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Repensar a organização do Ensino Básico, dividido atualmente em três ciclos, eventualmente acabando com o
2.º, é um dos alertas que sobressai do relatório “Estado da Educação 2017”, divulgado esta quarta-feira pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE). As taxas de retenção e desistência têm vindo a diminuir nos últimos
anos, atingindo o valor mais baixo da última década, em todos os três ciclos de ensino, no ano letivo anterior.
É nos anos de transição de ciclo que os alunos têm mais dificuldades e acabam por ficar retidos. As escolas
têm menos professores, e mais envelhecidos, e menos funcionários.
“O 2.º ciclo é uma originalidade portuguesa. Só nós é que temos aqueles dois anos [5.º e 6.º], que é um ano
para entrar e um ano para sair e já se viu que não é uma boa prática”, refere, em declarações à Lusa, Maria
Emília Brederode Santos, presidente do CNE. “Valia a pena tentar encontrar outras formas de organizar o
sistema que não criassem tantas transições, que acabam por provocar, como se percebe pelos resultados, mais
dificuldades na aprendizagem dos alunos”, acrescentou. Não há soluções apontadas, mas a possibilidade de os
nove anos do Ensino Básico serem divididos em dois ciclos começa a fazer sentido.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, concorda
com o debate em torno do 2.º ciclo. Na sua perspetiva, deveriam existir dois ciclos de ensino, um do 1.º ao 6.º
ano e outro do 7.º ao 12.º. “Na associação, já falámos e ponderámos sobre a necessidade de existir um ciclo
que é um ciclo perdido. O que propúnhamos, pelo menos para debate, é que existissem dois ciclos de ensino:
um que fosse do 1.º ao 6.º e o outro mais avançado do 7.º ao 12.º, até porque também o ciclo do secundário
(10.º ao 12.º) é um ciclo perdido, que não tem identidade própria”, disse à Lusa, defendendo uma mudança
estrutural nesta matéria.
O relatório do CNE revela que a taxa de retenção atingiu o valor mais baixo da última década no ano letivo de
2016/2017. No 1.º ciclo, a taxa baixou para os 3%, uma redução de cerca de 40% relativamente a 2014. No 2.º
e 3.º ciclos, as taxas rondam agora os 5,8% e os 8,5%, respetivamente, o que significa uma redução de cerca
de 50% e 60% relativamente a 2013. É entre os alunos de famílias mais carenciadas que há mais chumbos,
realidade mais recorrente entre as crianças filhas de pais com menos formação escolar. E é também nas
regiões do interior do país que se encontram percentagens mais elevadas de insucesso, segundo o relatório do
CNE que, pela primeira vez, dedica todo um capítulo a essa região. O insucesso escolar continua a atingir
mais os rapazes do que as raparigas.
O CNE chama a atenção para o uso excessivo das retenções. “Os estudos mostram que é a medida mais cara e
menos eficaz de todas as medidas que podem ser utilizadas para ajudar os meninos que estão a ter
dificuldades. O repetir o ano só por si não resolve nada”, alerta o CNE que sublinha que esta medida é “mais
cara e menos eficaz”. A presidente do CNE critica, aliás, a “cultura de retenção” e afirma que o chumbo
continua a ser usado como “arma para conseguir que os meninos estudem”.
Para Maria Emília Brederode Santos, trata-se de uma medida “socialmente injusta”. “É estranho, porque nos
países do norte isto não acontece (…) A prática da retenção é não só injusta mas também inútil”, defendeu, à
Lusa, lamentando que essa prática seja “difícil de erradicar”. “Há uma cultura de retenção que está muito
correlacionada, em Portugal, com o meio socioeconómico de origem. É muito injusto socialmente”, realça.
“Sei que há a ideia de que os programas estão sempre a mudar, mas não é bem verdade. Alguns programas de
algumas disciplinas mudam de acordo com as orientações pedagógicas e políticas, mas a maior parte deles até
estão demasiado parados. Por isso é que acho que deveria haver essa profissionalização curricular”, adiantou.
O corpo docente das escolas públicas está envelhecido, mais de 40% dos professores beneficiam de uma
redução horária pelo facto de já terem mais de 50 anos. O que não é uma novidade. Apenas 0,4% dos
professores têm menos de 30 anos de idade. O ensino público tem professores cada vez mais velhos - quase
80% do corpo docente tem idades entre os 40 e os 59 anos, sendo a faixa etária entre os 50 e os 59 a que tem
maior representatividade, agregando 38,5% dos professores. No privado, quase 75% têm entre 30 e 49 anos e
6,2% menos de 30 anos. No pré-escolar, básico e secundário, entre 2007 e 2008 e entre 2016 e 2017, as
escolas perderam 30 370 docentes, registando um total, no último ano letivo em análise no relatório, de 145
549 profissionais. A quebra deu-se quase por inteiro no sistema público, que perdeu 28 426 docentes, contra
os 1944 que saíram das escolas privadas.
Numa análise à evolução do total de funcionários nas escolas, o ensino público registou um pico em
2013/2014 com 57 988 trabalhadores não docentes, ano em relação ao qual se regista uma queda de mais de
cinco mil funcionários em 2016/2017 com 52 585 trabalhadores.
Há várias recomendações feitas pelo CNE no relatório, nomeadamente a realização de um estudo que permita
planear e responder às necessidades de técnicos e pessoal não docente das escolas, bem como a divulgação de
um estudo das necessidades de novos professores, além de um outro estudo sobre a situação de
apetrechamento tecnológico das escolas, ligação à internet e necessidades de equipamentos, formação e
apoios técnicos.
Em relação às despesas do Estado com Educação, o relatório do CNE dá nota de uma ligeira redução em 2017
face a 2016, ainda que ressalve que os dados relativos a 2016 são valores provisórios e que os relativos a 2017
são preliminares. Ainda assim, os números indicam que a despesa cai 8,3 milhões de euros, de 8545,8 milhões
de euros para 8537,5 milhões.
O CNE destaca, por outro lado, que em 2017 se atingiu a menor despesa, desta década, com contratos de
associação com os colégios privados. De um máximo de 237,3 milhões de euros gastos em 2010 com
contratos de associação passou-se para 92,6 milhões de euros em 2017. Nesse ano, o Estado gastou ainda 23,2
milhões de euros com contratos simples no ensino privado. Em queda está também a despesa com o ensino
profissional, que depois de em 2010 ter ultrapassado 550 milhões de euros, fixou-se nos 380 milhões de euros
em 2017.
Em 2016/2017, havia cerca de 42 mil adultos matriculados em ofertas de educação e formação do Ensino
Secundário. Entre as mais baixas qualificações, e apesar da taxa de analfabetismo se situar pouco acima dos
5%, o relatório do CNE destaca os 2,5 milhões de portugueses com mais de 15 anos que não concluíram mais
do que o 1.º Ciclo do Ensino Básico e refere que, em 2017, havia apenas 2598 portugueses inscritos no
programa de formação em competências básicas - que permite obter competências de leitura, escrita, cálculo e
tecnologias de informação e comunicação necessárias para aceder a um curso de educação e formação de
adultos (EFA) ou para encaminhar para um processo de reconhecimento, validação e certificação de
competências (RVCC) de nível básico.
Segundo o CNE, a situação portuguesa “poderá dever-se, quer à fraca mobilização da população adulta para
melhorar os seus níveis de escolaridade, quer à escassez da oferta de cursos em regime pós-laboral, por parte
das instituições de ensino superior”. O relatório aponta ainda que em Portugal, contrariando a tendência da
União Europeia, são os desempregados que mais procuram ofertas de aprendizagem ao longo da vida.
Menos computadores
A aposta nas salas de aula do futuro, com 40 espaços criados em 26 agrupamentos e escolas não agrupadas
desde 2014, contrasta com o envelhecimento e redução do número de computadores disponíveis por aluno. O
CNE lembra que a decisão de apetrechar essas salas é da iniciativa das escolas, mas está muito dependente
das parcerias que conseguem mobilizar, ou seja, de financiamento que não passa pelo Ministério da
Educação. Segundo o CNE, em 2016/2017, com um total de 302.415 computadores, havia menos 134 445
computadores do que em 2014/2015 (436 870), “o que corresponde a uma quebra de 31%, sendo o setor
público o mais afetado”.
Em 2016/2017, 12% dos computadores disponíveis não tinham ligação à internet e a maioria eram
computadores de secretária e não portáteis. “O material disponível parece acusar alguma antiguidade na
medida em que a percentagem de computadores em uso há mais de três anos, que em 2014-2015 era de
56,9%, em 2016-2017 representa 76,5% dos computadores existentes”, lê-se no relatório. Nas escolas
públicas, o número médio de alunos por computador disponível era de 6,5 alunos no 1.º ciclo e de 3,6 ou 3,7
nos restantes ciclos de ensino.