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Estado da Educação: menos chumbos,

menos desistências, menos professores


Menos retenções, mais dificuldades nos anos de transição de ciclo, um corpo
docente envelhecido, mais alunos no Ensino Superior. Estes são alguns dos dados do
relatório “Estado da Educação 2017”, do Conselho Nacional de Educação (CNE)
que defende menos ciclos no Ensino Básico e uma avaliação e revisão sistemáticas
dos programas de todas as disciplinas.
Sara R. Oliveira
21-11-2018


Repensar a organização do Ensino Básico, dividido atualmente em três ciclos, eventualmente acabando com o
2.º, é um dos alertas que sobressai do relatório “Estado da Educação 2017”, divulgado esta quarta-feira pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE). As taxas de retenção e desistência têm vindo a diminuir nos últimos
anos, atingindo o valor mais baixo da última década, em todos os três ciclos de ensino, no ano letivo anterior.
É nos anos de transição de ciclo que os alunos têm mais dificuldades e acabam por ficar retidos. As escolas
têm menos professores, e mais envelhecidos, e menos funcionários.  

“O 2.º ciclo é uma originalidade portuguesa. Só nós é que temos aqueles dois anos [5.º e 6.º], que é um ano
para entrar e um ano para sair e já se viu que não é uma boa prática”, refere, em declarações à Lusa, Maria
Emília Brederode Santos, presidente do CNE. “Valia a pena tentar encontrar outras formas de organizar o
sistema que não criassem tantas transições, que acabam por provocar, como se percebe pelos resultados, mais
dificuldades na aprendizagem dos alunos”, acrescentou. Não há soluções apontadas, mas a possibilidade de os
nove anos do Ensino Básico serem divididos em dois ciclos começa a fazer sentido.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, concorda
com o debate em torno do 2.º ciclo. Na sua perspetiva, deveriam existir dois ciclos de ensino, um do 1.º ao 6.º
ano e outro do 7.º ao 12.º. “Na associação, já falámos e ponderámos sobre a necessidade de existir um ciclo
que é um ciclo perdido. O que propúnhamos, pelo menos para debate, é que existissem dois ciclos de ensino:
um que fosse do 1.º ao 6.º e o outro mais avançado do 7.º ao 12.º, até porque também o ciclo do secundário
(10.º ao 12.º) é um ciclo perdido, que não tem identidade própria”, disse à Lusa, defendendo uma mudança
estrutural nesta matéria.

O relatório do CNE revela que a taxa de retenção atingiu o valor mais baixo da última década no ano letivo de
2016/2017. No 1.º ciclo, a taxa baixou para os 3%, uma redução de cerca de 40% relativamente a 2014. No 2.º
e 3.º ciclos, as taxas rondam agora os 5,8% e os 8,5%, respetivamente, o que significa uma redução de cerca
de 50% e 60% relativamente a 2013. É entre os alunos de famílias mais carenciadas que há mais chumbos,
realidade mais recorrente entre as crianças filhas de pais com menos formação escolar. E é também nas
regiões do interior do país que se encontram percentagens mais elevadas de insucesso, segundo o relatório do
CNE que, pela primeira vez, dedica todo um capítulo a essa região. O insucesso escolar continua a atingir
mais os rapazes do que as raparigas.

O CNE chama a atenção para o uso excessivo das retenções. “Os estudos mostram que é a medida mais cara e
menos eficaz de todas as medidas que podem ser utilizadas para ajudar os meninos que estão a ter
dificuldades. O repetir o ano só por si não resolve nada”, alerta o CNE que sublinha que esta medida é “mais
cara e menos eficaz”. A presidente do CNE critica, aliás, a “cultura de retenção” e afirma que o chumbo
continua a ser usado como “arma para conseguir que os meninos estudem”.

Para Maria Emília Brederode Santos, trata-se de uma medida “socialmente injusta”. “É estranho, porque nos
países do norte isto não acontece (…) A prática da retenção é não só injusta mas também inútil”, defendeu, à
Lusa, lamentando que essa prática seja “difícil de erradicar”. “Há uma cultura de retenção que está muito
correlacionada, em Portugal, com o meio socioeconómico de origem. É muito injusto socialmente”, realça.

Adequar avanços da ciência às dificuldades dos alunos


O CNE defende a criação de uma instituição que fique responsável pela avaliação e revisão “regular,
periódica e sistemática” dos programas de todas as disciplinas. “Deveria haver uma instituição, um órgão ou
um departamento, que se dedicasse por inteiro ao desenvolvimento curricular e, de maneira periódica,
apreciasse todos os programas de todas as disciplinas, de todos os anos e pudesse adequar aos avanços da
ciência, às mudanças sociais e às dificuldades reveladas pelos alunos”, defende a presidente do CNE, em
declarações à Lusa, depois de divulgado o relatório “Estado da Educação 2017”.

“Sei que há a ideia de que os programas estão sempre a mudar, mas não é bem verdade. Alguns programas de
algumas disciplinas mudam de acordo com as orientações pedagógicas e políticas, mas a maior parte deles até
estão demasiado parados. Por isso é que acho que deveria haver essa profissionalização curricular”, adiantou.

O corpo docente das escolas públicas está envelhecido, mais de 40% dos professores beneficiam de uma
redução horária pelo facto de já terem mais de 50 anos. O que não é uma novidade. Apenas 0,4% dos
professores têm menos de 30 anos de idade. O ensino público tem professores cada vez mais velhos - quase
80% do corpo docente tem idades entre os 40 e os 59 anos, sendo a faixa etária entre os 50 e os 59 a que tem
maior representatividade, agregando 38,5% dos professores. No privado, quase 75% têm entre 30 e 49 anos e
6,2% menos de 30 anos. No pré-escolar, básico e secundário, entre 2007 e 2008 e entre 2016 e 2017, as
escolas perderam 30 370 docentes, registando um total, no último ano letivo em análise no relatório, de 145
549 profissionais. A quebra deu-se quase por inteiro no sistema público, que perdeu 28 426 docentes, contra
os 1944 que saíram das escolas privadas.

Numa análise à evolução do total de funcionários nas escolas, o ensino público registou um pico em
2013/2014 com 57 988 trabalhadores não docentes, ano em relação ao qual se regista uma queda de mais de
cinco mil funcionários em 2016/2017 com 52 585 trabalhadores.

Há várias recomendações feitas pelo CNE no relatório, nomeadamente a realização de um estudo que permita
planear e responder às necessidades de técnicos e pessoal não docente das escolas, bem como a divulgação de
um estudo das necessidades de novos professores, além de um outro estudo sobre a situação de
apetrechamento tecnológico das escolas, ligação à internet e necessidades de equipamentos, formação e
apoios técnicos.

Em relação às despesas do Estado com Educação, o relatório do CNE dá nota de uma ligeira redução em 2017
face a 2016, ainda que ressalve que os dados relativos a 2016 são valores provisórios e que os relativos a 2017
são preliminares. Ainda assim, os números indicam que a despesa cai 8,3 milhões de euros, de 8545,8 milhões
de euros para 8537,5 milhões.

O CNE destaca, por outro lado, que em 2017 se atingiu a menor despesa, desta década, com contratos de
associação com os colégios privados. De um máximo de 237,3 milhões de euros gastos em 2010 com
contratos de associação passou-se para 92,6 milhões de euros em 2017. Nesse ano, o Estado gastou ainda 23,2
milhões de euros com contratos simples no ensino privado. Em queda está também a despesa com o ensino
profissional, que depois de em 2010 ter ultrapassado 550 milhões de euros, fixou-se nos 380 milhões de euros
em 2017.

2,5 milhões apenas com o 1.º ciclo


A taxa de escolarização de crianças e jovens, dos cinco aos 14 anos de idade, é hoje de 98%, e a frequência
dos jovens no Ensino Superior subiu de 5% para 43%. A percentagem dos que concluíram, pelo menos, o
Ensino Secundário aumentou. “Entre os adultos, apesar de um expressivo crescimento (20 pontos percentuais
na década) da percentagem dos que têm, pelo menos, o ensino secundário completo, contam-se ainda cerca de
2,5 milhões de cidadãos, maiores de 15 anos, que têm no máximo o 1.º ciclo do ensino básico”, lê-se na
introdução do relatório que refere, a propósito, “que a frequência de ofertas de educação e formação para
adultos, apesar de ter retomado algum ímpeto, ainda está aquém do desejável”.

Em 2016/2017, havia cerca de 42 mil adultos matriculados em ofertas de educação e formação do Ensino
Secundário. Entre as mais baixas qualificações, e apesar da taxa de analfabetismo se situar pouco acima dos
5%, o relatório do CNE destaca os 2,5 milhões de portugueses com mais de 15 anos que não concluíram mais
do que o 1.º Ciclo do Ensino Básico e refere que, em 2017, havia apenas 2598 portugueses inscritos no
programa de formação em competências básicas - que permite obter competências de leitura, escrita, cálculo e
tecnologias de informação e comunicação necessárias para aceder a um curso de educação e formação de
adultos (EFA) ou para encaminhar para um processo de reconhecimento, validação e certificação de
competências (RVCC) de nível básico.

Segundo o CNE, a situação portuguesa “poderá dever-se, quer à fraca mobilização da população adulta para
melhorar os seus níveis de escolaridade, quer à escassez da oferta de cursos em regime pós-laboral, por parte
das instituições de ensino superior”. O relatório aponta ainda que em Portugal, contrariando a tendência da
União Europeia, são os desempregados que mais procuram ofertas de aprendizagem ao longo da vida.

Menos computadores
A aposta nas salas de aula do futuro, com 40 espaços criados em 26 agrupamentos e escolas não agrupadas
desde 2014, contrasta com o envelhecimento e redução do número de computadores disponíveis por aluno. O
CNE lembra que a decisão de apetrechar essas salas é da iniciativa das escolas, mas está muito dependente
das parcerias que conseguem mobilizar, ou seja, de financiamento que não passa pelo Ministério da
Educação. Segundo o CNE, em 2016/2017, com um total de 302.415 computadores, havia menos 134 445
computadores do que em 2014/2015 (436 870), “o que corresponde a uma quebra de 31%, sendo o setor
público o mais afetado”.
Em 2016/2017, 12% dos computadores disponíveis não tinham ligação à internet e a maioria eram
computadores de secretária e não portáteis. “O material disponível parece acusar alguma antiguidade na
medida em que a percentagem de computadores em uso há mais de três anos, que em 2014-2015 era de
56,9%, em 2016-2017 representa 76,5% dos computadores existentes”, lê-se no relatório. Nas escolas
públicas, o número médio de alunos por computador disponível era de 6,5 alunos no 1.º ciclo e de 3,6 ou 3,7
nos restantes ciclos de ensino.

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