Você está na página 1de 9

Marlee Evans

PORT 459R

Prof. Nielson

11 de abril de 19

Deixando escorrer: o papel da escolha em “As pérolas”

O conto “As pérolas” escrito por Lygia Fagundes Telles conta a história de um homem

com uma doença terminal e como ele lidera com a sua doença e sua mortalidade. Em todas as

histórias as escolhas dos personagens ao longo da história têm um efeito direto e importante na

resolução da história, mas o papel da escolha se torna ainda mais interessante neste conto pela

crença do personagem principal que não tem mais poder de escolher e mudar a sua vida.

Certamente, as escolhas que Tomás faz de agir ou deixar de agir dentro de sua situação difícil

levam ele à uma mudança na sua atitude a respeito de sua morte, mas o leitor continua se

perguntando se poderia ter mudado a sua situação difícil.

Neste ensaio o papel das escolhas de Tomás será analisado em relação aos efeitos que

elas têm no momento culminante deste conto, o momento quando Tomás dá as pérolas de volta

para Lavínia. Tomás dá as pérolas como símbolo da aceitação plena da sua morte e de sua

impotência diante do destino. A autora usa as atitudes de Tomás diante de sua situação como

uma advertência às mulheres e a todas as pessoas sobre o poder que suas escolhas têm para afetar

mudanças em suas vidas. As atitudes e ações (ou no caso a inação) de Tomás mostram o poder

do individuo e de suas escolhas que poderia ser usado para melhorar ou destruir a sua vida.

Para entender as escolhas de Tomás é essencial entender que suas visões de Roberto e

Lavínia são manifestações da sua luta interior. Tomás é arrebatado pela sua doença e a única

maneira que sua mente consegue usar para expressar seus temores e dúvidas é criar um espaço
semelhante que incorpora a ameaça de sua morte. Tomás acredita que “herdara o dom de

pressentir” de sua mãe então acredita que estas visões são profecias do futuro (“As pérolas” 162).

Em O duplo em Lygia Fagundes Telles: um estudo em Literatura e Psicologia Berenice Sica

Lamas declara que “as produções do imaginário são uma defesa contra a certeza do passar do

tempo e contra a face tenebrosa da morte. Portanto, a função da imaginação nasce da condição

humana de finitude e do ardente desejo o ser humano de fugir da morte” (20). À primeira vista

parece que as imaginações de Tomás desempenham um papel completamente oposto do

argumento de Lamas, porém uma análise mais profunda revela que as visões são cruciais na sua

luta contra a mortalidade. Tomás estabelece Roberto como vilão que vai tirar a sua esposa de seu

lado como a morte vai tirar si mesmo do lado de Lavínia. Em encarnar seu inimigo abstrato, a

sua doença, se torna possível lutar contra algo ou alguém e é sua maneira de lutar contra a morte.

Então, através destas visões Tomás cria uma maneira de lutar contra a sua doença e sua morte

iminente, e esta luta estabelece a tensão para o conto.

O conto relata a luta de Tomás contra a sua morte em termos de sua luta contra os

acontecimentos que ele prevê nas suas visões. “Lygia conserva e valoriza a criação do mundo

simbólico como reflexão da vida interior dos seus personagens” (12). O mundo simbólico criado

é o mundo das visões que reflete o tumulto de frustração, medo, e desespero que Tomás sente

diante de sua morte. As reações de Tomás às suas visões e as escolhas resultantes mudam

constantemente e refletem os sentimentos a respeito da sua morte que mudam de um momento

para outro. Estas vacilações drásticas são manifestadas no texto. Em alguns momentos Tomás

aceita o futuro que ele prevê e conduz Lavínia a ir à reunião com Roberto e de se vestir da forma

que ele vê nas visões. Em outros momentos Tomás quer que nada em suas imaginações aconteça,

como no momento quando ele pergunta dos convidados na sua visão, “Por que não se rompiam,
com estrépito, as cordas do piano? Ao menos – ao menos!” e depois roga ao universo, “– por que

não desabava uma tempestade?” (“As pérolas” 157). Esta instabilidade na luta contra o Roberto e

o conteúdo de suas visões reflete a sua luta interna contra a sua morte, que as vezes ele consegue

aceitar, e em outros momentos não quer nada mais do que “viver, apenas viver” (“As pérolas”

156). Como resultado suas escolhas se contrariam e somente levam ele em círculos que voltam à

sua inabilidade de mudar a sua situação.

Outro aspecto fundamental para entender e interpretar as escolhas de Tomás é as suas

atitudes ao respeito do destino e de seu poder para mudar e controlar a sua própria vida. Tomás

relata dois episódios muito significativos de seu passado que mostram suas atitudes sobre o

destino e sua incapacidade para o mudar. O primeiro é uma história que Tomás conta para

Lavínia depois de uma das suas visões. Relata que durante uma época a pensão onde morava

tinha uma infestação de ratos que faziam muito barulho de noite. No começo ele lutou contra o

barulho batendo o pé no chão, contudo quando os ratos se habituavam ao comportamento, Tomás

decidiu deixar que a vida tomasse conto do assunto. Ele conta, “mas aí eu também já estava

acostumado. Uma noite um deles andou pela minha cara. As patinhas são frias” (“As pérolas”

159). Esta anedota revela que Tomás acredita que as suas escolhas são ineficazes e não

conseguem mudar a sua vida.

O momento que ele conta esta lembrança é muito significativo porque mostra a ligação

entre as visões e seu desespero diante de sua doença. Antes de contar esta história ele está

imaginando Roberta e Lavínia como casal antes da sua morte. Ele grita “Lavínia não me

abandone já, deixe ao menos que eu partir primeiro!...Não podem fazer isso comigo, eu ainda

estou vivo, ouviram bem? Vivo!” (“As pérolas” 159). Este episódio mostra o quão impotente

Tomás se sente na sua situação, mesmo gritando os seus esforços não produzem nenhuma
mudança no comportamento dos outros. A sua experiência com os ratos é relacionado com esta

visão porque ensinou-lhe que não importava o que fazia, no final as coisas iriam acontecer da

mesma forma e a única coisa que podia fazer era acostumar-se. A última linha de sua lembrança

resuma sua atitude que a realidade é fria, mas não há nada que pode fazer para evitar então deve

se acostumar ao frio.

Tomás lembra-se do segundo episódio de seu passado em uma situação parecida da

primeira quando novamente está se sentido mudo e impotente, mas desta vez literalmente por

causa de sua doença. Durante uma convulsão de náusea ele quer gritar para a Lavínia, mas logo

corrige este pensamento e espera que ela não entre, que não o veja assim e com desespero

conclui que “Ninguém podia ajudá-lo, ninguém” (“As pérolas” 162). É neste momento que pensa

na sua mãe e lembra do dom de sua mãe de pressentir. “‘Eu já sabia’, ela costumava dizer

quando vinham dar as notícias... ‘Mas se você sabia por que então não fez alguma coisa para

impedir?!’, gritava o marido... ‘Fazer o quê? Que é que eu podia fazer senão esperar?’” (“As

pérolas” 162). A frase “senão esperar” é uma frase muito significativo que Tomás repete várias

vezes. Esta frase poderia ter dois significados, o primeiro é que a mãe de Tomás não podia fazer

nada se não ter esperança que tudo dará certo apesar de sua visão. O outro significado é que não

há nada que possa mudar estes acontecimentos então a única coisa que pode fazer é esperar.

Tomás escolhe interpretar estas palavras da segunda maneira e usa a frase como uma desculpa

para não fazer nada, mas somente esperar que as suas visões acontecem.

Estes episódios mostram porque Tomás se sente sozinho e impotente e impedem que ele

perceba a realidade que pode gritar para a Lavínia e ela o ajudaria. Ele pode pedir que ela fique

em casa consigo, longe do Roberto, e ela ficaria. A experiência com os ratos ensinou-lhe que

quando faz uma tentativa de mudar a sua situação e não dá certo então é mais fácil desistir e se
acostumar. Esta é a escolha que Tomás está no processo de fazer. Agir e arriscar que não mude

nada ou não agir e deixa que as coisas acontecem. Está escolhendo aceitar que não pode

controlar a sua vida e o outro exerce um pequeno vestígio de controle sobre a sua vida.

Novamente Tomás não consegue entender que tem outras opções para solucionar os seus

problemas. Por exemplo com o problema com os ratos, poderia ter se mudado, poderia ter

colocado veneno para os ratos, poderia ter comprado um gato para comer os ratos, mas nenhuma

destas opções veio à sua mente porque não tinha nada que fazer “senão esperar” (“As pérolas”

162). Este episodio é só um que mostra a sua aceitação da vida como algo imutável e cruel, em

vez de algo que poderia ser moldado pelas suas escolhas.

A lembrança de sua mãe tem outro efeito mais imediato no Tomás que leva ele a escolher

algo contrário à sua trajetória até aquele momento. Nos momentos depois de lembrar deste dom

de pressentir de sua mãe ele olha para a caixa que contem o colar de pérolas “e num salto

aproximou-se da mesa, apanhou o colar de pérolas, meteu-o no bolso e voltou à poltrona” (“As

pérolas” 163). Em lembrar da impotência de sua mãe, apesar do seu dom, Tomás usa a pouca

força que tem para tomar as pérolas, para mudar pelo menos uma coisa nas suas profecias de

Lavínia e Roberto. “Tudo ia acontecer como ele previra, tudo ia se desenrolar com a naturalidade

do inevitável, mas alguma coisa ele conseguira modificar” (“As pérolas” 164). Pela primeira vez

no conto Tomás age, ele escolha a mudar alguma coisa na sua vida. Ele age para mudar alguma

coisa na história menor que seja e para Tomás este pequeno ato de rebeldia representa a única

coisa que poderia fazer diante do seu destino miserável.

No entanto, esta rebelião é de curta duração. Assim que a Lavínia saia Tomás tenta

quebrar o colar, mas quando não consegue ele “Ficou sacudindo as pérolas, levando-as junto do

ouvido. ‘Peguei-o, peguei-o’, murmurou soprando malicioso pelo vão das mãos em concha”
(“As pérolas” 164). De repente Tomás escolhe a agir novamente, ele grita, como queria tantas

vezes antes, grita para a Lavínia esperar porque “achei seu colar de pérolas. Tome – disse,

estendendo o braço” (“As pérolas” 165). No final Tomás dá o colar de volta, e não só isso, mas

dá o colar para Lavínia para que ela possa usar ele nesta noite do primeiro encontro com o

Roberto. Parece que tudo seu momento de rebelião acabou e aceita o inevitável como foi

ensinado pela sua mãe que não tem nada para fazer “senão esperar” (“As pérolas” 162).

As últimas linhas do conto contem uma mudança de estilo que reflete a mudança final

nas atitudes do Tomás. Durante o conto as escolhas de Tomás fazem com que ele rodeia a ideia

de sua morte, mas neste momento final do conto Tomás resolve ficar na sua morte e as vidas que

vão continuar sem ele. Na maioria do conto o Tomás as ruminações sobre as suas visões de

Lavínia e Roberto, suas lembranças, e a sua mortalidade são bem explicados pelo narrador

onisciente, no entanto neste momento o narrador não explica as ações de Tomás como tem

explicado no resto da história. O leitor assiste um momento decisivo novamente, mas desta vez

Tomás não está lutando, mas aceitando. De um segundo para outro Tomás decide devolver as

pérolas para a Lavínia. A autora fez esta mudança de propósito para que a sua mudança fique

mais obvio para o leitor. Ao analisar as modificações do texto feitas por Telles entre publicações

do conto o intento da autora se torna claro através de exclusões de várias palavras para melhor

refletir a claridade do Tomás. Resende explica no seu livro, Construções de Lygia Fagundes

Telles “o trecho revisado acentua o impacto do desfecho...o final mais curto...torna-se simbólico,

por parecer representar o estado da personagem, como se, à concisão de linguagem, estivesse

ligada a concisão no pensamento de Tomás, que não mais se perderia em suas conjecturas, mas

se renderia à realidade, ao palpável, à concretude dos acontecimentos ao que lhe parece

irremediável” (Resende 441). Devolver as pérolas não significa que Tomás acredita que alguma
coisa vai mudar, que o Roberto não vai ganhar a Lavínia, mas sim representa o final da sua luta

contra estes acontecimentos e por extensão, a sua própria mortalidade.

Talvez a linha mais ilustrativa do conto é a linha final: “Deixou que o fio lhe escorresse

por entre os dedos” (“As pérolas” 165). Esta imagem descreve e simboliza perfeitamente a

situação na qual Tomás se coloca. Mesmo que talvez Tomás não perceba isso, mas ele está

deixando a coisas a acontecerem a ele. Neste seu único momento de rebelião contra o que ele vê

como seu futuro inevitável, ele volta para o desespero e para a sua inação e, como em vários

momentos do conto, deixa que as suas visões se tornam realidade. “O fio escorrendo por entre os

dedos” poderia simbolizar o pouco tempo que Tomás tem nesta vida, como areia escorrendo

numa ampulheta. Novamente Tomás está deixando que este tempo continua passando sem

nenhuma tentativa de mudar nem usar este tempo para fazer algo significativo. Esta última linha

do texto reforça e incorpora a atitude de impotência conta o qual Tomás luta ao longo do conto.

Deixa claro que no final Tomás é consumido pela expectativa de sua morte e de perder a sua

mulher e sucumbe à que ele vê como um futuro irremediável.

Tomás e as suas escolhas são melhor entendidos dentro do contexto da literatura de Lygia

Fagundes Telles. Ela tem um estilo muito marcante que é descrito por Nancy Baden em

“Dictionary of Literary Biography” assim, “Telles’s protagonists often find themselves alone as

they react to their world and circumstances. They experience misunderstanding, conflict,

disillusionment, and deceit as their hope and plans come face to face with reality. Fear, death,

and fantasy are all part of these narratives. Conflicts are not happily resolved; rather, Telles’s

obsessive characters undergo a psychological self-analysis that maintains the narrative tension”

(364). O protagonista Tomás não é exceção desta descrição. No conto Tomás se sente sozinho e

usa suas visões para lidar com a realidade de sua morte iminente. O conflito envolve
profundamente a psique do protagonista e o descoberto de suas crenças verdadeiras sobre a

morte e seu destino.

Tomás é um homem protagonista quebrado usado por Lygia Fagundes Telles, uma

escritora feminista, para ilustrar o poder da escolha que todas as pessoas podem usar. Todas as

pessoas podem escolher, algumas escolhas têm opções variadas e amplas enquanto outras

escolhas parecem uma escolha entre mal e pior e Tomás se encontra em uma situação do último.

Durante o conto Tomás se convence que as suas escolhas são ineficazes porque não podem

mudar o rumo da sua vida. Ele se agarra às experiências de sua vida que mostram a sua

impotência diante do mundo e do destino em vez de buscar as suas experiências quando sim

conseguiu mudar a sua vida através de suas escolhas. O narrador não explica a doença de Tomás,

mas é completamente possível que poderia fazer algo para diminuir os efeitos da doença ou

prolongar a sua vida, mas não tem a crença em si mesmo para pelo menos tentar. A escolha de

deixar que a doença tomar a sua vida sem nenhum sinal de tentar conquistar a sua situação leva

Tomás no rumo de impotência pelo qual ele se resigna. Este conto é um apelo de lembrar do

poder do individuo e escolher a cada dia a melhorar o seu mundo.


Obras citadas

Baden, Nancy T. “Lygia Fagundes Telles.” Dictionary of Literary Biography, edited by Monica

Rector, vol. 307, Thomson Gale, 2005, pp. 363–368.

Lamas, Bernice Sica. “Antes Do Baile, Interlocuções Teóricas.” O Duplo Em Lygia Fagundes

Telles: Um Estudo Em Literatura e Psicologia, EDIPUCRS, 2004, pp. 19–20.

Oliveira, Katia. “O Cenário Exterior e o Cenário Interior.” A Técnica Narrativa Em Lygia

Fagundes Telles, Editora Da Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul, 1972, pp. 12–

13.

Resende, Nilton. “As Pérolas.” A Construção De Lygia Fagundes Telles, Editora Da

Universidade Federal De Alagoas, 2016, pp. 433–441.

Você também pode gostar