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ISSN: 1414-9893
revista@pol.org.br
Conselho Federal de Psicologia
Brasil
A Regulamentação da
Profissão Psicologia:
Documentos Que Explicitam o
Processo Histórico
The Regulation of Professional Psychology:
Documents That Explain The Historical Process
Marisa Todescan
Dias da Silva Baptista
Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
Artigo
Resumo: O artigo em questão é uma versão histórica que reconstitui e analisa o processo de regulamentação
da profissão de psicólogo, e abrange o período que tem início no final da década de 40, quando os
profissionais brasileiros começaram a se manifestar sobre a questão e quando foram organizados os primeiros
cursos de especialização, e se encerra na década de 70, quando os principais atos regulatórios já haviam sido
aprovados e os conselhos de classe instalados. São utilizados como fontes documentos produzidos sobre a
regulamentação, literatura e notícias que fazem referência a esses documentos, ao processo de produção
e de avaliação crítica dos mesmos, aos movimentos e aos profissionais que os produziram, apoiaram e
rejeitaram, e também os depoimentos de três profissionais que participaram ativamente do processo. O
artigo aponta os grupos inseridos no contexto social brasileiro e no contexto histórico da Psicologia que foram
responsáveis por produções ou movimentos relacionados às propostas de formação e de regulamentação,
assim como os que criticaram e se opuseram às mesmas.
Palavras-chave: História da Psicologia. Regulamentação da profissão. Formação profissional. Documentos.
Abstract: This article is a historical version that reconstructs and analyzes the process of professional regulation
of the psychologist. It covers the period that begins in the late 40’s when the Brazilian professionals began
to manifest on the issue, when the first courses of specialization were organized and ended in the 70’s, and
when major government regulations were approved and the class councils installed. The manuscript uses as
sources the documents produced during the process of establishing regulation, literature and news that refer
to these documents, to their production process and critical evaluation, and to the professional movements
that produced, supported and rejected them. This article also uses the statements of three professionals who
participated actively in the process and it points the groups included in the Brazilian social context and in
the historical context of psychology, who were responsible for the production or movement related to the
proposed training and regulation, and those who criticized and opposed them.
Keywords: History of psychology. Professional regulation. Professional training. Documents.
Resumen: El artículo en cuestión es una versión histórica que reconstituye y analisa el proceso de
reglamentación de la profesión del psicólogo. Abarca el periodo que tiene inicio en fines de la década de
40, cuando los profesionales brasileños empezaron a manifestarse sobre esa cuestión, fueron organizados
los primeros cursos de especialización y se cierra en la década de 70, cuando los principales actos
reglamentarios ya habian sido aprovados y los consejos de clase instalados. Utiliza como fuentes, documentos
producidos sobre la reglamentación, literatura y noticias que hacen referencia a esos documentos, también
al proceso de producción y evaluación crítica de esos documentos, a los movimientos profesionales que
los produjeron, apoyaron y rechazaron. Además de eso, utiliza declaraciones de tres profesionales que
participaron activamente del proceso. Señala los grupos, insertados en el contexto social brasileño y en el
contexto histórico de la psicología, que fueron responsables por producciones o movimientos relacionados
a las propuestas de formación y reglamentación, así como los grupos que criticaron y se opusieron a esas
propuestas.
Palabras clave: História de la psicología. Reglamentación de la profesión. Formación profesional.
Documentos.
Bernardes (2004) considera que o processo A década de 50, pela qual iniciaremos o
histórico da regulamentação foi muito percurso histórico, é caracterizada pelo
curto, apesar de reconhecer que já havia nacional-desenvolvimentismo, com a
no País um contexto social favorável à preocupação de modernização dos padrões
existência da Psicologia. Para ele, o início da industriais, início da associação com grupos
industrialização na década de 30 e o crescente estrangeiros e expansão dos órgãos públicos
processo de urbanização demandaram acompanhado de um intenso processo de
práticas psicológicas não só para favorecer urbanização. Segundo Graciani (1984), é nesse
a organização do trabalho mas também momento que os modelos de organização
para atuar nas escolas e clínicas infantis, científica de Taylor e Fayol mais influenciaram
principalmente. A meta nacionalista daquele o sistema organizativo brasileiro e que a classe
momento era possibilitar a construção de média se ampliou significativamente. Ocorreu
um homem novo para um país novo, e a ainda uma preocupação com a modernização
fundamentação dessa meta era buscada no do sistema de ensino e, em especial, da
positivismo e no tecnicismo, com a Psicologia universidade, de forma a poder responder
funcionando como um apoio. Instituições às necessidades de desenvolvimento do País.
foram criadas, e profissionais conhecidos No final da década, começaram a circular as
no exterior, principalmente na Europa, concepções das reformas de base: agrária,
política, universitária, jurídica, etc. São essas Psicologia de 1952 veiculou essa informação,
características do período que, funcionando acrescentando que esse grupo formulou um
como um pano de fundo, permitem situar questionário e o distribuiu para um grande
o desenvolvimento das ideias sobre a número de profissionais que trabalhava com
regulamentação da profissão. práticas psicológicas. O material coletado
pelos questionários seria objeto de estudo.
Em São Paulo, a movimentação dos Os números posteriores da revista não deram
profissionais de Psicologia, procurando continuidade ao assunto, e, nesse mesmo ano,
esclarecer a existência da profissão e profissionais brasileiros realizaram inúmeras
descrevendo os tipos de atividades exercidas visitas a centros internacionais onde se
em outros lugares do mundo, fica evidente desenvolvia a Psicologia, e essas experiências
a partir do final da década de 40 e início da foram, posteriormente, relatadas em palestras
década de 50. O registro de alguns desses e artigos. Assim, nesse mesmo número do
eventos demonstra esse fato. Anita Cabral, Boletim, Maria José Garcia publicou um
em junho de 1949, proferiu uma palestra artigo sobre tendências atuais da Psicologia
na França, que teve como primeira versão
intitulada A profissão do psicólogo e a
uma palestra proferida em junho de 1952,
associação de psicólogos norte-americanos:
e Arrigo Angelini escreveu sobre a Psicologia
sugestões para a organização de nossa
em algumas universidades americanas. Há
sociedade, e, em dezembro do mesmo ano,
ainda o registro das conferências de Aniela
Betti Katzenstein falou sobre impressões de
Ginsberg sobre impressões de visita a centros
viagem de estudos a centros europeus (cf.
de Psicologia europeus, proferida em outubro
Boletim de Psicologia, 1950). No Boletim
de 1952, e a de Carolina Bori, visita a centros
de Psicologia de 1950-1951, Oswaldo de
de Psicologia – impressões de viagem (em
Barros publica um artigo sobre aspectos da
maio de 1952). No volume seguinte do
orientação e seleção profissional na Europa. mesmo Boletim de Psicologia (1952-1953), há
Ainda em 12 de setembro de 1950, uma referência a duas outras palestras organizadas
aluna que cursava Filosofia na USP, Elza pela sociedade. A primeira, proferida por
dos Santos Lima, entregou um memorial no Noemy Rudolfer, teve como tema Da
Segundo Congresso Estadual de Estudantes, legitimidade da função do psicólogo clínico
reivindicando a criação de uma seção e das clínicas psicológicas, e a segunda, por
independente para a Psicologia (separada do Anita Cabral, Formação do profissional em
curso de Filosofia), de um laboratório para Psicologia.
a mesma área e também a regulamentação
da profissão de psicologista (Botelho, 1989, Em março de 1953, Anita Cabral publica
Anexo B, p. 255). um artigo na revista Ciência e Cultura
sobre requisitos básicos da formação de
Já em 1952 são iniciadas algumas discussões psicologistas. Ela aponta três requisitos:
sobre a regulamentação. A Sociedade de
Psicologia de São Paulo, que havia sido preparo específico, teórico, experimental e
fundada em 1945, instituiu uma comissão prático; ...o psicologista (entendido como o
profissional da Psicologia) não deve ser um
de carreira do psicólogo com a finalidade de simples técnico... nem cientista..., mas há
realizar estudos e debates para caracterizar a de ter como centro de gravidade o humano,
profissão no Brasil. Essa comissão era formada na indissociável unidade dos aspectos da
personalidade individual e do meio social....
por: Raul de Morais, Joel Martins, Anita
Só quando teoria, espírito experimental
Cabral, Virginia Bicudo, Marcos Pontual, e habilidade técnica se unem num todo
Carlos Oliveira Penteado, Betti Katzenstein e solidário é que podemos estar frente a um
Aniela Ginsberg. O noticiário do Boletim de psicologista. (p. 43)
Lourenço Filho (que trabalhou como relator), Noruega, França, Suíça, EUA, Argentina,
Cesário de Andrade, Samuel Líbano, Pedro Cuba, México e Chile, considerando que
Paulo Penido, Nelson Romero, José Barreto em todos haveria dois níveis de formação:
Filho, Paulo Parreiras Horta. O complemento um preliminar, com iniciação teórica-prática,
desse projeto foi o Parecer nº 412 (Brasil, e outro de especialização técnica. Ambos
1959b). eram realizados no âmbito universitário, em
faculdades de Filosofia, considerando que, em
O texto do Parecer nº 412, aprovado em alguns países, havia também a utilização de
20/09/1957, que teve como relator Lourenço estágios em instituições oficiais ou privadas.
Filho, historia o processo de trabalho vivido
pela comissão. Inicia relatando um fato A seguir, o Parecer analisa a necessidade e
ocorrido em 1951, quando o Ministério da a possibilidade de formação do psicologista
Educação recebeu uma consulta de pessoa no Brasil, partindo das diferentes propostas
interessada em abrir um “consultório de que chegaram ao Conselho. Quanto às
formação e correção psicológica”. Foi então diferentes sugestões apresentadas, considera
delegado, ao Conselho Nacional de Educação, que existiam divergências com relação à
o estudo sobre a formação e a regulamentação formação de licenciados, de técnicos ou de
da profissão. O Conselho solicitou aos profissionais mais especializados, e menciona
órgãos relacionados à Psicologia naquela o fato de a ABP ter sugerido que a formação
época que se pronunciassem a respeito: da licença pudesse ser realizada em outras
Associação Brasileira de Psicotécnica, autora instituições que não as universitárias, assim
da primeira proposta, em 1953; Sociedade como a opinião contrária a essa proposta de
Brasileira de Psicologia (Rio de Janeiro); muitos professores universitários. Sendo assim,
Associação Brasileira de Psicólogos (criada confirma a necessidade dessa formação para a
em São Paulo, no ano 1954, para discutir realidade brasileira, mas sugere, tendo em vista
a questão da profissão em nível nacional a realidade das instituições de ensino superior
(Morais, 1999); Sociedade de Psicologia de existentes no período, que a autorização e
São Paulo; Associação Mineira de Psicologia; o reconhecimento dos cursos levassem em
Instituto de Psicologia da Universidade do consideração as condições necessárias ao
Brasil; outras entidades interessadas na ensino, não só quanto às instalações mas
matéria (responsáveis pela proposta surgida também quanto aos serviços abertos ao
do I simpósio das Faculdades de Filosofia); público. Finalmente, o Parecer estabelece que
I Congresso Brasileiro de Psicologia e I a regulamentação da Psicologia clínica deveria
Seminário Latino-americano de Psicotécnica. ocorrer no âmbito da regulamentação da
O Parecer nº 412 trata, ainda, de vários profissão médica, sugerindo que as Faculdades
outros aspectos: da denominação psicologista de Medicina disciplinassem a especialidade
a ser dada ao profissional – considerada (Brasil, 1959b).
mais adequada do que a de psicólogo
(muito ampla) e a de psicotécnico (muito Em 20/09/1957, a Comissão de Ensino
restrita). O Parecer ressalta a importância Superior enviou para o Ministro da Educação,
da regularização da formação regular, frente Clóvis Salgado, o Parecer nº 412, assim como
à realidade de vários autodidatas estarem o Projeto nº 3825-A, que regulamentava a
exercendo as atividades, e informa que, na formação e a profissão de psicologista. O
época, já existiriam mais de mil profissionais art. 1º do projeto estabelece: “ a formação
trabalhando na área. Menciona, também, em Psicologia científica e aplicada far-se-á
o tipo de formação utilizada em vários nas faculdades de Filosofia em cursos de
outros países: Inglaterra, Bélgica, Holanda, bacharelado e de licença” (p.87). A formação
era prevista em dois níveis: o curso de instâncias que praticavam a Psicologia para
bacharelado (em três anos), composto cada a elaboração do projeto, tal como constava
ano por um conjunto de quatro disciplinas do Parecer nº 412. O Ministro justificou
obrigatórias (estabelecidas no projeto), e também o tipo de formação proposto,
duas a serem escolhidas pela instituição apontando a preocupação de não focar
de uma lista de 12 disciplinas proposta só no aspecto técnico mas também no
pela lei. O segundo curso era de licença, humano, considerando ainda a necessidade
a ser efetivado em dois anos. O primeiro de serem propostas atividades práticas e, em
ano era considerado de ensino comum, consequência, a preparação das instituições
e o segundo possuía duas modalidades: para que tal pudesse ocorrer. Acentuou,
pesquisa e ensino e aplicação. O diploma de novamente, a questão de a Psicologia clínica
bacharel habilitaria o formando a trabalhar ser de responsabilidade das faculdades de
como psicologista auxiliar nos serviços de Medicina (Brasil, 1959a).
Psicologia; o diploma no curso de licença, na
modalidade ensino e pesquisa, permitiria ao Em 19 de março de 1958, o Presidente
profissional exercer as funções de orientador Juscelino Kubitschek, através da Mensagem
educacional em estabelecimentos de ensino, nº 47-58, encaminhou o Projeto de Lei nº
e, após um ano de exercício nessa função, 3825-A ao Congresso Nacional. Esse projeto
dirigir serviços aplicados à educação. Os obteve, em 22/10/1958, parecer positivo da
diplomados em licença aplicada poderiam Comissão de Constituição e Justiça, através de
organizar e dirigir serviços de Psicologia seu presidente, Joaquim Duval, que o enviou
aplicada à educação e ao trabalho. Nos para parecer da Comissão de Educação e
serviços de Psicologia clínica, os licenciados Cultura (Brasil, 1959c).
só poderiam exercer as funções de assistentes
técnicos, e não poderiam organizar ou dirigir Essa proposta, elaborada pelo Conselho
tais serviços. Para que o curso de Psicologia Nacional de Educação, tenta equacionar
pudesse ser autorizado, a faculdade de algumas das ideias surgidas nas várias
Filosofia interessada teria que, além de discussões anteriores: a importância do
organizar um instituto de Psicologia, com reconhecimento da Psicologia como
serviços abertos ao público, já possuir científica e as necessidades decorrentes
cursos de pedagogia/Filosofia “em regime de desse fato. Para justificar a formação em
reconhecimento” (p.89), e, quando incluísse cursos superiores e não desagradar os que
serviços de Psicologia clínica, estes deveriam haviam proposto somente uma formação
ser dirigidos por um médico especializado técnica, o Conselho cita as experiências
em psiquiatria (Brasil, 1959b). de outros países, as opiniões contrárias e
menciona a necessidade de adequação das
O Ministro Clovis Salgado acrescentou, instituições de ensino superior para que
a esses dois documentos, a Exposição pudessem oferecer uma formação adequada.
de Motivos nº 112/1958, e, a seguir, A proposta atende também as expectativas
encaminhou o processo ao Presidente da da classe médica, na medida em que sugere
República. Nessa exposição, justificou a que a formação em Psicologia clínica deveria
importância da Psicologia para a sociedade permanecer junto aos cursos de Medicina.
brasileira, em processo de desenvolvimento, Matilde Neder, em entrevista, refere-se a
citando a inexistência, naquele momento, esse projeto como o “projeto dos médicos”,
de formação específica que tivesse objetivos talvez por terem sido, pela primeira vez,
científicos e éticos. Acentuou a história explicitadas as discordâncias dos médicos
do processo de consulta às diferentes em relação ao fato de os psicólogos poderem
atuar com psicoterapia, considerada, até O substitutivo foi acompanhado por uma
então, atividade específica dos médicos. justificativa elaborada por Dante Moreira
Esse fato desagradou profundamente os Leite, que continha várias críticas ao Projeto
que já exerciam a profissão de psicólogo, nº 3825-A, e sugestões de várias modificações.
principalmente os que atuavam em clínica, A justificativa ao substitutivo ressalta que o
por permanecerem sem o reconhecimento projeto não atenderia as necessidades da
oficial à sua atividade, e mais ainda, formação de um profissional que pudesse
subordinados aos médicos. ser equiparado à formação de “outras
carreiras liberais, e que o psicólogo, uma
A avaliação de que esse projeto não atendia vez diplomado, deveria exercer os seus
os interesses dos psicólogos fica registrada misteres com inteira responsabilidade,
no Relatório de Diretoria da Sociedade de sem o patrocínio ou a tutela de outros
Psicologia de São Paulo, que atuou durante profissionais” (Revista de Psicologia Normal
o biênio 57/58, que esclarece as atividades e Patológica, 1958, p. 397). A justificativa
efetuadas em relação a esse Projeto de Lei sugere a formação em seis anos, em vez de
(Boletim de Psicologia, 1959). Segundo cinco previstos pelo Projeto, a inclusão em
depoimento de Matilde Neder, foram seu currículo de disciplinas científicas, que
marcadas muitas assembleias para discutir a
pudessem ampliar a perspectiva técnica, a
questão até que resolveram transformá-las
denominação psicólogo, e não psicologista, a
em assembleia permanente. Segundo ela,
ser dada ao profissional, e critica a organização
ficava configurada a seguinte situação: as
da profissão em dois níveis (psicologista e
pessoas mais presentes e mais interessadas
psicologista auxiliar), esclarecendo que tal
eram as que trabalhavam com atividades
divisão ocasionaria confusão junto ao público
clínicas. Nader avalia que os que atuavam
em geral. O documento aponta, ainda, uma
em Psicologia do trabalho não se sentiam
distorção nas atribuições dos médicos x
tão incomodados com as propostas do
psicólogos, considerando que a formação
projeto oficial, pois havia no mesmo um
especializada do psicólogo, durante seis anos,
reconhecimento de suas atividades, por
não permitia que o mesmo pudesse assumir
isso sua partipação era menor. O grupo que
a direção dos serviços de Psicologia clínica,
não se sentia protegido, segundo ela, era o
mas ressaltava que um médico que cursasse
que atuava na clínica. Como as assembleias
apenas seis meses da disciplina Psicologia
não estavam resolvendo a questão, foi
organizada uma comissão composta por poderia ser diretor, e amplia essa crítica
Odette Lourenção, Aidyl Macedo Queiroz, referindo-se ao fato de ter sido atribuída às
Carolina Bori e Mathilde Neder, que estudou faculdades de Medicina a responsabilidade
a legislação e analisou o projeto encaminhado pela formação do clínico. A justificativa avalia
à Câmara Federal. Essa comissão discutiu que esses equívocos ocorreram em função
em reunião, com os membros das duas de a Psicologia não estar sendo considerada,
associações (Sociedade de Psicologia de São ainda, uma ciência independente, e sugere
Paulo e Associação Brasileira de Psicólogos), que a Psicologia clínica, incluída no currículo
se deveriam apresentar emendas ou um do substitutivo, deveria formar o aluno
substitutivo ao projeto, tendo sido vencedora para atuar com diagnóstico psicológico
a última opção. Esse substitutivo ao Projeto e tratamento de distúrbios emocionais,
nº 3825-A/58 foi enviado para o Ministério de prevendo ainda que esse mesmo aluno fosse
Educação e Cultura em nome da Associação submetido à psicoterapia como elemento
Brasileira de Psicólogos e da Sociedade de de formação (Revista de Psicologia Normal e
Psicologia de São Paulo. Patológica, 1958).
além de contribuir com “teorias, técnicas e Psicologia. Foi elaborado, nessa reunião,
modelos de intervenção” para a manutenção um memorial de seis páginas datilografadas,
da sociedade psicologizada. denominado Respostas e sugestões às
questões surgidas em reunião de 27/12/60,
Outros autores ampliam essa análise. seguindo a ordem e numeração do substitutivo
Coimbra (1999) denomina esse movimento Adaucto Cardoso, que, posteriormente, foi
de “psicologização da vida social e política”, defendido por Lauro Cruz. No noticiário
com ênfase na atividade clínica curativa desse mesmo boletim, consta o envio de um
decorrente de uma perspectiva que via telegrama de agradecimento ao Deputado,
inicialmente crianças como problemas, por parte da Sociedade de Psicologia de
carentes, com dificuldades, e que eram, São Paulo e da Associação Brasileira de
posteriormente, consideradas desadaptadas, Psicólogos, pelo empenho na aprovação da
difíceis. Para ela, não se considerava a lei (Brasil, 1962, p. 77).
prevenção como uma tarefa importante da
Psicologia. No número 42 do Boletim de Psicologia
(1961), há uma notícia sobre a Sociedade
Bernardes (2004) acrescenta ainda que tal de Psicologia de São Paulo ter recebido da
perspectiva justifica as desigualdades sociais a Sociedade Mineira de Psicologia as emendas
partir do próprio indivíduo, considerado livre, que a mesma havia proposto ao Projeto nº
autônomo, consciente de si, independente, e, 3825B, de 1958. Segue-se o comentário
em consequência, responsável, assim como de que as emendas não puderam ser
sua família, pelos seus desajustamentos. incluídas porque o substitutivo já estava em
Nesse sentido, as demandas sociais e mãos da Comissão de Educação e Cultura
políticas são transformadas em demandas da Câmara Federal. O mesmo noticiário
psicológicas. É essa trama caracterizadora da registra que a Associação Universitária de
situação que permite entender o momento Estudos Psicológicos (representando os
em que os debates sobre a regulamentação alunos do curso de Psicologia da FFCL USP/
atingiram seu ápice. SP) havia organizado uma campanha pela
regulamentação do curso de Psicologia já
Descontentes com a não aceitação do existente na instituição e pela oficialização
substitutivo, as associações de São Paulo da profissão de psicólogo.
marcaram encontros para discutir e
propor novas reformulações. Segundo Após inúmeros embates, algumas mudanças
relato de Mathilde Neder, a presidente foram propostas ao último projeto, dentre
da Sociedade de Psicologia de São Paulo, as quais a divisão do curso de formação
Carolina Bori, recebeu um telefonema em três etapas (diferentemente das duas
do senador Lauro Cruz informando que etapas propostas anteriormente): curso de
havia uma pressão dos médicos para não bacharel, de licenciado e de psicólogo. Não
aprovarem na regulamentação o que se há especificação, como no projeto anterior,
relacionasse à psicoterapia, mas dispunham- do número de anos de cada um dos cursos. A
se pessoalmente a trabalhar para a aprovação formação de psicólogo voltado para a clínica
do projeto. Correspondências entre Lauro também não previa análise pessoal. Outra
Cruz e Carolina Bori tiveram como resultado diferença em relação ao projeto anterior
a participação do primeiro em uma reunião foi a mudança na formulação de duas das
realizada no dia 27/12/60, em São Paulo. funções privativas: a orientação educacional
Participaram dessa reunião 20 psicólogos, passou a orientação psicopedagógica, e a
representando 26 entidades paulistas de solução de problemas de ajustamento não
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