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A formação econômica e social do Brasil sob nova ótica


26.03.2013 03:32

A historiografia econômica brasileira marcou-se pela elaboração, ainda na primeira metade do


século XX, de uma interpretação acerca do processo de formação econômica e social do Brasil
assentada na ênfase posta na produção para exportação.

Iraci del Nero da Costa *

José Flávio Motta **

1. O modelo de Caio Prado Júnior

A historiografia econômica brasileira marcou-se pela elaboração, ainda na primeira metade do


século XX, de uma interpretação acerca do processo de formação econômica e social do Brasil
assentada na ênfase posta na produção para exportação. Assim, em Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia, publicado em 1942, Caio
Prado Júnior explicitava o sentido da colonização, conceito fundamental a embasar a aludida interpretação: "No seu conjunto, e vista no plano
mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas
sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É
este o verdadeiro sentido da colonização tropical,de que o Brasil é uma das resultantes: e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no
econômico como no social, da formação e evolução históricas dos trópicos americanos. {...} Se vamos à essência da nossa formação, veremos
que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em
seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a
considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá
naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país." (PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. 17a.
ed., São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 31-32).

É sabida, e indiscutível, a importância do modelo interpretativo proposto por Caio Prado Júnior para a compreensão de nossa formação
histórica. Todavia, ainda que tenha sido inegável a relevância ímpar, nas etapas colonial e imperial da história brasileira, das atividades
[i]
direcionadas à exportação, sedimentava-se na historiografia um viés exportador, que passava a nortear os trabalhos produzidos na área. Em
outras palavras, no modelo pradiano ao se "{...} pensar a constituição da economia brasileira como uma mera projeção imediata do capital
comercial no plano da produção {...} perde-se de vista, assim, o que hodiernamente chamaríamos 'Brasil real' e se privilegia
desmesuradamente o 'Brasil exportacionista', vale dizer, o segmento econômico voltado para os mercados mundiais." (COSTA, Iraci del Nero
[ii]
da. Repensando o modelo interpretativo de Caio Prado Júnior. Cadernos NEHD, n. 3. São Paulo: NEHD-FEA/USP, 1995, p. 3-4). Paten-
teiam-se, dessa forma, as limitações características do modelo em questão, pois, neste Brasil real, "{...} as articulações presentes na
sociedade brasileira sobrepujavam largamente um mero empreendimento dirigido pelo capital comercial e imediatamente voltado para o
mercado mundial e dele totalmente dependente. Neste sentido tratava-se de urna economia com expressivos traços de integração endógena e
que comportava uma gama diversificada de atividades produtivas votadas para o atendimento de suas próprias necessidades, dando-se,
também, processos internos de acumulação. Disto decorria a geração, na órbita doméstica, de condições que permitiam um espaço
econômico relativamente autônomo vis-à-vis a economia internacional e o capital comercial, espaço econômico este ao qual, ademais,
deve-se atribuir expressivo contributo no que tange à formação da renda e do produto." (COSTA, op. cit., 1995, p. 20).

2. Algumas críticas ao modelo pradiano

As críticas ao modelo de Caio Prado Júnior, que marcam o evolver da historiografia a partir de meados dos anos 1960 e, sobretudo, no
decênio de 1970, não obstante as discrepâncias, muitas vezes de fundo, que as diferenciam umas das outras, apresentam a característica
comum de defenderem a necessidade, para um melhor entendimento do processo de formação econômica e social do Brasil, de se voltar a
atenção, essencialmente, para o universo colonial, propugnando-se uma efetiva inflexão "para dentro" da economia brasileira. Compondo as
criticas aludidas, destacam-se as interpretações de Antônio Barros de Castro, Ciro Flamarion S. Cardoso e Jacob Gorender.

Para Castro, mais além da finalidade de servir aos interesses do comércio europeu, punha-se à estrutura socioeconômica estabelecida na
colônia brasileira a tarefa de reproduzir-se a si mesma: "A produção em massa de mercadorias cria raízes no Novo Mundo, objetivando-se sob
a forma de um complexo aparato produtivo. O 'objetivo' maior desta realidade - o seu 'sentido' se se quiser - lhe é agora inerente: atender as
suas múltiplas necessidades, garantir a sua reprodução. Em tais condições o comércio é estruturalmente recolocado e os interesses mercantis
- bem como os da Coroa - terão necessariamente de ter em conta as determinações que se estabelecem no nível da produção. Em outras

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palavras, a forma pela qual os interesses externos atuam sobre a colônia passa a depender 'primeiramente da sua solidez e da sua estrutura
interna'. O 'projeto' colonial e/ou mercantilista subsiste, sem dúvida; o seu raio de incidência - especialmente em conjunturas adversas - fica no
entanto severamente limitado pelo surgimento na colônia de uma estrutura socioeconômica, com seus elementos de rigidez, suas
regularidades, seus interesses e, por último, mas também importante, pelos conflitos que lhe são próprios." (CASTRO, Antônio Barros de. A
economia política, o capitalismo e a escravidão. In: AMARAL LAPA, José Roberto do (org.). Modos de produção e realidade brasileira.
Petrópolis: Vozes, 1980, p. 88-89). 3

Proposição semelhante é evocada por Gorender: "Focalizando agora a linha de interpretação que se concentrou no mercado e dele fez a
chave explicativa da economia colonial, constatamos um resultado invariável desse procedimento metodológico: a sobreposição da esfera da
circulação às relações de produção. {...} A desobstrução metodológica impõe a inversão radical do enfoque: as relações de produção da
economia colonial precisam ser estudadas de dentro para fora, ao contrário do que tem sido feito, isto é, de fora para dentro." (GORENDER,
Jacob. O escravismo colonial. 4a. ed. São Paulo: Ática, 1985, p. 6-7). Como corolário da "inversão radical" por ele proposta, Gorender
desenvolve o conceito de modo de produção escravista colonial, com o qual pretende dar conta do processo de formação econômica da
colônia brasileira. Na mesma direção - e com anterioridade - caminha a critica de Ciro Flamarion Cardoso ao circulacionismo e à chamada
"teoria do capitalismo comercial": "el carácter de uma formación económica y social debe buscarse básicamente en la esfera de la producción".
Para Cardoso, ademais, a rejeição à ênfase desmedida na esfera da circulação, aliada à crítica igualmente contundente ao dogmatismo
presente no esquema stalinista de evolução das sociedades, implica a especificidade do regime colonial: "en mi opinión, la especificidad de
las estructuras internas coloniales y de su génesis histórica {...} impone la elaboración de uma teoria de los modos de producción coloniales,
partiéndose del principio que dichas estructuras son específicas y dependientes." (CARDOSO, Ciro Flamarion S. Severo Martínez Peláez y el
caráter del régimen colonial. In: ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii. Modos de producción en América Latina. 3a.ed. Córdoba: Cuadernos
de Pasado y Presente, Buenos Aires: Siglo XXI, 1975, p. 86).

3. A produção historiográfica recente

A década de 1970, além dos desenvolvimentos teóricos referidos no item 2 acima, colocou-se igualmente como marco inicial de produção de
um vasto material historiográfico assentado na integração de fontes primárias de variados tipos. Essa produção - na qual se inserem com
destaque os trabalhos realizados no campo da demografia histórica 4 - evidenciou, à saciedade, a relevância dos processos econômicos que
se davam na órbita interna da economia brasileira e, por essa via, corroborou, com farto embasamento empírico, a insuficiência da "visão
exportacionista" à la Caio Prado. Mais ainda, essa mesma produção historiográfica, amiúde de caráter monográfico, ao ilustrar, cabal e
inequivocamente, a multiplicidade e a complexidade definidoras do universo colonial, tornou igualmente evidentes as limitações postas no
plano teórico em decorrência da utilização do conceito de modo de produção colonial.

Assim, por exemplo, como lidar, no âmbito de um modo de produção escravista colonial, com o largo segmento formado pelos indivíduos
não-proprietários de cativos? Afinal, tais indivíduos, conforme verificado por Iraci Costa (COSTA, Iraci del Nero da. Arraia-miúda: um estudo
sobre os não-proprietários de escravos no Brasil. São Paulo: MGSP, 1992), dominavam amplamente a produção de mantimentos (arroz, feijão,
milho, mandioca), de algodão e a pesca; eram, em suma, "{...} participes ativos do mundo produtivo. Faziam-se presentes em todas as
culturas, mesmo nas de exportação, vinculavam-se às lidas criatórias, ao fabrico e/ou beneficiamento de bens de origem agrícola e com-
pareciam com relevo nas atividades artesanais. Suas apoucadas posses, é evidente, limitavam e condicionavam sua presença, a qual, não
obstante, não pode ser negada nem deve ser subestimada." (COSTA, op. cit., 1992, p. 111).

4. O "mosaico de formas não-capitalistas de produção"

Tornou-se, portanto, patente, a dificuldade de integrar, às interpretações vigentes acerca de nossa formação econômica e social, a
complexidade e riqueza características da realidade Colonial brasileira. Essa realidade não se via apreendida pelas análises centradas quase
exclusivamente nas atividades de exportação; de outra parte, dita realidade "vestia", com evidente desconforto, a camisa-de-força
representada pelo conceito de modo de produção.

Os anos 1990 trouxeram à luz duas importantes tentativas de superar o impasse vivenciado pela historiografia. Em uma delas, explicitada no
trabalho de Fragoso (FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de
Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992), a crítica aos modelos explicativos tradicionais é acompanhada da ênfase no
conceito de formação econômico-social, trazido ao cerne da análise com o intuito de superar as limitações postas pela noção de modo de
produção. O avanço historiográfico das últimas décadas é incorporado pelo autor enquanto compondo um "mosaico de formas não-capitalistas
de produção", manifesto na produção escravista de alimentos no Rio de Janeiro, no complexo agropecuário que se estabelece na região das
Minas Gerais, com base no trabalho de escravos e camponeses e direcionado para o abastecimento interno, nas fazendas de criação e na
agricultura de alimentos presentes em São Paulo e, por fim, na região sul, na produção camponesa de alimentos, na charqueada escravista e
nas estâncias gaúchas.

Nas palavras de Fragoso: "a existência de um mercado doméstico e de segmentos produtivos para ele voltados introduz um novo elemento na

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lógica de funcionamento da formação colonial - referimo-nos à possibilidade de reproduções endógenas. {...} o processo de reprodução desses
segmentos se dá em meio ao mercado interno, constituindo-se, assim, em movimentos de acumulações introversas na economia colonial.
Disso infere-se uma maior possibilidade de retenção do sobretrabalho na própria economia colonial e, portanto, de autonomia dessa última,
diante de flutuações externas. {...} Em realidade, a possibilidade de se apreender os movimentos de acumulação endógena à economia
colonial prende-se à compreensão dessa última enquanto formação econômico-social. Desse modo, aquela acumulação resultaria, a
princípio, da interação mercantil dos processos de reprodução do escravismo colonial com os setores produtivos ligados ao mercado
doméstico." (FRAGOSO, op. cit., 1992, p. 131-132).

A interpretação proposta por Fragoso apresenta-se passível de crítica em dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, o entendimento da
economia colonial enquanto formação econômico-social encobre, mas não resolve, a impropriedade presente na utilização do conceito de
modo de produção ("problema" que Fragoso, aliás, compartilha com Ciro Cardoso e Jacob Gorender): "A impropriedade está, justamente, em
conceber abstra-tamente o conjunto de categorias 'modos de produção'. Segundo nossa visão, os distintos modos de produção identificados
por Marx devem ser entendidos como um continuum do qual o capitalismo ê o ponto culminante, e o é porque, a partir de sua efetivação, a
história, além de se fazer universal, conhece uma mudança qualitativa, de sorte que se torna impossível dissociar as distintas sociedades ou
áreas do planeta - a solidariedade que as une é dada e explicada pelo capital e pelo capitalismo. Disto se infere, em primeiro, a
impossibilidade de emparelharmos os distintos modos de produção - ao fazê-lo operamos uma abstração -; em segundo, a impertinência de
'procurarmos' novos modos de produção depois de fundada, pelo capitalismo, a história universal. Posta esta e, correlatamente, o mercado
mundial, persiste, apenas, o modo de produção capitalista - que a tudo ilumina, parafraseando a imagem clássica. Segundo nossa leitura de
Marx, a superação 'deste' modo de produção significa a superação da própria categoria, a pré-história devirá história; o homem, até então
pressuposto, devirá sujeito." (COSTA, Iraci del Nero da. Nota sobre a não existência de modos de produção coloniais. São Paulo: IPE/USP,
1985, p. 3). 5

O segundo dos aspectos fundamentais da interpretação de Fragoso que deve ser sopesado diz respeito à radicalização da crítica ao modelo
de Caio Prado Júnior mediante a defesa de uma reprodução autônoma da economia brasileira. Há, aqui, que reproduzir o seguinte ques-
tionamento, de Ciro Cardoso: "Tendo combatido por muitos anos as posturas que enfatizam unilateralmente as relações metrópole-colônia ou
centro-periferia, a extração de excedentes, o capital mercantil (hipostasiado em 'capitalismo comercial') e mais em geral a circulação de
mercadorias como locus explicativo privilegiado, só posso me regozijar com esses novos e sólidos argumentos {dos estudos preocupados em
evitar o viés exportador - INC/JFM}. Desde que, também neste caso, não se ceda à tentação de mais uma ênfase unilateral. {As análises que
incorporam tais argumentos INC/JFM} não estarão esquecendo exageradamente, empurrando um tanto para fora do horizonte, a dependência
colonial e neocolonial - e as determinações e condicionamentos que ela sem qualquer dúvida implicava (ainda que tais análises tenham
demonstrado que algumas das determinações imputadas a fatores externos eram falsas)? Fique como questão a ser pensada esta minha
dúvida." (CARDOSO, Ciro Flamarion S. et alii. Escravidão e abolição no Brasil: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 58).

5. O capital escravista-mercantil

A segunda das interpretações trazidas à luz nos anos 1990 e que aqui se deseja salientar é aquela centrada no conceito de capital escravista-
mercantil, elaborada por Costa & Pires. 6 Por um lado, preocupa-se em fugir à radicalização da crítica ao modelo pradiano. Dessa forma, ainda
que se tenha em mente a complexidade da realidade colonial, cada vez mais esmiuçada pela historiografia no decurso dos últimos lustros, não
se nega que a sociedade escravista moderna "{...} é a própria encarnação da dependência com respeito ao mundo exterior, seja quanto à
colocação de parcela substantiva do produto gerado, seja no respeitante à sua própria manutenção no tempo, pois necessitava, crucialmente,
do fornecimento externo de mão de obra cativa." (COSTA, op. cit., 1995, p. 25). 7

Nessa perspectiva, a critica a Caio Prado assume o seguinte teor: a limitação que marca seu modelo "{...} deveu-se ao fato de ele haver
transposto para o plano fenomênico, sem as necessárias e devidas mediações, elementos próprios do que considerou a essência de nossa
formação e da sociedade aqui constituída. Reduzido, assim, o plano do concreto, ao que se poderia entender ser seu determinante em última
instância, a elementos de sua pretensa 'essência' - que não se exaure em tais elementos, diga-se com ênfase -, resta-nos um caricatura de
vida econômica e social, desfigurada, rígida, descarnada, apartada da experiência do dia a dia, perdem-se a especifícidade e as peculiari-
dades do escravismo moderno {...} e se fica ás voltas com um 'sentido' abstrato, imaterial, que faz com que nos sintamos tão incomodados, tão
'desconfortáveis' quando confrontamos nossa visão daquela sociedade com a que derivamos da leitura dos escritos de Caio Prado Júnior."
(COSTA, op. cit., 1995, p. 26).

De outra parte, a categoria capital escravista-mercantil substitui, na interpretação ora enfocada, o papel desempenhado pelo modo de
produção (em Gorender e Ciro Cardoso) e pela formação econômico-social (em Fragoso): "Assim, no caso da colônia lusa em terras
americanas, a criação da mais-valia decorria da ação do capital escravista-mercantil, vale dizer, embora isolado dos mercados externos e,
portanto da órbita da circulação {...}, a esfera da produção interna colocava-se inteiramente em sua órbita e era dominada pelo capital
escravista-mercantil. Tal dominância, que não deve ser entendida em termos absolutos, estendia-se à produção de mercadorias (exportáveis
ou não), de valores de uso e de serviços, abarcando também a alocação de fatores e recursos e espraiando-se pela circulação interna.
Afetava, ainda, a geração e distribuição da renda, a escala da produção, o tamanho das plantas instaladas, as técnicas utilizadas e os
elementos afetos à qualificação da mão de obra. Enfim, sua presença condicionava toda a economia colonial, bem como as relações
estabelecidas no processo de produção, projetando-se, ademais, na vida social e política da colônia. Disso deve-se inferir que os segmentos

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sociais e econômicos não vinculados imediatamente ao escravismo também se viam influenciados e, em larga medida, determinados {...} pelo
capital escravista-mercantil {...} o qual só podia se comunicar com o mundo que lhe era externo mediante a intermediação do capital
comercial." (PIRES, Julio Manuel & COSTA, Iraci del Nero da. O Capital Escravista-Mercantil e a escravidão nas Américas. São Paulo,
EDUC/FAPESP, 2010, p. 21-22 e 23)

A caracterização do capital escravista-mercantil - sua "onipresença" - sedimenta, outrossim, a crítica aos modelos interpretativos que o
antecederam, pois "{...} é justamente em tamanha dominância que se assenta o engano daqueles que pensam encontrar aqui o assim
chamado 'escravismo capitalista' ou propugnam pela existência de um pretenso modo de produção colonial." (PIRES & COSTA, op. cit., 2010,
p. 22). Adicionalmente, a riqueza e, ao mesmo tempo, "simplicidade" teórica do conceito capital escravista-mercantil evidencia o profícuo
caminho trilhado pela historiografia, em termos da discussão, sempre bem-vinda, do processo de formação econômica e social do Brasil,
calcada agora em categorias originais e mais adequadas à nossa realidade, superando-se, assim, o vezo próprio dos que têm tentado explicar
o aludido processo com base na utilização de um universo conceptual erigido, sobretudo, em termos do desenvolvimento histórico observado
na Europa Ocidental.

* Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.

** Professor Livre-docente da Universidade de São Paulo.

NOTAS

[i] Caso, por exemplo, de FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 17a. ed., São Paulo: Nacional, 1980 e de NOVAIS, Fernando
Antônio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979.

[ii] Compondo igualmente este viés exportador, a própria população brasileira viu-se enfocada mediante a ênfase nos contingentes
particularmente presentes na produção para exportação, isto é, a mão de obra escrava e o conjunto dos proprietários de cativos, relegando-se
os demais à marginalidade econômica e social. Dessa forma, assevera Prado Júnior: "Entre estas duas categorias {senhores e escravos -
INC/JFM} nitidamente definidas e entrosadas na obra da colonização, comprime-se o número, que vai avultando com o tempo, dos desclassi-
ficados, dos inúteis e inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem ocupação alguma. {...} O número
deste elemento indefinido socialmente, é avantajado {...} compreenderia com certeza a grande, a imensa maioria da população livre da
colônia. Compõe-se, sobretudo, de pretos e mulatos forros ou fugidos da escravidão: índios {...}; mestiços de todos os matizes e categorias
{...}; até brancos, brancos puros, e entre eles, {...} até rebentos de troncos portugueses ilustres {...}; os nossos poor white, detrito humano
segregado pela colonização escravocrata e rígida que os vitimou." (PRADO JÚNIOR, 1981, p. 281-282).

3 Saliente-se que a crítica de Castro é igualmente pertinente quando se toma o enfoque teórico de Fernando Novais acerca do sentido da
colonização: "{...} a colonização do Novo Mundo, na Época Moderna, apresenta-se como peça de um sistema, instrumento da acumulação
primitiva da época do capitalismo mercantil. Aquilo que {...} afigurava-se como um simples projeto, apresenta-se agora consoante com o
processo histórico concreto de constituição do capitalismo e da sociedade burguesa. Completa-se, entrementes, a conotação do sentido
profundo da colonização: comercial e capitalista, isto é, elemento constitutivo no processo de formação do capitalismo moderno" (NOVAIS, op.
cit., 1979, p. 70). Sobre esta abordagem, escreve Castro: "Observe-se que, para efeitos da interpretação da estrutura econômico-social da
colônia, o fato de que em Novais o 'sentido último' é dado pela 'aceleração da acumulação primitiva de capitais' {...}, e não pelos interesses do
comércio europeu (como quer Caio Prado), em pouco ou nada os diferencia. A substituição do 'objetivo' pelo 'significado' apenas evita (ou
melhor, oculta) a teleologia patente em Caio Prado" (CASTRO, op. cit., 1980, p. 88, nota de rodapé n. 74).

4 Acerca da contribuição da demografia histórica à historiografia brasileira ver MOTTA, José Flávio. Contribuições da demografia histórica à
historiografia brasileira. In: Anais do IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte: ABEP, 1994, vol. 3, p. 273-295.

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5 Sobre o entendimento do capitalismo como forma superior e derradeira da existência natural da sociabilidade humana, ver MOTTA, José
Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O fim da história, o inicio da história. Informações Fípe. São Paulo: FIPE, n. 172, p. 20-23, janeiro/1995 e
MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O fim da história, o inicio da história: um adendo. Informações Fipe. São Paulo: FIPE, n. 174,
p. 21-23, março/1995.

6 Para uma visão pormenorizada da categoria "capital escravista-mercantil" veja-se:

7 Este último elemento da dependência da sociedade escravista, cabe frisar, não se vê absolutamente negado quando, como o faz Fragoso,
"{...} consideramos o tráfico atlântico, desde meados do século XVIII, como um negócio interno à economia do Sudeste brasileiro. E isso por
uma boa razão: ele era controlado por negociantes residentes no Brasil. Esse fenômeno transformava tal negócio em uma operação integrada
aos movimentos de acumulação interna à economia colonial" (FRAGOSO, op. cit., 1992, p. 131-132).

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