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SOCIAL A SAUDE ;
O direito à saúde está entre os direitos fundamentais sociais, que está em processo de
democratização, sendo de extrema relevância para a promoção da dignidade dos indivíduos e da
coletividade de nossa sociedade.
Apesar da prestação do serviço da saúde ser de relevância social e por isso é prestado pelo
Poder Público, complementarmente e suplementarmente a Constituição Federal de 1988 autorizou
tais serviços serem prestados pela iniciativa privada, o que configura um instrumento importante, já
que o Estado não consegue por si só atender toda a demanda que envolve o direito à saúde, pelo
menos por enquanto é nossa realidade.
A questão é se nesta relação o que impera é a autonomia de vontades entre particulares, ou,
a saúde como direito fundamental deve sobrepor-se às relações estabelecidas no direito privado.
Ainda, o estudo foi implementado com considerações sobre o direito do consumidor e sua
atuação como limitador do poder econômico.
Os direitos fundamentais
Jorge Miranda demonstra que direito fundamental pode ter um conceito formal em que direito
fundamental é “toda a posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagrada na Lei
Fundamental”; Ainda, o autor vê certa dificuldade na conceituação material de direito fundamental
pela razão de surgirem conceitos atrelando o direito fundamental como “expressão de certo e
determinado regime político” o que seria o mesmo de não consagrá-los, assim, é importante conceber
que direito fundamental tem sua essência inerente a própria noção de pessoa, o que remete de certa
forma ao chamado Direito Natural, fazendo o seguinte pensamento : “Aliás, com o conceito material
de direitos fundamentais não se trata de direitos declarados, estabelecidos, atribuídos pelo legislador
constituinte, pura e simplesmente; trata-se dos direitos resultantes da concepção de Constituição
dominante, da idéia de Direito, do sentimento jurídico colectivo (conforme se entender, tendo em
conta que estas expressões correspondem a correntes filosófico-jurídicas distintas). Ora, sendo
assim, só muito difícil, senão impossivelmente, poderá julgar-se tal concepção, tal idéia ou tal
sentimento não assente num mínimo de respeito pela dignidade do homem concreto. O que significa
que, ao cabo e ao resto, poderá encontrar-se, na generalidade dos casos, com maior ou menos
autenticidade, a proclamação de direitos postulados pelo Direito natural – para quem o acolha – e de
vocação comum a todos os povos”.
Nos ensinamentos do Professor Vidal Serrano Nunes Junior, a Constituição Federal delimita
estes direitos fundamentais, inclusive no plano internacional e de internalização de direitos, afirmando
que “os direitos fundamentais pretendem, como dito, a proteção da dignidade humana, entendida à
luz de uma análise do indivíduo em si e na sua relação com o meio social”.
Quanto à evolução dos direitos fundamentais, a doutrina tem optado pela divisão das
chamadas gerações ou dimensões.
A terceira geração são direitos voltados para a idéia do ser humano como parte da
humanidade, implicando nos chamados direitos de solidariedade, com a tutela de direitos que
envolvem a coletividade, como, por exemplo, o meio ambiente.
Em razão do tema deste trabalho envolver a saúde, e sendo a saúde um direito social,
portanto de segunda geração, importante tecer alguns comentários sobre tais direitos e sua evolução,
para tanto utiliza-se como base o estudo realizado por Vidal Serrano Nunes Junior na obra “A
cidadania social na Constituição de 1988”.(2009)
A origem dos direitos sociais remete-se ao início do capitalismo industrial, em que a
propriedade privada e a autonomia da vontade regia as relações econômicas, causando a submissão
da classe trabalhadora ao poder econômico do empregador.
Isto culminava com a vulnerabilidade dos trabalhadores, ainda mais, pelo absenteísmo do
Estado em favor das liberdades públicas.
Os direitos sociais nascem pela resistência ao poder econômico e pela afirmação de direitos
nas relações de trabalho.
Outro documento importante foi a Declaração de 1948 da ONU que considerou os direitos
sociais como direitos intrínsecos a natureza humana, e logo na sequência veio o Pacto Internacional
sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966 trazendo a idéia de mínimo vital com a
proteção das elações de trabalho, saúde, educação e cultura.
Com relação ao sistema brasileiro, a Constituição de 1824, mesmo sem declarar estes
direitos, apresentou abertura para proteção dos direitos sociais, como por exemplo, a instrução
primária universal e gratuita.
A Constituição de 1891, por ser liberal, não trouxe colaboração para o reconhecimento dos
direitos sociais, mas na reforma de 1926 implementou na Constituição o direito ao trabalho.
A Constituição de 1934 promoveu a idéia de Estado Social de Direito, sendo que a de 1937,
conhecida como “A Polaca” gerou um retrocesso em termos de direitos sociais.
Com a Constituição de 1967 não houve uma forte modificação no rol dos direitos, mas havia
necessidade legislativa para prever os direitos.
Quanto ao conceito de direitos sociais, está ligado a idéia de Estado Democrático de Direito,
assim, deve ser tratado como direito fundamental e o rol deve estabelecer o chamado mínimo vital.
Neste sentido surge a chamada prestação positiva por parte do Estado que deve garantir aos
cidadãos este mínimo vital, equilibrando as relações sociais.
Há entre os direitos sociais e direitos de liberdade uma vinculação, pois a garantia dos direitos
sociais resguarda os próprios direitos de liberdade, não há direito a vida que se sustente sem a
dignidade, sem o trabalho, sem a saúde e sem a educação.
Vidal Serrano Nunes Junior entende que os direitos fundamentais devem ser analisados em
razão da vulnerabilidade de um segmento social, devendo ser atribuídos direitos prestacionais, com
regulamentação e normatização das relações econômicas, para que todos tenham benefícios da vida
em sociedade. (2009)
A saúde como direito social
Na obra Direito Sanitário os autores, Reynaldo Mapelli Junior, Mário Coimbra e Yolanda Alves
pinto Serrano de Matos, explicam que: “O direito à saúde pertence à categoria dos direitos
fundamentais de segunda geração, também denominados direitos sociais, que vieram a lume com a
nova conformação do Estado, que deixou de atuar como mero garantidor de direitos individuais
(Estado liberal) e abraçou a função de fornecer aos cidadãos prestações positivas voltadas à
satisfação de suas necessidades básicas (Estado social)”.
Importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º estabelece a saúde
como um direito fundamental social, e em seu artigo 196 caracteriza o direito à saúde como um
direito público subjetivo: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
O conceito de saúde está determinado no artigo 3º da Lei Orgânica da Saúde (lei 8.080/1990):
“Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como
determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso
aos bens e serviços essenciais”.
Nota-se, desta forma que o direito à saúde é um direito subjetivo público relacionado com uma
complexidade de valores e situações que repercutem na dignidade da pessoa humana.
Na obra “Direito Sanitário” de Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Junior (2010)
verifica-se que a Constituição da Organização Mundial de Saúde, em 7 de abril de 1948, conceituou
saúde como o estado de completo bem-estar físico, mental e social, promovendo uma evolução de
conceito. Além disto, introduziu a idéia de saúde como um bem coletivo, indicando em seus preceitos
que o bem-estar de cada um depende da cooperação do Estado e indivíduos, pois em aspectos
sanitários e ambientais a perspectiva é coletiva, compreendendo direitos e deveres do Estado e dos
indivíduos.
A necessidade do equilíbrio interno do homem e dele com seu meio ambiente é importante
para o conceito de saúde, ou seja, delimitar o conceito em torno de características individuais, físicas,
psicológicas, ambientais e econômicas, assim, saúde implica aspectos individuais, sociais e de
desenvolvimento, até mesmo porque a idéia de conceito exige uma abstração e universalidade
tratando os seres humanos com parâmetro de igualdade em busca do bem comum.
Ainda, os autores Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Junior, o conceito de saúde e
seu desenvolvimento se assemelha à evolução do Direito em termos de Bem Estar Social, pois, no
aspecto prestacional o Estado deve promover intervenção estabelecendo princípios diretores e
realizando atividades, tanto executivas quanto legislativas, além da própria participação dos
indivíduos diretamente e indiretamente, para implementar políticas públicas em torno da promoção,
proteção e recuperação da saúde.
Prescreve o artigo 199 caput da Constituição Federal que “a assistência à saúde é livre à
iniciativa privada”, sendo que nos parágrafos deste dispositivo ficam estabelecidas duas situações
diferentes.
Ainda, é importante citar que o mesmo dispositivo atribui preferência as entidades filantrópicas
e as sem fins lucrativos.
Na obra “Direito Sanitário” de Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Junior é possível
verificar que: “Ao falar em complementação, a Constituição deixa claro que sua idéia foi a de que o
sistema fosse diretamente capitaneado pelo Poder Público, admitindo a concorrência da esfera
privada, porém, de forma residual, preenchendo espaços necessários para que o atendimento se
viabilize. Deste modo, não há dúvida de que o Poder Público não pode franquear a entidades
privadas, ainda que filantrópicas, a absorção das atividades prestacionais. Em outras palavras,
devem existir unidades públicas de atendimento, secundadas, se necessário e conveniente, por
entidades privadas”.
A segunda situação é a assistência à saúde por iniciativa privada fora do SUS, já que o artigo
199 da Constituição Federal deixa claro que é livre a assistência à saúde pela iniciativa privada.
A partir deste ponto o problema que deve ser analisado é a atividade da iniciativa privada em
âmbito da saúde, por meio dos contratos de planos de assistência à saúde, e sua relação com os
usuários destes planos privados.
Eficácia dos direitos fundamentais e a questão de sua aplicação nas relações entre
particulares – a chamada eficácia horizontal
Com relação a eficácia dos direitos fundamentais, conforme art. 5º, §1º da Constituição
Federal, tais direitos são naturalmente dotados de eficácia imediata, aplicando-se diretamente aos
casos concretos sem a necessidade de mediação de normas infraconstitucionais. Desta forma, ao
menos em regra, são normas de eficácia plena.
Contudo, não se pode sustentar que todas as normas de direitos fundamentais são de
aplicabilidade direta independente de uma atuação do legislativo para sua concretização, pois em
várias situações existem limites para que determinados direitos fundamentais sejam aplicados
imediatamente, é uma questão de viabilidade.
Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet explica: “… Com efeito, especialmente no que concerne
aos direitos fundamentais sociais de natureza prestacional, verifica-se que os limites da reserva do
possível, da falta de qualificação (e/ou legitimação) dos tribunais para a implementação de
determinados programas socioeconômicos, bem como a colisão com outros direitos fundamentais
podem, dentre outros aspectos, exercer uma influência decisiva”.
Conforme o referido autor: “Então, em face dessas normas, que valor tem o disposto no §1º
do art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que elas são
aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em
segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta
nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado,
segundo as instituições existentes”.
Não há dúvidas que o Estado está vinculado aos direitos fundamentais, pois a histórica
construção destes direitos é fundamentada pela relação entre o particular e o Estado e o chamado
intervencionismo estatal.
Cite-se casos como os direitos trabalhistas, que são direitos sociais, e compõem uma relação
entre dois particulares, ainda, casos de discriminação entre particulares ou de prejuízo de direitos por
mera liberalidade.
Neste sentido foi construída na doutrina a teoria da eficácia privada ou horizontal dos direitos
fundamentais. Conforme Sarlet: “Para além de vincularem todos os poderes públicos, os direitos
fundamentais exercem sua eficácia vinculante também na esfera jurídico-privada, isto é, âmbito das
relações jurídicas entre particulares”. (2010, p. 374)
a) Teoria do state of action: esta teoria foi construída no direito norte-americano com
fundamento que o próprio texto constitucional fez referencia apenas aos Poderes Públicos na relação
com os direitos fundamentais.
Ainda, por esta teoria, o federalismo norte-americano impede a eficácia horizontal, pois o
direito privado é reservado aos Estados e não à União, impedindo-se qualquer interferência.
b) Eficácia mediata e indireta: para esta teoria o direito privado tem sua própria proteção,
não precisando da interferência dos direitos fundamentais, o que se acontecesse ocasionaria um
prejuízo na autonomia da vontade nas relações particulares.
Ao legislador caberia a tarefa de elaborar as leis que solucionassem os conflitos nas relações
privadas, podendo tomar como base os direitos fundamentais, mas não usar tais direitos diretamente.
c) Eficácia imediata e direta: teoria que também teve sua base na Alemanha e tem como
fundamento de que os direitos privados não podem estabelecer relações contrárias aos direitos
fundamentais e à Constituição, ou seja, a Supremacia da Constituição e dos direitos fundamentais
previstos deve nortear os direitos nas relações privadas.
Para isto, os direitos fundamentais devem ser aplicados diretamente sobre as ações e
decisões de particulares com poder social nas relações com outros particulares.
Importante é que esta teoria não pretende eliminar a autonomia da vontade, mas sim
reconhecer que esta autonomia tem suas limitações, principalmente em situações que envolvem
direitos fundamentais.
Para Jorge Miranda “não se compreenderiam uma sociedade e uma ordem jurídica em que o
respeito da dignidade e da autonomia da pessoa fosse procurado apenas nas relações com o Estado
e deixasse de o ser nas relações das pessoas entre si”.
Carlos Roberto Siqueira Castro sobre este tema entende que: “De fato, como visto, para a
concepção liberal os direitos fundamentais teriam a sua razão de ser no antagonismo histórico
indivíduo-Estado e não incluiriam, máxime em nível da supralegalidade constitucional, regras de
comportamento para os particulares. Estas adviriam do direito privado, sedimentado na autonomia
privada, e principalmente da auto-regulação espontânea dos comportamentos das pessoas,
consideradas iguais perante a lei para a assunção de direitos e obrigações na órbita civil”.
Para Carlos Roberto Siqueira Castro “Na verdade, as ameaças que hoje o Estado faz pesar
sobre o exercício dos direitos humanos tornem-se a cada dia mais secundárias nas nações de
desenvolvimento cultural e político, comparadas as agressões que os indivíduos e grupos detentores
de poder social fazem pesar sobre as liberdades daqueles destituídos de influência ou sem condições
materiais de participar minimamente da concorrência pela vida em padrões aceitáveis de dignidade”.
Mesmo que o Estado promova intervenção no domínio das atividades privadas a realidade é
que os grupos econômicos não perdem sua força e poder social, o que requer uma nova
interpretação constitucional sobre os valores dos direitos fundamentais e seu âmbito de eficácia,
principalmente para garantir a dignidade da maioria da população que fica submetida aos grupos
detentores de certo poder, como é o caso das empresas operadoras dos planos de saúde.
O Supremo Tribunal Federal em acórdão que teve como relator o Ministro Gilmar Mendes (RE
201.819, julgado em 11.10.2005) entendeu pela aplicação da eficácia direta de normas de direitos
fundamentais sobre relações entre particulares, o que demonstra a viabilidade da aceitação da
eficácia horizontal.
A aplicação da teoria da eficácia horizontal direta atenderia com maior amplitude ao processo
de democratização e de valorização da pessoa humana, ou seja, de constitucionalização e
efetividade dos valores constitucionais.
O fundamento para a vinculação, segundo Sarlet, está em que a natureza igualitária que
expressa a idéia de solidariedade entre os membros de uma sociedade resta por vincular a todos,
inclusive os particulares, com o objetivo de proteção e respeito à dignidade.
O termo “livre” deve ser interpretado conforme o sistema constitucional, já que o artigo 197 da
Constituição Federal deixa expresso que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, e
por isso, cabe ao Poder Público regulamentar as ações inclusive de pessoas física ou jurídica de
direito privado.
Conforme a obra citada de autoria de Sueli Gandolfi Dallari e Vidal Serrano Nunes Junior: “No
que tange à presença da iniciativa privada fora do SUS, existe um regime jurídico diverso. Em
primeiro lugar, não houve restrições, o que revela a possibilidade dos entes privados prestarem
assistência à saúde nos distintos níveis de complexidade. Em segundo lugar, qualquer atividade de
saúde, por expressa indicação do artigo 197, possui relevância publica, devendo, portanto, estar
submetida ao controle do Poder Público… “
Ao estabelecer que são ações e serviços de relevância pública, a Constituição elevou a outro
nível a relação entre particulares que acontece num contrato de plano de assistência à saúde, pois
neste caso a autonomia da vontade nos contratos sofre uma limitação ao objeto do contrato, que é
um direito fundamental.
Neste sentido o comentário de Daniela Batalha Trettel, ”Nessa esteira, o constituinte, quanto
às ações e aos serviços de saúde, considerou-os expressamente como de relevância publica (art.
197). Ao fazê-lo, não estabeleceu uma hierarquia valorativa dentre os direito sociais, colocando o
direito à saúde no topo, mas destacou que, mesmo que ações e serviços de saúde sejam praticados
por particulares, não podem nunca fugir ao interesse publico, escapando aos ditames da dignidade
humana e da prevalência do direito à vida”.
No caso, a relação estabelecida num contrato particular de Plano de Saúde está submetida ao
Código de Defesa do Consumidor e suas regras, já que temos um fornecedor e um consumidor
destes serviços.
Para Maria Stella Gregori: “Já no tocante aos sujeitos que figuram na relação de consumo,
pode-se afirmar, com tranqüilidade, que as empresas que prestam serviços de assistência à saúde,
mediante remuneração, são consideradas típicas fornecedoras. Prestam um serviço condicionado a
vento futuro, mediante o recebimento de contraprestação pecuniária. Atuam tais empresas, a rigor,
como intermediárias, gestoras, cuja função é reter os recursos recebidos, reuni-los em um fundo
comum para, quando da ocorrência de um evento, dar-lhe a devida cobertura, seja financeira, seja
assistencial, por meio de rede própria, credenciada ou referenciada. Enquadram-se, com efeito, na
descrição do caput do art. 3º, inserindo-se, dessa forma, em um dos pólos da relação de consumo”.
Ainda, para a mesma autora: “No outro pólo estão os consumidores, seus dependentes ou
agregados, que adquirem ou utilizam esses produtos ou serviços, como destinatários finais,
considerados típicos consumidores, de acordo com o art. 2º, Caput, do CDC, ou consumidores
equiparados, conforme os arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC. Portanto, as relações entre os
consumidores e as empresas que oferecem serviços de assistência à saúde estão amparadas pelo
Código de Defesa do Consumidor.
Ressalta-se que o CDC não é o único instrumento legal que é aplicado nas relações de
assistência privada à saúde, pois o legislador, até mesmo em decorrência do artigo 197 da
Constituição Federal, regulamentou por meio da Lei de Planos de Saúde, Lei 9.656/98.
E mesmo com o advento desta lei específica, já que o CDC é de 1990, a aplicação do CDC
não foi afastada, existindo ainda uma relação de complementariedade entre os dois textos legais.
Claudia Lima Marques entende neste sentido: “Os contratos de planos de assistência à saúde
são contratos de cooperação, regulados pela Lei 9.656/98 e pelo Código de Defesa do Consumidor,
onde a solidariedade deve estar presente, não só enquanto mutualidade (típica dos contratos de
seguros, que já não mais são, ex vi a nova definição legal como “planos”), mas enquanto cooperação
com os consumidores, enquanto divisão paragmática-objetiva e não subjetiva de sinistralidade,
enquanto cooperação para a manutenção dos vínculos e do sistema suplementar de saúde, enquanto
possibilidade de acesso ao sistema e de contratar, enquanto organização do sistema para possibilitar
a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco… “.
Outro fundamento para que os Tribunais tem aplicado o CDC nestes contratos de planos de
assistência à saúde é o fato de que a Lei específica (9.656/98) deixou lacunas, e o regulamento
capaz de trazer equilíbrio na relação é o Código de Defesa do Consumidor.
Vidal Serrano Nunes Junior analisa o seguinte: “Como se vê, a noção de que o direito do
consumidor se presta a colocar arestas ao chamado poder econômico está diretamente enraizado na
Constituição, que, de sua vez, incorporou tal noção de uma leitura da realidade econômica, donde
resulta clara a preestabelecida situação de fragilidade do consumidor”.
Importante neste aspecto o estudo de Vidal Serrano Nunes Junior; “Assim, a proteção frente
ao poder econômico, como franquia do direito ao consumo de alimentos saudáveis, de contratos de
seguro-saúde adequados e de prestação de serviços de educação, conforme as diretrizes e planos
da educação nacional, faz do direito do consumidor, à semelhança do direito do trabalho, depositário
de normas consagradoras de direitos sociais por meio da limitação do poder econômico”.
Desta forma, se não pela própria fundamentalidade do direito à saúde, para justificar a
aplicação da eficácia horizontal e por como sujeito passivo do direito fundamental à saúde as
pessoas jurídicas privadas que formam as empresas de planos de saúde, o Código de Defesa do
Consumidor e seu sentido protetivo e de interesse social, é o instrumento limitador do poder
econômico e que promove a prevalência do direito à saúde como direito fundamental do usuário,
limitando a amplitude da autonomia da vontade nestas espécies de contrato.
O sistema jurídico tem sua base no sistema constitucional, e desta forma, nenhuma norma ou
relação jurídica estabelecida dentro do sistema pode contrariar os valores e princípios estabelecidos
na Constituição.Na modernização das constituições, o chamado (neo)constitucionalismo promove
cada vez mais a valorização da pessoa humana por meio da previsão e concretização dos direitos
fundamentais.
A evolução dos direitos fundamentais foi construída com base na relação indivíduo-Estado,
em razão do intervencionismo estatal e a necessidade de proteger o indivíduo nesta relação, assim, a
eficácia das normas de direitos fundamentais tem aplicação em relação ao Estado, sendo
questionada a aplicação sobre as relações privadas, como é o caso dos planos de assistência à
saúde.
A conclusão que se chega é que a saúde como direito fundamental deve prevalecer sobre a
autonomia da vontade das relações privadas, levando em consideração a análise dos casos
concretos.
Com este objetivo, a teoria da eficácia horizontal é um mecanismo que possibilita a vinculação
dos direitos fundamentais sobre as relações privadas, desta forma, nas relações privadas de
assistência à saúde.