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vu

Editorial
Não vamos neste editorial fazer um sumário dos textos do Bole-
tim, eles estão aí para ser lidos, relidos e interiorizados na sua tota-
lidade.
Um evoliano de além-mar que nos contactou e que tem vindo a
acompanhar o nosso trabalho pretende, em terras do Brasil, reunir
gente a quem Julius Evola influenciou e criar aí, de alguma forma,
uma “simbiose” com a Legião Vertical.
É sempre bom sabermos que estamos a ter “audiências” por esse
mundo fora e, como lhe dissemos, nós precisamos de gente limpa e
saudável e com vontade de fazer coisas… sem demasiado alarido,
sem grande fogo, mas com uma pequena chama tranquilamente
acesa, à qual possamos facilmente colocar a mão à frente para a
proteger de tempestades.
Uma chama que não se apague e que seja cuidadosamente porta-
da por legionários com características precisas pode, se necessário, Capa: uma das estátuas expostas no Foro Italico

iniciar um grande fogo, provocar destruição ou fazer a queimada


ÍNDICE
necessária, proporcionando assim terreno fértil para desabrochar
Editorial 2
uma nova “muito antiga” cultura. ————————–
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Não somos gente de grandes labaredas mas estamos cada vez Para Adriano Romualdi 3
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mais orgulhosos da nossa pequena chama. É esta luz de presença Platão e a Revolução Europeia 4
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que evita acidentes e como a intensidade é reduzida não encandeia «As últimas horas da Europa» 6
quem connosco se cruza, assim como nos impede de conduzir ————————–
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O problema da raça 8
desenfreadamente neste moderno mundo de trevas. A nossa meta ————————–
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não é qualquer berma da estrada, melhor dizendo, nós nem temos Que resta das Duas Espanhas? 14
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meta, andamos pelo gosto de andar. Percorremos o caminho pelo Símbolos da Tradição: a Águia 17
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caminho mas sentimos, sem falsa modéstia, alguma felicidade Virilidade Espiritual - Máximas
quando olhamos à nossa volta e vemos mais gente que o quer per- Clássicas 20

correr connosco. E sabem o que é estranho? – Nós nem oferecemos


FICHA TÉCNICA
nada em troca. Tolos, todos tolos!
Número 4
Mas bem hajam pela “anormalidade” que faz alguns traduzir ————————–
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2º quadrimestre 2008
textos que aqui se publicam, outros que nos escrevem a elogiar o ————————–
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trabalho realizado e a pedirem o Boletim em papel, e ainda outros Publicação quadrimestral
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mais militantes que se deslocam vários quilómetros para reuniões Internet:
da Legião ou para entrar no Dojo e sofrer durante algumas horas. www.boletimevoliano.pt.vu
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Para quê tudo isto? – Para nada. Mas gostamos de ver a peque- Contacto:
boletimevoliano@gmail.com
na chama acesa.
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Evocação

Para Adriano Romualdi


Julius Evola recentes. Também se inclinava pelos Ao falar da máxima que diz “a
———————————————— inícios da romanidade, a de Catão e vida é uma viagem durante as horas
os cônsules, do direito e do justo, e da noite” tive a ideia de perguntar-
Com a morte, ocorrida em cir- não teve o menor problema em dizer lhe o que pensava do mundo ultra
cunstâncias brutais, do nosso muito que esta Roma foi a Prússia da Anti- tumba. Respondeu-me que para ele
querido jovem amigo Adriano guidade. Os materiais que havia reu- evocava uma sobrevivência do tipo
Romualdi, a nova geração de Destra nido com seriedade e perseverança “larvar” (para retomar o adjectivo
e de inspiração “tradicional” acaba poderiam constituir a base de mui- que empregou). Indiquei-lhe que,
de perder um dos seus representan- tos ensaios importantes. A sua segundo as antigas tradições em
tes mais qualificados. No meu meio, entrada na Universidade, recém- que cria, não era o único fim possí-
poucos tinham uma cultura tão nomeado professor em Palermo, vel. O Hades era certamente consi-
extensa e diversificada, fundada derado como um destino inevitá-
sobre o conhecimento directo de vel para a maioria dos homens,
vários idiomas, como a sua. O mas a ele opõe-se a concepção
seu estilo era limpo e preciso e de uma imortalidade privilegia-
sabia sempre extrair o essencial da e luminosa, com o simbolis-
de um problema. Os diferentes mo da Ilha dos Heróis, dos Cam-
ensaios que escreveu, começan- pos Elísios e outros lugares aná-
do pela sua ampla introdução ao logos ao Valhalla das crenças
livro de Günther sobre a religiosi- nórdicas.
dade indo-europeia, mereciam Evocamos os ensinamentos
ser reeditados e publicados num correspondentes à multiplicida-
só volume. Adriano Romualdi de dos destinos, determinados
quis também consagrar um por aquilo que cada um realizou
ensaio – o melhor que conheço durante a sua vida, pelo que
– à minha actividade e aos cada um colocou acima de si
meus livros. Publicado pelo edi- próprio e essencialmente, por
tor Volpe, que tinha por ele uma um impulso lúcido até à trans-
grande estima, esta obra foi cendência. Num dos textos mais
reimpressa há dois anos. Creio característicos diz-se que, após
saber que Adriano Romualdi três dias de “desvanecimento”, a
tinha em projecto uma nova ver- alma do morto tem experiência
são, mais sistemática, da sua da Luz Absoluta. É determinante
apresentação do velho mundo saber identificar-se com essa
indo-europeu que exercia sobre Luz, reconhecer a própria nature-
ele uma forte atracção e no qual za. Só então se alcança a
se reconhecia de forma particu- “libertação”.
lar. O projecto de um estudo vivo Espero que Adriano Romualdi,
baseado em documentação rigo- depois de ter deixado aqui em
rosa. permitia-lhe uma esfera de influên- baixo o seu efémero envoltório,
Compreendia o que chamamos cia mais vasta e a possibilidade de tenha conhecido este despertar. No
“Mundo da Tradição” e sabia que era dar uma formação espiritual a um fundo, e mesmo não tendo uma
desse mundo que se deviam extrair certo número de jovens. consciência precisa, tal era o fim a
os fundamentos de uma séria políti- Não há duvida de que o mundo que tendia a sua actividade. Para
ca cultural de Direita. Admirador de da acção atraía Romualdi mais do além das suas simpatias pelo mun-
Nietzsche – do melhor Nietzsche – que o da contemplação. Quiçá isto do da acção, do combate, das
Adriano Romualdi afirmava a pree- fosse nele um limite. Não considera- “afirmações soberanas e das nega-
minência dos valores aristocráticos, va a transcendência tal e como a ções absolutas” (no dizer de Donoso
guerreiros e heróicos. Estava, por entende a metafísica. A este respei- Cortés) para onde avança a nossa
esta razão, especialmente atraído to recordo uma conversa mantida época confusa e em crise, este com-
pela ideia de uma Ordem, pelo espí- com ele três dias antes da sua mor- ponente não podia deixar de estar
rito templário e a mentalidade prus- te (vinha ver-me frequentemente e presente nele. Já muito tinha ama-
siana até às suas heranças mais trabalhar na minha biblioteca). durecido.
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Teoria

Platão e a Revolução Europeia


Adriano Romualdi mismo fundamental. Crer que um justificação da coexistência de dois
———————————————— Estado, uma civilização, podem ser sistemas diferentes de educação, um
salvos mediante o domínio de uma para os poucos e outro para os mui-
Como já indicamos, o totalitaris- só ideia é, antes de tudo, uma mani- tos, e uma justificação da classe diri-
mo platónico evoca, ainda que ape- festação de esperança. Só se está gente hereditária».1
nas por analogias formais, o tota- No entanto, observando com
litarismo europeu contemporâ- mais atenção, o sentido do totali-
neo. Tanto num caso como no tarismo platónico obriga-nos a
outro encontramo-nos perante a fazer distinções: não se trata da
pretensão do Estado guiar a vida tirania de uma classe ou de uma
do indivíduo, tanto num caso facção mas sim do governo dos
como no outro há uma ideia que melhores, os quais, encarnando
se situa no centro da vida tendo a os valores heróicos e sacros,
pretensão de selar todas as suas podem razoavelmente pretender
manifestações. Sem dúvida, Pla- representar a totalidade dos valo-
tão subscreveria o slogan mussoli- res do espírito. Esta classificação
niano: «Tudo no Estado, nada fora mais precisa permite-nos, no
do Estado, nada contra o Estado». entanto, rejeitar qualquer even-
E sem dúvida que Platão poderia tual vinculação entre bolchevismo
também escrever uma declaração e platonismo. De facto, o bolche-
como a aparecida no Pravda de vismo não é um Estado-totalidade
21 de Agosto de 1946: «O dever mas sim uma parte do todo, a
da literatura é ajudar adequada- mais ínfima e plebeia, que preten-
mente o Estado a educar a sua de situar-se como absoluto social
juventude, responder às suas ne- e espiritual. A ditadura do proleta-
cessidades, ensinar a nova gera- riado constitui a inversão perfeita
ção a ser valorosa, a crer na sua do ideal platónico. A análise é
causa, a mostrar-se intrépida pe- mais complexa para o fascismo e
rante os obstáculos e preparada o nacional-socialismo que, embo-
para superar todas as barreiras…» ra tendo ignorado a suprema exi-
O totalitarismo platónico não nas- disposto a reconhecer autoridade gência de situar novamente no topo
ce apenas da concepção do Estado política ilimitada a um princípio ao do Estado valores transcendentes,
como um macro-homem, como uni- qual se reconhece, fielmente, uma ainda assim lutaram pela criação de
dade orgânica, mas também da ilimitada bondade. Neste sentido, o uma elite heróica capaz de situar a
consciência da decomposição social, totalitarismo de Platão, a ideia do política acima da economia e impor
da crise da cidade grega que exigia Estado-organismo, apresenta-se-nos uma nova hierarquia das categorias.
soluções drásticas, medidas urgen- com um mito, como mitos são as Em certo sentido, representam uma
tes e coercivas. Nasce da consciência concepções dos Estados fascista, tentativa de reverter o ciclo de deca-
de que a antiga classe dirigente esta- nacional-socialista e bolchevique. dência das formas políticas tal e
va morta e a nova não estava ainda Considerado nas suas linhas como se encontra delineado na
preparada. Visto desta perspectiva, o gerais, o mito do Estado platónico República.
totalitarismo platónico apresenta pode relacionar-se com as mais As relações entre o platonismo e
relevantes coincidências históricas diversas tendências do totalitarismo o nacional-socialismo merecem uma
com o totalitarismo moderno, surgi- moderno, sejam estas de direita ou consideração à parte. É conhecida a
do para substituir as elites políticas de esquerda: «Na República pode-se influência exercida pelo platonismo
derrubadas pelas revoluções liberais. encontrar a autorização de predicar a sobre a cultura alemã da primeira
Ambos totalitarismos, nascidos de revolução social, a queda do capita- metade do século XX. O círculo dirigi-
uma reflexão pessimista sobre o lismo e o poder do dinheiro; mas do pelo poeta-profeta Stefan George
momento presente, acusam um opti- pode-se igualmente encontrar uma difunde uma imagem heróica de

1. Thomas A. Sinclair, Il pensiero politico clásico, Bari, 1961, p. 223.


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Platão que não deixa de influenciar


as correntes políticas de extrema- Podemos afirmar que se encontra uma herança pla-
direita. Assim, içada a rubra bandei-
ra da suástica sobre a Chancelaria,
eleva-se um coro de vozes procla-
mando Platão como «percursor»,
“ tónica incontestável nos movimentos fascistas
europeus. A identificação do Estado com uma mino-
ria heróica que o rege, o ardente sentimento comunitá-
«defensor do direito dos melhores»,
rio, a educação espartana da juventude, a difusão de
«nórdico», «Gründer» [fundador], ideias-força por meio do mito, a mobilização perma-
«Hüter des Lebens» [guardião da nente de todas as virtudes cívicas e guerreiras, a con-
vida] e até «Führer».2 Para a recons- cepção da vida pública como um espectáculo nobre e
trução da imagem de Platão no III belo no qual todos devem participar: tudo isto é fascis-
Reich é interessante o livro de Hans ta, nacional-socialista e platónico ao mesmo tempo.”
Günther, o máximo teórico nacional-
socialista da ideia «nórdica», dedica-
do a «Platon als Hüter des Lebens. uma teoria da criação de uma huma- vida pública como um espectáculo
Platons Zucht und Erziehunggedan- nidade superior. Só por meio de uma nobre e belo no qual todos devem
ken und deren Bedeutung fur die selecção, da educação de uma estir- participar: tudo isto é fascista, nacio-
Gegenwart» («Platão como custódio pe eleita, se pode conseguir que a nal-socialista e platónico ao mesmo
da vida. A concepção educativa e beleza e a bondade apareçam um tempo. As provas falam por si.
selectiva platónica e o seu significa- dia personificadas ante nós».5 Hoje, consumida numa única e
do para o nosso tempo»). Nele pode- Torna-se evidente que a interpre- imensa pira a esperança de voltar a
mos ler: «Não devemos deixar-nos tação nacional-socialista de Platão é dar uma elite à Europa invertebrada,
seduzir por aqueles que definem a propagandística e unilateral. Mas, o ensinamento político de Platão
eugenia como uma ciência “animal”. igualmente, algumas afirmações parece longínquo e quase perdido
Foi Platão quem proporcionou ao fundamentais são irrefutáveis. Muito para sempre. Os valores económicos,
termo grego “ideia” o seu actual sig- dificilmente Platão se escandalizaria que ele colocou não no topo mas sim
nificado filosófico e quem com a sua face à queima dos livros «corrupto- na base da sociedade, são exaltados
doutrina se impôs como fundador do res» ou ante as leis para a protecção como soberanos. Burguesia e prole-
idealismo… e foi precisamente o pró- do sangue. Podemos ainda encontrar tariado, Ocidente e Oriente, capitalis-
prio Platão, enquanto idealista, o evidentes influências platónicas na mo e comunismo proclamam em
primeiro a definir o ideal da selec- doutrina interna da SS, que submetia uníssono a chegada de um Estado
ção».3 Para Günther, Platão é o salva- a uma paciente selecção física e cuja única meta é o bem-estar da
dor do sangue eleito, o assertor da espiritual os futuros chefes, educa- maioria. Aquilo a que Platão chamou
vida como totalidade de alma e cor- dos nos Ordensburgen, os «Castelos a parte apetitiva do Estado esmagou
po. Para Platão, como para todos os da Ordem» surgidos por toda a Ale- a parte heróica e cognoscitiva. A civi-
arianos primitivos, «não existia nada manha. A Ordnungstaatgedanke, a lização das massas pesa como a
espiritual que não dissesse também concepção do Estado como Ordem opaca mole das imensas cidades de
respeito ao corpo nem nada de físico viril que se identifica com a vontade cimento. Mas este mundo das mas-
que não respeitasse igualmente à política, apresenta-se-nos como uma sas contém no seu seio o gérmen da
alma. Esta constitui precisamente a revivificação das ideias da República. sua própria decomposição. Por um
maneira característica de pensar do Concluindo, podemos afirmar que lado, assiste-se a uma crescente
nórdico».4 Na concepção ariana da se encontra uma herança platónica especialização das funções, por
vida, interpretada por Platão, a incontestável nos movimentos fascis- outro, ao nascimento de uma estru-
nobreza de ânimo e a beleza come- tas europeus. A identificação do tura cada vez mais parecida com um
çam a existir «quando as temos ante Estado com uma minoria heróica mecanismo perfeito.6 Entretanto, as
os olhos, personificadas. Esta sã con- que o rege, o ardente sentimento massas, inseridas neste grande
cepção gera o conceito helénico da comunitário, a educação espartana mecanismo, vegetam na comodida-
kalokagathía, da bondade-beleza, e a da juventude, a difusão de ideias- de num estado de crescente abulia
kalokagathía não se considera como força por meio do mito, a mobiliza- política. Surge assim a possibilidade
um modelo de perfeição individual ção permanente de todas as virtudes do domínio de uma elite especializa-
mas como algo muito mais vasto: cívicas e guerreiras, a concepção da da sobre uma massa satisfeita e

2. Sobre a imagem de Platão na Alemanha deste período veja-se: J. Bannes, Hitlers Kampf und Platons Staat, Berlim e Leipzig 1933 e Die Philoso-
phie des heroischen Vorbildes; C. Bering, Der Staat der Königlichen Weisen, 1932; K. Gabler, Platon der Führer, 1932; H. Kutter, Platon und die
europäische Entscheidung; F. J. Brecht, Platon und der George-Kreis, Leipzig 1929.
3. Platon als Hüter des Lebens, Munique 1928, p. 66.
4. Op. cit., p. 39.
5. Op. cit., p. 46.
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indiferente. Escreve Nietzsche na Até aqui o mito, um mito didascá- Livro


Vontade de Poder: «Um dia os operá- lico que não teria desagradado a
rios viverão como hoje os burgueses
mas sobre eles viverá a casta supe-
rior; esta será mais pobre e mais
Platão. Mas, no mito e mais além do
mito, o ideal político de Platão man-
tém-se como um elemento perma-
«As últimas ho
simples mas possuirá o poder». É nente de toda a verdadeira batalha
uma afirmação profética que projec- pela ordem. A base do seu sistema
Enrique Monsonís
ta no futuro a visão de uma elite pla- político é constituída pela exigência
————————————————
tónica interiormente forjada por um de fazer coincidir a hierarquia espiri-
moderno doricismo, habitando com tual com a hierarquia política, de Cumpriram-se, em Agosto, trinta
sóbria pobreza no centro imóvel assegurar ao espírito a direcção do e cinco anos da partida de Adriano
onde accionam as rodas do brilhante Estado. Não sem motivo Kurt Hilde- Romualdi. Tinha trinta e três anos,
mecanismo da civilização ocidental.7 brandt pôde intitular o seu livro Pla- uma importante bagagem política e
Chegados a este ponto, quando tão, a luta do espírito pela potência. cultural, anos de luta e militância
estamos prestes a concluir estas Esta exigência, formulada com tanta nas fileiras da resistência europeia e
notas introdutórias, conceda-se-nos o claridade pelo maior pensador da um futuro promissor no ensino uni-
versitário e no mundo cultural e polí-
finalizar à maneira platónica, intro- Helade e do Ocidente, permanece a
tico italiano. Talvez o ambiente políti-
duzindo um mito. Um mito que não o todo o tempo, tal como as histórias co alternativo italiano, e por conse-
inventamos nós, mas que se encon- de Tucídides ktéma es aéi, uma con- quência o europeu, tivesse seguido
tra nas páginas de uma novela de quista para a eternidade. Ninguém outros passos caso ele tivesse conti-
Daniel Halévy, Histoire de quatre ans. como Platão sofreu com a ineptidão nuado vivo. No entanto, a sua curta
1997-2001. Estamos em 1997: a da inteligência, incapaz de dar uma vida não foi de modo nenhum estéril.
Europa apodrece no bem-estar e na ordem à vida. Contemplou até nos Pode ser que, como disse o seu men-
libertinagem. A corrupção cresce pe- abismos mais insondáveis a tragédia tor, Julius Evola, ao saber da sua
lo que «feridos os centros de energia da excisão entre espírito e vida, entre morte, o nosso mundo tenha perdido
ariana», a maré dos povos de cor espírito e poder político. E mostrou- naquela trágica noite de Agosto um
“dos seus representantes mais quali-
ameaça os europeus decadentes. nos a via real que conduz para lá
ficados”, mas Adriano Romualdi
Mas eis que, um pouco por todo o desta trágica excisão: não a vã tenta- legou-nos, apesar de morte tão pre-
lado, grupos de indivíduos se isolam, tiva idealista de adequar a política a matura, uma parte importante do
dotando-se de uma estrutura ascéti- esquemas abstractos, mas sim um seu pensamento e é nosso dever
co-militar e uma disciplina severa. esforço heróico e disciplinado para difundir os seus escritos.
Nos seus cenóbios recompõe-se a infundir sangue e energia à pura As Ediciones Identidad estreiam-
antiga lei da vida, volta a florescer o inteligência, para confiar os valores se com um dos melhores escritos de
espírito de obediência e sacrifício. do espírito a uma espécie de homem Adriano Romualdi, publicado postu-
Alcançando o poder, o grupo de mon- forte, equilibrado, vitorioso. mamente em Itália em 1976 com o
ges-laicos põe fim à desordem e à Na obscuridade contemporânea a sugestivo título de As últimas horas
da Europa. Adriano Romualdi, sem
corrupção democrática dividindo a doutrina de Platão arde como um
estéreis pretensões, sem protagonis-
sociedade nas três castas de asso- fogo distante que orienta o nosso mos supérfluos, por pura luta, foi um
ciados, noviços e submetidos. O caminho. Para ela deve saber olhar grande exemplo do que deveríamos
esforço da nova ordem salva a Euro- uma nova classe política decidida a entender pela palavra militante; não
pa, e a Federação Europeia, fundada fundar o verdadeiro Estado, a dar a foi um intelectual, foi sobretudo um
a 16 de Abril de 2001, prepara-se cada um o seu, a impor contra a tira- homem de acção, conjugando perfei-
para marchar contra os bárbaros do nia da massa e do dinheiro a nova tamente as suas horas de estudo, as
Oriente. hierarquia. suas investigações e criações escri-
tas – realizadas como um exercício
de combate – com a luta política e
6. Veja-se J. Evola, Cavalcare la tigre, Milão 1961: «No lugar das unidades tradicionais – dos cor- cultural, inclusivamente com o com-
pos particulares, das ordens das castas e das classes funcionais, das corporações – conjunto de
membros aos que o indivíduo se sentia ligado em função de um princípio supra-individual que bate de rua quando tal era necessá-
enformava a sua vida inteira, proporcionando-lhe um significado e uma orientação específicos, rio. Todos os aspectos da sua passa-
hoje possuem-se associações determinadas unicamente pelo interesse material dos indivíduos, gem pela vida foram esforço, vonta-
que só se unem sobre uma base: sindicato, organizações de classe, partidos. O estado informe de indomável, luta e militância. Em
dos povos, na actualidade transformados em meras massas, faz com que toda a ordem possível
possua um carácter necessariamente centralista e coercivo.» todos estes aspectos, entendia a sua
7. Uma perspectiva similar se delineia em Der Arbeiter de Ernst Jünger: «Tal como produz prazer vida como uma milícia na qual o pen-
observar as tribos livres do deserto que, vestidas com farrapos, possuem como única riqueza os samento e a acção, face à comodida-
seus cavalos e as suas valiosas armas, também seria prazenteiro ver o grandioso e valioso instru- de e ao conformismo, se uniam na
mental da “civilização” servido e dirigido por um pessoal que vive numa pobreza monacal e mili-
tar. Este é um espectáculo que produz alegria viril e que faz a sua aparição onde se impõem ao busca da verdadeira realidade inte-
homem exigências superiores para alcançar grandes fins. Fenómenos como a Ordem dos Cava- rior, sendo sempre consciente da
leiros Teutónicos, o exército prussiano, e a Companhia de Jesus constituem exemplos a tal efei- extrema dureza que isso significava
to…». Citado em J. Evola, L’operaio nel pensiero di Ernst Jünger, Roma, 1960, p. 75.
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oras da Europa»
escrever um texto que Romualdi, é talvez neste texto mais
hoje, quase setenta anos protagonista do que nunca, precisa-
depois desses dias, tem mente por desenrolar-se nestas últi-
tanta importância e actua- mas e terríveis horas uma furiosa e
lidade. desesperada luta na qual a Europa
Independentemente dos jogava a sua própria existência.
factos históricos, que não Naquelas últimas horas, mostrou-se
obstante, é preciso recor- mais real do que nunca a consciên-
dar desde uma perspectiva cia da verdadeira identidade euro-
diferente da da propagan- peia e da necessidade da luta sem
da dos vencedores, sobeja- quartel contra aqueles que com a
mente conhecida, e que força das armas destruíam o sonho
Romualdi, como bom his- do renascer europeu, a herança mile-
toriador, relata e contra- nar e os princípios de uma civilização
põe de forma magistral, que se recusava a desaparecer.
talvez o mais importante Aqueles foram os últimos momentos
deste livro seja a mensa- da Europa, mas não da ideia de Euro-
gem que o seu autor dá a pa, uma ideia que deve fortalecer-se
conhecer, sendo funda- na luta ainda não finalizada, uma
mentais duas ideias: por luta que como Romualdi bem sabia
um lado, o exemplo de começa nos que se reconhecem her-
abnegação, resistência e deiros dos valores e exemplo daque-
heroísmo de uma geração les que morreram heroicamente pela
de militantes que levou os única e verdadeira Europa, valores
seus valores e ideais de que constituem o fundamento para a
defesa da identidade e recuperação de ideais quase esque-
essência da Europa às últi- cidos, ficando patente com este últi-
mas consequências, repre- mo sacrifício, que daquela derrota
sentando um exemplo e os devem surgir as energias e a vontade
valores hoje necessários, para a recuperação da identidade,
para quem se sabia resistente face a mais do que nunca, para resistir às futuro e destino europeu.
um mundo que em todas as suas últimas e mais perigosas fases do Adriano Romualdi encarrega-se,
dimensões lhe era estranho e inimi- processo de dissolução que se ini- trinta e cinco anos depois da sua
go. Por isso, não é de estranhar que ciou para a Europa durante as jorna- partida, com este magnífico e reco-
um tema como o dos últimos dias da das em que decorre este relato. Por mendável texto, de manter viva a
última Guerra Mundial tenha desper- outro lado, a ideia de Europa, presen- chama desta antiga e eterna luta.
tado nele o interesse suficiente para te em toda a obra e pensamento de

Sobre a obra cumpre-o até ao fim, até à auto-anulação em comba-


te. Nesta derrota está a vitória do herói, no sacrifício
Com As últimas horas da Europa, volume publicado de extremo e no manter-se fiel à própria ideia, à ordem
forma póstuma em 1976, Adriano Romualdi dispunha- recebida, ao voto de lealdade e à própria terra.
se a dar à estampa um grande canto épico dos tem-
pos actuais: desde as primeiras páginas penetramos Ficha técnica
numa época na qual renascem e actuam figuras míti-
cas e eternas, como o guerreiro, o herói, o cavaleiro; à Dimensões: 15 x 21 cm
sua frente surgem monstros multiformes, demónios Páginas: 200
desenfreados e horrores infernais. Como é próprio da Preço: 20 € + gastos de envio
alma europeia, na tragédia da II Guerra Mundial, como
na prosa de Adriano Romualdi, domina uma visão trá- Como comprar?
gica do heroísmo, de um combatente que defronta um
inimigo que dispõe de forças desproporcionadamente Enviar um e-mail para: idpress7@gmail.com ou escre-
superiores, que sabe que está destinado à morte e à ver para Apartado de Correos, 6107 - 46080 Valência,
derrota, mas que igualmente conhece o seu dever e Espanha.
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Doutrina

O problema da raça
Julius Evola* Estado, apresentou-se como a mistu- domínio da raça física, se pudesse
———————————————— ra entre uma variante da ideologia alcançar a reintegração quase auto-
nacionalista de fundo pangermanista mática de todos os aspectos da vida
O racismo, como sabemos, teve e ideias do cientismo biológico. Rela- de uma estirpe e de uma nação. O
desde o início uma grande importân- tivamente a estas últimas, Trotsky que, de uma maneira geral, se pode-
cia no âmbito do nacional- não andava muito longe da verdade ria considerar justo neste conjunto
socialismo; sob as suas for- de ideias, seria a ideia segun-
mas extremistas, pouco mais do a qual não é o Estado, a
que primitivas, sob as quais o sociedade ou a civilização em
mesmo tinha sido em geral abstracto que têm um valor
afirmado em tal movimento, decisivo, mas sim uma “raça”
constituía um dos aspectos correspondente, mas apenas
mais problemáticos e neces- na condição de se conceber a
sitados de rectificação do III raça num sentido superior,
Reich. Se por um lado o racis- quer dizer, como a substância
mo se associou ao anti- humana mais profunda e ori-
semitismo, por outro acabou ginária. Podia-se assim reco-
por criar tendências “pagãs”, nhecer a importância e a
cujo principal representante oportunidade de uma “luta
foi Alfred Rosenberg. Na épo- pela visão do mundo” confor-
ca de Imperialismo Pagão me ao homem ariano e espe-
Rosenberg, que conheci pes- cialmente nórdico-ariano, ten-
soalmente, supôs que eu do por finalidade uma revisão
seria o representante italiano geral dos valores que vieram
duma corrente análoga à sua. a tornar-se predominantes no
Na realidade, as diferenças mundo ocidental. Por seu
eram muito importantes. No lado, o fanatismo anti-semita
seu livro mais conhecido, O aparecia como negativo, ten-
Mito do Século XX, Rosenberg do-se lamentavelmente torna-
também se referiu a autores do para muitos em sinónimo
como Wirth e Bachofen, pro- de racismo.
curou remeter-se à tradição Tive oportunidade de tomar
nórdica das origens e dar várias vezes posição contra o
uma interpretação dinâmica, racismo materialista. A pro-
sob uma base racista, das pósito do neo-paganismo nazi
diferentes civilizações e da declarei, numa conferência
sua história. Mas tudo isto de de imprensa a propósito da
forma superficial e aproxima- Estátua da autoria de Arno Breker, representação perfeita conferência que proferi em
da, e sobretudo num contexto do ideal racial nacional-socialista 1936 no Kulturbund de Viena,
adaptado às finalidades políti- que as teorias em questão
cas quase exclusivamente alemãs. quando definia o racismo como um eram de modo “a tornar católico até
Faltava pois, a Rosenberg, qualquer materialismo zoológico. Recorreu-se aquele que tivesse a melhor disposi-
compreensão da dimensão da sacra- à biologia, à eugenia, à teoria da ção para se professar pagão”. É tam-
lidade e do transcendente: daí sur- hereditariedade tomadas tal como bém significativo que Mussolini
gia, entre outras coisas, uma polémi- eram, ou seja, nos seus pressupostos tenha prestado atenção a um ensaio
ca primitivíssima contra o catolicis- totalmente materialistas. Chegou-se meu intitulado “Raça e Cultura”, apa-
mo a qual, numa espécie de Kultur- a supor uma dependência unilateral recido em 1935 na Rassegna Italia-
kampf renovada, não recusava os do superior em relação ao inferior, na, tendo feito saber à revista a sua
argumentos mais disparatados de quer dizer, da parte psíquica e supra- aprovação. Neste ensaio, eu afirma-
inspiração iluminista e laica. O “mito biológica do ser humano em relação va a proeminência de uma ideia for-
do século XX” deveria ter sido o mito à parte biológica: mesmo a adição mativa sobre o simples elemento
do sangue, da raça: “novo mito da de uma espécie de mística do san- biológico e étnico (defendi a mesma
vida chamado a criar um novo tipo gue não mudava grande coisa. Daqui tese numa página especial de Regi-
de vida e, portanto, de Estado e de também a grande ilusão consistente me Fascista). Também um editorial
civilização”. em crer que com meras medidas meu sobre o tema, para o jornal de
Quanto ao racismo alemão de profiláticas biológicas, ou seja, do Balbo, Corriere Padano, foi notado
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nas altas esferas: tinha como título tanto, que Mussolini tomasse contra- nenhuma nação moderna correspon-
“Responsabilidade de se dizer aria- medidas. Por outro lado, aquilo que de a uma raça, e a Itália muito
no” e também aí combati o fetichis- os judeus sofreram em Itália (sem menos. As diferentes raças euro-
mo da raça física. Eu indicava o comparação com o que lhes aconte- peias distinguidas pelo racismo figu-
carácter insignificante duma “ariani- ceu na Alemanha), ficou a dever-se à ram, pelo contrário, como compo-
dade” reduzida a não ser judeu ou de orientação dos seus correligionários nentes de quase todas as nações oci-
raça de cor, em vez de se definir em de além-fronteiras. Houve também dentais.
termos essencialmente espirituais e uma terceira razão, a mais importan- Em 1937 o editor Hoepli encarre-
éticos, o que comportava uma res- te. Mussolini esperava que a sua gou-me de escrever uma história do
ponsabilidade precisa para consigo “revolução” não tivesse um alcance racismo. O livro teve o título de O
próprio. No racismo existiam pois Mito do Sangue e apareceu em
algumas exigências legítimas. Trata- segunda edição durante a guerra.
Todos os desvios apre-
va-se de redimensionar a totalidade
dos problemas de maneira adequa-
da e sobre bases diferentes.
Entre os ambientes alemães
“ sentados pelo racismo
derivavam do facto deste
partir de uma imagem do
Nesse texto falei dos antecedentes
do racismo no mundo antigo (onde a
“raça” não era um mito, mas uma
realidade vivente), examinando os
atrás mencionados, tentei exercer homem profundamente percursores existentes nos séculos
uma influência em tal sentido. No materialista. Pelo contrário, seguintes. Depois elaborei um resu-
entanto, a ocasião para uma tomada tomei como base firme da mo das formas modernas desta dou-
de posição completa apresentou-se minha formulação a concep- trina, apresentando as ideias funda-
no momento da viragem “racista” do ção tradicional que reconhe- mentais de Gobineau, de Woltmann,
fascismo, acontecida em 1938 com ce no homem um ser com- de Vacher de Lapouge, de Chamber-
a promulgação do “Manifesto da posto por três elementos: o lain e de muitos outros autores. Tam-
Raça”. corpo, a alma e o espírito. bém mencionei as teorias da antro-
Como acontece com muitas Uma teoria completa da raça pologia e da genética, da hereditarie-
outras coisas do regime precedente, teria portanto que conside- dade e da tipologia racista. Final-
a maior parte das pessoas tem uma rar estes três elementos e mente, abordei a concepção racista
visão distorcida de tal viragem. Pen- distinguir uma raça do cor- da história, as bases do anti-
sa-se que o fascismo se acoplou pas- po, uma raça da alma e uma semitismo e apresentei um quadro
sivamente ao hitlerismo e que o raça do espírito.” do racismo politizado do período
racismo em Itália foi um simples pro- hitleriano, nos seus vários aspectos.
duto de importação. É certo que o Já neste livro, essencialmente expo-
racismo não tinha em Itália prece- simplesmente político, mas que sitivo, tive a ocasião de fazer várias
dentes de importância, e isto tam- pudesse criar um novo tipo de italia- precisões e críticas.
bém por causa dos antecedentes his- no; ele pensava – e com razão – que O estudo do material necessário
tóricos de tal nação e nem sequer tanto um movimento como um Esta- para a compilação d’O Mito do San-
tinha aí um terreno propício. Todavia, do têm necessidade, para sobreviver gue acabou por me levar à formula-
foram motivos intrínsecos suficiente- e se afirmarem, de uma correspon- ção de uma doutrina da raça. Foi o
mente legítimos que determinaram dente substância humana bem dife- que aconteceu com a obra Síntese
tal viragem. Para começar, e após a renciada. E temos de reconhecer as de Doutrina da Raça, editada igual-
criação do império africano e dos possibilidades oferecidas, a este res- mente com Hoepli em 1941, com
novos contactos com os povos de peito, pelo mito da raça e do sangue. um apêndice iconográfico de 52 foto-
cor, impunha-se o reforço do senti- No entanto, o “Manifesto da grafias (mais tarde apareceu tam-
mento de distância e de consciência Raça” italiano, redigido apressada- bém uma edição alemã ligeiramente
da própria raça em sentido genérico, mente por ordem de Mussolini, não modificada através da Runge-Verlag
de modo a prevenir perigosas pro- passou de um rascunho. Na verdade, de Berlim).
miscuidades e tutelar um necessário faltavam em Itália elementos com É evidente que o conceito de raça
prestígio. De resto, foi esta a linha uma preparação séria para fazer depende da imagem que se tem do
rigidamente seguida pela Inglaterra face a questões deste género. A homem e é a partir desta imagem
até ontem, linha esta que, a ser man- mediocridade revelou-se também na que se define também o nível de
tida pelos povos brancos, teria torna- campanha racial, na qual o papel toda a doutrina da raça. Todos os
do impossível o desenrolar das revol- essencial foi assumido por uma polé- desvios apresentados pelo racismo
tas “anti-colonialistas” de que, como mica minúscula e virulenta. Da noite derivavam do facto deste partir de
que por uma justa Némesis, após a II para o dia, todo um conjunto de uma imagem do homem profunda-
Guerra Mundial, a Europa desfale- homens de letras e jornalistas fascis- mente materialista, baseada em pos-
cente padece as consequências dele- tas apercebem-se de que afinal tam- turas de cientismo e naturalismo.
térias. bém eram “racistas” e puseram-se a Pelo contrário, tomei como base fir-
A segunda razão foi a reacção empregar o termo “raça” por tudo e me da minha formulação a concep-
contra a atitude antifascista do por nada, designando as coisas mais ção tradicional que reconhece no
judaísmo internacional, acção bem disparatadas e menos pertinentes. homem um ser composto por três
documentada e que se intensificou à Chegou-se mesmo ao ponto de se elementos: o corpo, a alma e o espí-
medida que a Itália se colocava do falar em “raça italiana”, algo comple- rito. Uma teoria completa da raça
lado da Alemanha. Foi natural, por- tamente sem sentido, pois que teria portanto que considerar estes
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homem, derivava a preeminência da


raça interior em relação à externa,
tão-só biológica. Isto só por si impu-
nha uma revisão profunda de todas
as concepções do racismo cientista e
materialista, inclusive no domínio da
genética e da teoria da hereditarie-
dade. Assim rejeitei o fetichismo da
pureza racial compreendida em ter-
mos simplesmente físicos: a raça
exterior pode permanecer pura em
tipos nos quais a raça interior se apa-
gou ou enfraqueceu, coisa bem visí-
vel em numerosos casos (por exem-
plo os holandeses e os escandina-
vos). Mesmo o problema dos cruza-

A natureza humana é diferenciada; diferenciação esta que se

“ exprime, entre outras coisas, na diversidade dos sangues e


das raças. Esta diferença representa o elemento primário.
Não é apenas a condição natural dos seres, é também um valor,
quer dizer, algo cuja existência é boa, que deve ser defendido e
protegido.”

mentos deveria ser redimensionado:


o cruzamento só tem efeitos negati-
vos quando a raça interior é débil;
mas se, pelo contrário, ela for sufi-
cientemente forte, a presença de um
elemento estranho introduzido pelo
cruzamento (mantido naturalmente
dentro de certos limites) pode actuar
como um desafio e ter um efeito gal-
vanizador (tal como acontece com
certas estirpes aristocráticas que
tendem à degeneração como conse-
quência de um longo regime de
endogamia). E outras considerações
do mesmo tipo foram desenvolvidas
no meu livro.
Do ponto de vista político-social,
três elementos e distinguir uma raça tivas, morais e volitivas, não estão reconheci algo de positivo no racis-
do corpo, uma raça da alma e uma mais de acordo com as suas even- mo enquanto expressão de uma exi-
raça do espírito. A “pureza” racial tuais vocações espirituais. O gência anti-igualitária e anti-
existe quando as três raças conver- “espírito” distingue-se da “alma” racionalista. Quanto ao primeiro pon-
gem e estão em harmonia: expres- como aquele princípio do homem to, o racismo reafirmava evidente-
sando-se uma, vislumbrando-se a relacionado com valores supremos, mente o princípio da diferença: tanto
outra. Mas há muito tempo que isto com a “supra vida”. Assim, a “raça do a diferença entre diferentes estirpes
não acontece senão em casos muito espírito” reflecte-se e revela-se nas e povos, como entre os elementos de
raros. O aspecto mais reprovável dos diferentes atitudes dos indivíduos um mesmo povo. Assim, o racismo
inúmeros e confusos cruzamentos, face ao sagrado, ao destino, aos pro- opunha-se à ideologia iluminista-
ocorridos ao longo da história e no blemas da vida e da morte, na visão democrática que proclamava a iden-
desenvolvimento da sociedade, não do mundo, das religiões, etc. Corres- tidade e igual dignidade de todos os
se refere tanto à alteração da raça pondendo aos três componentes, seres de aparência humana e, pelo
física e do tipo psicossomático (o devia-se portanto formular um racis- contrário, afirmava que a humanida-
racismo corrente não vê mais do que mo de primeiro, segundo e terceiro de, o género humano, ou é uma fic-
isto), quanto à incongruência e ao grau. O seu objecto deveria ser, res- ção abstracta ou um estado final,
contraste que se dava num mesmo pectivamente, a raça do corpo, a imaginável apenas como um limite e
sujeito dos três componentes: raça da alma e a raça do espírito. nunca completamente realizável, de
homens cujo soma já não reflecte o A partir da hierarquia de direito um processo de involução, de disso-
seu carácter, cujas disposições afec- existente entre os componentes do lução, de queda. Normalmente, a
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natureza humana é, pelo contrário, preponderantemente numa dada raça física) na sua origem, uma tradi-
diferenciada; diferenciação esta que raça física, numa determinada estir- ção permitiu formar um tipo heredi-
se exprime, entre outras coisas, na pe ou povo. Isto se aplicava já ao tário bem reconhecível, a tal ponto
diversidade dos sangues e das raças. conceito de “ariano” ou de “judaico”. que os judeus fornecem um dos
Esta diferença representa o elemen- A arianidade e a judaidade deviam exemplos mais característicos de
to primário. Não é apenas a condição referir-se a atitudes típicas não tenaz unidade racial da história. Um
natural dos seres, é também um necessariamente presentes em outro exemplo, mais recente, é a
valor, quer dizer, algo cuja existência todos os indivíduos de sangue ariano América setentrional: o tipo america-
é boa, que deve ser defendido e pro- ou judeu. De tal maneira podia-se no tomou forma com traços suficien-
tegido. Ao contrário de certos racis- evitar qualquer presunção e unilate- temente precisos (especialmente
tas, para mim este reconhecimento ralidade: ficava como verdadeira- como raça interior), graças à força
não conduzia necessariamente a mente decisivo aquilo que cada um formadora da alma de uma civiliza-
uma atomização de grupos humanos é, como forma interna. Definiam-se ção, a qual agiu sob a mistura étnica
fechados sobre si próprios e ao des- também responsabilidades precisas, mais inverosímil. Isto elimina a ideia
conhecimento de todo o princípio segundo aquilo que tinha já exposto que qualquer condicionamento unila-
superior. É possível conceber-se uma no citado artigo publicado no Il Cor- teral a partir do inferior, quer dizer,
unidade superior, mas no cume: uni- riere Padano. É por tudo isto, acres- pelo simples bios.
dade que reconhece e mantém no centarei, que após a segunda guerra As possíveis aplicações práticas
seu plano as diferenças. A unidade de toda esta ordem de ideias, no
“na base”, a unidade niveladora pró- domínio daquilo que Vacher de
pria da democracia, da “integração”, Lapouge tinha denominado como
do humanitarismo, do falso universa- “antropologia política”, eram eviden-
lismo, do colectivismo é, pelo contrá- tes. Numa nação na qual o Estado
rio, regressiva. Contra orientações revista a dignidade de um superior
deste tipo já Gobineau se tinha insur- princípio activo e formativo é conce-
gido, fazendo valer o racismo essen- bível uma acção diferenciadora
cialmente em termos de uma exigên- sobre a própria substância étnica.
cia aristocrática. Aqui podia-se reconhecer aquilo que
Outro aspecto positivo genérico certas exigências do racismo alemão
do racismo, solidário com o primeiro, tinham de justo. Havia que distinguir
era indicado pelo seu anti-racionalis- o racismo negativo, destinado a pro-
mo, ou seja, pela sua valorização de teger a comunidade nacional de fac-
qualidades, disposições e dignidades tores de alteração e de mesclas peri-
diferentes de tudo o que pode ser gosas, de um racismo positivo, dirigi-
adquirido e construído, insubstituí- do a uma diferenciação no interior
veis, indetermináveis a partir do exte- da comunidade através da consolida-
rior e não derivadas do ambiente, ção e reforço de um tipo superior.
ligadas à totalidade vivente da pes- Sabemos que o racismo moderno
soa, tendo raízes em algo profundo e Capa da revista Neues Volk, um exemplo do não considera somente as grandes
orgânico. A personalidade, contraria- ideal nórdico nacional-socialista raças distinguidas nos manuais aca-
mente ao simples indivíduo abstrac- démicos de antropologia – raça bran-
to e informe, tem a sua base efectiva mundial tive que afirmar o absurdo ca, negra, amarela, etc. Também no
em tudo isto. A este respeito, e para que era insistir sobre o problema interior de uma comunidade branca,
evitar qualquer desvio, seria suficien- “judeu” ou “ariano”, de um ponto de “ariana” ou indo-europeia são reco-
te ater-se ao conceito completo da vista superior: justamente porque o nhecidas diferentes raças, entendi-
raça indicado por mim, tendo presen- comportamento negativo atribuído das como unidades mais elementa-
te que não podemos falar da raça da aos judeus está já presente em gran- res, como a raça mediterrânica, nór-
mesma maneira no caso do homem de parte dos arianos, sem que estes dica, dinárica, eslava, etc., variando
e de um gato ou cavalo, por exemplo, últimos tenham sequer, como os pri- as denominações segundo os auto-
tendo em conta que a essência e a meiros, a atenuante da predisposi- res. Com Rassenseelekunde, L.F.
vida do primeiro não se esgota no ção hereditária. Clauss tentou também uma descri-
plano dos instintos e do bios, como Em segundo lugar, o conceito de ção da alma e do estilo interior de
nos segundos. raça interior conduzia ao de raça tais raças. Em cada nação europeia
A concepção da “raça interior” e como energia formativa. Poderíamos figuram como componentes, em
da sua primazia era fecunda de um sobretudo explicar a aparição de um diferentes proporções, tais raças ele-
ponto de vista duplo. Acima de tudo, dado tipo comum suficientemente mentares. A exigência do racismo
num plano moral. A mesma levava a constante a partir de misturas étni- político era individuar em tal mescla
considerar uma raça como um modo cas por efeito de um poder formador aquela raça à qual se pudesse reco-
de ser a definir-se sobretudo em si e interno, tendo a sua expressão mais nhecer o direito de predominar e dar
por si mesmo, como universal a prio- directa numa dada civilização ou tra- a própria marca ao resto da nação.
ri, quase como uma “ideia” platóni- dição. O próprio povo judeu oferecia Na Alemanha reconhecia-se à raça
ca, ainda que empiricamente a mes- o melhor exemplo disto: não tendo nórdico-ariana este papel.
ma possa aparecer e reencontrar-se qualquer homogeneidade étnica (de Pois bem, coloquei o mesmo pro-
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 Capa da edição italiana de ta na qual seriam confrontados todos


 Síntese de Doutrina da Raça os problemas correspondentes par-
tindo das ideias formuladas no meu
livro. Mussolini aceitou a proposta
alma e do espírito, assim sem reservas e encarregou-me de
como das suas múltiplas inter- fixar os pontos programáticos da
ferências. revista, que ele se declarava pronto a
Tornava-se bastante claro publicar, desde que com o acordo
que nestes termos o racismo prévio da Alemanha. Assim, entre-
apresentava-se sob uma luz guei-me à procura de pessoas que
muito diferente e que os prin- tivessem um mínimo de qualificação
cipais desvios próprios da sua para discutir um programa de tal
formulação alemã eram evi- tipo. Após várias sessões de traba-
tados. As exigências legítimas lho, presididas por um excelente ele-
eram indicadas numa forma mento, Alberto Luchini (que, entre
que, essencialmente, creio outras coisas, se interessava pelas
manterem o seu valor ainda ciências tradicionais), chefe da
que independentemente da Secretaria da Raça do Ministério
conjuntura em relação à qual para a Cultura Popular, um conjunto
então me ocupei destas de pontos programáticos foram for-
questões. mulados. Numa outra audiência,
Existe também um facto coloquei-os à consideração de Mus-
talvez não privado de algum solini, que os aprovou sem alterar
interesse histórico, a saber, uma vírgula. Dirigi-me então para
que Síntese de Doutrina da Berlim, para tomar contacto com a
Raça obteve um aberto outra parte. O assunto no entanto
reconhecimento pessoal de não teve continuidade já que, a meio
Mussolini. Tendo lido o livro, dos meus encontros com os dirigen-
Mussolini chamou-me e elogiou o tes alemães, chegou a ordem à
blema para Itália e pensei poder livro, até mais do que o seu real embaixada italiana em Berlim de
reconhecer a indicada dignidade de valor, dizendo-me que era justamen- suspender tudo.
raça central e de raça-guia àquela te de uma doutrina de tal tipo que Vim mais tarde a saber os moti-
que chamei de raça ariano-romana: necessitava. Esta doutrina fornecia- vos disto. Tendo-se sabido das
raça que se diferenciou nas origens a lhe a maneira de considerar proble- minhas entrevistas com Mussolini,
partir do mesmo tronco de onde pro- mas análogos aos enfrentados pela alguns ambientes da capital alarma-
vém a raça nórdica. Procedi a uma Alemanha e assim “alinhar-se”, mas ram-se. De uma parte os católicos e
descrição do tipo ariano-romano, em mantendo uma atitude independen- de outra alguns expoentes do grupo
primeiro lugar como raça interior (no te, fazendo valer aquela orientação do anteriormente citado “Manifesto
meu livro foi esboçada também uma espiritual, aquela primazia do espíri- da Raça” que integravam a revista
tipologia sumária das “raças do espí- to que pelo contrário era estranha a Difesa della Razza. Durante a minha
rito”). Também coloquei, num capítu- grande parte do racismo alemão. Em estadia em Berlim aproximaram-se
lo especial, o problema da rectifica- particular, a teoria da raça ariano- de Mussolini. Por medo de serem
ção eventual da substância étnica da romana e o correspondente mito relegados, os segundos remeteram-
nação italiana, para lhe reduzir a podiam integrar a ideia romana pro- se à anterior aprovação dada por
importante componente “mediterrâ- posta, em geral, pelo fascismo, Mussolini àquele manifesto, fazendo
nica” e para fazer prevalecer a com- assim como dar uma base à inten- notar o claro contraste existente
ponente ariano-romana: naturalmen- ção de Mussolini de rectificar e ele- entre o mesmo e a orientação por
te, sobretudo no plano das atitudes, var, com o seu Estado, o tipo médio mim afirmada. Tinha já havido algu-
como modo de sentir e de reagir, do italiano e constituir a partir do ma tentativa de polémica, embora
como costume. O problema da elite mesmo um homem novo. eu próprio tivesse colaborado naque-
era definido como o de uma classe Tendo em conta os fins deste la revista (mantendo sempre as
dirigente que, além de ter autorida- livro, não será aqui que devo parar e minhas posturas). Dado o meu inte-
de, prestígio e poder como sua fun- falar sobre o meu encontro com Mus- resse pelas disciplinas esotéricas,
ção, se apresentasse também como solini. Mencionarei apenas que rela- fizeram sarcasmo classificando o
a encarnação de um tipo de humani- tei ao Duce as iniciativas por mim meu racismo de “mágico”. Pela
dade superior, possivelmente na ple- desenvolvidas na Alemanha; dada a minha parte, tinha um modo fácil de
nitude própria de uma unidade de sua aprovação às minhas ideias, tais contra-atacar, dados os múltiplos
raça interna e de raça externa. O livro iniciativas teriam podido ser desen- flancos generosamente oferecidos
continha igualmente um apêndice volvidas dando-lhes um carácter não pelo meu adversário. Por exemplo,
iconográfico, com fotografias e repro- só pessoal. Em relação a isto, expus na capa da revista eram usadas foto-
duções que deviam servir como pri- o projecto de criar uma nova revista, montagens. Numa delas podia ver-se
meira orientação no estudo das dife- Sangue e Espírito, a publicar-se em um belíssimo rosto adolescente de
rentes raças, tanto físicas como da dupla edição, italiana e alemã, revis- uma estátua clássica, suja por uma
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imagem a negro na qual se havia para a rectificação da componente teria de estudar a raça da alma
colocado uma estrela hebraica. Pois “mediterrânica” no relativo à moral (comportamentos psíquicos, reac-
bem, fiz notar que aquele era o rosto sexual e às relações entre os dois ções, etc.), a qual, no entanto, nos
de Antínoo, o conhecido homosse- sexos. seus aspectos propriamente caracte-
xual do período imperial: exem- rológicos teria que ser captada
plo de uma raça do corpo que por L. F. Clauss, que tinha aceite
podia também ser pura em rela- o nosso convite para colaborar.
ção a uma degeneração da raça Finalmente, eu teria que ocupar-
interior. me da raça do espírito e para tal
Quanto aos católicos, estes pensava, entre outras coisas,
ficavam bastante preocupados recorrer a testes apropriados, a
com uma doutrina que, como a questionários sobre problemas
minha, dava relevância acima de espirituais fundamentais. A co-
tudo à raça do espírito e que missão teria que examinar, em
também sobre o plano do espíri- várias regiões e cidades italia-
to afirmava o princípio da desi- nas, membros de antigas famí-
gualdade dos seres humanos. A lias locais. Os resultados desta
concepção da raça do espírito primeira investigação teriam
conduzia além do mais ao pro- que ser apresentados num tomo
blema da concepção do mundo, com numerosas fotos de diferen-
na qual tal raça se expressa, e tes tipos. Mas os acontecimen-
que tem um papel central na tos impediram também a colo-
sua acção formativa desde o cação em marcha desta iniciati-
interior. A nível particular coloca- va, não desprovida de interesse
va-se o problema de definir e sem precedentes, para a qual
aquela concepção do mundo, do se tinham já realizado vários
sagrado, dos valores supremos, preparativos.
que fosse na realidade conforme Antínoo, exemplo de “raça do corpo” pura e de Quando Mussolini me chamou
ao tipo superior; no caso de Itá- “raça da alma” degenerada e deu o mencionado juízo sobre
lia ao tipo ariano-romano: e aqui Síntese de Doutrina da Raça, dis-
aparecia como evidente a necessida- Assim, Mussolini, que apesar de se querer saber de que modo a cultu-
de de uma revisão a respeito de mui- todas as aparências era um homem ra italiana tinha acolhido o livro. Nes-
tas ideias de origem certamente não que se deixava influenciar facilmen- sa altura Pavolini, ministro para a
ariano-romana da religião que se te, começou a duvidar. Daí a ordem Cultura Popular, lançou um “boletim”
tinha tornado predominante entre as mencionada, transmitida à embaixa- para assinalar aquela obra à impren-
raças do Ocidente. Ainda que evitan- da de Berlim. Quando regressei a sa. Mas tais boletins, quase sempre
do as posturas extremistas e pouco Roma, tomei conhecimento de que solicitados pelos autores, eram
ponderadas de Imperialismo Pagão, as disposições eram também de sus- enviados em grandes quantidades; já
tornava a abordar a problemática pender pelo momento o projecto da eram tão habituais, que quase não
deste livro. Da parte dos católicos revista Sangue e Espírito. Mas o cur- se prestou atenção a tal indicação.
foram portanto vistos os perigos do so da guerra rapidamente não deixa- Ao inteirar-se disto, Mussolini irritou-
interesse demonstrado por Mussolini ria mais lugar para iniciativas de tal se e fez repetir de forma categórica
nas minhas ideias, perigos acentua- tipo. tal indicação. Naturalmente, apare-
dos pela projectada colaboração íta- Isso também impediu a realiza- ceu então uma chuva de resenhas,
lo-alemã. Com habilidade jesuítica, ção de outro projecto, já aprovado desde o áulico Corriere della Sera
tais elementos católicos não ataca- por Mussolini. Eu tinha proposto até outros importantes periódicos
ram frontalmente; passando por empreender uma pesquisa sobre os que nunca se tinham ocupado dos
cima daquilo que os afectava sobre- componentes raciais do povo italia- meus livros. E foi assim que fiquei
maneira, eles encontraram maneira no. Se, como mencionei, o conceito conhecido em Itália quase tão-só por
de apresentar a Mussolini uma expo- de “raça italiana” é um absurdo, ser o autor de um livro sobre a raça e
sição na qual eram colocados em podia-se no entanto examinar os por isso me foi aplicada a etiqueta,
relevo todos os aspectos das minhas principais componentes raciais desta difícil de retirar, de “racista”, quase
concepções que contradiziam algu- nação. Entravam em tema os três como se nunca me tivesse ocupado
mas ideias centrais do fascismo: o aspectos da raça e teria que ser de nenhum outro tema. Tal como
racismo discriminativo atacava a dada uma especial importância à creio ter demonstrado suficiente-
ideia de unidade nacional e relativi- constatação da presença, ou da sub- mente nos capítulos anteriores, na
zava o conceito de pátria, os elemen- sistência, do tipo ariano-romano. realidade tinha-me esforçado por
tos de estilo ariano-romano estavam Para tal fim foi nomeada uma comis- aplicar ao problema da raça princí-
em contraste com a “latinidade”, e são composta por um antropólogo pios de carácter superior e espiritual;
assim sucessivamente, até inclusiva- que teria a seu cargo a raça do cor- tratava-se para mim de um domínio
mente aspectos escandalizantes po, por um psicólogo (tratava-se de totalmente subordinado, e o fim prin-
sobre o que eu tinha tido ocasião de um docente do Instituto de Psicolo- cipal era combater os erros das
expor contra o costume burguês e gia da Universidade de Florença) que variedades do racismo materialista e
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primitivo que assomavam na Alema- Opinião


nha. Também neste domínio me
mantive fiel à minha linha, e no
essencial não há nada que tenha
escrito então que agora renegue: ain-
da que reconhecendo a absoluta fal-
Que resta das
ta de sentido que praticamente hoje
teria retomar tais problemas. Eduard Alcántara
O mesmo se aplica ao problema ————————————————
hebraico. O modo como eu o tinha
considerado era sumamente diferen- Muito se tem escrito, explicado,
te do que era próprio do anti-
debatido e discutido – e muitos o
semitismo vulgar. A acção do judaís-
fizeram – sobre esta imagem das
mo na sociedade e na cultura moder-
na ao longo de duas linhas princi- Duas Espanhas que em tantos perío-
pais, a da internacional capitalista e dos da nossa história teriam arvora-
a de um fermento revolucionário e do duas formas diferentes de
corrosivo, é dificilmente rebatível. perceber o mundo e a
Mas eu procurei mostrar que esta Capa da edição italiana de Os Protocolos dos existência e as teriam
Sábios de Sião, para a qual Evola escreveu
acção foi desenvolvida essencial- uma introdução
defendido a todo o custo,
mente por um judaísmo seculariza- frequentemente até às
do, separado da sua mais antiga tra- bater: em tal crença fui inclusiva- últimas consequências.
dição, no qual alguns aspectos da mente propenso a ver o efeito de Duas concepções anta-
mesma tinham assumido formas dis- uma das tácticas do que denominei gónicas que estariam
torcidas e materializadas e do qual como “guerra oculta”: actuar de tal na origem dos confron-
se haviam libertado os instintos, em modo que toda a atenção se concen-
tos fratricidas e/ou guer-
parte retraídos por aquela tradição, tre sobre um sector parcial é a
de uma determinada substância melhor maneira de a desviar de ras intestinas que marca-
humana. Contra a tradição hebraica outros sectores, que podem então ram a maioria dos
em sentido próprio tinha muito pou- continuar a actuar sem ser incomo- momentos mais trágicos
co a objectar, e muitas vezes nos dados. Era necessário pelo contrário por que passou a nossa
meus livros sobre temas esotéricos ter o sentido de toda a frente oculta história ímpar.
tinha citado a kabbala, antigos tex- da subversão mundial e da anti- Dessa imagem
tos hebraicos sapienciais e autores tradição em cada um dos seus – transformada pos-
judeus (aparte a minha avaliação de aspectos: para o que, já em Revolta teriormente, por vezes, em tópico
Michelstaedter, que era judeu, e o contra o Mundo Moderno, se podiam simplificador – já falavam pratica-
meu interesse por outro judeu, Wei- encontrar adequados pontos de refe- mente todos os mais significativos
niger, cuja obra principal traduzi para rência. O fundo último era uma luta autores da “Geração de 98” (Costa,
o italiano). Da génese do judaísmo de carácter metafísico, que se tinha
Ganivet…) e o tema que deriva da
como influência desagregante ocu- desenrolado ao longo de todas as
citada imagem não só foi objecto de
pei-me num capítulo de O Mito do eras. Na mesma algumas organiza-
Sangue e num ensaio aparecido no ções, por exemplo nos últimos tem- profunda análise pelos vultos mais
quinto tomo das Forschungen zur pos, a maçonaria política, além do representativos dessa geração co-
Judenfrage. Também neste caso judaísmo secularizado, tiveram ape- mo também foi exaustivamente tra-
como elemento decisivo tinha que nas o papel de instrumentos ou tado por intelectuais de outras gera-
valer a raça interior e o comporta- apoio de influências superiores. Um ções posteriores como é o caso da
mento efectivo. Finalmente, sobre o tal ponto de vista não está longe, “Geração de 14” (Ortega y Gasset…).
plano das forças históricas não dei- além do mais, de uma certa teologia Poderíamos situar esta Espanha
xei de acusar não só a unilateralida- da história. Finalmente, não é sequer dual como mais um exemplo de uma
de, mas também a perigosidade que necessário mencionar que nem eu, realidade que, a nível de cosmovisão,
representava um anti-semitismo nem os meus amigos na Alemanha Julius Evola muito acertadamente
fanático e fantasista: fi-lo também sabíamos dos excessos nazis contra simbolizou ao falar da oposição
na introdução que escrevi para a ree- os judeus e que, caso o tivéssemos
entre a Luz do Norte e a Luz do Sul.1
dição a cargo de Preziosi, dos famo- sabido, de modo nenhum os tería-
sos e discutidíssimos Protocolos dos mos aprovado. Quer dizer, a oposição entre o que “é
Sábios de Sião. Ressaltei aí quão ordem, hierarquia e aristocracia (Luz
perigoso seria crer apenas o judaís- ———————————————————————— do Norte) e o que é plebeísmo e nive-
mo (o secularizado) o inimigo a com- * Capítulo XI do livro O Caminho do Cinábrio. lamento igualitário (Luz do Sul)”.2

Para além da edição digital (disponível em www.boletimevoliano.pt.vu), oBoletim Evoliano também é


publicado em papel. Os interessados em obter uma cópia devem contactar a Legião Vertical através do
seguinte endereço de correio electrónico: legiaovertical@gmail.com.
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Duas Espanhas?
o horizontal, o lunar, o instável, o to, extrapolável à história de Espa-
mutável, o decíduo, o perecedouro, o nha. Daí que escrevêssemos que
matriarcal, o sensual, o instintivo, o “José António, no seu escrito «Germa-
hedonista, o concupiscente…” nos contra Berberes» coloca por trás
Inclusivamente, concentrando- das grandes gestas da história de
nos num plano psíquico ou anímico Espanha o espírito germânico («luz
“poderíamos dizer que a Luz do Nor- do norte») nela existente e, conse-
te presidiria àquele que emana auto- quentemente, é a ele que atribui a
domínio, equilíbrio, serenidade, so- Reconquista de uma Península Ibéri-
briedade, coerência, pru- ca que tombara sob a subjugação
dência, temperança, medi- muçulmana; também a ele atribui a
da, discrição, calma… conquista da América. Em contrapar-
enquanto a Luz do Sul tida, atribui outros períodos nefastos
«iluminaria» os indivíduos da história hispânica (coincidentes
propensos ao dissoluto e com a sua decadência como potên-
dissolvente, ao descomedi- cia mundial) e certas tendências polí-
mento, à desordem referen- tico-culturais decadentes, à influên-
te a hábitos e mo-dos de cia preponderante de certo substrato
vida, à instabilidade, ao de mentalidade levantina impregna-
desequilíbrio, à diversão do, portanto, pela «luz do sul»”.6
ruidosa, à bebedice…”4 Ernesto Milà escreveu há uns
Com base no critério ofere- quantos anos atrás o que havia de
cido por esta antagóni- ser alguns dos capítulos de um livro,
ca dicotomia, Evola inacabado, cujo título seria «História
explica-nos o porquê de Mágica das Duas Espanhas». Afirma-
episódios e de etapas tão disse- va na introdução do capítulo “O inter-
melhantes no decorrer da história regno visigodo: da renovação à perda
acontecida no solo da Península Itáli- de Espanha” que “a nossa história é
ca. Assim, afirmávamos noutra oca- uma luta eterna entre duas luzes: a
sião que “Evola reivindica para a his- «Luz do Norte» e a «Luz do Sul», tal
tória de Itália boa parte da antiga como foram definidas por Julius Evo-
Roma e, por exemplo, rejeita, por la em «Revolta contra o Mundo
liberal e anti-tradicional, o período do Moderno»”. Sob a mesma perspecti-
Risorgimento que terminará com a va redigiu um outro capítulo, que
unificação da Península Transalpina. tinha por título “Falange contra o
Também noutra ocasião3 esclare- Ademais, imputa à hegemonia e rea- Opus Dei: a grande contradição sob o
cemos que “a denominada como «luz parição do espírito inerente ao subs- Franquismo”.
do norte» estaria ligada a conceitos trato pré-indo-europeu, existente em No primeiro dos capítulos mencio-
como a hierarquia, a diferença, o ver- terras italianas antes da aparição e nados, Milà assinalava como próprio
tical, o solar, o estável, o imutável, o triunfo de Roma, os momentos cre- da Luz do Sul esse encadeamento
eterno, o imorredoiro, o patriarcal e a pusculares de Roma e as restantes que, seguramente desde as posições
valores como a honra, o valor, a dis- etapas históricas negativas – segun- teológicas do arianismo, próprio dos
ciplina, o heroísmo, a fidelidade… E, do a perspectiva da Tradição – de visigodos que entraram na Península
pelo contrário, a conhecida como «luz Itália.”5 Ibérica, levaria a uma concepção uni-
do sul» simbolizaria conceitos como Esta exemplificação para Itália já tária – ou unívoca, segundo a nossa
o igualitarismo, o uniforme e amorfo, a considerámos nós, no seu momen- opinião – do divino, muito comum às

1. “Rebelión contra el mundo moderno”, II parte, capítulo 5: “Norte y Sur”, da edição em castelhano, Ediciones Heracles, 1994.
2. “Mantenerse en un mundo en ruinas”, de Janus Montsalvat.
3. No nosso escrito “José António y Evola”.
4. Citado no nosso ensaio “El Deje Andaluz, el Flamenco y Otros Asuntos”.
5. “José Antonio y Evola”.
6. Op. cit.
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religiões semíticas, e que seria a que


Ernesto Milà também confronta boa parte do pensa-


definiu a maneira de conceber o fac-
to espiritual de muitos dos witizia- mento de muitos líderes falangistas, bem como certo
nos7 que acabaram por se aliar aos ritualismo e muita da simbologia da Falange, com o
muçulmanos que terminariam por tipo de religiosidade, meramente devocional, inerente ao
ocupar o nosso solo durante quase Opus Dei. Na Falange encontraríamos muitos vestígios da
oito séculos. Em oposição a isto, Luz do Norte e, ao contrário, o Opus Dei estaria impreg-
seria próprio da Luz do Norte uma nado até à medula de Luz do Sul.”
maneira plural de perceber o Trans-
cendente, que foi comum às espiri-
tualidades pré-cristãs do mundo parcelas de poder e de influência modo, vivas nos nossos dias? Defen-
indo-europeu e que o cristianismo social e cultural. demos que a resposta a esta pergun-
que, para esclarecer conceitos, pode- Indubitavelmente, com base nes- ta é negativa dado que, hodierna-
ríamos definir como catolicismo ta maneira de interpretar a história mente, é ilusório falar de segmentos
(quando se torna religião oficial do poderíamos explicar os diferentes da nossa população que ajam guia-
Império Romano e no Alto Medievo), episódios que marcaram a história dos por essa Luz do Norte que foi res-
assimilou e concretizou num trinita- de Espanha. Poderíamos, talvez, ponsável pela escrita dos momentos
rismo que concebia a divindade não compreender algumas das causas mais excelsos e nobres da nossa his-
de forma unívoca mas sim multifor- pelas quais certos povos da Penínsu- tória. Se ainda continuam a existir
me (ou triforme) e ao qual aderiam la Ibérica se aliaram, durante a será no seio de minorias que, além
boa parte dos seguidores do rei Dom Segunda Guerra Púnica, aos exérci- disso, não têm outro destino que o
Rodrigo. Um trinitarismo que ao tos do cartaginês Aníbal e outros, em de serem silenciadas e abafadas
assumir Jesus Cristo como homem troca, se colocaram do lado dos pelo establishment político e cultural
divino («Deus feito homem») quebra romanos. Ou o porquê da rapidez, hegemónico. Uma única luz parece
esse hiato intransponível que as reli- lentidão ou negação, na hora de se agir nos nossos dias: a Luz do Sul.
giões do Livro tinham colocado entre converter ao Islão, por parte da popu- Uma única Espanha podem os nos-
Deus e o homem e cuja teologia cria- lação que ficou sob o seu jugo após a sos sentidos e o nosso entendimento
cionista ex nihilo está em total con- conquista muçulmana do Reino Visi- desvendar: a do materialismo mais
traste com o imanentismo próprio da gótico a partir da invasão ocorrida no descarnado, a do egoísmo mais in-
espiritualidade indo-europeia pré- ano 711; ficam à margem, obvia- concebível, a do individualismo sem
cristã que sempre considerou, quer o mente, outras considerações como limites, a do consumismo compulsi-
homem quer o resto do Cosmos, as da maior ou menor repressão ou vo, a da estreiteza das perspectivas,
como o resultado da manifestação, as da carga exagerada de impostos a do desvario, a do hedonismo mais
por emanação, do Princípio Supremo para os não conversos (moçárabes) degradante, a da vulgarização mais
Imutável e Imperecedouro que se ao Islão. Ou as razões primordiais extrema, a do triunfo do ruim, a do
encontra na origem de todo o mundo que dividiram a Espanha nos dois reino da mentira, a do charlatanismo
manifestado. Encontraríamos, pois, bandos que se confrontaram na Gue- mais oco, a das aparências, a do
nestas cosmovisões tão dissímeis as rra de Sucessão espanhola (1701- nivelamento por baixo, a do triunfo
causas mais profundas do que aca- 1714): austracistas (partidários da da quantidade e do número, a do
bou por ser uma guerra civil de resul- continuidade da Espanha Tradicional poder da massa ou a do fervilhar de
tados nefastos e irremediáveis no e foral-orgânica) e pró-bourbónicos seres desequilibrados e depressivos.
seio da Espanha visigoda. (que defendiam um modelo unifor- Não vemos uma outra Espanha
No segundo capítulo do livro pla- me e centralista do Estado e uma senão uma Espanha de farragem,
neado, Ernesto Milà também con- filosofia proto-iluminista). Ou apreen- amorfa, insensata, cobarde, taima-
fronta boa parte do pensamento de der, numa chave diferente das ofere- da, pusilânime, desordeira, voluptuo-
muitos líderes falangistas, bem cidas pela historiografia oficial, a sa, vermicular, volúvel, corrupta,
como certo ritualismo e muita da razão das três guerras civis que no reles, trivial e tribal. Uma Espanha,
simbologia da Falange, com o tipo de decurso do século XIX opuseram car- em suma, infectada de Luz do Sul,
religiosidade, meramente devocio- listas e liberais. sem alternativa visível, que possa
nal, inerente ao Opus Dei. Na Falan- Porém, estas duas Espanhas que fazer engendrar esperanças de que a
ge encontraríamos muitos vestígios se digladiaram de forma irreconciliá- Luz do Norte reine como já o fez nou-
da Luz do Norte e, ao contrário, o vel ao longo da nossa história tras datas pretéritas ou, no mínimo,
Opus Dei estaria impregnado até à (embora por vezes da pugna aberta tenha hipótese de lutar por tentar
medula de Luz do Sul. No seio do se tenha passado à hegemonia políti- fazer ver a sua transfiguradora, edifi-
franquismo estas duas tendências ca e/ou socio-religiosa-cultural de cante e ordenadora claridade.
pugnaram estrenuamente por obter uma delas), continuam, de igual

7. Partidários de Akhila (filho de Witiza, penúltimo rei visigodo) na disputa pela sucessão ao trono visigodo.
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Doutrina

Símbolos da Tradição: a Águia


Julius Evola*
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O simbolismo da águia tem um carácter altamente


tradicional. Inspirando-se em analogias precisas, é de
entre os símbolos e mitos de todas as civilizações do
tipo tradicional um dos que mantém algo de constante,
invariável e imutável, apesar das diferentes formula-
ções a que foi sendo submetido conforme as raças.
Esclarecemos desde já que, na tradição ariana, o sim-
bolismo da águia sempre teve um carácter olímpico e
heróico. É isto que iremos tentar demonstrar através de
referências e aproximações.
O carácter olímpico do simbolismo da águia está
directamente ligado à consagração deste animal ao
deus olímpico por excelência, Zeus, que para os aria-
nos-helénicos (como Júpiter para os arianos-romanos) é
a figura da divindade da luz e da realeza, venerada por
todos os membros da família ariana. Zeus foi também
relacionado com um atributo, o raio, que completa mui-
tas vezes o simbolismo da águia. Recordemos também
que, segundo a antiga visão ariana do mundo, o ele-
mento olímpico se define pela sua antítese com o ele-
mento titânico, telúrico e prometaico. Aliás, segundo o
mito é com o raio que Zeus destrói os titãs. Entre os
arianos, que vivem toda a luta como um reflexo da luta Representação de Zeus com a Águia
metafísica entre as forças olímpicas e as forças titâni-
cas, considerando-se a milícia das primeiras, encontra- na que corresponde ao estado primordial “solar” do
mos a águia e o raio como símbolos e insígnias cuja espírito que, depois de ter sofrido alteração e corrupção
significação profunda é geralmente negligenciada. (morte e dilaceração d’Osíris), foi ressuscitado por
Segundo a antiga visão ariana da vida, a imortalida- Horus. O morto, participando da força ressuscitadora de
de é um privilégio: não significa simplesmente sobrevi- Horus, obtém a imortalidade que conduz a Osíris, a qual
ver à morte, mas sim participação heróica e real num provoca o “renascimento” e a recomposição”.
estado de consciência que define a divindade olímpica. Torna-se assim fácil constatar as múltiplas corres-
Estabeleçamos algumas correspondências. A concep- pondências das tradições e dos símbolos. No mito helé-
ção de imortalidade encontra-se na antiga tradição nico, compreende-se que seres como Ganímedes sejam
egípcia. Apenas uma parte do ser humano está destina- levados por “águias” ao Olimpo. É graças a uma águia
da a uma existência celestial e eterna em estado de que, na antiga tradição persa, o rei Kai-Kaus tenta, tal
glória – o Ba – que é representado como uma águia ou como Prometeu, subir ao céu. Na tradição indo-ariana,
um falcão (em função das condições ambientais, o fal- é a águia que traz a Indra a bebida mística que o torna-
cão é aqui um sucedâneo da águia, o suporte mais rá senhor dos deuses. A tradição clássica junta aqui um
aproximado oferecido pelo mundo físico para exprimir a detalhe sugestivo: segundo ela, embora seja inexacto, a
mesma ideia). É sob a forma de falcão que, no ritual águia era o único animal que podia fixar o olhar no sol
contido no Livro dos Mortos, a alma transfigurada do sem abaixar os olhos.
morto provoca os deuses pronunciando estas soberbas Isto esclarece o papel da águia em algumas versões
palavras: “Sou coroado em Falcão divino / Transformo- da lenda de Prometeu. Prometeu aparece não como
me em corpo glorioso / Assim como Horus o é na sua alguém realmente qualificado para tomar como seu o
alma / Para que possa penetrar na região dos Mortos / fogo olímpico, mas sim como aquele que, tendo nature-
e tomar posse do reino d’Osíris…” Esta herança ultra za titânica, pretendia usurpar e fazer não uma coisa dos
terrestre corresponde exactamente ao elemento olímpi- deuses mas sim dos homens. Como expiação, nesta
co. Com efeito, no mito egípcio, Osíris é uma figura divi- versão da lenda, Prometeu acorrentado vê o seu fígado
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rodeada de sacerdotes que circunda-


vam o Campo de Marte. Então tinha
lugar o decursio. Depois de pegar
fogo ao altar de lenha, uma águia
sobrevoava as chamas e pensava-se
que, nesse momento, a alma do mor-
to se elevava simbolicamente para
as regiões celestes, para ser acolhida
no seio dos Olímpicos. O decursio era
uma parada de soldados, cavaleiros
e chefes em volta da pira imperial à
qual atiravam as recompensas que
tinham recebido pelos seus grandes
feitos. Há neste ritual uma significa-
ção profunda. Arianos e romanos
acreditavam que os seus chefes pos-
suíam dentro deles a verdadeira for-
continuamente devorado por uma egípcio (“eclipse” d’Osíris e sua res- ça da vitória, não tanto como indiví-
águia. A águia, animal sagrado do surreição por Horus). Podemos falar duos mas como portadores de um
Deus Olímpico, associada ao raio duma tentativa prometaica falhada, elemento sobrenatural, olímpico, que
que destrói os titãs, aparece-nos com depois “rectificada” e que finalmente lhes era atribuído. Era por isso que,
uma figuração equivalente ao pró- se torna no princípio da justa realiza- na cerimónia romana do triunfo, o
prio fogo, fogo de que Pormeteu se ção. general vencedor se atribuía os sím-
pretendia apropriar. Trata-se então Na tradição irano-ariana a águia é bolos do deus olímpico Júpiter, depo-
de uma espécie de punição imanen- muitas vezes uma encarnação da sitando no seu templo a sua coroa
te. Prometeu não tem a natureza da “glória”, do hvarenô que, longe de ser de louros, honrando assim o verda-
águia que pode fixar a luz absoluta, uma abstracção da sua raça era uma deiro autor da vitória, bem distinto
impunemente e “olimpicamente”. força mítica e um poder real do alto, da parte simplesmente humana. No
Esta força que ele quer possuir trans- descendo sobre os seus soberanos e decorrer do decursio, acontecia um
forma-se na sua tormenta e punição. chefes, fazendo-os participar da remissio da mesma ordem: os solda-
Isto ajuda-nos a compreender a tra- natureza imortal e levando-os para a dos e os chefes restituíam os seus
gédia interior dos diferentes repre- vitória. Esta glória ariana, personifi- galhardetes, provas da sua coragem
sentantes modernos da doutrina do cada pela águia, não suporta nenhu- e da sua força vitoriosa, ao impera-
“super-homem”, titânico, obcecado e ma violação da ética viril própria da dor, como se aquele, na sua poten-
vítima de sua própria ideia, desde tradição macedónica. O mito conta cialidade olímpica, no momento de
Nietzsche a Dostoiewski, e particular- que sob a forma de uma águia, esta se libertar e de transcender para o
mente de todos os heróis deste últi- se distancia do rei Yima por ele se plano divino, fosse o verdadeiro
mo. tornar impuro com uma mentira. A agente.
Para voltarmos ao mundo do partir destas correspondências de Isto leva-nos a examinar a segun-
mito ariano, encontramos na antiga significado e de símbolos, o papel da demonstração do espírito olímpi-
tradição hindu uma variante do mito assumido pela águia na Roma antiga co da romanidade, marcado também
de Prometeu. Agni, sob a forma de assume uma luz particular. O ritual aqui pelo simbolismo da águia. Era
uma águia ou de um falcão, arranca da apoteose imperial romana é uma tradicionalmente admitido que aque-
um ramo da árvore cósmica, repetin- das primeiras demonstração e confir- le sobre quem uma águia pousava
do o gesto cumprido, no mito semita, ma a relação estreita entre a romani- estava predestinado por Zeus a um
por Adão, “para se tornar igual aos dade e o ideal olímpico. Neste ritual alto destino ou à realeza, signo de
deuses”. Agni, que é também uma o voo de uma águia sobre a pira legitimidade olímpica tanto num
personificação do fogo, fica ferido. funerária simboliza a passagem da caso quanto noutro. Mas era tam-
Das suas plumas caídas na terra nas- alma do imperador morto a um esta- bém admitido pela tradição clássica,
cem as sementes de uma planta da do de “deus”. Recordaremos os deta- e especificamente mais ainda pela
qual se retira o “soma terrestre”. O lhes deste ritual, que foi codificado tradição romana, que a águia era um
soma é a analogia do néctar; é a sobre o modelo do rito original cele- presságio de vitória, implicando a
substância que endeusa, que permi- brado pela morte de Augusto. concepção olímpica da luta e da vitó-
te o estado olímpico. A estrutura do O corpo do imperador morto era ria, quer dizer, a ideia de que através
mito ariano, se bem que sob uma colocado num caixão coberto de púr- da vitória da “raça” ariana e romana,
forma mais velada, repete aquela pura, sobre uma liteira de ouro e eram as forças da divindade olímpi-
que havíamos já analisado no mito marfim, depois colocado numa pira ca, do deus da luz, que saiam vitorio-
www.boletimevoliano.pt.vu 19 Boletim Evoliano

sas. A vitória dos homens espelha a Conhecemos o papel desempe- tradição nórdico-ariana, conservado
vitória de Zeus sobre as forças anti- nhado pela águia na história dos apenas de forma fragmentária e cre-
olímpicas e bárbaras e era prevista povos nórdicos e germânicos. Este puscular por diferentes povos do
pela aparição do animal de Zeus, a símbolo parece ter abandonado o período das invasões. De qualquer
águia. solo romano por um longo período e maneira, a águia acabou por não ter
Isto permite compreender bem o ter-se trasladado para as raças ger- mais do que um valor heráldico e o
papel que a águia tinha nas insígnias mânicas, de tal maneira que aparece seu significado profundo e original
romanas dos signa e vexilla das ori- como um símbolo essencialmente foi esquecido. Como muitos outros, a
gens, tendo um significado profundo nórdico, o que não é exacto. Esque- águia tornou-se um símbolo sobrevi-
de origem tradicional e sagrada não ce-se a origem da águia que ainda vente e, por consequência, susceptí-
se tratando de uma mera alegoria. A hoje figura como emblema da Ale- vel de servir de suporte a ideias e
águia era já na época republicana de manha, como também o foi do impé- formas muito diferentes. Seria pois
Roma a insígnia das legiões, dizen- rio austríaco, último herdeiro do absurdo supor a presença
do-se: “uma águia por legião e Sacro Império Romano-Germânico. A “sonâmbula” de concepções como as
nenhuma legião sem águia”. Em águia germânica é simplesmente a que acabamos de mencionar onde
geral o emblema era composto por águia romana. Foi Carlos Magno que, quer que se vejam, hoje em dia,
uma águia de asas estendidas segu- em 800, no momento de declarar a águias sobre insígnias ou emblemas
rando um raio nas suas garras. renovatio romani imperii, recuperou europeus. Para nós, herdeiros da
Assim se confirma o simbolismo o símbolo fundamental, a águia antiga romanidade, poderia ser dife-
olímpico: o signo da força de Júpiter romana, e a adoptou como símbolo rente, tal como para o povo, hoje em
junta-se ao animal que lhe é consa- do seu Império. Historicamente, não dia ao nosso lado e que é herdeiro do
grado, pois é com o raio que o deus é mais do que a águia romana que império romano germânico. O conhe-
combate e extermina os titãs. Existe se conservou até aos nossos dias cimento do significado original do
um detalhe que merece ser sublinha- como símbolo do Reich. Em todo o simbolismo ariano da águia, emble-
do: as insígnias das tropas bárbaras caso, isto não impede que, de um ma ressuscitado dos nossos povos,
não tinham águia. No entanto nos ponto de vista mais profundo, supra- poderia assinalar assim o significado
signa auxiliariaum encontramos ani- histórico, possamos pensar em algo mais elevado da nossa luta e ligar-se
mais sagrados ou “totémicos” que se mais do que uma simples importa- com o empenho, que nisto repete,
referem a outras influências, como o ção. Com efeito, a águia figurava já em certa medida, a aventura idênti-
touro ou o carneiro. Somente mais na mitologia nórdica como um dos ca na qual o antigo povo ariano, sob
tarde estes signos se infiltraram na animais consagrados a Odin-Wotan e o signo olímpico e evocador da força
romanidade, associando-se à águia e nessa qualidade foi adicionada às olímpica destruidora das entidades
dando lugar a um duplo simbolismo: insígnias romanas das legiões, e obscuras e titânicas, poderia se sen-
o segundo animal, junto da águia também figurava nos escudos dos tir como as milícias das forças do
nas insígnias de uma legião, repre- antigos chefes germânicos. Podemos alto e afirmar um direito superior e
sentava as suas características, pois conceber que Carlos Magno, ao uma função superior de poder e
enquanto que a águia era o símbolo adoptar a águia como símbolo do ordem.
geral de Roma. Na época imperial, Império ressuscitado, tendo presente
por outro lado, a águia passa de a Roma antiga, tenha simultanea- ————————————————————————
* Artigo publicado em 1941 e incluído poste-
insígnia militar e transforma-se em mente e inconscientemente retoma- riormente na colectânea “Símbolos e Mitos da
símbolo do próprio Imperium. do também um símbolo da antiga Tradição Occidental”.
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Doutrina

Virilidade Espiritual - Máximas Clássicas


Julius Evola*
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Nas notas que se seguem, vamos traduzir e comen-


tar brevemente um conjunto de máximas que podem
ser qualificadas de “romanas”, porque reflectem o espí-
rito e ethos característico do estilo romano e clássico,
não apenas no seu aspecto político mas também espiri-
tual. Estas máximas foram extraídas das obras de Ploti-
no. Não temos intenção de filosofar nem de considerar
os diversos rótulos aplicados hoje pelos “especialistas”
em neo-platonismo, escola a que Plotino pertenceu.
As máximas que vêm a seguir são, por si mesmas,
suficientemente eloquentes. Permitem entender o sen-
timento de virilidade espiritual que quase completa-
mente desapareceu no homem moderno, por entre as
superstições “positivas” ou “devotas” mas que, no
entanto, permanece como a medida de toda a dignida-
de interior e o segredo deste ideal, ao qual o sentido
antigo e social fazia corresponder ao conceito clássico
de “Herói”.

Deuses ao encontro dos homens


Plotino
“Os deuses é que devem vir a mim e não eu a eles”.
Já nesta resposta dada por Plotino a Amelius (que o
convidava a tornar os céus favoráveis através do culto), gerado pelas forças espirituais e isto sem que se mistu-
está contido todo o espírito de uma tradição e sublinha- rasse com sentimentos ou atitudes devotas, mas sim
da a distância que separa ambos os mundos: daqueles graças a uma relação de simples determinismo.
que “crêem” e daqueles que “são”. Esta frase não se A máxima de Plotino referida anteriormente nos dá
refere ao homem comum, mas sim ao que Plotino cha- a chave de um “caminho” que corresponde ao que, na
ma de “spoudaios”, quer dizer, ao homem espiritual- antiguidade, se chamava “iniciação solar”.
mente integrado. Neste caminho, trata-se de criar em nós mesmos
Outro grande espírito romano, Celso, indo à guerra uma qualidade operativa, poderíamos dizer, que actua
contra as novas crenças que estavam então a ponto de sobre os poderes supra-sensíveis (os deuses), ou seja,
invadir o Império, disse: “Nosso deus é o deus dos patrí- como uma força mediante a qual estes são irresistivel-
cios, invocado de pé, em frente ao nosso fogo sagrado e mente atraídos.
é levado à frente das legiões vitoriosas e não o deus ao Esta força e esta qualidade podem se resumir numa
qual se reza prostrado na terra, com o total abandono só palavra: “Ser” e um só preceito: “Sê” e consiste em
do seu ser”. uma indestrutibilidade interior, serena, clara, “olímpica”
Se devemos analisar o sentido do culto romano das e acrescentamos “ascética” e em absoluto insolente e
origens, antes do aparecimento da influência das reli- “titânica”, segundo o cliché moderno de Super-homem.
giões gregas e orientais, quer dizer, até um pouco Uma máxima caracterizava a aspiração clássica ao
depois da época de Catão, não encontraremos nada do sobrenatural: “Para «conhecer» aos deuses, é preciso
que se entende habitualmente por “religião”. ser igual a eles”.
No antigo mundo romano, os deuses eram conside-
rados como forças e inclusive o próprio homem era con- Ser um Númen
siderado como uma força. Entre uns e outros, não havia
outro intermediário senão o rito, compreendido como “Tornar-se semelhante aos deuses e não apenas aos
uma técnica precisa e objectiva, que se considerava homens de bem. O fim a alcançar não é estar isento de
apta a captar, impedir ou produzir tal ou qual efeito pecado mas sim ser um numen.”
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Para alguns, estas máximas Com relação aos “mistérios”, se ção e a posse perfeita de sua nature-
podem parecer algo inquietantes. sublinhava em Elêusis e não sem za. As outras são; transcenderam
São, no entanto, verdadeiras em um uma certa ostentação paradoxal, que esta vida mesclada com a agitação
plano superior. Para a antiguidade um Agesilas ou um Epaminondas, vã e com a morte; e que, interior-
clássica (como para os antigos aria- dois exemplos de homens ilustres no mente, é uma fúria e desejo contí-
nos orientais) o mais alto ideal era plano humano, uma vez que não nuos.
um ideal divino e não o ideal de uma haviam sofrido a modificação atribuí-
“moralidade” burguesa. da aos ritos mistéricos, se encontra- O que é o Bem?
Que fique bem claro: a Grécia vam na mesma situação que qual-
dórica, bem como a Roma dos pri- quer outro mortal frente ao estado Plotino diz: “O que é o bem para o
meiros tempos, aparecem como de post mortem, enquanto que um homem? (para o homem completo,
exemplos imortais de força ética. O destino diferente aguardava a quem para o spoudaios). É, assim mesmo,
que significa que o que é certo em houvesse limpado as faltas humanas seu próprio bem. A vida que possui é
nível superior, “supra-moral”, não mediante a purificação mistérica. perfeita. Possui o bem, portanto não
pode no entanto ser alcançado pelo Segundo a tradição, a força trans- está buscando mais nada. Rejeitar
direito comum: a necessidade e a mitida pelo rito da consagração de tudo que é outro em relação a teu
força de uma ética ali onde deve apli-
car-se.
A concepção clássica do mundo distinguia duas


Plotino chamava à “virtude” dos
homens “imagem de uma imagem”. regiões: a inferior das coisas que «passam» e a supe-
Isso implica que não há que confun- rior das coisas que «são».”
dir iniciação e realização. Tomemos
um exemplo: uma coisa é o processo
mediante ao qual com uma “tinta” um sacerdote se reveste de um próprio ser, é purificar-se. Em uma
se pode dar a algo, suponhamos um carácter permanente, mesmo que relação simples contigo mesmo, sem
metal, a aparência exterior de outro inclusive venha a cair na indignidade obstáculo em uma unidade pura,
e outra coisa é a transformação efec- moral; disto, pode se deduzir que sem que nada esteja mesclado inte-
tiva de um metal em outro, por con- subsiste ainda hoje um eco das reve- riormente com essa pureza, sendo tu
sequência da qual, por meio espon- lações antigas relativas a um plano somente em uma pura luz, te conver-
tâneo e definitivo, este metal apare- de espiritualidade absoluta. tes em visão. Estando aqui, tu te ele-
ce dotado de novas propriedades. No entanto, é preciso ser pruden- vaste. Não tens necessidade de um
O ideal “divino” da antiguidade te neste terreno. Embora não haja guia. Fixa teu olhar e verás.”
estava ligado à noção de iniciação, e dúvidas sobre o carácter do que Com uma concisão singular se
esta última era precisamente conce- Nietzsche chamava de “pequena encontram expressos aqui os traços
bida como uma mudança radical de moral”, convém, apesar de tudo, de uma ascese viril e o que, em um
um estado de existência a outro. recordar a antiga máxima hindu: sentido supra-moral, metafísico,
Para um homem antigo, um deus “Que o sábio não confunda o espírito deve ser qualificado como “bem”: a
não era um modelo moral, era outro do ignorante com a sua própria sabe- ausência de tudo que, penetrando
ser. doria”. em si, possa levar para fora de si.
O homem bom não deixa de ser “Os maus também podem tirar a Plotino aponta o alcance espiri-
um “homem” pelo facto de ser água dos rios. Aquele que dá, ignora tual de tal conceito dizendo que o
“bom”; da mesma forma que o o que dá, simplesmente dá.” (Plotino) homem superior pode entretanto
macaco continua sendo macaco ain- “Qual é a posição do homem “buscar outras coisas na medida que
da que consiga reproduzir artificial perante o Todo? É uma parte? Não: é são indispensáveis, não para si mes-
ou espontaneamente tal ou qual ges- um todo, que pertence a si mesmo. mo, mas sim para quem está próxi-
to da criatura humana. Sempre e por Convertendo-se no Um, ele (o mo dele: ao corpo que lhe está rela-
todas as partes onde o homem homem) se possui a si mesmo e a cionado, à vida do corpo que não é a
tenha se elevado a tal ordem de coi- grandeza total e à beleza. Não flui sua vida. Sabendo que dá o que é
sas esta verdade tem sido reconheci- fora de si mesmo e não foge indefini- necessário ao corpo mas sem que
da. damente. Está agora inteiramente estas coisas tenham dominado a
Assim, em algumas tradições agrupado em sua unidade.” (Plotino) vida”.
espirituais da Idade Média se ensina- A concepção clássica do mundo O mal, segundo o espírito clássi-
va que: “Nossa obra é a conversão e distinguia duas regiões: a inferior das co, é o sentido de necessidade no
a mudança de um ser em outro ser, coisas que “passam” e a superior das espírito, que não sabendo governar-
de uma coisa em outra, da debilida- coisas que “são”. As coisas que se a si mesmo se deixa levar ora
de em força, da corporalidade em “flúem” ou que “passam”, que são aqui ora ali, dominado pelo desejo,
espiritualidade.” impotentes para alcançar a realiza- tentando completar-se mediante a
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Reduzir a «virtude» a uma simples disposição moral, a um fantasma interior corres-

“ ponde a uma alma acanhada. Deve-se, portanto, rejeitar o conceito de “meu reino
não é deste mundo” e também as ideias de que uma força do alto possa dar felicida-
de no além, como recompensa aos “virtuosos” que desprovidos de poder nesta vida
preferem sofrer e suportar com humildade e resignação a injustiça. O Espírito viril do
homem clássico desprezou tais abordagens escapistas e as desprezou por fidelidade a
uma concepção metafísica.”

incorporação disto ou daquilo. dos indo-europeus do Irão. Nas tradi- concepções ordinárias do homem
Enquanto subsiste esta “necessi- ções clássicas o “Herói” convertido doméstico, convertido em “social”. O
dade”, enquanto subsiste esta insufi- em imortal ao invés de beber a “águ- “mal” segundo os homens não tem
ciência interna e radical sempre a do Esquecimento” bebe “a água da nenhum lugar na realidade, e em
segundo o espírito clássico, não pode Recordação” e “do Despertar”. “Ser” uma perspectiva metafísica que é
existir o “Bem”. O qual não poderia equivale pois a estar “desperto”. A uma perspectiva segundo a realida-
ser circunscrito por um substantivo e experiência de todo o ser, concentra- de aplicada a um mundo superior.
que é, somente, uma experiência do na claridade intelectual, na simpli- Metafisicamente, não existe
que pode determinar o espírito, des- cidade de um acto, dá a experiência “bem” ou “mal”; existe o que é verda-
fazendo-se, naturalmente, da ideia; “daquilo que é”. de e o que não é. E o grau de “reali-
de toda espécie de “outro” e reconci- Abandonar-se, desvanecer-se, tal dade” (entendida no sentido espiri-
liando-se virilmente consigo mesmo. é o segredo do não-ser. A fadiga tual que definimos com respeito ao
Aparece então um estado de cer- mediante a qual a unidade interna se significado do “ser”) dá a medida do
teza e plenitude. (…) Plotino diz preci- relaxa e se dispersa, a energia íntima grau de “virtude”. Sabe-se que Virtus
samente que tal ser possui a para dominar cada parte, de forma na época clássica e inclusive até ao
“perpetuidade” e que está totalmen- que brota uma multiplicidade de ten- Renascimento, não significava nada
te de posse de sua própria vida: sen- dências, instintos, de movimentos mais que força, senão energia. Para
do apenas e de maneira subpessoal irracionais, quer dizer, a degradação o olhar frio e viril do homem clássico
“eu” nada a partir de agora poderia do espírito que se humilha em for- somente um estado de “privação” do
ser acrescentado ou retirado, nem no mas cada vez mais obscuras, até ser é um “mal”; a fadiga, o abandono
presente nem no porvir. Vamos ver chegar à forma limite da decadência e o retardamento da força interior,
agora a que desenvolvimento Plotino que a obscuridade da matéria. É um esta direcção que, no limite, faz
dá a esse conceito: erro, afirma Plotino, dizer que a tomar, como vimos, a “matéria”.
“O estado de ser consiste em matéria é, quando na realidade, a Nem o “mal” nem a “matéria” são
estar presente. Ser significa acto e essência da matéria é o não-ser. Seu pois princípios em si mesmos. Não
estar em acção. O prazer é o acto da poder de ser dividida até o infinito mais que derivados aos quais se che-
vida. Inclusive neste universo, as indica precisamente esta “queda” gam por “degradação” e “dissolu-
almas podem conhecer a felicidade. fora da Unidade que lhe deu origem. ção”. Plotino se expressa neste ter-
Se não acontece assim, as almas se Sua inércia é pesada, resistente, mos:
acusam a si mesmas e não ao uni- confusa e tal é ela própria que desva- “É a por causa do desvanecimen-
verso; neste caso sucederam nesta necendo-se, não pode mais conduzir- to do Bem que a obscuridade apare-
luta cuja recompensa coroa a virtu- se e cai como um “corpo morto.” Tal ce e vive. E para a alma, o mal é este
de.” Plotino aponta também o signifi- é, em termos de interioridade, o desvanecimento gerador de obscuri-
cado do “ser”: ser significa estar “em segredo do material da realidade físi- dade. Tal é o primeiro mal. A obscuri-
acção”. Ademais, fala de uma “natu- ca. Que a “verdade” do conhecimen- dade é algo que lhe precede e a natu-
reza intelectual sem letargia”, com to físico seja diferente importa muito reza do mal não actua na matéria
referência àquele que “é” por exce- pouco. A existência corporal aparece mas sim antes da matéria (no cerne
lência. Aqui os termos “desperto” e como o não-ser da espiritual. Este da tensão espiritual que deu nasci-
“sempre desperto” opostos ao esta- estado supremo na unidade de um mento à matéria)”. E Plotino comple-
do de letargia que é assimilado ao “acto”, é o “ser” e é um só com o menta: “O Prazer é o acto da Vida”.
homem comum, pertencem a um “bem”. Esta opinião já havia sido expressa
amplo simbolismo tradicional. De sorte que “matéria” e “mal” se por outro grande espírito clássico,
Sabe-se que o termo “Buda” signi- identificam por sua vez. E não há Aristóteles, que havia ensinado que
fica o “Desperto”. A concepção do outro mal que a matéria. Para com- toda actividade é feliz se é perfeita.
deus Mitra concebido como “guer- preender esta ideia fundamental do Tais são, ao menos, a felicidade e
reiro sem sono” que combate contra pensamento clássico, é preciso natu- o prazer em sua forma pura e livre;
os inimigos da religião ariana é típica ralmente deixar de lado todas as de uma plenitude como coroação da
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vida que se realiza e que, realizando- limites impostos pelas forças inferio- entregam ao Todo ou esperam que
se, “é” e realiza o “bem” e não a feli- res e coisas exteriores se enraízam os deuses se preocupem com eles de
cidade e prazer passivos e mistura- em um estado de degradação do tanto ouvir orações e lamentos.
dos, desordenados, fugidios em si “Bem” é inconcebível e logicamente “Não há deus que combata por
mesmos, cedendo a uma temerida- contraditório que subsista como prin- aqueles que não estão em
de turbulenta de satisfação dos dese- cípio de desgraça e servidão naquele armas” (Plotino).
jos e dos instintos. De novo, somos que haja destruído essas raízes e Tal é o princípio fundamental do
conduzidos aqui a um ponto de vista onde haja enraizado o bem no senti- estilo guerreiro que, além de ter o
“real” sem relações com as conces- do clássico. valor de exemplo, se refere por sua
sões “humanas” e os enternecimen- Se o “bem” é, o “mal”, o sofrimen- justificação superior, aos conceitos já
tos sentimentais. to, a paixão, a escravidão não podem desenvolvidos sobre a identificação –
Desta mesma felicidade, o grau ser porque o bem também é poder. desde o ponto de vista metafísico –
do ser é o segredo e a medida. Por Se subsistem, isto significa então entre “realidade”, “espiritualidade” e
consequência, Plotino afirma “virtude”.
que neste universo as almas O desleixo e a negligência
também podem conhecer a feli- não podem ser bons, ser “bom”
cidade, recordando um aspecto implica ter uma alma de herói.
importante do pensamento E a perfeição do herói é o triun-
clássico. fo.
Ali onde a virtude era enten- Pedir a vitória à divindade
dida como realização espiritual equivaleria a pedir-lhe a “virtu-
dominadora, implicando potên- de” pois a vitória é o corpo no
cia, não se pode conceber que qual se realiza o estado perfeito
o “bem” não esteja acompa- e, poderíamos dizer, sobrenatu-
nhado da “felicidade”, como tão ral e sobre-humano da virtude.
pouco a glória pode ser separa- Tal como já dissemos a pro-
da da vitória. Quem quer que pósito da doutrina mística do
fosse vencido por uma subjuga- triunfo, o qual demonstra da
ção exterior ou interior, segun- forma mais sensível que tais
do a ordem real das coisas que ideias não nasceram em abso-
mencionamos antes, não pode- luto de um ateísmo mas antes
ria ser “bom”. da ideia de uma síntese supe-
E que alguém assim pudesse ser que a “virtude” é ainda imperfeita e o rior entre a força e o espírito, huma-
feliz seria contrário à natureza e, em “ser” ainda está incompleto e a capa- nidade e divindade, presente nos
todo caso, apenas como um golpe de cidade de actuar e a unidade estão momentos de Transfiguração herói-
sorte. E seria ele mesmo e não o alteradas. ca.
mundo que deveria ser a causa de Diz Plotino: “Há aqueles que não “Polibio diz que os romanos usam
sua derrota. têm armas. Mas aquele que tem a força em todas as circunstâncias,
De qualquer maneira, a coisa armas, combate. Não há deus que seguros de que o que tenham decidi-
está clara; reduzir a “virtude” a uma combata por aqueles que estão sem do tem necessariamente que aconte-
simples disposição moral, a um fan- armas. A lei requer que na guerra, a cer e que nada do que decidiram um
tasma interior corresponde a uma vitória pertença aos valorosos, não dia é impossível de realizar, e em
alma acanhada. É bom, portanto, aos que rogam. É justo que os covar- muitas ocasiões são levados à vitória
rejeitar o conceito de “meu reino não des sejam dominados pelos maus”, por conta deste hábito.”
é deste mundo” e também as ideias novas expressões características da Os soldados de Fábio, partindo
de que uma força do alto possa dar virilidade espiritual, guerreira, roma- para a guerra não juraram vencer ou
felicidade no além, como recompen- na, novo contraste com as atitudes morrer. Juraram vencer e retornar
sa aos “virtuosos” que desprovidos de renúncia e de fuga de certa forma vencedores. E foi como vencedores
de poder nesta vida preferem sofrer de religiosidade de um tipo que não que voltaram.
e suportar com humildade e resigna- é nem romano, nem ariano, mas sim O Espírito romano e o Espírito
ção a injustiça. O Espírito viril do asiático-semita. Novo desprezo con- destes conceitos de Plotino coinci-
homem clássico desprezou tais abor- tra aqueles que se alongam em pro- dem e, inclusive em nossos dias nos
dagens escapistas e os desprezou postas contra a injustiça das coisas transmitem uma viva mensagem.
por fidelidade a uma concepção da terra e que em lugar de reconhe-
metafísica. cer sua própria covardia, ou de resig- ————————————————————————
Se o mal e sua materialização e narem-se à sua própria impotência, * A conclusão deste texto será publicada no
próximo número do Boletim Evoliano.
sua expressão mediante impulsos e ou de enfrentar um fim heróico, se

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