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À IMAGEM E SEMELHANÇA

De Evana Ribeiro
CAPÍTULO 16

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CENA 1 - FLAT DE VALENTINA/VARANDA - INT - DIA
Valentina vai para a varanda, ainda enxugando as lágrimas.
Lucille chega em seguida.
LUCILLE
(a abraça)
Filha! O que aconteceu? Tá chorando
por quê?
VALENTINA
Nada não... É só uma dor de cabeça
muito forte.
LUCILLE
Quer que eu vá pegar um remédio?
VALENTINA
Não, brigada. Eu já vou me deitar.
Se me chamarem, não estou. Pra
ninguém! (sai)
CORTA PARA

CENA 2 - APARTAMENTO DE LEON/SALA - INT - DIA


Leon e Milena continuam estudando. Ele começa a dar sinais
de cansaço e pára de escrever.
MILENA
O que foi?
LEON
Cansei. Vamos dar uma pausa?
MILENA
Mas logo agora que você tava
começando a entender!
LEON
A gente pára só um pouquinho, coisa
de meia hora. Depois continuamos.
MILENA
Tá certo... Vou pegar um lanche pra
gente. (levanta-se e vai para a
cozinha. Um minuto depois, volta
com um prato cheio de biscoitos
recheados, uma garrafa de
refrigerante e dois copos, que
coloca sobre a mesa de centro.)
Nunca vi ninguém gostar tanto de
comer besteiras!
2.

LEON
O negócio é que eu não sei
cozinhar. Se a minha mãe estivesse
aqui, ela não ia deixar eu comer
isso de jeito nenhum. (come um
biscoito) Ela sempre foi muito
preocupada com isso: ’Leon tem que
comer na hora certa; Leon não pode
comer fritura; Leon não pode
beber refrigerante; Leon, cuidado
pra não engordar!’ (sorri)
Os dois comem e bebem olhando um para o outro. O silêncio
dura até se tornar desconcertante.
MILENA
Nossa, sua mãe era realmente muito
preocupada!
LEON
É que quando eu era pequeno, estive
muito doente, fui operado do
coração e tudo mais... Por isso
tanta preocupação. Deixei de fazer
muitas coisas por causa desse
problema do coração.
MILENA
Sei... Você é filho único?
LEON
Não, tenho uma irmã gêmea.
Valentina.
MILENA
E ela também teve problemas de
saúde?
LEON
Não, ela não teve nenhum problema.
(tempo) Ela fez tudo o que eu não
pude fazer: participou das equipes
esportivas do colégio, fez
ginástica de solo, natação,
equitação... E se dava bem em tudo!
A única coisa na qual ela nunca foi
muito boa foi a dança. Papai a
matriculou em aulas de jazz, mas
ela não teve paciência e só
freqüentou duas aulas.
3.

MILENA
Vocês devem ser bem unidos, não é?
Leon fica pensativo.
FADE PARA

CENA 3 - COLÉGIO/QUADRA ESPORTIVA - INT - DIA


Flashback. Acontece um campeonato de natação infanto-jvenil.
Várias crianças cercam a piscina olímpica, gritando, batendo
palmas e segurando bandeiras com o brasão da escola. A
arquibancada também está lotada de pessoas, que gritam o
nome de Valentina, representante do colégio na competição.
Valentina está na frente e mantém a liderança até o fim da
corrida. No fim, toda a torcida levanta, gritando o nome
dela. Valentina sai da piscina, sorrindo vitoriosa, amparada
pela treinadora. Marcelo corre e abraça a filha.
Em um canto quase vazio da arquibancada, Leon assiste a
tudo, calado e com os olhos cheios de lágrimas.
CORTA RÁPIDO PARA

CENA 4 - CASA DA FAM. PRADO/SALA - INT - DIA


Marcelo entra na sala carregando Valentina, ainda com a
roupa de natação, nos braços. Os dois se jogam no sofá,
rindo. Alice entra.
ALICE
(grita)
O sofá! Não molhe o sofá!
Leon entra correndo e passa sem falar com ninguém.
ALICE
O que Leon tem?
MARCELO
Não sei! Ele não falou nada a
viagem inteira!
ALICE
Vou lá falar com ele. (sobe as
escadas correndo)
Corte rápido para o corredor. Leon corre, entra em seu
quarto e bate a porta. Alice chega logo depois.
4.

ALICE
(batendo na porta)
Leon! Abre a porta, é a mamãe!
Filhinho, você tá bem? Fala alguma
coisa, meu amor! Estou preocupada!
Corte rápido para o quarto de Leon. Ele está sentado atrás
da porta, encolhido, chorando, tentando abafar os soluços.
LEON
Por que eu não posso fazer o que
ela faz? (tempo) Eu queria tanto
ser como ela!
FADE PARA

CENA 5 - APARTAMENTO DE LEON/SALA - INT - DIA


Continuação da cena 2.
MILENA
Leon? Tá acordado?
LEON
(como que saindo de um transe)
Oi? O que você tava dizendo mesmo?
MILENA
Perguntei se você e sua irmã são
unidos. Vocês são gêmeos né...
LEON
(desconcertado)
Vamos voltar a estudar? Acho que já
chega de pausa. (ri, sem graça)
MILENA
Tudo bem, como quiser... Vou levar
essas coisas pra cozinha. (sai)
LEON
(suspira, entristecido)
Valentina sempre foi melhor do que
eu em praticamente tudo. Ela sempre
fez tudo! Eu nunca ia conseguir
chegar perto dela...
CORTA PARA
5.

CENA 6 - PRAÇA DO DIÁRIO - EXT - DIA


Jerri está sentado perto de sua carrocinha de CDs, ao lado
da casa lotérica.
Do outro lado da praça, Ana Paula está sozinha, conversando
com um homem. Ela sorri. Jerri a vê de longe e sorri também.
Ele tira o celular do bolso e procura um número na agenda.
Em seguida, leva o aparelho ao ouvido e espera a chamada ser
atendida.
JERRI
A-alô? É da Rádio 103? (tempo) É,
aqui é o Jerri Adriano, do Centro!
(tempo) Eu... Eu quero dedicar uma
música pra Ana Paula, a mulher mais
gata do mundo! (tempo) Ah, valeu!
Tchau! (encerra a chamada)
Jerri guarda o telefone e continua observando Ana Paula, até
que ela sai, junto com o homem que conversava com ela. Dois
adolescentes se aproximam da carrocinha e chamam Jerri. Sobe
Eterna Busca - Seu Jorge.
CORTA PARA

CENA 7 - CASA DE GIULIA/COZINHA - INT - DIA


Giulia e Lila comem sanduíches e bebem café, sentadas uma de
frente para a outra, em silêncio.
GIULIA
Tá acontecendo alguma coisa, Lila?
LILA
Não, por quê?
GIULIA
É que você não falou quase nada o
tempo todo.
LILA
Eu sou assim mesmo.
GIULIA
Mas você parece triste... Dá pra
ver nos olhos.
LILA
(olhando para a xícara de
café)
Adivinha?
6.

GIULIA
Não, só um pouco sensível. (tempo)
Não quer desabafar?
LILA
Desabafar o quê? Pra quê?
GIULIA
Você vai se sentir melhor se falar.
Guardar mágoa não faz bem pra
ninguém.
LILA
(olha para ela)
Eu...
GIULIA
Pode confiar em mim! O que você
disser aqui ninguém mais vai ficar
sabendo. Juro.
LILA
Está bem. Vou começar pelo fim da
história. (tempo) Estou grávida.
Giulia não fala nada.
LILA
(de cabeça baixa)
Fui mandada embora de casa por
causa disso. Só tenho dezessete
anos, engravidei do meu primeiro
namorado. Eu não esperava, ninguém
esperava.
GIULIA
E o seu namorado?
LILA
Não sei. Fiquei com medo de falar
com ele. Alguns amigos dele vieram
me procurar dizendo que ele já
sabia de tudo e não queria mais me
ver. Eu morava só com a minha mãe,
ela disse que me odiava e que não
queria mais me ver, aí me mandou
embora.
GIULIA
E seu pai?
7.

LILA
(chorando)
Não conheço! Nem minha mãe sabe
quem é! (respira fundo) Fiquei
algumas semanas com uma tia, mas
minha mãe descobriu, fez o inferno
e minha tia começou a me olhar
torto. Aí eu tive que sair e vim
parar aqui, com o pouco dinheiro
que consegui juntar.
GIULIA
(para si mesma)
Coitadinha! (pega a mão dela) Não
chore mais. Você tem uma amiga,
aqui, ouviu?
Lila faz sinal afirmativo com a cabeça, ainda soluçando.
CORTA PARA

CENA 8 - BAR SACRIPANTAS - INT - DIA


Luigi varre o bar. Meire entra correndo, com um envelope na
mão.
LUIGI
Pára, Meire! Eu acabei de varrer
aí, vai suujar tudo!
MEIRE
Depois eu ajudo a limpar! Mas antes
tenho que te mostrar a carta que eu
recebi!
LUIGI
De quem?
MEIRE
Marcelinha! (senta junto ao balcão
e tira a carta do envelope) Vem
aqui, larga essa vassoura!
Luigi senta ao lado dela.
MEIRE
(em voz alta)
Querida mamãe, desculpe a demora
para escrever. É que a gente tava
esperando juntar um monte de
novidade pra contar.
CORTA RÁPIDO PARA
8.

CENA 9 - CASA DE JAIRO/QUINTAL - INT - DIA


Marcela está sentada em um caixote, com um caderno no colo,
escrevendo.
MARCELA
(off)
Só que não aconteceu nada muito
importante, então a carta vai ser
bem curtinha mesmo. O pessoal aqui
é bem legal! Só o tio Jairo que tem
cara de ranzinza e não sabe contar
piada, mas é legal mesmo assim.
Adoramos nossa irmã! Ela ensinou a
Flora a subir em árvore e todas as
tardes elas pegam goiaba aqui no
quintal pra fazer doce. Quem faz o
doce é a Aurora, mulher do tio
Jairo e mãe da Cristina. Cristina
quer ser militar, mas tio Jairo não
quer deixar. Já tem umas semanas
que ela viajou pra Recife, foi o
presente de aniversário dela.
Estamos com muitas saudades, porque
ela é muito bacana. Ela dorme no
quarto vizinho do nosso, e eu e
Flora dividimos quarto com Aninha.
A gente só foi à feira uma vez.
Vamos pedir pra ir de novo qualquer
dia desses. A gente se comporta
bem, viu? Por enquanto é só. Beijos
e lembranças a todos. Marcela e
Flora.
Marcela arranca com cuidado a folha de caderno, dobra e
coloca dentro do envelope. Levanta e olha pela janela, para
ver Flora, que continua deitada.
MARCELA
Fulozinha, eu vou lá no correio
mandar carta pra mamãe! Quer que eu
traga alguma coisa pra você?
Flora não responde. Marcela respira fundo, joga o caderno
pela janela e sai correndo.
CORTE RÁPIDO PARA
9.

CENA 10 - BAR SACRIPANTAS - INT - DIA


Continuação da cena 8.
LUIGI
Elas mandaram alguma foto?
MEIRE
Não... Vou pedir pra elas mandarem
na próxima carta. (leva a carta ao
peito) Elas são tão fofas! Se deram
tão bem com o pessoal!
LUIGI
Que bom! (tempo) E você, Meire?
Está bem?
MEIRE
Faz tempo que não bebo nada.
LUIGI
É bom. Pretende encontrá-las lá?
MEIRE
Por enquanto não. Não sei como
Jairo ia reagir se me visse lá de
novo... Acho que ele ficou com
muita raiva do que eu fiz.
Abandonei uma filha recém-nascida e
depois mandei mais duas pra ele
acabar de criar!
LUIGI
De fato... (pega a vassoura) Vai me
ajudar agora?
MEIRE
Vou! Por onde começo?
LUIGI
Deixa o envelope aqui embaixo do
balcão e vai lavar os pratos
enquanto eu termino de varrer o
chão.
Meire entra na cozinha. Luigi começa a varrer o chão.
CORTA PARA
10.

CENA 11 - CASA DE MATEUS/QUARTO - INT - DIA


Mateus olha o movimento da rua, pela janela, muito
aborrecido. Vários jovens passam diante dele: alguns andando
de skate, patins ou bicicleta, outros passam em grupo,
conversando, e outros em companhia de namoradas.
MATEUS
E eu tenho que ficar aqui por causa
de uma promessa ridícula! (bate a
janela violentamente, trincando o
vidro)
CLARICE
(off)
Mateus! O que foi isso?
MATEUS
(grita)
Nada, mãe! Nada! (baixinho) Nunca é
nada. Eu nunca faço nada. Por quê?
Porque você não deixa, mãe. Tudo o
que você quer que eu seja é um
padre. E eu quero muito mais do que
aquela igreja pode oferecer.
(tempo) Eu quero ir embora daqui!
Embora! (levanta) Eu quero e eu
vou.
CORTA PARA

CENA 12 - RUA DA CASA DE JAIRO - EXT - DIA


Marcela chega em casa, com uma sacola cheia de doces,
biscoitos, etc. Quando ela está abrindo o portão, um carro
velho estaciona na frente da casa. Dele saem Talles, um
garoto de aproximadamente 10 anos; e sua mãe, Luciana.
LUCIANA
Ei, menina! Você mora aqui?
MARCELA
(desconfiada)
Moro. Por quê?
LUCIANA
Jairo tá em casa? Eu sou comadre
dele, vim deixar meu filho aqui por
uns dias.
11.

MARCELA
Ah, tá! Só que ele não tá em casa.
Quer entrar e esperar?
LUCIANA
Eu não posso, querida! Vou deixar
Talles aqui e depois ligo pra ele,
viu?
MARCELA
Tudo bem. Meu nome é Marcela, sou
sobrinha do Jairo.
LUCIANA
Sobrinha dele? Você é filha da...
MARCELA
Isso mesmo, filha da Meire, que se
mandou daqui já faz mais de vinte
anos. Ela mesma.
LUCIANA
Não sabia que ela tinha mais
filhas! Bem, tenho que ir. Talles,
fique aí com a Marcela e se
comporte, viu? (beija a testa do
menino) Assim que eu chegar lá eu
ligo. (entra no carro, que sai)
MARCELA
Então... Vamos entrar?
Marcela entra; Talles a segue.
Corta para dentro da casa. Marcela atravessa a sala e vai
para a cozinha. Talles continua atrás dela. Na cozinha, ela
guarda todos os doces no armário, menos um pacote de
biscoitos recheados, que abre e começa a comer.
MARCELA
Quer biscoito?
Talles pega um biscoito e come.
MARCELA
Se quiser mais, pode pegar, viu?
Talles faz sinal afirmativo com a cabeça enquanto come.
MARCELA
Meu filho, você é mudo?
Talles faz sinal negativo.
12.

MARCELA
Então por que não fala?
TALLES
Não falei agora porque tava de boca
cheia.
MARCELA
E antes?
TALLES
Sei lá!
MARCELA
(off)
Que menino estranho! (para Talles)
Já esteve aqui antes?
TALLES
Umas duas vezes ano retrasado. Não
lembro de você!
MARCELA
Eu não morava aqui até um tempinho
atrás. E você?
TALLES
Morava em Caruaru. Mas agora não
sei se vou voltar pra lá. Depende
da minha mãe.
MARCELA
Ela foi pra onde?
TALLES
Pra Recife. Não sei o que ela vai
fazer lá...
MARCELA
Aff, que febre! Tá todo mundo indo
pra Recife, e a gente ficando...
TALLES
Cadê o pessoal daqui?
MARCELA
Então; foi todo mundo pra Recife!
Só ficamos eu, minha irmã Flora e
tio Jairo. O resto do povo tá todo
lá. Ah, você já almoçou?
13.

TALLES
Já.
MARCELA
Então tá. Vamo lá dentro? Vou te
apresentar minha irmã.
Marcela levanta e sai. Talles a segue com o pacote de
biscoitos na mão.
CORTA PARA

CENA 13 - CASA DE JAIRO/SALA - INT - NOITE


Marcela e Talles estão sentados no sofá, assistindo
televisão. Jairo entra e pára na porta, surpreso, ao ver o
menino.
JAIRO
O que é isso?
MARCELA
Isso o quê, tio?
JAIRO
Esse menino!
TALLES
Bênção, padrinho.
JAIRO
Deus te abençoe... Talles? O que
você tá fazendo aqui, menino?
TALLES
Minha mãe me trouxe.
JAIRO
E onde ela tá?
MARCELA
Foi pra Recife...
JAIRO
(nervoso)
E deixou você aqui?
TALLES
Foi!
14.

JAIRO
Ai, meu Deus! O que eu vou
fazer sozinho com três crianças em
casa? E uma delas doente ainda por
cima? (tempo) Por que Aurora não
volta logo?
Marcela e Talles se entreolham.
CORTA PARA

CENA 14 - APARTAMENTO DE ANA PAULA E MILENA - INT - NOITE


Ana Paula está ajoelhada, penteando-se diante de um espelho
que está sobre o sofá. Milena e Leon entram.
ANA PAULA
(sem olhar para eles)
Oi! Por onde você andou, Mi?
MILENA
Tava ajudando o Leon a estudar.
Ana Paula olha para ela, sorrindo maliciosamente.
MILENA
Você ouviu o rádio hoje?
ANA PAULA
Não, por quê?
MILENA
Nada não... é que dedicaram uma
música pra você?
ANA PAULA
(pára de se pentear)
É o quê? Tá brincando!
LEON
Não, é sério! Foi hoje de manhã. Um
tal de... Jerri que mandou, eu
acho...
ANA PAULA
Jerri? (tempo) Jerri?
CORTA RÁPIDO PARA
15.

CENA 15 - PRAÇA DO DIÁRIO - EXT - DIA


O movimento na área é intenso. Milena e Ana Paula descem do
ônibus. Do outro lado da praça, Jerri as vê. Ele tira um
pente e começa a se pentear, olhando-se através de um
espelhinho colado na carrocinha. Ana Paula se aproxima dele,
apressada, enquanto ele está distraído, se olhando no
espelho. Ana Paula bate nele com a bolsa, assustando-o.
JERRI
Ai!
ANA PAULA
E isso é só o começo! (continua
batendo) Quem mandou me expor
dedicando musiquinha romântica pra
mim, hein, hein?
JERRI
Bate, bate mais! Quanto mais você
bate, mais eu me apaixono!
ANA PAULA
(pára de bater)
Nem sei por que é que eu ainda
discuto! Nem sei por que falo com
você! Tenho mais o que fazer,
tchau! (vira as costas e se afasta,
apressada)
Jerri se ajeita no banquinho e coloca um CD de música
romântica pra tocar, em volume altíssimo.
ANA PAULA
(irritada)
Ai, que ódio! (grita) Eu odeio essa
música!
MILENA
Aninha, tu tá muito estressada!
Relaxa! (senta num banco de praça e
puxa Ana Paula para sentar a seu
lado.)
CORTA PARA

CENA 16 - ORFANATO EM LONDRES - INT - DIA


Amanda, Layla e Karen caminham por entre as crianças, que
brincam no pátio.
16.

LAYLA
Você já esteve em algum orfanato
alguma vez, Karen?
KAREN
Não, nunca. Enquanto eu tinha
esperança nos tratamentos para
engravidar, nunca tinha pensado em
adoção.
AMANDA
Você tem alguma preferência?
LAYLA
Preferência? Quem adota não pode
ter preferência diante de tantas
crianças precisando de carinho e
atenção, minha filha.
KAREN
Na verdade eu sempre quis cuidar de
uma criança desde os primeiros
momentos da vida... Tenho guardado
muitas roupinhas de bebê lá em
casa, esperando pelo dia em que
elas serão usadas...
As três continuam andando, dão atenção a algumas crianças
que se aproximam e em seguida entram no casarão.
CORTA PARA

CENA 17 - CASA DE JAIRO/COZINHA - INT - DIA


Marcela corta legumes. Talles entra na cozinha e pára perto
dela.
TALLES
Ei, Marcela, vamo brincar lá fora?
MARCELA
(sem olhar para ele)
Não dá, tô fazendo o almoço...
TALLES
Falta muito?
MARCELA
Um pouquinho.
17.

TALLES
Tá bom então, eu brinco sozinho.
MARCELA
Ei, porque você não tenta tirar a
Flora do quarto?
TALLES
Eu tentei, mas ela disse que só sai
de lá quando a Ana Paula chegar!
Ela tá tão magrinha...
MARCELA
Depois eu vou lá levar comida pra
ela. Aí ou ela come ou ela come!
Talles sai.
Corte para o quintal. Talles senta em um banquinho de
madeira debaixo de uma árvore, pega algumas pedrinhas e
começa a jogá-las no chão. Em seguida as recolhe e recomeça
o ’jogo’, sem tirar os olhos do chão. Joga outras em uma
pequena poça d’água, até que sobra apenas uma (a maior
delas) na sua mão. Ele joga a última pedra na janela do
quarto de Flora, e o vidro quebra.
CORTA PARA

CENA 18 - QUARTO DE FLORA E MARCELA - INT - DIA


Flora está deitada na cama, enrolada em um lençol, de olhos
fechados. O barulho do vidro quebrando a assusta e ela
levanta rapidamente.
FLORA
(baixinho)
O que foi isso? (se estica para
tentar ver se caiu alguma coisa no
chão, depois olha para o vidro
quebrado)
TALLES
(põe a cabeça na janela)
Desculpa, Flora! A pedra bateu na
sua cabeça?
FLORA
Pedra? Que pedra?
TALLES
Eu tô vendo ela daqui. Não se mexe,
eu vou aí pegar. (sai)
18.

CORTA PARA

CENA 19 - FLAT DE VALENTINA/SALA - INT - DIA


Flora brinca sozinha com duas bonecas, simulando diálogo
entre elas. A campainha toca.
ANGELA
(grita)
Vovó! Vovó!
LUCILLE
(correndo)
O que foi, Angela? (ouve a
campainha) Ah, sim, eu vou atender.
(corre para a porta e a abre) Yes?
O entregador passa um grande ramalhete de flores para
Lucille, em seguida sai sem dizer nenhuma palavra. Lucille
fecha a porta e senta no sofá, com as flores no colo.
LUCILLE
(procurando o cartão)
Hum... Rosas vermelhas.
Bonitas! Há quanto tempo não via
um buquê tão bonito! Onde é que tá
esse cartão? (continua procurando
até desistir) É melhor colocar logo
na água antes que murchem. Brinca
direitinho, tá, Angie?
Lucille entra sem esperar resposta da menina.
CORTA PARA

CENA 20 - RUA DA OFICINA MECÂNICA - EXT - DIA


Valentina sai da oficina, ligeiramente aborrecida. Um táxi
pára na sua frente e dele desce Herman.
HERMAN
Valentina, que surpresa você aqui?
Veio ver como está o carro?
VALENTINA
É... Ele só sai amanhã.
HERMAN
Telefonaram dizendo que o meu já
está pronto.
19.

VALENTINA
É, eu vi.
HERMAN
Vou lá dentro e volto logo. Não se
mexa! Vou levar você a sua casa.
VALENTINA
Não...
HERMAN
(a interrompe)
Não recuse, mocinha! Espere aqui,
não demoro.
Herman entra na oficina. Valentina espera encostada na
parede.
CORTA PARA

CENA 21 - RUA DO APART HOTEL - EXT - DIA


O carro de Herman pára na frente do prédio. Valentina desce
primeiro, Herman logo depois.
VALENTINA
E como agradecimento pela carona,
você vai subir para tomar um chá!
HERMAN
(olhando no relógio)
Não está tarde para um chá?
VALENTINA
Se quiser, fica pro jantar! Lucille
é uma cozinheira incrível.
HERMAN
Infelizmente, não posso jantar com
vocês hoje... Vou receber uns
colegas do hospital para jantar em
minha casa hoje. Um outro dia, quem
sabe...
VALENTINA
Vamos subir, então!
Os dois entram no prédio juntos.
CORTA PARA
20.

CENA 22 - FLAT DE VALENTINA/VARANDA - INT - DIA


Valentina, Herman e Lucille tomam chá assistindo ao pôr do
sol.
VALENTINA
A vista daqui é tão bonita! Eu
ainda não tinha parado para
observar.
HERMAN
(olhando para a mesma direção
que ela)
É verdade. E esse horário parece
deixar tudo mais bonito, mais
colorido...
VALENTINA
É muito bonito, mas ao mesmo tempo
dá uma tristeza...
LUCILLE
Ah, não, minha filha! Não invente
de ficar triste logo agora. Ah, eu
ia esquecendo! Vou mostrar o que
chegou hoje à tarde. (sai)
Lucille volta rapidamente, com o grande buquê de rosas
vermelhas.
VALENTINA
Nossa, que buquê bonito! Quem
mandou?
LUCILLE
Esse é o problema... Não tem
cartão! (tempo) Nunca tinha visto
rosas tão bonitas assim. Vermelho
vivo, vermelho sangue!
VALENTINA
São as suas favoritas, não é?
LUCILLE
Sim, sim. Nunca gostei de tons
pastéis.
HERMAN
E você, Valentina? Gosta das rosas
vermelhas?
21.

VALENTINA
Nada contra, mas não são minhas
flores favoritas. Prefiro rosas
cor-de-rosa, ou as violetas.
CORTA PARA

CENA 23 - RUA DO APART HOTEL DE VALENTINA - EXT - NOITE


Michael desce do ônibus, com um buquê de rosas vermelhas.
Caminha em velocidade normal para o prédio onde Valentina
mora.
Corte rápido para o prédio. Herman sai, acompanhado de
Valentina. Os dois têm um diálogo rápido (não audível) em
seguida se abraçam. Herman a beija no rosto.
Corte rápido para Michael. Ele pára imediatamente de andar e
observa a cena.
Corte para Herman, entrando no carro. Valentina acena uma
última vez, sorri e entra no prédio. O carro se afasta.
Corte para Michael, que dá meia volta e se afasta com passos
apressados. Vê um ônibus a certa distância, pára, espera que
ele se aproxime um pouco mais e faz sinal. O ônibus pára e
Michael sobe.
CORTA PARA

CENA 24 - ÔNIBUS - INT - NOITE


Michael está sentado em um lugar do lado da janela. Lágrimas
rolam por seu rosto com expressão indefinida, enquanto ele
arranca as rosas do buquê, uma por uma, as aperta com uma
das mãos e joga pela janela. [música: Dancer in the dark -
Bjork]
Corta para mostrar o rastro de rosas amassadas pela rua.
CORTA PARA

CENA 25 - CASA DE LAYLA/JARDIM - INT - NOITE


A música é a mesma da cena anterior. Michael caminha pelo
jardim, segurando o que restou do buquê - apenas os talos e
espinhos. Ele aperta os talos até que os espinhos penetrem
em sua mão e façam sangrar. Depois os joga longe e grita.
Dentro da casa, Johann, Darren e Amanda param o que estavam
fazendo, assustados com o grito.
22.

CORTA PARA

CENA 26 - CASA DE LAYLA/SALA - INT - NOITE


Michael entra na casa apressado, com a mão direita sangrando
muito. Amanda o vê entrar e se aproxima, preocupada.
AMANDA
Michael! O que aconteceu com a sua
mão?
MICHAEL
Me deixa passar. Eu quero ficar
sozinho.
AMANDA
Mas tem que fazer um curativo aí...
MICHAEL
(grita)
Me deixa sozinho! Eu dou um jeito
nisso depois.
Michael sobe as escadas rapidamente, seguido pelo olhar
assustado de Amanda.
CORTA PARA

CENA 27 - CASA DE LAYLA/CORREDOR - INT - NOITE


Johann está batendo à porta do quarto de Michael.
JOHANN
Michael, open the door! Abre essa
porta, meu filho! Eu quero
conversar com você!
DARREN
Papa, não é melhor deixar para
conversar amanhã? Amanda disse que
ele estava nervoso...
JOHANN
Não, ele não está bêbado! E tem que
fazer um curativo na mão machucada!
(continua batendo) Abre a porta,
Michael! (tempo) Se você não abrir
por bem, eu abrirei à força!
Darren se afasta, assustada. Michael abre a porta, sem dizer
nada. Johann entra.
23.

CORTA PARA

CENA 28 - CASA DE LAYLA/QUARTO DE MICHAEL - INT - NOITE


Johann e Michael ficam parados, um de frente para o outro. O
clima é visivelmente tenso.
MICHAEL
(seco)
Não vai sentar?
JOHANN
Não. O que tenho a dizer é breve.
(tempo) Só quero saber o que
aconteceu com você para estar tão
alterado.
MICHAEL
Nada.
JOHANN
Nada? Então agora é natural chegar
em casa gritando e com uma mão
ferida? É aceitável essa mudança
repentina de comportamento sem
explicação?
MICHAEL
Pai, eu já sou adulto, sei lidar
com os meus problemas!
JOHANN
Sim, vejo que sabe lidar muito bem
com eles. Tanto que está há cinco
anos vivendo como um alcoólatra,
dormindo em um cemitério,
negligenciando a própria filha!
MICHAEL
Eu não negligencio minha filha!
JOHANN
Seu comportamento com relação a ela
mudou um pouco nos últimos tempos.
E se mudou, foi por causa da
Valentina...
MICHAEL
(interrompe, gritando)
Não fala o nome dessa mulher na
minha frente! Eu quero esquecer que
ela existe!
24.

Os dois voltam a ficar em silêncio. O clima está mais tenso


ainda.
JOHANN
Como eu suspeitei. (tempo) Como
todos nós suspeitávamos. Você está
apaixonado por ela.
MICHAEL
Não estou!
JOHANN
Está sim! Não adianta mentir.
MICHAEL
Quem é você para falar dos meus
sentimentos? Eu não tenho razões
para mentir para ninguém, muito
menos para mim mesmo.
JOHANN
Tem, meu filho. Tem sim. Você tem
medo de sofrer, de perder outra
vez. (enquanto ele fala, Michael
chora em silêncio) Você não
cresceu, Michael. Ainda precisa
aprender a lidar com as percas.
(tempo) Você perdeu uma mulher,
daqui a pouco terá perdido a
juventude, a vitalidade, o tempo, a
vida.
MICHAEL
(chorando)
Eu prefiro morrer. A morte deve ser
melhor do que isso que tem aqui
dentro! (tempo) Eu nunca mais quero
me apaixonar outra vez, nunca! Elas
sempre vão embora e eu quero me
poupar disso.
JOHANN
É mais forte que você...
MICHAEL
Me deixa sozinho, pai. Por favor,
me deixa sozinho!
CORTA PARA
25.

CENA 29 - CASA DE LAYLA/CORREDOR - INT - NOITE


Darren está sentada no chão, chorando. Amanda, a seu lado,
tenta consolá-la.
AMANDA
Vai ficar tudo bem...
DARREN
Eu não suporto isso! Não quero mais
ver nosso irmão assim...
As duas se abraçam. Amanda enxuga as lágrimas de Darren.

********** FIM DO CAPÍTULO 16 **********

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