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De Evana Ribeiro
CAPÍTULO 16
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CENA 1 - FLAT DE VALENTINA/VARANDA - INT - DIA
Valentina vai para a varanda, ainda enxugando as lágrimas.
Lucille chega em seguida.
LUCILLE
(a abraça)
Filha! O que aconteceu? Tá chorando
por quê?
VALENTINA
Nada não... É só uma dor de cabeça
muito forte.
LUCILLE
Quer que eu vá pegar um remédio?
VALENTINA
Não, brigada. Eu já vou me deitar.
Se me chamarem, não estou. Pra
ninguém! (sai)
CORTA PARA
LEON
O negócio é que eu não sei
cozinhar. Se a minha mãe estivesse
aqui, ela não ia deixar eu comer
isso de jeito nenhum. (come um
biscoito) Ela sempre foi muito
preocupada com isso: ’Leon tem que
comer na hora certa; Leon não pode
comer fritura; Leon não pode
beber refrigerante; Leon, cuidado
pra não engordar!’ (sorri)
Os dois comem e bebem olhando um para o outro. O silêncio
dura até se tornar desconcertante.
MILENA
Nossa, sua mãe era realmente muito
preocupada!
LEON
É que quando eu era pequeno, estive
muito doente, fui operado do
coração e tudo mais... Por isso
tanta preocupação. Deixei de fazer
muitas coisas por causa desse
problema do coração.
MILENA
Sei... Você é filho único?
LEON
Não, tenho uma irmã gêmea.
Valentina.
MILENA
E ela também teve problemas de
saúde?
LEON
Não, ela não teve nenhum problema.
(tempo) Ela fez tudo o que eu não
pude fazer: participou das equipes
esportivas do colégio, fez
ginástica de solo, natação,
equitação... E se dava bem em tudo!
A única coisa na qual ela nunca foi
muito boa foi a dança. Papai a
matriculou em aulas de jazz, mas
ela não teve paciência e só
freqüentou duas aulas.
3.
MILENA
Vocês devem ser bem unidos, não é?
Leon fica pensativo.
FADE PARA
ALICE
(batendo na porta)
Leon! Abre a porta, é a mamãe!
Filhinho, você tá bem? Fala alguma
coisa, meu amor! Estou preocupada!
Corte rápido para o quarto de Leon. Ele está sentado atrás
da porta, encolhido, chorando, tentando abafar os soluços.
LEON
Por que eu não posso fazer o que
ela faz? (tempo) Eu queria tanto
ser como ela!
FADE PARA
GIULIA
Não, só um pouco sensível. (tempo)
Não quer desabafar?
LILA
Desabafar o quê? Pra quê?
GIULIA
Você vai se sentir melhor se falar.
Guardar mágoa não faz bem pra
ninguém.
LILA
(olha para ela)
Eu...
GIULIA
Pode confiar em mim! O que você
disser aqui ninguém mais vai ficar
sabendo. Juro.
LILA
Está bem. Vou começar pelo fim da
história. (tempo) Estou grávida.
Giulia não fala nada.
LILA
(de cabeça baixa)
Fui mandada embora de casa por
causa disso. Só tenho dezessete
anos, engravidei do meu primeiro
namorado. Eu não esperava, ninguém
esperava.
GIULIA
E o seu namorado?
LILA
Não sei. Fiquei com medo de falar
com ele. Alguns amigos dele vieram
me procurar dizendo que ele já
sabia de tudo e não queria mais me
ver. Eu morava só com a minha mãe,
ela disse que me odiava e que não
queria mais me ver, aí me mandou
embora.
GIULIA
E seu pai?
7.
LILA
(chorando)
Não conheço! Nem minha mãe sabe
quem é! (respira fundo) Fiquei
algumas semanas com uma tia, mas
minha mãe descobriu, fez o inferno
e minha tia começou a me olhar
torto. Aí eu tive que sair e vim
parar aqui, com o pouco dinheiro
que consegui juntar.
GIULIA
(para si mesma)
Coitadinha! (pega a mão dela) Não
chore mais. Você tem uma amiga,
aqui, ouviu?
Lila faz sinal afirmativo com a cabeça, ainda soluçando.
CORTA PARA
MARCELA
Ah, tá! Só que ele não tá em casa.
Quer entrar e esperar?
LUCIANA
Eu não posso, querida! Vou deixar
Talles aqui e depois ligo pra ele,
viu?
MARCELA
Tudo bem. Meu nome é Marcela, sou
sobrinha do Jairo.
LUCIANA
Sobrinha dele? Você é filha da...
MARCELA
Isso mesmo, filha da Meire, que se
mandou daqui já faz mais de vinte
anos. Ela mesma.
LUCIANA
Não sabia que ela tinha mais
filhas! Bem, tenho que ir. Talles,
fique aí com a Marcela e se
comporte, viu? (beija a testa do
menino) Assim que eu chegar lá eu
ligo. (entra no carro, que sai)
MARCELA
Então... Vamos entrar?
Marcela entra; Talles a segue.
Corta para dentro da casa. Marcela atravessa a sala e vai
para a cozinha. Talles continua atrás dela. Na cozinha, ela
guarda todos os doces no armário, menos um pacote de
biscoitos recheados, que abre e começa a comer.
MARCELA
Quer biscoito?
Talles pega um biscoito e come.
MARCELA
Se quiser mais, pode pegar, viu?
Talles faz sinal afirmativo com a cabeça enquanto come.
MARCELA
Meu filho, você é mudo?
Talles faz sinal negativo.
12.
MARCELA
Então por que não fala?
TALLES
Não falei agora porque tava de boca
cheia.
MARCELA
E antes?
TALLES
Sei lá!
MARCELA
(off)
Que menino estranho! (para Talles)
Já esteve aqui antes?
TALLES
Umas duas vezes ano retrasado. Não
lembro de você!
MARCELA
Eu não morava aqui até um tempinho
atrás. E você?
TALLES
Morava em Caruaru. Mas agora não
sei se vou voltar pra lá. Depende
da minha mãe.
MARCELA
Ela foi pra onde?
TALLES
Pra Recife. Não sei o que ela vai
fazer lá...
MARCELA
Aff, que febre! Tá todo mundo indo
pra Recife, e a gente ficando...
TALLES
Cadê o pessoal daqui?
MARCELA
Então; foi todo mundo pra Recife!
Só ficamos eu, minha irmã Flora e
tio Jairo. O resto do povo tá todo
lá. Ah, você já almoçou?
13.
TALLES
Já.
MARCELA
Então tá. Vamo lá dentro? Vou te
apresentar minha irmã.
Marcela levanta e sai. Talles a segue com o pacote de
biscoitos na mão.
CORTA PARA
JAIRO
Ai, meu Deus! O que eu vou
fazer sozinho com três crianças em
casa? E uma delas doente ainda por
cima? (tempo) Por que Aurora não
volta logo?
Marcela e Talles se entreolham.
CORTA PARA
LAYLA
Você já esteve em algum orfanato
alguma vez, Karen?
KAREN
Não, nunca. Enquanto eu tinha
esperança nos tratamentos para
engravidar, nunca tinha pensado em
adoção.
AMANDA
Você tem alguma preferência?
LAYLA
Preferência? Quem adota não pode
ter preferência diante de tantas
crianças precisando de carinho e
atenção, minha filha.
KAREN
Na verdade eu sempre quis cuidar de
uma criança desde os primeiros
momentos da vida... Tenho guardado
muitas roupinhas de bebê lá em
casa, esperando pelo dia em que
elas serão usadas...
As três continuam andando, dão atenção a algumas crianças
que se aproximam e em seguida entram no casarão.
CORTA PARA
TALLES
Tá bom então, eu brinco sozinho.
MARCELA
Ei, porque você não tenta tirar a
Flora do quarto?
TALLES
Eu tentei, mas ela disse que só sai
de lá quando a Ana Paula chegar!
Ela tá tão magrinha...
MARCELA
Depois eu vou lá levar comida pra
ela. Aí ou ela come ou ela come!
Talles sai.
Corte para o quintal. Talles senta em um banquinho de
madeira debaixo de uma árvore, pega algumas pedrinhas e
começa a jogá-las no chão. Em seguida as recolhe e recomeça
o ’jogo’, sem tirar os olhos do chão. Joga outras em uma
pequena poça d’água, até que sobra apenas uma (a maior
delas) na sua mão. Ele joga a última pedra na janela do
quarto de Flora, e o vidro quebra.
CORTA PARA
CORTA PARA
VALENTINA
É, eu vi.
HERMAN
Vou lá dentro e volto logo. Não se
mexa! Vou levar você a sua casa.
VALENTINA
Não...
HERMAN
(a interrompe)
Não recuse, mocinha! Espere aqui,
não demoro.
Herman entra na oficina. Valentina espera encostada na
parede.
CORTA PARA
VALENTINA
Nada contra, mas não são minhas
flores favoritas. Prefiro rosas
cor-de-rosa, ou as violetas.
CORTA PARA
CORTA PARA
CORTA PARA