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MACHADO DE MELO
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
2
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
3
Banca Examinadora
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4
Dedicatória
À CELINA, por ter me ensinado, com seu jeito meigo e paciente, o que é amar e ser
amado, e por me permitir alcançar, ao seu lado, o sentido da felicidade a cada dia.
5
AGRADECIMENTOS
Para falar a verdade, sempre gostei dos agradecimentos que constam das
dissertações, teses e livros. Querendo ou não, neles estão, de fato, a história do
autor, o seu percurso até a consagração (e por que não, as causas do insucesso...)
de seu árduo trabalho. Confesso que relutei em fazê-los aqui. Mas o medo de não
tornar público este gesto de carinho e de reconhecimento, por mais paradoxo que
pareça, me fez tomar coragem. Antes de agradecimento, deve o leitor considerar
estas palavras parte de uma oração que, humildemente, faço por ter conseguido
chegar ao fim de mais este trajeto.
Também não posso deixar de agradecer meus queridos irmãos mais velhos,
Matheus e Rodrigo, que em cada gesto e a cada palavra de incentivo dão sentido à
família que nos une.
Por isso, agradeço a todos que passaram por ali, mas faço especial
agradecimento aos amigos Gilberto e Valéria. Foi com eles que passei grande parte
de minha vida profissional. Humildes funcionários, sempre me trataram com carinho
e me serviram com admirável dedicação, aturando pacientemente minhas rabugices
e manias, como fiéis ouvintes, em todo início do dia. Sem eles eu também não
estaria aqui.
Agradeço, ainda, pelo convívio com a amiga Maria Alice Zaratin Soares
Lotufo, exemplo de mulher, advogada, professora, minha confidente, incentivadora e
orientadora nas relações afetivas, suprindo a falta de minha mãe, que infelizmente
não pôde estar aqui durante todo o tempo. Agradeço também aos membros da
antiga formação do escritório, na pessoa de meus primeiros "chefes", Fernando
Sartori e Luciana Stocco Betiol, e hoje aos amigos Luiz Philipe Tavares Cardoso,
Juliana Maria Câmara e João Luís Zaratin Lotufo, pela paciência que tiveram comigo
na fase final deste trabalho.
Aos amigos Irineu Jorge Fava e Elcio Trujillo, ilustres magistrados, a quem
devo importante (e inesquecível) aprendizado, quando passei em estágio pela
Escola Paulista da Magistratura.
RESUMO
Por fim, retomadas as premissas dos estudos, serão dados subsídios para
interpretação das cláusulas contratuais gerais que, pelo caráter geral, abstrato e
rígido, impõe soluções que ultrapassam os interesses individuais das partes
diretamente atingidas, merecendo, portanto, uma interpretação típica, peculiar,
dados estes que fornecerão respaldo para compreensão e aplicação dos artigos 423
e 424 do Código Civil.
9
ABSTRACT
The present work focuses the study and separate systematization of the general
contractual clauses in the field of private law, providing subsidies for a greater
understanding and better application of the contracts in which they are included.
From the civil-constitutional point of view, and according to the recent theory of
contracts, it will search to place the start and the usefulness of the general
contractual clauses inside a historical context.
Despite there is no specific regulation in our country, the general contractual clauses
have been the subject of special laws in several countries. Starting from foreign
experiences, ways for controlling the general contractual clauses considered as
abusive will be presented, comparing the methods for administrative, judicial and
legislative repression existing in our country, especially in the Civil Code.
For a better understanding of the phenomenon, its independent and prior existence
as regards the adhesion contracts which will be formed, a study on the contractual
formation and the process of including the general contractual clauses in individual
contracts will be performed, indicating further the mechanisms for protection existing
in favor of the adherent in this stage.
Finally, after retaking the premises of the study, subsidies for interpretation of the
general contractual clauses which, for its general, abstract and rigid character,
impose solutions transcending the individual interests of the directly affected parties,
and deserving therefore a typical, peculiar interpretation shall be given, data which
shall serve as basis for understanding and applying articles 423 and 424 of the Civil
Code.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13
PARTE I – ASPECTOS ATUAIS DO DIREITO PRIVADO E DA TEORIA GERAL
DOS CONTRATOS. CONTEXTO HISTÓRICO E UTILIDADE DAS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS GERAIS .........................................................................................16
1 Premissas metodológicas para o estudo do direito privado e das cláusulas
contratuais gerais .................................................................................................16
1.1 Introdução ....................................................................................................16
1.2 O direito público e o direito privado ..............................................................17
1.2.1 O direito privado no curso da história: breves digressões .....................19
1.2.2 A chamada “publicização” do direito privado .........................................25
1.2.3 A crise da dicotomia público e privado ..................................................29
1.3 Lineamentos do direito civil constitucional ...................................................30
1.3.1 Rumos do direito privado e do direito civil constitucional.......................35
1.3.2 A utilidade da autonomia do direito privado...........................................35
1.3.3 O direito civil constitucional e o Código Civil de 2002............................39
1.4 O estágio atual da teoria geral dos contratos...............................................43
1.4.1 Os “novos” princípios do contrato ..........................................................49
1.4.2 Obrigação como relação jurídica complexa. Relevância para o estudo
dos contratos ..................................................................................................55
1.5 Contexto histórico do surgimento das cláusulas contratuais gerais: a
massificação das relações contratuais...............................................................58
1.6 As cláusulas contratuais gerais. utilidade.....................................................69
PARTE II – AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS ...........................................75
2 Características das cláusulas contratuais gerais ................................................75
2.1 Nota preliminar. elucidação terminológica....................................................75
2.1.1 Razões do uso do nome “cláusulas contratuais gerais” ........................75
2.1.2. Cláusulas contratuais gerais e contrato de adesão. Distinção .............79
2.2 Conceito .......................................................................................................83
2.2.1 Conceito ................................................................................................84
2.2.2. Descrições legais das cláusulas contratuais gerais..............................87
11
INTRODUÇÃO
Exemplo disso é que, das poucas obras monográficas ou artigos existentes sobre o
tema, nenhuma delas optou pelo tratamento geral das cláusulas contratuais gerais:
ora se dá enfoque ao estudo dos sistemas de controle, ora da abusividade das
cláusulas contratuais gerais ou, ainda, no caso dos trabalhos estrangeiros, restringe-
se ao comentário das leis que regulam as cláusulas contratuais gerais em um dado
país. Nos trabalhos sobre os contratos de adesão, é dada ênfase à formação e ao
estudo dos contratos individuais, mas nenhuma atenção às cláusulas contratuais
gerais que os compõem.
O tema é extremamente rico e amplo, mas pouco explorado pela doutrina nacional.
Por isso, estando certo da dimensão do tema, aceitou-se o desafio de um estudo
geral das cláusulas contratuais gerais, tendo como parâmetro não o Código de
Defesa do Consumidor, mas as relações civis, empresariais e o Código Civil de
2002.
Por essa razão, além da contextualização histórica das cláusulas contratuais gerais,
a primeira parte do trabalho (Parte I) volta-se, propositadamente, à fixação das
diretrizes civis-constitucionais para o estudo dos contratos, que permitirão a melhor
compreensão dos subsídios teóricos de interpretação e de caracterização das
cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas.
Por sua vez, a segunda parte do trabalho (Parte II) tem como enfoque o estudo das
cláusulas contratuais gerais propriamente ditas, suas notas características, sua
distinção com os contratos de adesão e institutos afins, sua natureza jurídica
(Capítulo 2). Ainda nessa parte, posteriormente, serão indicados os pontos básicos
do tratamento das cláusulas contratuais gerais na Comunidade Européia (Diretiva n.
13/1993), na Itália, bem como na Alemanha, Inglaterra, França, Suécia, Portugal,
Peru e Espanha (Capítulo 3), que, diferentemente do Brasil, contemplam um
tratamento legislativo específico sobre o tema, fornecendo importantes subsídios
para interpretação e aplicação do instituto em nosso sistema.
A terceira parte do estudo (Parte III) volta-se ao estudo da patologia das cláusulas
contratuais gerais, ou seja, da sua abusividade. Logo no Capítulo 4, serão
estudadas as características dos métodos de repressão administrativa, judicial e
legislativa das cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas existentes no
direito estrangeiro e, posteriormente, as características desses controles em nosso
país, dando especial atenção aos subsídios para contenção da abusividade
existentes no Código Civil de 2002 que, ao contrário do Código de Defesa do
Consumidor, não dispõe de um elenco de cláusulas consideradas abusivas.
O tema não tem interesse apenas teórico, uma vez que o Código Civil, que
consagrou expressamente nos seus artigos o princípio da boa-fé objetiva e da
função social do contrato, deixou de trazer um regramento sistemático para o
problema das cláusulas contratuais consideradas abusivas. Por isso o trabalho
busca cuidar do problema das cláusulas abusivas especificamente no Código Civil,
excluindo-se do tema do trabalho a regulação de clausulas abusivas feitas para a
proteção do consumidor, que recebem tratamento especial no Código de Defesa do
Consumidor.
No Código Civil, o único artigo que trata, especificamente, do assunto é o art. 424,
pelo qual, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. O que se
pretende demonstrar é como os princípios contratuais da boa-fé objetiva, da função
social e do equilíbrio contratual – que não está expresso no Código Civil – podem
ajudar no trato do tema das cláusulas contratuais gerais abusivas.
PARTE I
ASPECTOS ATUAIS DO DIREITO PRIVADO E DA TEORIA GERAL DOS
CONTRATOS. CONTEXTO HISTÓRICO E UTILIDADE DAS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS GERAIS
1
PREMISSAS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DO DIREITO PRIVADO
E DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
1.1 INTRODUÇÃO
Nesse contexto, surge o chamado direito civil constitucional, que altera o enfoque do
estudo do direito privado centralizado única e exclusivamente no Código Civil,
passando a ter como fonte de incidência direta a Constituição Federal, e que terá
especial importância na sua interpretação e no seu desenvolvimento.1
1
LARENZ, Karl. Derecho Civil – Parte General. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1978. p.
96-97.
17
direito civil.2 O direito civil constitucional nunca esteve tão vigoroso e inabalável,
apesar das críticas infindáveis, servindo de importante vertente metodológica
indispensável para interpretação e aplicação das cláusulas contratuais gerais, razão
de ser deste trabalho.
A distinção entre direito público e direito privado representa uma das mais antigas
dicotomias do Direito. Segundo TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., tratando-se de
lugares comuns, essas noções também não são logicamente rigorosas, são apenas
pontos de orientação e organização coerentes da matéria, que envolvem, por isso
mesmo, disputas permanentes, suscitando teorias dogmáticas diversas, cujo intuito,
na verdade, é conseguir o domínio mais abrangente e coerente possível dos
problemas.3 Normalmente, essa distinção é feita pelos mais variados critérios, que,
na maioria das vezes, são controvertidos.4
2
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Dogmática de direitos fundamentais e direito privado. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003. p. 339. Vale aqui as indagações sugeridas por ERIK FREDERICO
GRANSTRUP: "Um sem-número de jovens civilistas – acompanhado de um número não tão
pequeno de veteranos – tem experimentado as trilhas do direito civil constitucional, ocasionando a
pergunta que intitula este trabalho. Indaga-se, por ocasião, se isto seria uma nova disciplina, uma
nova especialidade, ou até se afirma, levianamente, que se estaria diante de mero modismo
intelectual. Parece-nos que a curiosidade incitada pela pergunta, bem como a necessidade de dar
resposta adequada às reações superficiais, são motivos suficientes para dedicar um esforço
explicativo". GRANSTRUP, Erik Frederico. Um exercício de direito civil constitucional. In: Temas de
dissertação nos concursos da magistratura federal. Estudos em homenagem ao Professor
Benedicto Celso Benício. São Paulo: Editora Federal, 2006. p. 81.
3
FERRAZ, Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao estudo do Direito – técnica, decisão e dominação.
São Paulo: Atlas, 1991. p. 131. Destaca ainda o autor: “A distinção entre o direito público e privado
não é apenas um critério classificatório de ordenação dos critérios de distinção dos tipos
normativos. Com sua ajuda pode-se, é verdade, classificar normas, com seus diferentes tipos, em
dois grandes grupos. O interesse da classificação, porém, é mais extenso. A distinção permite uma
sistematização, isto é, o estabelecimento de princípios teóricos, básicos para operar as normas, de
um ou de outro grupo, ou seja, princípios diretores no trato com as normas, com as suas
conseqüências, com as instituições que elas se referem, os elementos congregados em sua
estrutura. Estes princípios decorrem, eles próprios, do modo como a dogmática concebe o direito
público e privado. E este modo, não podendo ter o rigor de uma definição, é, de novo, tópico,
resulta da utilização de lugares comuns, de pontos de vista formados historicamente e de aceitação
geral”.
4
Ulpiano, em Roma, referiu pela primeira vez a distinção, ao apontar a existência de duas
perspectivas possíveis para o estudo do direito: a primeira concernente ao modo de ser do Estado
romano (normas sobre a organização política e religiosa do Estado), a segunda relativa aos
interesses privados. Apesar de os romanos conhecerem, portanto, a distinção entre o público e o
privado, ela só viria a adquirir grande interesse após o advento do Estado de Direito: “Até então, o
direito privado evoluíra muito e constantemente, enquanto o direito público se mantinha como
categoria de pouca relevância, seja porque este último flutuou demais (pense, por exemplo, na
diferença radical entre as regras que regularam o poder político na Idade Média e no Absolutismo),
seja porque encerrava pequeno arsenal de normas (no período absolutista, por exemplo, tudo se
18
reduzia, em última análise, à regra de que o poder do Estado era ilimitado e devia ser acatado). A
doutrina propôs diversos critérios; entre eles, o do sujeito e do interesse. Pelo primeiro, direito
público é aquele que tem por sujeito o Estado, enquanto o privado é o que rege a vida dos
particulares. Eu nada tenho contra esse critério, que define com razoável precisão o campo de
aplicação do direito público. Mas não basta o jurista conhecer o campo de incidência do direito
público, necessita, sobretudo saber das características dele. Caso contrário, de que adiantaria
saber que o direito público é o que rege as relações envolvendo o direito privado? [...] De acordo
com esse critério – o do interesse – seriam públicas as normas que tutelam interesses públicos e
privadas as normas que regulam os interesses privados. Posto desse modo, há uma insuficiência
séria nesse critério: ele não resolve o problema, apenas o transfere. Por ele, a dificuldade deixa de
ser a diferença entre direito público e direito privado e se transfere para a distinção entre interesse
público e privado. Realmente, sabendo que o direito público regula os interesses públicos, teremos
que descobrir como apartá-los dos interesses privados! A doutrina, a partir daí, costuma se desviar,
pondo-se a discutir, de acordo com a visão de cada pensador e se esquecendo completamente das
normas jurídicas, o que é interesse público e o que é interesse privado: um dirá que interesse
público é o que afeta toda a sociedade e não o indivíduo isoladamente, outro que o interesse
público afeta preponderantemente a sociedade, embora possa interessar indiretamente ao
indivíduo. Perceba, no entanto, que tais propostas de discriminação não partem de qualquer
elemento sacado do direito positivo, mas sim de noções estranhas a ele; por isso, não têm
serventia para a ciência do direito”. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do direito público. 3. ed.
São Paulo: Malheiros, 1997. p. 129-130.
5
A base de toda a construção sobre a dicotomia entre direito público e privado advém do trecho de
Ulpiano no Digesto (1.1.1.2): Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod
ad singulorum utilitatem (Em tradução livre: O direito público diz respeito ao estado da coisa
romana, à polis ou civitas; o privado, à utilidade dos particulares).
6
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.
53.
19
privado seria caracterizado pela proteção que oferece aos interesses privados e o
direito público, pela proteção oferecida aos interesses coletivos.7
Contudo, nem esses critérios não estão isentos de críticas. É cada vez mais visível
que nas relações jurídicas entre privados nem sempre as partes se encontram em
posição de igualdade, o que levou o direito a criar novos microssistemas justamente
para proteger a parte tida como hipossuficiente. E sabe-se que nem sempre o
Estado se relaciona com os sujeitos privados sob a forma de subordinação, pois,
percebendo sua incapacidade para atuar diretamente em todas as áreas em que
modernamente passa a intervir, cada vez mais o Estado transfere suas atividades à
iniciativa privada, mediante concessões, autorizações ou delegações de algumas de
suas funções, sendo que as relações que surgem entre os entes envolvidos são
presididas mais por um sentido de coordenação que propriamente por um de
subordinação.8 Assim, nessas breves linhas, percebe-se que a diferenciação não
pode mais ser feita aleatoriamente, pela simples eleição de critérios que nem
sempre representam a realidade, ganhando esta divisão mais ares de utilidade do
que, propriamente, de cientificidade.
7
BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Brasília: Ed. UNB, 1984. p.
83.
8
NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p.
14, nota 5.
9
ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense/Edusp, 1981. p. 31.
20
No início do século XVIII, ocorre a mais intensa divisão entre público e privado. O
direito público passa a ser visto como ramo do direito que disciplina as atividades do
Estado, sua estruturação e seu funcionamento, ao passo que o direito privado busca
a regulamentação, as relações entre os entes privados, que passa a ter todo o seu
arcabouço normativo nas grandes codificações. O direito privado ganha autonomia
no momento das grandes codificações civis, cujo marco, sem qualquer sombra de
dúvida, foi a Revolução Francesa. A Revolução tem como principal bandeira o
rompimento com a monarquia e a nobreza, com o clero e, além disso, é contra a
magistratura francesa. Segundo RENAN LOTUFO, o povo não mais aceitava que o
Direito favorecesse só a nobreza, porque, inexistindo um sistema de legislação
nacional, os juízes, sendo locais, sofriam a influência do seu meio e decidiam no
mais das vezes de acordo com a praxe e o costume, evidentemente favoráveis ao
status quo então vigente na França.11
10
NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado.
p.16
11
LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo
Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 22.
21
A liberdade era entendida como algo inato a todo ser humano, livre para contratar
como e com quem quiser.12 O direito privado passou a ser o centro dos interesses,
exatamente por representar o expurgo do Estado Absoluto.
12
LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo
Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. p. 22-23.
13
“O Code Civil exerce forte impacto em diversas legislações. Em primeiro lugar, nos países tocados
pela conquista napoleônica ou dos seus irmãos (Países Baixos, Itália, Espanha), ele afirmou-se ou
serviu de modelo dos ulteriores códigos civis e comerciais, sobretudo na Itália (1865 a 1940), da
Espanha, de Portugal, dos Estados latino-americanos, mesmo na Lousiana, este último caso
servindo de testemunho digno de nota de codificação do tipo continental nos Estados Unidos da
América; depois, na Bélgica, Luxemburgo, Holanda (por último em 1883); no fim do século XIX,
com a derrocada do império otomano, também nos Bálcãs (Romênia 1865) e no Próximo Oriente
(Egito, por volta de 1875/6). Ao lado do Code Civil a maior parte dos outros códigos napoleônicos
foi adaptada integralmente com ligeiras adaptações. Só a pandectística e os dos modernos códigos
da <família jurídica alemã> que daqui provieram (o BGB de 1900 e o ScwZGB de 1907/11) fizeram
parar e eventualmente recuar a expansão do Code Civil, sobretudo na Europa do sueste (Hungria,
Grécia, Turquia), no Extremo Oriente (China, Japão, Sião) e em alguns Estados sul-americanos. A
Itália, pátria da ciência jurídica européia, constitui, neste plano, um caso especial. O Códice Civile
22
Viu-se até aqui que o individualismo é o valor a ser prestigiado, como reação natural
ao período estamental que caracterizou a era medieval, em que o valor do indivíduo
estava ligado não a suas características e seus méritos pessoais, mas ao estamento
social em que estava integrado. Enquanto a liberdade dos antigos permitia ao
cidadão intervir no espaço público, a liberdade, nessa época, significa a livre
movimentação no espaço econômico-privado.
italiano de 1865, fruto do movimento de unificação nacional, foi essencialmente copiado do Code
Civil, cuja moldura jurídica e política se aparentava expressamente a Itália unificada. Pelo contrário,
a florescente civilística italiana juntamente com a pandectista alemã inclinava-se muitas vezes para
uma interpretação e um desenvolvimento histórico-romanístico que ultrapassavam cada vez mais o
tipo francês no sentido da orientação típica da pandectista. No Codice Civile de 1942 esta evolução
rematou-se num certo sentido. No entanto, esta nova codificação manteve-se ainda a ligação com
a tradição legislativa do rissorgimento e da unificação nacional. Então, a ligação do direito civil
italiano com a família jurídica francesa é garantida pela comunidade latina e pela consciência
política da Revolução Francesa, que se tornou também na primeira revolução italiana; a sua
ligação com a família alemã é mantida pela influência sempre forte da ciência pandectista do séc.
XIX”. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Lisboa:Fundação Calouste
Gulbenkian, 1980. p. 395.
14
Aponta FRANZ WIEACKER: “O positivismo da ciência jurídica do século XIX tinha, com a formação
de um sistema fechado de direito privado e de uma teoria geral do direito civil, não apenas imposto
pela primeira vez no direito positivo as exigências metodológicas do jusracionalismo, mas tinha ao
mesmo tempo exprimido do ponto de vista espiritual a imagem jurídica da sociedade civil de seu
tempo. O direito privado e a teoria geral do direito civil tornaram-se assim em modelos mesmo para
as restantes disciplinas da ciência jurídica, nomeadamente para o direito penal e para o direito
político”. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. p. 628.
15
Citando Laband e Otto Von Gierke, KONRAD HESSE aponta que: “En el ámbito del Derecho
Político retornan numerosos conceptos cuya determinación científica se producido en el campo del
Derecho Privado, pero que, de acuerdo con su esencia, no son conceptos del Derecho Privado,
sino conceptos generales del Derecho. Sólo necesitan, en efecto, ser depurados de las notas
distintivas especificadamente jurídico-privadas. Para in correcto entendimiento de esto último, la
simple transposición de conceptos y reglas jurídico-civiles a las relaciones de Derecho Político
ciertamente no resulta provechosa. La ciencia del Derecho Privado ha cobrado en líneas generales
tanta ventaja sobre todas las demás disciplinas jurídicas que éstas no han de recatarse en
aprender de su hermana mayor, con la actual situación de la literatura del Derecho Político, y
especialmente del Derecho del Reich, es mucho menos de temer que termine resultando
demasiado civilística a que sea ajurídica y se hunda al nivel de los comentarios políticos de
ocasión. Sin duda, los conceptos generales del Derecho se han desarrollado prefentemente en el
Derecho privado”. HESSE, Konrad.Derecho constitucional y derecho privado. Madrid: Civitas,
1995. p. 43.
23
16
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
1999. p. 128.
17
BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. 3. ed. São Paulo: Ed. Globo, 1955. v. 2.
p. 595.
18
BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 596
19
Acerca dessa concepção liberal e individual no direito dos contratos, comenta ENZO ROPPO: “I
principi ideologici cui facciamo riferimento si possono ricondurre ad una sola idea: l`idea della
libertà di contratto. In base ad essa, si affermava che la conclusione dei contratti, di ogni contratto,
doveva essere una operazione assolutamente libera per i contraenti interessati: dovevano essere
questi, nella loro individuale sovranità di giudizio e di scelta, a decidere se stipulare o non stipulare
un certo contratto, a stabilire se concluderlo com questa o com quest`altra controparte, a
determinare in piena autonomia il suo contenuto, obserendovi queste o quelle clausole, pattuendo
questo o quel prezzo. I limiti ad una tale libertà si concepivano come esclusivemente negativi, come
puri e semplici divieti”. ROPPO, Enzo. Il Contratto. Società editrice il Mulino, 1977. p. 31.
24
Cabia ao Código, do ponto de vista formal, prever a atuação dos sujeitos de direito
(contratante e proprietário) que nada mais queriam senão aniquilar os privilégios
feudais. Até então, não havia interferência do direito público no direito privado,
assumindo o Código Civil brasileiro o papel de estatuto único e monopolizador das
relações privadas.21
20
Segundo GUSTAVO TEPEDINO: “Afirmava-se significativamente – e afirma-se ainda hoje nos
cursos jurídicos – que o Código Civil brasileiro, como os outros códigos de sua época, era a
Constituição do direito privado. De fato, cuidava-se da garantia legal mais elevada quanto à
disciplina das relações patrimoniais, resguardando-se contra a ingerência do Poder Público ou de
particulares que dificultassem a circulação de riquezas. O direito público, por sua vez, não
interferiria na esfera privada, assumindo o Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e
monopolizador das relações privadas. O Código almejava a completude, que justamente o deveria
distinguir, no sentido de ser destinado a regular, através de situações-tipo, todas os possíveis
centros de interesse jurídico de que o sujeito privado viesse a ser titular”. TEPEDINO, Gustavo.
Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 1999. p. 2-3.
21
Dúvida não há de que a cultura francesa exerceu marcante influência em nosso país, sendo
corrente o ensino da língua francesa nos cursos secundários e superiores. Essa influência, no
campo do direito, fez com que sofrêssemos forte influência da escola da exegese, que leva o
Código Civil ao centro das relações privadas. Nesse sentido, LOTUFO, Renan (Coord.).
Apresentação. Direito civil constitucional. Caderno 1. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 8.
22
Previu o artigo 544 do Code Napoleon de 1804: “La proprieté le droit de jouir et disposer de choses
de la manière le plus absolue”. No mesmo sentido, o art. 436 do Códice Civile de 1865: “La
25
proprietà e il diritto di godere e disporre della cosa nela maniera piú absoluta”. Sobre a nova
configuração desses institutos, ver item 3.2 infra.
23
Sobre ordem pública econômica e ordem pública social como limitadoras da autonomia privada no
interesse geral, ver: SAVATIER, Renè. La théorie des obligations en Droit Privè Économique. 4. ed.
Paris: Dalloz, 1979. p. 116 e seguintes. (item 116).
26
24
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987, p. 25. Apud NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a
constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos
fundamentais e direito privado. p. 22.
25
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 5.
26
Em outro trabalho, NORBERTO BOBBIO destaca a importância da Declaração dos Direitos do
Homem para todos os ordenamentos do mundo: “Direitos que foram declarados absolutos no final
do século XVIII, com a propriedade sacre et inviolable , foram submetidos a radicais limitações nas
declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer
mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas
recentes declarações. [....] Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal
representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de
27
Lembra RENAN LOTUFO que quase todos os países do mundo, nesse período,
continuaram tendo os seus códigos, cujos textos eram anteriores a essa
remodelação trazida pelas constituições, sendo que:
Percebe-se, portanto, que a clássica noção de direito privado foi sendo, aos poucos,
superada. Defronte tantas alterações, direito privado e direito público tiveram seus
significados originários modificados: o direito privado deixou de ser,
necessariamente, o âmbito da vontade individual e o direito público não mais se
inspira na subordinação do cidadão.28
Outro fenômeno observado no direito privado foi que, ao lado dos códigos, as
legislações extravagantes tornaram-se mais freqüentes, retratando a intervenção do
legislador em uma nova realidade econômica e política no âmbito das relações
princípios fundamentais da conduta humana foi livre expressamente aceito, através de seus
respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um
sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na
medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da
comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado.” BOBBIO, Norberto. A era
dos direitos. São Paulo: Ed. Campus, 1992. p. 18.
27
LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil. In: SARLET, Ingo Wolgang. O novo Código
Civil e a Constituição, 2003. p. 21.
28
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. In: Revista de Direito
Civil, São Paulo, RT, n. 65, p. 27, 1993.
28
privadas. Surge a “era dos estatutos”, em que o legislador retira da principal lei civil
setores inteiros da atividade privada, estabelecendo diplomas setoriais, cada um
deles com vocação universalizante, autônoma e própria, disciplinando
exaustivamente inteiras matérias extraídas da incidência do Código Civil (Estatuto
da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Locações
etc.).29 Percebe-se que o direito privado perde a cômoda unidade sistemática, e a
liberdade, paradigma de tempos anteriores, abre espaço para outro princípio
fundamental: a igualdade.30
29
Como destaca GUSTAVO TEPEDINO, esses “estatutos” possuem peculiares características: em
primeiro lugar, destaca que essas legislações são de “objetivos”, indo muito além do que a simples
garantia de regras aplicáveis aos negócios, valendo-se muitas vezes de estabelecer as chamadas
“cláusulas gerais”, afastando-se da “técnica regulamentar” do Código. Em segundo lugar, percebe-
se que a linguagem passa a ser menos jurídica e mais setorial, atendendo as exigências
específicas (ex.: questões de informática, novas operações contratuais) trazendo muitas vezes
dificuldades para o intérprete. Em terceiro lugar, destaca que o legislador, além de reprimir ou
coibir certas práticas indesejadas, adota uma técnica de incentivo de comportamento, para com
isso atingir os objetivos propostos por tais leis, revelando um novo papel, o que Norberto Bobbio
chamou de “a função promocional do direito”. Em quarto, destaca que o legislador não mais cinge-
se em regular situações patrimoniais, sendo que na esteira do texto constitucional o legislador cada
vez mais condiciona a proteção das situações contratuais ou situações jurídicas tradicionalmente
disciplinadas sob a ótica exclusivamente patrimonial ao cumprimento de deveres não patrimoniais.
E em quinto lugar, aponta que aquele legislador do Código Civil que legislava de maneira geral e
abstrata, tendo em mira o cidadão comum, dá lugar a um legislador-negociador, com vocação para
a contratação, que produz a normatização para determinados grupos (locador e locatário,
fornecedores e consumidores etc.). TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 8-9.
30
Repor a igualdade no centro da reflexão liberal foi uma das façanhas de JOHN RAWLS, professor
da Universidade de Harvard, autor de uma das obras de filosofia política mais provocantes dos
últimos 40 anos. RAWLS gastou cerca de 20 anos para desenvolver as idéias de Uma teoria da
Justiça e mais 20 para debatê-las, mastigar as críticas e remontar sua concepção de sociedade
bem ordenada. A idéia de uma sociedade pluralista bem ordenada exige, segundo o autor de
Harvard, a noção de justiça como eqüidade (fairness), onde a idéia de promoção da igualdade ao
lado da liberdade encontra-se tão bem explicada. RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. Brasília:
Ed. UNB, 1981. p. 27 e ss. e 159-197.
29
Tem-se que a distinção entre direito público e direito privado, segundo alguns
autores, está em crise.31 Em uma sociedade como a atual, torna-se difícil
individualizar um interesse exclusivamente privado, autônomo, independente,
isolado do interesse público.
[...] daí a inevitável alteração dos confins entre o direito público e o direito
privado, de tal sorte que a distinção deixa de ser qualitativa e passa a ser
meramente quantitativa, nem sempre se podendo definir qual exatamente é
32
o território do direito público e qual o território do direito privado.
Mas há de se destacar que esse fenômeno não foi somente percebido pelos
privatistas, ao contrário do que se pensava. Como comenta ADILSON DALLARI,
essa interpenetração também é sentida pelos publicistas, que percebem a forte
influência do direito privado sobre certos institutos do direito público, até então vistos
como intocáveis:
[...] pode-se falar até numa equiparação entre Direito Público e o Direito
Privado, eliminado o preconceito decorrente de uma antiqüíssima tradição
privatística, no sentido de ser o direito privado um direito civil modificado,
diferente, excepcional. Com o reconhecimento de que o Direito Público tem
fundamentos e princípios próprios, autônomos, que nada têm a ver com o
Direito Privado, provavelmente ficará mais clara a percepção de que ambos
os campos do conhecimento e de atuação possuem raízes comuns, que
33
estão na teoria geral do direito.
31
PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. 3. ed. Nápoles: Edizioni
Scientifiche italiane, 1994. p. 111.
32
PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. 3. ed., p. 124. No mesmo sentido:
TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In:
Temas de direito civil. p. 19.
33
DALLARI, Adílson Abreu. Emancipação do direito público no Brasil. In: Perspectivas do direito
público – estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p.
104. No mesmo sentido, ver: COUTO E SILVA, Almir. Os indivíduos e o Estado na realização das
tarefas públicas. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, RT, n. 209, 1999.
30
A grande questão nos dias atuais é saber se esta chamada “crise” possui o condão
de gerar o total aniquilamento do direito privado e, mais especificadamente, do
direito civil. A nosso ver, apesar dessa nova leitura, o direito privado se mantém
intacto e, pelo próprio comando constitucional, deve ser preservado, eis que a sua
tutela representa a própria tutela dos direitos individuais e a consecução prática dos
direitos fundamentais previstos no Texto Maior.
34
HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho Privado. p. 48.
31
35
O art. 1.º da Lei Fundamental contém um imperativo incondicionado: respeitar a dignidade da
pessoa humana e, no art. 2.º, atribui-se a cada qual o direito de desenvolver livremente a
personalidade dentro de certos limites. Ambos princípios estão de acordo com o chamado
personalismo ético no qual forma o fundamento ideológico do Código Civil alemão.
36
HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p.65.
37
Segundo KARL LARENZ, sem dúvida o mais notável civilista contemporâneo, já em sua época
sustentava que a Lei Fundamental da República da Alemanha tem especial importância na
interpretação e desenvolvimento do direito privado, eis que esta não se limitou a regular a
organização do Estado, mas também contém, na parte dos direitos fundamentais e em outras
seções, princípios jurídicos gerais que vinculam os Tribunais eis que direito de vigência imediata.
As leis ordinárias que estejam em contradição com o princípio de status constitucional carecem de
validade, eis que não podem ser interpretados conforme a Constituição. E de acordo com isso, os
Tribunais terão que retificar as interpretações anteriores em desconformidade com os princípios da
constituição, e as próprias lacunas só poderão ser eliminadas de acordo com esta. LARENZ, Karl.
Derecho civil – Parte General. p. 96-97.
32
38
FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. Los principios generales del derecho y su formulación
constitucional. Madrid: Civitas, 1990; PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada.
Coimbra: Almedina, 1982; FRANGI, Marc. Constitution et droit privè: les droits individeels et les
droits economiques. Paris : Economica, 1992 ; KAYSER, Pierre . La protection de la vie privée par
le droit. 3. ed. Paris : Economica, 1998 ; BALDASSARE, Antonio. Diritti della Persona e Valori
Costituzionali. Torino: G. Giappichelli Editore, 1995.
39
NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p.
22.
33
Embora esse fato pareça algo irrelevante para muitos, os novos estudos da
civilística moderna não trataram tal dado como mero detalhe formal, mas como um
evidente atestado ideológico solidificado pelo constituinte originário, momento em
que deixou claro que os princípios fundamentais e os direitos inerentes à pessoa
humana deverão ser sempre antepostos (e nunca pospostos) às demais regras
constitucionais, precedendo às regras de organização do próprio Estado. Cumpre
relembrar o que expõe PENSOVECCHIO LI BASI, catedrático da Universidade de
Milão, para quem o interprete não deve esquecer que a Constituição contempla as
opções fundamentais de um dado sistema jurídico, devendo o intérprete atentar
40
FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 178-179.
41
FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 179. Da mesma forma para
PIETRO PERLINGIERI, que afirma que o direito civil constitucional não só se apresenta como um
novo estágio, mas “quale resultato non solamente di una rilettura del codice civile e delle norme in
genere alla lucce dei princípi costitucionali ai quali, com è noto, è riservato un rango superiore, ma
anche del superamento della presunta contrapposizione tra norme giuridiche contenute nei codici e
princípi politici contenuti nella Carta Costituzionale”. PERLINGIERI, Pietro. Scuole tendenze e
metodi. Problemi del diritto civile. Napoli: Edizioni Scientifiche italiane, 1989. p. 84.
42
Não é por mera coincidência que os direitos individuais, quando previstos nas Constituições
brasileiras, vieram tratados somente nos artigos finais do texto. Somente em 1988 esses
dispositivos foram antepostos aos artigos de estruturação do Estado, sendo um evidente atestado
ideológico, mostrando que os direitos do ser humano não podem mais ser relegados ao segundo
plano.
34
43
LI BASI, Pensovecchio. L´interpretazione delle Norme Costituzionali. Milão: Giuffrè, 1972. p. 62.
(Tradução livre).
44
Percebendo o fenômeno no direito privado francês, segundo BERTRAND MATHIEU, “la
constitutionnalisation du droit civil et la <<civilisation>> du droit constitutionnel sucitées par la
jurisprudence du Conseil constitutionnel, développées par la doctrine, nécessitent aujourd’hui leurs
prises em compte tant par lês avocats que par lês juges dans leur pratique quotidiennne. Qu’ils
goûtent à ce vin nouveau!” MATHIEU, Bertrand. Droit constitutionnell et droit civil. Revue
trimestrielle de droit civi, Paris, Sirey, p. 65, jan./mar. de 1994.
45
“La preminenza della Costituzione nella gerarchia delle fonti del diritto italiano ha un duplice
significato. Da un primo punto di vista, la preminenza della Costituzione consiste nella funzione di
legitimare i publici poteri ed anche di diciplinare la validità dell’attività legislativa. Da altro e più
ampio punto de vista, la preminenza della Costituzione consiste nel fatto che essa esprime i princìpi
dell’ordinamento giuridico, proclamando i diritti e i doveri fondamentali dei cittadini e dei gruppi
sociali e delineando le strutture organizzative pubbliche. Perciò la Costituzione esprime la parte
generale di tutto il diritto e cosi anche del diritto privato. Infatti le disposizioni circa i diritti e i doveri
fondamentali dei cittadini e dei gruppi sociali non riguardano i solo i rapporti fra i cittadini e lo Stato,
ma anche i rapporti dei cittadini fra loro”. TRIMARCHI, Pietro. Istitituzioni di diritto privato. 13. ed.
Milano: Giuffrè, 2000. p. 26.
35
Segundo alguns autores, a dicotomia entre direito público e direito privado está em
crise; para nós, no entanto, isso não quer dizer que sob os planos científico e
sistemático o direito privado não mereça um tratamento particularizado. E, ainda, se
existe efetivamente essa suposta “crise”, isso não pode significar que todos os
preceitos privados se encontram publicizados, eis que, se assim fosse, não haveria
crise, mas total superposição do direito público sobre o direito privado. 47 Essa noção
é de suma importância para uma correta compreensão do fenômeno das cláusulas
contratuais gerais, bem como dos sistemas de controle e de sua abusividade.
46
REALE, Miguel. Visão Geral do novo Código Civil. In: Novo Código Civil brasileiro. Estudo
comparativo com o Código Civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e
extravagante. 3. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 13.
47
Também é falsa a idéia de publicização do direito privado. Em ácida crítica a esse suposto
fenômeno, são oportunas as palavras de MICHELE GIORGIANNI, professor emérito da
Universidade de Roma: “assiste-se, assim, ao lento declínio da concepção, própria da publicística
do final do século XIX, da supremacia do Direito Público sobre o Direito Privado, a qual cede a
formulações menos extremadas ou mais agnósticas, enquanto se fazem cada vez mais insistentes
e menos tímidas as tentativas de reavaliação da autonomia privada. Nisto, aliás, se deveria
perceber uma ulterior contradição com o afirmado clima de ‘publicização’ do Direito Privado, se não
se tratasse de dois fenômenos que se movem sobre dois planos diversos, como vimos acima. Em
particular, aquela reavaliação da autonomia privada constitui simplesmente uma manifestação de
alinhamento à reação generalizada contra o positivismo normativista”. GIORGIANNI, Michele. O
direito privado e as suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, v. 747, p. 55, jan.
1998.
36
48
BARROS DIAS, José Joaquim de. Direito civil constitucional. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Direito
civil constitucional. Caderno 3. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 53.
49
NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado,
p.46.
50
“A adjetivação atribuída ao direito civil, que se diz constitucionalizado, socializado,
despatrimonializado se por um lado quer demonstrar apenas e tão-somente a necessidade de sua
inserção no tecido normativo constitucional e na ordem pública sistematicamente considerada,
preservando, evidentemente, a sua autonomia dogmática e conceitual, por outro lado poderia
parecer desnecessária e até errônea. Se é o próprio direito civil que se altera, por que adjetivá-lo?
Por que não apenas ter a coragem de alterar a dogmática, pura e simplesmente? Afinal, um direito
civil adjetivado poderia suscitar a imprevisão de que ele próprio continua como antes, servindo os
adjetivos para colorir, com elementos externos, categorias que, ao contrário do que se pretende,
permaneceriam imutáveis. Há que se advertir, no entanto, desde logo, que os adjetivos não
poderão significar a superposição de elementos exógenos do direito público sobre conceitos
estratificados, mas uma interpenetração do direito público e direito privado, de tal maneira a se
reelaborar a dogmática do direito civil”. TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a
constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil, p.22.
51
“Si, por el contrario, la expresión adoptada fuese la de <Derecho constitucional civil> se supondria,
gramaticalmente hablando, que su contenido material lo recibe del <Derecho constitucional> y que
lo <civil> arroja una connotación de complementariedad, delimitadora de aquél. Conceptualmente
no es así. El Derecho civil constitucional es, ante todo, Derecho civil y, desde luego, no es Derecho
constitucional, aunque figure integrado en la Constituición; de outra parte, no toda la Constitución
constituye el obeto del Derecho constitucional. FLÓREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil
constitucional. p. 184.
37
acabada? Obviamente, não. O direito privado mantém sua vitalidade, devendo ser
considerado um setor jurídico próprio e irrenunciável, fundamental para preservação,
concretização e desenvolvimento da personalidade humana.
Mesmo com a mudança de enfoque, o direito privado não perde a sua autonomia
estrutural, mas, dentro dessa nova perspectiva constitucional, ganha força e
vitalidade para progredir em direção a um novo rumo.
Isso não significa que se deve resgatar o direito civil do século passado. Aqui, a
preservação tanto do direito público quanto do direito privado encontra suas
limitações no próprio sistema constitucional, que continua sendo o feixe de
incidência sobre as relações privadas autonomamente consideradas.
52
HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p. 74-75.
38
Dessa forma, nem tanto pela hierarquia normativa, mas também sob o aspecto
prático, o Texto Constitucional torna-se meio para o desenvolvimento do direito
privado.53
53
HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p. 83.
54
RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003. p. 141-142.
39
55
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2003. p. 34.
56
HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p.87-88.
40
Constituição ocupa o topo da hierarquia das normas, e tudo que contrariá-la deverá,
ao menos em tese, ser abolido do sistema.
Não se quer aqui desqualificar o papel do Código Civil de 2002 na vida dos cidadãos
comuns. É bem verdade que um Código, tal como o vigente, apenas favorece a
realização dos preceitos constitucionais, servindo as cláusulas gerais de porta de
entrada para os valores constitucionais dispostos no ordenamento. Tudo isso,
57
Este quarto princípio é acrescentado por RENAN LOTUFO.
58
Na fase final de tramitação do então Projeto do Código Civil, em razão do descompasso entre
algumas regras do projeto e o Texto Constitucional o Congresso brasileiro editou, em 28 de janeiro
º
de 2000, a Resolução n. 1 de 2000, que deu a seguinte redação ao art. 139-A, § 1 , de 1970-CN:
“O relator do projeto na Casa em que se finalizar a sua tramitação no Congresso Nacional, antes
de apresentar perante a Comissão respectiva seu parecer, encaminhará ao Presidente da Casa,
relatório apontando as alterações necessárias para atualizar o texto do projeto em face das
”.
alterações legais aprovadas durante o curso de sua tramitação De maneira jamais vista no
ordenamento jurídico brasileiro, foi conferido ao relator geral do Projeto do Código Civil a
competência para fazer a adaptação constitucional da redação final do que já estava aprovado,
portanto, submetido efetivamente ao devido processo legislativo. Se houvesse algum conflito com
a Constituição de 1988, poderia o relator fazer a adaptação do texto do projeto de Código Civil.
41
porém, não quer dizer que o Código voltará a ser o centro do direito privado, eis que
sempre deverá estar em conformidade com o Texto Constitucional. Daí a
revitalização da importância do estudo do direito civil constitucional, que deverá
continuar fazendo a ligação entre a previsão normativa privada e a previsão
constitucional.59
Como lembrado por PIETRO PERLINGIERI, a codificação, por mais que contenha
cláusulas gerais ou que tenha intenções louváveis, jamais será suficiente para a
completa adequação do direito à realidade social e realidade normativa, concluindo
59
Um exemplo eloqüente e que mostra que a perspectiva civil-constitucional não pode ser
abandonada nem mesmo diante do novo Código Civil fica por conta da análise do art. 1.601, que
pela primeira vez no sistema concede ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos
nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Vê-se que não é porque o aludido
dispositivo está encartado dentro de um Código recheado de boas intenções, que reconhece
expressamente em seu texto as outras entidades familiares, que propõe a igualdade entre os
cônjuges e dos filhos que todos os dispositivos estarão em consonância com o Texto
Constitucional. A análise civil-constitucional do instituto mostra-se necessária. E pela simples
leitura do art. 1.601 se vê que o dispositivo não busca a proteção de ninguém, a não ser o próprio
pai que vai se ver livre de suas obrigações, ver-se livre, por exemplo, dos alimentos que serão
devidos por aquela filiação. Percebe-se que o dispositivo ora criticado prestigia o interesse
patrimonial do até então “pai” em detrimento do interesse da dignidade que circunda a família.
Rompe com toda sistemática da Constituição eis que, ao pretender regular matérias que vinham
sendo disciplinadas pela nova ordem constitucional, retorna ao status patrimonialista e
individualista até então vigente no Código de 1916. Se a expectativa era proteger a criança, com
absoluta certeza, não é retirando a paternidade já reconhecida que tal objetivo será alcançado.
Quando se fala da negatória de paternidade, o sentido de entidade de familiar e de personalidade
deve ser levado em conta. Nos moldes do art. 1.601 do Código Civil de 2002, o que está se
levando em conta é única e exclusivamente a proteção da personalidade do pai, sendo que as
demais personalidades envolvidas (mãe, filho, por exemplo) foram ignoradas pelo legislador.
Não se pode pensar em uma legislação sobre Direito de Família focando a proteção de uma única
personalidade quando ela não é a única na relação jurídica em jogo. Família é pluralidade de
direitos envolvidos, nos termos do art. 226 da Constituição Federal. Em seu âmbito, não se pode
pensar em uma proteção exclusiva desse ou daquele direito, ainda mais de cunho eminentemente
machista e preservadora das tradições do Código de 1916, que nada tem a ver, aliás, com a atual
estrutura do Código de 2002.
No mais, é despropositado o argumento de que a possibilidade científica de um exame de DNA
concebe a pessoa o direito de negar uma paternidade, direito esse sem qualquer limitação
temporal, eterno. O que não foi levado em conta nesse raciocínio é a grande diferença que existe
entre o direito de saber sua identidade genética e biológica e o direito de paternidade e de família.
Dentro da família, o problema não é de biologia. O laço que une os personagens da relação
familiar é a afeição.
Há uma profunda diferença entre paternidade biológica e afetiva, e o que a Constituição prestigia,
como demonstrado, é a segunda. Não está se negando a importância da ciência até mesmo no
seio familiar, como a questão dos transplantes, a necessidade de investigação genética para fins
terapêuticos etc. Mas a importância biológica e de identidade genética está muito mais ligada ao
direito de informação do que à aquisição de status de integrante de uma família. Maiores críticas
ao artigo 1601 podem ser vistas no artigo “Questões pertinentes à investigação e à negatória de
paternidade”, de autoria do Prof. RENAN LOTUFO. Nele, além das ácidas críticas ao tortuoso
processo legislativo, o autor resgata a perspectiva civil-constitucional da Família, mesmo diante da
nova filosofia do Código Civil de 2002. LOTUFO, Renan. Questões pertinentes à investigação e à
negatória de paternidade. Revista Brasileira de Direito de Família – IBDFAM, São Paulo, Ed.
Síntese, n. 8, p. 70-79, jan./fev./mar./ 2001.
42
o professor de Camerino que nunca foi tão importante que a perspectiva civil-
constitucional seja mantida pelos civilistas, para que esta adequação seja
efetivamente realizada.60 É dizer, em breves linhas: não é pelo fato de o Código Civil
de 2002 ter incorporado a atual filosofia constitucional que ele estará imune à
permanente confrontação de seu texto com o Texto Constitucional. Aliás, como bem
lembrado por HESSE, nos dias de hoje, as Constituições alterem-se com muito mais
freqüência do que as legislações privadas, sendo comum, portanto, o descompasso
ou a não-recepção constante das novas previsões constitucionais à antiga legislação
infraconstitucional. Logo, o importante papel do Direito Civil Constitucional é manter
acessa a perspectiva de sua teoria, mesmo diante de um Código que apresenta
importantes progressos em relação à sistemática anterior.
[...] nada será como antes, porque tudo será conforme os ditames da
Constituição Federal. Não há qualquer incompatibilidade com as
tendências do direito moderno, mas há perfeita compatibilidade com o ideal
60
PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. p. 81.
61
MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 77.
43
Assim, mesmo com a recente codificação, o direito civil constitucional mantém seu
papel fundamental de correlação da nova normativa com os direitos fundamentais
previstos na Constituição. Deve ser estudado como um sistema jurídico articulado,
que contém e limita, outrossim, a extensão das normas públicas. Mesmo diante das
inúmeras evoluções trazidas pelo Código Civil de 2002, o estudo do direito civil
constitucional mantém a vital importância para que a ligação entre os direitos
fundamentais e o Texto Constitucional seja feita de forma harmoniosa, atuando para
o preenchimento das cláusulas gerais e servindo de norte para a aplicação das
normas de direito privado.
Em nosso sentir, não é possível principiar o estudo das cláusulas contratuais gerais
sem partir da Constituição Federal, pois esta modificou completamente o alcance
dos conceitos usuais. E o direito civil constitucional, como exercício metodológico,
permite o constante renovar dos institutos típicos de direito privado.63
62
LOTUFO, RENAN. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo
Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. p. 30
63
Ver GRAMSTRUP, Erik Frederico. Um exercício de direito civil constitucional. In: Temas de
dissertação nos concursos da magistratura federal. Estudos em homenagem ao Professor
Benedicto Celso Benício. São Paulo: Editora Federal, p. 84.
64
Representação clara desse descompasso entre a Constituição e a Teoria Geral dos Contratos são
dados por NATALINO IRTI. Destaca o mestre italiano que nas relações de massa nem sempre os
contratos são feitos por escrito. Muitas vezes a aceitação se dará pelas chamadas condutas
sociais típicas (Karl Larenz). Muitas vezes os contratos de massa são feitos em “silêncio” ou “sem
diálogo”, por coisas, imagens de coisas, palavras ditadas, pré-escritas e outros símbolos.
Ironicamente, NATALINO IRTI, no artigo denominado “Scambi senza accordo” denomina o homem
atual não mais como homo loquens, dada a perda da importância da palavra e sim homo videns,
em face da importância das sensações e sentidos, do toque à visão para a realização de um
contrato. O homem de hoje não utiliza mais a linguagem para concluir um contrato. Em eloqüente
trecho, destaca o autor: “ la parola possiede un contenuto teoretico, che l’occhio non può avere: la
parola offre, la cosa si offre, la parola evoca l´assente, la cosa è presente; la parola chiede di esser
capita, la cosa di essere ricevuta nella percezione visiva. Ecco perchè dove la cosa o l’immagine
dela cosa prendono il luogo della parola, si estingue il dialogo e regna il silenzio”. IRTI, Natalino.
44
Scambi senza accordo. : Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, Giuffrè, n. 2, p.
347-364, jun. 1998.
65
Dando um exemplo de concretude do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito dos
contratos, cujo desrespeito, por si só, pode dar ensejo à resolução, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE
GODOY traz o exemplo das chamadas “pegadinhas” dos quadros televisivos. Segundo o autor, em
geral “tal quadro leva a exposição da pessoa ao ridículo, cujas circunstâncias, dependendo da
hipótese concreta, podem perfeitamente significar atentado à dignidade da pessoa humana, por
isso passível de vedação, mesmo que resulte, como sói acontecer, de ajuste entre o produtor do
programa e sua vítima, portanto um contrato, mas dissociado de sua função social, o que é
possível reconhecer inclusive mercê da iniciativa do Ministério Público, representante da
sociedade, a quem o valor em tela é afeto”. GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do
contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 124.
66
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade humana. In: Estudos e
pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 21.
45
Quanto à justiça social, idéia trazida pelo mesmo dispositivo constitucional (CF, art.
3.º, I), segundo CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,68 é ela quem dá substrato à
chamada justiça contratual, na medida em que:
[...] impõe novo padrão de conduta das partes que transacionam e que,
também, determina e assegura o equilíbrio de suas prestações. Não se
espera, por identidade de motivos, que os contratantes possam agir de
forma desleal, que fujam de um padrão de retidão comportamental, ou que
possam contratar ou manter-se vinculados, tal como na origem, de maneira
excessivamente desequilibrada, o que, de resto, não seria leal nem
permitiria fosse o contrato visto como instrumento de cooperação e
colaboração entre as partes.
Já a solidariedade social também exerce especial papel dentro dos novos estudos
do direito civil. Sobre a importância da evolução do conceito de solidariedade no
curso da história do Direito Privado, sintetiza FRANZ WIEACKER que:
67
NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 145.
68
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 33.
46
69
WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. p. 719.
70
PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. p. 167 e 168.
71
“Desenha-se a conduta de solidariedade entre sujeitos de direito, aqui particularizando a figura dos
sujeitos contratantes, à atenção que deve ser dispensada, tanto na formação quanto na definição
do negócio jurídico, no senso de ser imperiosa a colaboração entre eles, especialmente, mas não
exclusivamente, no momento da execução contratual. Em uma expressão, a solidariedade
constitucional é corretora das autonomias privadas envolvidas na relação jurídica, sem embargo de
alguma outra função essencial ao próprio contrato.” NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-
moderno. Curitiba: Juruá, 2001. p. 179.
72
BIANCA, Massimo. Diritto civile: il contrato. v. 3. Milão: Giuffrè, 1987. p. 33.
73
BETTI, Emilio. Teoria generale delle obbligazione. v.1. Milão: Giuffrè, 1953. p. 16. No mesmo
sentido, v. BARCELONA, Pietro Diritto privato e società moderna. Napoli: Jovene Editore, 1996. p.
485-492 (“rapporti di cooperazione e l’obbligazione”).
47
Dentro dessas perspectivas, tem-se que o contrato não é e nem pode ser
considerado um instrumento de opressão e exploração. O abuso do mais forte sobre
o mais fraco produz um efeito anti-social. Devem ser garantidas aos contratantes as
condições mínimas de igualdade. Mas, ao contrário da impressão de alguns
civilistas,75 o contrato não morreu nem tende a desaparecer. O que mudaram foram
os paradigmas constitucionais e a filosofia do sistema, não podendo o direito
privado, repita-se, ficar alheio a essa mudança, aguardando estático que a realidade
econômica de hoje se adapte aos vetustos institutos herdados das codificações civis
dos séculos passados.
74
MAZEAUD, Denis. Loyautè, solidarieté, fraternité: la nouvelle devise contractuelle? L’avenir du
droit: mélanges en hommage à François Terré. Paris: PUF, 1999. p. 623.
75
Por exemplo, ver GILMORE, Grant. La morte del contratto. Milano: Giuffrè, 1988 (tradução de
Andrea Fusaro), com ensaio introdutório “Il contratto tra passato e avvenire”, de GUIDO ALPA, p.
IX-XXVII.
76
PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. p.11. A autonomia privada é dotada de
poder normativo, limitada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o ordenamento estatal concede aos
particulares uma esfera de poder para normatizarem, para realizarem a norma concretamente,
estabelecendo regras entre si, as quais se obrigam, e o ordenamento reconhece a validade de tais
regras, bem como a necessária observância a elas. A autonomia privada, como poder normativo,
ou no melhor dizer, como potestade, concede aos particulares o poder de efetuar negócio jurídico,
esse, a seu turno passa a criar uma norma que deverá ser observada pelos próprios sujeitos que o
criaram. A autonomia privada é aquela que o sistema confere aos particulares como potestade,
para criar a auto-regulação. Para LUIGI FERRI autonomia privada se caracteriza como poder
normativo e o negócio jurídico como fonte normativa. FERRI, Luigi. La autonomia privada. Madrid:
Revista de Derecho Privado, 1969. p. 105. Luigi Ferri assinala ainda que a concepção do direito
como vontade objetiva não exclui a idéia que a norma pode ser criada por sujeitos. A vontade
subjetiva atua como matriz e no momento que o direito nasce é precisamente aquele no qual a
norma se converte em tal separação de sua matriz, ou seja, no qual se conclui o processo de
objetivação da vontade. (p. 137). A autonomia privada sofre restrições, e não poderia ser diferente.
A autonomia privada não prevê uma liberdade absoluta, pois não existe liberdade contra o sistema
do direito. Assim, à ela se impõem as restrições decorrentes do próprio ordenamento jurídico, que
tem de ter univocidade, e por assim ser, a autonomia privada tem de ser exercida dentro dos
limites da ordem pública e da observância aos valores e preceitos constitucionais. Para JOAQUIM
DE SOUZA RIBEIRO (O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da
48
liberdade contratual, p. 236) a autonomia privada se revela por uma concedida reserva às partes
para gerirem seus próprios interesses, longe da intervenção estatal. Significa o reconhecimento de
um espaço de livre manifestação de um poder ordenante que não tem que prestar contas à
entidade que o reconhece, a não ser as que respeitam à estrita observância dos seus limites de
atuação. A autonomia privada é condição necessária à autodeterminação, que, constituindo um
valor em si, em termos de realização da personalidade individual, é também um elemento
imprescindível a uma ordem econômica que promove a eficiência na aplicação de recursos. Mas,
mesmo nas zonas em que essa possibilidade é genuína, a autodeterminação não é o único valor
em campo, tendo que conviver com outros valores que também estruturam normativamente a
esfera das relações privada. A autonomia da vontade era vista numa concepção tipicamente
voluntarista e individualista, que era coerente com um modelo econômico liberal e capitalista, no
qual a liberdade de contratar era levada a extremos. A autonomia da vontade tinha no contrato seu
principal instrumento, pois esse era o mecanismo de circulação da propriedade e das relações
entre as partes, às quais se impunha uma igualdade formal, muitas vezes eqüidistante da realidade
na qual se verificava uma flagrante desigualdade. Essa concepção foi superada na medida em que
os valores constitucionais e as normas de ordem pública passaram a limitá-la, e como já afirmado,
concedendo aos particulares uma esfera: a da autonomia privada. Assim, a autonomia da vontade
passa a ser exercida dentro do âmbito da autonomia privada. A vontade continua a ser de extrema
importância, mas não mais numa concepção liberal exacerbada. Há que se consignar a
necessidade da preservação da autonomia da vontade dentro da autonomia privada, pois o
contrato tem que ser auto-regulamentação, e nele tem de existir ao menos um mínimo de vontade.
77
BIANCA, Massimo. Diritto civile: il contrato. v. 3. p. 20. Sobre os efeitos de considerar o contrato
como fato social, aborda FERNANDO NORONHA: “se um contrato deve ser consolidado como fato
social, como temos insistido, então a sua real existência há de importar-se por si mesma, para
poder ser invocada contra terceiros, e, às vezes, até para ser oposta por terceiros às próprias
partes. Assim é que não só a violação de contrato por terceiro pode gerar a responsabilidade civil
deste (como quando terceiro destrói a coisa que devia ser prestada, ou na figura da indução ao
inadimplemento de negócio jurídico alheio), como também terceiros podem opor-se ao contrato,
quando sejam por ele prejudicados o instituto da fraude contra terceiros é exemplo típico disto”.
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva,
1994. p. 119.
49
78
Nesse sentido, afirma RICARDO LORENZETTI que “O contrato atual não é um assunto individual,
mas que ‘tem passado a ser uma instituição social que não afeta somente os interesses dos
contratantes. À sociedade, representada pelo Estado e outras entidades soberanas, atribui-se o
controle de uma parte essencial do Direito Contratual”. LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do
direito privado. São Paulo: Saraiva. p. 551. No mesmo sentido, ver NEGREIROS, Teresa. Teoria
do contrato. Novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 24
79
Esta é a síntese da definição encontrada em alguns Códigos do Mundo: Código Civil Francês: “Le
contrat est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s'obligent, envers une ou
plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pas faire quelque chose.”; Código Civil de Quebec: “Le
contrat est un accord de volonté, par lequel une ou plusieurs personnes s'obligent envers une ou
plusieurs autres à exécuter une prestation.”; Código Civil Português: “Contrato é o acordo, por que
duas ou mais pessoas transferem entre si algum direito, ou se sujeitam a alguma obrigação”;
Código Civil italiano: “o contrato é um acordo entre duas ou mais pessoas para constiuir, regular,
ou extinguir entre estes uma relação jurídica patrimonial”; Código Civil Espanhol: “ El contrato
existe desde que uma o varias personas consienten em obligarse, respecto de otra o otras, a dar
alguna cosa o prestar algún servicio”; Digesto de Direito civil Inglês: “ un contrat est ine convention
qui crée ou que est destinée à créer ine obligation juridique entre lês parties qui la concluent”;
Código Civil Argentino: “Hay contrato cuando varias personas se ponen de acuerdo sobre una
declaración de voluntad común, destinada a reglar sus derechos”; Código Civil Mexicano: “Contrato
es un convenio por el que dos o más personas se transfiren algún derecho o contraen alguna
obligación”; Outros Códigos evitaram definição (alemão, soviético, suíço, polonês).
80
RIBEIRO, Joaquim Sousa. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio
da liberdade contratual. p. 18.
50
Diante das novas perspectivas do direito civil, muitos juristas sustentaram que tais
princípios não poderiam mais subsistir. Porém, refletindo sobre a principiologia do
novo direito contratual, ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO,81 professor titular da
Universidade de São Paulo, explica que se vive hoje em um momento que ele
denomina de hipercomplexidade:
Conceituar a função social do contrato não é algo fácil, seja por sua vagueza, seja
pela equivocidade dos seus significados. Em trabalho específico sobre o tema, que
lhe rendeu, aliás, o grau de doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
81
Conforme sistematização de ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, “são três os princípios do
direito contratual que vêm do século passado, giram eles em torno da autonomia da vontade e
assim se formulam: a) as partes podem convencionar o que querem, e como querem, dentro dos
limites da lei – princípio da liberdade contratual lato sensu; b) o contrato faz lei entre as partes,
pacta sunt servanda – princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais; c) o contrato somente
vincula as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros – princípio da relatividade dos
efeitos contratuais”. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do direito contratual e
desregulamentação do mercado – Direito de exclusividade nas relações contratuais de
fornecimento - função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para
o inadimplemento contratual. Em Estudos e Pareceres de Direito Privado. p. 140.
82
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. p.111.
51
O contrato, segundo a nova acepção da função social, não é visto como um átomo,
algo que somente interessa às partes, transcendendo sua finalidade também no
âmbito social, desde a sua concepção até após a sua conclusão. Lembra, neste
ponto, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,85 de que a expansão da oponibilidade
dos ajustes, por si só, já significa um complemento à sua força obrigatória:
83
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 123.
84
NEGREIROS, TERESA. Teoria do Contrato. p. 210.
85
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato, p. 134. Apesar de não ser o objeto do
presente estudo, o alargamento do conceito de oponibilidade do ajuste, vem se considerando
integrar o que se convencionou chamar de tutela externa do crédito, que segundo CARLOS DA
MOTA PINTO, citado por CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY e TERESA NEGREIROS, “significa
a existência dum dever geral de abstenção de quaisquer terceiros, relativamente à obrigação
concebida como valor patrimonial”.Por entender que a questão de responsabilidade do
atravessador está fundada no dever geral de não lesar ou no abuso do direito, temática que foge o
presente estudo, fica aqui apenas a menção, como nota das transformações do estudo da função
social.
52
A boa-fé objetiva, por sua vez, também é agregada aos novos estudos dos
contratos. Segundo KARL LARENZ, o personalismo ético, que eleva o respeito pela
dignidade pessoal de cada ser humano à categoria de imperativo moral supremo,
não seria suficiente para fundamentar uma ordem jurídica (ou as relações privadas)
se não interviesse também um elemento ético-social: e esse elemento indispensável
é a boa-fé. Uma sociedade na qual cada indivíduo desconfiasse do próximo seria
semelhante a um estado de guerra latente e, em vez da paz, dominaria a discórdia.86
Hoje não há mais dúvidas de que a boa-fé estudada nos contratos é a objetiva, um
standard, um dever imposto às partes para agirem de acordo com determinados
padrões (de correção, lisura, honestidade etc.) socialmente recomendados. É
denominada boa-fé, lealdade ou confiança,87 adjetivos que realçam o escopo desse
princípio: a tutela das legítimas expectativas da contraparte, para a garantia da
estabilidade e da segurança das transações.
É sempre bom lembrar que, no âmbito dos contratos, a boa-fé se traduz em três
comandos, três funções distintas e conjugadas:
86
LARENZ, Karl. Derecho Civil - Parte general. p. 58.
87
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 136.
88
O segundo comando em que se desdobra o princípio da boa-fé (função supletiva ou de integração)
possui maior relevância para o estudo da responsabilidade pós-contratual. Segundo ANTÓNIO
MENEZES CORDEIRO, “a boa-fé não deve, como sucede correntemente, a ser citada apenas
como mero arrimo verbal dos passos efectuados ou como simples meio de justificar, a nível de
plausibilidade, uma solução baseada noutras latitudes [...]. Na busca de fórmulas concretizadoras
está a fundamentação da c.p.p.f [responsabilidade pós-contratual] através da boa-fé. Como
elementos mediadores, têm sido apontados: princípio da confiança, lealdade, protecção”
MEZEZES CORDEIRO, Antonio. Da pós-eficácia das obrigações. In: Estudos de direito civil. v. I.
Coimbra: Almedina, 1994. p. 168. Ver também TEPEDINO, Gustavo. Obrigações - estudos na
perspectiva civil-constitucional. p. 35 e 36.
53
Segundo essa função supletiva, os direitos e deveres das partes não são, para cada
uma, apenas o de realizar a prestação estipulada no contrato ou, eventualmente,
cumprir os itens acrescidos por outros deveres previstos pelas partes e, ainda, os
estabelecidos nas leis supletivas ou imperativas, aplicáveis ao negócio celebrado. A
boa-fé, nesse sentido, impõe a observância de muitos outros deveres de conduta
que podem gerar, mesmo diante da extinção da prestação principal, uma
responsabilização pelo descumprimento por esses específicos deveres. Em sua
vertente supletiva, a boa-fé, além de integrar as lacunas do contrato, cria o que se
vem chamando de deveres jurídicos acessórios, laterais,89 instrumentais ou
secundários das obrigações e dos contratos.
Explicando esse desdobramento que a boa-fé traz ao âmbito das obrigações, explica
ANTUNES VARELLA que os chamados deveres principais são aqueles que definem
o núcleo, o tipo da relação, são aqueles que se traduzem na realização da prestação
debitória. Eles seriam, afinal, o débito da concepção clássica da obrigação (exemplo:
pagar o preço devido e entregar a coisa certa no processo de compra e venda;
ceder ao uso e pagar o aluguel no caso de locação).
São todos aqueles deveres decorrentes do fato jurígeno obrigacional cujo escopo
não seja, diretamente, a realização ou a substituição da prestação, sendo possível
concluir, assim, que esses deveres estão presentes, em maior ou menor grau, no
conteúdo normativo das relações obrigacionais.91
Dentre seu vasto plexo de atuação, sedimenta-se a idéia de que a boa-fé gera
inúmeros deveres de conduta, não podendo se estudar a relação obrigacional com
olhos voltados exclusivamente na prestação principal ou no vínculo.
90
VARELLA, João Matos Antunes. Das obrigações em geral. v. 1. Coimbra: Almedina, 10. ed., 2000.
p. 122 e 124. Os exemplos são de FERNANDO NORONHA. O direito dos contratos e seus
princípios fundamentais. p. 162.
91
FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 75.
92
MENEZES CORDEIRO, Antônio Manoel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. v. 1. Coimbra:
Almedina, 1984. p. 615-620.
93
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 160.
94
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p 163.
55
1.4.2 Obrigação como relação jurídica complexa. Relevância para o estudo dos
contratos
Uma última consideração merece ser feita antes de se adentrar ao estudo específico
das cláusulas contratuais gerais, que permitirá a melhor compreensão do fenômeno.
Concebia-se a noção de obrigação como vínculo jurídico por força do qual uma
pessoa ficava subordinada a outra, condicionada a dar, a fazer ou a não fazer
alguma coisa. A obrigação tinha uma única finalidade: a prestação, concebida como
único dever principal.
95
“Os deveres secundários comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica. Assim, podem
ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos,
posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de
proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, da guarda de cooperação, de
assistência”. SILVA, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky
Editor, 1976. p. 113.
56
Sob outro prisma, mas a significar o mesmo fenômeno, a relação obrigacional passa
a ser considerada também processo. Ou seja, percebeu-se que a relação
obrigacional era composta por uma sucessão de atos tendentes a um fim, qual seja,
a satisfação do interesse do credor, enfatizando, neste enfoque, o seu caráter
dinâmico, em que as várias fases que nascem nada mais são que fases para a
consecução do fim daquela relação, a ser considerado bem antes de quando a lei
fixa como formado o contrato.
96
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. p. 37.
97
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999. p. 384.
57
98
COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito das Obrigações. Coimbra: Almedina, 5. ed., 1999. p. 58.
58
99
SILVA, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976. p. 9
e 10.
100
NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. p. 149.
101
Vale, todavia, a advertência feita por EWOUD HONDIUS, que vê sinais do que seriam hoje as
cláusulas contratuais gerais nas formulae compiladas pelos pontífices romanos, nos módulos dos
trabelliones medievais e nos usos de comerciantres do século XVII, que predispunham suas
próprias cláusulas standard no campo dos seguros. HONDIUS, Ewoud H. Il controllo sulle
condizioni generali nel diritto olandese. BIANCA, Massimo (Coord.). Le condizioni generali di
contratto. Milão: Giuffrè, 1981. p. 407. Para outros, o surgimento das cláusulas contratuais estaria
no invitatio ad offerendum, tema que será abordado no curso do trabalho.
59
Se, naquela época, os contratos eram dominados pelas idéias do liberalismo puro,
trazidas pelos ideais da Revolução Francesa, que tinham como base de sustentação
que todos os contraentes eram iguais, com o passar do tempo, com o crescimento
industrial e econômico aliado à total abstenção estatal na formação dos contratos,
percebeu-se que o dogma da igualdade dos contraentes não correspondia à
realidade, verificando-se que o contraente mais forte economicamente impunha o
que e como contratar. A vontade de uma das partes era apenas deduzida, quando
não forçada por contingências.
Cabe lembrar de que, até então, o contrato era tido como instrumento de
circulação de riquezas, constituindo-se em adequado e legítimo mecanismo para
que a classe burguesa, ascendente, tivesse à sua disposição um meio legal para
102
"Esta técnica de conclusão dos negócios [contrato standard] começa a afirmar-se, de modo
significativo – na prática dos mercados capitalistas – sobretudo na época subseqüente à
Revolução Industrial do início do século dezenove. Na Europa desses anos, os progressos das
técnicas produtivas, a descoberta de novas fontes de energia e a mais racional e intensa utilização
das já conhecidas, a diferente organização do trabalho no interior das empresas, a crescente
dimensão destas [e do volume dos capitais nelas empregues] atingem todos os sectores da
economia com um impacto sem precedentes. E por reflexo directo destas transformações, cada
um dos sectores conhece – em várias formas e medidas – a estandardização das relações
contratuais que se desenrolam no seu seio. Delinear esta evolução de formas e técnicas de
contratação significa, ao mesmo tempo, percorrer as vicissitudes de algumas das fundamentais
<<instituições do capitalismo>>".Estandardizam-se os títulos de crédito que, pelo seu próprio
papel de instrumentos de mobilização e multiplicação da riqueza, tendem, cada vez mais, a
assumir vestes de títulos <<de massa>>" [...] "Rigidamente uniformes passam a ser as
<<condições>> com que os bancos negociam com os seus clientes. E ainda, a introdução e a
extensão das redes ferroviárias e das linhas de navegação a vapor – meios que inauguram a era
dos transportes de massa – abrem ao fenómeno da contratação uniforme novos relevantíssimos
sectores." ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 313.
60
Até então, não era o Estado o fomentador das relações contratuais, mas o próprio
homem, revestido do direito subjetivo absoluto, tendo como pressuposto a igualdade
entre seus pares.
Como visto, na época contemporânea (final do século XIX e início do século XX),
iniciaram-se as primeiras idéias contrárias ao individualismo exagerado. A
intervenção do Estado passou a ser exigida para que fosse obtido o equilíbrio
contratual mínimo. Por isso, o contrato passa a sofrer limitações publicísticas. A
concepção oitocentista do contrato, focada no liberalismo exacerbado, abre espaço
para o estudo do contrato em sua concepção social e solidária com forte
interferência de um Estado garantista.
103
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. p. 108.
61
A realidade social, portanto, passou a reclamar por um novo paradigma para estudo
e compreensão dos contratos. O modelo teórico estabelecido outrora se mostrava
francamente inadequado em face da estandardização da economia, a qual terminou
por provocar um sério abalo na, até então, sólida e inabalável teoria contratual. A
moldura descrita pelo Code Civil francês (e de outros que o seguiram) já não
representava mais os fatos encontrados em sociedade, em que a liberdade
contratual não mais explicava a falta de liberdade em sentido material. Conclui
PAULO NALIN:105
Já não se via, com freqüência, parceiros contratuais firmando contratos gré a gré.
Cada vez mais as empresas passaram a estipular condições para serem utilizadas
numa quantidade indeterminada de operações de venda de mercadorias e,
posteriormente, de prestação de serviços.
104
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 109.
105
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 111.
62
Oportuno lembrar que esta evolução no modo de contratar era inevitável e até
propiciadora de inegáveis vantagens: simplificação, economia de tempo, redução de
custos nas transações, uniformização no tratamento dos clientes ou dos
fornecedores de uma mesma empresa. Mas ela trazia (e ainda traz) também as
desvantagens inerentes à supressão ou à redução da liberdade de negociação e a
não adaptação a interesses particulares, colocando uma das partes em condições
de abusar do seu poder negocial e de desequilibrar o balanço contratual a seu favor.
A incidência da mesma idéia sobre um alvo diferente (em vez do resultado obtido, as
cláusulas a partir das quais os contratos se formam) gerou a expressão de origem
germânica cláusulas contratuais gerais (Allgemeine Geschäftsbedingungen),
introduzidas por LUDWIG RAISER, em 1935, e depois recebida na designação da lei
alemã (AGB-Gesetz, de 1976).106 Este é justamente o campo de incidência de nosso
trabalho.
Tem-se, portanto, que a relação jurídica contratual não é feita somente entre dois
sujeitos. Nos dias de hoje, o mais comum é exatamente o contrário: relações
jurídicas plúrimas, coletivas, difusas, massificadas. O modelo estático da compra e
venda, do bilateral e comutativo, é substituído por modelos complexos, múltiplos,
conexos, nos quais, em um dos pólos, pode ser encontrada uma variada gama de
sujeitos. Por isso, a massificação das relações negociais passou a exigir uma
106
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I – Conceito. Fontes. Formação. Coimbra: Almedina,
2003. p. 143, referindo-se ao livro Das recht der allgemeinen geschäftsbedingungen, de 1935.
Traduz bedingungen por “cláusulas” e não “condições”.
63
abordagem do contrato diversa daquela dada pelos juristas do final do século XIX e
que serviram de norte para a maior parte de nossa legislação civil, em especial o
Código Civil de 1916.
Uma advertência, contudo, deve ser feita. Há de ser observado que nem mesmo as
concepções sociais do contrato ou o surgimento dos microssistemas protetivos, com
previsão de intervenções voltadas para o interesse de categorias específicas
(consumidor, locatário, seguros, construção civil etc.), puderam ser considerados
fenômenos suficientes para se explicar ou conter as mutações do direito dos
contratos.
109
Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, a base da expressão parece ter surgido na França, em
especial, na revista Droit et Societé. Ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de
Defesa do Consumidor – o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p.
155.
110
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 156.
65
A globalização é um fato histórico. A maioria dos países optou pelo modo capitalista
de produção, dando a sensação de que não seria mais necessária a manutenção
das propostas do Welfare State. Resultado da globalização e, com ela, da exigência
de competitividade e de flexibilidade dos mercados, a doutrina identifica, agora, um
movimento de desregulamentação estatal das relações contratuais, fruto mesmo do
próprio enfraquecimento, diante de formas mais fluidas de estruturação da
civilização, da noção de Estado como modelo de organização política. Acerca dessa
questão, explica CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,114 acreditando, todavia, no
espaço de atuação dos princípios welfaristas do contrato, dado o conteúdo de que
se revestem:
111
PERLINGIERI, Pietro. Il diritto dei contratti gra persona e mercato. Napoli: Ed. Scientifiche italiane,
2003; GRISI, Giuseppe. L’Autonomia privata: diritto dei contratti e disciplina costituzionale
dell’economia. Milão: Giuffrè, 1999; GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de
1988: interpretação e crítica.
112
MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max
Limonad, 1998. p. 49.
113
RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 17-18.
114
GODOY, Cláudio Luiz. Função social do contrato. p. 11.
66
De fato, no Estado brasileiro, não podemos negar o jogo de forças existentes entre a
livre iniciativa e a justiça social (CF, art. 3.º, I e art. 170). Segundo PAULO NALIN,115
a união das transformações sociais, filosóficas e econômicas, motivadoras daquilo
que se convencionou chamar de pós-modernismo , gerando a superação do modelo
puramente social do contrato.
115
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 123.
116
BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil de terceiro por lesão à situação jurídica contratual.
2005. Tese (Doutorado em Direito) – PUC/SP, São Paulo. p. 29.
67
117
BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil de terceiro por lesão à situação jurídica contratual.
p. 28.
118
Explicando as origens e as causas da heteronomia, comenta JUDITH MARTINS-COSTA: "No
estado contemporâneo, a ordem da autonomia veio a entrecruzar com a ordem da heteronomia,
por conta, fundamentalmente: i) do reconhecimento, pelo Direito, da concreta diferença entre as
pessoas; ii) da adoção de políticas públicas por meio de instrumentos jurídico-econômicos; e iii) a
globalização da economia, com estabelecimento de inter-relações jurídicas em nível mundial".
MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: DELGADO,
Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos
contratos. v. 4. São Paulo: Método, 2005. p. 132.
68
Com esta exposição, tem-se que não há como negar que os princípios welfaristas
dos contratos, fruto de recente conquista de nosso ordenamento,119 ainda possuem
grande espaço de atuação. Aliás, repita-se mais uma vez, a ordem jurídica brasileira
não é um sistema axiologicamente neutro, uma vez que o constituinte originário
expressou sua opção pelos princípios fundamentais, o que, por evidente, repercutirá
na interpretação das normas jurídicas privadas, fato ainda não descoberto pela
jurisprudência e por grande parte da doutrina.
119
Vale aqui a advertência de PIETRO PERLINGIERI: "La storia tuttavia conferma che
l'istituzionalizzazione del mercato non può prescindere dall'assunzione di un garante sterno, sia
esso la morale o il diritto; la società non è riducibile al mercato e alle sue sole regole; il diritto al
quale spetta la regolamentazione della società, indica limiti e correttivi, dettati non soltanto dal
perseguimento della ricchezza ma da valori e interessi diversi. In questo contesto la stessa
iniziativa economica è stata configurata come l'adempimento di un dovere etico-religioso,
cogliendo le basi culturali della non facile distinzione tra uomo e cittadino da un lato e produttore e
consumatore dall'altro, tra solidarietà anche umana e civile e solidarietà soltanto economica e
corporativa. Il <<buon diritto [...] non è quello che si pone all'esclusivo o prevalente servizio delle
ragioni economiche ma quello che sa contrapporsi as esse, impedendo la mercantilizzazione della
società e la identificazione (e l'saurimento) dei diritti civili e dei diritti umani naturali con quelli
economici, siano essi di matrice proprietaria o imprenditoriale-contrattuale. [....] Il mercato vale per
ciò che è, non semplicemente perché c'è esso merita un elogio debole ovvero condizionato senza
confondere le ragioni economiche e gli argomenti etici: sono questi ultimi che meritano priorità e
forniscono all'economia un fondamento etico che, nella concreta realtà storica, sappia coniugare
efficienza economica e diritti umani, mercato e democrazia". PERLINGIERI, Pietro. Mercato,
solidarietà e diritti umani. In: PERLINGIERI, Pietro. Il diritto dei contratti fra persona e mercato. p.
246 e 267.
120
Para PIETRO PERLINGIERI, "L'analisi economica del diritto, quale luogo di confronto tra diritto ed
economia, comporta seri rischi quando: a) diventa la prospettiva esclusiva di lettura degli istituti
giuridici e non riconosce i suoi limiti (in quanto la società non si esaurisce in rapporti economici o
nella categoria della patrimonialità); b) trascura che ciò che è patrimonialmente conveniente non
sempre risponde all'etica ed al rispetto della dignità della persona; c) non considera che efficienza
e giustizia sono aspetti a volte conflittuali i quali vanno coordinati dal potere politico e rimessi alla
sua decisione. Il rischio sta anche nell'saltazione dell'analisi economica del diritto come una moda
della nouvelle vague, apprezzata e incoraggiata anche da qualche illustre maestro. [...] Il diritto è
cultura, moderno strumento di promozione e di vita; esso non recepisce acriticamente contenuti e
decisioni dei potere forti come operazione meccanica: chiunque interpreta la legge avverte che
questa interpretazione non è né quantitativa, né matematica". PERLINGIERI, Pietro. Economia e
diritto. In: Il diritto dei contratti fra persona e mercato. Napoli: Edizioni Scientifiche italiane, 2003. p.
273-274.
69
mais quando estamos diante das cláusulas contratuais gerais, intimamente ligadas à
exigência de plena utilização da capacidade produtiva empresarial, responsável por
assegurar a grande movimentação econômica,121 nacional e transacional.
121
Para GARCIA-AMIGO, "Las condiciones generales de los contratos son una manifestación típica
del Derecho de la economía moderna". GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los
contratos. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1969. p. 13.
122
Valiosos são os ensinamentos de Norberto Bobbio: "In parole povere, coloro che si sono dedicati
alla teoria generale del diritto si sono preoccupati molto di piú di sapere ,<<come il diritto sia
fatto>> che <<a che cosa serva>>. La conseguenza è stata che l' analisi strutturale è stata
condotta molto più a fondo dell'analisi funzionale". BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione,
2. ed. Milão: Edizioni di comunità, 1984. p. 63 (verso una teoria funzionalistica del diritto).
123
MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 595 e 599.
70
124
Exposição de Motivos do Ministério da Justiça ao Decreto-Lei n. 466/85, de 25 de outubro de
1985, que institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais em Portugal.
125
GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 14.
71
126
"Presentazione". Em Le Condizioni Generali di contratto. BIANCA, C. Massimo. t. 1. Milão: Giuffrè,
1979. p. VII.
72
127
VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. p. 222.
128
MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. p. 143.
129
"L'adhésion est psychologiquement facilitée par l'utilisation de textes imprimés, qui paraissent de
ce fait intangibles, et par le sentiment d'une égalité de traitement, facilement confondue avec la
justice".GHESTIN, Jacques. Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et
droits européens. In: La protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons
franco-belges. Paris: L.G.D.J., 1996. p. 2.
130
GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 33.
131
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:
Saraiva, 1999. p. 12.
73
132
LOBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas, p. 18. Segundo
ÁGUILA-REAL, a utilização das cláusulas contratuais gerais responde a uma necessidade
financeira das grandes, médias ou mesmo pequenas empresas, que por seu intermédio
conseguem atingir uma série de finalidades, entre as quais: racionalização via estandardização
das operações comerciais, com vistas à redução dos custos de celebração e regulação dos
contratos; divisão das tarefas entre os membros da organização empresarial, facilitando a sua
coordenação; cálculo antecipado dos custos de produção dos bens e serviços comercializados.
Fixando em cláusulas contratuais gerais a regulação para todos os contratos que celebre, o
conteúdo e os prazos de garantia que assume, as variações na qualidade dos produtos que
admite ou os gastos e prestações acessórias que estão a cargo do vendedor, permite o cálculo
antecipado os custos da produção de seus bens e serviços. ÁGUILA-REAL, Jesús Alfaro. Función
económica y naturaleza jurídica de las condiciones generales de la contratación. In: MENÉNDEZ,
Aurélio; LEÓN, Luis Díez-Picazo. Comentários a la ley sobre condiciones generales de la
contratación. Madrid: Civitas, 2002. p. 76. Ver também ROPPO, Enzo. O contrato. p. 314-316
("estes contratos constituem produto ineliminável da moderna organização da produção e dos
mercados, na exacta medida em que funciona como decisivo factor de racionalização e de
economicidade da actuação empresarial").
74
Não há como negar que as cláusulas gerais podem ser consideradas instrumento do
poder empresarial. Aliás, segundo alguns, a característica marcante das cláusulas
contratuais gerais é a desigualdade entre as partes.134
133
GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 28 e 33.
134
MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. p. 599. Segundo ENZO
ROPPO, "aqui, a origem das restrições à liberdade contratual radica, ao fim e ao cabo, no próprio
princípio da liberdade contratual". ROPPO, Enzo. O contrato. p. 318.
135
Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO, "a formação tradicional do aplicador do direito conduz a
uma atividade de interpretação jurídica que ignora a especificidade das condições gerais,
aplicando-se indiscriminadamente o princípio pacta sunt servanda. A cláusula geral da boa-fé é
escassamente valorizada. A situação apenas se modifica quando há legislação específica". LÔBO,
Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 18.
75
PARTE II
AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
2
CARACTERÍSTICAS DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Por sua vez, dada a previsão do art. 1.341 do Código Civil de 1942, os autores
italianos preferem a expressão condições gerais dos contratos (condizioni generali di
contratto).
136
NERY JR., Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). Código
brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. São Paulo:
Forense Universitária. p. 447.
76
De fato, no Direito brasileiro, o termo condição tem significação jurídica própria. Nos
termos do art. 121 do Código Civil, considera-se condição a cláusula que, derivando
exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a
evento futuro e incerto. Costuma-se caracterizar a condição como cláusula,
determinação acessória, em virtude da qual se estabelecem modificações à
vantagem criada pelo negócio jurídico. O evento, a que se refere a lei, é um
acontecimento qualquer, desde que seja futuro e incerto (futuridade e incerteza).
Pois, se o acontecimento não for futuro, não haverá condição, tanto quanto se for
certo ou impossível. É um acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia
do negócio jurídico.138 Ora, se o termo técnico para designar qualquer proposição
contratual é cláusula, entendemos como válida a crítica do termo condições gerais
dos contratos, não sendo apropriado falar-se em condição em substituição ao termo
cláusula.139
137
GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 7.
138
LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 343.
139
Segundo MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, evitou-se
também em Portugal o termo condição "que, na nomenclatura jurídica, tem um sentido
77
Há aqueles autores, como PAULO LUIZ NETTO LÔBO,140 que preferem o termo
condição, pois, ao denominá-las de cláusulas:
Como técnica legislativa, a cláusula geral constitui uma disposição normativa que
utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente aberta,
fluída ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a
qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe mandato (competência) para que, à
vista dos casos concretos, crie, completamente ou desenvolva normas jurídicas.
Devem ser consideradas meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no
ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda não expressos
legislativamente, de standard, máximas de conduta, arquétipos de comportamento,
das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas,
viabilizando a sistematização do ordenamento jurídico.144
144
Há diferença de grau entre as normas estabelecidas casuisticamente e as compreendidas em
cláusulas gerais no que concerne ao modo de estabelecimento (definição) da hipótese legal e da
conseqüência que lhe é correlata, o que refletirá, na diferença metodológica concernente ao modo
de raciocínio hábil a operar a sua aplicação. Diferenciam-se ainda das normas que caracterizam
conceitos jurídicos indeterminados possuem uma diferença funcional: nas cláusulas gerais, a
conseqüência jurídica só é formada à vista do caso concreto, sendo necessário precisar a
hipótese e estabelecer as conseqüências conforme o instrumental oferecido pelo sistema (onde
há, inclusive, cooperação da doutrina); nos conceitos jurídicos indeterminados, as conseqüências
já estão estabelecidas de modo geral e abstrato no caso concreto. Os conceitos indeterminados
podem referir-se a realidades fáticas ou a valores, e confusão entre esses conceitos e as
cláusulas gerais cinge-se, evidentemente, aos conceitos indeterminados que refiram valores. A
distinção, para KARL ENGISCH, seria de grau, e não de natureza. Afirma o autor: “De facto, as
cláusulas gerais não possuem, do ponto de vista metodológico, qualquer estrutura própria. Elas
não exigem processos de pensamento diferentes daqueles que são pedidos pelos conceitos
indeterminados, os normativos e os discricionários. [...] O verdadeiro significado das cláusulas
gerais reside no domínio da técnica legislativa. Graças à sua generalidade, elas tornam possível
sujeitar um mais vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com possibilidade de ajustamento,
a uma conseqüência jurídica”. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gubenkian, 2001. p 233. JUDITH MARTINS-COSTA afirma que a diferença
estaria no plano funcional, exigindo-se do juiz, na aplicação da cláusula geral, maior amplitude no
exercício do seu poder criativo do juiz. E numa certa medida, afirma que o processo de
pensamento das cláusulas gerais difere do processo de pensamento do conceito indeterminado. É
que a vagueza semântica dos conceitos indeterminados permite alguma abertura a mudanças de
valoração. O procedimento de aplicação da norma possuidora de conceito indeterminado, no
entanto, seria o da subsunção, ao contrário do que ocorre com as cláusulas gerais. O juiz
realizaria mera interpretação da norma para subsumir-lhe determinado fato: “Enquanto nos
conceitos indeterminados o juiz se limita a reportar ao fato concreto o elemento (vago) indicado na
fattispecie (devendo, pois, individuar os confins da hipótese abstratamente posta, cujos efeitos já
foram predeterminados legislativamente), na cláusula geral a operação intelectiva do juiz é mais
complexa. Este deverá, além de averiguar a possibilidade de subsunção de uma série de casos-
limite na fattispecie, averiguar a exata individuação das mutáveis regras sociais às quais o envia a
metanorma jurídica. Deverá, por fim, determinar também quais são os efeitos incidentes ao caso
concreto, ou, se estes já vierem indicados, qual a graduação que lhes será conferida no caso
concreto, à vista das possíveis soluções existentes no sistema”. MARTINS-COSTA, Judith. A boa
fé no Direito Privado. p. 326. Assim, o magistrado ao aplicar uma cláusula geral terá o poder-
79
Por último, para melhor precisar o conceito e evitar equívocos posteriores, parece-
nos conveniente separar a noção das cláusulas contratuais gerais dos contratos de
adesão,145 conceitos que muitas vezes são usados indiscriminadamente, tanto pela
doutrina quanto pela jurisprudência, como se os conceitos não fossem distintos.
dever de: 1.º) conferir o conteúdo da cláusula geral; 2º) verificar se a cláusula geral foi atendida no
caso concreto; 3º) estabelecer as conseqüências em caso de descumprimento da cláusula geral,
criando os deveres a serem cumpridos pelas partes para atender à cláusula geral.
145
Esta diferenciação é feita por M. GARCIA-AMIGO: "Nos interesa ante todo resaltar que no es lo
mismo hablar de contratos por adhesión – entendiendo este concepto em el sentido originário y
doctrinalmente clásico de la expresión – que de condiciones generales de los contratos – o, si se
quiere, de contratos celebrados por adhesión a condiciones generales -. Em efecto, los contatos
por adhesión se caracterizan fundamentalmente porque una de las partes intervinientes em el
mismo no hace más que prestar su asentimiento a uma normativa de la relación contractual
rígidamente, ya provenga de la Administración – caso, por ejemplo, de las concesiones de
servicios públicos". [...] "Las condiciones generales, por el contrario, son formuladas siempre
privadamente – em nuestro concepto – por uno de los contratantes o por la asociación o
asociaciones em que se agrupan los futuros contratantes eventualmente o de forma permanente –
o por un tercero – sin que importe el hecho de que a veces deban ser autorizadas o aprobadas
(no constitutivamente) por la Administración - ; em todo caso, su rigidez no llega al extremo de que
al momento de celebrarse el contrato singular em base a ellas no permitan la estipulación de
condiciones particulares que las contradigan, las cuales, por su especialidad, prevalezcan sobre
las primeras; y sin que el contrato singular con las condiciones generales prive a éstas de su
verdadera esencia o naturaleza peculiar. Por tanto, el contrato por adhesión es más amplio, de um
lado, que figura de las condiciones generales, mientras que es más limitado por outra parte; lo cual
no impide que a veces coincidan, por ejemplo, em el supuesto de que el predisponente de
condiciones generales no este dispuesto – y no modifique nunca hecho – sus condiciones
generales al momento y por virtud de estipulaciones particulares em el negocio concreto. Pero aun
en este supuesto de coincidencia, dichos conceptos se refieren a dos momentos lógica y
cronológicamente diversos: las condiciones generales son redactadas previamente a la conclusión
de los contratos o um número indefinido de ellos em base a las mismas; los contratos por
adhesión, em cambio, son actos concretos que dan virtualidad jurídica normativa a las condiciones
generales, ya redactadas, para cada relación contractual concreta y son perfectamente
independientes de todos y cada uno de los demás contratos por adhesión que se celebren em
base a las mismas condiciones generales". GARCIA AMIGO, M. Condiciones generales de los
contratos. p. 135-136). No mesmo sentido, CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA: "Um
grande setor da doutrina, no continente europeu, com exclusão da França, especialmente a partir
do segundo decênio do século, prefere a expressão condições gerais do contrato. Esta expressão
incorre nas mesmas imprecisões da outra, que veio substituir, isto é, também focaliza apenas um
dos lados da relação jurídica, o do fornecedor de produtos ou de serviços, chamando a atenção
para um outro momento, embora o mais importante, o da gênese da relação contratual, bem como
a problemática central do tema e da série de questões que em torno dele se suscitam, deixando
de lado a declaração de aceitação do aderente e os problemas que lhe dizem respeito".
MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 28.
146
GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 4. Explica o autor que
a doutrina francesa, no geral, não distingue as cláusulas contratuais gerais do contrato de adesão
(contrat d'adhesion), embora alguns autores se utilizem de ambas as expressões.
80
Em seu livro Contratos, por sua vez, deixa ainda mais claro que:147
Há, assim, que separar duas fases: a da elaboração das cláusulas, que
antecede e abstrai dos contratos que venham futuramente a celebrar-se, a
qual é uma fase estática, e a da celebração de cada contrato singular, isto
é, a fase em que se celebra efectivamente o contrato com alguém, que é a
fase dinâmica em que se constitui a relação contratual, em que se conclui o
contrato dito de adesão e que integra aquelas cláusulas. Estas duas fases
constituem dois momentos distintos do processo de contratação. E
originam diferentes designações para o mesmo fenômeno: com efeito,
contratos de adesão, condições gerais dos contratos, cláusulas contratuais
gerais, contratos "standard" etc. tem sido, como se sabe, a terminologia
utilizada em vários direitos para designar a mesma realidade. Pondo de
lado a distinção entre contratos de e por adesão – que poucos seguidores
tem tido –, a alternativa tem-se colocado entre as expressões contratos de
147
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999. p. 121.
148
PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções.Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, ano 2, v. 7, p. 7-8, 2001.
81
149
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 38-41.
82
150
LIMBACH, Francis. Le consentemente contractuel à l'épreuve des condition génerales - de l'utilité
du concept de déclaration de volonté. Paris: L.G.D.J., 2004. p. 4; GOMES, Orlando. Contrato de
adesão - condições gerais dos contratos. p. 4; LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos
contratos e cláusulas abusivas. p. 20; CAMARGO SOBRINHO, Mário de. Contrato de adesão - e a
necessidade de uma legislação específica. São Paulo: Lex Editora S.A. p. 54; MIRANDA, Custódio
da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 17.
151
SALEILLES, Raymond. De la déclation de volonté. Paris: F. Pchon-Successeur, 1901. p. 229- 230.
152
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 30.
153
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 38.
154
PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, p. 8-9.
83
Por tais razões, optamos, logo no início, por apresentar a distinção das cláusulas
contratuais gerais dos contratos de adesão, permitindo o enfrentamento de uma
série de discussões propostas pela doutrina, discussões que, em grande parte, são
originadas da confusão de tais institutos, sem prejuízo de novas abordagens a
respeito dessa diferença no decorrer do trabalho.
2.2 CONCEITO155
155
Preferiu-se o termo "conceito", sem preocupação na sua distinção com o termo "definição" que,
segundo EROS GRAU, entre estes existe diferença: "os conceitos jurídicos, vimos, são
expressados através de termos: o termo é o signo do conceito. Ora, porque esses termos são
colhidos na linguagem natural, que é virtualmente ambígua e imprecisa, inúmeras vezes textos
normativos operam a enunciação estipulativa de conceitos, ou seja, definem os seus respectivos
termos. O que se tem referido por 'conceito estipulativo ou legal' corresponde, em regra, a uma
definição, que o texto normativo contempla visando a superar a ambigüidade ou imprecisão do
84
2.2.1 Conceito
termo de certo conceito. A definição jurídica, pois - 'para os efeitos desta lei entende-se por [...]' - ,
é a explicitação do termo do conceito e não deve ser confundida com o conceito jurídico. Este é o
signo de uma significação, expressado pela mediação do termo. A definição jurídica está referida
ao termo, e não diretamente ao conceito; consubstancia – repita-se – uma explicitação do termo
do conceito. Não fora virtualmente ambígua e imprecisa a linguagem jurídica, bastar-nos-iam os
conceitos jurídicos, sendo prescindíveis as definições ou 'conceitos estipulativos ou legais'. Mas
não é bem e apenas assim, contudo. Muitas vezes o ordenamento jurídico alberga conceitos que,
embora diversos, são expressados por um mesmo termo. Nesta hipótese, sob o mesmo termo
conceitual – o que torna ainda mais complexo e desafiador, para o intérprete, o problema da
ambigüidade dos termos e expressões jurídicos – sob o mesmo termo conceitual, dizia eu,
repousam, plasmados pelo ordenamento, distintos conceitos jurídicos. A distinção entre tais
conceitos é evidente, visto que, embora destacados de um núcleo conceitual comum, as coisas,
estados ou situações a que são aplicados sujeitam-se a diversos regimes jurídicos ou a diversas
normas jurídicas". GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do
direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 224. No mesmo sentido, WARAT, Luis Alberto.
Semiótica y derecho. Buenos Aires: Ediciones Eikón. p. 90-106.
156
VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In: Escritos Jurídicos e filosóficos. v. 1. São
Paulo: IBET, 2003. p. 4.
157
VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In: Escritos Jurídicos e filosóficos. p.14 e 15.
158
Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 17 (Conceito Jurídico). São Paulo: Saraiva, 1977. p. 36.
85
não são referidos a objetos, mas sim a significações, produto de uma reflexão, de
uma suma de idéias.159
159
GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. p. 214
160
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - o novo regime das
relações contratuais. p. 66.
161
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - o novo regime das
relações contratuais. p. 67.
162
BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contrato. In: Realtà sociale ed effetività della norma -
scritti giuridici. v. 2, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 475.Esta é a mesma definição trazida pelo autor
em Diritto civile - il contratto, p. 341/342 ("Le condizioni generali di contratto sono le clausule che
un soggeto, il predisponente, utilizza per regolare uniformemente i suoi rapporti contrattuali. La
nozione di condizioni generali si puntualizza anzitutto in relazione al caracttere generale delle
clausule predisposte").
163
DIEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho patrimonal. Madrid: Editorial Tecnos, 1970. p. 236.
86
164
SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 2005. p. 212.
165
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 24.
166
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I – Conceito. Fontes. Formação. p. 148.
167
Expressão usada por MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.
Cf. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais -
anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 2.
87
A lei alemã para o Regulamento das Condições Gerais dos Negócios (Gesetz zur
Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen - AGB-Gesetz), de
1976, no seu § 1.º conceitua as cláusulas contratuais gerais como "aquelas
condições previamente formuladas para uma série indeterminada de contratos, que
uma das partes propõe à outra, na conclusão de um contrato."168
A Lei de Israel (Standard contracts law, Lei n. 5.743/1982) define o contrato standard
como aquele em que as cláusulas contratuais foram predispostas por uma das
168
Hoje esta é a redação do § 305 (1) do BGB.
88
partes, para servir a uma série de contratos nos quais as pessoas não se encontram
identificadas, nem definidas, pela quantidade ou pela identidade.169
169
Art. 2 : “standard contract” as “the text of a contract, all or part of the conditions of which have been
determined in advance by one party in order to serve as conditions of many contracts between him
and persons undefined as to number or identity".
170
"Son condiciones generales de la contratación las cláusulas predispuestas cuya incorporación al
contrato sea impuesta por una de las partes, con independencia de la autoría material de las
mismas, de su apariencia externa, de su extensión y de cualesquiera otras circunstancias,
habiendo sido redactadas con la finalidad de ser incorporadas a una pluralidad de contratos".
171
"Art. 1.341 Condizioni generali di contratto Le condizioni generali di contratto predisposte da uno
dei contraenti sono efficaci nei confronti dell'altro, se al momento della conclusione del contratto
questi le ha conosciute o avrebbe dovuto conoscerle usando l'ordinaria diligenza (1.370, 2.211). In
ogni caso non hanno effetto, se non sono specificamente approvate per iscritto, le condizioni che
stabiliscono, a favore di colui che le ha predisposte, limitazioni di responsabilità, (1.229), facoltà di
recedere dal contratto(1.373) o di sospenderne l'esecuzione, ovvero sanciscono a carico dell'altro
contraente decadenze (2.964 e seguenti), limitazioni alla facoltà di opporre eccezioni (1.462),
restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti coi terzi (1.379, 2.557, 2.596), tacita proroga o
rinnovazione del contratto, clausole compromissorie (Cod. Proc. Civ. 808) o deroghe (Cod. Proc.
Civ. 6) alla competenza dell'autorità giudiziaria".
172
"1.379 - Le contrat est d'adhésion lorsque les stipulations essentielles qu'il comporte ont été
imposées par l'une des parties ou rédigées par elle, pour son compte ou suivant ses instructions,
et qu'elles ne pouvaient être librement discutées. Tout contrat qui n'est pas d'adhésion est de gré à
89
gré." Sobre os contratos de adesão, consultar ainda o Código Europeu dos Contratos, arts. 39, 40
e 41 (Analyse du texte contractuel et évaluation des éléments extrinsèques à l’acte – expressions
ambiguës – expressions obscures); Código Civil de Quebec, art. 1432; Código Civil russo, art. 428;
Código Civil alemão, § 305c.
173
"Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1.° A inserção de
cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato; § 2.° Nos contratos de
adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor,
ressalvando-se o disposto no § 2.° do artigo anterior; § 3.° Os contratos de adesão escritos serão
redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua
compreensão pelo consumidor; § 4.° As cláusulas que implicarem limitação de direito do
consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão; §
5.° (Vetado)."
174
"Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á
adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas
as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do
negócio".
90
Deixando de lado as cláusulas contratuais gerais que coincidem com normas legais
ou administrativas (que formam os contratos administrativos ou os regrados de
qualquer forma pela administração), as demais procedem todas da autonomia
privada, que pode se manifestar de diversas formas, que dão origem a classes
distintas de cláusulas contratuais gerais. Quanto à origem, elas podem ser
formuladas:175
175
GARCIA-AMICO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 143-144.
91
O que precisa ficar bem claro é que, apesar da multiplicidade de origens, essa
predisposição será ato unilateral do predisponente.
176
LÔBO, Paulo Luiz Netto. p. 72. Para ALMENO DE SÁ, as cláusulas contratuais gerais podem ser
elaboradas por terceiros, e não por um dos contraentes. No entanto, tal ocorrência não modifica a
sua natureza de cláusula geral. SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre
cláusulas abusivas. p. 215-217. O mesmo autor entende que igualmente não altera a
caracterização como cláusula contratual geral a complementação dos modelos de contrato, desde
que não se ingresse no conteúdo material do contrato. Tampouco ocorre a desnaturação, para
este autor, se forem efetuados contratos entre associações representativas de direitos coletivos, a
estipulação de cláusulas efetivamente negociadas ou a existência das cláusulas contratuais gerais
em segmento externo ao instrumento do contrato.
92
Mas sobre esta questão, vale uma observação importante. Explica CLÁUDIA LIMA
MARQUES177 que as cláusulas devem ser elaboradas unilateralmente por um dos
contraentes, ou mesmo por terceiros, e são oferecidas à aceitação do outro. Quando
as cláusulas são formadas por um terceiro (tabelião, imobiliária, associação de
empresários etc.), para a doutrina portuguesa, o importante é a existência de
cláusulas contratuais gerais, independentemente de terem sido elaboradas pelo
proponente ou por terceiro. Já a doutrina alemã utiliza como critério o fato de o
terceiro ser neutro na relação contratual ou não. Segundo a autora, a primeira
solução é mais justa, porque ao Direito interessa a técnica de pré-elaboração
unilateral e de simples opção de aceitação para o outro contraente e não a ideologia
do elaborador das cláusulas contratuais gerais.
Deve ficar claro, portanto, que quando falamos em unilateralidade não estamos
afirmando que só haverá cláusulas contratuais gerais se estas forem produzidas
materialmente pelo proponente. A autoria intelectual e material dessas cláusulas não
177
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 68.
178
"Art. 2.º – O artigo anterior abrange, salvo disposição em contrário, todas as cláusulas contratuais
gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam
ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de
terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros". Para o art. 1.1. da lei
espanhola sobre as cláusulas contratuais gerais, a autoria material não é nota exclusiva para sua
configuração.
179
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 19.
93
Esta característica já serviria para não enquadrar as cláusulas contratuais gerais nos
tradicionais quadros do contrato. Como afirma JOAQUIM DE SOUZA RIBEIRO:181
180
GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 87
181
RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato - as cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 278.
94
Ocorre que, como observado pelo próprio autor, a liberdade negocial precisa ser
adaptada à nova realidade, em que falamos, propositadamente, em autonomia
privada e não mais em autonomia da vontade. Em alguns países,182 as cláusulas
contratuais gerais só se incorporarão no contrato se tiverem sido comunicadas ao
aderente e este acordar na sua inclusão. Além disso, não se nega a possibilidade de
controle posterior das cláusulas consideradas abusivas, mas, ainda que em novos
termos, permanece em doutrina a acentuação da unilateralidade das cláusulas
contratuais gerais.
182
Por exemplo, § 2º do AGB-Gesetz.
183
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p 26 e 58.
95
Quando se fala que as cláusulas contratuais gerais são predispostas, significa dizer
que estas são organizadas ou redigidas previamente pelo proponente, a ser
oferecido ao aderente que, em momento posterior, aceitará ou não o futuro contrato.
São pré-redigidas antes do consenso, fixadas com anterioridade ao começo da fase
de negociação do contrato. Como se verá, as cláusulas contratuais gerais se
formam e existem juridicamente em momento anterior ao futuro contrato, e sua
formação não se confunde com a formação do contrato de adesão.
184
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I – Conceito. Fontes. Formação. p. 148.
185
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das
relações contratuais. p. 69.
96
Como vimos, a redação antecipada das cláusulas deve ser efetuada por apenas
uma das partes, imposta de maneira unilateral, para que a outra apenas manifeste
sua aceitação a elas. Ademais, deve estar presente a intenção do contraente que
procede a tal elaboração de utilizar o modelo de contrato previamente redigido para
uma multiplicidade de contratos futuros. Trata-se da criação de uma base para
regular situações jurídicas posteriores com diversos parceiros contratantes. Equivale
a dizer que tais cláusulas são criadas para uma pluralidade de casos ou contratantes
supervenientes.
186
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das
relações contratuais. p. 67.
187
SÁ, Almeno de. Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas. p. 214-215.
188
RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 447.
97
189
GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão,
Giuffrè, 1961. p. 803.
190
RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 452 - 454.
98
Può, azitutto, volersi dire che la clausola è generale, perché si pone come
antitetica ala clausola <<especiale>>, o <<specifica>>, o <<particulare>>;
e, dall'antitesi, l'aggettivo trae significato di <<normale>>, o di <<usuale>>.
Ovvero, si vuol significare che una clausola è generale, quando sia
191
MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. v. XXI, t. 1. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1973. p. 425.
99
Há que ser salientado, todavia, que para alguns autores as cláusulas contratuais
gerais não perderão o caráter de generalidade se pré-formuladas para atender a
uma demanda específica dentro de uma unidade comercial, admitindo-se, neste
caso, a utilização de cláusulas contratuais gerais para um número determinado de
contratos. Por exemplo, quando uma empresa deseja se livrar do estoque de um
dado produto, pré-formulando as cláusulas contratuais gerais que regularão esse
número limitado de operações de venda.193
192
BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed
effetività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 476.
193
Exemplo criado por EDUARDO MESSIAS GONÇALVES DE LYRA JÚNIOR. LYRA JÚNIOR,
Eduardo Messias Gonçalves. Contratos de Adesão e condições gerais dos contratos. Revista dos
Tribunais, n. 828, p. 25, out./ 2004.
194
SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 214-215.
100
Além de ser voltada a uma coletividade e ao público em geral, o alvo deve ser
indeterminado. E é preciso também que a cláusula seja abstrata, indeterminada. Tal
característica será objeto do tópico seguinte.
101
195
BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto. In: Realtà sociale ed effetività della norma. p.
477.
196
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 26.
197
GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 11.
198
SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p.215.
102
2.3.5 Rigidez
199
Tais observações levaram a alguns autores, como JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, a preferir a
nomenclatura generalidade ao invés de indeterminação. A indeterminação pode dar a idéia de que
o instituto exige indeterminação do número e da identidade dos potenciais contratantes, o que a
letra da lei não parece constituir obstáculo. O significado "multiplicidade" exprime-se melhor com a
palavra "generalidade", menos marcada e mais neutra que "indeterminação". RIBEIRO, Joaquim
de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade
contratual. p. 447 e ss.
200
MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. p. 431.
201
GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 10.
103
202
SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 216-217.
104
205
Relação idealizada por LÔBO, Paulo Luiz Netto . Condições gerais dos contratos e cláusulas
abusivas. p. 188.
206
BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto, usi negoziali e principio di effetività. In: Realtà
sociale ed effetività della norma. p. 207.
106
autor italiano, somente tendo em mente essa visão será possível um controle
jurídico adequado:
207
COSTANZA, Maria. Natura normativa delle condizioni. In: BIANCA, C. Massimo. Le Condizioni
Generali di contratto. v. 1. Milão: Giuffrè, 1979. p. 159.
107
208
BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed
effetività della norma. Milão: Giuffrè, 2002. p. 531-546.
108
Além disso, as cláusulas contratuais gerais não poderiam ser equiparadas à lei em
sentido estrito porque:209
i) a lei é editada por órgão público que detém titularidade de poder estatal e
competência legislativa, as cláusulas contratuais gerais são editadas por
quem exerce atividade econômica privada;
ii) a lei persegue a finalidade pública e o bem coletivo; as cláusulas
contratuais gerais perseguem finalidade privada;
iii) a lei incide (produz efeitos) sobre os fatos (suporte fático) e quando estes,
por ela mesma previstos, acontecem; as cláusulas contratuais gerais
dependem de integração a cada contrato individual para que produzam
efeitos concretos;
iv) a lei não precisa ser conhecida prévia e efetivamente para que possa ser
eficaz; a eficácia das cláusulas contratuais gerais depende do cumprimento
da prestação de meios de cognoscibilidade, por parte do predisponente;
v) o legislador não é parte interessada nos negócios jurídicos que à lei ficam
sujeitos, o predisponente é parte interessada em todos os contratos sujeitos a
cláusulas contratuais gerais;
vi) a lei (no Estado de Direito) assenta-se no princípio da igualdade; na
aplicação das cláusulas contratuais, favorece-se uma das partes (o aderente).
209
Observações de LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p.
189.
109
Sendo contrato (ou parte dele), as cláusulas contratuais gerais deverão ser
interpretadas como os negócios jurídicos em geral (CC, art. 112), sendo o aderente
parte contratual concreta. Elas integram a oferta e seguem a sua sorte.
210
GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. Madrid: Revista de Derecho
Privado, 1969. p. 100-131.
211
GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 162-164.
212
RIZO, Vito. Condizioni generali del contratto e predisposizione normativa. Camerino: Scientifiche
italiane, 1983. p. 29-33.
110
[...] somos mais inclinados a crer, como já se viu, que as condições gerais,
uma vez emitidas e colocadas à disposição do público, isto é, levadas ao
conhecimento deste, por qualquer forma, integram uma proposta negocial,
do gênero de uma promessa irrevogável de contratar, gerando no aderente
um direito potestativo, de emitir a declaração de aceitação, não mais
podendo o estipulante eximir-se de contratar, naquelas condições
predispostas.
Pois bem. A tese normativa põe em relevo o ato de predisposição das cláusulas
contratuais gerais, a tese contratualista atribui relevo ao momento em que as
cláusulas contratuais gerais são integradas ao contrato. Percebendo a
complementabilidade das duas teorias, busca a teoria eclética uma solução fora dos
quadros parciais apresentados por elas.
213
MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 152.
214
LARENZ, Karl. Derecho de obligaziones. v. 1 Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958.
p. 127.
111
O maior defensor da teoria eclética em nosso país é PAULO LUIZ NETTO LÔBO.
Ele explica as razões da confusão entre as teorias:215
215
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 197.
112
216
PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado . t. 38. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p.
29.
217
GENOVESE, Anteo. Le condizioni generali di contratto. Pádua: Cedam, 1954. p. 120 e ss.
218
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I. Conceito. Fontes. Formação. 2. ed. p. 155.
113
Criticando esta posição, pondera PAULO LUIZ NETTO LÔBO,219 insistindo que a
confusão entre os conceitos adesão e cláusulas contratuais gerais pode gerar a
unificação de figuras distintas:
219
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 200.
220
Sobre a questão da duração da oferta ao público, cumpre colacionar os ensinamentos de DARCY
BESSONE: "a questão da duração da oferta ao público não é destituída de dificuldades (...) O
termo final constitui outro problema. Vivante considera a proposta persistente durante o tempo
estabelecido no anúncio, ou determinado pela natureza do negócio. A publicação da revogação,
quando a oferta for sem prazo, operará em relação ao futuro, mas não a respeito dos atos
praticados por confiança na proposta. Tratando-se de proposta que, por sua natureza, deva ser
considerada permanente, vigorará, enquanto não for retirada. Vivante fala, com razão, no senso
jurídico do público, que confia na oferta e conta com a sua execução, para justificar a
responsabilidade de que o ofende, perturbando, maliciosamente, o mercado com ofertas que não
queria ou não possa manter. É de acordo com esse senso jurídico que as circunstâncias deverão
ser ponderadas". BESSONE, Darcy. Do contrato. Teoria Geral. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 140.
114
Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,221 as cláusulas contratuais gerais são editadas
para regular o contrato de adesão e, por isso, antecedem a oferta ao público, tendo,
portanto, função distinta. Assim, conclui que as cláusulas contratuais gerais são atos
normativos-negociais, ou atos mistos típicos, levando em consideração o caráter
heterônomo dessas, eis que:
221
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 201- 203.
115
224
BESSONE, Darcy. Do contrato. Teoria Geral. p. 61.
225
Expondo o que seria o contrato-tipo, sem, contudo, apresentar uma distinção segura com as
cláusulas contratuais gerais, MÁRIO DE CAMARGO SOBRINHO: "Nos contratos-tipo a técnica de
formação é análoga. É comum, hoje em dia, as partes recorrerem a fórmulas tipo, que servem de
modelo para os contratos que pretendam concluir entre elas. Encontram-se impressas nas
livrarias, nas bancas de revistas, à disposição de quem as queira utilizar. Formas prontas dos mais
variados contratos, como, por exemplo, os contratos de locação. Podem ser elaborados pelas
empresas ou pela Administração Pública, para servirem de modelos para futuros contratos."
SOBRINHO, Mário de Camargo. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação
específica. São Paulo: Lex Editora S.A., 2000. p. 61.
226
MESSINEO, Francesco. Il contratto in genere. v. XXI, t. I. Milão: Giuffrè, 1973. p. 680 e 682.
117
Mas é errado pensar que o contrato-tipo é um modelo facultativo. Pode a lei ou ato
administrativo impor uma fórmula tipo de contrato. Exemplo que pode ser citado é a
exigência do art. 18, VI, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979),
que subordina o registro do loteamento ou desmembramento à juntada de "exemplar
de contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de
cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta
lei".
227
Sobre a definição de "acordo", importa trazer a manifestação de EMILIO BETTI: “O negócio
(bilateral ou plurilateral) de interesses opostos ou divergentes é o contrato; pelo contrário, o
negócio (sobretudo o plurilateral, mas também o bilateral), com interesses paralelos ou
convergentes para um escopo comum, costuma qualificar-se como <<acordos>>, no sentido mais
restrito que, doutrinariamente, se convencionou dar a este termo. Para compreender bem a
distinção entre o contrato e acordo em sentido estrito, é preciso ter em conta a relatividade destas
qualificações. << Contrato>> e <<acordo>> não designam categorias de negócios claramente
antitéticas (que elas não são antitéticas, é logo demonstrado pela simples reflexão de que o
acordo, no sentido lato, é o primeiro requisito do contrato: art. 1325, n. 1, do Cód. Civil)”. BETTI,
Emilio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. t. II. Coimbra: Coimbra editora, Trad. Fernando de
Miranda, 1969. p. 198.
118
por terem eficácia imediata e serem passíveis de negociação, não podem ser
confundidos com as cláusulas contratuais gerais.
RUY CIRNE LIMA,228 em curto parecer publicado na Revista de Direito Civil, explica
que os acordos normativos possuem conteúdo exclusivamente normativo, com
aplicação ao status que, pela submissão às mesmas normas, atribui ao co-
contratante.
228
LIMA, Ruy Cirne. Contrato e acordo normativo. Revista de Direito Civil, São Paulo, RT, ano 7, n.
26, p. 179-180, out./dez. 1983.
229
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 44.
230
Na contratação do serviço de provedores de internet é comum a cláusula contratual no seguinte
sentido: "a aceitação total das condições, regras e normas descritas neste regulamento, assim
como das disposições constantes nas 'condições gerais de contratação do serviço X banda larga’,
no contrato da operadora, no plano participante escolhido, bem como das demais regras e
condições contratuais aplicáveis". Em regra, estas cláusulas contratuais gerais não se encontram
escritas em nenhum lugar do site. Nos bilhetes de passagem aérea, as transportadoras declaram
119
Essa disposição, com algumas variantes, também pode ser encontrada no contrato
de adesão referente à prestação dos serviços de distribuição de gás canalizado. No
Estado de São Paulo, por exemplo, no contrato oferecido pela Companhia de Gás
de São Paulo (CONGÁS), a cláusula nona dispõe expressamente caber à
predisponente dirimir toda e qualquer divergência oriunda do contrato, alterando-o,
caso necessário.
que se reservam o direito de recusar o transporte de qualquer pessoa que tenha adquirido um
bilhete em violação às leis aplicáveis ou a tarifas, "normas e regulamentos do transportador”. As
normas e regulamentos do transportador não estão transcritos no bilhete.
120
Como afirmamos em linhas anteriores, nada impede que a autoria intelectual das
cláusulas contratuais gerais seja feita por um grupo de empresas. A título de
exemplo, podemos citar um acordo de acionistas entre fundos de investimentos por
meio do qual são estipuladas cláusulas contratuais gerais para investimento em
ações, aquisição de participações relevantes em empresas, bem como a aferição de
lucro para seus investidores, por intermédio de uma gestão influente e controlada,
pela venda dos ativos que compõem sua carteira por preços superiores àqueles
pelos quais os adquiriu, ao final do prazo de duração do fundo. Como afirma RENAN
LOTUFO,231 em parecer específico sobre esta questão, ainda que o regime jurídico
do fundo seja especial, e não regulado pelo nosso direito positivo à época da oferta
feita, tem-se que o negócio se originou sob a forma da invitatio ad oferendum, ou
seja, ofereceu-se a oportunidade de quem quiser vir a manifestar vontade no mesmo
sentido, mediante adesão ao que estava previamente fixado como causa final. O
que estava estabelecido são as cláusulas gerais, que não ficam submetidas à livre
negociação com os interessados em aderir ao contrato, o exercício de sua
231
Ver parecer do Professor RENAN LOTUFO, juntado na Ação judicial n. 2004.001.038.949-7, em
curso perante a 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro. Inédito.
121
Por enquanto, não cabe analisar se há ou não abusividade em tais situações. Aliás,
é importante dizer desde já que, ao contrário do que se pode pensar, com a
proliferação dos estudos consumeristas, é que nem todas as cláusulas contratuais
gerais são consideradas abusivas.
3
AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO
3.1 INTRODUÇÃO
232
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português. I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed.
Coimbra: Almedina, 2005. p. 600.
123
233
De acordo com EWOUD H. HONDIUS a lei polonesa de obrigações, editada em 1933, foi a
primeira norma reguladora de condições gerais. HONDIUS, Ewoud H. Il controllo sulle condizioni
generali nel diritto olandese. BIANCA, Massimo. (Coord.). Le condizioni generali di contratto. p.
407 e ss. Essa lei precedeu a previsão sobre condições gerais conferida pelo Código Civil italiano,
de 1942, o qual foi o primeiro diploma codificado a tratar do assunto. GOMES, Orlando. Contrato
de adesão. p. 131, noticia, ainda, a existência de previsão no Código Civil da Etiópia, de 1960,
que, em seus artigos 3135, também tratou do tema. Esse código divide as cláusulas contratuais
gerais em três espécies: i) condições gerais para contratos administrativos; ii) condições gerais
para os contratos privados aprovados pela Administração Pública; iii) condições gerais para os
contratos privados não aprovados pela Administração Pública. Este Código também é trabalhado
por M. GARCIA-AMIGO, em seu Condiciones generales de los contratos. p. 53.
Na esteira de outras legislações, nos Estados Unidos foi editado, em 1975, o “Magnusson-Moss
Warrranty – Federal Trade Comission Improvement Act”, também chamado “Warranty Act”. À
época, foi considerada um “bill of rights” dos consumidores. Buscou assegurar o direito à
informação dos consumidores, possibilitado pelo emprego de vocabulário simplificado nas
condições gerais, acessível a esse público. Além disso, o “Warranty Act” definiu formas de
controle, adotando um sistema misto – administrativo e judicial, o primeiro exercido pela “Federal
Trade Comission” e o segundo por meio de propositura de “class actions” (ação que visa a
assegurar direitos difusos). O foco do “Warranty Act” são as cláusulas de garantia, tidas como
instrumento contra condições gerais abusivas. Para tanto, além de prever o uso de uma linguagem
clara na redação dessas cláusulas, elencou ainda um rol exemplificativo de cláusulas abusivas. As
características das cláusulas contratuais gerais nos Estados Unidos serão retomados quando do
estudo das cláusulas abusivas.
124
234
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed. p.
604.
125
diretiva mínima pela qual os Estados poderiam dispor mais, e não menos, do que ali
se declara.
Para o autor português, esta diretiva usou conceitos, como o da boa-fé, que
demonstram uma dificuldade em serem aplicados uniformemente nos diversos
países componentes da comunidade. Apesar dessas críticas, entretanto, a Diretiva
n. 13/1993 influenciou as legislações no sentido de expandir seu alcance.
O primeiro artigo que disciplinou o assunto no Código Civil italiano foi o art. 1.341,
que ainda aborda os critérios de eficácia e traz uma lista das cláusulas consideradas
abusivas, as quais não são nulas de pleno direito, e sim ineficazes. Poderão ser
tidas por eficazes se forem aprovadas por escrito, conforme a previsão do parágrafo
único do mesmo artigo. No entanto, verifica-se que, nesta parte, tal disposição do
Código Civil italiano conduz ao direito contratual comum. É trazida a idéia de
consentimento, própria dessa área de estudo.
PAULO LUIZ NETO LÔBO236 informa que houve um afastamento dessa disposição
literal da lei, negando validade à hipótese de aprovação por escrito quando as
235
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed. p.
605.
236
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 95.
126
O segundo artigo que regula a matéria é o art. 1.342, que cuida dos contratos feitos
com o uso de formulários (contratos-tipo), isto é, modelos predispostos para regular
contratos posteriormente celebrados de modo uniforme, cuja distinção já foi por nós
apresentada.
237
BIANCA, C. Massimo, em sentido contrário, defendendo a disposição do Código Civil italiano: “La
circostanza che l’aderente abbia effettiva conoscenza delle clausole vessatorie non gli consente
comunque di discuterle. Le condizioni generali sono predisposte proprio per evitar ela
negoziazione del contenuto del contratto e quindi, di regola, l’aderente no ha altra scelta che
accettare o rifiutare il contratto cosi come esso è predisposto. Ma anche questa scelta è in realtà
illusoria già per lê tendenze degli imprenditori del settore ad utilizzare teste analoghi di condizioni
generali. Condizioni Generali di Contratto.Diritto comparato e straniero”, em “Realtá sociale ed
effettività della norma”, Scritti Giuridici, volume secondo – “Obligazioni e Contratti Responsabilità”,
t. II, Giuffrè Editore, 2002. p. 518.
238
Capo aggiunto dall'art.25, l. 6 febbraio 1996, n.52, in attuazione della direttiva 93/13/CEE .
127
O AGBG fora adoptado como lei autónoma por duas razões: pelo respeito
que se decidiu tributar à velha concepção liberal do BGB e pela idéia de
que, no fundo, se trataria de mero diploma marginal, virado para uma franja
de contratos. O primeiro aspecto é reversível: o respeito pelo BGB
justificaria que o mesmo fosse mantido em vida, sendo actualizado. O
segundo foi refutado pelos factos: a grande maioria dos contratos passa,
hoje, por cláusulas contratuais gerais, de tal modo que, em termos
quantitativos, o próprio BGB acabaria por ser uma ‘lei franja’. Optou-se,
pois, pela integração do AGBG no BGB. Consubstancia-se uma solução
propugnada na altura, mas que não deixou de encontrar oposição; tratar-
se-ia de uma iniciativa-surpresa, totalmente inesperada; o AGBG nem seria
uma lei relativa a consumidores; não haveria, finalmente, qualquer défice
de aplicação.
239
CORDEIRO, António Menezes. Da modernização do Direito Civil. I – Aspectos Gerais. p. 120-121.
240
C. MASSIMO BIANCA, ao tratar das mudanças empreendidas pela “AGB-Gesetz”, discorre sobre
o § 9 desse diploma (hoje equivalente ao § 307, I: “Momento importante di questa riforma è
l’ampiezza del richiamo al principio della buona fede. Questo principio è già fattivamente operante
nell’ordinamento, ma il suo richiamo sta a sottolineare il riconoscimento attribuito al potere
discrezionale del giudice nel valutare il rapporto secondo criteri di giustizia sostanziale al di là del
contenuto del contratto”. BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto
comparato e straniero. In: Realtá sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo
– Obligazioni e Contratti Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 522.
128
Não são acobertados os direitos das sucessões e das sociedades, bem como certos
tipos de fornecimento de serviços públicos e produtos. Estão excluídas também as
cláusulas contratuais gerais usadas por pessoa jurídica de direito público e por
comerciantes, se elas forem praticadas habitualmente por força do ramo da
atividade. Os direitos do trabalho, antes excluídos da proteção conferida pela ABG-
Gesetz, passaram a ser abarcados quando houve a sua transposição para o BGB.
241
“La riforma tedesca si occupa anche dell’aspetto dei requisiti de inclusione delle clausole nel
contenuto del contratto, richiedendo che esse siano indicate espressamente dal predisponente o,
se cio è particolarmente difficile, che esse siano rese chiaramente visibili nel luogo di conclusione
del contratto. L’aderente deve comunque avere assicurata la possibilita (in zumutbarer Weise), e
deve essere d’accordo su di esse. In tal modo, è stato affermato , la riforma tedesca avrebbe
respinto il principio italiano dell’inclusione della clausula nel contratto in base al principio della sua
<< conoscibilità>> da parte dell’adererente. La riforma risponde allá specifica esigenza di tutela dei
consumatori e, seguendo la tendenza rilevata in altre riforme, è destinata ai contratti in cui
l’aderente no è um imprenditore nell’esercizio della sua attività professionale. Ache ai contratti fra
imprenditori trova per altro applicazione la clausola generale che sancisce l’inefficacia delle
clausole che pregiudicano sproporzionatamente l’aderente in contrasto col principio di buona fede”.
BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero. In: Realtá
sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti
Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 523.
129
No regramento da matéria hoje feito no BGB, foi definida como princípio basilar da
eficácia e da interpretação das cláusulas contratuais gerais a cláusula geral de boa-
fé, consignada no § 307, I, (equivalente ao § 9, 1, da AGB-Gesetz) do supracitado
diploma legal, sob o nomen juris Inhaltskontrolle (controle de conteúdo). O texto
desse parágrafo veda a estipulação de cláusulas que gerem ao aderente
desvantagem desarrazoada.
O primeiro mecanismo para evitar a sua incidência foi o controle por um órgão
administrativo (Director General of Fair Trading Office), que tem por função estimular
a adoção de condições não abusivas por associações profissionais de categoria e
empresas. Isso se faz pela indicação para que apliquem os chamados codes of
practice, que são modelos de regulação de contratos de uma forma leal e uma forma
de valoração do regulamento negocial adotado. Ao órgão administrativo compete
ainda fazer cessar práticas abusivas e pode agir como uma corte especial contra as
práticas comerciais restritivas (como a Restrictive Practices Court, mencionada no
Restrictive Practices Act, de 1956).
Verifica-se que o Unfair Contracts Terms Act (UCTA), de 1977, teve por finalidade
combater cláusulas abusivas, que eram objetivamente caracterizadas segundo
critérios definidos em lei até então atípicos no sistema da common law.
Enquanto não existia uma lei específica para tutela do consumidor, a UCTA conferia
atenção especial aos contratos de fornecimento ou venda de produtos, para uso dos
130
O Unfair terms in consumer contracts regulations de 1994 teve por escopo fazer
atuar a Diretiva Comunitária n. 13/1993 dentro do ordenamento inglês. Logo nos
primeiros artigos (1.º e 2.º), está explicitado o âmbito de aplicação das Regulations
("aplicam-se a qualquer cláusula contida nos contratos celebrados entre um
vendedor ou fornecedor e um consumidor quando as referidas cláusulas não tenham
sido individualmente negociadas"). As cláusulas abusivas são tratadas no art. 4.º. Há
a repetição do disposto na diretiva, incorporando ao ordenamento jurídico inglês a
regra geral de abusividade ("cláusula abusiva quer dizer a que, contrária às
exigências da boa-fé, causa desequilíbrio significativo nos direitos e obrigações das
partes". Para verificar se uma cláusula satisfaz as exigências da boa-fé, haverá de
se ter em conta às matérias especificadas na Schedule 2 das Regulations, segundo
a qual, na avaliação da boa-fé, haverá de se ter em conta a força do poder de
barganha das partes, se o consumidor foi induzido a aceitar a cláusula, se os bens
ou os serviços foram vendidos ou prestado em razão de uma encomenda especial
do consumidor etc. No art. 6.º, são dispostas as regras sobre interpretação. No art.
242
BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero, In: Realtá
sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti
Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 520: “Per quanto riguarda lê dirette limitazioni
all’autonomia conttratuale, dopo vari interventi legislativi, aventi oggetti più delimitati, si è giunti nel
1977 all’emanazione dell’ “Unfair Contract Terms Act”, riguardante in generale i contratti di cui è
parte um consumatore o um aderente alle clausole generali scritte dalla controparte. Tale legge,
tra l’altro, vieta le clausole di esonero da responsabilità in favore dell’imprenditore o predisponente,
e quelle que gli attribuiscono la facoltà di variarei l contenuto del contratto o di rifiutare la
prestazione, salvo che dette clausole soddisfino il requisito della ragionevolezza (reasonableness).
131
8.º, estão dispostas as regras para prevenção do uso continuado das cláusulas
abusivas.
Os efeitos de aplicação da UCTA diferem dos que derivam das Regulations de 1994.
Esta última faz previsão da aplicação de um test of fairness (aferição de
razoabilidade) com a conseqüente ineficácia da cláusula considerada abusiva. Ao
contrário, a UCTA de 1977 estabelece, sem mais, a ineficácia de algumas cláusulas
típicas, enquanto outras o são apenas se excederem o critério de razoabilidade.
A Lei n. 78-23, de 1978, também chamada Lei Scrivener, estipulou a proteção dos
consumidores contra as cláusulas abusivas. O conceito de cláusula abusiva nessa
lei incluía, além do desequilíbrio entre os contratantes, o abuso do poder econômico
(art. 35, Após 1978, foram promulgadas na França diversas leis posteriores tentando
regular a questão da abusividade e as relações de consumo. Os textos legislativos
243
ver BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom ("to an English lawyer the Unfair
Terms Directive was a curious mixture of the familiar and the strange"). p. 26.
244
MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 209.
245
ALPA, Guido; ANDENAS, Mads. Fondamenti del diritto privato europeo. Giuffrè, 2005. p. 406-412.
132
eram numerosos, muitas vezes tratavam de matérias que não guardavam coerência
entre si. Em 1982, a então Ministra do Consumo, Mme. LALUMIÉRE, sensível a
esses problemas, criou uma comissão de reforma do direito do consumo. Os
trabalhos dessa comissão retomaram em 1989, sob o impulso da secretária de
Estado encarregada do consumo, Mme. NIERTZ, tendo sido apresentado um
segundo relatório em 1990. Esta Comissão propunha-se a substituir os textos legais
existentes por um código. Mas, diante da dificuldade de submeter ao parlamento um
texto de mais de 300 artigos, o governo francês optou por uma solução menos
ambiciosa, que foi a de compilar textos até então existentes, sem modificação. Em
26 de julho de 1993, procedendo à compliação dos textos legislativos existentes,
criou-se o Code de la Consommation na França, que ainda recebe severas críticas,
por causa da falta de coerência e por não ser considerado completo.
Por essa última lei, o art. L 132-1 passou a ter a seguinte redação, no que tange ao
conceito de cláusula abusiva:
3.7 SUÉCIA
246
CALAIS-AULOY, Jean. Les clauses abusives en droit français. In: GHESTIN, Jacques. Les clauses
abusives dans les contrats types en France et en Europe. Paris: LGDJ, 1991. p. 117.
247
Nos países nórdicos (Finlândia, Noruega e Suécia), em 1976, foi inserida uma seção (seção 36),
introduzindo nesses países regras sobre contratos desleais (unfair contracts terms), aplicadas
aoconsumidor. Esta Seção 36 também foi integrada na Finlância e na Noruega em 1982 e 1986,
respectivamente. Ver WILHELMSSON, Thomas. A nordic perspective. The integration of Directive
93/13 into the national legal sistems. Disponível em:
<http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf> Acesso em:
13 ago. 2006.
248
CAMARGO SOBRINHO, Mário de. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação
específica. p. 112-113.
134
A Diretiva n. 13/1993, da CEE, foi integrada ao ordenamento jurídico sueco pelo ato
de proteção ao consumidor (Consumer Protection Act) de 1994 que, em conjunto
com o Contracts Act Section 36, prescrevem regras para proteção dos aderentes
(consumidores ou não) contra as cláusulas consideradas abusivas.
A lei israelita, de 1982, tem como ponto marcante a criação do Tribunal Especial de
Contratos Standard, o qual substituiu um Conselho (Board) previsto por uma lei de
1964,251 o qual não atingiu os objetivos a que se prestava. Esse tribunal é composto
249
Conforme narra C. MASSIMO BIANCA: “Il sistema attuato nell’ordinamento svedese si fonda
principalmente sul controllo preventivo del Consumer Ombudsman, quale organo autônomo e
quale direttore del National Board for Consumer Policies, e sul controllo giurisdizionale di uma
speciale Corte del Mercato. Il Consumer Ombudsman há um complesso compito di verifica e di
indirizzo dell’attività negoziale delle imprese che comporta, tra l’altro, um diretto intervento al fine di
eliminare o modificare lê clausole che determinano um abusivo squilibrio delle posizioni
contrattuali. Di fronte al persistente uso di clausole “eccesive” il Consumer Ombudsman nonchè
anche associazioni di categoría possono adire la Corte del Mercato, la quale può interdire
all’imprenditore di usare nel futuro e nei contratti analoghi clausole identiche o sostanzialmente
identiche.Vários outros países além da Suécia, adotaram textos gerais, instituindo a figura do
Ombudsman (órgão especial de amparo ao consumidor, que atende às reclamações dos
consumidores, inclusive defendendo judicialmente ações dignas da proteção estatal), a saber:
Noruega, 1972; Dinamarca, 1974, Finlândia, 1978, como, dentre os primeiros, o Japão (“Lei
fundamental sobre proteção do consumidor”, 1968); o México (“Lei federal de proteção do
consumidor, 5.2.1976); e a Áustria (“Lei de proteção do consumidor”, 1979).
250
WILHELMSSON, Thomas. A nordic perspective. The integration of Directive 93/13 into the national
legal sistems. p. 20.
251
C. MASSIMO BIANCA trata de algumas funções do “Board”, no regime da “Standard Contract
Law” do ano de 1964: “Il controllo admministrativo è previsto relativamente alle condizioni generali
onerose indicate nella stessa legge, ed è esercitato da uma specifica commissione, il Board, già
prevista dalla Restrictive Trade Practices Law del 1959. Al Board possono ricorrere le imprese che
intendono ottenere uma preventiva approvazione delle proprie condizioni generali e, per questa
via, l’ulteriore insindacabilità delle condizioni stesse da parte dell’autorità giudiziaria. A seguito di
um emendamento del 1969 il ricorso al Board può essere proposto dall’Attorney General e dalle
legittimate associazoni di consumatori per ottenere la cancellazione delle condizioni
135
por juízes de carreira e membros da sociedade civil, sendo dois deles indicados pelo
Ministério da Justiça como representantes de associações de consumidores. Tem
como funções: i) controle preventivo abstrato; ii) controle judicial concreto. Quanto
ao primeiro, dá-se pela apresentação das cláusulas contratuais gerais ao órgão
judicial pelo predisponente, mas essa não é obrigatória, é uma opção deste. No
entanto, a aprovação garante sua validade pelo prazo de cinco anos e produz efeito
vinculante contra todos, inclusive o Tribunal. O segundo se faz pela invalidação ou
alteração das cláusulas contratuais gerais que conflitem com a lei, o que pode ser
pleiteado pelo Ministério Público, pelo Comissário de Proteção dos Consumidores,
por qualquer autoridade pública ou associação de consumidores.
A lei não faz referência à cláusula geral da boa-fé, porém o modelo adotado pela
verificação de vantagem indevida supre essa omissão.
Após definir condição (como sendo uma estipulação predefinida pelo predisponente
e integrada a um contrato standard), a lei conceitua sua abusividade como a
determinação de vantagem que prejudique direito do aderente. Também há a
enumeração de dez espécies de condições abusivas, sobre as quais incide uma
presunção de que causem desvantagem ao aderente.
O Código Civil do Peru, em vigor desde 1984, aborda, no livro em que cuida das
obrigações, dos temas “contratos de adesão” e “condições gerais dos contratos”. E
faz a distinção entre esses institutos.
Essa norma definiu o princípio da boa-fé como critério essencial à validade ou não
das cláusulas contratuais gerais. É ele que vai nortear a análise das condições, para
se saber se são válidas ou abusivas, e, conseqüentemente, inválidas.
Definiram-se duas listas de cláusulas abusivas, uma para relações entre entes
empresariais e outra para relações com consumidores. Em cada uma delas existem
cláusulas absolutas e relativamente proibidas.
Para a lei portuguesa, são cláusulas contratuais gerais as elaboradas sem prévia
negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem,
respectivamente, a subscrever ou aceitar, bem como às cláusulas inseridas em
contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário
137
não pode influenciar. O ônus da prova de que uma cláusula contratual geral resultou
de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda se beneficiar do
seu conteúdo.
Há também na lei o âmbito de sua incidência (art. 3.º), a forma de inclusão das
cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares (capítulo II), as regras sobre os
meios de interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais (capítulo III), o
princípio geral para proibição das cláusulas contratuais gerais (boa-fé, art. 15), as
cláusulas absolutamente proibidas e relativamente proibidas para os empresários ou
entidades equiparadas (arts. 17 a 19); bem como as cláusulas absolutamente
proibidas ou relativamente proibidas para os consumidores finais (arts. 20 a 22). No
último capítulo (Capítulo VI), é feita previsão das disposições processuais no âmbito
das cláusulas contratuais gerais, com especial regulação para ação inibitória.
A primeira lei que tratou a matéria na Espanha foi a Lei n. 26/1984, que estabeleceu
normas reguladoras das condições gerais e consignou a sua obediência aos
princípios da boa-fé e do equilíbrio entre as prestações. Essa lei autorizava ainda a
exclusão de cláusulas abusivas de contratos de adesão, se estas infringissem os
supracitados princípios.
Em 1998, foi editada a Lei n. 7, que tinha por objetivo a transposição das regras
contidas na Diretiva n. 93-13, de 1993. Além disso, promoveu alterações na Lei n.
26/1984, incrementando os dispositivos relativos ao controle de conteúdo das
252
PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. In: Revista Trimestral de direito civil. p. 25-26.
138
À Lei n. 26, de 1984, foi acrescido o art. 10-bis, que conceitua cláusula abusiva
como a estipulação não negociada individualmente e que, em inobservância da boa-
fé, causem desequilíbrio importante entre as partes, em prejuízo do consumidor. A
definição é a mesma dada pela Diretiva n. 93-13, em seu art. 3.º, al.. 1 repete a
previsão dessa diretiva a lista exemplificativa de cláusulas abusivas, inserida no
mesmo art. 10-bis, acrescidas de outras que o legislador espanhol entendeu haver
importância em serem coibidas.
253
Por representar especificidades, colaciona na íntegra o artigo 11 da citada Lei, sobre o registro
das cláusulas contratuais gerais:
"Artículo 11. Registro de Condiciones Generales. 1. Se crea el Registro de Condiciones Generales de
la Contratación, que estará a cargo de un Registrador de la Propiedad y Mercantil, conforme a las
normas de provisión previstas en la Ley Hipotecaria. La organización del citado Registro se
ajustará a las normas que se dicten reglamentariamente. 2. En dicho Registro podrán inscribirse
las cláusulas contractuales que tengan el carácter de condiciones generales de la contratación con
arreglo a lo dispuesto en la presente Ley, a cuyo efecto se presentarán para su depósito, por
duplicado, los ejemplares, tipo o modelos en que se contengan, a, instancia de cualquier
interesado, conforme a lo establecido en el apartado 8 del presente artículo. No obstante, el
Gobierno, a propuesta conjunta del Ministerio de Justicia y del Departamento ministerial
correspondiente, podrá imponer la inscripción obligatoria en el Registro de las condiciones
generales en determinados sectores específicos de la contratación. 3. Serán objeto de anotación
preventiva la interposición de las demandas ordinarias de nulidad o de declaración de no
incorporación de cláusulas generales, así como las acciones colectivas de cesación, de
retractación y declarativa previstas en el capitulo IV, así como las resoluciones judiciales que
acuerden la suspensión cautelar de la eficacia de una condición general. Dichas anotaciones
preventivas tendrán una vigencia de cuatro años a contar desde su fecha, siendo prorrogable
hasta la terminación del procedimiento en virtud de mandamiento judicial de prórroga. 4. Serán
objeto de inscripción las ejecutorias en se recojan sentencias firmes estimatorias de cualquiera de
las acciones a que se refiere el apartado anterior. También podrán ser objeto de inscripción,
cuando se acredite suficientemente al Registrador, la persistencia en la utilización de cláusulas
declaradas judicialmente nulas. 5. El Registro de Condiciones Generales de la Contratación será
público. 6. Todas las personas tienen derecho a conocer el contenido de los asientos registrales.
7. La publicidad de los asientos registrales se realizará bajo la responsabilidad y control
profesional del Registrador. 8. La inscripción de las condiciones generales podrá solicitarse: a) Por
el predisponente. b) Por el adherente y los legitimados para la acción colectiva, si consta la
autorización en tal sentido del predisponente. En caso contrario, se estará al resultado de la acción
declarativa. c) En caso de anotación de demanda o resolución judicial, en virtud del mismo
mandamiento, que las incorporará. 9. El Registrador extenderá, en todo caso, el asiento solicitado,
139
PARTE III
CLÁUSULAS ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002
4
SISTEMAS DE CONTROLE 254 DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ABUSIVAS
4.1 INTRODUÇÃO
Para ENZO ROPPO,255 o problema das cláusulas contratuais gerais dos contratos é,
hoje, o problema do seu controle. Para o mestre italiano, a abusividade do uso das
cláusulas contratuais gerais (cláusulas abusivas) é efeito do progresso da sociedade
capitalista, resultante das regras da competitividade e da livre-concorrência,
conseqüência inevitável do fenômeno de massificação contratual. É precisamente
esta injustiça, característica do uso abusivo das cláusulas contratuais gerais, que
justifica a tentativa de sua regulamentação normativa. Trata-se de uma resposta do
direito a um problema econômico e social.
255
Esta expressão tem assento em algumas legislações do mundo, como o § 8 da AGB-Gesetz,
sendo que por ela se refere a averiguação da conformidade dos termos das cláusulas contratuais
gerais aos específicos limites traçados pelos diversos diplomas. Ainda que o termo "controle"
tenha conquistado o seu recorte no direito administrativo, a propriedade do seu uso neste contexto
pareceu-nos indiscutível, se tivermos presente que, nas suas múltiplas aplicações e significados,
ele denota sempre a idéia de um juízo sobre a conformidade de um ato ou modelo, norma,
princípio ou critério, além de ser expressão constantemente usada pelos livros especializados da
matéria.
255
ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il
controllo sociale delle attività private. p. 548 e 552.
256
RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato - as cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 441.
141
Podemos dizer, desde já, que cláusulas abusivas serão aquelas que desequilibram,
de maneira significativa, a relação de equivalência entre direitos e obrigações257 de
uma e outra parte, que pode motivar um controle preventivo e abstrato, como
também um controle individual e concreto.
257
Na doutrina italiana, é feita uma classificação das cláusulas abusivas entre cláusula abusiva
propriamente dita (em sentido estrito) e cláusula surpresa: As primeiras são as cláusulas de
desequilíbrio, ou seja, são aquelas que desequilibram significativamente a relação de equivalência
entre direitos e obrigações de uma e outra parte. As denominadas cláusula-supresa são aquelas
que se escondem atrás de estipulações que defraudam os deveres de lealdade e colaboração
pressupostos pela boa-fé, sujeitando o consumidor ao risco de se ver posto diante de situações
diversas daquelas com que razoavelmente pudesse contar, legitimando um controle de inclusão
das cláusulas contratuais gerais. Apesar desta diferenciação não ter sido levada em conta para o
desenvolvimento do trabalho, cabe menção de sua existência.
258
PINTO MONTEIRO, António. Contratos de Adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista Trimestral de Direito Civil. p. 10.
142
259
Em outro trabalho: ROPPO, Enzo. Contratti standard: autonomia e controlli nella disciplina delle
attività negoziali di impresa. Milão: Giuffrè, 1975. E no estudo: ROPPO, Enzo. Il contratti standard
e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private.
Bolonha: Il mulino, 1977. p. 551 e ss.
260
Segundo o autor, até então não havia sido dado valor autônomo ao controle voluntário. Este tem
funcionado na Inglaterra, por meio dos Códigos de conduta, sujeitos a aprovação do Director of
the Office of Fair Trading. No Brasil, seria equiparado à convenção coletiva de consumo, previsto
no artigo 107 do CDC. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. p. 552 e 554.
143
Por outro lado, quando estamos diante de leis que disciplinam ou trazem listas
únicas de cláusulas consideradas nulas ou anuláveis, estaremos diante do que a
doutrina denomina controle de conteúdo (ou legislativo) das cláusulas contratuais
gerais. Fala-se em conteúdo porque, cumpridos os requisitos de incorporação e
inclusão de tais cláusulas, estas passam a formar o conteúdo do contrato, cabendo
desde já uma crítica, pois, como veremos, nada impede que haja um controle
legislativo preventivo e abstrato, sem que exista o conteúdo de um contrato a ser
considerado.
Parte das características e exemplos das listas de cláusulas proibidas foi vista no
capítulo sobre as cláusulas contratuais gerais no direito positivo estrangeiro e
nacional (Parte II), mas serão novamente abordadas neste capítulo.
Também como forma de tutela contratual do aderente temos aquela que se realiza
mediante o controle administrativo ou pela via judicial, sendo que, ambos os casos,
abstrato ou concreto, também serão objetos de estudo neste capítulo.
261
ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il
controllo sociale delle attività private. p. 541.
262
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 77. Segundo o
mesmo autor, essa é a primeira lei israelita destinada às cláusulas contratuais gerais. Datada de
144
controle na Inglaterra, por meio do Director General of Fair Trading Office, mas que
há muito tempo vinha sendo criticado pela insuficiência de sua atuação.263
Singulariza-se esse sistema pela aprovação prévia das cláusulas contratuais gerais
através da autoridade administrativa, em caráter abstrato, para que possam produzir
efeitos nos contratos individuais. O fornecedor de bens ou de serviços, que pretenda
utilizar cláusulas contratuais gerais terá de, antes, submetê-las ao juízo da validade
da autoridade administrativa, de cuja decisão favorável dependerá sua eficácia.
Poucos países são os que realizam o controle administrativo. O país que dá maior
valor a esta modalidade de controle das cláusulas contratuais gerais é a França.
Neste país, de um lado temos os decretos do Conselho de Estado e, do outro, a
atuação da Comissão de Cláusulas Abusivas,264 que recebe a incumbência por parte
da legislação de elaborar listas de cláusulas abusivas e recomendar às empresas
que se abstenham de utilizá-las em seus contratos. Essa Comissão, constituída de
magistrados, juristas e representantes classistas de empresários e consumidores,
não tem qualquer poder de decisão; apenas recebem consultas e emitem
recomendações. O objetivo das recomendações é o de convidar os predisponentes
Apesar de esse não ser um estudo de direito processual civil, não poderíamos deixar
de mencionar que uma das modalidades importantes de controle das cláusulas
contratuais gerais abusivas é o chamado controle judicial. Nele, caberá ao Poder
Judiciário, no exercício da jurisdição (com força de coisa julgada, portanto) julgar a
validade e a eficácia das cláusulas contratuais gerais em cada caso. Representa a
projeção processual do controle de inclusão e do controle de conteúdo das cláusulas
contratuais gerais. Aqui, deixa-se ao juiz o poder de individualizar as cláusulas que
considera abusivas.
265
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 79.
146
Em Portugal, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG 446/85, alterada pelos
Decretos n. 220/1995 e 249/1999 e 323/2001), além do controle judicial concreto, faz
previsão de um controle judicial abstrato das cláusulas contratuais gerais. De acordo
com os arts. 25 e 26 da Lei é possível a chamada ação inibitória, em que "as
cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, podem ser proibidas
por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos
singulares", sendo que: "A acção destinada a obter a condenação na abstenção do
uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada: a)
Por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito
previsto na legislação respectiva; b) Por associações sindicais, profissionais ou de
interesses econômicos legalmente constituídas, atuando no âmbito das suas
266
Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO, Um dos críticos do sistema da lei alemã diz que as normas
jurídicas estão sendo contrariadas pela ausência de eficácia social (efetividade) apropriada. As
associações de consumidores que receberam legitimidade processual são subsidiadas pelo
Estado, dispondo de orçamentos modestos para fazer frente às organizações empresariais
poderosas que utilizam cláusulas contratuais gerais. Inexistiria pesquisa empírica que pudesse
traçar o grau de resposta social às intenções da lei. Na maior parte dos casos, o conflito tem sido
resolvido de forma amigável, individualmente, evitando-se a via judicial e restando sem solução os
casos análogos. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos conratos e cláusulas abusivas. p.
82.
147
267
SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2.ed. p. 77.
148
Em Portugal, as cláusulas contratuais gerais são registradas. Por isso, nos termos
do art. 30 da LCGC, "a decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais
especificará o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta
do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta. A pedido
do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo
modo e durante o tempo que o tribunal determine" e, nos termos do art. 34, "Os
tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço (de registro) previsto no
artigo seguinte, cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos
princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a
recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas
inseridas em contratos singulares", permitindo uma maior difusão dos julgados.
Há também agora previsão da azione inibitoria no Código Civil italiano (CC, art.
1.469-sexies), destinada a combater a abusividade em abstrato da cláusula
268
ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotações ao Decreto-lei n. 446/85. p. 56.
269
European Database on Case Law Concerning Unfair Contractual Terms. Disponível em:
http://ec.europa.eu/clab/index.htm e em:
https://adns.cec.eu.int/CLAB/SilverStream/Pages/pgHomeCLAB.html.
149
contratual geral, inibindo seu uso.270 O legislador italiano, atento ao art. 7.º da
Diretiva Européia, optou também por uma forma de controle judicial preventivo e
abstrato das cláusulas contratuais gerais.
270
Segundo CRISTINA MENICHINO, a legitimação ativa desta ação não ficou exclusiva das
associações de consumidores, mas também foi conferida a camara de comércio, industria,
artesanato e agricultura, bem como às associações profissionais. MENICHINO, Cristina. Clausole
abusive nei contratti del consumatore: una comparazione tra il diritto italiano e brasiliano. In:
NALIN, Paulo (Coord.). A autonomia privada na legalidade constitucional. Curitiba: Juruá, 2006. p.
230.
271
"Artículo 12. Acciones de cesación, retractación y declarativa. 1. Contra la utilización o la
recomendación de utilización de condiciones generales que resulten contrarias a lo dispuesto en
esta Ley, o en otras leyes imperativas o prohibitivas, podrán interponerse, respectivamente
acciones de cesación y retractación. 2. La acción de cesación se dirige a obtener sentencia por
medio de la cual se condene al demandado a eliminar de sus condiciones generales las que se
reputen nulas y a abstenerse de utilizarlas en lo sucesivo. Declarada judicialmente la cesación, el
actor podrá solicitar del demandado la devolución de las cantidades cobradas en su caso, con
ocasión de cláusulas nulas, así como solicitar una indemnización por los daños y perjuicios
causados. En caso de no avenirse a tal solicitud, podrá hacerse efectiva en trámite de ejecución
de sentencia. 3. Por medio de la acción de retractación se insta la imposición al demandado, sea o
no el predisponente, de la obligación de retractarse de la recomendación que haya efectuado de
utilizar las cláusulas de condiciones generales que se consideren nulas y de abstenerse de seguir
recomendándolas en el futuro, siempre que hayan sido efectivamente utilizadas por el
predisponente en alguna ocasión. 4. La acción declarativa tendrá por objeto el reconocimiento de
una cláusula como condición general de contratación e instar su inscripción únicamente cuando
ésta sea obligatoria conforme al artículo 11.2, inciso final, de la presente Ley".
150
272
"Las acciones previstas en el artículo 12 podrán ser ejercitadas por las siguientes entidades:1. Las
asociaciones o corporaciones de empresarios, profesionales y agricultores que estatutariamente
tengan encomendada la defensa de los intereses de sus miembros. 2. Las Cámaras de Comercio,
Industria y Navegación. 3. Las asociaciones de consumidores y usuarios que reúnan los requisitos
establecidos en la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios,
o, en su caso, en la legislación autonómica en materia de defensa de los consumidores".
273
"Artículo 21. Publicación. El fallo de la sentencia dictada en el ejercicio de una acción colectiva,
una vez firme, junto con el texto de la cláusula afectada, podrá publicarse por decisión judicial en
el «Boletín Oficial del Registro Mercantil» o en un periódico de los de mayor circulación de la
provincia correspondiente al Juzgado donde se hubiera dictado la sentencia, salvo que el Juez o
Tribunal acuerde su publicación en ambos, con los gastos a cargo del demandado y condenado,
para lo cual se le dará un plazo de quince días desde la notificación de la sentencia. Artículo 22.
Inscripción en el Registro de Condiciones Generales. En todo caso en que hubiere prosperado una
acción colectiva o una acción individual de nulidad o no incorporación relativa a condiciones
generales, el Juez dictará mandamiento al titular del Registro de Condiciones Generales de la
Contratación para la inscripción de la sentencia en el mismo".
274
"Artículo 23. Información. 1. Los Notarios y Registradores de la Propiedad y Mercantiles advertirán
en el ámbito de sus respectivas competencias de la aplicabilidad de esta Ley, tanto en sus
aspectos generales como en cada caso concreto sometido a su intervención. 2. Los Notarios, en el
ejercicio profesional de su función pública, velarán por el cumplimiento, en los documentos que
autoricen, de los requisitos de incorporación a que se refieren los artículos 5 y 7 de esta Ley.
Igualmente advertirán de la obligatoriedad de la inscripción de las condiciones generales en los
casos legalmente establecidos. 3. En todo caso, el Notario hará constar en el contrato el carácter
de condiciones generales de las cláusulas que tengan esta naturaleza y que figuren previamente
inscritas en el Registro de Condiciones Generales de la Contratación, o la manifestación en
contrario de los contratantes. 4. Los Corredores de Comercio en el ámbito de sus competencias,
conforme a los artículos 93 y 95 del Código de Comercio, informarán sobre la aplicación de esta
Ley. "
151
O controle judicial concreto, por melhor que seja realizado, está dependente da
iniciativa processual do lesado, que normalmente evita expor-se a litígio judicial com
o predisponente empresário, dotado de meios e recursos superiores. O controle
judicial abstrato e preventivo, por sua vez, depende da eficiência e participação dos
órgãos legitimados.276
275
"Un'ulteriore critica è rivolta contro la capacità di giudici e dottori a farsi portatori di una politica del
diritto omogenea ed efficiente, e a valutare le conseguenze economiche dei loro giudizi, che in
un'analisi economica di costi e benefici potrebbero anche dare alla fine un risultato negativo o
potrebbero favorire certe imprese a dano di altre". BIANCA, Massimo. Condizioni generali di
contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 537.
276
Segundo ENZO ROPPO, em trabalho publicado em 1977, "gli strumenti del controllo giudiziale
tuttavia non valgono di per sé soli ad integrare il complesso ed incisivo sistema di garanzie del
pubblico che il diffondersi delle prassi di contrattazione standardizzata rende oramai indifferibile.
Ed un consistente filone di letteratura provvede ad identificare gli elementi che determinano
l'obiettiva insufficienza delle tecniche di intervento affidate alla giurisdizione. Tra questi elementi,
due (riconducibili all'operare di altrettanti principi del diritto processuale, in tema rispettivamente di
estensione della efficacia del giudicato e di iniziativa in ordine all'avvio del meccanismo
processuale) devo segnalarsi in modo particolare:a) il controllo giudiziale opera solo con
riferimento al singolo caso dedotto in lite (laddove per fronteggiare adequatamente un fenomeno
per sua natura <<di massa>> come quello della contrattazione standardizzata, ocorrono interventi
di portata ed efficacia quanto piú possibile generali, tecniche di raggio operativo quanto piú
possibile ampio); b) il controllo giudiziale in linea di principio opera soltanto se l'aderente assuma
152
Foi o Código Civil italiano de 1942 o primeiro que tentou regulamentar o fenômeno
da contratação padronizada, enumerando no art. 1.341 nove espécies de cláusulas
que, segundo o preceito, "em todo caso não tem efeito, se não forem
especificamente aprovadas por escrito", em que a doutrina e jurisprudência italiana
passaram a chamá-las de clausole vessatorie.280
Fora da Itália, talvez tenha sido nos países da Common law, em especial nos
Estados Unidos, que há mais tempo se caracterizou uma figura similar à de cláusula
abusiva. Nos Estados Unidos era conhecida, desde há muito tempo, a noção de
unconscionable clause (cláusula exorbitante). O Uniform Commercial Code,
elaborado nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, fez previsão expressa
neste sentido, em sua Seção 2-302.281 O American Restatement of Contracts 2.ed.
(1979) ampliou o preceito, impondo, na Seção 205, o dever de agir in good faith and
fair dealing (de boa-fé e com conduta justa e correta).
279
Se atualmente cláusula abusiva é noção legal, ela não surgiu apenas com o reconhecimento
legislativo de sua existência. Cláusulas com essa natureza já eram sancionadas anteriormente,
embora então se falasse em figuras como cláusulas potestativas e cláusulas leoninas. Falava-se
em cláusulas potestativas para desiginar aquelas estipulações que davam a uma das partes a
faculdade de modificar unilateralmente os termos do contrato, atentando o acordo de vontades
(consensus). Nos termos do artigo 11, 2ª parte do Código Civil de 1916 (hoje artigo 122, 2ª parte,
do Código Civil de 2002) poderia ser argüido a nulidade das cláusulas se sujeitassem o contrato
"ao arbítrio de uma das partes". A velha cláusula leonina de tradição multissecular era expressiva
até na referência ao que pressupõe de imposição do mais forte sobre o mais fraco.
280
"In ogni caso non hanno effetto, se non sono specificamente approvate per iscritto, le condizioni
che stabiliscono, a favore di colui che le ha predisposte, limitazioni di responsabilità, (1229), facoltà
di recedere dal contratto (1373) o di sospenderne l'esecuzione, ovvero sanciscono a carico
dell'altro contraente decadenze (2964 e seguenti), limitazioni alla facoltà di opporre eccezioni
(1462), restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti coi terzi (1379, 2557, 2596), tacita proroga o
rinnovazione del contratto, clausole compromissorie (Cod. Proc. Civ. 808) o deroghe (Cod. Proc.
Civ. 6) alla competenza dell'autorità giudiziaria".
281
§ 2-302. Unconscionable contract or Clause: (1) If the court as a matter of law finds the contract or
any clause of the contract to have been unconscionable at the time it was made the court may
refuse to enforce the contract, or it may enforce the remainder of the contract without the
unconscionable clause, or it may so limit the application of any unconscionable clause as to avoid
any unconscionable result. (2) When it is claimed or appears to the court that the contract or any
clause thereof may be unconscionable the parties shall be afforded a reasonable opportunity to
present evidence as to its commercial setting, purpose and effect to aid the court in making the
determination.
154
282
"Art. 3.º (3) O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser
consideradas abusivas [...] Anexo – Cláusulas previstas no n. 3 do artigo 3.º: 1. Cláusulas que têm
como objectivo ou como efeito: a) Excluir ou limitar a responsabilidade legal do profissional em
caso de morte de um consumidor ou danos corporais que tenha sofrido em resultado de um acto
ou de uma omissão desse profissional; b) Excluir ou limitar de forma inadequada os direitos legais
do consumidor em relação ao profissional ou a uma outra parte em caso de não execução total ou
parcial ou de execução defeituosa pelo profissional de qualquer das obrigações contratuais,
incluindo a possibilidade de compensar uma dívida para com o profissional através de qualquer
caução existente; c) Prever um compromisso vinculativo por parte do consumidor, quando a
execução das prestações do profissional está sujeita a uma condição cuja realização depende
apenas da sua vontade; d) Permitir ao profissional reter montantes pagos pelo consumidor se este
renunciar à celebração ou à execução do contrato, sem prever o direito de o consumidor receber
do profissional uma indemnização de montante equivalente se for este a renunciar; e) Impor ao
consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante
desproporcionalmente elevado; f) Autorizar o profissional a rescindir o contrato de forma
discricionária sem reconhecer essa faculdade ao consumidor, bem como permitir ao profissional
reter os montantes pagos a título de prestações por ele ainda não realizadas quando é o próprio
profissional que rescinde o contrato; g) Autorizar o profissional a pôr termo a um contrato de
duração indeterminada sem um pré-aviso razoável, excepto por motivo grave; h) Renovar
automaticamente um contrato de duração determinada na falta de comunicação em contrário por
parte do consumidor, quando a data limite fixada para comunicar essa vontade de não renovação
do contrato por parte do consumidor for excessivamente distante da data do termo do contrato; i)
Declarar verificada, de forma irrefragável, a adesão do consumidor a cláusulas que este não teve
efectivamente oportunidade de conhecer antes da celebração do contrato; j) Autorizar o
profissional a alterar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no
mesmo; k) Autorizar o profissional a modificar unilateralmente sem razão válida algumas das
características do produto a entregar ou do serviço a fornecer; l) Prever que o preço dos bens seja
determinado na data da entrega ou conferir ao vendedor de bens ou ao fornecedor de serviços o
direito de aumentar os respectivos preços, sem que em ambos os casos o consumidor disponha,
por seu lado, de um direito que lhe permita romper o contrato se o preço final for excessivamente
elevado em relação ao preço previsto à data da celebração do contrato; m) Facultar ao profissional
o direito de decidir se a coisa entregue ou o serviço fornecido está em conformidade com as
disposições do contrato ou conferir-lhe o direito exclusivo de interpretar qualquer cláusula do
contrato; n) Restringir a obrigação, que cabe ao profissional, de respeitar os compromissos
assumidos pelos seus mandatários, ou de condicionar os seus compromissos ao cumprimento de
uma formalidade específica; o) Obrigar o consumidor a cumprir todas as suas obrigações, mesmo
que o profissional não tenha cumprido as suas; p) Prever a possibilidade de cessão da posição
contratual por parte do profissional, se esse facto for susceptível de originar uma diminuição das
garantias para o consumidor, sem que este tenha dado o seu acordo; q) Suprimir ou entravar a
155
Na Alemanha, o controle das cláusulas contratuais gerais não está mais na lei
especial de 1976 (AGB-Gesetz), repetidamente mencionada por ser um corpo
legislativo de grande importância para o estudo e desenvolvimento do tema. Hoje a
matéria se encontra regulada no próprio Código Civil (BGB), recentemente alterado
pela Lei de Modernização do Direito das Obrigações de 1º de janeiro de 2002
(Gesetz zur Modernisierrung des Schuldrechts), que teve como objetivo integrar ao
Código as Diretivas Comunitárias e a multiplicidade de normas especiais até então
vigentes no ordenamento alemão.
Em relação à inserção das regras das cláusulas contratuais gerais no Código Civil
Alemão, explica ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:283
possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do
consumidor, nomeadamente obrigando-o a submeter-se exclusivamente a uma jurisdição de
arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à
sua disposição ou impondo-lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia
normalmente a outra parte contratante."
283
MENEZES CORDEIRO. António. Da modernização do Direito Civil. Aspectos gerais. p. 121.
284
"§ 307 - Controllo contenutistico: Le clausule delle condizioni generali di contratto sono inefficaci se
svantaggiano in modo inadequato la controparte dell'utilizzatore in contrasto con i dettami di bona fede. Uno
svantaggio inadeguato puó derivare anche dal fatto che la clausola non è chiara e comprensibile." ("§ 307
156
As cláusulas da segunda lista (§ 11, hoje transportada para o § 309 do BGB) são as
cláusulas consideradas nulas, assim entendidas sem que haja possibilidade de
ponderação e apreciação de circunstâncias pelo juiz (divieti di clausole senza
possibilità di valutazione – Klauselverbote ohne Wertungsmöglichkeit). Essas
hipóteses são consideradas pelo legislador presumidamente injustas pela própria
natureza, independentemente das circunstâncias fáticas, devendo, pois, ser
retiradas imediatamente de circulação. Enquanto acción de retractación as primeiras
são chamadas pela doutrina de lista cinza, estas são denominadas de lista negra de
cláusulas abusivas.286 Como veremos, inúmeras legislações copiaram o modelo
alemão, fazendo previsão de uma cláusula geral de abusividade, bem como listas de
cláusulas abusivas, admitindo maior ou menor ponderação no caso concreto.
Review of subject-matter - (1) Provisions in standard business terms are invalid if, contrary to the
requirement of good faith, they place the contractual partner of the user at an unreasonable
disadvantage. An unreasonable disadvantage may also result from the fact that the provision is not
clear and comprehensible.").
285
Evita-se, aqui, a expressão "juízo de conveniência e oportunidade", próprio de juízo administrativo
discricionário, que deve ser evitado quando do estudo dos atos jurisdicionais, evitando-se
confusão de conceitos, em especial, com eventual arbitrariedade. O juiz não produz normas
livremente. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2.
ed. p. 52-53.
286
Entre outros ver MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. 3 ed. p. 627;
PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista Trimestral de Direito Civil. p. 16.
157
287
GUESTIN, Jacques. Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits
européens. In: La protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons
franco-belges. p. 52. Ver ainda MARQUES, Cláudia Lima. Nova lei francesa sobre defesa do
consumidor - a transformação da diretiva comunitária sobre cláusulas abusivas. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, RT, n. 17, p. 353-364, 1996.
288
"Dans les contrats conclus entre professionnels et non-professionnels ou consommateurs, sont
abusives les clauses qui ont pour objet ou pour effet de créer, au détriment du non-professionnel
ou du consommateur, un déséquilibre significatif entre les droits et obligations des parties au
contrat."
289
[...] "Article 132.1: Des décrets en Conseil d'Etat, pris après avis de la commission instituée à
l'article L. 132-2, peuvent déterminer des types de clauses qui doivent être regardées comme
abusives au sens du premier alinéa. Une annexe au présent code comprend une liste indicative et
non exhaustive de clauses qui peuvent être regardées comme abusives si elles satisfont aux
conditions posées au premier alinéa. En cas de litige concernant un contrat comportant une telle
clause, le demandeur n'est pas dispensé d'apporter la preuve du caractère abusif de cette clause.
Ces dispositions sont applicables quels que soient la forme ou le support du contrat. Il en est ainsi
notamment des bons de commande, factures, bons de garantie, bordereaux ou bons de livraison,
billets ou tickets, contenant des stipulations négociées librement ou non ou des références à des
conditions générales préétablies. Sans préjudice des règles d'interprétation prévues aux articles
1156 à 1161, 1163 et 1164 du code civil, le caractère abusif d'une clause s'apprécie en se référant,
au moment de la conclusion du contrat, à toutes les circonstances qui entourent sa conclusion, de
même qu'à toutes les autres clauses du contrat. Il s'apprécie également au regard de celles
contenues dans un autre contrat lorsque la conclusion ou l'exécution de ces deux contrats
dépendent juridiquement l'une de l'autre. Les clauses abusives sont réputées non écrites.
L'appréciation du caractère abusif des clauses au sens du premier alinéa ne porte ni sur la
définition de l'objet principal du contrat ni sur l'adéquation du prix ou de la rémunération au bien
vendu ou au service offert pour autant que les clauses soient rédigées de façon claire et
compréhensible. Le contrat restera applicable dans toutes ses dispositions autres que celles
jugées abusives s'il peut subsister sans lesdites clauses. Les dispositions du présent article sont
d'ordre public".
158
290
"Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits européens". Em La
protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons franco-belges. Paris:
L.G.D.J., 1996, p. 46.
291
"Article 132-2: La commission des clauses abusives, placée auprès du ministre chargé de la
consommation, connaît des modèles de conventions habituellement proposés par les
professionnels à leurs contractants non professionnels ou consommateurs. Elle est chargée de
rechercher si ces documents contiennent des clauses qui pourraient présenter un caractère
abusif."
292
1469-bis (Capo aggiunto dall'art. 25, l. 6 febbraio 1996, n.52, in attuazione della direttiva
93/13/CEE): "vessatorie le clausole che, malgrado la buona fede, determinano a carico del
consumatore un significativo squilibrio dei diritti e degli obbblighi derivanti dal contratto". (Na
verdade, o trecho "malgrado la buona fede" representa a tradução do artigo 3 da Diretiva 13/93).
293
1469-bis: (...) Si presumono clausole vessatorie fino a prova contraria le clausole che hanno per
oggetto o per effetto di: 1) escludere o limitare la responsabilità del professionista in caso di morte
o danno alla persona del consumatore, risultante da un fatto o da un'omissione del professionista;
2) escludere o limitare le azioni o i diritti del consumatore nei confronti del professionista o di
un'altra parte in caso di inadempimento totale o parziale o di adempimento inesatto da parte del
professionista; 3) escludere o limitare l'opponibilità da parte del consumatore della compensazione
di un debito nei confronti del professionista con un credito vantato nei confronti di quest'ultimo; 4)
prevedere un impegno definitivo del consumatore mentre l'esecuzione della prestazione del
professionista è subordinata ad una condizione il cui adempimento dipende unicamente dalla sua
volontà; 5) consentire al professionista di trattenere una somma di denaro versata dal
consumatore se quest'ultimo non conclude il contratto o ne recede, senza prevedere il diritto del
consumatore di esigere dal professionista, il doppio della somma corrisposta se è quest'ultimo a
non concludere il contratto oppure a recedere; 6) imporre al consumatore, in caso di
inadempimento o di ritardo nell'adempimento, il pagamento di una somma di denaro a titolo di
159
295
MENICHINO, Cristina. Clausole abusive nei contratti del consumatore:una comparazione tra il
diritto italiano e brasiliano. In: NALIN, Paulo (Coord.). A autonomia privada na legalidade
constitucional. p. 234. (1469-quinquies. Inefficacia. Le clausole considerate vessatorie ai sensi
degli articoli 1469-bis e 1469-ter sono inefficaci mentre il contratto rimane efficace per il resto).
296
Segundo consta da Exposição de Motivos da própria Lei 7/98 (Lei sobre Condições Gerais da
Contratação): "Esto no quiere decir que en las condiciones generales entre profesionales no
pueda existir abuso de una posición dominante. Pero tal concepto se sujetará a las normas
generales de nulidad contractual. Es decir, nada impide que también judicialmente pueda
declararse la nulidad de una condición general que sea abusiva cuando sea contraria a la buena fe
y cause un desequilibrio importante entre los derechos y obligaciones de las partes, incluso
aunque se trate de contratos entre profesionales o empresarios. Pero habrá de tener en cuenta en
cada caso las características específicas de la contratación entre empresas. En este sentido, sólo
cuando exista un consumidor frente a un profesional es cuando operan plenamente la lista de
cláusulas contractuales abusivas recogidas en la Ley, en concreto en la disposición adicional
primera de la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y
Usuarios, que ahora se introduce. De conformidad con la Directiva transpuesta, el consumidor
protegido será no sólo el destinatario final de los bienes y servicios objeto del contrato, sino
cualquier persona que actúe con un propósito ajeno a su actividad profesional. En el artículo 10
bis y en la disposición adicional primera de la misma Ley, que lo desarrolla, se han recogido las
cláusulas declaradas nulas por la Directiva y además las que con arreglo a nuestro Derecho se
han considerado claramente abusivas".
297
"Lei 26/1984 (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios) Artículo 10 bis. 1. Se
considerarán cláusulas abusivas todas aquellas estipulaciones no negociadas individualmente que
en contra de las exigencias de la buena fe causen, en perjuicio del consumidor, un desequilibrio
importante de los derechos y obligaciones de las partes que se deriven del contrato. En todo caso
se considerarán cláusulas abusivas los supuestos de estipulaciones que se relacionan en la
disposición adicional de la presente Ley. El hecho de que ciertos elementos de una cláusula o que
una cláusula aislada se hayan negociado individualmente no excluirá la aplicación de este artículo
al resto del contrato. El profesional que afirme que una determinada cláusula ha sido negociada
individualmente, asumirá la carga de la prueba. El carácter abusivo de una cláusula se apreciará
teniendo en cuenta la naturaleza de los bienes o servicios objeto del contrato y considerando
todas las circunstancias concurrentes en el momento de su celebración, así como todas las demás
cláusulas del contrato o de otro del que éste dependa. 2. Serán nulas de pleno derecho y se
tendrán por no puestas las cláusulas, condiciones y estipulaciones en las que se aprecie el
carácter abusivo. La parte del contrato afectada por la nulidad se integrará con arreglo a lo
dispuesto por el artículo 1258 del Código Civil. A estos efectos, el Juez que declara la nulidad de
dichas cláusulas integrará el contrato y dispondrá de facultades moderadoras respecto de los
derechos y obligaciones de las partes, cuando subsista el contrato, y de las consecuencias de su
ineficacia en caso de perjuicio apreciable para el consumidor o usuario. Sólo cuando las cláusulas
subsistentes determinen una situación no equitativa en la posición de las partes que no pueda ser
subsanada podrá declarar la ineficacia del contrato.
161
3. Las normas de protección de los consumidores frente a las cláusulas abusivas serán aplicables,
cualquiera que sea la Ley que las partes hayan elegido para regir el contrato, en los términos
previstos en el artículo 5 del Convenio de Roma de 1980, sobre la Ley aplicable a las obligaciones
contractuales".
(Disposición adicional primera. Cláusulas abusivas):
A los efectos previstos en el artículo 10 bis, tendrán el carácter de abusivas al menos las cláusulas
o estipulaciones siguientes: I. Vinculación del contrato a la voluntad del profesional. 1.ª Las
cláusulas que reserven al profesional que contrata con el consumidor un plazo excesivamente
largo o insuficientemente determinado para aceptar o rechazar una oferta contractual o satisfacer
la prestación debida, así como las que prevean la prórroga automática de un contrato de duración
determinada si el consumidor no se manifiesta en contra, fijando una fecha límite que no permita
de manera efectiva al consumidor manifestar su voluntad de no prorrogarlo. 2.ª La reserva a favor
del profesional de facultades de interpretación o modificación unilateral del contrato sin motivos
válidos especificados en el mismo, así como la de resolver anticipadamente un contrato con plazo
determinado si al consumidor no se le reconoce la misma facultad o la de resolver en un plazo
desproporcionadamente breve o si previa notificación con antelación razonable un contrato por
tiempo indefinido, salvo por incumplimiento del contrato o por motivos graves que alteren las
circunstancias que motivaron la celebración del mismo. En los contratos referidos a servicios
financieros lo establecido en el párrafo anterior se entenderá sin perjuicio de las cláusulas por las
que el prestador de servicios se reserve la facultad de modificar sin previo aviso el tipo de interés
adeudado por el consumidor o al consumidor, así como el importe de otros gastos relacionados
con los servicios financieros, cuando aquéllos se encuentren adaptados a un índice, siempre que
se trate de índices legales y se describa el modo de variación del tipo, o en otros casos de razón
válida, a condición de que el profesional esté obligado a informar de ello en el más breve plazo a
los otros contratantes y éstos puedan resolver inmediatamente el contrato. Igualmente podrán
modificarse unilateralmente las condiciones de un contrato de duración indeterminada, siempre
que el prestador de servicios financiero esté obligado a informar al consumidor can antelación
razonable y éste tenga la facultad de resolver el contrato, o, en su caso, rescindir unilateralmente
sin previo aviso en el supuesto de razón válida, a condición de que el profesional informe de ello
inmediatamente a los demás contratantes. 3.ª La vinculación incondicionada del consumidor al
contrato aun cuando el profesional no hubiera cumplido con sus obligaciones, o la imposición de
una indemnización desproporcionadamente alta, al consumidor que no cumpla sus obligaciones.
4.ª La supeditación a una condición cuya realización dependa únicamente de la voluntad del
profesional para el cumplimiento de las prestaciones, cuando al consumidor se le haya exigido un
compromiso firme. 5.ª La consignación de fechas de entrega meramente indicativas condicionadas
a la voluntad del profesional. 6.ª La exclusión o limitación de la obligación del profesional de
respetar los acuerdos o compromisos adquiridos por sus mandatarios o representantes o supeditar
sus compromisos al cumplimiento de determinadas formalidades. 7.ª La estipulación del precio en
el momento de la entrega del bien o servicio, o la facultad del profesional para aumentar el precio
final sobre el convenido, sin que en ambos casos existan razones objetivas o sin reconocer al
consumidor el derecho a rescindir el contrato si el precio final resultare muy superior al
inicialmente estipulado. Lo establecido en el párrafo anterior se entenderá sin perjuicio de la
adaptación de precios a un índice, siempre que sean legales y que en ellos se describa
explícitamente el modo de variación del precio. 8.ª La concesión al profesional del derecho a
determinar si el bien o servicio se ajusta a lo estipulado en el contrato. II. Privación de derechos
básicos del consumidor. 9.ª La exclusión o limitación de forma inadecuada de los derechos legales
del consumidor por incumplimiento total o parcial o cumplimiento defectuoso del profesional. En
particular las cláusulas que modifiquen, en perjuicio del consumidor, las normas legales sobre
vicios ocultos, salvo que se limiten a reemplazar la obligación de saneamiento por la de reparación
o sustitución de la cosa objeto del contrato, siempre que no conlleve dicha reparación o sustitución
gasto alguno para el consumidor y no excluyan o limiten los derechos de éste a la indemnización
de los daños y perjuicios ocasionados por los vicios y al saneamiento conforme a las normas
legales en el caso de que la reparación o sustitución no fueran posibles o resultasen
insatisfactorias. 10. La exclusión o limitación de responsabilidad del profesional en el cumplimiento
del contrato, por los daños o por la muerte o lesiones causados al consumidor debidos a una
acción u omisión por parte de aquél, o la liberación de responsabilidad por cesión del contrato a
tercero, sin consentimiento del deudor, si puede engendrar merma de las garantías de éste. 11. La
privación o restricción al consumidor de las facultades de compensación de créditos, así como de
la de retención o consignación. 12. La limitación o exclusión de forma inadecuada de la facultad
162
del consumidor de resolver el contrato por incumplimiento del profesional. 13. La imposición de
renuncias a la entrega de documento acreditativo de la operación. 14. La imposición de renuncias
o limitación de los derechos del consumidor."
298
BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom. The integration of Directive 93/13 into the
national legal sistems. Disponível em:
<http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf>
299
"Nas relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos,
ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade
específica, aplicam-se as proibições constantes desta secção".
300
"Nas relações com consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo
15.º aplicam-se as proibições da secção anterior e as constantes desta secção."
301
São proibidas em termos absolutos, não permitem a valoração judicial.
302
Permitem ao tribunal a sua apreciação em cada caso concreto, ainda que segundo um modelo
objetivo. Permitem uma valoração judicial.
163
Por que se recorreu então à cláusula geral da boa-fé, que parece tão
afastada desta problemática? Por razões que só se compreendem à luz da
ordem jurídica alemã, de onde esta consideração do tema é derivada. Aí,
doutrina e jurisprudência procuraram, antes de haver qualquer previsão
legal da matéria das cláusulas contratuais gerais, um princípio no qual
fosse possível amparar o controle destas cláusulas. Tendo oscilado entre a
boa-fé e os bons costumes, acabaram por se fixar na cláusula geral de
boa-fé. Com isto alteraram o sentido normal da boa-fé, empurrando-a para
uma função de controle objetivo do conteúdo de certas cláusulas que não
estava no âmbito normal do princípio. Mas as razões pragmáticas e a
escassez de alternativas levaram a esta opção. Conseqüentemente,
quando a lei alemã (AGB Gesetz) surgiu, havia um largo trabalho
doutrinário, assente na boa-fé, que ficou legalmente consolidado. Por isso,
o princípio geral elegido para reger a proibição de cláusulas gerais,
atendendo ao conteúdo destas, foi o princípio da boa-fé. (...) E olhando a
cláusula por si, há que reconhecer que ela não explica nada. Antes passa
ao lado da questão a resolver. O que estava em causa era determinar
quando é que uma cláusula geral não pode ser admitida, por implicar um
desequilíbrio intolerável, em detrimento do destinatário. É uma questão
puramente objetiva, em que se pondera o conteúdo das prestações. O
recurso à boa-fé não adianta. Nada esclarece sobre a desproporção, ou o
grau de desproporção, que deve existir para que a situação se torne
juridicamente intolerável. E esse é que é o problema verdadeiro. Não
custas acreditar que tenha sido ainda por influência da orientação alemã
303
MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, Padma, v. 7, p. 15, jul./set. 2001.
304
ASCENSÃO, J. Oliveira. Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa-fé. Revista
Forense, p. 110-111.
164
A grande crítica da doutrina portuguesa a respeito deste tema fica por conta da
convocação do princípio da boa-fé, sem que seja indicada, de forma expressa, uma
medida que marque o seu sentido,305 cabendo à jurisprudência a fixação de seu
alcance.306 Em Portugal, a sanção para aposição de uma cláusula abusiva é a da
nulidade da cláusula, podendo ser argüida a qualquer tempo, pelos legitimados a
ação inibitória, pelo contratante prejudicado, podendo, ainda, ser declarada de ofício
se for o caso.
O art. 51, § 3.º, estabelecia que o Ministério Público poderia efetuar, mediante
inquérito civil,307 o controle administrativo abstrato das cláusulas contratuais gerais,
cuja decisão teria caráter geral. O § 5.º do art. 54 do CDC, por sua vez, determinava
305
Nesse sentido, SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2.
ed. p. 36.
306
A Diretiva Européia n. 13/1993, reiteradamente citada neste trabalho, estabelece somente as
regras mínimas, deixando aos Estados-membros a possibilidade de, no respeito pelo Tratado
CEE, assegurarem um nível de proteção mais elevado do consumidor através de disposições
nacionais mais rigorosas que a presente diretiva. De acordo com tais regras mínimas, são três as
referências usadas para caracterizar a abusividade: a não negociação do contrato, a boa-fé e o
desequilíbrio. Fora de contratos padronizados e de adesão, a decretação de abusividade fica a
critério dos legisladores nacionais. A referência apenas à boa-fé e não também ao princípio da
justiça contratual compreende-se, porque na tradição germânica, que influenciou fortemente a
Diretiva, não é dado relevo autônomo ao segundo.
307
No inquérito civil o Ministério Público pode arregimentar documentos, informações, ouvir os
interessados, a fim de formar sua opinião sobre a existência ou não de cláusula abusiva em
determinado contrato de consumo. Há que se lembrar que o inquérito civil é ato privativo do
membro do Ministério Público, não dispondo os outros órgãos legitimados do mesmo instrumento
de controle.
165
Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,308 após os vetos, não se pode cogitar do controle
administrativo preventivo abstrato das cláusulas contratuais gerais, o que significa
lamentável recuo diante da tendência mundial e significativa barreira à efetividade da
proteção legal dos interesses difusos dos contratantes-consumidores. Mas admite o
autor, posição que concordamos, que possa ser explorada amplamente a
competência do Ministério Público para promover um controle administrativo
preventivo, através da feitura de inquéritos civis, preparatórios da ação civil pública,
por força do que lhe atribui a Constituição, nos arts. 127 e 129, III, e a Lei n. 7.347,
de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), com as alterações
introduzidas pelo próprio Código de Defesa do Consumidor.309
Isso ocorre, por exemplo, por intermédio dos PROCONs, atuando na defesa dos
consumidores. No setor de seguros, que deve obedecer às normas traçadas pela
308
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 81.
309
Segundo NELSON NERY JÚNIOR, o veto constante do CDC não tem nenhum efeito prático, pois
continuam em vigor as disposições sobre o inquérito civil, poderoso instrumento de prevenção e
de composição de conflitos de consumo, que continuará sendo utilizado pelo Ministério Público no
desempenho de seus deveres institucionais, o que era feito bem antes da edição do CDC, na
cidade de São Paulo, instaurava inquérito civil para apuração da existência de cláusulas abusivas
em formulários utilizados para escola de línguas da capital, a fim de se evitar a propositura de
ação civil pública contra tais escolas. NERY JR., Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini (Coord.). Código brasileiro de Defesa do Consumidor - comentado pelos autores do
anteprojeto. 6. ed. p. 455. Esta é a mesma posição de ARRUDA ALVIM, segundo o qual "nem
pelo fato de ter havido esse veto, deixa de ser suscetível de utilização o inquérito civil, menos com
vistas a dele fazer nascer uma 'decisão' do Ministério Público, o que desconheceria frontalmente o
núcleo do veto, mas com vistas à tentativa de um acordo , que, fracassado, poderá levar à
propositura de ação pelo Ministério Público". ARRUDA ALVIM, J. M. Cláusulas Abusivas e seu
controle no direito brasileiro". Revista de Direito do Consumidor, n. 20, p. 277, 1996.
166
310
A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência
privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada
pelo Decreto-lei n. 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de
Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB
Brasil Resseguros S.A., as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização,
as entidades de previdência privada aberta e os corretores habilitados. Com a edição da Medida
Provisória n. 1.940-17, de 06.01.2000, o CNSP teve sua composição alterada.
311
Ver Portarias n. 4/98, 3/99, 3/01, 5/02, 7/03 da Secretaria de Direito Econômico.
312
A título exemplificativo, em 27 de julho de 2006, foi veiculado pela imprensa (Revista Consultor
Jurídico) que o TJ/SP vetou aumento de 46,1% em plano de saúde. A Golden Cross só pode
aumentar a mensalidade em 11,75% – percentual permitido pela Agência Nacional de Saúde – e
não em 46,1% no plano de saúde coletivo da Sociedade Beneficente dos Empregados da
Eletropaulo. O entendimento foi do desembargador Paulo Eduardo Razuk, do Tribunal de Justiça
de São Paulo. Ele aplicou o percentual fixado pela ANS para não comprometer o equilíbrio
financeiro do contrato. A Sociedade Beneficente dos Empregados da Eletropaulo alegou que o
funcionário pode ser penalizado com um reajuste maior do que teria se contratasse o plano de
saúde individualmente. “Desta maneira, o benefício passa a ser ônus, o que não se pode permitir”,
afirmou a advogada Joanna Paes de Barros, do escritório Emerenciano Baggio e Associados, que
representou a entidade. Para o desembargador, o aumento das mensalidades traria risco à saúde,
principalmente para as pessoas idosas que deixariam de pagar o plano por conta do aumento
abusivo. Assim, ele determinou que a Golden Cross emita novos boletos para pagamento das
mensalidades, com o reajuste autorizado pela ANS. A multa diária, em caso de descumprimento, é
de R$ 300.
313
A Lei que criou a CVM (6.385/1976) e a Lei das Sociedades por Ações (6.404/1976) disciplinaram
o funcionamento do mercado de valores mobiliários e a atuação de seus protagonistas, assim
classificados, as companhias abertas, os intermediários financeiros e os investidores, além de
outros cuja atividade gira em torno desse universo principal. A CVM tem poderes para disciplinar,
normatizar e fiscalizar a atuação dos diversos integrantes do mercado. Seu poder normatizador
abrange todas as matérias referentes ao mercado de valores mobiliários. Cabe à CVM, entre
outras, disciplinar as seguintes matérias: registro de companhias abertas; registro de distribuições
de valores mobiliários; credenciamento de auditores independentes e administradores de carteiras
de valores mobiliários; organização, funcionamento e operações das bolsas de valores;
negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários; administração de carteiras e a
167
relativas aos valores mobiliários negociados (que, aliás, não possuem natureza
314
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, criado em 1962 e transformado, em
1994, em Autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, tem suas atribuições previstas na Lei n.
8.884, de 11 de junho de 1994. Ele tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar
abusos de poder econômico, exercendo papel tutelador da prevenção e repressão do mesmo. O
CADE é a última instância, na esfera administrativa, responsável pela decisão final sobre a
matéria concorrencial. Assim, após receber os pareceres das duas secretarias (Seae e SDE) o
CADE tem a tarefa de julgar os processos. O órgão desempenha, a princípio, três papéis: 1.
Preventivo; 2. Repressivo e 3. Educativo. O papel preventivo corresponde basicamente à análise
dos atos de concentração, ou seja, à análise das fusões, incorporações e associações de qualquer
espécie entre agentes econômicos. Este papel está previsto nos artigos 54 e seguintes da Lei n.
8.884/1994. Os atos de concentração não são ilícitos anticoncorrenciais, mas negócios jurídicos
privados entre empresas. Contudo, deve o CADE, nos termos do artigo 54 da Lei n. 8.884/1994,
analisar os efeitos desses negócios, em particular, nos casos em que há a possibilidade de
criação de prejuízos ou restrições à livre concorrência, que a lei antitruste supõe ocorrer em
situações de concentração econômica acima de 20% do mercado de bem ou serviço analisado, ou
quando uma das empresas possui, no mínimo, quatrocentos milhões de faturamento bruto. Caso o
negócio seja danoso à concorrência, o CADE tem o poder de impor obrigações – de fazer e de
não-fazer – às empresas como condição para a sua aprovação, determinar a alienação total ou
parcial dos ativos envolvidos (máquinas, fábricas, marcas, etc.), ou alteração nos contratos. O
papel repressivo corresponde à análise das condutas anticoncorrenciais. Essas condutas
anticoncorrenciais estão previstas nos artigos 20 e seguintes da Lei n. 8.884/1994 e na Resolução
n. 20 do CADE, de forma mais detalhada e didática. Neste caso, o CADE tem o papel de reprimir
práticas infrativas à ordem econômica, tais como: cartéis, vendas casadas, preços predatórios,
acordos de exclusividade, dentre outras. É importante ressaltar que a existência de estruturas
concentradas de mercado (monopólios, oligopólios), em si, não é ilegal do ponto de vista
antitruste. O que ocorre é que nestes há maior probabilidade de exercício de poder de mercado e,
portanto, maior a ameaça potencial de condutas anticoncorrenciais. Tais mercados devem ser
mais atentamente monitorados pelos órgãos responsáveis pela preservação da livre concorrência,
sejam eles regulados ou não.
315
Segundo PAULA A. FORGIONI, contrato de distribuição é "bilateral, sinalagmático, atípico e misto,
de longa duração, que encerra um acordo vertical, pelo qual um agente econômico (fornecedor)
obriga-se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro agente econômico (distribuidor),
para que este os revenda, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição
e de revenda e assumindo obrigações voltadas à satisfação das exigências do sistema de
distribuição do qual participa". FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: RT, 2006.
p. 116. A autora cita interessante exemplo em que o CADE atuou para dirimir se era possível o
agente econômico, (editoras) através de cláusulas contratuais gerais, estipular o preço de revenda
das livrarias. (p. 171).
316
A Lei n. 8.884/1994 também estabelece hipóteses de controle pelo CADE em atos e contratos nos
seguintes termos: "Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de
169
No Brasil, o controle judicial das cláusulas contratuais gerais pode ser feito mediante
ação autônoma, proposta com esta finalidade, por diversos interessados. Em
primeiro lugar, para expurgar as cláusulas consideradas abusivas, estão legitimados
os consumidores lesados, por meio de ação individual autônoma. Depois, estará o
317
Ministério Público, que pode recorrer a juízo não só na hipótese do art. 51, § 4.º
do CDC, como por meio da ação coletiva prevista no art. 82 do CDC, e ainda por
meio da ação civil pública. Em terceiro lugar, o controle judicial pode ser provocado
pelas outras entidades legitimadas, ao lado do Ministério Público, para a defesa de
interesses ou direitos difusos ou coletivos (CDC, arts. 81 e 82): associações de
consumidores, União, os Estados e Municípios, e ainda órgãos oficiais criados para
defesa de consumidores (ex.: PROCONs).
Aliás, uma das mais significativas inovações do direito processual, para tornar o
direito do consumidor efetivamente realizável, é a ação civil pública (e congêneres:
class action, ação inibitória, association claim), em que os legitimados a agir não
postulam direitos ou interesses individuais nem de terceiros, mas os interesses
comunitários, difusos, subjetivamente indetermináveis. A eficácia erga omnes da
decisão judicial constitui outro avanço. Em sede de cláusulas contratuais gerais, o
controle judicial, antes circunscrito ao episódico controle do ato, assumiu a função
de controle da predisposição, conseqüentemente, da atividade jurídica do
predisponente em sua complexidade. Por certo, esse conjunto de controles não
impede que a lesão aos direitos do aderente prossiga.
Portanto, o controle judicial poderá ser sucessivo como também preventivo. Afinal,
nos termos do art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, a lei não poderá excluir do
Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. Apesar do veto ao parágrafo
Esse controle, como já dito, pode ser promovido por outros órgãos legitimados, e
não só as associações de proteção aos consumidores. Vale frisar novamente que,
sendo o CADE autarquia legitimada para propositura de ações civis públicas para
defesa da ordem econômica e da livre concorrência (LACP, art. 5.º, II), não podemos
deixar de mencionar a possibilidade de controle judicial das cláusulas contratuais
gerais que envolvam esta matéria, por iniciativa deste órgão.320
318
O parágrafo único do art. 83 do CDC foi vetado. Nele continha o seguinte preceito: "poderá ser
ajuizada, pelos legitimados no artigo anterior ou por qualquer interessado ação visando o controle
abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais".
319
WATANABE, kazuo. Disposições Gerais. In: Código brasileiro de Defesa do Consumidor -
comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 748.
320
Sobre as formas de intervenções do CADE, ver SCARPINELLA BUENO, Cassio. Amicus curiae no
processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 321-335.
171
321
WATANABE, Kazuo. Relação entre demanda coletiva e demandas individuais. In: PELLEGRINI,
Ada; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coords). Direito Processual
Coletivo em perspectiva e Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, a ser
publicado em breve pela DPJ Editora.
172
322
Vale citar a existência do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, que traz
disposições específicas a respeito desse importante e controvertido tema. Assim dispõe o seu art.
6.º: “Relação entre demanda coletiva e ações individuais – A demanda coletiva não induz
litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses próprios e
específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 12 deste Código) não
beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30
(trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual”. [...] §
3.º – “O Tribunal, de ofício, por iniciativa do juiz competente ou a requerimento da parte, após
instaurar, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos
individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos referidos a relação jurídica
substancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as
questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada
demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico”.§ 4.º – “Na hipótese do parágrafo
anterior, a suspensão do processo perdurará até o trânsito em julgado da sentença coletiva,
vedada ao autor a retomada do curso do processo individual antes desse momento.”
173
o art. 107 assim soa: “Os descontos de tarifa somente serão admitidos
quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições,
precisas e isonômicas, para sua fruição”. [...] Resulta de todas essas
considerações que qualquer demanda judicial, seja coletiva ou individual,
que tenha por objeto a impugnação da estrutura tarifária fixada pelo Estado
no exercício do seu poder regulatório, somente poderá veicular pretensão
global, que beneficie todos os usuários, de modo uniforme e isonômico,
uma vez que a estrutura tarifária, como visto, deve ter natureza unitária
para todas as partes que figuram no contrato de concessão e nos contratos
de prestação de serviços de telefonia. Uma ação coletiva seria mais
apropriada para essa finalidade. As ações individuais, acaso fossem
admissíveis, e não o são, devem ser decididas de modo global, atingindo
todos os usuários, em razão da natureza incindível da relação jurídica
substancial. Todas elas, na verdade, buscam a tutela de posições
individuais que “se inserem homogeneamente na situação global” (na
expressão de BARBOSA MOREIRA, v. citação supra), de modo que a
decisão deve ser do mesmo teor para todos que se encontrem na mesma
situação jurídico-substancial, o que significa que uma só demanda seria
suficiente para a proteção da totalidade de usuários. Essas ações
individuais são similares às ações individuais movidas por um ou alguns
acionistas para a anulação de deliberação assemblear ou à ação individual
movida por uma vítima contra a poluição ambiental praticada por uma
indústria. E não teria aplicação a regra expressa no art. 104 do Código de
Defesa do Consumidor, pois, a relação jurídica substancial que integra o
objeto litigioso do processo é de natureza unitária e incindível, sendo
inadmissível sua atomização em pretensões individuais referidas a um
ponto da situação global (v.g.,estrutura tarifária) em que deve haver
necessariamente a inserção uniforme de todos usuários, sob pena de
impossibilidade de subsistência da própria relação global. A solução que
seria mais apropriada, em nosso sentir, na conformidade das ponderações
acima desenvolvidas, seria a proibição de demandas individuais referidas a
uma relação jurídica global incindível. Porém, a suspensão dos processos
individuais poderá, em termos práticos, produzir efeitos bem próximos da
proibição, se efetivamente for aplicada pelo juiz da causa. A importância do
dispositivo está em procurar disciplinar uma situação que, na atualidade,
em virtude da inexistência de uma regra explícita, está provocando
embaraços enormes à Justiça, com repetição absurda de demandas
coletivas e também de pseudo-demandas individuais, cuja admissão, muito
ao contrário de representar uma garantia de acesso à justiça, está se
constituindo em verdadeira denegação da justiça pela reprodução, em
175
Repita-se, mais uma vez, que o controle abstrato e homogêneo das cláusulas
contratuais gerais é o que se apresenta mais eficaz e o que melhor atende as suas
peculiaridades, mas que, infelizmente, tem se restringido à tutela do consumidor.
Talvez o conhecimento da dimensão e da repercussão social, jurídico e econômica
das cláusulas contratuais gerais seja útil para, por meio de uma nova leitura dos
mecanismos processuais conhecidos, seja permitido um controle judicial mais efetivo
e consectâneo das especificidades do instituto.
Portanto, para fins deste trabalho, importante mencionar que o controle judicial
preventivo (abstrato) é feito, quase que em sua maioria, na defesa da
vulnerabilidade dos consumidores, o que não quer dizer que os contratos entre não-
consumidores não possam ser alvo de tutela preventiva e coletiva. Assim, sempre
que for admitido pela legislação, os órgãos fiscalizadores das atividades controladas
pelo Poder Público poderão exercer o controle administrativo ou judicial preventivo
das cláusulas contratuais gerais.
Por último, apesar das sugestões de lege ferenda propugnado pela doutrina,323 não
há um sistema de registro das cláusulas consideradas abusivas pelo judiciário.
Quando muito, temos apenas disponível no site dos Tribunais um acervo on-line de
jurisprudência, com os mais variados assuntos. As serventias extrajudiciais, salvo
algumas hipóteses restritas,324 ainda não atuam no registro do modelo das cláusulas
contratuais gerais, não havendo entre estes e o Ministério Público um canal de
comunicação para combate de cláusulas potencialmente abusivas.
323
SOBRINHO, Mário de Camargo. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação
específica. p. 207.
324
Exemplo que pode ser citado é a exigência do art. 18, inc. VI da Lei de Parcelamento do Solo
urbano (Lei n. 6.766/79), que subordina o registro do loteamento ou desmembramento à juntada
de "exemplar de contrato-padrão de promessa de venda ou de cessão ou de promessa de cessão,
do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta lei".
176
No Código de Defesa do Consumidor, não temos duas listas, mas apenas uma única
lista exemplificativa, enumerando cláusulas consideradas abusivas (lista negra),
prevista no art. 51.325 Diferentemente da previsão de outros países, não se admite
prova contrária da abusividade. O caput do artigo citado é peremptório: estas
cláusulas serão nulas de pleno direito.
325
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do
fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou
disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa
jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao
consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III –
transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com
a boa-fé ou a eqüidade; V – (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do
consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham
representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao
fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam
ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o
fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao
consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação,
sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a
modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV –
infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o
sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por
benfeitorias necessárias. Outra norma importante norma de controle de conteúdo disposta no CDC
é o § 1.º, que se presume exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios
fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações
fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio
contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza
e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2.° A
nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua
ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3.°
(Vetado). § 4.° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao
Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula
contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo
equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
177
Dentro desse elenco de cláusulas abusivas, podemos encontrar o inciso IV, do art.
51. Da mesma forma que o atual § 307 do BGB, temos no Brasil um critério geral326
de abusividade, considerando como abusivas as cláusulas que estabeleçam
"obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade".
Esse critério geral de controle de conteúdo deve ser levado a cabo quando se
estiver diante de uma situação concreta insuscetível de ser enquadrada em qualquer
uma das hipóteses de cláusulas abusivas enumeradas pelo mesmo artigo. E
segundo o legislador, as 15 (quinze) hipóteses de cláusulas abusivas são
consideradas, ex lege, nulas de pleno direito.
O que deve ser salientado nesse trabalho é que o controle de conteúdo das
cláusulas abusivas também existirá fora dos contratos de consumo, fato que tem
326
Evita-se aqui a denominação cláusula geral, por entender que o preceito normativo é caso de
conceito jurídico indeterminado. Nestas, o legislador se limita a reportar, ao fato concreto, o
elemento vago indicado na fattispecie, individualizando a hipótese abstratamente posta, cujos
efeitos foram predeterminados legislativamente. São normas cujo grau de vagueza existe, mas é
mínimo, implicando ao juiz somente o poder de estabelcer o significado do enunciado normativo. A
consequência normativa está prevista no art. 51, caput: a cláusula será nula de pleno direito.
Neste sentido ver MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. p. 296-348 (a linguagem
e as funções das cláusulas gerais); JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo
Código Civil. p. 4; MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 1175-1176.
327
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A relação jurídica resultante do contrato para operacionalização
e realização de sorteios não é relação de consumo. In: Estudos e pareceres de direito privado.
São Paulo: Saraiva, 2004. p. 233.
178
O fato é que a difusão das cláusulas contratuais gerais forçou o legislador das
relações de consumo a regulamentar, nos arts. 51 e 53, as cláusulas abusivas,
baseando-se nas previsões estrangeiras nesse sentido. Mas, se as cláusulas
contratuais gerais não são privativas às relações de consumo, a sua abusividade
também não o é.
Temos que lembrar que o modelo brasileiro é sui generis. Temos dois Códigos
separados e autônomos, com normas especiais (e cláusulas gerais) especiais que
se voltam para a proteção do consumidor, presumindo-o vulnerável e definido de
forma especial. Segundo previsão Constitucional (CF, art. 5.º, XXXII, 170, V, e art.
48 do ADCT), quis que o CDC fosse voltado para as relações entre consumidores e
328
"Para apresentar este diálogo novo no sistema de direito brasileiro, quero concentrar-me um pouco
no fenômeno do combate às cláusulas abusivas. Isto porque o novo Código Civil unitário de 2002,
de forma expressa, em seu art. 422, obriga a todos os contratantes (leigos e profissionais) a
guardar na conclusão e na execução dos contratos os princípios da probidade e da boa-fé. Da
mesma forma, o Código novo limita a liberdade contratual geral à função social do contrato (art.
421) assim como traz normas sobre o controle (art. 424) e a interpretação dos contratos de
adesão (art. 423) entre "civis" e entre "empresários" (art. 966 e seguintes do CC/2002). Mas, em
verdade, na parte geral dos contratos, o CC/2002 traz apenas uma norma sobre cláusulas
abusivas, o art. 424, que em nada colide ou conflita com os arts. 51, 53 e 54, do CDC, ao contrário
reforça o mesmo espírito [...] Logo, conclui-se que não há conflito possível entre o art. 424 e as
normas do CDC, há na verdade diálogo neste sistema plural. MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos
de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. In: Codigo de
Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 - convergências e assimetrias. São Paulo: RT. p.
47.
179
[...] útil, pois, é a idéia de diálogo das fontes, diálogo que significa a
aplicação simultânea, coordenada e sistemática destas duas leis principais
e coexistentes no Direito Privado brasileiro. Três serão, em resumo, os
diálogos entre o CC/2002 e o CDC: o diálogo sistemático de coerência, o
diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em
antinomias (reais ou aparentes) e diálogo de coordenação e adaptação
sistemática.
Ou seja, quis a Constituição que fosse dado tratamento diferenciado aos diferentes,
o que vem concretizado nas leis especiais (ex.: CDC), mas nem por isso
concluiremos que os iguais, submetidos à regulação do Código Civil, estarão
desprotegidos.
Portanto, fora dos contratos de consumo,330 nas mais variadas atividades (e que
também envolvem o oferecimento de cláusulas contratuais gerais), as cláusulas
abusivas também poderão ser detectadas e, por isso, de alguma forma controladas.
dos arts. 966 e 981 e seguintes do CC, ou seja, não sendo uma dessas a
destinatária final), existirão cláusulas contratuais gerais e, potencialmente, poderão
existir cláusulas abusivas. Entre empresas, poderemos ter o clássico contrato de
compra e venda, até certas figuras tidas como modernas, como os contratos de
distribuição, de franquia, de faturização etc.331 Em alguns contratos de locação de
imóveis para fins comerciais, como nos de shopping centers, vimos que este
assumirá, na maioria das vezes, características padronizadas específicas, podendo
estar contido por cláusulas contratuais gerais que coloquem uma das partes em
situação iníqua, de profundo desequilíbrio, contrariando o preceito da justiça
contratual. Daí a utilidade de uma noção geral de abusividade, segundo os preceitos
gerais dispersos pelo Código Civil.
331
A franquia consiste no licenciamento do uso da marca, acompanhada de assistência
mercadológica, fonecimento de know how etc. O contrato de franquia liga uma pessoa a uma
empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de
comercializar marcas ou produtos de sua propriedade, sem que, contudo, a essas estejam ligadas
por vínculo de subordinação. Na faturização, há a venda do faturamento, ou negociação de
créditos, pela sua transferência para uma dada empresa, que assume o risco do seu não
pagamento. Ver FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 104.
332
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. p. 49.
181
isso estas deixam de estar ínsitas na disciplina dos contratos de adesão, tal como
participam da listagem das cláusulas abusivas, se o seu conteúdo for abusivo.
Se não temos definição no Código do que vem a ser cláusula abusiva, temos que
socorrer às cláusulas gerais de controle existentes em nosso país, bem como em
legislações de diversos países, enumeradas acima. Sem a pretensão de
formularmos uma definição exaustiva, é possível concluir que uma cláusula
contratual será considerada abusiva quando, ainda que abstratamente predispostas,
sejam tendentes a criar direitos e obrigações considerados iníquos,
desproporcionais, que promovam desvantagem exagerada a uma das partes,
fenômenos incompatíveis com os princípios da boa-fé, do equilíbrio e da função
social dos contratos.
333
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 49.
182
Como sabemos, todo negócio jurídico deve ser interpretado segundo os ditames da
boa-fé (CC, art. 113). Aliás, a boa-fé é um dos elementos de validade do negócio
jurídico, como bem salienta RENAN LOTUFO334 em comentários ao art. 104 do
Código Civil. Cabe lembrar, ainda, que nos termos do art. 122 do Código Civil, está
vedado em nosso sistema a pura potestatividade,335 ou seja, aqueles negócios em
que haja condição fazendo depender a eficácia do ajuste à vontade exclusiva de
uma das partes, dada a configuração de claro abuso da posição contratual.
334
"Mas, no âmbito do Direito contemporâneo há um elemento, que deve sempre estar presente, a
boa-fé. A boa-fé há que reger o mundo do negócio jurídico. Portanto, desde o início da formação
da vontade, é necessário que a boa-fé esteja presente, que se mantenha na sequência, ou seja,
mesmo depois de emitida a declaração e a recepção, e permaneça até depois da execução do
próprio negócio. A boa-fé aqui referida é a que se denomina de boa-fé objetiva. LOTUFO, Renan.
Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 284.
335
Em comentários ao art. 122, expõe RENAN LOTUFO que: "Cabe observar que parte da doutrina
divide as condições ilícitas em: a) Condições ilícitas propriamente ditas – contrárias à ordem
publica e às normas jurídicas cogentes que inclusive punem a existência de tal comportamento
(ex.: prometo a alguém dinheiro se roubar outra pessoa); b) Condições imorais – são as contrárias
aos bons costumes, salientando que a moralidade ou imoralidade serão verificadas segundo o
caso concreto nos colocado à frente; c) Condições impossíveis – física ou juridicamente
impossíveis; d) Condições puramente potestativas – a doutrina divide a condição potestativa em:
pura, simples e mista. A condição potestativa é pura quando é estabelecida exclusivamente pelo
arbítrio de uma parte (ex: vendo minha casa se gostares de Maria), como vemos na segunda parte
do art. 122. Estas são vedadas pelo prescrito no presente artigo. A condição potestativa é mista
quando depende da vontade das partes que figuram no negócio jurídico. A potestativa é simples
quando o fato depende da vontade da pessoa, mas não só da pessoa. Para sua caracterização
concorrem certas circunstâncias. A condição potestativa enseja muita dúvida na aplicação prática
pelos leigos, em razão do disposto na última parte do art. 122, porque a interpretação desprovida
dos recursos da hermenêutica leva a afirmar que há uma condição potestativa proibida por lei,
quando não se trata de potestativa pura, mas sim de potestativa mista.". LOTUFO, Renan. Código
Civil comentado. p. 347.
183
Mas se assim é, poderá se entender que seria inútil uma referência expressa à boa-
fé também para se fixar parâmetros atinentes ao conteúdo. Só situando a referência
em outro campo normativo, o da regulação e valoração de condutas, se preservaria
a sua autonomia como critério de controle.
como uma das suas características marcantes e inovadoras a separação nítida entre
o controle de inclusão e o controle de conteúdo. Por controle de conteúdo, aqui,
deveria se entender controle exclusivamente dos termos contratuais, em si mesmos,
sem atender a variáveis que não lhes dissessem respeito.
336
RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato - as cláusulas contratuais e o princípio da
liberdade contratual. p. 406 e ss.
185
normais do tipo contratual escolhido. A nulidade das cláusulas não se pretende com
o seu conteúdo intrínseco, mas com a divergência entre ele e o horizonte de
representações e de expectativas do aderente quanto às conseqüências vinculativas
do contrato. Mas cabe também aquela função que é mais marcante no regime
próprio dos contratos de adesão, que é a consideração da boa-fé como fundamento
de limites à liberdade de estipulação. Quando estamos diante do controle abstrato,
não há qualquer espaço para a tutela de expectativas. Por isso o controle abstrato é,
sempre, um controle objetivo de conteúdo das cláusulas contratuais predispostas,
em si mesma e à luz do tipo contratual que se inserem.
Diferentemente do CDC, o Código Civil não possui uma cláusula geral de controle
de conteúdo específica para os contratos de adesão e para as cláusulas contratuais
gerais. Mas está positivado o princípio da boa-fé, que dá conteúdo a várias cláusulas
gerais, em especial aquela prevista no art. 422, prescrevendo que os contratantes
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,
os princípios da probidade e boa-fé. Essa cláusula geral tem um alcance genérico,
abarcando também as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão,
exercendo importante papel na tutela dos contraentes em situação contratual
objetivamente inibidora da defesa de interesses próprios.
Assim, mesmo não contando com uma cláusula geral de controle de conteúdo dos
contratos de adesão, os arts. 113 e 422 do Código Civil permitem a conclusão de
que a obrigação de guardar a boa-fé, no âmbito das cláusulas gerais e dos contratos
de adesão, importa em não aproveitar abusivamente a iniciativa de formulação
unilateral do conteúdo das cláusulas gerais para obter vantagens exageradas, em
lesão significativa dos interesses da contraparte.
Mas não é só: todos os contratos deverão atender uma função social. A liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos (CC,
art. 421), ou seja, o contrato não se limita a revestir passivamente a operação
186
Toda vez que a operação econômica revestida pelo contrato violar um desses
objetivos, tem-se que ele não cumpre sua função social. Muitas vezes o contrato
pode ter um objeto lícito, apenas raramente a imoralidade ou a finalidade escusa
mostram sua face; a convenção é irrepreensível na aparência; só o fim
cuidadosamente escondido revela-se imoral quando é conhecido. Para a apreciação
do cumprimento pelo contrato, de sua função social, não pode o juiz ter em mente
apenas o objeto, mas, sobretudo o fim visado pelas partes, o que pode ser denotado
de suas próprias condutas.
337
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Os princípios do atual direito contratual e a desregulamentação
do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do
contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. In:
Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 142.
338
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. p. 137; LOUREIRO, Luiz Guilherme.
Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2002. p. 52-53.
187
Há de ser lembrado, ainda, que nosso Código coíbe o abuso do direito (CC, art.
187),340 determinando ser abusivo o ato do titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes. Segundo PAULA A. FORGIONI,341 abuso de direito
pode concretizar-se mediante o abuso de dependência econômica, desde que o
exercício das prerrogativas contratuais seja contrário ao seu "fim econômico" ou à
"boa-fé".
339
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. p. 167.
340
Nem todos os autores aceitam a invocação da teoria do abuso de direito para qualificação e
controle das cláusulas abusivas. De fato, quando se fala em cláusulas abusivas, está se atuando
sobre a liberdade de conformação de conteúdos contratuais, que desempenha função distinta da
proibição do abuso do direito. Esta última asserção parece ser contrariada pela quase universal
qualificação como cláusulas abusivas, daquelas estipulações que são contidas por inadmissíveis,
em razão de seu conteúdo. Com origem na ordem jurídica francesa, o termo vulgarizou-se. O
abuso de que aqui se trata não se enquadra no contexto dogmático do abuso do direito. De fato,
porque está em causa a determinação limitativa do conteúdo do contrato, não de restrições ao
exercício de posições dele derivadas! Não se visa fixar um limite à disciricionariedade de atuação
do agente dentro de uma relação já eficazmente constituída, mas antes, traçar limites a respeitar
para a sua válida constituição. Não pode, pois, negar-se que a boa-fé intervém como norma de
validade, não como princípio definidor de comportamentos negociais. E o juízo de validade é,
neste domínio, um puro juízo de compatibilidade entre a normação privada e o sistema jurídico em
que ela visa integrar-se. Assim, há que se advertir que controle de conteúdo não é o mesmo que
controle de exercício de um direito. A sua incidência se dá antes, é prévia a este, pois o que se
procura é verificar se a cláusula, nas circunstâncias concretas da relação, representa uma
ilegitimidade de conduta, sancionada pelo abuso de direito. Ver, sobre esta questão, RIBEIRO,
Joaquim de Sousa. O problema do Contrato - As cláusulas contratuais gerais e o princípio da
liberdade contratual. p. 500.
341
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 428.
188
Poderão existir contratos padronizados por cláusulas contratuais gerais nas relações
interempresariais (ex.: franquia, distribuição, faturização etc.), ou seja, cláusulas
estipuladas sem que haja prévia negociação sobre o conteúdo contratual,
unilateralmente predispostas, gerais e abstratas, marcadas por uma rigidez,
podendo justificar a investigação sobre sua invalidade por abusividade. O fato de
não ser uma relação de consumo, tal como preconizada pelo CDC, não significa que
não se poderá invocar as normas previstas no Código Civil. Se as cláusulas
contratuais gerais forem ofensivas à boa-fé objetiva, ou ao princípio da função social
dos contratos, ou ainda, se representarem alguma espécie de abuso de direito,343 o
controle de conteúdo de tais cláusulas estará justificado.
Esse ideal de justiça contratual pode ser aferido também quando o legislador vedou
a prática do ato jurídico lesionário (CC, art. 157, c/c o art. 171, ll) ou se admite possa
o magistrado reduzir eqüitativamente a pena convencional estipulada pelos
contratantes, quando parte da obrigação principal tiver sido adimplida pelo devedor,
ou quando a penalidade se mostrar excessiva, em vista da natureza e finalidade do
negócio (CC, art. 413).
Não é suficiente que o contrato seja precedido de cláusulas contratuais gerais para
que cláusula supostamente abusiva seja considerada nula. Também não basta o
desequilíbrio econômico entre as partes para se considerar a abusividade de uma
cláusula. O que se pode discutir é a ausência de um equilíbrio entre direitos e
deveres de uma e outra parte, permitindo, por isso, que se questione a existência de
uma justiça substancial.
342
Há que ser lembrado, ainda, que está presente na legislação de defesa da concorrência, quando
se proíbe, no bojo da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, a imposição de preços excessivos, ou
o aumento injustificado do preço de bens ou serviços (art. 21, XXIV).
343
O abuso de direito, caso represente ato atentatório à boa-fé, pode ser invalidado. Em parecer
sobre esta questão, RENAN LOTUFO concluiu que caberia "invalidação da deliberação da
assembléia, por ter ocorrido desrespeito a requisito de validade, boa-fé, com restauração da
proporcionalidade dos cargos e liberdade da indicação direta dos cargos e liberdade da indicação
direta dos ocupantes de mandato representativo da M." Ou seja, o abuso do direito não é somente
ato ilícito (art. 187, CC), podendo ter repercussões, ainda que indiretas, no âmbito de validade dos
negócios. (Ver Parecer, Processo Judicial n. 583.00.2006.163.669-0, em curso na 33ª Cível do
Foro Central da Comarca de São Paulo, inédito).
189
344
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 31.
345
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 32.
346
MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. v. 1. p. 649-660.
347
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 49. Para alguns autores, o núcleo
da cláusula geral de boa-fé, para fins de controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais
abusivas, é a causação de um prejuízo desproporcional ao aderente, como resultado do conteúdo
ineqüitativo da estipulação, oferecendo-se como índice de qualidicação e padrão e medida do
desequilíbrio relevante. Para aqueles que acreditam que o equilíbrio é decorrência automática da
boa-fé, as cláusulas abusivas são-no porque gravosamente ineqüitativas, sem mais, porque
significativamente desequilibradoras das posições contratuais.
190
Não cabe a esse trabalho apontar a mais (ou menos) correta corrente. Aliás, pode-
se dizer que nenhuma dessas formas de visão do princípio é a priori, certa ou
348
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 51.
349
“A boa-fé objetiva valoriza os interesses legítimos que levam cada uma das partes a contratar, e
assim, o direito passa a valorizar, igualmente e de forma renovada, o nexo entre as prestações,
sua interdependência, isto é, o sinalagma contratual (nexum). Da mesma forma, ao visualizar, sob
influência do princípio da boa-fé objetiva, a obrigação como uma totalidade de deveres e direitos
no tempo e ao definir também como abuso a unilateralidade excessiva ou o desequilíbrio
irrazoável da engenharia contratual, valoriza-se, por conseqüência, o equilíbrio intrínseco da
relação em sua totalidade e redefine-se o que é razoável em matéria de concessões do contraente
mais fraco”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. p.
241. Observa ainda a autora que não havia no AGBG da Alemanha menção expressa sobre o
equilíbrio contratual. Esta noção foi desenvolvida pela jurisprudência como incluída no princípio da
boa-fé.
350
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada,
boa-fé, justiça contratual. p. 222-223.
191
351
“Até mesmo no direito brasileiro, em que há confusão entre desequilíbrio econômico e
desequilíbrio de direitos e deveres, as duas hipóteses, in concreto, não podem ser tratadas da
mesma forma”. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A lesão como vício do negócio jurídico. A lesão
entre comerciantes. Formalidades pré-contratuais. Proibição de venire contra factum proprium e
ratificação de atos anuláveis. Resolução ou revisão por fatos supervenientes. Excessiva
onerosidade, base do negócio e impossibilidade da prestação (parecer). In: Estudos e pareceres
de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 116.
352
Observação feita por NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos paradigmas. p. 166.
353
Certamente, la singola clausola gravosa per l'aderente puó comportare per qut'ultimo un
particulare vantaggio, ma si tratta allora di vedere se all'interno del rapporto contrattuale il relativo
regolamento ritrovi un suo complessivo equilibrio rendendo giustificata la clausola nell'economia
del contratto. L'idea che le clausole vessatorie comportino sempre una corrispondente
agevolazione a favore degli aderenti non ha invece alcun riscontro nell'esperienza. La tensione
verso un equilibrio contrattuale è attivata dalla contrattazione su un piano di parità, mentre la
predisposizione unilaterale del regolamento contratuale non è spinta ad un contemperamento dei
contrapposti interessi. BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In:
Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 536.
354
BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed
effetività della norma. p. 539.
192
desequilíbrio propiciado pelas cláusulas contratuais gerais não poderá mais ser
avaliado em abstrato, mas no contexto daquele dado contrato. Entendemos, todavia,
que nem por isso o magistrado estará desobrigado de considerar, em seu juízo, o
contexto anterior à inserção da cláusula ao contrato individual, bem como o contexto
global que motiva e que sustenta a existência jurídica daquelas cláusulas contratuais
gerais.
355
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 433. A professora cita interessante julgado
paradigma (de 1974), hoje comum em nossos Tribunais, em que um posto de bandeira branca
ingressou em juízo para forçar a empresa AGIP a continuar a lhe fornecer combustível, devendo
ser declarada abusiva a prática de se fornecer combustível exclusivamente a postos de sua
bandeira. Não haveria novidade nenhuma se o Tribunal alemão apenas julgasse improcedente a
demanda. A curiosidade fica por conta de o Tribunal ter investigado minuciosamente as atividades
da fornecedora, e concluísse que esta não poderia fornecer para outros postos de gasolina senão
os de sua bandeira, considerando fato relevante a queda de 30% das vendas da AGIP pela falta
de combustível no mercado daquela época e a possibilidade de, em caso de procedência,
viabilizar a ruptura e ruína daquela fornecedora de combustível e do sistema de distribuição. (p.
435).
356
A AGBG dava importante orientação para se descobrir a desproporção: "na dúvida, é de
considerar um prejuízo desproporcionado quando uma disposição: 1. seja inconciliável com
princípios fundamentais da regulação legal e que se entendeu não acordar, 2. limite de tal modo
direitos ou deveres que resultem da natureza do contrato que a obtenção do escopo contratual
seja posta em perigo". Ver MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 656.
193
cabendo a parte interessada a sua prova. O modo de contratar por adesão não
conhece fronteiras, invadindo não apenas o dia-a-dia do consumidor, mas,
igualmente, as relações negociais entre empresários. O problema da contratação
estandardizada não se esgota na proteção ao consumidor, embora a necessidade
de proteção se apresente maior quando a contraparte da empresa possa ser
enquadrada daquela figura.
Para nós, o Código Civil preconiza uma terceira solução, perfeitamente de acordo
com o sistema legal, que seria a eliminação da abusividade da cláusula pela
redução desta a limites razoáveis e justos. Em diversos dispositivos do Código, é
oferecida esta solução (CC, art. 157, § 2.º; art. 317, art. 413; art. 442, art. 452, art.
479 etc.).
O Código Civil de 2002 pouco nos orienta sobre o controle de conteúdo das
cláusulas contratuais gerais abusivas. Mas, ao que parece, o legislador deixou
expressa a conseqüência da utilização de cláusulas contratuais gerais proibidas,
pois, prescreve o seu art. 424, que são nulas as cláusulas que estipulem renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Mesmo assim,
entendemos que não está afastada a possibilidade de se manter o contrato com a
adequação da cláusula contratual geral, observado, sempre, as características
econômico-jurídicas deste fenômeno.
Deve ser lembrado, ainda para justificar a manutenção dos negócios, que o Código
Civil de 2002 está também ancorado no princípio da conservação do negócio
jurídico, o qual estabelece a manutenção da atividade negocial para a consecução
do fim prático perseguido pelos envolvidos,357 como explica RENAN LOTUFO, em
comentários ao art. 170 do Código Civil, sobre a conversão dos negócios jurídicos,
que reflete bem esta questão no Código.
Verifica-se que a grande questão que se põe quando da análise dos problemas
decorrentes da contratação por adesão e cláusulas contratuais gerais prende-se ao
controle do conteúdo contratual quando o aderente não seja um destinatário final
dos produtos e serviços que lhe sejam fornecidos, ou melhor, quando ele não se
enquadre na figura descrita pelo caput do art. 2.º do CDC.
Por tais razões, entendemos não ser possível, a priori, afirmar categoricamente que
a manifesta injustiça do conteúdo das cláusulas contratuais gerais levará à situação
de invalidade ou de ineficácia de uma cláusula, sendo este ainda um movimento a
ser perseguido pelo direito positivo, tornando-se inviável uma resposta imediata para
tal questão, sem o cotejo de numerosas situações. Cabe-nos, no entanto,
observarmos as diretrizes do Código.
Aliás, esta foi uma das críticas colacionadas por CUSTÓDIO DA PIEDADE
UBALDINO MIRANDA,358 atendo-se às peculiaridades do Código Civil, que objetiva
a manutenção dos negócios, bem como das cláusulas contratuais gerais, abstratas e
genéricas:
357
LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. p. 471.
358
MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino Miranda. Contrato de adesão. p. 218.
195
Por último, ainda que o critério a ser adotado para o controle das cláusulas
contratuais gerais estabelecidas entre empresários deva ser um pouco mais flexível,
com vistas às peculiaridades de cada caso concreto, não existe uma razão plausível,
de outra sorte, para simplesmente subtrairmos esta modalidade de relação jurídica
do controle dos órgãos jurisdicionais. Vimos que também nas relações comerciais
existe a possibilidade do desequilíbrio, da existência de uma parte contratual mais
frágil, que não consegue influir sobre as cláusulas contratuais gerais pré-formuladas
pela outra, podendo existir um conseqüente desequilíbrio entre direitos e deveres. O
conhecimento das particularidades e vicissitudes de cada tipo de relação jurídica, e
a observância das cláusulas gerais de controle presentes no Código Civil de 2002
permitem um maior aproveitamento do eventual controle judicial.359
359
Esta é uma das críticas de MASSIMO BIANCA ao sistema de controle judicial italiano: "Una prima
critica muove dal bilancio deludente della nostra passata esperienza, che ha mostrato un'efficienza
ridotta del controllo giudiziario. La mancanza di un principio ordinatore su cui fondare tale controllo
e il difficile emergere della consapevolezza a che i contratti con i consumatori debbono essere
governati da regole diverse da quelle tradizionali, concorrebbero a catterizare uno stile italiano che
non ha inciso sulla prassi contrattuale delle imprese. Questo rilievo coglie una sicura realtà,
rappresentata del l'estrema cautela dei nostri giudici nell'avvalersi delle clausole generali previste
dal nostro codice in materia contrattuale. Tale atteggiamento trova almeno in parte spiegazione
nella forma di una tradizione di non intervento ancora alimentata in dottrina con l'invocazione del
principio della intangibilità della volontà contrattuale. Per superare questo atteggiamento
giurisprudenziale appare tuttavi idonea una previsione normativa che investa specificamente il
giudice del compito di valutare l'abusività delle condizioni generali di contratto alla streua dei
196
Sempre que uma das partes do contrato possa, por si própria, derrogar as normas
dispositivas, especialmente aquelas que integram a disciplina do respectivo tipo
contratual, isto significa que a ela se confere a possibilidade de dar ao seu interesse
um aspecto e uma organização diversa do que tenha o legislador, em caráter médio,
entendido como équo e racionaI, de repartir os ônus, riscos, sacrifícios e vantagens
contratuais de uma maneira diversa daquela tida pelo legislador como abstratamente
justa; de atribuir ao outro contraente sacrifícios e riscos maiores que aqueles que ao
legislador tenha parecido correto acometer-lhe; de atribuir a si próprio lucros e
vantagens superiores àquelas que na avaliação do legislador se representariam
devidas na hipótese.
Entendemos, portanto, que a tutela do aderente tanto pode ser efetuada pelo Código
de Defesa do Consumidor como pelos princípios e regras consagrados no Código
Civil. Um equilíbrio, de modo que um dos contratantes não aufira, em face do outro,
vantagem manifestamente excessiva (em relação aos direitos e deveres contratuais)
respondendo ao ideal de justiça contratual que permeia nosso ordenamento jurídico.
198
5
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONSENSO E SOBRE A FORMAÇÃO DOS
CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
5.1 INTRODUÇÃO
Não podemos falar das cláusulas contratuais gerais, de sua existência juridicamente
independente sem saber como se formam os contratos. Daí a necessidade de um
capítulo próprio, em que seja abordada, ainda que brevemente, a formação dos
contratos individuais, o que contribuirá para uma maior compreensão do tema.
361
LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 283.
362
ROPPO, Enzo. O contrato. p. 90-91.
363
MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente
no negócio jurídico. Coimbra: Livraria Almedina, 1995. p. 439.
199
364
ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito.
Barueri: Manole, 2005 (prólogo).
365
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos l – Conceitos. Fontes. Formação. 2. ed. p. 97.
200
Portanto, texto não é apenas o texto escrito, mas qualquer realidade suscetível de
interpretação. Pode-se afirmar, portanto, que toda realidade humana e,
conseqüentemente, toda realidade social, é um texto enquanto se apresenta como
algo que temos que ler e interpretar para poder compreender.
Todavia, nem sempre é fácil se delimitar tal linguagem, justamente porque essa
linguagem tem de exercer uma função de declaração de vontade é que ela ganha
contornos especiais. A linguagem para ser hábil a formar o contrato pelo consenso
tem que externar a vontade das partes.
366
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. p. 76.
367
LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. p. 290.
201
Importa destacar que o homem sempre buscou externar a sua vontade, apesar dos
limites de linguagem e dos sistemas políticos e econômicos.
368
BEVILACQUA, Clovis. Direito das obrigações. São Paulo: Officina Dois Mundos, 1896. p. 47.
202
Num outro estágio já aparece o mandato, iniciando a classe dos contratos que se
perfazem com a afirmação da promessa por só uma das partes, que IHERING
classificou como unilateralmente promissórios.
Também no direito germânico o formalismo vai perdendo força, e com o contato dos
dois sistemas jurídicos, o processo de simplificação tomou mais vigor, apesar da
ação regressiva do direito feudal.
204
Demonstra ainda, essa rápida incursão histórica, que o homem, ser social, sempre
buscou a interlocução e ao interagir se fez capaz de estabelecer relações sociais e
jurídicas.
Desde os primórdios tem-se que o homem sempre buscou manifestar sua vontade e
como procurou o acordo de vontades, o consenso, quando era de seu interesse.
369
LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. p. 289.
370
O negócio jurídico não pode ser reduzido à declaração de vontade. Como observa PAULO DA
MOTA PINTO, para quem “a distinção entre negócio jurídico e a declaração negocial reflete-se
praticamente na necessidade, para a formação do negócio jurídico, de outros atos além das
205
O direito pátrio previu no art. 107 do Código Civil que a validade da declaração de
vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a
exigir.
declarações de vontade, necessidade essa que é posta em relevo quando se define o primeiro
como fato jurídico voluntário 'cujo elemento essencial' é integrado por uma ou mais declarações.”.
MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente
no negócio jurídico. p. 447. Continua o autor sua explanação aduzindo que "A declaração pode
ser definida a partir de diversos pontos de vista, nomeadamente tendo em conta o fim prosseguido
pelo seu autor, o evento realizado pelo acto, ou o modo de acção". Ainda nessa discussão, Renan
Lotufo articula que: "ao analisar a declaração de vontade fá-lo primeiro do ponto de vista da
vontade, para depois distinguir a vontade da declaração. A vis cognoscitiva: nihil volitum nisi
praecognitum (força do conhecimento: nenhuma vontade sem prévio conhecimento), e a vis
appetitiva (força do apetite): desejo". O autor arremata a discussão ao afirmar que “do exame dos
confrontos doutrinários e da análise da estrutura do negócio jurídico pode-se chegar a admitir a
declaração como preceito”. LOTUFO, Renan. Código civil comentado. Parte Geral. p. 290.
371
BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 213. Observa o autor que, nos casos que a lei
exige a forma expressa, é controverso se é possível admitir uma manifestação tácita de vontade.
372
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 50.
206
Quando a declaração for emanada por gestos ou sinais, como a mímica ou o sinal
feito por um licitante em um leilão, ela será tida como simbólica. Dependendo do
momento de manifestação de cada uma dessas declarações, elas receberão uma
denominação própria e estarão submetidas a regras específicas direcionadas à
formação da relação ou vínculo contratual. PAULO DA MOTA PINTO373 ao discorrer
acerca dos elementos para a delimitação da declaração negocial, quando trata do
problema jurídico (e não psicológico, sociológico, filosófico ou lingüístico), afirma
que:
373
MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente
no negócio jurídico. p. 162 e ss.
207
Sem dúvida, o autor português coloca a grande questão a ser enfrentada, baseado,
sobretudo, no ordenamento jurídico português e em consonância com o objeto
central de sua obra que é a declaração tácita e o comportamento concludente no
negócio jurídico. Entretanto, essa questão deve ser também enfrentada por nós, já
que o comportamento expressivo, concludente, em qualquer situação, sempre
importará em uma interpretação de atos, sendo ainda necessário transformá-lo ou
transportar de uma linguagem simbólica para uma linguagem verbalizada,
declarativa, apta e hábil para formar o programa contratual.
Aduz ainda o mesmo autor que há outros casos em que a vontade de concluir um
contrato não é comunicada mediante uma declaração, mas resulta de outros
comportamentos do sujeito. Fala-se em manifestação tácita de vontade. LUIZ
EDSON FACHIN,375 sobre vontade de concludência e o valor jurídico do
comportamento, salienta que:
374
ROPPO, Enzo. O contrato. p. 93.
375
FACHIN, Luiz Edson. Aggiornamento do direito civil brasileiro a confiança negocial. Disponível em:
<http://www.uel.br/cesa/dir/pos/publicacoes/publuizf.html.> Acesso em: 11 de julho de 2006.
208
376
O Código Civil brasileiro ao imprimir a regra geral da liberdade das formas
permitiu também a declaração tácita e o comportamento expressivo ou concludente
como formas de exteriorização da vontade que gera o consenso, pois são aptas a
alcançarem a esfera do destinatário, apesar de ter suprimido o disposto no art. 1.079
do Código Civil de 1916 que pregava a hipótese de aceitação tácita, nos casos em
que a lei não exigisse que fosse expressa. Conclui-se, portanto, com PAULO DA
MOTA PINTO377 que na realidade, é certo que uma declaração “tácita”, realizada
através de comportamentos concludentes, pode igualmente chegar à esfera do
destinatário, bastando para isso que se tornem conhecidos ou sejam recebidos os
fatos concludentes.
376
O Código Civil português, no art. 217 positivou a diferença entre a declaração expressa e a tácita
da seguinte forma: (Declaração expressa e declaração tácita) 1. A declaração negocial pode ser
expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo
de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a
revelam. 2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde
que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.
377
MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da. Declaração tácita e comportamento concludente no
negócio jurídico. p. 737.
209
Cumpre ressaltar que o silêncio não pode ser confundido com a manifestação tácita
ou implícita, ou ainda com o comportamento concludente. Isso porque, o silêncio
corresponde à abstenção completa, tanto de palavras como de atos ou fatos. Porém,
em se caracterizando o denominado silêncio circunstanciado ou qualificado, pode
ser admitido como manifestação de vontade, devendo o consentimento ser inferido
do comportamento omissivo da parte. O que se obtém, assim, é uma presunção de
vontade. Conforme dispõe o art. 111 do Código Civil, “o silêncio importa anuência,
quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a
declaração de vontade expressa.”
Segundo MASSIMO BIANCA378 o silêncio, por si só, não exprime nenhum consenso
e não impõe um ônus ou dever ao sujeito. A intenção negocial só deve ser
considerada, como dito, se aliada ao complexivo e circunstancial comportamento do
sujeito, vinda a exprimir o significado do consenso e decorrente de expressa
previsão pela parte ou pela lei, concluindo que o silêncio pode ter relevância por
uma expressa previsão das partes ou da lei.
Nos dias de hoje, dada a complexidade das relações sociais, há total abstração da
capacidade dos agentes e da intenção dos figurantes, imputando-se conseqüências
assemelhadas aos contratos. Menores, loucos, impossibilitados de consentir
necessitam transportar-se, comprar, alimentar-se. Como vimos, inúmeras obrigações
nascem e se extinguem, sem que haja qualquer manifestação expressa ou
declaração de vontade encaminhada para esse fim.
Não é incomum que, na vida cotidiana, um incapaz pratique um ato sem que isso
seja eivado de nulidade ou deixado de produzir a correlata obrigação. Procurando
explicar estas situações, a doutrina construiu a teoria das relações contratuais de
fato, com larga aceitação na Alemanha.379 Segundo a doutrina, tais fenômenos não
seriam contrato, mas relações protocontratuais, em que o Direito atribuiria efeitos
idênticos aos contratos.
378
BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 214.
379
PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de direito privado. p. 32.
210
380
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. v. 1. Madrid: Editorial Revista de Direito Privado, 1958.
p. 58-61. (II. Obligaciones derivadas de conducta social típica (“relaciones contractuales de
hecho”) – EI moderno tráfico en masa trae consigo que en algunos casos, de acuerdo con la
concepción del tráfico, se asuman deberes, nazcan obligaciones, sin que se emitan decIaraciones
de voluntad encaminadas a tal fino. En lugar de las declaraciones surge la oferta pública, y de
hecho de una prestación y la aceptación de hecho de esta prestación por el que toma parte en el
tráfico. Ambas, la oferta pública de hecho y la aceptación de 'hecho de la prestación, no suponen
(a falta de la correspondiente conciencia de declaración) declaraciones de voluntad, pero sí
implican una conducta que por su significado social típico tiene los mismos efectos jurídicos; que
la actuación jurídica negocial. Tal es. p. ej., el caso de la utilización del tranvía, del autobús, de
una balsa o de un vehículo análogo del transporte público. Es ficticio el considerar, como se
intentó antes, que la marcha del tranvía encierra una oferta idéntica y continuada para concluir
contratos de transporte, cuya aceptación reside en el hecho de tomar el tranvía. EI que utiliza el
tranvía está, según el criterio del tráfico, obligado al pago del precio del trayecto según Ia tarifa y
tiene derecho a ser transportado de acuerdo con las condiciones de la tarifa, sin tener en cuenta si
su intención consistía eu emitir una declaración de voluntad de tal contenido, si tiene o no
capacidad negocial, e incluso si conoce o no la tarifa. EI suponer que concurre, en tales casos, la
conclusión de un contrato encuentra, a mi juicio, un obstáculo en el hecho de que quien utiliza un
medio cualquiera del transporte público no está desde luego en la situación de aquel a quien se ha
hecho una oferta actual, y que sólo ha de pensar si ha de aceptarla, rechazarla o acaso ha de
hacer una contraproposición. Se encuentra más bien en la situación general de toda persona que
toma parte en el tráfico y piensa si ha de hacer uso de un medio de transporte está al servicio de
todos. Si hace uso de ese medio de transporte, entonces en la consecuencia jurídica de su modo
de obrar reside el que con ello haya nacido una relación jurídica, un contrato de transporte, y no
porque esa consecuencia jurídica se haya querido o declarado, sino porque, de acuerdo con los
puntos vista generales del tráfico, su conducta está indudablemente unida esa consecuencia. No
podrá alegar la excepción de que creía que el transporte era gratuito, impugnando así su
declaración por eror, o la de que es limitadamente capaz y su represente legal no estaba conforme
en que utilizase el tranvía. La admisibilidad de tales objeciones no se ajustarían a la esencia
cuestión, a su significado social típico. En el estado de nuestros días, que se ha impuesto en
general la misión de crear aquellas condiciones que en una era técnica deben concurrir para que
la convivencia humana sea posible en espacio limitado, se explotan numerosas empresas de
suministro de servicios por instituciones de carácter jurídico-público o por Corporaciones, en
especial por entidades de carácter municipal, y bajo formas del Derecho público. Tal ocurre con
los ferrocarriles, el correo, el servicio de limpiezas, el suministro de agua, etc. En tales casos la
utilización de las correspondientes instalaciones se produce de acuerdo con los preceptos de
carácter jurídico-público, y no en armonía con las normas privadas; las “exacciones" (precios de
tarifa) a pagar podrán ser exigidas por el procedimiento de apremio, y aun cuando antes se
estimaba admisible la competencia de los tribunales ordinarios para las divergencias derivadas, p.
ej., de una relación de uso del teléfono, RG consideraba como "contrato de Derecho público"
(RGZ, 155, 334), deberá sostenerse actualmente la competencia de la Administración. Pero aún
hoy ocurre que en muchos casos los servicios de agua, gas y electricidad, así como algunas
empresas de transporte, se explotan por sociedades de carácter privado (con intervención o no
del Estado), y en tales casos no hay razón alguna para considerar según el Derecho público las
relaciones de uso que deriven de aquellos servicios (3). Por el contrario, nacen en tales casos
relaciones de suministro a las que habrán de aplicarse directamente, y no por vía de analogía, las
normas del Derecho privado relativas a los contratos correspondientes. En este punto no cabe
hacer una diferencia sobre si en el caso concreto se concluye un contrato, en que, p. ej., el usuario
dirige a la empresa de gas o de electricidad una solicitud de conexión y ésta acepta dicha solicitud,
o bien si, no mediante declaración alguna (ni siquiera tácita), se produce de hecho una utilización
accesible a todos. Incluso en el segundo caso nace una relación obligatoria, sobre cuya ejecución
han de aplicarse las normas sobre obligaciones contractuales (contratos de suministros), mientras
que por el contrario son inaplicables los preceptos sobre conclusión de negocios jurídicos y
211
385
POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá,
2003. p. 230.
214
A proposta é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa para
aquele (pessoa ou grupo) com quem deseja contratar.
386
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 58.
387
MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. I, t. I. 3. ed. p. 552.
215
388
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 135.
389
No Código de Defesa do Consumidor, a oferta ao público está disciplinada no art. 35.
390
Conforme Caio Mário da Silva Pereira, citando CARRARA, os pontos de distinção entre proposta e
negociações preliminares: A) a proposta é um elemento de formação contratual; as negociações
não são. B) a proposta tem efeito jurídico específico; as negociações não têm. C) a proposta é um
negócio jurídico; as negociações não são. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito
civil. v. 3. p. 41.
391
"Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela,
da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de ser obrigatória a
proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se
também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II -
se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao
conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta
dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra
parte a retratação do proponente."
216
policitante. Com a oblação, desde que feita dentro de determinado prazo, completa-
se a formação da relação contratual, obrigando o proponente a cumprir sua oferta.
A aceitação pode ser expressa ou tácita, salvo nos contratos solenes, devendo
ainda ser oportuna, ou seja, que tenha sido formulada dentro do prazo concedido
pelo policitante.
Ocorre aceitação tácita nas circunstâncias previstas no art. 432 do Código Civil, que
determina: "se o negócio for daqueles, em que se não costuma a aceitação
expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato,
não chegando a tempo a recusa", valendo-se nesse ponto, do disposto acerca da
declaração tácita e do comportamento concludente.
Para que a aceitação seja considerada como tal, é imprescindível que ela
corresponda a uma adesão integral à proposta, nos moldes em que foi formulada.
As duas declarações de vontade devem ser coincidentes para que o contrato se
forme.
392
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 117.
393
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 65-66.
217
A primeira delas, segundo o art. 430 do Código Civil, ocorre quando a aceitação é
oportuna, porém, por circunstâncias imprevistas contrárias à vontade do oblato,
chega ao conhecimento do proponente fora do prazo estabelecido na proposta.
Neste caso, o policitante, se não quiser levar adiante o negócio, deverá comunicar
imediatamente ao oblato o ocorrido, sob pena de responder por perdas e danos.
A outra hipótese na qual a aceitação não tem o condão de efetivar o negócio jurídico
refere-se aos casos onde ocorre a devida retratação por parte do oblato. De fato,
consoante o dispõe o art. 433 do Código Civil, inexistirá a aceitação se, antes dela
ou juntamente com ela, chegar ao proponente a retratação do aceitante. Trata-se do
arrependimento do oblato em ter aceitado a proposta do policitante. Para que a
recusa seja efetiva, é mister que haja total obediência ao prazo consignado no texto
legal supracitado, caso contrário, chegando a retratação tardiamente ao
conhecimento do proponente, o aceitante continuará vinculado ao contrato. Em
suma, pode-se dizer que com a aceitação, por meio da subscrição pelos
contratantes no documento final, a proposta se extingue, dando lugar à formação do
contrato.
218
394
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 117.
395
BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 159 e ss.
396
ROPPO, Enzo. O contrato. p. 73
219
Para os contratos entre presentes não existe lapso temporal entre a proposta e o
aceite e, por isso, tem-se a formação do vínculo contratual instantaneamente, uma
vez que à parte é dada a possibilidade de conhecer a declaração de vontade da
outra no instante em que esta é emitida. Havendo a união coincidente de vontade
dos contratantes, perfeito e acabado estará o contrato, em razão do consenso.
Vale anotar que CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA398 aduz que quanto aos
contratos efetuados por telefone, o legislador pátrio pronunciou-se pela teoria
preconizada por GABBA, abarcando o critério da distância loci que acaso separa os
contratantes como elemento informativo, e adotando a possibilidade de direta
comunicação entre eles.
397
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 150.
398
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 42 e ss. Conforme o citado
autor, Gabba preconiza a relevância da circunstância temporal, entendendo que o que tem
significação para a solução do problema (se a via telefônica revela formação de contratos entre
presentes ou entre ausentes) é o fato de os contratantes, embora não se vejam, poderem
comunicar-se diretamente, ouvir-se mutuamente, propor e aceitar imediatamente. E como tudo
isso é possível, o contrato é inter praesentes.
399
Nesse caso, quando a aceitação não é manifestada instantaneamente.
220
casos, a espera se faz necessária, pois será o tempo necessário para que a oferta
seja recebida pelo oblato, ponderada e a ela dada resposta. Não existe um prazo
certo, mas um certo prazo (chamado de prazo moral) visto que variável com o vulto
do negócio envolvido.400
Um ponto relevante para a doutrina, quanto aos contratos entre ausentes, refere-se
a precisar em que momento o contrato é formado. Para tal questão, destacam-se
quatro sistemas principais, a saber:401
400
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 43.
401
Entre outros ver BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 151.
221
Note-se que, para a subteoria da recepção, não é exigido que o proponente tenha
conhecimento do conteúdo da correspondência, mas apenas que este a tenha
efetivamente recebido. Pelo que se percebe, a lei presume, com a simples recepção,
que o ofertante tem o conhecimento do teor da declaração de vontade expedida pelo
oblato. Quanto ao ordenamento pátrio, o Código Civil reporta-se no artigo 434 à
teoria da expedição, ao prescrever que os contratos entre ausentes tornam-se
perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto (...).
Todavia, como observa DARCY BESSONE404 ao se verificar o que dispõe o art. 433
– considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao
proponente a retratação do aceitante – percebe-se um ecletismo e uma incoerência,
pois se o contrato se forma com a expedição da aceitação, não seria possível a
retratação desta, mas a rescisão do contrato, já formado.
402
PEREIRA, Caio. Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 47.
403
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 69.
404
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 153.
405
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 48.
222
Após uma tentativa frustrada de se construir uma nova dogmática e nova categoria
jurídica, sustentando uma suposta inexistência de consentimento nos contratos de
adesão,406 percebeu-se que não existiriam justificativas para a qualificação de uma
nova categoria jurídica. Sem necessidade de maiores digressões a respeito, tem-se
que os contratos de adesão são contratos, sendo que a adesão seria, em resumo,
forma de expressão da vontade negocial, que não nega, nem mesmo desvirtua, a
natureza contratual do vínculo jurídico a ser formado. Trata-se de um contrato no
qual o consentimento se manifesta de modo diferente.
406
LIMBACH, Francis. Le consentement contractuel à l’épreuve des conditions générales. p. 83-84
("L’ancienne doctrine relative au contrat d’adhésion comptait un certain nombre de partisans il y a
encore une trentaine d’année. Il convient de citer surtout la thèse de M. Berlioz intitulée «Le contrat
d’adhésion ». Dans cet ouvrage, l’auteur propose une systématique qui, tout en admettant le
principe de la formation d’un contrat, fait place à certaines idées de filiation anticontractualiste. [...]
Il étudie la conclusion d’un contrat d’adhésion non pas en tant que rencontre de volontés par le jeu
d’une offre e d’une accpetation et conteste que la «stipulation» et l’ «adhésion» aient une nature
commune. La première constituerait une volonté «permanente, inaltérable et dont l’existence
dépasse celle du contrat». En revanche, la seconde serait «temporaire et limitée au contrat», étant
définie comme «un acte par lequel la partie contractante qui sait que l’autre se soumettre por cette
transaction aux termes et conditions de cette stipulation». Au lieu de déterminer les conditions
dans lesquelles des conditions générales peuvent entrer dans le contrat, M. Berlioz effectue a
posteriori une «limitation de la portée de l’adhésion» en dressante une liste des hypothèses où les
clauses envisagées par le stipulant se trouvent exclues de champ contractuel. M. Berlioz part d’un
«consentemente en bloc» à la différence des contract individuels «formés par accord des
volontés».")
223
O contrato de adesão não é um ato unilateral, eis que não há vontade única. Aliás,
tanto é verdade que existe manifestação de vontade do aderente que, nos termos do
art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, é possível que este exerça o direito de
arrependimento, no prazo de (7) sete dias. Só se arrepende quem manifesta e
exercita uma dada vontade. Uma vez que é incontestável a participação do
aderente, o ato, sob esse aspecto, há de ser considerado bilateral.
Mas como observa ORLANDO GOMES,407 sempre haverá cláusulas que não podem
ser pré-estabelecidas e, de modo geral, elementos imprevisíveis. Sempre ficará uma
faixa mais larga ou mais estreita, na qual poderão caber entendimentos prévios
entre os contratantes, se bem que, na maioria das vezes, o contato prévio se destine
somente à determinação de dados pessoais, dispensáveis em vários contratos de
adesão.
407
GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 41.
408
MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. p. 422.
224
Importante ressaltar, permitam-nos mais uma vez, que a formação das cláusulas
contratuais gerais deve ser diferenciada da formação do contrato de adesão, o que
fica ainda mais claro apartir da apresentação deste capítulo.
A maior parte da doutrina, que normalmente confunde cláusula contratual geral com
o próprio contrato de adesão, conclui por considerar aqueles clausulados
predispostos como irrelevantes jurídicos, antes da integração, antes de se inserirem
no contexto de um contrato individual. Para aqueles que adotam esta postura, até
então, a elaboração das cláusulas contratuais gerais não significa criação de um
negócio jurídico, mas puro e simples fato interno na esfera do proponente, de forma
que sua transcendência jurídica somente começa a partir do momento em que
passa a ser conteúdo das declarações contratuais de vontade. Segundo ORLANDO
GOMES,410 “a relação jurídica é criada contratualmente, provocando o acordo de
vontades, a incorporação das condições gerais ao seu conteúdo como parte
integrante da lex contractus".
409
Exemplo dado por LÔBO, Paulo Luiz Netto.Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas.
p. 35.
410
GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 43.
411
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 37.
225
Como vimos no Capítulo 2 da Parte II, há que ser salientado que alguns autores,
como MENEZES CORDEIRO,413 distinguem oferta ao público das cláusulas
contratuais gerais. Para o autor português, oferta ao público é uma modalidade
particular de proposta contratual, caracterizada por ser dirigida a uma generalidade
de pessoas. Como qualquer proposta contratual, a oferta ao público deve reunir três
requisitos fundamentais: deve ser completa, deve compreender a intenção
inequívoca de contratar e deve apresentar-se na forma requerida para o contrato a
celebrar. As cláusulas contratuais gerais, por sua vez, embora genéricas, não
surgem necessariamente como proposta e implicam uma rigidez que não se
conforma, de modo necessário, a oferta ao público.
412
GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 42. Criticando esta
distinção, ver CUSTÓDIO PIEDADE UBALDINO MIRANDA (Contrato de Adesão. p. 153-154):
"Quando aquele dispositivo declara que toda a informação, veiculada por qualquer meio de
comunicação, com relação a produtos e serviços apresentados, obriga o fornecedor e integra o
contrato que vier a ser celebrado, está dizendo, em outras palavras, que o proponente é o
estipulante das condições gerais de venda do produto ou da prestação do serviço. Além disso,
custa conceber o cliente (e não a empresa) como proponente, porque, se ele propõe um negócio
jurídico, cujas condições são formuladas pela contraparte, quer dizer que tomou a si as condições
gerais, como proponente, não sobrando, assim, espaço para uma posterior adesão às mesmas.
Dizendo de outro modo: se o usuário tomou a si as condições gerais e com base nelas fez uma
proposta negocial, como falar-se em qualquer adesão?Teria, assim, de se concluir que o aderente
é a empresa; nesse caso, porém, além do mais seria de se perguntar a que se presta, ou porque
se exige, do próprio formulador das cláusulas predispostas, uma posterior adesão a elas. Por tudo
isso, parece-nos, data vênia, que dizer-se que a inversão “não retira da figura os traços
distintivos”, ou que “não se desconjunta em razão do modo como se arma”, não se torna
compreensível. Aliás, o autor não explicita de que modo a inversão opera, especialmente no
direito brasileiro, e que tem sido admitida por certos autores italianos, em razão da formulação do
art. 1.341 do Códice Civile, parecendo-nos que só pode ocorrer quando o contrato é entre duas
empresas, como se verá adiante".
413
MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. I, t. I. 3. ed. p. 557.
226
Observa PAULO LUIZ NETO LÔBO414 que, enquanto a oferta ao público se forma in
concreto, as cláusulas contratuais se formam in abstrato, razão pela qual se mostra
necessária a distinção quanto ao momento de formação:
As cláusulas contratuais podem existir, ser válidas e nunca produzir efeitos, caso
nenhum contrato de adesão venha a ser concluído. O fato é que, quando elaboradas
pelo predisponente, elas existem, mesmo que não exista (ou que esteja formado) o
contrato de adesão. Repita-se: não podem ser consideradas como irrelevantes
jurídicos pelo fato de não ter sido celebrado um contrato de adesão.
414
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 37-38.
227
Logo, não basta que o predisponente determine ao seu departamento jurídico que
elabore uma lista de cláusulas ou condições gerais e estas fiquem nas mãos do
gerente da loja para que desta vontade unilateral do fornecedor se originem direitos
e deveres para os futuros contratantes. As cláusulas contratuais gerais terão de ser
inseridas nos contratos.
415
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. p. 70.
416
Nos termos do art. 46 do CDC, os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão
os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio do seu
conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão
228
do seu sentido e alcance". Disposição similar pode ser encontrada em algumas legislações pelo
mundo, como no art. 6.º do Decreto-lei n. 446/1985 de Portugal. Não está se discutindo aqui o
momento em que as cláusulas contratuais gerais se tornam eficazes, ou sobre o exercício de
manifestação de vontade do aderente em aceitar tais cláusulas. Vale então a observação feita por
RIBEIRO, JOAQUIM DE SOUSA. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 301-302: "Com isso queremos apenas evidenciar que
aceitação do aderente tem um distinto significado, consoante se refere a cláusulas individualmente
acordadas ou a ccg recebidas em bloco. Mas não estamos a pressupor a existência de
declarações autónomas. Muito embora a doutrina alemã tenha falado durante muito tempo num
acordo de inclusão (Einbeziehungsabrede), parecendo apontar para um acordo específico sobre a
vigência das ccg, é hoje ponto assente que o contrato que inclui ccg se aperfeiçoa, como qualquer
outro contrato, com a unitária declaração de aceitação, abrangendo globalmente todas as
cláusulas que constam da proposta ou para que ela remete [...] Mas, se a aceitação a que se
refere o art. 4.° não pressupõe um acto específico de concordância com a vigência das ccg,
reportando-se antes à declaração que, conjugando-se com a proposta, aperfeiçoa o contrato, n o
seu conjunto, então há que dizer que o preceito nada acrescenta, nem sequer no plano formal, à
tutela do consentimento do aderente. Toda a ênfase, só esse ponto de vista, recai sobre as
obrigações de comunicação e de informação impostas ao utilizador pelos arts. 5.° e 6.° do
Decreto-lei n. 446/1985. Cumpridas as regras procedimentais aí cominadas, se o contrato vier a
celebrar-se, (o que, naturalmente, exige a aceitação da proposta), nele se incluirão as ccg
precedentemente comunicadas de modo regular, sem necessidade, sequer de uma adesão em
forma expressa; se não se verificar a aceitação, é evidente que a inclusão se não dá, pela simples
razão de que nem chega a haver contrato. Não se trata, pois, de um requisito de inclusão
suplementar, mas, pelo contrário, da extensão do âmbito de eficácia de uma declaração –
aceitação –, sempre indispensável à efectivação de qualquer contrato, como negócio jurídico
bilateral. Não significando a ulterior imposição de' uma condição de vigência das ccg, para além
das que sustentam o contrato, a disposição será mais explicável por um intuito de certificação e
reafirmação do fundamento contratual das ccg, em rejeição clara das teses normativistas outrora
defendidas.Cumpre notar, por outro lado, que o dispositivo do art. 4.° só se adequa às situações
contratuais em que o aderente a ccg é simultaneamente o aceitante de uma proposta que as
inclui. Já não assim quando ele assume a veste proponente, de subscritor de uma proposta
formulada nos termos prefixados pelo utilizador das ccg. Nessa posição, a que alude o art. 1.°
(onde aponta os proponentes indeterminados que se limitam a subscrever as ccg) e o art. 2.º in
fine (na parte em que refere as ccg elaboradas pelo destinatário), muito embora as ccg só se
jncluam no contrato com a aceitação, a verdade é que a adesão a essas cláusulas não nos é dada
por esse acto (que compete, nestas circunstâncias, ao utilizador), mas antes pela anterior
concordância do aderente em subscrever uma proposta que as incorpora ou para elas remete. E –
mais importante ainda, sobretudo no quadro de um diploma cujo objectivo primordial é a tutela do
aderente – a vinculação deste às ccg não é coetânea da celebração do contrato, pela aceitação,
produzindo-se antes, nos termos gerais, no momento em que a proposta chega ao poder ou é
conhecida do destinatário (arts. 224, 1.º, e 230 do Código Civil) – nesse caso, o próprio utilizador
das ccg. O que é de particular relevo em relação às cláusulas que não se destinam a integrar o
conteúdo do contrato (situando-se, medida, fora do âmbito do art. 4.°), mas antes a regular a sua
formação como, por exemplo, as previstas na aI. a) do art. 19)".
417
À semelhança das já comentadas normas do art. 7.º, alíneas a e b, da Lei sobre as Condições
Gerais da Contratação (LCGC), de 1998, e do art. 10, § 1.º, alínea a, da Lei Geral para a Defesa
dos Consumidores e Usuários (LGDCU), de 1984, a norma do art. 46 do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), inserta no capítulo que trata da proteção contratual do consumidor, estabelece
que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não
lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos
instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”
(itálicos nossos). Segundo NELSON NERY JR, a disposição do art. 46 do CDC é a projeção, sob o
229
ponto de vista prático, do direito básico do consumidor à informação adequada sobre os produtos
e serviços, em toda a sua extensão (qualidade, quantidade, conteúdo, riscos que apresentem
etc.). Interpretando a norma em exame, explica – com o que concordamos plenamente – que “dar
oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o
consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do
futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do
conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o
sentido teleológico [...] da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao
consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, especialmente sobre as
cláusulas restritivas de direitos do consumidor, que, aliás, deverão vir em destaque nos
formulários dos contratos de adesão (art. 54, § 4.º, CDC). (Código brasileiro de defesa do
Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 473).
230
Excepcionalmente, em alguns tipos de contrato, nos quais seria difícil haver uma
menção expressa da utilização de cláusulas contratuais gerais na hora da
celebração dos contratos, como, por exemplo, nos contratos verbais, nos contratos
de transporte em ônibus, contratos automatizados, nos de guarda de automóveis em
estacionamentos, a doutrina germânica impõe a afixação das cláusulas contratuais
418
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. p. 71.
419
Em interessante observação sobre o art. 31 do CDC, SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA
comenta que "Não obstante o teor do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor brasileiro,
entendemos que a oferta, sem se desclassificar para simples convite a ofertar, pode deixar de
observar o dever de informar estabelecido no referido artigo, bastando, para a sua
obrigatoriedade, informações que permitam a identificação do bem e o seu preço. Isso porque o
artigo 31 tratou de instituto diverso da oferta, quando criou o dever pré-contratual de informar; as
formalidaes e garantias impostas visam proteger os consumidores e, portanto, só podem ser
invocadas em benefício destes. Desta forma, a declaração de vontade que apenas indique o bem
ou o serviço e o respectivo preço nem por isso deixa de ser qualificada como oferta que confere
ao consumidor o poder de exigir o seu cumprimento" (ROCHA, Silvio Luís Ferreira. A oferta no
Código de Defesa do Consumidor. p. 101).
231
gerais em lugar visível no local em que o contrato será fechado, para o consumidor
possa tomar conhecimento destas, se quiser.
420
O art. 54, caput, define o contrato de adesão, enquanto o § 3.º estabelece que “os contratos de
adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de
modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor” (itálicos nossos), e o § 4.º dispõe que “as
cláusulas que implicarem limitação de direitos do consumidor deverão ser redigidas com destaque,
permitindo sua imediata e fácil compreensão” (itálicos nossos). Estas duas últimas disposições
legais, como se deduz claramente do seu teor, impõem ao predisponente das condições gerais do
contrato os requisitos da compreensibilidade e da perceptibilidade. Não estabelece sanção
expressa para o descumprimento desses requisitos, a exemplo da norma do art.46, como já
apontamos, que é a não-obrigatoriedade dos contratos celebrados em desrespeito ao nela
estabelecido, vale dizer, a ineficácia desses contratos.
232
Todavia, não obsta a que se combinem os dois tipos de controle, como revela a
experiência de outros ordenamentos jurídicos.421
421
Cabe falar de uma particularidade em termos de comparação da legislação espanhola com a
brasileira. A LCGC espanhola estabelece, como sanção, que as cláusulas predispostas que não
preencham os requisitos de incorporação não se incorporam aos contratos (vide art. 7.º, caput),
enquanto a brasileira indica a sanção da não-obrigatoriedade das cláusulas contratuais que não
atendam aos mesmos requisitos de incorporação (art. 46). É só uma questão de semântica, pois,
em termos práticos, a não-incorporação ao contrato (de que fala a lei espanhola) e a não-
obrigatoriedade dos contratos de consumo (de que trata a lei brasileira) têm o mesmo efeito, que é
a ineficácia das cláusulas contratuais nessas condições. Tanto assim é que a LCGC espanhola,
no Capítulo II, determina a ineficácia, por não incorporação, das cláusulas que não reúnam os
requisitos necessários à sua incorporação ao contrato.
233
Há que ser lembrado, ainda, que no âmbito do Código Civil, o direito à informação
assume relevância para configurar o dolo negativo praticado por um dos
contratantes, nos termos do art. 147 do Código Civil: "Nos negócios jurídicos
bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade
que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela
o negócio não se teria celebrado". Por isso, segundo RENAN LOTUFO423 que "tem-
422
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 136.
423
LOTUFO, Renan. Código civil comentado. v. 1. p. 403. ("Para se obter a correta qualificação
necessária se faz o exame do contexto relacional de uma situação dada, e aqui, no art. 147, temos
clara a imposição do dever de não silenciar, do dever de comunicar. Decorrente dessa visão geral,
precedente à referência especifica ao artigo, tem-se os deveres de informação no âmbito
contratual, que são não só relevantes na fase pré-negocial, como na fase de execução, e, no mais
das vezes o de abstenção, ou de sigilo na pós-contratual. A caracterização é efetivamente de
dever e não de ônus, conforme as lições de CANARIS e F. BYDLINSKI, dois dos maiores civilistas
contemporâneos, muito referidos por PAULO DA MOTA PINTO, e sem suas obras de direito
privado traduzidas dentre nós. Refere em nota de rodapé o autor português, que os mestres,
alemão e austríaco, vêem um dever porque a violação leva a uma responsabilidade pelo interesse
contratual positivo. Em hipóteses outras pode-se ter a configuração de ônus de não manter o
silêncio. O silêncio referido no artigo em exame é o intencional, que a doutrina refere como sendo
o dolo por omissão, ou dolo negativo, o qual proporciona vício ao consentimento não pela conduta
ativa do agente, mas por sua reticência maliciosa".
234
424
Consta do § 3º da AGB-Gesetz a proibição de cláusula surpresa, determinando que "não se
tornam parte integrante do contrato as cláusulas incluídas em condições gerais dos contratos que,
de acordo com as circunstâncias e especialmente segundo a aparência externa do contrato, são
tão invulgares que o aderente não deve contar com elas".
425
De certa forma, consta do Projeto-lei n. 6.960/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, uma
tentativa de controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais: "os contratos de adesão escritos
serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua
compreensão pelo aderente" Esta proposta foi vetada pelo Deputado Vicente Arruda sob a
seguinte justificativa: Art. 423 – É desnecessário definir contrato de adesão e estabelecer que eles
devem ser redigidos em termos claros e que suas cláusulas serão interpretadas de maneira mais
favorável ao aderente, pois tudo isto já foi definido pela doutrina, jurisprudência e legislação
(Código de Defesa do Consumidor). Pela manutenção do texto que dispõe que as cláusulas
ambíguas ou contraditórias serão interpretadas em favor do aderente. Pela rejeição."
235
6
INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
6.1 INTRODUÇÃO
426
O estudo da linguagem nos remete necessariamente ao sentido do vocábulo signo. Signo –
unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, tem o status lógico da relação
(tipo especial de objetos, designam ou representam outros etc). No signo um suporte físico
(palavra falada ou palavra escrita) se associa a um significado (algo do mundo exterior ou interior,
da existência concreta ou imaginária, atual ou passada) e a uma significação (noção, idéia ou
conceito em nossa mente). (Termos sublinhados – terminologia husserliana – outros autores
atribuíram outras denominações). Suporte físico, significado e significação formam pontos da
relação triádica que á a idéia do signo. Síntese: A linguagem é um sistema de sinais ou signos, os
signos são objetos que indicam ou representam outros objetos. A fumaça é um signo ou sinal de
fogo, a cicatriz é sinal ou signo de uma ferida; manchas na pele de um determinado formato são
signos de sarampo etc. O processo de comunicação, expresso em linguagem, pode ser definido
como uma mensagem transmitida por uma série de signos que possuem uma significação. Para
melhor elucidar essa definição, é necessário elucidar o conceito de significação. Significação, de
acordo com o autor, consiste na relação entre signo e fenômeno, cuja representação o signo traz
à mente humana. A significação pode ser natural ou artificial. Já o significado é sempre artificial,
intencional e mais ou menos convencional. A significação é a relação dos signos com os
fenômenos e o significado é a relação dos símbolos com aquilo que simbolizam. Ver GUIBOURG,
Ricardo. “Qué me dice!” Oraciones, proposiciones y estado de cosas”. Introducion al conocimento
científico. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires. p. 17-19.
427
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 8.
428
"Descobre-se que a interpretação de um texto não diz apenas com o sentido de cada uma das
palavras, nem mesmo apenas com a significação a ser atribuída a uma seqüência de palavras e
frases, mas à significação dessas palavras e frases a partir de um contexto e das funções que a
experiência indica ser atribuíveis ao que o texto descreve ou refere". MARTINS-COSTA, Judith. O
método de concreção e a interpretação dos contratos. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones
Figueiredo. Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. São Paulo:
Método, 2005. p. 129.
236
429
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 27.
430
A interpretação dos contratos apresenta peculiaridades distintas da interpretação da lei. A lei é
predisposta pela autoridade legislativa, o contrato é fruto de acordo das partes. A lei é abstrata e
geral, o contrato é concreto e relativo às partes. A lei não depende de consentimento ou
aprovação dos destinatários para valer e ser eficaz; o contrato vale e é eficaz a partir do
consentimento tido como suficiente. A finalidade da lei é regular interesses coletivos ou públicos, a
do contrato a de regular interesses particulares e determinados. A aplicação da lei não leva em
conta a intenção de quem a edita, a do contrato tem como fundamental a intenção comum das
partes. A lei é uma regulamentação heterônoma, o contrato é uma regulamentação autônoma.
Mas, no fundo, a interpretação do contrato e a da lei são idênticas no que tem de essencial, são
declarações que se revelam ao direito de forma objetivas sendo irrelevantes os aspectos
subjetivos de sua criação.
237
431
BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. – Il contratto. p. 377.
432
Operação preliminar da interpretação – verificação da existência do contrato – em primeiro lugar, é
necessário averiguar se o contrato efetivamente está no plano da existência, individualizar todas
as cláusulas e as determinações sobre as quais são externadas a comum intenção das partes e
em terceiro lugar, esclarecer ou decifrar eventuais expressões idiomáticas ou duvidosas
elaboradas pelas partes. CARRESI, Franco. Il contrato. v. XXI. t. II. Milão: Giuffrè, 1987. p. 512.
433
LOTUFO, Renan. Aula Interpretação, na cadeira "Os contratos e o novo Código Civil", na Pós-
Graduação em Direito Civil da PUC/SP, em 18 de abril de 2006. Segundo JUDITH MARTINS-
COSTA: Os contratos constituem, precipuamente, atos de comunicação, pelo qual as pessoas
intentam enquadrar a vida social dos negócios de acordo com os princípios da autonomia privada,
da imputação responsável dos próprios comportamentos e da confiança, pressuposto da própria
sociabilidade. (MARTINS-COSTA, Judith. "O método de concreção e a interpretação dos
contratos". In: Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO,
Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p. 131.) Complementa a autora:
"Se a teoria da interpretação exposta por Savigny na primeira metade do século XIX pode
sobreviver até hoje com um portentoso monumento à atividade intelectiva, isso decorreu de seu
ajuste à vida, vale dizer, da genial capacidade do grande jurista para pensar uma estrutura
hermenêutica adaptada e adaptável à realidade. É de ajuste à vida, e não de rígidos tipos que
trata a atividade hermenêutica. Bem por isso, é que carecemos no mundo dos contratos de uma
teoria da hermenêutica contratual ajustada à paradoxal realidade que se conecta a
despersonalização conseqüente à globalização com a subjetividade como presença concreta -
assim se indicando o eu não independente de particularidades. Para lidar com tão fundo paradoxo
o Código Civil oferece o postulado fático-normativo das circunstâncias do caso. Que os intérpretes
logrem, pois, atendê-lo, entreouvindo, pelas linhas do sistema, o eco do mundo real, pano de
fundo de uma partitura a ser laboriosamente composta entre o Direito e realidade". (MARTINS-
COSTA, Judith. "O método de concreção e a interpretação dos contratos". In: Questões
controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES,
Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.155). Segundo a mesma autora, vivemos hoje o
fenômeno da pluralização da subjetividade jurídica, dando motivos para o que a autora chama de
concreção contratual. "O contrato são os contratos, empregando-se o mesmo signo lingüístico
como fórmula para designar: i) esquemas de ação exclusivamente interindividual, numa lógica
econômica individualizadora (tais quais os contratos paritários, fundados no poder de auto-
regulamentação e no dever de colaboração); ii) esquemas de ação interindividual e explicáveis, do
ponto de vista econômico, numa "lógica de massa" (contratos formados por adesão e em escala
massiva, mas admitindo, ainda, certa atenção à subjetividade dos contratantes, como os contratos
de fornecimento de certos bens de consumo); iii) esquemas de ação metaindividual,
238
compreensíveis, economicamente, numa lógica de massa ou grande escala (formado por adesão
a condições gerais de negócios, sem considerações relevantes à individualidade dos contratantes,
como os contratos bancários); iv) esquemas de ação transpessoal e cuja racionalidade ultrapassa
a esfera do indivíduo, só se explicando numa dimensão comunitária (como os contratos de
fornecimento de energia elétrica ou os de seguro) ou global (como os contratos firmados no
âmbito de grupos, redes, cadeias ou conglomerados empresariais que ultrapassam as fronteiras
nacionais). MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In:
Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz;
ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133.
434
Importante observar que esta separação é meramente formal, não existindo hierarquia entre estes
tipos de interpretação. Esses tipos podem perfeitamente se complementar, prevalecendo um em
relação a outro quando muito, em alguns casos.
435
“Na interpretação dos contratos, distingue-se a interpretação subjetiva da objetiva”. “A
interpretação subjetiva tem por fim a verificação da vontade real dos contratantes, enquanto a
interpretação objetiva visa a esclarecer o sentido das declarações que continuem dúbias ou
ambíguas por não ter sido possível precisar a efetiva intenção das partes. A interpretação objetiva
é subsidiária, pois suas regras só se invocam se falharem as que comandam a interpretação
subjetiva”. (p. 224-225). “Para cumprir sua tarefa, deve o intérprete examinar o contrato
precipuamente do ponto de vista da vontade das partes, como visto. O legislador o ajuda, à
medida que dita preceitos interpretativos. Juntamente com as normas destinadas a orientá-lo no
sentido de buscar a verdadeira intenção dos contratantes, ditam-se regras para a solução de
dúvidas que perdurem após a pesquisa feita para a descoberta da vontade real do contrato em
exame. Passa-se, nesses casos, da interpretação subjetiva para a objetiva, sem deixar de
reconhecer que as regras desta podem ser aplicadas concomitantemente para ajudar a
investigação da intenção das partes”. “Três princípios dominam a interpretação objetiva: 1 –
princípio da boa-fé; 2 – princípio da conservação do contrato; 3 – princípio da extrema ratio (menor
peso e equilíbrio das prestações)”. GOMES, Orlando. Contratos. p. 227.
436
Segundo EMILIO BETTI: "[...] è tenere per fermo che oggetto d'interpretazione giuridica (come, del
resto, ache storica) possono essere soltanto atteggiamenti steriormente riconoscibili nel mondo
sociale: non già una <<volontà>>, che sia rimasta mero fatto psicologico, senza darsi
un'oggetivazione adeguata, che la renda, per l'appunto, oggetivamente riconoscibile". BETTI,
Emilio. Interpretazione dela legge e degli atti giuridici. Milão: Giuffrè, 1971. p. 386-387.
437
Para ENZO ROPPO, “a comum intenção das partes não equivale a desenvolver uma tarefa de
introspecção mental, não significa individualizar as atitudes psíquicas e volitivas reais e concretas
das partes, no momento da conclusão do contrato, sendo que essa exploração psíquica levaria a
resultados inconvenientes e arbitrários". ROPPO, Enzo. O contrato. p. 171.
438
GOMES, Orlando. Interpretação do contrato. Cláusula protestativa. Mora e inadimplemento. In:
Novíssimas questões de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 321. Explica EMILIO BETTI que,
quando falamos em recognicibilidade objetiva, "deve interndersi che gli attegiamenti in questione
siano riconoscibili, non già a chicchessia, dovunque e comunque sia, ma dove e come essi
avevano rilevanza giuridica in confronto della controparte interessata – quando c'è una controparte
239
O art. 112 prescreve que "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".440 Ao se debruçar
sobre um contrato, segundo este dispositivo, deve o interprete investigar a comum
intenção das partes, tomando por base as declarações de vontade, concretizando a
autonomia privada.
Pode acontecer que, não obstante o emprego apropriado deste critério, o intérprete
não consiga reconstruir, de modo adequado, a citada comum intenção das partes
sobre a base de declarações e comportamentos imediatamente referidos às próprias
partes. Daí a necessidade de se recorrer a outros modelos interpretativos, dando ao
o nella cerchia sociale del disponente (quando contraparte non c'è) e in conformità con la struttura
tipica del negozio in questione". BETTI, Emilio. Interpretazione dela legge e degli atti giuridici. p.
387.
439
Nesse sentido, ver BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. – Il contratto. p. 388.
440
Ver, por exemplo, Código Civil Francês, art. 1.156, Código Civil italiano, 1.362, BGB § 133.
240
contrato o sentido, entre os expostos em juízo pelas partes, que melhor corresponda
a valores de objetiva sensatez, equidade e funcionalidade, ditos de interpretação
objetiva.441
441
ROPPO, Enzo. O contrato. p. 172.
442
BIANCA, Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 406.
443
Aula "Interpretação", na cadeira "Os contratos e o novo Código Civil", no Pós-Graduação em
Direito Civil da PUC/SP, em 18 de abril de 2006. Ver também LOTUFO, Renan. Código Civil
Comentado, v. 1. p. 309 (Assim, se "F arrendava um quarto de minha casa, ocupando eu o resto
da casa. O contrato do novo arrendamento está assim redigido – dei de aluguel a F minha casa
por tantos anos e pelo preço do arrendamento antecedente. Não é possível que o locatário
pretenda ter alugado toda a casa, porque, ainda que as palavras – a minha casa –, no sentido
gramatical signifiquem a casa inteira, não um quarto, é visível que o intuito foi renovar o
241
arrendamento do quarto e esta intenção deve prevalecer às palavras do escrito”.). Ainda sobre o
embate sobre interpretação subjetiva e interpretação objetiva, vale colacionar os ensinamentos de
JUDITH MARTINS-COSTA que, diante das tendências culturais, econômicas, científicas e
sociológicas de nosso tempo, conclui: "De tudo resulta um novo modo de pensar-se a
hermenêutica contratual. O intérprete não mais – ou não mais apenas – se vê às voltas da
"comum intenção" dos contratantes. Cabe-lhe, agora, compreender o ajuste, considerando a
racionalidade econômica e estratégica do sistema contratual no qual eventualmente alocados os
singulares acordos; atentar para as circunstâncias que ditaram a sua conformação e para a
posição concreta dos contraentes, pois o princípio da desigualdade material convive com o da
igualdade formal; ter presentes os motivos que ensejaram o ato comunicativo, percebendo, no
espírito e na letra do Código Civil, o relevantíssimo papel reservado às circunstâncias do
caso".(MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In:
Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz;
ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133).
444
SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. p. 64.
445
GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 187 ("finalmente, el terceiro y más
utilizado medio de control de las condiciones generales abusivas ha sido el de aplicar a favor del
adherente algunas de las reglas de interpretación contractual"). Ver também ORLANDO GOMES.
Contrato de adesão. p. 114.
242
A grande questão fica por conta de se saber qual é o tipo de interpretação a que as
cláusulas contratuais gerais estão sujeitas: se a elas se aplicam as regras de
interpretação dos negócios jurídicos ou não. Sobre esta questão, expõe ALMENO
DE SÁ:446
446
SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. p. 65.
447
MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 624; SOUSA RIBEIRO,
Joaquim de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da
liberdade contratual. p. 309.
243
448
BETTI, Emilio. Interpretazione Della Legge e Degli Atti Giuridici: Teoria Generale e Dogmática. p.
406 ("L'interpretazione tipica parte, invece, dal criterio di classificare per tipi o classi le dichiarazioni
e i comportamenti, avendo riguardo al genere di circunstanze in cui si svolgono e a cui rispondono,
e a ciascuno di tali tipi attribuisce un significato costante, senza tener conto di quella che nel caso
concreto può essere stata la effetiva, diversa opinione delle parti").
449
Citando ULMER e URSULA STEIN, que se pronunciam contra uma interpretação das ccg
conforme os acordos individuais, ver SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do
contrato. as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310.
450
LARENZ, Karl. Derecho civil – parte general. p. 468.
244
Por outro lado, a chamada interpretação individual das cláusulas contratuais gerais
se volta, ao contrário, às representações individuais dos contraentes. Faz-se
prevalecer o sentido resultante da individualização da relação contratual, atendendo-
se, de forma determinante, às circunstâncias próprias do dado contrato. Considera,
portanto, declarações e comportamentos na sua específica concretude, tendo em
conta as circunstâncias individuais do caso.451 Por isso, as cláusulas contratuais
gerais deveriam se submeter a idênticas regras interpretativas do negócio jurídico
contratual.
451
BETTI, Emilio. Interpretazione Della Legge e Degli Atti Giuridici: Teoria Generale e Dogmática. p.
405.
452
ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p.31.
245
453
Tratado de direito civil português. v. I, t. I. p. 625. No mesmo sentido ver SOUSA RIBEIRO,
Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da
liberdade contratual. p. 310.
454
A regra da interpretação favorável ao aderente é originada de um antigo cânon do direito romano
que, adaptado às vicissitudes do direito atual foi sintetizado na expressão interpretatio contra
stipulatorem . Citando SALVATORE DI MARZO, PAULO LUIZ NETTO LÔBO dá a notícia que esta
regra tem origem em três fragmentos do Digesto, atribuídos aos jurisconsultos Labeão, Papiniano
e Ulpiano (D. 18,1,21: Labeo scripsit obscuritatem pacti nocere potius debere venditori qui, id
dixerit quam emptori, quia potuit re integra apertius dicere; D.2, 14,39, de Papiano: Veteribus
placet pactionem obscuram vel ambiguam venditori et qui locavit nocere in quorum fuit potestate
legem apertius conscribere; D, 45,1,38,18, de Ulpiano: In stipulationibus cum quaeritur, quid actum
sit, verba contra stipulatorem interpretanda sunt.). Condições Gerais dos Contratos e cláusulas
abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 138. Outros ordenamentos que também se valeram dessa
prescrição: Codigo Civil francês (art. 1.162), Código Civil espanhol (art. 1.288), Código Civil
italiano (art. 1.370), Código Civil panamenho (art. 1.139), Código Civil uruguaio (art. 1.304), Código
Civil portoriquenho (art. 1.240). Código Civil de Quebec (art. 1.432), Código Civil russo (art. 428).
O texto dos princípios do UNIDROIT (relativos aos contratos de comércio internacional) contém
uma norma referida a este princípio (art. 4.5) que dispõe: “Se as cláusulas de um contrato ditadas
por uma das partes não são claras, se preferirá interpretação que prejudique que prejudique
aquela parte”. A Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia também tem esta disposição (art.
5.º), o Decreto n. 446/1985 de Portugal (art. 11 – Cláusulas Ambíguas), a Lei espanhola sobre as
cláusulas conratuais gerais (7/1998) também tem a mesma regra (Artículo 6. Reglas de
interpretación. 1. Cuando exista contradicción entre las condiciones generales y las condiciones
particulares específicamente previstas para ese contrato, prevalecerán éstas sobre aquéllas, salvo
246
foi repetido no Código Civil Brasileiro, no art. 423: "quando houver no contrato de
adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação
mais favorável ao aderente". Trata-se de um auxiliar hermenêutico, cujo sentido se
traduz, substancialmente, em fazer prevalecer os interesses do aderente sobre os
interesses do predisponente. Esta prevalência radica na idéia de que seria justo
responsabilizar o predisponente pelo conteúdo das cláusulas contratuais gerais por
ele predispostas, introduzidas unilateralmente no regramento contratual, sem
influência da outra parte, cabendo-lhe, portanto, suportar o risco de uma possível
ambigüidade. Seria uma forma de compensação no sentido de que aquele que retira
vantagens da predisposição, deve igualmente suportar os incômodos ligados à falta
de clareza das formulações utilizadas.
A grande questão neste capítulo fica por conta de saber qual dessas correntes
devemos aplicar no Brasil, levando-se em consideração a interpretação das
cláusulas contratuais gerais.
que las condiciones generales resulten más beneficiosas para el adherente que las condiciones
particulares. 2. Las dudas en la interpretación de las condiciones generales oscuras se resolverán
a favor del adherente. 3. Sin perjuicio de lo establecido en el presente artículo, y en lo no previsto
en el mismo, serán de aplicación las disposiciones del Codigo Civil sobre la interpretación de los
contratos). O BGB reformado manteve esta regra em seu corpo, no § 305c.
247
As cláusulas contratuais podem existir, ser válidas e nunca produzir efeitos, caso
nenhum contrato de adesão venha a ser concluído. O fato é que, quando elaboradas
pelo predisponente, elas existem, mesmo que não exista (ou que esteja formado) o
contrato de adesão.
455
MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista trimestral de direito civil, ano 2. v. 7, p. 7, jul./set. de 2001.
456
Exemplo dado por LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas.
p. 35.
248
Tal como a lei, as cláusulas contratuais gerais são voltadas a regular uma
pluralidade indeterminada de casos futuros, não importando as circunstâncias
individuais em que se tornaram conteúdo de um contrato no caso concreto.
Nas cláusulas contratuais gerais não temos interesse comum das partes, tal como
preconizado no art. 112 do Código Civil. A vontade do futuro aderente não exerce
qualquer influência na predisposição e nem pode impedir a integralização daquelas
cláusulas no dado contrato, a não ser que não as aceite integralmente. As cláusulas
contratuais gerais se dirigem uniformemente à generalidade dos contratos, de forma
abstrata, não sendo possível a obtenção de uma vontade ou intenção comum dentro
do espectro dos possíveis contratantes.457
457
"Esse fato, de a declaração negocial do estipulante, integrada por cláusulas negociais gerais, tal
como a lei, dirigir-se à coletividade, para a adesão dos que queiram contratar, logo revela que não
importam, aqui, pelo menos em regra, as circunstâncias individuais ligadas à pessoa do
destinatário. Isso quer dizer, em outras palavras, que não há que resolver, pelo menos em
princípio, conflitos de interesses entre dois sujeitos de uma relação jurídica determinada, mas
entre o estipulante das condições gerais e todos os outros sujeitos com quem, por força da
249
Ao que parece, foi essa a motivação da Diretiva Européia sobre cláusulas abusivas
(n. 13/1993) que, no art. 5.º, mesmo prescrevendo a aplicação da regra interpretatio
contra stipulatorem, deixa claro que esta regra não é aplicável no âmbito dos
processos de controle abstrato (ação inibitória do art. 7.º), até porque, nesta fase,
não existirão aderentes ou contratos individuais para que se favoreça esta ou aquela
parte. No contexto de processos de controle abstrato, não estarão em causa
cláusulas individuais, mas cláusulas contratuais gerais em seu estágio típico, voltado
a uma utilização generalizada.
Apesar de não fazer esta divisão por nós adotada, vale aqui as considerações feitas
por PAULO LUIZ NETTO LÔBO,458 para quem a interpretação típica é aplicada
incondicionalmente, em qualquer fase da existência das cláusulas contratuais gerais:
459
GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão:
Giuffrè, 1961. p. 806.
460
CARNELLUTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Ed. Lejus, 2ª reimpressão, 2000. p.
35. Ver ainda SCARPINELLA BUENO, Cássio. Execução provisória e antecipação da tutela:
conserto para a efetividade do processo. Nele o autor enfatiza, com palavras singelas e exemplos
ilustrativos, o caráter dinâmico do direito, fenômeno que não pode ser esquecido por aquele que
faz ciência. A transcrição se faz obrigatória, não só pela clareza e pela riqueza das reflexões
contidas no texto, mas também como forma de dividir com o leitor a profunda admiração que sinto
pelo citado autor: “Os textos legais são meras representações gráficas de ordens de conduta na
sociedade, aptas a regular relações intersubjetivas. Diferentemente, as anotações doutrinárias e
jurisprudenciais em uma lei são, assim como a música que ouvimos, interpretações. E, como toda
interpretação, sujeita a um momento específico, que é a combinação de vários e diversos
elementos — voluntários ou involuntários — interagindo sobre ela. Resultado dessa combinação e
interação de elementos? Diferenças e distinções de resultados em igual proporção às
interpretações. Embora possam ter muito em comum, os “Códigos” e as “leis” editados por esta ou
aquela editora, anotados ou coordenados por este ou aquele autor, não são a lei. Mais do que
isso, é um erro tomarmos este ou aquele “Código” como sinônimo da lei que queremos conhecer.
Mesmo, repito, o texto da lei publicada no Diário Oficial. Aí se lê sua mera representação. A lei não
está no “Código” e não está no Diário Oficial. Evidente: a importância dessas “representações
gráficas” para o sistema de direito brasileiro — escrito — é essencial e indesmentível. No entanto,
251
qual seja, quando efetivamente ganham eficácia no mundo jurídico, em uma relação
individualizada.
essas representações simplesmente não são a própria lei e, mais amplamente, não são o próprio
direito. E o exemplo que colhi nos idos de meu quinto ano da faculdade é, ao menos para mim, a
demonstração inequívoca do acerto dessa conclusão. Tanto quanto cada sinfonia que escuto com
aquele maestro e que me revela um ponto seu diferente. Tudo graças à interpretação da obra ou
do objeto que se pretende conhecer. A lei e o direito, assim, dependem de sua interpretação para
se realizarem. É nesse sentido que me tenho preocupado em encarecer o que estou denominando
estática e dinâmica do ordenamento jurídico. A estática corresponde ao sentido literal do texto
normativo, à compreensão de sua representação gráfica no Diário Oficial ou no “Código” que se
compra na livraria. É aquilo que se lê e que se interpreta com obediência às regras gramaticais.
Em suma, a primeira forma de contato com a lei. Já que somos operadores do direito (não creio
que não-operadores do direito um dia pretendam ler esta introdução), é obrigação, para
conhecermos um texto de lei, ao menos, lê-lo, decifrando o que sua representação gráfica
significa. É o mínimo que se pode fazer. Acredito que por causa da dinâmica do direito que, ao
meu ver, nada mais pretende ser do que o direito aplicado ao caso concreto, de acordo com as
características de cada caso concreto, para curar os interesses do caso concreto, valorados estes
(os interesses) e aquelas (as características) pelo intérprete. É a lei e o direito interpretados. E a
dinâmica do direito não é o resultado de uma leitura, de um julgado, de uma conclusão. É, antes, o
conjunto de todos esses fatores. Por isso nem sempre o que se lê no texto legal corresponde ao
que ocorre na jurisprudência deste ou daquele outro tribunal. É o direito vivo, que se vive, que se
experimenta, que se sente na sociedade: é o direito interpretado.[...] Talvez tudo isso só seja mera
e insignificante conseqüência de observação que não é estranha a ninguém: o direito é daquelas
matérias que se denominam humanas – ciências humanas – e que, em função de sua própria
natureza, exclui, aprioristicamente, um certo ou um errado.Não digo que não seja assim. Ao
contrário, é este o ponto que mais encareço nas oportunidades que tenho de referir-me ao tema.
Precisamente em função dessa característica é que a distinção entre a estática e a dinâmica é
fundamental. Trata-se, em verdade, da utilização de instrumentos inafastáveis de trabalho para
pesquisa de um mesmo objeto, seja ele notas em uma partitura – mera representação gráfica da
música –, seja ele textos de lei – mera representação gráfica de ordens de conduta intersubjetivas
–, seja a combinação de ambos [...] Em consideração que tem de aplicar-se ao direito, ‘As artes da
humanidade podem ser classificadas de diversas maneiras. Por exemplo, podemos dividir as artes
em visuais (pintura, escultura, arquitetura, mímica), auditivas (música, declamação) e as que
dependem da combinação das duas anteriores (retórica, teatro, ópera e balé). Ou, também,
podemos distinguir as artes entre as que são criadas em definitivo (escultura, arquitetura, cinema)
e as que precisam ser recriadas para serem vividas – assim, cada apresentação de uma peça de
teatro, de uma dança ou de uma peça musical são fenômenos únicos, que podem ser similares a
outras apresentações da mesma obra, mas que jamais serão idênticos entre si’. Como bem
acentua Eros Grau: ‘É do presente, na vida real, que se toma as forças que conferem vida ao
Direito – e à Constituição. Assim, o significado válido dos princípios é variável no tempo e no
espaço, histórica e culturalmente’. E citando, em seguida, Von Ihering: ‘Não é, pois, o conteúdo
abstrato das leis, nem a justiça escrita no papel, nem a moralidade das palavras, que decidem o
valor dum direito; a sua realização objetiva na vida, a energia, por meio da qual o que é conhecido
e proclamado, como necessário, se atinge e executa – eis o que consagra ao direito o seu
verdadeiro valor’.” SCARPINELLA BUENO, Cassio. Execução provisória e antecipação da tutela:
conserto para a efetividade do processo. p. 1-4.
252
Por mais que nosso plano de análise esteja agora voltado para um contrato
específico - uma vez que este clausulado predisposto faz parte agora de um contrato
- por mais que adotemos as regras da interpretação deste negócio jurídico, em que
os contraentes não são mais abstratos,462 as características essenciais do conceito
das cláusulas contratuais gerais (predisposição; unilateralidade; abstração e
inalterabilidade), bem como suas peculiaridades não poderão ser desprezadas nesta
segunda fase (dinâmica), agora quando inseridas em um contrato.
461
Expressão usada por MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.
Cf. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais
– anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 2.
462
BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). Em Realtà sociale ed
effettività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 539.
463
Ainda que mínima, é bem verdade. No entanto, pode se arrepender. (CDC, art. 49).
464
Contra: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:
Saraiva, 1991, p.132.
253
Por mais que não exista norma expressa no mesmo sentido que o artigo 10 do
Decreto-lei n. 446/1985 Português, entendemos que, inseridas em um contrato, as
cláusulas contratuais gerais deverão ser interpretadas e integradas de harmonia
com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos.465
Todavia, por mais que as representações individuais dos contraentes passem a ser
consideradas, isto não significa que, dentro da interpretação do contrato de adesão,
devemos buscar a declaração de vontade tal como preconizada pela interpretação
subjetiva, mas sim segundo uma valorização normativa, que atenda as
peculiaridades do ato de predisposição e a abstração das cláusulas contratuais
gerais, com o fim de se garantir a segurança do tráfico jurídico, impedindo
subjetivações e flutuações de sentido.
465
Nesse sentido, BIANCA, Massimo. Diritto civile - il contratto. Milão: Giuffrè, 1987. p. 347;
CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di contratto. In:
BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. v. I. Milão: Giuffrè, 1979. p. 123-170;
SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. as cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003.
466
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 129.
254
clara, precisa, sem ambigüidade, não contrária à ordem pública nem aos
bons costumes, ele deverá aplicá-la sem que possa intervir a pretexto de
justiça ou equidade.
O sentido a ser atribuído às cláusulas contratuais não pode ser individualizado para
cada contrato singular, divergente em cada caso, mas geral e constante para todos
os contratos e a todos os aderentes da categoria contemplada. Prevalecem as
circunstâncias externas à vontade, partindo-se de um tipo a que se atribui um
resultado uniforme, sem ter em contata aquela que, no caso concreto, possa ser a
efetiva e diversa opinião das partes. O que importa são os pontos de vista objetivos,
julgando-se o conjunto dos casos típicos afetados. Mesmo diante de uma relação
jurídica concreta,467 deve-se partir da abstração e generalidade, características
marcantes das cláusulas contratuais gerais.
467
Não se despreza, portanto, a utilidade do raciocínio por concreção. Pelo contrário, vale a sua
utilização também aqui, tendo em vista a função econômico-social do contrato. Por raciocínio de
concreção entenda-se: "método hermenêutico pelo qual as pelo qual as normas de dever-ser,
consideradas como "modelos de ordenamento materialmente determinados, são compreendidas
em essencial coordenação com o caso concreto, que os complementa e lhes garanta força
enunciativa". (MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos.
In: Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário
Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133)
468
Vale colacionar, mais uma vez, as ponderações de JUDITH MARTINS-COSTA, para quem um dos
elementos de concreção das circunstâncias do caso, que devem ser levadas em conta quando da
interpretação dos contratos, é a função econômico social do negócio. Não se trata, repita-se, de
acolhimento do movimento law and economics, pois, como já afirmamos, este não traz um modelo
útil para compreensão do sistema jurídico como um todo.
469
Contrato de distribuição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 513.
255
Deve o magistrado optar por uma interpretação que atenda aos interesses de um
aderente padrão, observado sempre o seu círculo social, ou, ainda, o fim econômico
perseguido pelos contratantes. Explica ANTEO GENOVESE:472
470
COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de janeiro:
Forense, 1981. p. 246.
471
Por ex.: Segundo MARCO CASSOTTANA, nas práticas empresariais, em caso de cláusulas
obscuras, devemos interpretá-las adequando-as ao significado em uso daquela particular
atividade. CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di
contratto. Em BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. v. I. Milão: Giuffrè, 1979. p.
149.
472
GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão:
Giuffrè, 1961, p. 806; GENOVESE, Anteo. Le condizioni generali di contratto. Pádua: Cedam,
1954. p. 221.
473
Durante um certo tempo na jurisprudência, contratos do Sistema Financeiro de Habitação foram
revisados indiscriminadamente, pelo uso da Tabela Price, sob o fundamento de que ela tabela
seria forma de capitalização de juros. Hoje esta orientação não mais existe. Captada a dimensão
do sistema de amortização e o equilíbrio econômico financeiro propiciado por este índice, o STJ
passou a admitir seu uso no seguinte sentido: "CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA
256
Em primeiro lugar, expõe PAULO LUIZ NETTO LÔBO,475 o princípio básico que
deverá nortear a interpretação das cláusulas contratuais gerais é o equilíbrio efetivo
dos poderes contratuais, que tentará equalizar a desigualdade preexistente nestes
tipos de situações, em que inexiste acordo em sua criação e eficácia, estando
subjacente, ainda, a desigualdade de poderes econômicos. Este princípio se
consuma por meio da antiga regra interpretatio contra stipulatorem, hoje prevista no
art. 423 do Código Civil e no art. 47 do CDC.
Segundo este dispositivo (CC, art. 423), em caso de dúvida, as cláusulas contratuais
gerais deverão ser interpretadas a favor do aderente e contra quem as predispôs.
Aceita-se o desequilíbrio prévio das partes, de sorte que se deve interpretar a favor
de quem só pode aderir, como forma de reequilibrá-las. Fica evidente que se deve
buscar manter o contrato, mas na forma menos prejudicial ou agressiva ao que não
teve alternativa se não a de aderir, portanto numa situação que a lei toma como de
inferioridade. Busca-se o reequilíbrio, a eqüitatividade, posto que, no âmbito
contratual, deve existir paridade de sacrifícios, nunca a submissão de uma parte à
476
MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 239.
258
Essas contradições e ambigüidades não são tão fáceis de imaginar na prática, até
porque, em regra, a predisposição das cláusulas gerais é precedida de um trabalho
intenso, recheado de cálculos e estudo minucioso do texto que será oferecido ao
público. Mas, por exemplo, se as cláusulas contratuais gerais fazem previsão de
cobertura de todos os riscos (all risks), mas, no final do mesmo formulário, fazem
remissão a uma Convenção Internacional que limita a indenização e cobertura para
mercadorias extraviadas (ex.: Convenção de Varsóvia), deve se prestigiar aquela
cláusula que beneficie o aderente, devendo o predisponente arcar com os prejuízos
da estipulação contraditória de cláusulas.478
477
Anotações ao art. 423 do Código Civil de 2002 feitas por RENAN LOTUFO. (LOTUFO, Renan.
Código Civil comentado. v. III, t. I. São Paulo: Saraiva, 2006, no prelo).
478
Outro exemplo de contradição entre os clausulados pode ser visto no julgado do STJ:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH).
PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL (PES). ALTERAÇÃO DA CATEGORIA PROFISSIONAL
DO MUTUÁRIO. PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DA RENDA. ADEQUAÇÃO E
RESTABELECIMENTO DO PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DA RENDA
ORIGINALMENTE PACTUADO. PREQUESTIONAMENTO. 1. Não tendo o acórdão recorrido
tratado especificamente de artigos legais tidos como violados, in casu, o art. 6.º, § 1.º da LICC e o
art. 1.256 do Código Civil (1916), não há como se tê-los prequestionados, mormente quando a
parte não instiga o Tribunal a quo a fazê-lo, pelas vias processuais adequadas. 2. Esta Corte já
firmou seu entendimento de que a União não é parte legítima para figurar no pólo passivo das
ações que têm como objeto o reajuste das prestações da casa própria, sendo uníssona a
jurisprudência no sentido de se consagrar a tese de que a Caixa Econômica Federal, como
sucessora do BNH, deve responder por tais demandas. A ausência da União como litisconsorte
não fere, portanto, o conteúdo normativo do art. 7.º, III, do Decreto-Lei n. 2.291, de 1986. 3. “Nos
contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação há de se reconhecer a sua vinculação, de
modo especial, além dos gerais, aos seguintes princípios específicos: a) o da transparência,
segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade sobre as cláusulas contratuais ajustadas,
deve imperar na formação do negócio jurídico; b) o de que as regras impostas pelo SFH para a
formação dos contratos, além de serem obrigatórias, devem ser interpretadas com o objetivo
expresso de atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de habitação,
sem afetar a sua segurança jurídica, saúde e dignidade; c) o de que há de ser considerada a
vulnerabilidade do mutuário, não só decorrente da sua fragibilidade financeira, mas, também, pela
ânsia e necessidade de adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora,
econômica e financeiramente muitas vezes mais forte; d) o de que os princípios da boa-fé e da
eqüidade devem prevalecer na formação do contrato.”(Resp n. 85.521-PR, D.J. 03.06.1996, Rel.
Min. José Delgado) 4. Nos casos de financiamento habitacional pelo Sistema Financeiro da
Habitação (SFH), as cláusulas contratuais de vinculação dos reajustes das prestações ao Plano
de Equivalência Salarial (PES), bem como aquelas concernentes à relação prestação/percentual
de comprometimento de renda devem ser interpretadas de modo mais favorável à parte
presumidamente hipossuficiente, isto é, o mutuário. Assim, quando a Lei, a um só tempo, traz dois
dispositivos que em sua aplicação se apresentam contraditórios, há de se prestigiar aquele que
beneficie a parte mais fraca: o mutuário/hipossuficiente. 5. A possibilidade de “renegociação da
dívida junto ao agente financeiro, visando restabelecer o comprometimento inicial da renda” (art.
9.º, § 6.º, do Decreto-lei n. 2.164/1984) deve garantir a manutenção do comprometimento da
renda/prestação, conforme o percentual inicialmente acordado. Desse modo, em havendo redução
de renda em decorrência de mudança de categoria profissional, pode o mutuário ter o seu contrato
259
Frise-se, por oportuno, que a regra prevista no art. 423 do Código Civil e no art. 47
CDC não interfere na tipicização da interpretação sugerida para as cláusulas
contratuais gerais.479
482
Se constava uma cláusula que restringia a proteção do segurado na Europa, e o segurado referiu-
se expressamente ao agente que contratava tendo em vista uma viagem a Ancara (parte asiática
da Turquia), deve ser entendido, neste caso, a aceitação pela companhia, sem reservadas, da
proposta contratual, implicando a interpretação da cláusula em sentido conforme ao tácito acordo
individual, como abrangendo também a parte asiática da Turquia. (SOUSA RIBEIRO, Joaquim de
Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade
contratual. p. 310). Esta previsão é encontrada no BGB reformado (§ 305b – prevalenza degli
accordi individuali).
483
O art. 424 não traduz uma tipificação completa e fechada dos limites de conteúdo, mas apenas
uma menção especial de uma cláusula de cunho intensamente lesivo. Daí o alcance do princípio
da boa-fé não se esgotar nessa regra, até porque, como a moderna metodologia não se cansa de
salientar, os princípios normativos nunca se deixam encerrar inteiramente nas malhas dos
enunciados normativos que tipificadoramente os acolhem.
261
Vimos que a boa-fé objetiva,484 como dever imposto às partes para agirem de
acordo com determinados padrões (de correção, lisura, honestidade etc.)
socialmente recomendados, também exerce importante papel na interpretação das
cláusulas contratuais gerais. Aliás, como mencionamos na Parte II, Capítulo 2, e
Parte III, Capítulo 4, algumas legislações específicas ao redor do mundo485 fazem
previsão específica sobre o papel da boa-fé neste contexto, em especial para o
controle das chamadas cláusulas abusivas, como o faz a Diretiva n. 13/1993, da
Comunidade Européia, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com
os consumidores, em que é definida a cláusula abusiva da seguinte forma: "uma
484
“O princípio da boa-fé foi consagrado pela primeira vez no art. 157 do Código Civil alemão nestes
termos: “os contratos devem ser interpretados tal como o exijam a confiança e a lealdade
recíprocas em correlação com os usos do comércio. Tomou, entretanto, significação especial nas
legislações que o receberam como norma subsidiária da interpretação subjetiva, aplicável quando
haja dúvida acerca da intenção comum dos contratantes. Trata-se de uma regra que contribui para
precisar o que se deve entender como o consenso, assim considerado o encontro e a combinação
de duas vontades para a produção de feitos jurídicos vinculativos. O processo interpretativo
empregado para reconstruir e determinar o comum intento prático das partes de um contrato é
guiado pelo critério da boa-fé, devendo assim se entender por intenção comum o que, como
declaratários, podiam os contratantes entender a declaração recebida ou deduzir do
comportamento de outro declarante. Consagra-se, por outras palavras, a concepção objetivista da
interpretação explicitada no Código Civil português (art. 236) e explicada pela necessidade de
proteger a legítima expectativa de cada um dos contraentes e de não perturbar a segurança do
tráfico. Devem-se investigar os possíveis sentidos da declaração e acolher o que o destinatário
podia e devia atribuir-lhe com fundamento nas regras comuns da linguagem e no particular modo
de se comunicar e se entender com a outra parte. Torna-se claro, nesse entendimento, que o
princípio da boa-fé na interpretação dos contratos é uma aplicação particular do princípio mais
amplo da confiança e auto-responsabilidade segundo o qual deve reconhecer a validade de uma
declaração negocial quem a emitiu por forma que o destinatário não possa, com a diligência
ordinária, emprestar-lhe outro sentido, pouco importando o que o declarante quis realmente
atribuir. O que em suma importa é o significado objetivo que o aceitante de proposta de contrato
“podia e devia entender razoavelmente segundo a regra da boa-fé”. “Sob invocação da óbvia
razão de que a interpretação é obra do intérprete, há quem sustente que a regra segundo a qual o
contrato deve ser interpretado de boa-fé constitui norma de comportamento dirigida a quem o deva
interpretar, só tendo valor quando várias soluções se apresentam como igualmente possíveis,
hipótese em que deve adotar aquela que mais se harmonize à lei moral e torne o regulamento
contratual mais justo e eqüitativo. Nesse modo de entender, o princípio da boa-fé na interpretação
careceria de maior significação em desacordo com a opinião dominante que lhe atribui grande
importância, mesmo quando seja considerado um processo interpretativo subsidiário, como na
legislação italiana.” GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 227-
228.
485
No nosso caso, o inc. IV do art. 51: são nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
262
cláusula que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva
quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio
significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e as obrigações das
partes decorrentes do contrato". (art. 3.º). A boa-fé objetiva, como preceito
normativo, exige a mediação concretizadora, deixando ao magistrado a possibilidade
de atingir toda as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências
fundamentais de justiça.486
Sem nos desprendermos das outras funções, para este capítulo, especial destaque
merece ser dado à função interpretativa da boa-fé. É verdade que, em matéria de
cláusulas abusivas, é esta a função sobre a qual a jurisprudência é chamada mais
freqüentemente a se pronunciar. Quando a cláusula duvidosa não corresponde a
nenhuma das cláusulas enumeradas nas listas de leis especiais, o controle de
conteúdo deve se operar com fundamento na boa-fé contratual objetiva, proibindo as
cláusulas que acarretem desvantagem ao aderente de maneira não razoável,
notadamente as que desprezavam os princípios gerais positivados nas leis ou
desnaturassem o próprio contrato.
486
ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p.39.
263
Assim, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, a boa-fé exerce importante papel
para descoberta da abusividade e, conseqüentemente, do controle dos conteúdos
487
ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p. 40-41.
264
Como sabemos, todo negócio jurídico deve ser interpretado segundo os ditames da
boa-fé (CC, art. 113). Aliás, como salientado por diversas vezes neste trabalho, a
boa-fé é um dos elementos de validade do negócio jurídico.489 Dessa maneira, não
há como negar a incidência da boa-fé para interpretação das cláusulas contratuais
gerais, integrando a estas os deveres de lealdade, proteção e informação, impondo,
ainda, limitações aos direitos subjetivos, quando estes conflitarem com o interesse
perseguido pelo contrato. Permite-se a tutela da razoável confiança criada pelas
cláusulas, sem ignorar os comportamentos de quaisquer das partes, levando em
conta um critério de diligência normal.
488
MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 656.
489
LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. p. 284.
490
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. p. 296-348 (A linguagem e as funções das
cláusulas gerais).
265
491
FORGIONI, Paula. Contrato de distribuição. p. 552 e 559.
492
Por exemplo, pode ser que contratos celebrados por prazo determinado, uma das partes pode ser
levada a crer na sua prorrogação além do termo contratado. Esta é uma atuação da boa-fé, que
viabiliza esta interpretação, bem como coíbe abusos. Segundo PAULA FORGIONI (Contrato de
distribuição. p. 493): "Imaginemos, por exemplo, um contrato de concessão comercial celebrado
pelo prazo de oito anos. No último ano de vigência, a fornecedora exige da distribuidora a
realização de investimentos consideráveis, criando a legítima expectativa de renovação. O
ordenamento jurídico protege o distribuidor contra uma brusca modificação da atitude esperada do
fornecedor, que andaria contra a boa-fé e os usos e costumes comerciais (boa-fé objetiva,
apurada conforme o comportamento normalmente esperado dos agentes econômicos daquele
mercado). Em face da requisição do fornecedor, o distribuidor pode supor a extensão do prazo,
com aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem suas
decisões. Esse comportamento do fornecedor, em face da práxis do mercado, há de ser
considerado com declaração de sua intenção de prorrogar a avença. Trata-se de um
comportamento social típico, apto a produzir efeitos jurídicos. Igualmente entende-se que o
distribuidor aceitou a recondução , a partir do momento em que obrou como lhe foi solicitado".
493
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 146.
494
"[...] Este princípio difere do da ordem pública, tanto quanto a sociedade difere do Estado; trata-se
de preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto
266
aqueles que prejudiquem a coletividade (por exemplo, contratos contra o consumidor) quanto os
que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas [...]. A idéia de função social do contrato está
claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o
valor social da livre iniciativa (art. 1.º, inc. IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver
o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O
contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da
Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro – de resto, o art. 170, caput, da
Constituição da República, de novo, salienta o valor geral, para a ordem econômica, da livre
iniciativa". AZEVEDO, Antonio Junqueira de. "Os princípios do atual direito contratual e a
desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de
fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquilina do terceiro que contribui para
inadimplemento substancial". In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 141.
495
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 166.
496
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social dos Contratos. p. 167.
497
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social dos Contratos. p. 173 e 177
498
Como não pode a concessionária deixar de fornecer o serviço, também não pode o usuário negar-
se a pagar o que consumiu sob pena de se admitir o enriquecimento sem causa, com a quebra do
princípio da igualdade de tratamento das partes. Com esse entendimento, a Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, manteve a decisão do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro (TJRJ) que endossou o corte do fornecimento de energia elétrica de usuário
inadimplente no pagamento de suas contas. No caso, a Light Serviços de Eletricidade S.A.
suspendeu, por falta de pagamento, o fornecimento de energia elétrica à empresa Mottasport
Academia Ltda., após prévio aviso comprovado nos autos do processo. Inconformada com a
decisão, a empresa recorreu ao STJ alegando ilegalidade da suspensão devido à violação dos
princípios da continuidade e da dignidade da pessoa humana. Acompanhando o voto da relatora,
ministra Eliana Calmon, a Turma negou provimento ao recurso especial e manteve acórdão do
267
A nosso ver, outra aplicação da função social dos contratos precedidos de cláusulas
contratuais gerais é a correção de abusividade na eleição de foro. Em sendo
TJRJ. De acordo com a ministra, a paralisação do serviço impõe-se quando houver inadimplência,
repudiando-se a interrupção abrupta, sem o aviso prévio, como meio de pressão para o
pagamento das contas em atraso. Ou seja, é permitido o corte de serviço, mas com o precedente
aviso de advertência. Na hipótese dos autos, sustentou a relatora, a suspensão ocorreu em virtude
do inadimplemento do recorrente no pagamento de suas contas, estando o consumidor avisado
previamente de que tal fornecimento seria interrompido. Segundo a ministra Eliana Calmon,
admitir o inadimplemento por um período indeterminado sem a possibilidade de suspensão do
serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a
inadimplência generalizada e comprometendo o equilíbrio financeiro da relação e a própria
continuidade do serviço, com reflexos, inclusive, no princípio da modicidade. "O custo do serviço
será imensurável a partir do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão
penalizados com possíveis aumentos de tarifa", sustentou a relatora. Em seu voto, a ministra
também ressaltou que a política tarifária do setor de fornecimento de energia é fortemente
regulada e estabelecida pelo Poder Público, tanto é que as tarifas têm valores diferenciados,
sendo classificadas por faixas distintas conforme a atividade ou nível socioeconômico do
consumidor, estando fora de questão admitir-se a prestação gratuita dos serviços. "Se à
prestadora do serviço exige-se o fornecimento de serviço continuado e de boa qualidade,
respondendo ela pelos defeitos, acidentes ou paralisações, pois é objetiva a sua responsabilidade
civil; como então aceitar-se a paralisação no cumprimento da obrigação por parte do
consumidor?", questiona a ministra em seu voto. Segundo a ministra Eliana Calmon, tal aceitação
levaria à idéia de se ter como gratuito o serviço, o que não pode ser suportado por quem fez
enormes investimentos e conta com uma receita compatível com o oferecimento dos serviços.
Para a ministra, na atualidade, os serviços essenciais são prestados por empresas privadas que
recompõem os altos investimentos com o valor recebido dos usuários por meio dos preços
públicos ou tarifas, sendo certa a existência de um contrato estabelecido entre concessionária e
usuário e não sendo possível a gratuidade de tais serviços. A ministra Eliana Calmon concluiu o
voto explicando seu posicionamento em termos normativo, ontológico e capitalista: "Sob o aspecto
da norma específica, estão as concessionárias autorizadas a suspender os serviços quando não
pagas as tarifas; sob o aspecto ontológico, não se conhece contrato de prestação de serviço
firmado com empresa pública, cujo não-pagamento seja irrelevante para o contratado; sob o
ângulo da lógica capitalista, é impossível a manutenção de serviço gratuito por parte de grandes
empresas que fazem altos investimentos". O tema é polêmico. Em seu voto, de nove páginas, a
ministra Eliana Calmon reconhece que a suspensão de serviço público por falta de pagamento não
constitui um direito absoluto e admite que o tema encontra divergências no próprio STJ, embora
hoje, majoritariamente, colham-se depoimentos em favor da legalidade do corte de fornecimento
em razão do inadimplemento.Citando vários autores e juristas, a ministra ressalta que o que define
a natureza jurídica da prestação do serviço essencial é o seu do sistema de remuneração. Assim,
sustenta a ministra Eliana Calmon, não se há de confundir taxa com tarifa ou preço público, como
já advertido pela Súmula 545/STF: se o serviço público é remunerado por taxa, não podem as
partes cessar a prestação ou a contraprestação por conta própria; se for por tarifa, que é uma
remuneração facultativa oriunda da relação contratual na qual impera a manifestação da vontade,
o particular pode interromper o contrato. Segundo a ministra, doutrinariamente ainda não há
unidade sobre o tema, pois uma corrente defende a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor (CDC) somente aos serviços remunerados por tarifa e uma outra entende que o CDC
é aplicável indistintamente a todos os serviços, sejam eles remunerados por taxa ou tarifa.
"Lamentavelmente o impasse doutrinário não foi ainda solucionado pela jurisprudência,
extremamente vacilante nesse especial aspecto, inclusive nesta Corte de Justiça", ressalta a
ministra em seu voto, acrescentando que se filia à primeira corrente. Embora seja permitida a
suspensão do serviço público por falta de pagamento, a ministra Eliana Calmon adverte que ela
não constitui direito absoluto: "o fornecedor tem o dever de colaborar para que o consumidor
possa adimplir o contrato, criando condições para o regular pagamento". Isso porque o pequeno
inadimplemento do consumidor se confunde com a mera impontualidade, sem gerar as
conseqüências de um corte de fornecimento. "Daí a obrigatoriedade de o fornecedor estabelecer
ao usuário datas opcionais para o vencimento de seus débitos, além de prazo para proceder-se à
interrupção quando houver inadimplência". ( STJ, Resp 798204/RJ, rel. Min. ELIANA CALMON,
julg. em 17.08.2006).
268
Na verdade, mesmo que a relação não seja de consumo, não se pode perder de
vista que a função social do contrato representa um princípio de ordem pública (CC,
art. 2.035, parágrafo único), cuja violação, portanto, poderá ser reconhecida de ofício
pelo magistrado, independentemente de pedido da parte ou do interessado, a
qualquer tempo e em qualquer grau ordinário de jurisdição (CPC, art. 303, III). Se a
499
António Menezes Cordeiro. Tratado de direito civil português. I, t. III. p. 365.
500
"Competência. Conflito. Foro de Eleição. Código de Defesa do Consumidor. Banco. Contrato de
Abertura de Crédito em conta especial. - O Código de Defesa do Consumidor orienta a fixação da
competência segundo o interesse público e na esteira do que determinam os princípios
constitucionais do acesso à justiça, do contraditório, ampla defesa e igualdade das partes.
Prestadoras de serviços, as instituições financeiras sujeitam-se à orientação consumerista. – É
nula a cláusula de eleição de foro inserida em contrato de adesão quando gerar maior ônus para a
parte hipossuficiente defender-se ou invocar a jurisdição, propondo a ação de consumo em local
distante daquele em que reside. – Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de
Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Canoas". (CC 32868/SC, 2ª Seção, rel. Min. Nancy
Andrighi, julg. 18.02.2002, DJ 11.03.2002, p. 160). "Execução - Foro de eleição. Hipótese em que
a eleição de foro diverso daquele em que domiciliado o devedor acarreta-lhe notáveis dificuldades
para o exercício de sua defesa. Nulidade da cláusula de eleição e reconhecimento de que, tendo
em vista o disposto no Código de Defesa do Consumidor (arts. 1.º e 6.º, VIII), possível o
reconhecimento, de ofício, da incompetência. Inaplicabilidade da Súmula 33. Precedentes do
STJ". (Resp n. 196067/MG, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, julg. 24.08.1999, DJ 03.11.1999,
p. 112).
501
"A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício".
269
502
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato – novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.
209.
270
CONCLUSÃO
O contrato não deve ser valorado como um fenômeno psíquico nem como um
simples acordo de vontades, mas como um fenômeno social, um valor objetivo no
qual as partes constituem, extinguem ou modificam uma relação própria (patrimonial
ou não), sobre o qual recaem novos princípios e novas premissas, realçados em
novas bases constitucionais que exercerão influência direta no estudo das cláusulas
contratuais gerais.
As cláusulas contratuais gerais não são normas jurídicas, mas originadas do ato de
autonomia privada do predisponente, sendo possível, para fins de interpretação,
uma aplicação analógica com aquelas. Antes da integração do contrato de adesão,
as cláusulas contratuais gerais existem juridicamente, sendo, inclusive, alvo de
possível controle abstrato e preventivo. Todavia, não podemos afirmar que estas
possuem, exclusivamente, natureza contratual. Para nós, as cláusulas contratuais
gerais possuem natureza mista, típica de ato normativo e de ato negocial, como
regulamento contratual abstrato que pressupõe validade, eficácia e interpretação
típicas.
Mas mesmo incorporadas aos negócios jurídicos, ainda que façam parte de um dado
programa contratual, ou que existam partes contratuais individualizadas, as
características das cláusulas contratuais gerais nos permitem concluir que o sentido
a ser atribuído a estas cláusulas não pode ser individual e divergente, mas constante
a todos os aderentes da categoria contemplada. Sendo composto por cláusulas
contratuais gerais, abstratas e rígidas, só pode valer, também nesta fase, uma
interpretação típica, aplicando-se critérios especiais que, de alguma forma,
respeitem estas características das cláusulas e busquem dirimir conflitos de
interesses reproduzindo a série de contratos em que são (e serão) inseridas. E para
que haja a constante interligação e comunicação dos programas constitucionais ao
programa contratual, também na interpretação das cláusulas contratuais gerais, a
boa-fé e a função social exercerão importante papel.
O art. 423 do Código Civil de 2002 em nada interfere com a interpretação típica
sugerida para as cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de adesão,
querendo apenas significar que, dentre dois ou mais sentidos típicos, possíveis da
declaração, deverá o intérprete optar por aquele que se revele mais eficaz para que,
no conflito de interesses instaurado entre o estipulante e o aderente, o deste último
seja satisfeito. Trata-se de um auxiliar hermenêutico, presente em diversos
ordenamentos, radicado na idéia de que seria justo responsabilizar o predisponente
pelo conteúdo das cláusulas contratuais gerais por ele predispostas, introduzidas
unilateralmente no regramento contratual, sem influência da outra parte, cabendo-
lhe, portanto, suportar o risco de uma possível ambigüidade, como forma de
compensação, no sentido de que aquele que retira vantagens da predisposição,
deve igualmente suportar os incômodos ligados à falta de clareza das formulações
utilizadas.
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