek e Edward Said4. Há ataque ao orientalismo passou
pública os
a se vincular ao
de distinção5. O ataque geral contra a reificação, e se aliou aos múltiplos
não muito tempo o orientalismo era um símbolo
esforços de desconstrução das narrativas da ciência social. Certamente,
orientalismo é um modo de conhecimento que reivindica ter suas raízes
monges intelectuais cris-
argumentou-se que tanto algumas tentativas não ocidentais de criar um
nas Médias
Idades européias, quando alguns
contracliscurso de "ocidentalismo" quanto, por exemplo, "todos os dis-
tãos se tarefa de compreender melhor as religiões não cris-
atribuíram a
cursos antitraclicionalistas cia elite na China
moderna, do movimento
tãs, aprendendo línguas e lendo cuidaciosamente seus textos religi-
suas

na premissa da verdade da fé cristã e na


Quatro de Maio à manifestação estudantil de 1989 em Tienanmen, fo-
osos. É claro, eles se basearam
mas levaram os textos estudados
ram extensivamente orientalizados"6, assim corroborando o orientalismo
desejabilidade de converter os pagãos, de miná-lo.
iem vez
humana.
a sério corno expressões, ainda que desvirtuadas, da cultura
o orientalismo foi secularizado século XIX, a forma da Progresso.
O progresso, sua realidade, sua inevitabilidade, foi um
Quando no •

tema básico do Iluminismo europeu. Há quem retroaja o conceito ao


atividade não foi muito diferente. Os orientalistas continuaram
a estudar

e decifrar os textos. No processo, continuaram a depender de passado de toda a filosofia ocidental7, De qualquer modo, a noção se
as línguas vista consensual da
uma visão binária cio mundo social. No da distinção cris-
lugar parcial
tornou o ponto de
Europa do século XIX (e certa-

eles colocaram a distinção Ocidente/Oriente ou rnoderno/


mente assim permaneceu durante maior parte cio século )OO. A ciência
tão/pagão, social, tal como construída, foi profundamente marcada
não moderno. Surgiu uma polaridades nas ciên-
longa linha de famosas pela teoria do
e Geseilshqft
Gem einschafi progresso.
cias sociais: sociedades industriais e militares,
O progresso se tornou a explicação fundamental cia história cio
solidariedade orgânica e mecânica, legitimação racional -legal e tradicio-
estives- mundo e a base racional de quase todas as teorias de etapas. Mais do
nal, estática e dinâmica. Embora essas polaridades nem sempre
que isso, se tornou o motor de toda a ciência social aplicada. Dizia-se
sem diretamente relacionadas à literatura sobre orientalismo, não deve-
foi status versus que estudávamos ciência social para melhorar a compreensão do mun-
mos esquecer que uma dessas primeiras polaridades
do social, pois assim seria possível acelerar o progresso de maneira mais
contrato, de Henry Mttihe, explicitamente
baseada numa comparação
judiciosa e segura em toda a
parte (ou pelo menos remover os obstácu-
dos sistemas legais hindu e inglês.
los em seu caminho). As metáforas de evolução ou desenvolvimento
Os orientalistas seviam como pessoas que cliligentemente expres-
não foram apenas tentativas de descrever; foram também incentivos
savam sua apreciação solidária cia civilização não ocidental ao devotar
para prescrever. A ciência social tornou conselheira (empregada?)
estudo erudito dos textos, em vista de compreender
se
suas vidas ao
dos formuladores de políticas, do panóptico de Bentham à Verem für
(verstehen) a cultura. A cultura que assim compreenderam era, é claro, o

6
Xiaomei Chen, "Occidentalism as Counterdiscourse: 'He Shang' in Post-Mao
4
Alxlel-Malek, La dialectique socia1e Edward Said, Orientalism (Nova York:
China", Critical Inquiry 19, n 4 (verão de 1992): 687.
Pantheon Books, 1978).
Ver J. B. Bury, The Idea of Progress (Londres: Macmillan, 1920); and Robert
Ver Wilfred Cantweii Smith, "The Place of Oriental Studies in a University",
A. Nisbet, History of the Idea of Progress (Nova York: Basic Books, 1980).
Diogenes 16 (1956): 106-11.
212 213
Sozialpolitik, do Relatório Bevericlge e infinitas comissões governamen- te exagerada e/ou distorcida do papel histórico da Europa, particular-
tais às séries pós-guerra da UNESCO sobre racismo, às pesquisas suces- mente cio seu papel histórico no mundo moderno.
sivas de James Coleman sobre o sistema educacional dos Estados Uni- críticos fazem três
Entretanto, os
tipos diferentes (e um
pouco con-
dos. Após a II Guerra Mundial, a noção de "países desenvolvidos e
traditórios) de alegaçôas.
primeira A é que,
que quer que a Europa o
subdesenvolvidos" constituiu uma rubrica quejustificou o envolvimento tenha experimentado, outras civilizações estavam em processo de experi-
de cientistas sociais de todas as persuasões políticas na reorganização mental; até o momento em que a Europa usou seu poder geopolítico para
social e
política do mundo não ocidental.
interromper o processo em outras partes do mundo. A segunda é que, o
O progresso não foi apenas suposto e analisado; também foi im-
que quer que a Europa tenha experimentado, não passa cia continuação
tão diferente da que discutimos
posto. A situação aqui talvez não seja cio que outros já experimentaram por longos períodos, tendo chegado a
sob a rubrica "civilização". O que deve ser sublinhado é que nooa vez dos europeus de ocuparem a boca de cena. A terceira é que, o que
civiiizaço perdeu sua inocência e coçoii tenha experimentado, foi analisado incorretamerite e
quer que Europa
a
atrair suspeitas (prinrnente depois de 1945), a categoria de progrs- submetido a extrapolações impróprias, produzindo conseqüências pen-
gosas tanto para a ciência como para o rnunclo político. Os dois primeiros
iranÏipoico melhor. A idéia de progresso pareceu servir
argurnentos, arnplarnente oferecidos, me parecem sofrer cio que eu cha-
sua retaguarda. maria de "eurocentrismo antieurocêntrico". O terceiro argumento parece
É claro, a idéia de progresso sempre teve seus críticos conservado-
indubitavelmente correto, e merece nossa plena atenção. Que espécie de

res, embora possa dizer que o vigor de sua


se resistência tenha declina-
animal curioso poderia ser o "eurocentrismo antieurocêntico"? Considere -

do cirasticamente no período entre 1850 e 1950. Porém, os críticos da de


nios esses argumentos um cada vez.
idéia de progresso floresceram novamente a partir de 1968, corn vigor Ao longo de século O(, muita gente argumentou que hou-
todo o
renovado entre os conservadores e urna recém -descoberta fé
na esquer-
ve, na estrutura da "civilização", digamos chinesa, indiana ou árabe,
da. Há muitas maneiras diferentes de idéia de progresso. Pode-
atacar a
tanto as fundações culturais como os padrões de desenvolvimento só-
se sugerir que o que tern sido chamado de progresso é urn falso pro-
cio -histórico que teriam levado à emergência do capitalismo moderno
gresso, mas que existe o progresso verdadeiro, e argumentar que
a
pleno, ou sem dúvida estariam no processo de levar nessa direção. No
versão européia era urna fraude ou tentativa de iludir. Ou pode-se suge- do Japão,
caso o argumento é ainda mais forte, afirmando que o capita-
rir que progresso não pode existir, por causa do "pecado original" ou
o
lismo moderno lá se desenvolveu, de maneira separaria mas temporari-
do ciclo eterno da humanidade. Ou então pode-se sugerir que a Europa amente coincidente diesvoIyçnnaEuropa-O.eixQçg
com o seu
conheceu de fato o progresso, mas agora está tentando impedir que o maior parte desses
rfria daspdo clesenvolvimen
argumentos é
-

resto do mundo colha seus frutos, como argumentaram alguns críticos


to (amiúde a sua variante marxista)d Fdecorre logimmte 4üé as
não ocidentais do movimento ecológico. iiferentes partes do mundo cursavam todas vias paralelas para a moder-
O que é indiscutível, entretanto, é que para muitos a idéia de pro-
nidade ou o capitalismo. Esta forma de argumento presume, por um
gresso passou a ser rotulada como uma idéia européia, e conseqüente-
lado, tanto o caráter distinto quanto a autonomia social das várias regiões
mente a ser atacada corno eurocentrismo. Mas este ataque se torna ami-
civilizacionais do mundo, e por outro lado, sua subordinação a um
úde contraditório, devido aos esforços de outros não ocidentais a fim se
padrão dominante.
apropriar do progresso para parte ou todo o mundo não ocidental, impe- Visto que todos os argumentos deste tipo são específicos de deter-
lindo a Europa para fora do quadro, mas não a noção de progresso. minadas zonas culturais e seu desenvolvimento histórico, seria um exer-
As formas de eurocentrismo e as múltiplas formas de
múltiplas cício maciço discutirmos plausibilidade histórica de cada caso de zona
a
crítica aoeurocentrismo não contribuem necessariamente para formar
civilizacional em discussão. Não proponho fazê-lo a.qui. Apenas desta-
uma representação coerente. O que podemos fazer é pensar no debate caria urna limitação lógica desta linha de argumentação, qualquer que
central. A ciência social institucionalizada começou como atividade na
seja a zona em discussão, e uma conseqüência intelectual gemi. A limi-
Europa, como já observamos. Ela foi acusada de pintar um quadro falso tação lógica é muito óbvia. Mesmo que seja verdade que várias outras
cia realidade social em função de urna leitura equivocada, grosseiramen -

partes do mundo estivessem percorrendo a trilha para a modernidade/

214
215
it
-

capitalismo, talvez até bem adiantados nela, ainda nos resta o problema A segunda linha de oposição às análises eurocêntricas é a
de explicar o fato de que foi o Ocidente, ou a Europa, que chegou la em que nega
que haja qualquer coisa de realmente novo no que a Europa fez. Esta
primeiro lugar, e foi conseqüentemente capaz de "conquistar o mundo linha começa destacando que, até o período superior da Idade
Média, e
Voltamos, neste ponto, à questão levantada originalmente: Por que a Certamente por muito tempo antes disso, a Europa ocidental era uma
modernidade/capitalismo no Ocidente? área marginal (periférica) do continente eurasiano, área esta cujo papel
E chio existe hoje quem negue que 'i Euiopi tenha iealrnente
histórico e re'ilizações culturus estavam tbaixo do nivel de vtiias outtas

conquistado o mundo num sentido profundo, baseando seu argumento partes do mundo (como o mundo árabe ou a China). Isto certamente é
no fato de que sempre houve resistência; porém, a mim parece que este
verdade, pelo menos como primeiro nível de
generalização. Mas dá-se
argumento leva um pouco longe demais a nossa capacidade de ler a então salto situa-se
um e
Europa ana construção de uma ecumene ou
iealidade Houve afinal, uma conquista colonial que cobiiu grande par-
estrutura mundial que teria estado em criação por vaiios milhares de
te do globo. Houve, afinal, indicadores da força militar real da Europa.
anos8. Isto não éimplausível, mas o significado sistêmico dessa ecuinene
Não há dúvida, sempre houve muitas formas deresistência, tanto ativa ainda está por ser estabelecido, na minha opinião. chegamos então ao
quanto passiva, mas se a resistência fosse realmente tão formidavel, nao
terceiro elemento na seqüência. Diz-se decorrer da marginalidade ante -

haveria o que discutirmos hoje. S insistirmos deiasiadamente r


agen- nor da Europa ocidental e da
acabareiñóseondendo todos
construção milenar da eculnene mundial
euiopeia
cia nio como tema os pecados eurasi'tn't que o que quei que tenha feito a Europa ocidental não foi
da Eroü rnaior paite deles Não e bem isso que os
nada especial mas
apenas mais uma vai iante na construção historica de
ríttc6estavam querendo. um sistema específico.
qualquer modo por mais que julguemos a dominaçao da Euto
. -

De
Este ultimo argumento me parece muito errado conceitual e histo -

pa temporária, ainda nos resta explicá-la. A maioria dos


criticos que
ricamente. Não tenho todavia a intenção de debater novamente a ques -

desenvolve esta linha de argumentação se interessa mais em explicar


tão9. Gostaria apenas de sublinhar as maneiras como isto é eurocentrismo
como a Europa interiompeu um processo autoctone na sua paite cIo antieuiocêntrico Logicamente, a postura exige irgumentar que o capi
mundo do que em comentar como a Europa teve a capacidade de faze- talismo não é nada de novo, e certamente alguns dos que argumentam
lo. Falando mais claramente, ao tentar diminuir o crédito da Europa por
a continuidade do desenvolvimento da ecurnene eurasiana tomaram
a idéia de que foi urna
essefeito, essa suposta realização, eles reforçam
explicitamente esta posição. À diferença da posição que argumenta que
iealizção A teoria faz da Euiopa especie de heioi rnu
um't sem -

outia civilização tambem estava a caminho do


dúvida mau, mas também certamente herói no sentido dramatico do capitalismo quando
faixa
Europa interferiu no processo, o raciocínio aqui é que todos estávamos
termo, pois foi a Europa que deu tudo na reta final e cruzou a em
a caminho juntos, e
que não houve nenhum desenvolvimento real na
primeiro. E, ainda pior, há a implicação, um pouco abaixo da superficie,
direção do capitalismo nos tempos modernos porque o mundo todo
de que, se tivessem tido a metade da chance, chineses, indianos ou
(ou pelo menos a ecumene eurasiana) já havia sido capitalista em algum
árabes não só poderiam como teriam feito o mesmo isto e, desencacle- -

sentido milhares de anos atrás.


ar amodernidade/capitalismo, conquistar o mundo, explorar recursos e
Permitam-me ressaltar primeiro que esta é a posição clássica dos
pessoas e desempenhii eles mesmos o papel
de heroms maus
economistas liberais Nto e realmente diferente cio argumento de Adam
Estt visão da historia moderna paiece muito euiocentiica em sei
Smith de que existe um1 propensão [na natureza humana] para barga-
antieurocentrismo, pois aceita a significância (isto é, o valor) da "realiza-
ção euiopen piecisamente nos teimos que a Europ'i definiu afiim'tn
do apenas que outios tambem podeum tê -lo feito Pot alguma izao 8
Ver varios
Stephen K Snderson oig Czmlzzation and World
autores em
possivelmente acidental, a Europa ficou em vantagem temporaria sobre SysteSttidyi;igE1dH•t.lchWltck Calf: Mrnim, 1995).
desenvolvimento. A afirmação
(
os outros e interferiu à força no seu de
Ver meu "The West, Capitalism, and the Modern World-System", Review 15,
que nos outros tambem podiamos ter sido europeus paiece me um
n 4 (outono de 1992) 564 619
meio muito frágil de se opor ao eurocentrismo, e na verdade refoiça as
°
Adam Smith, Inqui into the Nature and Causes of the Wealth
ocênti ico sibem social of the Nations
piores consequências do pensamento eui no
(Nova York Moclei o Libr'iry 1937 [1776]) 13

216
217
nhar, negociar e trocar uma coisa pela outra"10. Ele elimina diferenças
essenciais entre sistemas históricos diferentes.Se os chineses, egípcios e
extrapolações impróprias, produzindo conseqüências perigosas tanto
para a ciência como para o mundo político é sem dúvida verdadeira.
europeus ocidentais estavam todos fazendo a mesma coisa historica-
-

Creio que devemos começar questionando asupoãde_q.Qqea


mente, em que sentido são civilizações diferentes ou sistemas históricos
Eu z foi uma realizaçao ositiva. Penso que devemos nos engajar
çjfereat' Ao eliminar o crédito da Europa, resta algum crédito para
num balanço cui a oso do que foi alcançado pela civilização capitalista
alguém, exceto uma pan -humanidade?
durante sua vicia histórica, e avaliar
se os créditos são realmente maiores
Mas o tudo, mais uma vez, é que, ao nos apossarmos do
pior de
que os débitos. É algo que feita tentei, e estimulo outros a fazê-
certa
que a Europa fez para o balancete da ecuinene eurasiana, estamos acei- balancete
tando o argumento ideológico essencial do eurocentrismo, de que a
O meu próprio tem saldo negativo, e assim não conside-
modernidade (ou o capitalismo) é miraculoso e prodigioso, e apenas
ro que o capitalista tem sido uma evidência do progresso huma-
sistema
no Emyezdlsso-efero ue fõi a consequêncn de um acidente nas
escentando qu e todos sempre o estiveram faze ndo e uma mane ira
biireuas historicas contiarias a essa versão particulai de sistema de ex
o iegarmos cré ito a egafflos a responsabi-
lidadle da Europa. O que há de tão terrível na "conquista do mundo" pela
ploraçãiiliro dfato de a China, a Índia, o mundo árabe e

óú&1éiões não avançado


terem direção capitalismo
na pro- do uma
Europa se isto não passa da última parte de uma longa marcha da ecuinene? va de que eles estão mais bem imunizados contra a toxina, e por seu
Longe de ser um argumento crítico em relação à Europa, ele implica mérito histórico. Transformar seu crédito em algo que eles tenham que
aplaudir Europa, que sendo urna parte "marginal" da ecumene,
essa
explicar representa para mim a quintessência do eurocentrismo.
finalmente aprendeu o saber de outros (e mais velhos) e o aplicou com
Permitam-me ser claro. Acredito que, em todos os sistemas históri-
sucesso.
cos (civilizações) mais importantes, sempre houve um certo grau de
E decorre o termo conclusivo não dito. Se a ecuinene eurasiana
mercantilização e, portanto, de comercialização. Conseqüentemente, sem-
seguiu um fio único por milhares e milhares de anos, e o sisterna -mun -

pre houve pessoas que buscassem o lucro no mercado. Mas há um


cio capitalista não é nada de novo, que possível argumento indicaria que
mundo de diferenças entre um sistema histórico em que existém alguns
este fio não perduraria para sempre, ou pelo menos por um tempo
empresários, mercadores ou "capitalistas", e um mundo em que o etos e
indefinidamente longo? S çpima1iso não çomeçou no século XVI a prática
capitalistas são dominantes. Antes do sistema -mundo moder-
(ou XVIII) coin eitez2jaã -haveuale-.estai pi estes a acabar no XXI
no, o que aconteceu em todos os outros sistemas históricos é que, sem-
Pessoalmente, eu apenas não acredito nisso, e tenho defendidda j3osi -

pre que o estrato capitalista ficou rico demais, foi bem -sucedido demais
cão contrária em muitos textos recentes12. Entretanto, meu objetivo prin- ou demasiado intrusivo nas instituições existentes, outros
grupos
cipal aqui é frisar que esta linha de argumento não é de modo algum institucionais (culturaís, religiosos, militares, políticos) o atacaram, usan-
antieurocêntrica, pois aceita o conjunto básico de valores adiantado pela do tanto seu poder material quanto seus sistemas de valor para avaliar a
Europa em seu período de domínio do mundo, negando e/ou minando necessidade de restringir e conter o estrato direcionado para o lucro.
conseqüentemente os valores de sistemas competidores que foram, ou Resulta que esse estrato foi frustrado em suas tentativas de impor suas
são, reconhecidos empartes do mundo.
outras
práticas sistema histórico
ao prioridade.
como Muitas vezes, eles foram
Creio que devemos encontrar bases mais sólidas para nos opor ao brutalmente
crua e
despojados do capital acumulado e obrigados a prestar
eurocentrismo nas ciências sociais, e meios mais seguros de buscar este obediência aos valores e práticas que os inibiam. Eis o que quis dizer
objetivo. Quanto à terceira forma crítica
que quer que
de que o a
quando falei da antitoxina que conteve o vírus.
-

Europa tenha feito, foi analisado incorretamente e submetido a


O que aconteceu no mundO ocidental é que, por um conjunto espe-
cífico de razões momentâneas (ou conjunturais, ou acidentais), havia me-
nos antitoxinas ou foram menos eficazes. O vírus espalhou rapidamente
Amin, "The Ancient World -Systems versus the Modern se
'
Per contra, ver Samir
então se mostrou invulnerável às tentativas posteriores de reverter
Capitalist World -System", Review 14, n 3 (verão de 1991): 349-85. e seus

Ver Imnmanuel Wailerstein, Afterliberalisin (Nova York: New York Press,I995);


Terence K. Hopkins e Immanuel Wallerstein, coords., The Age of Transition: 13
Ver meu "Capitalist Civilization", Chinese UniversityBuiletin 23 (1992), reimpresso
Trajectoy of the World-System, 1945-2025 (Londres: Zed Press, 1996). in Historic 6'apitalism, with Capitalist Civilization (Londres: Verso, 1995).

218
219
livrou da mão -morta de autoridades intelectualmente irrelevantes. Mas
efeitos. A economia mundial européia do século XVI se tornou irremedja. ao mesmo tempo afastou as decisões sociais mais fundamentais
que
velmente capitalista. E urna vez que o capitalismo se consolidou no sistema
vimos tomando nos últimos 500 anos cio debate científico material (em
histórico, urna vez que este sistema passou a ser governado pela prioridade
oposição a técnico). A idéia de que a ciência está aqui e as decisões
da acumulação incessante de capital, adquiriu uma espécie de força peran-
sociopolíticas, lá é o principal conceito
eurocentrismo, haja
a sustentar o
te outros sistemas históricos, o que o capacitou para expandir-se geografi-
vista as proposições universalistas aceitáveis serem as eurocêntricas.
únicas
carnente até absorver fisicamente o globo inteiro, ser o primeiro sistema
histórico a levar acabo esse tipo de expansão total.
Qualquer argumento que reforce esta separação das duas culturas refor-
ça por conseguinte o eurocentrismo. Assim, se negarmos a especificicla
-

Contudo, o fato de o capitalismo ter rompido as defesas, penetrado


de cio muncio mocierno, ficamos sem nenhum caminho plausível para
na arena européia, e depois se expandido para cobrir o globo não
argumentar em prol cia reconstrução das estruturas do saber e, portnto,
significa que isto fosse inevitável, desejável ou mesmo progressista. Em sem nenhum caminho plausível para alcançar alternativas inteligentes e
minha opinião, não foi nada disso. E um ponto de vista não eurocêntrjco
materialmente racionais para o sistema -mundo existente.
precisa começar afirmando isso.
Nos últimos 20 anos, pela primeira vez a legitimiciacie deste divórcio
Conseqüentemente, eu preferiria reconsiderar o que não é
foi desafiada de maneira
universalista doutrinas universalistas que emergirarn do sistema his-
nas
significativa. Este é o significado cio movimento
tórico capitalista, o nosso sistema -mundo moderno. O sistema -mundo
ecológico, por exemplo. a questão subjacente central cio ataque
E esta é

moderno desenvolveu estruturas do saber que são significativamente público ao eurocentrismo. Os


questionamentos resultaram nas chamacias
guerras cia ciência e guerras culturais, que muitas vezes foram obscuran-
diferentes das estruturas do saber anteriores. Diz-se
que freqüentemente e chversionistas. Se for
o que é diferente é o desenvolvimento do pensamento científico. Mas
tistas para ressurgirmos munidos de urna estrutura
cio saber reunida portanto não eurocêntrica, é absolutamente essencial
e
parece claro que isto não é verdade, por mais esplêndidos que sejam os
que não nos cieixenio desviar para caminhos secundários que evitam a
avanços científicos modernos. O pensamento ciehtífico é muito anterior
questão central Se for para construirmos um sistema -mundo alternativo a
ao mundo moderno e está presente em todas as zonas civilizacionais
este que hoje experimenta uma crise dolorosa, ternos de tratar simultânea
o
mais importantes. magistralmente demonstrado no caso da
Isto foi Chi-
e inextricavelmente questões da verdade e do bem.
das
na, no corpus do trabalho iniciado por Joseph Needham14.
E se for fazê-lo, temos de reconhecer que algo especi-
mesmo para
O que é específico às estruturas do saber do sistema -mundo mo -

al foi de fato feito pela Europa entre os séculos XVI e XVIII e indubita-
3p demo e antes o conceito de duas culturas Nenhum outro sistem -i
velmente transformou o mundo, mas numa direção cujas conseqüências
histórico instituiu urn clivórcioEiariental entre ciência efilosofia/

humanidades, que penso melhor caracterizar-se como a separação


ou o negativas recaem hoje sobre nós. Ternos de parar de privar a Europa da
sua especificidade com base na
'Eaverdade e da busca do bem e do belo. Certamente, não foi premissa equivocada de que a. estuda-
mos privando de um crédito
assãoacilentronizar te divórcio naltura do sistema -mundo ilegítimo. Muito pelo contrário. Devemos
reconhecer plenamente a particularidade da reconstrução européia cio
moderno. Passaram-se três séculos antes de a cisão ser institucionaliza-
da. Hoje, entretanto, ela é um aspecto fundamental cia geocuitura e mundo, pois só então será possível transcendê-la e chegar a uma visão
mais inclusivamente universalista cIa possibilidade humana, que não se
forma a base dos nossos sistemas universitários.
Esta cisão conceitual mundo moderno furta diante dos problemas difíceis e imbiicacIos oniuncios de buscar a
capacitou o propor o con-
a

verdade bern só tempo.


ceito bizarro de especialista neutro, despojado, de julgamento de valor, e o a um

cuja avaliação objetiva da realidade permitiria formar a base não apenas


do exercício de decisões (no sentido mais amplo cio termo), mas igual-
mente de escolhas sociopolíticas. Proteger os cientistas da avaliação

coletiva, e efetivamente amalgamá-los corn os tecnocratas, de fato os

VerJoseph Needh'im Science and civilization in China (C'imbridge Cambi icige

University Press, 1954-), múltiplos volumes em


preparação.
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