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Título: O contexto discursivo editorial e o processo de revisão de textos

Autor: Bruno Caçador


Revisão: Bruno Caçador
Capa: Lucas Miranda
Diagramação: Bruno Caçador

Edição do Autor
Copyright© 2018 Bruno Caçador

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer
forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do autor.
Bruno Caçador

O CONTEXTO DISCURSIVO EDITORIAL E


O PROCESSO DE REVISÃO DE TEXTOS

1ª Edição

Mongaguá
Bruno André Bianucci Caçador
2018
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer todos os membros da minha família,
por sempre me apoiarem e me ajudarem em minhas realizações.
Ao Lucas, pela confecção da capa e pela sua atenção.

Agradeço também a minha orientadora, Profa. Dra. Regina


Célia Pagliuchi da Silveira, pela nossa excelência no
desenvolvimento desta pesquisa, apresentada à Banca
Examinadora da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e
Artes (FAFICLA), como Trabalho de Conclusão de Curso, do
curso de Letras, Português e Inglês, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP).
SUMÁRIO

Introdução 10
Fundamentação teórica 15
O contexto discursivo de uma instituição editorial 33
O papel do revisor de textos 47
Critérios de revisão e padronização de textos 53
Considerações finais 79
Referências bibliográficas 82
INTRODUÇÃO
Este trabalho está situado na vertente sociocognitiva da
Análise Crítica do Discurso, que tem van Dijk como seu maior
representante. Temos por tema o processo de revisão de textos
no contexto discursivo de uma instituição editorial.
Entendemos, conforme a vertente sociocognitiva da
Análise Crítica do Discurso, a importância de realizar
analiticamente um discurso a partir de três categorias: cognição,
sociedade e discurso. Estas categorias agrupam um conjunto de
conhecimento e estão de tal forma inter-relacionadas que uma se
define pela outra.
Todas as formas de conhecimento são construídas no e
pelo discurso, a partir de textos. Os discursos podem ser sociais
e públicos, mas também podem ser eventos discursivos
individuais. Sendo o discurso uma prática sociointeracional, os
discursos públicos têm acesso extragrupal de forma a construir
conhecimentos mais gerais que ultrapassam as fronteiras
grupais, tais como os discursos das instituições família, igreja,
escola, Estado e empresa.
Sendo assim, abordamos a sociedade como um
conjunto de grupos sociais, definidos como uma reunião de
pessoas com os mesmos objetivos, interesses e propósitos, o que
determina o ponto de vista para focalizar o mundo. Ao
construirmos representações mentais como forma de
conhecimento social, também determinamos os membros de um
grupo social. Por cada grupo social ter o seu próprio ponto de
vista e as suas próprias cognições sociais, estão em constante
conflito. Como os discursos públicos institucionais têm acesso a
um grande auditório, constrói-se para cada grupo conhecimentos
extragrupais.
Para van Dijk (2012), todos os textos implicam relações
com os seus contextos de produção, tais contextos são: o
cognitivo, o social, o discursivo e o de linguagem. E as relações
entre texto-contexto constroem sentidos na produção discursiva.
Com isso, definimos texto não como um aglomerado de
frases, mas um conjunto de expressões sequenciadas, com uma
unidade temática e uma progressão semântica estruturada em
um gênero textual-discursivo. Logo, todo texto está em diálogo
com outro texto anterior e, portanto, definimos um texto pela
textualização com a sua intertextualização.
A pesquisa realizada pressupõe que o discurso é uma
das práticas sociais definida pela interação sociocomunicativa.
Esta é definida como contexto discursivo que compreende os
participantes, as suas funções e suas ações, variando
dependendo dos gêneros discursivos. Através da descrição do
contexto discursivo de uma instituição editorial caracterizamos o
papel social do revisor de textos em suas funções e ações. Dessa
maneira, essa relação (texto-discurso) caracteriza o trabalho do
revisor no plano da enunciação, a partir dos seus fazeres.
(Moscovici, 2003)
Ao examinar o papel do revisor de texto em uma
editora, abordamos a situação material da produção de textos
dentro de uma cadeia discursiva institucional. Pois o contexto
discursivo de um texto na produção editorial, depois de enviado
pelo autor, caracteriza-o como um produto de uma relação
empresarial (processo de editoração), pela qual se envolve poder
a quem toma decisões, representado pelo dono da empresa e
pelo conselho editorial, designando a ideologia adotada para a
publicação de livros e para a administração da empresa e seus
setores; controle a quem executa os papéis sociais, representado
por revisores e diagramadores com os serviços de editoração; e
acesso (ao produto), representado por impressores e
distribuidores.
O objetivo geral da pesquisa pretende contribuir com os
estudos discursivos do setor editorial no Brasil. Os objetivos
mais específicos são: descrever o contexto social e discursivo de
uma instituição editorial; identificar o papel do revisor entre os
demais papeis representados pelos participantes do contexto
discursivo; e descrever diferentes papéis sociais e suas inter-
relações com o papel do revisor de textos.
Destacamos a importância deste estudo por muitos
autores e compradores de livros desconhecerem o contexto
discursivo editorial, não sendo capazes de situar o papel do
revisor de textos.
Adotamos criticamente as três categorias dos discursos
públicos institucionais de van Dijk (1997): poder, controle e
acesso. A categoria poder agrupa os participantes que têm por
funções tomar decisões, e estas decorrem da ideologia que guia
suas ações. A categoria controle reúne participantes que têm por
função executar as decisões tomadas pelos participantes do
poder, e suas ações são diferenciadas dependendo dos papéis
sociais de cada um de seus participantes. A categoria acesso
agrupa os participantes que têm por função dar acesso ao
público das decisões do poder executadas pelo controle, de
forma a distribuir e a fazer circular o produto discursivo.
O procedimento metodológico deste estudo foi
pesquisa qualitativa de documentos bibliográficos, com revisões
de obras da vertente sociocognitiva da Análise Crítica do
Discurso, tendo como critério de seleção os seguintes termos:
texto, discurso e contexto. Complementamos a revisão com uma
pesquisa bibliográfica relativa à caracterização de cargos e
funções do setor editorial, suportados por textos jurídicos e
editoriais que caracterizam a interação social dos participantes
autor/revisor.
O texto completo está organizado em quatro capítulos:
O capítulo 1 “Fundamentação teórica” apresenta os
fundamentos que orientam a realização da pesquisa, tratando dos
termos texto/contexto, da teoria dos contextos, dos postulados
básicos da análise crítica do discurso na vertente sociocognitiva
e da teoria das representações sociais.
O capítulo 2 “O contexto discursivo editorial”
apresenta os participantes de uma instituição editorial, suas
funções e ações. Apresenta ainda a categorização destes
participantes agrupando suas tarefas no processo de produção de
texto no contexto editorial.
O capítulo 3 “O papel do revisor” apresenta as funções
e ações do revisor de textos e como este papel interage com os
demais participantes discursivos.
Por último, o capítulo 4 “Critérios de revisão e
padronização de textos” apresenta os critérios identificados
pelos participantes do processo de editoração de texto para
controlar as correções marcadas na revisão.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

E
ste capítulo revisa os fundamentos da vertente
sociocognitiva da Análise Crítica do
Discurso, com destaque para o discurso
institucional e suas categorias poder, controle e acesso, para o
papel social dos participantes na organização estrutural do
contexto discursivo de uma editora, e também para uma
resumida descrição da teoria das representações sociais de
Moscovici, pelo fato desse fenômeno analisar os modos de
pensamento sustentados na vida cotidiana e mantidos por longos
períodos. Comprovamos com a fundamentação de Foucault
neste capítulo e, nos seguintes, com Araújo e Magalhães et al.
A Análise Crítica do Discurso realizada pela Escola de
Frankfurt apresenta várias vertentes: a social, a sociocognitiva e
a semiótica social. Embora elas difiram pelos seus objetivos e
métodos analíticos, todas postulam uma dialética entre o social e
o individual. O social guia o individual, e o individual modifica
o social. O discurso visto como uma das práticas sociais imbrica
o produto discursivo texto com os contextos de sua produção.
A seguir, resumimos a teoria dos contextos de van Dijk
(2012), que difere o contexto social do discursivo e de
linguagem. Definimos o contexto social pelos grupos sociais que
compõem a sociedade. Segundo o autor, todas as mudanças
sociais produzem alterações no discurso. Atualmente, com a
Pós-Modernidade, as tecnologias têm provocado mudanças
sociais. No caso da empresa editorial, especificado neste
trabalho, foram sofridas uma série de modificações, não só na
fase de editoração de um livro, mas também na sua impressão e
distribuição.
As funções e ações dos participantes do discurso
designam seus papéis sociais. O que significa que esses
participantes do discurso também definem o contexto
discursivo. Identificamos o contexto de linguagem pelo uso de
uma variedade/variação linguística para a construção do que o
texto traz representado em língua, como produto discursivo.
Dependendo da variedade/variação utilizada na construção dos
sentidos, reconhecemos diversas características do sujeito
enunciativo, assim como descreveremos adiante a ocorrência
das propriedades de um fenômeno local (revisão de textos em
editoras) com termos de alguns aspectos de seu contexto.
Neste estudo, justificamos a noção de contexto
apresentada na obra de van Dijk (2012), por indicar algum
fenômeno, evento, ação ou discurso a ser estudado em relação
com seu ambiente, suas condições e consequências. Segundo o
autor, uma hipótese sociocognitiva da teoria de contexto postula
que “não é a situação social que influencia o discurso (ou é
influenciada por ele) mas a maneira como os participantes
definem essa situação.”1
Portanto, os contextos não são um tipo de resultado ou
condição objetiva de causas diretas, sendo assim construtos
(inter)subjetivos concebidos e atualizados na interação pelos
participantes enquanto membros de grupos sociais e
comunidades. Tal hipótese também abrange a unicidade de cada
texto, sua base comum, e também as representações sociais
compartilhadas pelos participantes.
Em geral, a contextualização é um componente
fundamental de nosso entendimento da conduta humana,
especificamente, da literatura e de outros textos e discursos. Os
contextos são assim chamados porque, etimologicamente, eles
vêm junto com os ‘textos’.2
De acordo com a teoria das memórias (social x
individual), esse conceito teórico de contexto estabelece alguns
pressupostos descritos pelo autor, de que contextos são
definições subjetivas das situações interacionais dos
participantes, ao contrário da sua definição com propriedades
objetivas, apesar de serem dinâmicos e com bases sociais. As
estruturas políticas e sociais experenciadas (vividas como
‘reais’) pelos membros da sociedade influenciam o discurso

1
(Dijk, 2012, p. 11)
2
(Dijk, 2012, p. 21)
somente através das interpretações (inter)subjetivas que os
participantes fazem delas.
Além disso, os contextos não são apenas experiências
únicas, mas também um tipo específico de modelo da
experiência. Em outras palavras, são modelos mentais,
construtos subjetivos explicados em termos de modelos mentais
(modelos de contextos) que representam as propriedades
relevantes do entorno comunicativo na memória episódica
(autobiográfica) e controlam passo a passo os processos da
produção e compreensão do discurso.3
O modelo da experiência representa tanto a própria
pessoa e o entorno dos seres humanos conscientes, como
também controla as ações que eles vão realizando, de modo que
as tornam relevantes na situação corrente. Ao serem modelos
mentais, os contextos consistem em esquemas de categorias
compartilhadas, convencionais e dotadas de uma base cultural,
que facultam uma interpretação rápida dos eventos
comunicativos em curso e, assim, controlam a produção e a
compreensão do discurso. Por isso, muitas vezes, os contextos
são amplamente planejados.
Atribuímos importância a esse conceito de modelo de
contexto devido a suas funções pragmáticas. De acordo com van
Dijk (2012), a função fundamental dos modelos de contexto
3
(Dijk, 2012, p. 35)
garante aos participantes a possibilidade de produzirem textos
ou falas adequados à situação comunicativa presente, e de
compreenderem a adequação dos textos ou falas dos outros, que
adaptam sua interação discursiva aos ‘entornos’ socioculturais e
cognitivos do momento. Por isso, defendemos que os esquemas
de contextos e suas categorias podem variar culturalmente, e
configurar condições de adequação diferentes para o discurso
em sociedades diferentes.
O que van Dijk caracteriza como contexto não são as
próprias situações comunicativas, mas um tipo específico de
modelo mental, isto é, as representações das próprias situações
comunicativas feitas subjetivamente pelos participantes, pelo
fato das situações sociais não influenciarem diretamente a língua
e o discurso, pois tal influência somente é possível pelos
modelos mentais, como explicamos anteriormente. Dessa
maneira, o modelo de contexto define-se enquanto modelo
mental específico, ou como uma interpretação subjetiva das
propriedades relevantes da situação (social, interacional ou
comunicativa) realizada pelos participantes, mas guiada por
conhecimentos sociais.
Essa interface mental representa subjetivamente os
aspectos relevantes da situação comunicativa, é a estrutura
cognitiva que monitora a produção e a compreensão do discurso.
De um lado, o autor evidencia uma noção de contexto inclusiva,
ou seja, que inclui a representação mental da interação em curso.
Por outro lado, difere uma segunda noção de contexto,
exclusiva, um modelo do entorno situacional dessa interação,
excluído o próprio discurso.
Utilizaremos nesta pesquisa uma abordagem de
contexto inclusiva, consideramos tanto o modelo dos entornos
situacionais do(s) discurso(s), quanto o(s) próprio(s) discurso(s)
de uma instituição editorial, ao invés de uma hipótese de
contexto exclusiva, a qual questionaria como os entornos
situacionais influenciam o(s) discurso(s) por modelos mentais.
Muito similar à teoria dos contextos (inclusivo e
exclusivo) de van Dijk (2012), explicitada anteriormente, o
reconhecido cientista social francês Foucault (2011) concorda
especificamente com métodos para análise de discursos, pela
teoria de quatro princípios reguladores:

(...) a noção de acontecimento, a de série, a de


regularidade e a de condição de possibilidade. Vemos
que se opõem termo a termo: o acontecimento à
criação, a série à unidade, a regularidade à
originalidade e a condição de possibilidades à
significação.4

Para cada item, o autor atribui uma nomenclatura,5


como princípio:

4
(Foucault, 2011, p. 54)
5
(Foucault, 2011, p. 51-53)
 de inversão: “tradicionalmente, acreditamos
reconhecer a fonte dos discursos, o princípio de sua
expansão e de sua continuidade, em figuras que parecem
desempenhar um papel positivo, como a do autor, da
disciplina e da vontade de verdade. Mas, ao contrário,
precisaríamos reconhecer o jogo negativo de um recorte e
de uma rarefação do discurso.”
 de descontinuidade: “devemos tratar os
discursos como práticas descontínuas, que ora se cruzam,
ora se ignoram ou se excluem.”
 de especificidade: “concebemos o discurso
como uma violência que fazemos às coisas, uma prática que
lhe impomos em todo o caos e, nesta prática, que
encontramos a noção de regularidade dos acontecimentos
do discurso.”
 de exterioridade: “a partir do próprio discurso,
de sua aparição e de sua regularidade, passamos das suas
condições externas de possibilidade, àquilo que dá lugar à
série aleatória desses acontecimentos e fixa suas fronteiras.”
A mais simples identificação de coerência discursiva,
no sentido de sequência de proposições, consiste nos fatos
(acontecimentos, ações, situações) a que o discurso faz
referência em relação entre si, seja ela de causa, tempo ou
possibilidade. Seguimos adequadamente essa definição com a
sintética ideia de van Dijk (2012), um discurso é coerente se tem
(satisfaz) um modelo mental. Nesse sentido, uma sequência de
sentenças de um texto será coerente se os usuários da língua
forem capazes de construir modelos mentais dos eventos ou
fatos sobre os quais estão falando ou ouvindo, e de relacionar
entre si os eventos ou fatos desses modelos, por exemplo, por
meio de relações de temporalidade ou causalidade.
Defendemos essa teoria sobre os modelos de contexto
de maneira básica e adequada para abordarmos gênero
discursivo, porque muitas propriedades dos diferentes gêneros
discursivos se definem mais em termos contextuais do que em
propriedades verbais do discurso. Assim sendo, o autor afirma:

Em primeiro lugar, entre os jornais, há diferenças que


não dizem respeito a jornais particulares (e sim a
conjunto de jornais) e, em segundo lugar, elas se
referem a um conjunto complexo de propriedades
discursivas, por exemplo, o layout impresso, as fotos, a
estrutura das reportagens de notícias, as manchetes, a
escolha lexical, a escolha dos assuntos e as estruturas
retóricas, entre outras (Jucker, 1922). Essas estruturas
de discursos típicas também variam em função da
estrutura das situações comunicativas, tais como são
definidas pelos modelos de contexto dos participantes.6

Portanto, conforme as pessoas conseguem compreender


um número infinito de sentenças ou discursos, com base numa
gramática e em regras de discurso, analogamente,

6
(Dijk, 2012, p. 160)
compreendemos, em teoria, um número infinito de situações
sociais. O que é ‘comunicativamente relevante’, em tais
situações, são o tipo de informação ajustável ao modelo de
contexto e suas categorias compartilhadas social e
culturalmente.
Compreendemos que tanto os gêneros, quanto os
contextos, os eventos comunicativos ou as práticas sociais
podem ser classificados de muitas maneiras, assim como
podemos fazer com os discursos, por esferas, modos, principais
domínios sociais, instituições ou organizações, papéis e relações
dos participantes, objetivos ou (inter)ações. E mais noções
teóricas podem ser elaboradas para explicitar a teoria do
contexto e de sua inserção social. Com isso, podemos agrupar os
domínios em um campo, no qual se organizam a tomada de
decisão, a ação e o controle coletivos.
Estamos tratando deste estudo para a influência social
complexa, mediante modelos de contexto, para reunirmos
informações importantes ao modelo do contexto editorial e
apresentarmos as suas categoriais sociais (especificamente o
papel representado pelo revisor de textos). Segundo o autor,
essas formas de influência contextual combinadas são feitas de
maneira qualitativa, e não de maneira estatística habitual,
“porque os falantes se representam a si mesmos e a seus
coparticipantes, em termos de várias categorias sociais ao
mesmo tempo – podendo as identificações mudar durante o
texto e a fala.” (Dijk, 2012)
Conforme expusemos anteriormente, também
consideramos que, na relação texto-contexto, concebemos o
discurso como parte do contexto. E, nesse caso, os contextos,
tais como foram definidos (como modelos mentais), são
modelos dos episódios comunicativos, e não apenas do entorno
situacional do discurso. Essas hipóteses que apresentamos
implicam que exatamente como os modelos de contextos
precisam representar as identidades sociais dos falantes e
receptores momentaneamente relevantes, também adquirem
relevância aos conhecimentos associados com essas identidades.
As identidades relevantes são as comunidades epistêmicas que
produzem o conhecimento compartilhado que todos os membros
podem pressupor em seu discurso.
Encerramos a fundamentação de contexto estabelecida
por van Dijk (2012) nesta pesquisa, depois de destacarmos sua
importância devido aos modelos de contextos integrarem tanto
as propriedades sociais e cognitivas dos eventos comunicativos,
como também os papéis dos participantes e suas intenções e
conhecimentos. Conseguimos ressaltar que a teoria dos modelos
de contexto nos permite apresentar a experiência e a consciência
quotidiana do contexto editorial, ao colocar o Eu-mesmo em
várias identidades-por-papel do falante e/ou receptor nesses
modelos. Aplicaremos as bases teóricas relativas às teorias dos
contextos e dos papéis sociais no capítulo 2 para caracterizarmos
o contexto discursivo editorial.

A seguir, contamos com a teoria das representações


sociais de Moscovici (2003) para consolidarmos esta pesquisa
junto com a teoria dos modelos de contextos descrita
anteriormente, pela qual adotamos como foco sobre as
interações humanas que elas são acontecimentos e estão
psicologicamente representadas em cada um dos participantes.
Logo, as representações são sustentadas pelas influências sociais
da comunicação como o principal meio para estabelecermos
associações com as quais nos ligamos uns aos outros, uma forma
característica de conhecimento em nossa era, segundo a
consideração do autor, “um fenômeno, o que era antes
considerado como um conceito”.
Quando exploramos a variação e a diversidade das
ideias coletivas nas sociedades modernas, defendemos que a
diversidade reflete a falta de homogeneidade dentro dessas
sociedades, uma distribuição desigual de poder que resulta em
uma heterogeneidade das representações. Como exemplo, o
autor aponta que, nas sociedades pré-modernas, são as
instituições centralizadas da Igreja e do Estado, do Bispo e do
Rei, que estão no ápice da hierarquia de poder e regulam a
legitimação do conhecimento e das crenças. Inclusive, de fato,
dentro da sociedade feudal, as próprias desigualdades entre
diferentes estratos, dentro dessa hierarquia, foram vistas como
legítimas. Por sua vez, a modernidade caracteriza-se por centros
mais diversos de poder, que exigem autoridade e legitimação, e
regulam o conhecimento e a crença de outro modo. Nesse
sentido, o fenômeno das representações sociais pode ser visto
como a forma com que a vida coletiva se adaptou a condições
descentradas de legitimação.

A legitimação não é mais garantida pela intervenção


divina, mas se torna parte de uma dinâmica social mais
complexa e contestada, em que as representações dos
diferentes grupos na sociedade procuram estabelecer
uma hegemonia.7

Com os novos meios de comunicação de massa,


surgiram novas possibilidades para a circulação das ideias, como
também grupos sociais mais amplos para o processo de
produção psicossocial do conhecimento, devido ao fato dos
diferentes grupos sociais representarem a psicanálise de
diferentes modos e tentarem estruturar diferentes tipos de
comunicação sobre um objeto. Ao mesmo tempo que cada
forma estende sua influência na construção de uma

7
(Moscovici, 2003, p. 17)
representação específica, também reivindica sua própria
legitimação de ideias.

Dentro dessas formas difusas de comunicação que


distinguem a era moderna da pré-moderna e ajudam a
distinguir as representações sociais como a forma de
criação coletiva, distinta das formas autocráticas e
teocráticas da sociedade feudal. As questões de
legitimação e comunicação servem para enfatizar o
sentido da heterogeneidade da vida social.8

A partir dessa teoria, compartilhamos com o autor que


as representações sociais objetivam não apenas uma maneira de
compreender um objeto particular, mas também uma maneira
para o sujeito (indivíduo ou grupo) definir uma função de
identidade, um valor simbólico que as representações
expressam.
Desenvolvemos a ideia apresentada ao afirmarmos que
as representações sociais servem para familiarizar o não
familiar, convencionalizar objetos, pessoas ou acontecimentos
que encontramos, atribuir uma forma definitiva, localizar em
uma determinada categoria e, gradualmente, colocar como
modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo
de pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo
e se sintetizam nele. Tais convenções nos possibilitam conhecer
o que representa o que.

8
(Moscovici, 2003, p. 18)
Devido ao fato das representações serem resultadas da
interação e comunicação e, assim, tomando forma e
configuração específicas a qualquer momento, como
consequência do equilíbrio determinado dos processos da
influência social, como a comunicativa, logo, elas podem ser o
produto da própria comunicação, mas sem a representação, não
haveria comunicação. E, por essa interconexão, podem também
mudar a estabilidade de sua organização e estrutura, dependendo
da consistência e constância de tais padrões de comunicação,
que as mantêm. Nesse sentido, conseguiram uma estabilidade
estrutural pela transformação de uma estrutura anterior, com a
função de estabelecer uma ordem que possibilita às pessoas
orientação e controle em seu mundo material e social; e
comunicação entre os membros de uma comunidade, com um
código para nomear e classificar vários aspectos do seu mundo e
da sua história individual e social, sem ambiguidade.
O autor levanta três hipóteses gerais para justificar a
necessidade das representações sociais: respondem a
determinadas necessidades, a um estado de desequilíbrio e
favorecem a dominação impopular, mas impossível de erradicar,
de uma parte da sociedade sobre outra. Uma pessoa ou um
grupo cria imagens e constrói sentenças para revelar ou ocultar
intenções, sendo tais imagens e sentenças distorções subjetivas
de uma realidade objetiva. Todas as ideologias e concepções de
mundo são meios para solucionar tensões psíquicas ou
emocionais devidas a um fracasso ou a uma falta de integração
social, são compensações imaginárias com a finalidade de
restaurar um grau da estabilidade interna. Os grupos criam
representações para filtrar a informação que provém do meio
ambiente e controlar o comportamento individual, uma espécie
de manipulação do pensamento e da estrutura da realidade.
Criamos representações por dois mecanismos
demonstrados por Moscovici (2003):
1. Ancoragem: significa classificar e dar nome a
alguma coisa, pois o que não está classificado e não possui
nome é estranho, inexistente e, ao mesmo tempo,
ameaçador; transformar algo perturbador, que nos intriga,
em nosso sistema particular de categorias e compará-lo por
um paradigma de alguma categoria que nós pensamos ser
apropriada.
2. Objetivação: significa descobrir a qualidade
icônica de uma ideia, ou ser impreciso; reproduzir um
conceito em uma imagem, unindo a ideia da não
familiaridade com a de realidade, tornando-se a verdadeira
essência da realidade.
Essa teoria das representações exclui a ideia de
pensamento ou percepção que não possua ancoragem, porque
esse mecanismo não é um meio para classificar pessoas ou
objetos considerados como entidades discretas, mas para
facilitar “a interpretação de características, a compreensão de
intenções e motivos subjacentes às ações”, formar opiniões. E,
como toda representação torna real um nível diferente da
realidade, tais níveis são criados e mantidos pela coletividade e,
com ela, se esvaem, por não existirem por si mesmos. Através
de suas próprias representações da realidade, os sujeitos agem
nesses processos e as reformulam, constantemente. Com isso,
“estamos sempre em uma situação de analisar representações de
representações!” (Moscovici, 2003)
Portanto, toda representação social constitui-se como
um processo em que podemos localizar uma origem, sempre
inacabada, que outros fatos e discursos a nutrirão ou
corromperão com ela. Esta teoria analisa todos aqueles modos
de pensamento sustentados na vida cotidiana, que são
historicamente mantidos por longos períodos.

Modos de pensamento aplicados a “objetos”


diretamente socializados, mas que, de maneira
cognitiva e discursiva, as coletividades são
continuamente orientadas a reconstruir nas relações de
sentido aplicadas à realidade e a si mesmas. Daqui
provém o imperativo de fornecer os meios críticos de
tratar esses fenômenos de coesão sociodiscursiva e de
analisar os princípios de coerência que os estruturam
dentro de uma relação interna-externa (esquemas
cognitivos, atitudes e posicionamentos, modelos
culturais e normas).9

Essa hipótese das representações sociais sugere a


composição de elementos cognitivos (ou esquemas estáveis), ao
redor dos quais ordenamos outros elementos cognitivos (ou
esquemas periféricos). Os elementos estáveis exercem uma pré-
eminência sobre o sentido dos elementos periféricos e possuem
uma resistência mais forte às pressões da comunicação e da
mudança do que os periféricos. Mais objetivamente, “os
primeiros expressam a permanência e uniformidade do social,
enquanto os últimos expressam sua variabilidade e diversidade.”
(Moscovici, 2003)
De acordo com essa teoria do autor, o exercício e o
desenvolvimento da cognição humana fundamentam-se em
processos orientados na direção de temas comuns, tomados
como a origem daquilo ao qual nos referimos cada vez, como
conhecimento aceito ou mesmo como ideias primárias. A partir
disso, nossas ideias e representações serão sempre filtradas pelo
discurso de outros, pelas experiências que vivemos e pelas
coletividades às quais pertencemos e, ao tornarmos algo
temático, relevante à consciência do(s) indivíduo(s), também o
tornamos um objeto para ele(s), pertencente a uma realidade
escolhida entre todas as outras possíveis ou anteriores.

9
(Moscovici, 2003, p. 219)
Para finalizar a teoria descrita, concluímos que cada
experiência é somada a uma realidade predeterminada por
convenções, a qual definimos suas fronteiras, distinguimos
mensagens significantes de mensagens não significantes e
ligamos cada parte a um todo, categorizando distintamente cada
pessoa. Com isso, nenhuma mente está livre dos efeitos de
condicionamentos anteriores que lhe são impostos por suas
representações, linguagem ou cultura, pois pensamos através de
uma linguagem, e organizamos nossos pensamentos de acordo
com um sistema condicionado, tanto por nossas representações,
como por nossa cultura.
Nós percebemos apenas o que as convenções
subjacentes nos permitem e permanecemos inconscientes dessas
convenções. Se, por um lado, colocamos um signo convencional
na realidade, e, por outro, prescrevemos pela tradição e
estruturas imemoriais o que nós percebemos e imaginamos, tais
criaturas do pensamento, que são as representações, terminam
por se constituir em um ambiente real, concreto. Podemos
afirmar que quanto mais a origem da representação é esquecida
e sua natureza convencional ignorada, mais fossilizada ela se
torna e, assim, o que era ideal, passa, gradualmente, a ser
materializado; deixa de ser efêmero, mutável e mortal e torna-se,
duradouro, permanente, quase imortal.
O CONTEXTO DISCURSIVO DE UMA INSTITUIÇÃO EDITORIAL
O desejo diz: “Eu não queria ter de entrar nesta ordem
arriscada do discurso; não queria ter de me haver com
o que tem de categórico e decisivo; gostaria que fosse
ao meu redor como uma transparência calma,
profunda, indefinidamente aberta, em que os outros
respondessem à minha expectativa, e de onde
respondessem à minha expectativa, e de onde as
verdades se elevassem, uma a uma; eu não teria senão
de me deixar levar, nela e por ela, como um destroço
feliz”. E a instituição responde: “Você não tem por que
temer começar; estamos todos aí para lhe mostrar que
o discurso está na ordem das leis; que há muito tempo
se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um
lugar que o honra mas o desarma; e que, se lhe ocorre
ter algum poder, é de nós, só de nós, que lhe advém.”10

N
este capítulo apresentamos o contexto
discursivo de uma instituição editorial com
uma abordagem inclusiva, isto é, incluímos
o próprio discurso da empresa editorial ao contexto, assim como
suas relações com os participantes do processo de editoração.
Ilustramos a citação anterior, segundo o princípio de
inversão; de um lado há o discurso do autor expressando o
desejo de publicar sua obra e, por outro, há o contexto
discursivo editorial, nessa estrutura pode-se explorar o produto
(texto), a sua autoria e a sua representação dentro do contexto de
uma linha editorial. Na sociedade, a produção discursiva ao
mesmo tempo que é controlada, selecionada, organizada,

10
(Foucault, 2011, p. 7)
também, é redistribuída por procedimentos (como de exclusão
ou interdição, por exemplo), os quais têm por função “conjurar
seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,
esquivar sua pesada e temível materialidade.” (Foucault, 2011)
O processo editorial envolve o discurso institucional
como parte do contexto discursivo e, com o objetivo de publicar
o texto original recebido de um autor, sobre esse texto serão
realizadas interdições e exclusões, e por meio dessas escolhas
que se firma tanto a “verdade da editora”, isto é, o discurso,
como também o dos seus representantes, das identidades
atuantes na execução de suas funções, o das normas linguísticas,
o da disciplina e do discurso autoral. Ou seja, mostra-se um
poder de domínio discursivo representado pelos papéis dos
participantes no processo de produção de uma obra.

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca


coisa, as interdições que o atingem revelam logo,
rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder, o
discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é
simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo;
(...) não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se
luta, o poder do qual nos queremos apoderar.11

Em sua obra Foucault (2011) determina que essa


vontade de verdade, apoiada sobre um suporte e uma
distribuição institucional, exerce sobre os outros discursos de

11
(Foucault, 2011, p. 10)
nossa sociedade um determinado poder de coerção. Por isso o
discurso do autor representado no material enviado para a
editora também deve ser considerado em todo o processo de
produção da obra final, inclusive a própria atribuição de um
texto a um autor já exerce um domínio discursivo, protegido
juridicamente pelo direito moral do Direito Autoral.
Por uma abordagem jurídica, Manso (1987) afirma que
o Direito Autoral regulamenta relações entre o autor de um obra
intelectual e outras pessoas interessadas em tirar proveito dela.
Uma obra intelectual desperta duas ordens de interesses, em
geral, interesses culturais ou econômicos. E para que uma obra
intelectual seja protegida pelo Direito Autoral, ela precisa ser
original, ter origem na pessoa que a criou. Se uma obra não
atender a essa condição de preencher um vazio intelectual,
independentemente da modalidade de forma de expressão, seu
valor artístico, seu mérito ou sua destinação, ela não terá
proteção autoral. Nessa mesma perspectiva, designamos Direito
Autoral como um:

Conjunto de prerrogativas de ordem patrimonial e de


ordem não patrimonial atribuídas ao autor de obra
intelectual que, de alguma maneira, satisfaça algum
interesse cultural de natureza artística, científica,
didática, religiosa, ou de mero entretenimento; que tais
prerrogativas lhe são conferidas pelo simples fato de
ser o criador daquele bem, independentemente, até, da
existência de leis especiais que as proclamem; que tais
prerrogativas consistem, em suma, num poder de
utilização do seu produto intelectual, cabendo-lhe
decidir se ele deve ou pode ser levado ao conhecimento
do público em geral, ou de um público particular; de
que maneira essa publicação será feita, para que fim
pode dar-se sua publicação, e se a utilização autorizada
deve ou não ser remunerada; ou, enfim, se jamais essa
criatura haverá de ver a luz do dia, permanecendo
inédita, não nascida, ignorada de todos, conservando-
se coisa estritamente pessoal de seu autor.12

De acordo com o mesmo autor, o que caracteriza a


autoria de uma obra intelectual:

É o ato voluntário que dá forma específica a uma ideia


para desenvolver-lhe o conteúdo, de acordo com sua
modalidade de expressão. É autor de uma obra
intelectual aquele que cria, ou seja, aquele que
impregna uma ideia de um determinado conteúdo e lhe
dá uma precisa e particular forma de expressão. Por
isso é que se diz que é criativa a obra que resulta de
uma pessoal atividade daquele que se diz seu autor,
corporificando uma ideia numa especial forma de
expressão. E é por isso que a originalidade, para os
efeitos do Direito Autoral, também consiste na pessoal
atuação do autor, na conformação nova de uma ideia,
mesmo que esta já tenha recebido uma determinada
forma anteriormente (...) É o caso, já anunciado, da
tradução: a obra primígena, por exemplo, escrita em
inglês, recebeu do seu autor uma determinada forma
interna, uma estrutura particular, uma precisa
organização e uma especial composição, que foi
manifestada através de uma linguagem própria, tanto
em relação ao uso da língua inglesa, como em relação
ao estilo empregado; a tradução, ou seja, a obra
derivada, agora escrita em português, mantém a mesma
forma interna, a mesma estrutura original, a mesma
organização e a mesma composição, mas está
transposta para uma outra linguagem, que se apresenta

12
(Manso, 1987, p. 7-8)
em novo estilo e em outra língua. Tanto o autor como o
tradutor são autores de obras originais: o primeiro, por
ser o criador dela; o segundo, por ser o criador de uma
forma externa da mesma obra, que é elaborada com
uma liberdade pessoal contida nos limites da forma
interna da obra primígena.13

Adotamos o conceito foucaultiano de que o princípio


do autor limita sua verdade discursiva pelo jogo de uma
identidade, que tem a forma da individualidade e do eu. Sendo
assim, no que se denomina as “disciplinas”, podemos encontrar
outro princípio de verdade, de limitação discursiva que, no
contexto da produção editorial, com esse mesmo princípio,
construímos o que conhecemos como “linha de publicação
editorial”.
De acordo com as explicações anteriores, podemos
considerar o plano discursivo como uma disputa pelo domínio
da verdade sobre o texto. Ilustramos especificamente essa
questão em um problema de escolha lexical, por exemplo, um
autor pode preferir o uso de determinados termos ao invés de
outros, assim como para determinada disciplina concebe-se um
termo, mas exclui-se outro. Em uma organização editorial,
conferimos ao conselho editorial esse poder discursivo, os
revisores entram em acordo entre outros revisores, com a
instituição editorial e com o autor em aceitar o uso de tais
termos no lugar de outros na revisão de uma obra.
13
(Manso, 1987, p. 34-35)
Portanto, a “verdade mais elevada” reside no que o
discurso diz, por isso ela se deslocou do ato ritualizado, eficaz e
justo, de enunciação, para o próprio enunciado, seu sentido,
forma, objeto e relação com a referência. Nas palavras de
Foucault:14

É sempre possível dizer o verdadeiro no espaço de uma


exterioridade selvagem; mas não nos encontramos no
verdadeiro senão obedecendo às regras de uma
“polícia” discursiva que devemos reativar em cada um
de nossos discursos.

Para ele, a autoria não consiste necessariamente na


criação de algo a partir do nada, como uma obra de ficção, mas
na disposição do conhecimento adquirido, em determinada
ordem de interesse, para um público específico. E, para
participar da cadeia discursiva da produção de textos é
necessário satisfazer certas exigências ou ser qualificado para
fazê-las.
De acordo com a teoria dos modelos de contextos de
van Dijk, apresentada no capítulo 1, ilustramos um gráfico dos
participantes do contexto editorial (Figura 1).

14
(Foucault, 2011, p. 35)
Figura 1 – Os papéis sociais do contexto editorial.

Nem todos os campos discursivos são abertos e


penetráveis; alguns são altamente proibidos (diferenciados e
diferenciantes), enquanto outros parecem abertos, sem restrição
prévia, à disposição de cada sujeito que fala. Assim sendo,
podemos concluir que a instituição editorial pode ser
considerada uma sociedade de discurso, por ter uma forma
parcialmente distinta de funcionar, com um princípio discursivo
de especificidade, por um lado, com a função de conservar ou
produzir discursos, e com um princípio de exterioridade, por
outro lado, para fazê-los circular em um espaço fechado ou
distribuí-los segundo regras estritas, sem que seus detentores
sejam despossuídos devido a essa distribuição.
É bem possível que o ato de escrever tal como está hoje
institucionalizado no livro, no sistema de edição e no
personagem do escritor, tenha lugar em uma
“sociedade de discurso” difusa, talvez, mas certamente
coercitiva.15

Consideramos, assim como Magalhães et al. (1981)


que, na organização de uma sociedade de discurso empresarial
de editoração, o editor é um industrial, assim como os
fabricantes, o dono da livraria é um comerciante, como os
donos, e o livro é um produto. E a qualidade desse produto,
depois de selecionado e planejado, depende muito mais do
conselho editorial, principalmente do processo de produção,
representados pelos papéis sociais do preparador e do revisor de
textos. Pois ao não perceber um erro do texto, a falha ainda é
responsabilidade do autor ou do tradutor, mas se fizer uma
intervenção erroneamente, a responsabilidade pesará ao
preparador/revisor de texto.

Às vezes, uma simples vírgula transforma o sentido (não


só transforma, mas até inverte) de uma mensagem, ou
seja, de uma informação. (...) Lembremos, também, os
casos em que a simples troca de uma letra é capaz de
mudar, adulterar e até inverter o sentido da
informação.16

Já que o livro é um produto, o que seria a editora? É um


sistema de relações, com a finalidade de produzir determinada

15
(Foucault, 2011, p. 40-41)
16
(Magalhães et al., 1981, p. 12-13)
obra, a qual, no plano editorial, não se limita a ser apenas o texto
do autor, porque o texto original é uma potencialidade. Já
sabemos que um livro é muito mais do que um autor, pois
incorpora um trabalho tremendo de uma equipe editorial, e se
torna mais do que apenas um trabalho de materialização. Mas o
trabalho de edição de um livro, para Foucault (2011), consiste
em torná-lo disponível, público, acessível.
Para tanto, planejamos os passos a serem dados pelos
participantes de uma editora, os quais trataremos com mais
detalhes posteriormente:
1. Reunir e organizar o material a ser publicado
(digitando, fotografando ou de outro modo);
2. Providenciar a documentação legal para isto
(ISBN, ISSN ou outra) e catalogação;
3. Organizar (ou diagramar) o livro,
providenciando pelo menos três boas revisões;
4. Providenciar a impressão, montagem e
distribuição nos pontos de venda, com uma boa divulgação
da obra.

Explicamos que não é o próprio editor que imprime,


monta, distribui e divulga os livros, pois existem empresas e
profissionais especializados nessas tarefas, mas é ele que deverá
providenciar que isso aconteça e é dele a responsabilidade de
selecionar, reunir e organizar o material e supervisionar os
trabalhos seguintes sobre o texto. Porque não adianta um livro
ser bem elaborado e muito bem acabado graficamente, se não
for divulgado e disponibilizado ao seu público-alvo. A
impressão e a montagem cabem às gráficas; a distribuição cabe
às livrarias (e distribuidoras), e a divulgação cabe a profissionais
de comunicação, mas nenhum desses setores vai cuidar de um
livro se o editor não tomar as providências necessárias para
tanto, pois eles apenas executam as tarefas que lhes são dadas.
Para a publicação de um livro ou de uma coleção de
livros, providenciamos o ISBN (International Standard Book
Number – número padrão internacional de livro), obtido através
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, para cada edição do
livro, assim para cada uma de suas formas de publicação, seja
uma edição popular ou uma edição de luxo, uma edição
impressa, uma edição virtual ou em CD-ROM, etc. A
catalogação (ou a ficha catalográfica) pode ser feita pelos
Sindicatos de Editores de Livros, pela Câmara Brasileira do
Livro, ou por bibliotecários habilitados, para que o livro possa
ser facilmente localizado em uma biblioteca, por exemplo.
Toda instituição editorial possui uma linha de
publicação, uma seleção de títulos para serem publicados. Esse
critério de escolha cabe ao editor, ciente da proposta
institucional de trabalhar com uma concepção de livro
específica, como obras científicas, literárias, de séries ou
coleção limitadas, de autores estrangeiros, nacionais, com
determinadas propostas em alguma área específica, para tal
público etc. Para se editar a obra escolhida consideramos para o
projeto editorial do livro, a sua acessibilidade, o formato da obra
digital ou o tipo de impressão. Ao conselho editorial cabe o
papel de selecionar as obras a serem publicadas de acordo com a
linha editorial da empresa, definir o projeto de publicação,
realizar o planejamento de produção e publicação, além de
negociar os direitos autorais dos textos.
Apesar das especificidades, o controle do
desenvolvimento editorial do livro é mais ou menos o mesmo e
caracterizam o planejamento editorial: o processo de produção
do livro é dividido em etapas de desenvolvimento, possui um
cronograma de publicação (e comercialização), um projeto
gráfico (a estética de como o livro se apresentará, por exemplo,
tamanho, formato, a arte de diagramação e capa) e um editorial
(proposta da publicação e padrões editoriais, como normalização
de termos textuais utilizados, direitos autorais, etapas de revisão
e tradução), acordados com o autor.
Para o planejamento do projeto editorial, a empresa e
seus representantes revelam a natureza e a concepção de livros,
de autoria e contratação (conforme Lei 9610/98), justificam o
plano editorial da obra, analisam o mercado potencial da editora
e suas características da linha editorial, seu valor cultural/social
e a acessibilidade, prazos e valores comerciais,
concentração/desconcentração geográfica/geopolítica do setor
ou linha editorial, controlam a documentação (direitos autorais,
contrato social da editora, cadastro na Biblioteca Nacional –
ISBN e outros, como alvará de funcionamento, providências
trabalhistas, sindicais etc.) e pagamentos, gestionam a produção
e a comercialização (recursos compatíveis com as estratégias
comerciais e com o posicionamento da empresa no mercado), as
etapas de desenvolvimento e o cronograma da produção,
definem o formato do livro (digital ou impresso) e sua
distribuição/vendas (depósito da editora, acordo de preços,
tiragem, promoções e marketing).
Algumas dessas funções podem ser executadas pelos
representantes do setor administrativo da empresa, outras, mais
próximas do processo de editoração do livro, pelos atuantes do
conselho editorial. Para Magalhães et al. (1981) esse setor pode
ser considerado, indiscutivelmente, o mais importante de todos,
porque a atividade editorial caracteriza a empresa. A
responsabilidade do setor editorial é selecionar as obras que a
empresa publicará, negociar os direitos autorais, proceder a sua
editoração, de acordo com o planejamento e projeto editoriais, e,
finalmente, orientar a produção. “Aos demais setores compete à
prestação de serviços que permitam a plena realização editorial.”
Caracterizamos, de igual importância, o papel do
revisor de textos dentro da cadeia discursiva da instituição
editorial, pois;

Em 90% dos casos os originais apresentados pelos


autores não estão nas condições desejadas para a
editoração, esse texto sofrerá pelo menos alguns
retoques de padronização tipográfica, gráfica e
editorial, de acordo com a natureza da editora ou do
centro de editoração. Mesmo quando linguisticamente o
texto esteja em situação ideal, um preparo prévio,
rápido que seja, tem de ser feito: a normalização da
editora.17

Segundo os mesmos autores, na obra referida


anteriormente, no Brasil, editamos um livro com duas revisões
apenas e, em suas próprias palavras “alguns, se pudessem,
arranjariam um livro sem revisão.” Mas sabemos que todo livro
precisa, pelo menos, de três revisões, “e há os que, efetivamente,
pediriam sete ou oito revisões – e não há nisso nenhum luxo.”
Esse investimento de tempo e trabalho de um revisor
evidentemente encarece o valor do produto final, por isso há
interesse em evitar o processo. “Mas, que é quase um milagre
que um livro com duas revisões seja apresentável, é. Aliás, não
se conhecem ainda livros sem erro tipográfico, mesmo com
várias revisões.”

17
(Magalhães et al., 1981, p. 61)
Encerramos este capítulo considerando que, se o revisor
de texto atua e tem um papel específico na estrutura do contexto
discursivo editorial, logo, sua tarefa no conselho editorial
concentra-se no processo de revisão de textos.
O PAPEL DO REVISOR DE TEXTOS

N
este capítulo resumimos o processo de
produção de um livro, caracterizando todas
suas etapas, e as principais identidades
participantes do processo de editoração, incluindo o revisor de
textos. Para a seleção e análise dos originais e, a partir daí, para
a elaboração do projeto editorial, consideramos, ao lado de
outros fatores, o objeto da publicação, o público a que se destina
e o conteúdo da informação. Assim, torna-se importante a
aplicação de uma doutrina ou política editorial, com a definição
fundamental do conceito do livro e a definição de seu papel.
Essas tarefas normalmente são realizadas pelo editor.
Basicamente, após o texto original ter sido aprovado
pelo parecer da editora ou de um conselho editorial, o texto
ainda seguirá um longo caminho até a sua publicação. A
princípio, se o texto estiver em língua estrangeira, será
necessário pensar em uma tradução ou versão de publicação e
um profissional ideal para essa tarefa e, concomitantemente, o
livro recebe um projeto visual, elaborado por um designer
gráfico, e um projeto gráfico, que atribuirá ao livro um formato
e um tamanho. Logo, os livros que pertencem a uma mesma
coleção deverão obedecer ao mesmo projeto gráfico, apenas as
capas seriam diferentes, mas dentro de um mesmo padrão
editorial.
Após a tradução, o texto segue para a preparação, ou
copidesque (copydesk). Assumimos texto “original” com o
sentido utilizado por Araújo (2008) de qualquer manuscrito ou
texto reproduzido mecânica ou digitalmente entregue como a
redação definitiva do autor. Esse original deve ser submetido ao
trabalho prévio de um preparador de textos para uma
normalização literária, uma revisão ordenada que empreste ao
conjunto uma espécie de coerência integral que dá unidade ao
trabalho, e que contribui ao “fazer entender” do autor. Pode
acontecer de um revisor também realizar as tarefas de
preparação de um texto.
No caso das traduções, essa etapa é realizada na tela de
um computador, geralmente com o programa da Microsoft
(Microsoft Word™), e analisamos comparando o original com a
tradução (o responsável deve ter em mãos o texto original e a
sua tradução), a fim de esclarecermos trechos e dúvidas de
tradução, pesquisarmos e reescrevê-los, se necessário. Evitamos
os “saltos” de tradução (trecho excluído do texto) e verificamos
os parágrafos, porque a estrutura da obra original deve ser
respeitada, tanto a paragrafação, quanto a divisão em capítulos
e/ou partes.
Uma tradução consistente caracteriza um texto fluído
em nossa língua, enquanto um texto negligente é híbrido demais.
Caso o texto original seja da área científica ou artística, a editora
recorre, em geral, a uma revisão técnica devido ao uso de um
vocabulário específico, feita por algum leitor da área com a
finalidade de adequar a terminologia ao público e resolver as
dúvidas do tradutor. Depois disso, o texto é paginado, ou seja,
configurado em páginas de acordo com o projeto gráfico criado
pelo diagramador e, nessa fase, encontramos a primeira prova
em papel do texto. A partir disso, inicia-se a revisão de provas.
Elaboramos um modelo esquemático do processo de
produção de livros no contexto editorial (Figura 2).

Figura 2 – Processo de produção de livros em editoras.


A preparação trabalha com o texto ainda sem forma e
engloba aspectos linguísticos, como acentuação (por exemplo, o
uso de aspas), sintaxe (como eco e repetição) e ortografia
(atualização do acordo ortográfico, palavras estrangeiras ou
erros de grafia), e, também, aspectos formais, como a
padronização de critérios editoriais, por exemplo, o uso de
determinados termos e/ou símbolos (como marca registrada),
laudas, abreviações de determinadas palavras ou destaque de
outras (como estrangeirismos), disposição de marcadores e
títulos. Portanto, cobramos do profissional responsável pela
preparação do texto não só o bom conhecimento da gramática da
língua portuguesa, mas também capacidade de análise, cultura
diversificada, concentração, atenção ao detalhe e disposição para
pesquisa, porque mais do que corrigir os erros, o preparador
deve organizar sentidos do texto, ou ate facilitá-los.
Por isso, normalmente, os limites de intervenção do
profissional (preparador ou revisor) sobre o texto são definidos
com o editor e, sempre que possível, mantemos um canal de
comunicação aberto com o autor. Geralmente, reduzimos o
papel do preparador de texto a um diálogo com o editor, ou com
o autor. Esse profissional interfere no texto com o objetivo de
resolver defeitos orgânicos, de caráter mais variado possível, de
apresentá-lo idealmente normalizado, isto é, de acordo com os
critérios de publicação e em condições suficientes de
compreensão.
Para tanto devemos saber inclusive se o texto é de um
autor vivo ou de um autor morto, de um autor individual ou de
um órgão colegiado. Consultar o autor para saber se as
prováveis alterações do original à normalização não agredirão a
substância da mensagem. Ao prepararmos um texto, buscamos
por uma normalização geral, que confira uma unidade global ao
texto apresentado originalmente por meio de padrões
formadores, conformadores e até informadores do livro.
Para a revisão técnica necessitamos de um profissional
com conhecimento específico na área de publicação da obra,
para sanar eventuais dúvidas surgidas sobre o texto em relação a
sua informação, sejam elas dos revisores ou do autor. Em sua
obra, Magalhães et al. (1981) discorrem sobre a informação
precisa e exata, aquela que transmite a quem a recebe uma
noção, um conhecimento, uma ideia mais precisa, por estar mais
próxima da verdade (não no sentido filosófico da verdade, mas
no sentido comum) e por transmitir a noção mais plausível,
devido a suas características de veracidade, que se faz
cartesianamente aceitável.
Como descrito consideravelmente por Araújo (2008), a
etapa das revisões de texto acontece quando o texto já está
diagramado. Podemos distribuir a revisão, simplismente, em
duas “fases” de provas, para cada obra. Na primeira, realizamos
a leitura por revisores diferentes para se evitar um “vício do
olhar” e procuramos por erros de digitação (“pastéis”), de
ortografia, de sobreposição de letras, de correlação entre
imagens e legendas, padronização de termos e siglas, de
hifenização, quebra de linhas (separação silábica), atualização
do acordo ortográfico e de critérios de padronização, pesos de
títulos, eventuais erros gramaticais e de redação, atualização de
informações no texto (se necessário) e uso de marcas
registradas. Já nas demais revisões, procuramos, principalmente,
conferir as composições das correções solicitadas na primeira
revisão. E, nas revisões finais, não nos atentamos tanto ao texto,
mas mais em seu alinhamento nas páginas, em linhas
incompletas isoladas no início ou fim das páginas (“forca” e
“viúvas”), nos créditos de conteúdos, nomes de autores, suas
autorias e citações, paginação, traduções de nomes próprios,
logo editorial nas páginas, indicação de títulos no índice,
conferência de sumários e cabeçalhos, cores, numerações e
qualidade das imagens (se houver).
CRITÉRIOS DE REVISÃO E PADRONIZAÇÃO DE TEXTOS

D
iferenciamos a obra final da original ao
longo de todo o processo da produção,
desde o projeto editorial contratado até a
sua publicação, porque lidamos com questões discursivas
institucionais, como padrão editorial, acordo ortográfico, normas
linguísticas, direitos autorais, conceito de autoria, ou devido a
questões de estilo, seja do autor ou do público, do gênero textual
ou da área de publicação. Essas questões também alteram o
texto a ser publicado com o nome de uma editora assim como,
reciprocamente, os textos produzidos caracterizam também o
próprio discurso editorial da instituição (missão ou linha
editorial). Mais especificamente, essa relação nos parece
fundamental para compreender esses temas, justifica o trabalho
de revisão de textos, nos permite a enunciação de papéis sociais
e de suas subjetividades.
Alertamos, assim como nos estudos de Araújo (2008),
que o trabalho prévio com textos originais pode ser bastante
complexo de acordo com a multiplicidade com que se
apresentam, tais como critérios ortográficos díspares, sistemas
de notas, de bibliografia, de índices, de citações etc. Assim, cabe
ao editor ou conselho editorial atribuir ao original uma
“normalização harmônica” entre tais sistemas, um critério de
padronização, e que também seja compatível com a mesma
natureza do texto, e suficiente para certas restrições, em
particular quando se trata do texto literário, no qual o autor
realiza fraturas na linguagem e nas normas gramaticais.
De imediato, aceitamos que por mais que o autor
forneça um texto correto em uma perspectiva informativa e
gramatical, dificilmente haverá, a princípio, nesse mesmo texto,
uma unidade de termos, de reduções (abreviaturas, siglas) e
assim por diante. Com isso, concluímos que uma atenção
cuidadosa deve ser exigida para um limite justo no proceder das
alterações no escrito original. Em razão disso, frequentemente,
como ressalta Magalhães et al. (1981), o editor se premune, por
meio de contrato, de que a leitura da última prova seja feita pelo
autor, não podendo este fazer alterações que não constem dos
originais.
Acrescentamos que a revisão sobre o texto também não
pode alterar o estilo do autor, o que convém reconhecer
elementos intrínsecos da forma com que o texto se apresenta, a
própria estrutura das orações, sua concatenação, seu ritmo, sua
fluência e seu efeito. Em relação aos textos didático-científicos,
Araújo (2008) afirma que, o escrito sofre as alterações
necessárias a fim de evitar asperezas, dubiedades, erros ou
simplesmente imperfeições estilísticas menores. Em relação ao
original e suas alterações, as alterações consistem em veicular o
tipo de comunicação mais clara possível ao leitor.

A margem da atuação do editor, no sentido mais amplo,


é proporcional à finalidade intrínseca do texto, de
qualquer texto: a comunicação escrita, a mensagem
visual de cada frase, de cada linha, de cada página.18

Outra consideração importantíssima de Araújo (2008)


para a revisão e padronização dos textos é a do tipo de
mensagem do texto, em 80% dos casos da matéria que se editora
na atualidade, o elemento predominante é aquele que tem como
vocação a univocidade, ao contrário da multivocidade (no caso
da poesia, por exemplo). Por vocação entendemos “a matéria em
que o pensamento que está por baixo das palavras passa a ser
um mero vetor, um mero condutor desse pensamento profundo.”
Corrigimos, a partir disso, sem que a substância da
mensagem seja modificada, a sintaxe do autor, no sentido
gramatical, por erro de concordância, regência, colocação, ou
por erro de pontuação. Tais correções, contudo, objetivam
facilitar a comunicação, pelo simples fato de não carregar
informação nova nesse plano (da mensagem do texto).
Não encontramos jamais um consenso fixo de critérios
genéricos do ideal normalizador, de padronização, pelos motivos
já explicados anteriormente. Mas, ao contrário, distinguem-se

18
(Araújo, 2008, p. 61)
para contribuir ao trabalho, dois tipos de padronização literária:
a da editora, chamada de normalização empírica, a qual os
ingleses denominam ‘manual de estilo’, e a dos chamados
centros de normalização, chamada normalização teórica. Para
cada aspecto escolhemos um critério em cada caso, para cada
original. Além disso, também costumamos, no Brasil, usar
critérios de padronização de textos considerando as normas
estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT). Com a técnica editorial moderna estabelecemos um
código de normas para a apresentação mecânica dos textos,
normas de ‘estilo’ gráfico e tipográfico, regras para a disposição
formal da matéria impressa.
Independentemente das alterações das técnicas editorias
do passado, o texto e o profissional permanecem na grande ou
pequena empresa, trabalhamos com o acerto de informações
desse texto, sua objetividade de comunicação, sua normalização
literária e o programa gráfico com que o apresentáramos ao
público. Ao contrário dos antigos filólogos, contamos que sua
tarefa se subordina à velocidade imposta por altos investimentos
e, sobretudo, à contingência de agir como especialista, cuja área
de atuação, no produto final (o livro), é reduzida, mas não
acanhada, é limitada, mas não desprezível.19

19
(Araújo, 2008, p. 49)
Mais adiante, explicamos os critérios de revisão, neste
capítulo, por dois tipos de classificação, uma para tratarmos de
aspectos linguísticos, relacionados a uma revisão gramatical,
que busquem por alterações de ortografia, pontuação,
acentuação e sintaxe; e outra para abordar aspectos formais,
relacionados a uma revisão tipográfica, na qual procuramos pela
normalização dos critérios editoriais, desde as laudas até o
próprio texto.
Mas, na prática cotidiana, as revisões são divididas de
acordo com as etapas de produção da obra e por sua finalidade.
As revisões mais meticulosas acontecem nas primeiras provas.20
E as marcações das revisões nas provas são feitas quantas vezes
forem necessárias, normalmente representadas por códigos
(sinais convencionais universais), escritos nas margens das
folhas. Observamos as principais dessas marcas do revisor, ou
como as conhecemos “emendas” (Figura 3).21

20
(informação verbal) Curso Preparação e Revisão: o Trabalho com o Texto,
realizado por Ibraíma Dafonte Tavares na Fundação Editora UNESP, pela
Universidade do Livro, de 19 a 22 de fevereiro de 2013.
21
Copiado do livro A Construção do Livro, de Emanuel Araújo.
Figura 3 – Emendas ou marcas de revisão.

Apresentamos um esquema para visualizarmos as


etapas das revisões (Figura 4).

Figura 4 – Etapas das revisões.


A normalização dos sinais da correção é internacional,
e os códigos podem aparecer em duas partes na prova: uma no
próprio texto (remissivas), cujos “sinais codificados indicam
convencionalmente, pela simples forma, a exata correção que se
deve realizar no texto”, e outra à margem (direita ou esquerda)
da prova (comissivas), cujos sinais são explicados por
“esclarecimento textual, abreviado ou por extenso.” (Araújo,
2008)
Conforme observamos nas etapas das revisões,
ilustradas na figura anterior, na primeira prova fazemos a
primeira revisão, na qual apontamos o maior número de erros, e
a tarefa é realizada junto com o texto original. Na segunda
prova, corrigidos os erros da primeira prova, retornamos para a
revisão e verificamos, de preferência ainda em leitura
acompanhada ou então em revisão das emendas, tanto a
correção das emendas solicitadas, quanto novos erros cometidos
pelo compositor ao retomar o texto para produzir tal prova.
Na terceira prova, corrigidos os erros da segunda prova,
enviamos o material para uma revisão técnica, ao autor, com a
finalidade de eventuais alterações, e, novamente, ao corretor,
que procede ao confronto desta com a segunda prova. As etapas,
o número de provas de revisões podem aumentar, conforme a
demanda das correções surgidas.
Por fim, como relatado por Araújo (2008), produzimos
a prova de página, comumente destinada ao supervisor editorial,
ou ao revisor mais experiente e com maiores funções, para
examinar pormenores de ordem técnica, uma revisão final, como
a colocação de capítulos e dos títulos, a abertura de espaços em
branco entre esses e a composição, disposição dos espaços que
delimitam citações longas, notas de rodapé e intertítulos,
sequência de numeração de cadernos e de páginas, e eventuais
inversões de letras, sílabas, palavras, linhas ou parágrafos.
Depois iniciamos o processo de impressão, ao manipularmos a
prova heliográfica, uma prova de impressão e/ou de cor para
controlar a qualidade gráfica e cromática das ilustrações, e deve
ser feita com os mesmos papéis e tintas a serem utilizados no
trabalho final, que será publicado.
Para as revisões de provas realizadas pelos diferentes
revisores participantes do conselho editorial, Araújo (2008)
determinou:
 Revisão acompanhada: procura-se por
discrepâncias entre o texto original e a prova;
 Revisão silenciosa: em casos considerados
duvidosos, procura-se solucionar dúvidas das diferenças
entre a prova e o texto original, assim como aplicar critérios
de normalização;
 Revisão batida: superposição da primeira prova
à segunda, cuidadosamente para levantar as divergências;
 Revisão no vídeo: aplicada ao processo de
composição digital, para verificar as alterações realizadas
nas provas;
 Revisão técnica: revisão silenciosa, no caso de
traduções ou versões, é realizada na terceira prova, ou ainda
diretamente na montagem da arte-final para examinar se foi
respeitada a normalização do original e a corrigir qualquer
defeito na disposição tipográfica.
Concordamos com o autor ao exigir do revisor mais do
que simplesmente o conhecimento da norma padrão, porque
haverá a necessidade de domínio de letramento e dos usos de
língua específicos do gênero no qual o texto é produzido, muita
capacidade de concentração, perícia para distinguir as principais
famílias e fontes de tipos, domínio da maior quantidade possível
dos códigos de revisão, além de razoável cultura geral para não
cometer correções equivocadas, (para correções em
computadores, excelente desenvoltura e performance com as
ferramentas de edições de textos).
Muitos significados (e operações) envolvem a palavra
‘revisão’, mas ela sempre implica uma retomada do trabalho,
quer para acréscimo, corte, remanejamento ou reforma de
conteúdo, seja para a realização de emendas na reprodução
tipográfica desse trabalho ou também em conformidade com o
que estiver disposto nele. A respeito disso, ressaltamos:

O que se entende hoje por ‘revisão’, numa editora, é a


pura e simples revisão tipográfica ou revisão de provas
(a revisão do original, sua normalização ortográfica e
tipográfica ocorrem por conta do editor de texto).22

Tecnicamente, explicamos que a revisão dentro da


editora acaba consistindo em revisões de provas, no acurado
cotejo da primeira revisão sobre o texto original, contratada pelo
editor de textos ou um gerente editorial, com as provas
compostas, ainda sem paginar ou já paginadas, e, por fim, na
revisão tipográfica, na padronização da própria editora, seu
manual de estilo, sem compromisso com o conteúdo do texto.

Aspectos linguísticos

Na revisão das provas, como descrevemos


anteriormente, também procuramos ressaltar a clareza do texto,
tornar sua mensagem mais eficaz. Araújo (2008) classifica tais
correções sob o título de “Usos e abusos contra a clareza” e
exemplifica:

Um caso comum diz respeito ao pronome relativo que;


ele atua na ligação de dois substantivos, aparecendo
um como adjunto do outro. Assim, na frase:

22
(Araújo, 2008, p. 364)
“conhecemos a obra de Machado de Assis, que todos
admiram”, não fica claro se se admira a obra ou o
escritor; o problema se resolve com a substituição da
partícula que por a qual (obra) ou o qual (escritor),
conquanto se perca a leveza da estrutura
subordinada.23

Com essa mesma perspectiva, o autor expõe algumas


correções comuns, tais como quando o sujeito e seu
complemento coincidem em número e pessoa, e a ambiguidade
do sujeito confunde o leitor, ainda mais se o verbo estiver
anteposto ao sujeito (“derrotaram os brasileiros os holandeses”),
ou quando a partícula possessiva da terceira pessoa (seu, sua)
refere-se a qualquer elemento da frase, ou até quando a escolha
do vocabulário para se evitar repetições e ecos, por exemplo, e
frases com períodos muito longos, que tornam o texto mais
denso e causam uma confusão, no mínimo, deselegante.
Para essa questão, explicamos, com os exemplos do
autor, a técnica do período curto: “as palavras formam um
sentido completo quando articuladas numa frase, constituída
basicamente de dois elementos: sujeito e predicado”, e o bom
emprego desses dois termos pertence ao domínio da gramática,
apesar de, mesmo corretos nesse ponto de vista, ainda assim,
podem apresentar séries verbais intensas o que surte um efeito
“desastroso pela vulgaridade do clichê”. Por isso, o preparador

23
(Araújo, 2008, p. 67)
de originais deve ter cautela quanto ao uso abusivo desse
recurso.
Quanto à variação da ortografia de algumas palavras,
definimos ao preparador de originais a tarefa de decidir sobre as
chamadas formas optativas de grafar algumas palavras, mesmo
quando tal variação não conste nos manuais ou não pode ser
resolvida segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,
cujo objetivo era alcançar uma ortografia unificada que envolvia
algumas mudanças simplificadoras, pondo um ponto final na
existência de duas normas divergentes e ambas oficiais: uma no
Brasil e outra nos países restantes de língua portuguesa.
No caso da grafia de nomes próprios, a regra é
facultativa, mesmo se a forma onomástica concordar com
padrões ortográficos desatualizados, seja em uma designação
oficial, num dístico e semelhantes, ainda que a atualização seja o
ideal, mesmo contrariando o registro com que se tornaram
públicos. Já no caso dos antropônimos, os usuários podem grafar
os nomes de origem evidentemente estrangeira.
O uso de letras maiúsculas é definido por convenção,
seguindo a própria sequência visual do escrito, com sentido
específico em certos casos: em início de frase ou depois de
alguns sinais de pontuação, nas classificações científicas, em
muitas abreviaturas e em normas bibliográficas, antropônimos,
topônimos e locativos, regiões, intitulativos, forças armadas,
períodos e episódios históricos, coisas singulares e objetos de
culto ou valia, festividades ou comemorações cívicas, religiosas
e tradicionais e afins. Algumas palavras requerem inicial
maiúscula devido ao próprio sentido, como nos casos a seguir,
citados pelo autor:
 Estado: com o sentido de nação politicamente
organizada ou conjunto de poderes políticos de uma nação;
 República: quando substitui a palavra Brasil ou
quando designa o período histórico;
 União: no sentido de associação dos estados
federativos, poder central;
 Igreja: como instituição ou no sentido de
conjunto de fiéis ligados pelo mesmo credo religioso.

Nos casos das palavras que se referem a cargos e títulos


(mas pode haver exceção de acordo com o manual da editora,
principalmente nas páginas de abertura do livro), intitulativos
gerais, grupos ou movimentos políticos e religiosos, pontos
cardeais que designam direção, limite ou situação geográfica,
documentos públicos, nomes de prédios e unidades político-
administrativas, o mesmo autor defende o uso das iniciais
minúsculas.
Atualmente, para a divisão silábica, além do aspecto da
correção ortográfica, consideramos o aspecto visual para
facilitar a leitura. Portanto, teoricamente, quando possível,
mesmo se houver necessidade de maior ou menor
espacejamento interliteral na página impressa, sugerimos, assim
como o autor, os seguintes princípios:
 É inconveniente separar a primeira sílaba da
palavra no caso de vogal ou ditongo;
 É inconveniente separar a primeira sílaba da
palavra no caso de grupo vocálico no meio da palavra;
 É inconveniente a divisão de palavra composta
(já unida por hífen), porque o ideal está na quebra do
primeiro elemento completo, e nunca antes ou depois;
 Dificulta a leitura a separação de palavras
dissílabas;
 Evita-se aliterações;
 É inadmissível a divisão de qualquer sigla.

No caso da separação silábica feita automaticamente


pelos programas de processamento de texto e de editoração
eletrônica, cabe ao revisor observar se as divisões silábicas
assim feitas estão corretas e se, mesmo corretas, não apresentam
algum inconveniente. Para as correções e nos casos em que o
hífen é colocado manualmente e ocorre uma reformatação do
texto, devemos nos atentar para que ele não apareça fora do
lugar.
Outros itens a serem analisados no texto são as
abreviaturas, as quais são tradicionalmente classificadas de
acordo com a circunstância, mas, em qualquer caso, a forma
siglar sempre deve ser mencionada por extenso na primeira vez
em que aparece no texto, seguida, entre parênteses, da maneira
como foi abreviada. As siglas variam de acordo com o conteúdo
do texto e são utilizadas conforme a frequência de certos
vocábulos. Podem ser definidas como qualquer redução literal
baseada nas iniciais dos vocábulos do intitulativo a que se
referirem, e serem organizadas da seguinte forma: (Araújo,
2008)
 Siglema: quando adota a forma do idioma em
que se originou, utilizando rigidamente as letras iniciais do
intitulativo;
 Sigloide: que é apenas um siglema aparente, no
qual se respeita o princípio de tomar as letras iniciais do
intitulativo, mas com interposição de vogal ou
aproveitamento de mais uma letra para que se forme a
sílaba;
 Siglônimo: formação léxica resultante da
combinação do nome das letras iniciais de uma abreviatura
siglar; nesse caso, segundo o contexto, aceita-se sua grafia
em minúsculas.
As abreviaturas tradicionais são formas de emprego
genérico e constante, em geral, referindo-se a palavras ou
expressões latinas, com raízes na prática manuscritora medieval,
independentemente dos vernáculos. Referem-se a usos sociais,
crononímicos ou profissionais-especializados.24
Podemos concluir, portanto, que o revisor de textos
fundamenta suas alterações em dicionários e manuais de
padronização, de estilo - normalização dos centros de
normalização, que tendem a codificar certas regras para os
usuários da língua na forma escrita - e de atualização do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa, além das próprias normas
gramaticais da língua. Na reprodução dos textos originais o
problema dos erros também pode ser de outra ordem, como
acrescentamos:

A tarefa do digitador assemelha-se à dos copistas da


Antiga e da Idade Média, mudando-se apenas o veículo:
da pena passou-se à tecla e, portanto, do lapsus calami
(lapso da pena) dos copistas manuscritores, passou-se
ao lapsus digiti (lapso do dedo) de tipógrafos e
datilógrafos, hoje digitadores. O preparador de
originais, ao trabalhar sobre um texto digitado com
vistas à impressão, terá de recorrer mais uma vez a
certos postulados da filologia clássica no concernente
aos erros provenientes de apógrafos, reproduzidos
modernamente sobretudo pelos digitadores da
atualidade.25

24
(Araújo, 2008, p. 91)
25
(Araújo, 2008 p 126)
Tanto o erro do digitador ao elaborar a reprodução do
texto original, antes da etapa de preparação de texto, quanto o
dos antigos copistas, pode seguir uma correção de transposição
de textos, de omissão, de inserção, substituição, confusão de
letras e de abreviaturas equivocadas. Embora nem sempre haja
um digitador enquanto um participante do processo de
editoração, outro sujeito do conselho editorial poderia realizar
essa mesma função. Também encontramos outros tipos de erros
ocasionados pelos recursos dos programas de processamento de
texto, por meio de alguns comandos feitos involuntariamente.

Podem provocar a eliminação de parágrafos inteiros,


ou a substituição indevida de fontes, ou a aplicação
equivocada de espaços, entrelinhas etc. São comuns no
caso de originais na forma de arquivo eletrônico, erros
de acionamento equivocado de funções, como
movimentação de texto, desformatação de realces
gráficos, hierarquização do texto etc. Por tudo isso, é
necessária uma atenção redobrada tanto na etapa da
digitação quanto na do cotejo com o original.26

Ao revisarmos as provas da reprodução dos textos,


também lidamos com erros literais ou erros psicolinguísticos,
definidos por Araújo (2008) como a mera troca de letras devido
à apreensão de um grafema em vez de uma letra, interpretando-o
num contexto (de significante homônimos ou homógrafos).

26
(Araújo, 2008, p. 127
Por fim, consideramos que o revisor de textos, na
prática, é um corretor e, por isso, se preocupa principalmente
com o erro. Logo, para uma boa revisão, o revisor de textos
distribui o trabalho sobre um determinado número de provas
sucessivas, nas quais serão procurados por erros ortográficos e
gramaticais, linhas fora do lugar, salto de palavras ou trechos
inteiros, letras defeituosas, alterações involuntárias de fonte e
estilo, defeitos no entrelinhamento ou na “mancha”, de ordem
linguística ou formal.

Aspectos formais
Sucintamente, os princípios normalizadores de uma
editora abrangem muitos elementos do livro, como o papel, as
margens, os parágrafos, linhas, toques, entrelinhas, cabeçalhos
(excesso de subcabeçalhos), realces (itálico), pontuação,
referências (cruzadas), numeração das laudas, páginas de
abertura, títulos, subtítulos, intertítulos, marcadores de tópicos e
outras marcações gráficas. Nesta parte da pesquisa, pretendemos
citar apenas alguns desses aspectos gerais, que serão
apresentados abaixo conforme indicados no estudo de Araújo
(2008), segundo critérios comuns da profissão.
A princípio, jamais um parágrafo deve ser iniciado com
um algarismo, seja arábico ou romano. E os numerais de zero a
nove, dezenas e centenas redondas são escritos com algarismos
arábicos, e por extenso quando não houver nada nas ordens ou
classes inferiores. Acima do milhar, ou aproxima-se o número
fracionário ou desdobra-se em dois termos numéricos. As
frações devem ser indicadas por algarismos, exceto quando
ambos numerais se situam de um a dez. Já as frações decimais
são escritas com algarismos em qualquer caso, e a separação
entre a parte inteira e as decimais é feita com vírgula. Os
numerais ordinais são apresentados por extenso de primeiro a
décimo, porém, os demais se representam de forma numérica.
Para a inscrição de percentagens, utiliza-se o símbolo % junto ao
algarismo.
As datas, de maneira geral, no corpo do texto, são
escritas: o dia em algarismos, o mês por extenso e o ano em
algarismos, ou o mês com algarismo e todos os elementos
separados por barras ou pontos. Porém, quando forem indicados
apenas o mês e o ano, o primeiro se escreve por extenso e o
seguinte em algarismos, e os anos devem ser indicados por todos
os números e não apenas pela dezena final.
Os algarismos romanos são adotados para enumerar
séculos, reis imperadores, papas do mesmo nome, denominações
oficiais de instituições, empresas, conclaves etc., dinastias reais,
paginação de prefácio e nomes de acontecimentos históricos.
Quando houver referência a décadas, devemos explicitá-la com
as palavras décadas ou decênio. Para a referência de quantias,
padronizamos, comumente, escritas por extenso de um a dez e
com algarismos daí em diante; de horários, indicamos em
algarismos com a identificação das frações de tempo sendo feita
com os seus respectivos símbolos.
Os símbolos das unidades de medidas, em geral, por
constituírem braquigrafias fixadas por convenções explícitas
(quase sempre internacionais), com base em símbolos literais ou
algarismos-literais, devem seguir o Sistema Internacional de
Unidades (SI), que substitui o Sistema Métrico Decimal, que foi
aprovado em conferência internacional em 1960. Em 1963, o
Brasil determinou que as unidades legais de medida no Brasil
seriam as do SI (decreto nº 52.423, de 30.8.1963), determinação
que foi ratificada em 1988 pelo Conselho Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. O texto
completo do SI é encontrado no sítio do Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO),
na Internet.27
O realce de textos, seja de citação, palavra ou
expressão, ou qualquer item que se pretenda destacar, se faz
presente nos manuais das editoras. Para esse efeito,
apresentamos determinado realce material que caracterize o
texto selecionado justamente como diferente no corpo da obra,
podendo tal realce se processar, no caso das citações, por
27
(Araújo, 2008, p. 92)
exemplo, com o uso de aspas, pela mudança do corpo
predominante no texto, e por menor espaço entre as linhas ou
margens ou pela combinação de ambas as formas. Essa
recomendação de maior espaçamento da margem esquerda da
página e brancos interlineares no início e no fim do bloco da
citação caracteriza citações que ultrapassam três linhas
completas.

1. Qualquer citação deve estar encerrada entre aspas


duplas (“...”), desde que não ultrapasse três – no
máximo quatro – linhas completas na página impressa;
2. As aspas simples (‘...’) são utilizadas, no caso
acima, para indicar citação no interior de citação
(“...’...’...”);
3. As citações em caracteres não latinos dispensam o
aspeamento;
4. O realce de palavra, de exemplo ou de referência
deve fazer-se através de aspas simples (‘...’), tal como
se emprega no presente livro;
A carga expressiva do vocábulo ou os termos e
expressões estrangeiros são realçados através do grifo
(itálico). 28

Dispensamos a necessidade de abrir e fechar o trecho


citado com as aspas duplas e, dependendo da padronização
adotada na obra, o uso dos brancos pode ou não combinar-se
com a redução do corpo de texto - em geral, um ou dois pontos
tipográficos abaixo do corpo principal. (Araújo, 2008)
Em uma perspectiva do profissional de textos, o autor
nos lembra que não devemos nos preocupar com a fidedignidade
28
(Araújo, 2008, p. 94)
das citações, ou seja, com a correspondência entre o que foi
citado e sua fonte, ou se determinada tradução está correta,
porque essa questão envolve um problema do autor, de sua
honestidade intelectual e, por isso, não cabe ao editor proteger o
autor da desmoralização ou do descrédito científico entre o
público leitor. Por outro lado, costumamos considerar e verificar
em um texto, ainda que não seja a principal tarefa realizada
sobre o material, a correspondência entre as citações e também
suas traduções.
Além disso, sobre a identificação de autoria e citações,
Manso (1987) disserta sobre a obrigatoriedade para todos que
utilizam a obra intelectual de outra pessoa, o que significa dar-
lhe o “crédito” correlativo, mais tecnicamente, denomina-se
“menção da autoria” e equivale ao que os americanos intitulam
como notice of copyright, com efeito principal de expressar uma
reserva de direitos autorais para informar a sua titularidade.
Logo, nem sempre a notícia do copyright quer dizer menção de
autoria, mas será sempre a indicação de quem é titular do direito
de utilização econômica da obra, naquela modalidade em que a
menção é feita.29
Mas, de acordo com o discurso jurídico, no direito
brasileiro, tal menção de titularidade não é obrigatória, apesar de
recomendável, em consequência de nem sempre ser fácil a
29
(Manso, 1987, p. 44-45)
identificação do titular dos direitos autorais para se obter uma
especial autorização de utilização da obra, especialmente em
casos de autores mortos. Essa menção de autoria, a indicação do
nome do autor da obra, segue uma regra do chamado direito
moral do autor, conhecida como “direito à paternidade”.
Para retomarmos o item de normalização das citações,
no caso de textos em versos, seguimos os mesmos princípios,
em nada diferindo dos padrões para uma edição de texto
integralmente poético. No caso da citação em verso ter caráter
episódico, utilizamos o mesmo procedimento de qualquer
citação com menos de três linhas completas: encerramos entre
aspas duplas, dispensando a disposição linha a linha; e, para
importar a pontuação ou a métrica original dos versos, a
representação da quebra de linhas ocorre com o uso da barra
oblíqua (/) no fim de cada verso, e de duas barras (//) para
indicar o final das estrofes.
Quanto aos símbolos e marcadores, o revisor atenta-se
para que estejam normalizados em todo o texto, porque há
vários sistemas de remissivas ligadas às respectivas comissivas,
nas disposições gráficas de asteriscos, adaga ou números
arábicos e/ou romanos, e, no descuido do revisor, elas poderiam
aparecer variavelmente em um mesmo texto. Por não haver um
critério adotado para a utilização de cada um desses símbolos,
nesses casos, exigimos atenção maior ao trabalho de revisão.
No caso dos sistemas de notas, constituímos, de modo
geral, um acréscimo ou aditamento ao texto, apresentado de
acordo com os critérios do autor, de diferentes formatos e
tamanhos. Em alguns casos, o conselho editorial já possui
normalizada determinada combinação dos sistemas de notas à
qual o texto se submete, e o autor se subordina, principalmente,
em séries e coleções, nas quais a normalização editorial deve
exercer-se de maneira mais rígida. Em qualquer caso, também
consideramos a articulação entre as necessidades intrínsecas do
texto, com os seus aditamentos, e a programação gráfica com
que esse conjunto (texto e notas) se apresentará ao leitor na
obra, seja como notas de rodapé, de fim de capítulo, de seção ou
do livro, notas-texto, adendos, apêndices ou nótulas.
Para a bibliografia do livro a ser publicado, o revisor
procura por listas bibliográficas deficientes, com a omissão do
nome da editora, do número de tiragem ou da edição, que são
falhas frequentes e que carecem, ao leitor, no mínimo, um dado
importante para a localização literária e bibliográfica de
determinada obra. Inclusive, tanto o autor quanto o preparador
de originais costumam atentar-se para que, na mesma
publicação, a linha normativa seja única e coerente, ou seja, para
que a apresentação habitual dos elementos essenciais nas
referências bibliográficas seja analisada caso a caso, embora,
comumente, o fio condutor da padronização já esteja definido
pela ABNT (NBR6023:2002 Referências – Elaboração) ou, de
forma mais simples, pelo Estilo Vancouver.
No caso da padronização ABNT, nesse item de
bibliografias, encontramos normalmente abreviaturas
provenientes de palavras ou expressões latinas, por exemplo id.
(idem = do mesmo autor), op. cit. (opus citatum = obra citada),
ib. (ibidem = no mesmo lugar), etc. (e não etc.), i.e. (e não i.e.),
apud (e não apud), e assim por diante, sem realce com itálico,
pois essas abreviaturas e outras expressões se incorporaram ao
domínio comum, segundo a ABNT (NBR 10520:2002, itens
7.1.2 e 7.1.3).
Dentre os elementos necessários para a lista
bibliográfica, incluímos a identificação do autor, a qual
apresentamos na sequência sobrenome-nome, em vez de nome-
sobrenome, o título da obra, por ser o elemento básico pelo qual
se identifica um livro e os demais dados referentes a ela e que a
identifica como tal, como editora pela qual foi publicada, o local
e o ano da publicação. Para organizar as notas bibliográficas,
também se revisa a pontuação e os destaques dos itens presentes
na lista e, além disso, os nomes autorais devem seguir ordem
alfabética, menos quando a remissão bibliográfica se faz por
algarismos arábicos. Ainda assim, o ideal, embora mais
trabalhoso, é seguir os dois sistemas (numérico-alfabético).
Revisando com o Microsoft Word™
Ao trabalharmos com o programa de edição de textos
do pacote Office, o Microsoft Word™, abandonamos as habituais
marcas de revisão, pois as emendas são feitas diretamente no
próprio arquivo, na interface de revisão.
Para ativarmos a revisão da prova no programa,
selecionamos a aba “Revisão” na parte superior, clicamos o
botão “Controlar alterações”, o qual nos permitirá visualizar
todas as alterações marcadas no documento, como também
correções ou textos adicionados como “comentários”. Esta
ferramenta possibilita aceitarmos ou rejeitarmos todas e cada
emenda, e compararmos várias revisões em um único texto,
como indicam as próprias funções disponíveis ao ativarmos a
ferramenta de revisão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término da redação retomamos os objetivos que
nortearam a investigação realizada. Apresentamos este texto
para a conclusão do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do
curso de Letras.
Com a bibliografia existente relativa a estudos
discursivos do setor editorial no Brasil, acreditamos contribuir
com o objetivo geral de abordar o discurso institucional de
editoração a partir das categorias analíticas poder, controle e
acesso, já que muitas publicações existentes relatam de questões
muito técnicas e não se referem a instituição editorial definida
com seus participantes, suas funções e suas ações. Também
atingimos nossos objetivos específicos de descrever o contexto
discursivo editorial e o papel do revisor, e de caracterizar
diferentes papéis sociais e suas inter-relações com o papel do
revisor de texto.
Como já esclarecemos anteriormente, podemos
distribuir o contexto discursivo editorial em três categorias
analíticas (poder, controle e acesso). Os membros do poder
tomam as decisões numa instituição editorial, e são
representados pelo dono da editora e pelo conselho editorial. A
execução das decisões do poder é realizada pelos membros da
categoria controle, eles são os participantes do processo de
editoração do livro, principalmente revisores e diagramadores. A
categoria acesso abrange o conjunto de pessoas que distribuem
os textos ao público fazendo-os circular, como os impressores e
distribuidores.
O revisor de texto deve acompanhar e buscar por
correções em todas as etapas de alterações do produto
discursivo, tanto nas primeiras alterações de revisão, em leitura
silenciosa, quanto naquelas de composição, de correções de uma
prova à outra, em revisões de padronização ou até mesmo na
revisão final do livro.
Indicamos uma breve caracterização de diferentes
papéis, tais como revisor, preparador, tradutor, autor e pesquisa
de mercado. O revisor interage com os seguintes papéis: revisor-
autor e revisor-editor/conselho editorial. E, interativamente, o
revisor se relaciona com o texto revisado a partir da norma
padrão da língua e dos manuais de estilo da instituição editorial.
Finalizamos este texto com uma definição satisfatória
da instituição editorial, uma identificação estruturada do papel
do revisor e de suas relações com os demais papéis sociais de
uma editora. Partimos da ideia principal de que em sociedades
há diferentes práticas sociais, sendo o discurso uma prática
discursiva entre outras, e o discurso editorial um discurso
complexo, no qual estão em interdiscursividade o discurso do
editor, do conselho editorial, do autor e do revisor.
Apesar da contribuição, esta prova científica ainda não
se quer conclusiva, mas possibilita perspectivas para novas
pesquisas que busquem caracterizar, com especificidade, os
discursos enquanto práticas sociais discursivas dos diferentes
participantes da instituição editorial em seus diferentes papéis
sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro: princípios da
técnica de editoração. 2ª edição. São Paulo: UNESP, 2008.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e
discursos – por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo:
Educ, 1999.
DIJK, Teun A. Van. Discurso e contexto. Tradução de Rodolfo
Ilari. São Paulo: Editora Contexto, 2012.
DIJK, Teun A. Van. Racismo y análisis crítico de lós médios.
Buenos Aires: Paidós, 1997.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso: aula inaugural no
Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970 .
Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 21ª edição. São
Paulo: Edições Loyola, Leituras Filosóficas, 2011.
MAGALHÃES, Aloísio; HOUAISS, Antônio; SILVA,
Benedicto e outros. Editoração hoje. Rio de Janeiro: FGV,
1981.
MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é Direito Autoral? São
Paulo: Brasiliense, 1987.
MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais. 4ª Edição.
Petrópolis: Vozes, 2003.
SILVA, José Pereira da. Como se faz a edição de um livro?
Disponível online em:
http://www.filologia.org.br/xvi_cnlf/min_ofic/15.pdf

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