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I. INTRODUÇÃO
II. OS JESUÍTAS
3.2 Instrumentação
V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
I. INTRODUÇÃO
Estes estudos já realizados com relação aos primórdios da integração entre Brasil
e Portugal, ultrapassam as questões musicais e buscam trazer uma nova perspectiva de
reflexão sobre o passado e o presente que ainda carrega marcas (positivas e negativas)
sobre as duas culturas:
Por fim, este trabalho busca, ainda que de forma singela, fazer uma revisão
bibliográfica capaz de sintetizar os principais aspectos da influência jesuítica no Brasil
indígena dos séculos XVI, XVII e XVIII e também, principalmente, colaborar para o
estreitamento das relações musicológicas entre Brasil e Portugal. Nas palavras do
grande compositor e maestro português Fernando Lopes-Graça:
Que fazer para chegar a este desiderato? Que medidas tomar para se
efectivar um necessário e desejado intercâmbio musical luso-
brasileiro? Que soluções tentar? a que portas bater?
II. OS JESUÍTAS
A Companhia de Jesus foi criada pelo Padre Inácio Loyola, em 1534 (apesar de ter
sido oficializada somente em 1540), enquanto estudava em Paris, ele e mais seis
companheiros, inicialmente, fizeram o Voto de Montmartre “através do qual
professavam pobreza e castidade, e decidiram peregrinar até Jerusalém, onde passariam
suas vidas a ajudar as almas; se o plano não tivesse sucesso, iriam a Roma e ofereceriam
seus serviços ao Papa [...]” (HOLLER, 2006a, p. 34). Nascido em 1491, em Guipuzcoa,
Nordeste da Espanha, o Padre Loyola refletiu no decorrer de sua vida “os ideais dos
jesuítas: o altruísmo, o ideal de catequização e a dedicação ao estudo e à erudição.”
(HOLLER, 2006a, p. 32), mas, nem sempre Loyola esteve a serviço da religião, em
1521 foi atingido por uma explosão de bala de canhão enquanto servia ao exército
espanhol em guerra com a França. Durante sua recuperação, no Castelo de Loyola, o
futuro Padre dedicou-se às leituras relacionadas aos Santos e foi então, no monastério
beneditino de Montserrat (Catalunha), que Loyola trocou a espada pelo bastão e
prometeu enfim peregrinar para a Terra Santa (ALMEIDA, 2010, p. 29).
Uma das principais características do fundador que também foi base para a
formação religiosa e educacional jesuítica, foi o apreço pelos estudos. Loyola acreditava
que o conhecimento era uma das mais importantes ferramentas da vida cristã, por isso a
educação jesuítica, por meio dos Colégios em Portugal e no Brasil, aliou os princípios
filosóficos às bases cristãs, oferecendo uma educação essencialmente humanista e, mais
especificamente aristotélica (ALMEIDA, 2010, p. 42).
O principal objetivo da Companhia de Jesus era garantir a salvação dos gentios, para
isto os jesuítas utilizavam-se principalmente da catequização e do ensino da Língua
portuguesa. Mas, este objetivo, que vingou efetivamente e de forma mais pacífica até o
fim do século XVI, também carregava consigo outros interesses na exploração indígena,
não só dos padres como também da Coroa Portuguesa, dentre eles “a coleta de
especiarias não cultivadas que cresciam nas matas, a condução de canoas em expedições
e, sobretudo, a atuação como guerreiros, tanto contra inimigos indígenas quanto
europeus” (HOLLER, 2006a, p.38).
Além disso, atrelada aos ideais católicos, estava atribuída aos jesuítas a missão de
“civilização” dos indígenas, ou seja, o combate aos costumes “não europeus” que
envolveu todo um processo de aculturação. No início, muito deste processo foi movido
pela curiosidade dos índios, afinal, aquilo que os portugueses traziam consigo, desde os
objetos aos costumes, configurava-se como uma novidade estranha, mas, ao mesmo
tempo, encantadora. Apesar deste começo, como é claro, a aceitação da religião católica
por parte dos índios não foi tranquila, eles insistiam em manter os valores de sua cultura
(quando isso era possível) e quando não conseguiam fugiam. Muito da imposição física
foi utilizada e psicológica também, o medo do inferno e a promessa de salvação eterna
foram armas fortes na catequização (PAIVA, 2000). Como sintetiza José Maria de Paiva
(2000, p. 18):
Os Jesuítas foram expulsos em 1759 devido à Lei decretada por Marquês de Pombal
em 3 de setembro. Dentre as várias possíveis causas, que aqui logo serão apresentadas,
uma pode ser particularmente curiosa: alguns estudiosos afirmam que haveria uma
questão pessoal entre Marquês de Pombal e os jesuítas, segundo as concepções de
Assunção (2004) e Cavalcanti Filho (1990) apresentadas por Holler (2006, p. 66):
Como já dito, no início a música foi proibida com a ideia de que ela poderia
desviar a atenção dos padres daquilo que deveria ser o objetivo principal da Companhia:
catequizar os índios. Após a morte do fundador, Loyola, em 1556, a utilização da
música ficou mais a critério particular de cada padre responsável por determinado
colégio, apesar de ainda haver restrições:
A utilização, ou não, da música foi ainda motivo de polêmica por outros fatores,
que logo serão abordados, mas é importante ressaltar que “logo após a chegada no
Brasil, os padres jesuítas perceberam no uso do canto e de instrumentos uma ferramenta
eficiente na conversão de indígenas” (HOLLER, 2005,p.1133), e assim, com apenas 12
dias de vivência na nova terra, os padres já traduziam as principais orações católicas
para o Tupi (CASTAGNA, 2010, p.9).
O Padre José de Anchieta também muito contribuiu para este processo, uma vez
que traduziu muitas músicas para a língua indígena, estendendo sua atuação para a
dança e para o teatro (que nem sempre eram bem vistos para autoridades católicas). A
síntese promovida pelo padre foi intensa e muito significativa, utilizando de elementos
da mitologia tupi, dançando e cantando “à moda” dos índios e compondo a partir de
uma de suas técnicas preferidas que “envolve a utilização de romances, vilancicos e
cantigas populares como base para a construção de novas versões em caráter religioso”
(BUBASZ, 1996, p. 73). Um exemplo interessante, exposto na dissertação de Budasz
intitulada “O cancioneiro Ibérico em José de Anchieta – um enfoque musicológico”
(1996) é o da canção “Venid a suspirar” (Cancioneiro de Belém) que foi comparada
com a versão de Anchieta nomeada “Venid a suspirar com Iesú amado”:
Porém, o Padre Manuel da Nóbrega (um dos líderes dos jesuítas em território brasileiro)
argumentou defendendo os interesses reais da Companhia:
Outra estratégia para facilitar o contato com os índios de outras tribos era levar para
estas regiões índios-músicos, como percebemos no relato do Padre Manuel Gomes:
Em 1553, é fundada a primeira escola de música, em São Vicente, mas ainda era
nos Colégios que ocorria a formação musical de forma mais específica, estudo da
leitura, canto, instrumentos, música polifônica, etc. (ALMEIDA, 2010, p. 191).
Portanto, como já muito foi apontado neste estudo, a educação se configurou como
aliada de processo de catequização mas também, e principalmente, como arma da
aculturação.
3.2 INSTRUMENTAÇÃO1
1
Todas as informações referentes à instrumentação da época foram retiradas especificamente dos três trabalhos
de Marcos Holler que datam 2006a, 2006b, e 2011b.
tornando-se cada vez mais escassos no século XVIII, e com a expulsão dos jesuítas, em
1759, perderam-se muitos vestígios de sua atuação musical como já foi discutido neste
trabalho.
Dentre os instrumentos de sopro podemos citar primeiramente as flautas, afinal
este foi o instrumento mais utilizado pelos jesuítas no início do processo de
catequização (do século XVI até início do século XVII), muito graças à facilidade para
sua construção e execução e também por ser um instrumento comum entre portugueses
e indígenas. As charamelas surgem nos relatos somente a partir do século XVII, e
poderiam se referir também aos instrumentos de metal:
"[Os índios] têm para isso suas gaitas e tamboris; pois ainda que não
têm ferro, lá têm habilidade de fabricarem as gaitas de algumas
canas, ou cipós ocos, ou que facilmente largam o âmago; e os
tamboris de paus ocos, ou se é necessário os ajustam com fogo. Uma
das suas gaitas muito usada é uma como flauta, a que podemos
chamar o pau que ronca, com três buracos, dois na parte superior e
um na inferior; e ordinariamente o mesmo, que a toca, bate com a
outra mão no tamboril. E não há dúvida que alguns o fazem com
perfeição, e com suave e doce melodia, ajustando as pancadas do
tamboril ao som da flauta, bailando juntamente compassados, de
modo que podem competir com os mais destros galegos e finos
gaiteiros. Nem é necessário que alguém os ajude; porque o mesmo
com a mão esquerda e dedos, sustenta, toca e floreia na gaita;
debaixo do braço pendurado o tamboril, e com a mão direita o vai
batendo e tocando. (Rel.JoDan, 1776, t. 1, p. 205 apud HOLLER,
2006, p. 93)
Por fim, os teclados: com relação aos cravos, as referências são muitas durante o
século XVI, porém nos séculos XVII e XVIII os relatos tornam-se mais escassos, neste
último não houve nenhum cravo mencionado nos inventários. Era tocado, na maioria
das vezes, por estudantes e meninos índios durante as missas. O órgão, assim como o
cravo, aparece várias vezes durante o século XVI, no século XVII há somente um
registo, porém, no século XVIII aparecem novamente nos inventários. Estes estavam
presentes nos colégios jesuíticos, nas igrejas e também em algumas aldeias, os próprios
índios eram aprendizes do instrumento. Um termo importante para considerarmos é o
“canto de órgão” que nada tem a ver com o instrumento propriamente dito, mas se
refere à música polifônica:.
É necessário pensarmos em até que ponto esta fusão foi positiva, se é que foi, e a
partir de qual momento tornou-se um etnocídio, no sentido de “esmagar” valores
culturais em detrimentos de outros ditos superiores. O objetivo desde pequeno trabalho
não é oferecer nenhuma conclusão neste sentido, mas partilhar de algumas ferramentas,
ainda que poucas, para fazer-nos refletir na história e no passado cultural e musical de
ambos os países estabelecendo relações com o presente. É verdade que atualmente, os
índios brasileiros ainda sofrem não só a opressão cultural como também física, os
diversos assassinatos devido à luta pela preservação de sua terra contra os grandes
agricultores e “novos” exploradores, o conhecimento e a valorização de sua cultura por
parte da população brasileira, assim como o direito de inserção na sociedade moderna,
como, por exemplo, na própria universidade.
Portanto, o que podemos depreender deste estudo é que apesar de tratar dos
primórdios do encontro entre Brasil e Portugal, os estudos musicais que investigam as
relações entre estes devem se fazer cada vez mais presentes na musicologia. É preciso
reconhecer que através da história da música (e cultura) brasileira, Portugal se conhece
melhor e de forma mais completa, e assim também o contrário. A busca por esse
conhecimento não deve ser só pela riqueza particular que cada um apresenta, mas pelo
tesouro conjunto que se constrói nas pontes históricas entre os dois países e para maior,
e melhor, compreensão dos aspectos musicais que se desenvolveram pelo processo de
hibridização cultural. Finalizando com as palavras do musicólogo Paulo Castagna
(1994, p.11):