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O ESTUDO DA LITERATURA

Resumos

Síntese
Resumos dos materiais da cadeira de O Estudo da Literatura, lecionada pela professora
Vanda Anastácio. Aqui são tratados a ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, os conceitos de
LITERATURA, de CÂNONE, de PERÍODO LITERÁRIO, de GÉNERO e de AUTOR. Estão incluídas
algumas citações dos textos utilizados por esta professora, mas grande parte do conteúdo
encontra-se nos próprios resumos. Encontram-se igualmente apontamentos tirados durante
o decurso das aulas.

Ana Rita Resina Cruz


[Endereço de correio eletrónico]
O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

INTRODUÇÃO
Perguntas essenciais da Literatura:
Economia real
– Quem escreveu?

– O que escreve?
– Para quem escreve? Economia dos bens simbólicos
– Com que intenções? Se uma pessoa tiver uma sólida reputação,
– Sob que condicionalismos? poderá, eventualmente, trocar CAPITAL
SIMBÓLICO por CAPITAL REAL

Por exemplo, Luís de Camões, antes d’Os Lusíadas, não tinha CAPITAL SIMBÓLICO,
consequentemente, não tinha os fins para produzir uma edição apelativa1. A ECONOMIA DOS
BENS SIMBÓLICOS – de que a economia económica é apenas uma das dimensões – dá conta das
estratégias de acumulação, de reprodução e de reconversão das diferentes espécies de
CAPITAL por um indivíduo como objetivo de melhorar ou de conservar a sua posição no espaço
social. Enriquecimento ou transformação são:
 Tanto mais fáceis quanto o agente ocupe uma posição dominante (e, portanto,
um capital já consequente que lhe abre numerosas possibilidades);
 Tanto mais difíceis para os desprovidos de capital – os dominados;
 Inexistentes no caso dos “homens sem futuro”;
 Etc.
O CAPITAL nas suas diferentes espécies – SIMBÓLICO, CULTURAL e SOCIAL – é um
conjunto de direitos de preferência ou prioridade sobre o futuro; garante a alguns o monopólio
de certos possíveis, que são, contudo, oficialmente garantidos a todos (como o direito à
educação). Esta noção polimórfica de CAPITAL forjada por Pierre Bourdieu permite contruir um
modo de representação capaz de revelar a estrutura de todo o universo social.
Propriedades da economia das trocas simbólicas:
 Existe uma dualidade , uma contradição entre a verdade subjetiva e a realidade
objetiva. Esta é tornada possível e sustentada por uma self-deception coletiva
que se inscreve nas estruturas objetivas e nas estruturas mentais.
 Tabu da explicitação – censura do interesse económico

Retomemos a questão de capital. Uma das espécies foi já referida: o CAPITAL


SIMBÓLICO. O CAPITAL SIMBÓLICO é fruto do reconhecimento de terceiros, estando, desta
forma, constantemente dependente deste olhar externo e é comum a todos os membros de
um grupo.

«Uma qualquer propriedade, força física, riqueza, valor guerreiro, que, percebida por agentes sociais
dotados de categorias de perceção e apreciação permitindo percebê-la, conhecê-la e reconhecê-la, se
torna simbolicamente eficaz, como uma verdadeira força mágica: uma propriedade que, por responder
a “expectativas coletivas”, socialmente constituídas, a crenças, exerce uma espécie de ação à distância,
sem contacto físico.»

CAPITAL SIMBÓLICO:
 De forma a que o ato simbólico seja eficaz é preciso que um trabalho
preliminar, muitas vezes invisível, e em todo o caso esquecido, tenha

1
A primeira edição d’Os Lusíadas vinha escrita com imensos erros ortográficos, em papel fanhoso e
esborratado e com as páginas mal seguras por um fio, sem capa.

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PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

produzido, entre os que estão submetidos ao ato de imposição, de injunção, as


disposições necessárias para que tenham o sentimento de ter de obedecer
sem se porem sequer a questão de obediência.
 Violência simbólica assenta no acordo entre as estruturas constitutivas do
habitus2 dos dominados e a estrutura da relação de dominação a que se aplicam
das outras formas de capital sobre as consciências. É essa violência que
extorque submissões que não são sequer percebidas como tais apoiando em
“expectativas coletivas”, crenças socialmente inculcadas.
 Existe uma crença que consiste numa adesão imediata, uma submissão dóxica3
às injunções do mundo, obtida quando as estruturas mentais daquele a quem
a injunção se dirige concordam com as estruturas implicadas na injunção que
lhe é dirigida.
 Toda a espécie de capital tende a funcionar como CAPITAL SIMBÓLICO quando
se obtém um reconhecimento explícito ou prático, o de um habitus
estruturado segundo as mesmas estruturas que o espaço onde este se gerou.

Com tudo isto, é, então, imperativo falar do ESPAÇO SOCIAL e dos vários CAMPOS e
subcampos aí presentes. Diz-se CAMPOS pois a sociedade é feita de grupos e de indivíduos em
constante competição entre si para obter CAPITAL.
Um CAMPO é um espaço de atividades específicas e de possíveis, que tende a orientar
a busca dos agentes, cujas relações estruturam o CAMPO. O que configura um campo são as
posições sociais – distribuídas entre dominados e dominantes e que constituem o espaço social
–, as lutas concorrenciais – que ocorrem tanto no interior de um CAMPO como entre CAMPOS
– e os interesses. Dependendo da posição que ocupam na estrutura do CAMPO, os agentes
usam estratégias – tendência que passa pela mediação dos seus habitus– que podem ser de
conservação ou de subversão.
Dentro de um CAMPO podem existir vários outros. Por exemplo, dentro do CAMPO
CULTURAL temos o CAMPO LITERÁRIO. Certos CAMPOS (religioso, artístico, político,
universitário) têm por finalidade a produção de bens simbólicos específicos (ainda que sempre
potencialmente convertíveis).

2
Habitus – diz respeito aos sistemas de perceção/gosto que orientam os agentes nas suas ações.
Constituem princípios de classificação incorporados pelos agentes a partir das estruturas sociais presentes
num dado momento, num dado lugar, que vão orientá-los nas suas ações.
3
Dóxica – doxa [Filosofia] conjunto de ideias e juízos generalizados e tidos como naturais por uma maioria.

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PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

+ O CAMPO estabelece as modalidades de


Espaço Social consagração4 e reconhecimento – os
Campo do Poder critérios são constituídos a partir de
(Ser ouvido; Capacidade de interferir; dentro, o que permite que se regule a si
Reconhecimento; Ter dinheiro; Ter emprego; …) mesmo.
AS INSTÂNCIAS DE CONSAGRAÇÃO
Princípio de hierarquização externa
Campo Cultural O critério de êxito é medido pelos índices
(Dependente do Campo do Poder)
de sucesso comercial e de notoriedade
social. Tal princípio rege a produção da
indústria cultural.
x
(indivíduo) Princípio de hierarquização interna
Xx O grau de consagração é medido pela não
concessão à demanda do grande público,
Xx
o desprezo pelas sanções do mercado.5
x
x xx As suas eleições intelectuais ou artísticas,
xx xx conscientes ou inconscientes, estão
xx (grupo)
sempre orientadas pela sua cultura e pelo
seu gosto, ou seja, interiorizações dos
x xx valores de uma sociedade, de uma época
xx e de uma classe. Imersos num
inconsciente cultural de uma época, de
Permanente competição para chegar ao um sentido comum que torna possíveis os
Campo do Poder (posição de dominação
para posição de dominante)6 sentidos específicos nos quais de
– expressa.
Esquema de Pierre Bourdieu

O CAMPO DO PODER constitui o espaço de relações de força entre os diferentes tipos


de capital ou entre os agentes providos de um dos tipos de capital para poderem dominar o
campo. O grau de dependência ou de subordinação em relação a este CAMPO constitui o
indicador mais claro da posição ocupada no CAMPO: aqueles que pretendem independência
só podem consegui-la construindo o CAMPO, indiferente às demandas da política, da economia
e da moral vigente, ou seja, reconhecendo apenas as normas específicas da arte.
«[…] aquele que dá e aquele que recebe colaboram, sem o saber, num trabalho de dissimulação
tendente a degenerar a verdade da troca, a troca por troca, que representa o aniquilamento da troca de
dons. […]. Assim, o que é importante na troca de dons é o facto de através do intervalo de tempo
interposto os dois agentes da troca trabalharem, sem o saberem e sem o combinarem, para mascarar
ou para realçar a verdade objetiva do que fazem. […].»

4
As modalidades de consagração/instâncias de consagração são as escolas, as academias, os salões, as
associações científicas e culturais, agências de financiamento, etc. e localizam-se no CAMPO DO PODER.
O próprio Presidente da República pode funcionar como uma instância de consagração, por exemplo, ao
dar uma opinião positiva de um livro que leu ou tirar fotografias numa feira qualquer. Uma celebridade é
também uma instância de consagração ao permitir o uso da sua imagem para um anúncio de algo.
5
A este desprezo Bourdieu atribui a designação de tabu da explicitação.
6
Um grupo bem organizado pode funcionar como uma classe social (move-se por objetivos comuns).
Um grupo pode também tentar associar-se a outro detentor de uma maior quantidade/qualidade de
CAPITAL SIMBÓLICO de forma a subir no espaço social e chegar ao CAMPO DO PODER.

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

Relativamente aos outros tipos de CAPITAL temos:


– CAPITAL CULTURAL7: É um ter-se tornado, uma propriedade feita corpo, tornada parte
integrante da “pessoa”, um habitus. A aquisição do capital cultural exige tempo e, portanto,
meios materiais, essencialmente financeiros, para conseguir arranjar esse tempo; neste aspeto
o capital cultural está estreitamente relacionado com o capital económico8. É composto pelo:
 ESTADO INCORPORADO que remete para os conhecimentos adquiridos.
Existe sob forma de disposições duradoiras do organismo (ex. ser
competente num dado domínio do saber, conhecer e saber mover-se no
mundo social e usar os seus códigos);
 ESTADO OBJETIVADO que corresponde a realizações materiais;
 ESTADO INSTITUCIONALIZADO que diz respeito ao reconhecimento de
competências pela sociedade, que torna público esse reconhecimento, o
institucionaliza, e com frequência lhe confere estatuto (títulos, diplomas,
êxito em curso).

– CAPITAL SOCIAL: Conjunto de contactos, relações, conhecimentos, amizades,


obrigações, que dá ao agente uma “espessura” social maior ou menor, um poder de ação e
reação mais em menos importante em função da qualidade e da quantidade das suas relações
e dos seus laços com outros indivíduos cujo perfil, em termos de capital, nas suas diferentes
formas, apresenta forte semelhança ou homologia com o do agente.
 Conjunto de recursos ligados a uma rede duradoira de ligações9;
 Pertença a uma grupo, como um conjunto de agentes dotados de
propriedades comuns, mas também unidos por ligações permanente e
úteis;
 Tende a ser um multiplicador de poder por um efeito de agregação
simbólica.

7
Classifica também a desigualdade nas performances das crianças oriundas de diferentes classes sociais,
ou seja, remete para o êxito escolar. Devido a isso, o sistema escolar acentua as desigualdades culturais
dos alunos, pois os mais ricos irão para uma escola privada com uma qualidade de ensino superior à de
uma escola público.
8
Existe uma conversão, uma troca de moeda por outra.
9
Rede de ligações - produto de estratégias de investimento social, [] a fim de criar relações das quais
pode retirar lucros materiais ou simbólicos

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

LITERATURA
– Origens e evolução –
O lexema literatura deriva do lexema latino literatura – derivado do radical littera (letra,
carácter alfabético) – que significa saber relativo à arte de escrever e ler, gramática, instrução,
erudição. Na segunda metade do século XV, os lexemas daqui derivados surgiram sob feições
muito semelhantes umas às outras nas principais línguas europeias. Até ao século XVIII,
Literatura designava de modo geral o que estava escrito e o seu conteúdo, o conhecimento.
No século XVIII, ocorreram profundas transformações socioculturais e evoluções no
campo da ciência que determinaram a evolução semântica deste termo. Isto abalou a ideia que
até então se tinha de Literatura e determinou a evolução semântica do conceito de maneiras
que ainda hoje são analisadas e tidas em conta. Este impacto demonstrou que a Literatura é
indissociável das circunstâncias culturais em que se desenvolve.

TRANSFORMAÇÕES SOCIOCULTURAIS
O alargamento do poder da burguesia expandiu de igual modo o público leitor, tanto
que, pela primeira vez na história, surgem os autores capazes de viver dos rendimentos
proporcionados pelos seus trabalhos. Para além disso, a vida cultural das cortes e dos
salões substitui o humanista, o erudito ou o letrado; agora, a cultura, impregnada pelo
gosto do lúdico do Barroco e do estilo mundano do homem de corte, adquire uma
tónica fortemente marcada pela necessidade de agradar, de dar prazer estético. A
Literatura passa a ter uma função pedagógica e de interveniente nos problemas
ideológico-políticos enfrentados na altura. Para além disso, nas primeiras décadas
deste século, surgiu o pré-romantismo e com ele produções como o romance e a novela,
ou seja, novos géneros literários do campo da prosa. O termo poesia deixou, então, de
ser aplicável a todos os textos literários, tonando-se, assim, específico daqueles que
tivessem determinadas características técnico-formais. Literatura era uma designação
genérica mais extensiva, que incluía tanto os textos escritos em verso como aqueles
em prosa.
EVOLUÇÕES NO CAMPO DA CIÊNCIA
Os progressos técnico-científicos, e a crescente dependência da observação e da
experiência, levaram a que o lexema ciência adquirisse um significado mais estrito, de
tal modo que frequentemente se opõem os conhecimentos por esta confirmados aos
que são apenas de origem livresca. Deste modo, tornou-se impossível associar os textos
científicos aos das belas-letras e o mesmo sucedeu com os de outras áreas como a
música, a arquitetura, etc., ou seja, mais técnicos. Na verdade, a Literatura fazia questão
de se demarcar dos valores da ciência, da técnica e da civilização burguesa, na
antinomia cultura linguística versus cultura científico-tecnológica. Esta teria a
capacidade de ser substituto de códigos éticos e credos religiosos.

O conceito de Literatura foi associado com algumas ideias negativas. Por exemplo,
Voltaire fazia questão de distinguir o conceito de literatura e de literato do conceito de génio,
sendo o primeiro inferior à grandeza do última. A Literatura era classificada por ele como «uma
luz muitas vezes enganosa». Para além desta diferenciação, Voltaire procedeu a uma
comparação entre o conhecimento representado pela Literatura e aquele representado pela
filosofia e pela ciência, sendo este mais exigente. Assim, a Literatura dizia respeito a objetos
caracterizados pela beleza – belle littérature. Desta forma, a crítica e a cronologia, livros
técnicos sobre, por exemplo, a música ou a pintura, não poderiam ser considerados textos

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

literários por carecerem de valores estéticos. Diderot foi de uma opinião semelhante,
considerando a Literatura como sendo a arte e as manifestações dessa arte, tratando-se do
conjunto de textos que se singulariza pela presença de determinados valores estéticos.
Ao longo dos séculos XIX e XX, a Literatura foi adquirindo as seguintes aceções:
a) Conjunto de produção literária de uma época – literatura do século XVIII, literatura
vitoriana – ou de uma região – pense-se na famosa distinção de M.me de Staël entre
«literatura do norte» e «literatura do sul».
b) Conjunto de obras que se particularizam e ganham feição especial quer pela sua
origem, quer pela sua temática ou pela sua intenção: literatura feminina, literatura de
terror, literatura revolucionária, literatura de evasão, etc.
c) Bibliografia existente acerca de um determinado assunto.
d) Retórica, expressão artificial. Verlaine, no seu poema Art Poétique, escreveu: «Et tout
le reste est littérature», identificando pejorativamente literatura com expressão
retórica, falsa e artificial.
e) Por elipse, emprega-se simplesmente literatura em vez de história da literatura.
f) Por metonímia, literatura significa também manual de história da literatura.
g) Literatura pode significar ainda conhecimento sistematizado, científico do fenómeno
literário. Trata-se do significado caracteristicamente universitário do lexema e ocorre
em sintagmas como literatura comparada, literatura geral, etc.

– Literariedade –
O conceito de literariedade foi uma tentativa de definir a Literatura. Este seria o
conjunto de características que tornam um texto literário, pegando nos textos e procurando
qualquer qualidade intrínseca, mesmo antes de chegar ao leitor, que os torne literários. Este
termo foi fundado por Roman Jakobson em 1921, numa altura em que as teorias positivistas da
Literatura vigoravam. Foi uma contraproposta à resposta deste últimos que consideraram como
sendo Literatura «toda a obra que representasse a civilização de qualquer época e de qualquer
povo, independentemente de possuir ou não características estéticas, poderia ser aceite como
sendo literatura».
Segundo este teórico, a literariedade seria o verdadeiro objeto de estudo da Literatura,
ou seja, aquilo que faz de uma dada obra uma obra literária. Aquando da classificação de um
texto, é também rejeitada uma abordagem psicológica, filosófica ou sociológica, considerando
que uma obra não pode ser explicada a partir da biografia do seu autor, nem a partir de uma
análise da vida social contemporânea.
Jakobson criou um sistema que, supostamente, todos os textos verdadeiramente
literários, seguiriam. Num modelo de comunicação existiam seis fatores: um destinador (1) que
envia uma mensagem (2) a um destinatário (3), num dado contexto (4); a mensagem requer
um código (5), partilhado em maior ou menor grau pelos dois participantes da comunicação, e
um canal ou contacto (6) entre eles. Cada um desses fatores originaria uma função linguística
diferente «centrada sobre», ou «visando», um deles – emotiva (1), poética (2), conativa ou
apelativa (3), referencial (4), metalinguística (5) e fática (6).
No entanto, não existe qualquer qualidade comum a todos os textos literários, para
além de que estes só existem enquanto objeto através de um processo mental de quem os lê.
Já para não mencionar que este método de raciocínio nos levaria a excluir muitos textos que
considerámos como sendo literários. Para além disso, o contexto em que uma dada obra é
escrita é de extrema importância para a sua interpretação, pois dadas épocas vêm com mais
limitações/restrições ou liberdades de expressão, entre outros fatores.

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PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

– Dificuldade em definir o que é a Literatura –


A própria noção de Literatura implica a não definição.
«Este tardio reconhecimento não está desligado do percurso de autoconhecimento que a L. tem
perseguido desde o romantismo e da consequente agudização ontológica […] que tem marcado no séc.
XX esta prática de linguagem que quis recusar a sua herança de arte primeiro e a sua função de
representação depois.»

Para definir literatura precisamos de encontrar qualidades exteriores ao texto, sendo,


para isso, necessário olhar para as instâncias de consagração. O que é Literatura é aquilo que
uma sociedade num dado momento considera como sendo Literatura: CONTEXTO TEMPORAL.
Por exemplo, nas monarquias, maior parte dos textos que lemos são de cortesãos, pois
eram estes que recebiam as tenças do rei, não sendo sequer necessário, para estes autores,
publicar as obras. Nessa altura, as instâncias de consagração eram o rei, o príncipe herdeiro, a
Corte, o Inquisidor (para que os textos não fossem proibidos). Isto para dizer que definir
literatura depende das instâncias de consagração, que, por sua vez, dependem da estrutura
da sociedade, a qual vai variando com o tempo. Mais uma vez, a COMPONENTE TEMPORAL
referida anteriormente.
Uma última nota: sem a construção da consagração não se tem reputação, e sem esta
o CÂNONE não existe.

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PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

CÂNONE
1º sentido: conjunto de regras eclesiásticas que regiam as primeiras igrejas cristãs
a) Há expressões com significados que derivam deste primeiro sentido
 HORAS CANÓNICAS (momentos do dia destinados à oração)
 CANONIZAÇÃO (reconhecimento póstumo da santidade de alguém)
 NA MÚSICA (repetição regular de uma música)

Na LITERATURA a palavra CÂNONE reporta-se às noções de autoridade, autenticidade


e permanência.
1. O CANÔNE pressupõe uma seleção
2. O CANÔNE relaciona-se com o problema da autenticidade de um AUTOR
 conjunto dos textos reconhecidamente escritos por um autor
3. O CANÔNE relaciona-se com a utilização da TRADIÇÃO LITERÁRIA como referência
 elenco de textos exemplares a transmitir às gerações futuras
 tradição/inovação (em relação ao Cânone estabelecido)
(se um texto for demasiado revolucionário, pode não ser incluído por não ser suficientemente
representativo)
4. O CANÔNE relaciona-se com um conjunto de elementos definidores de um
GÉNERO, de uma CORRENTE, ou um PERÍODO literário
 A presença destes elementos definidores pode determinar a inclusão ou não
inclusão da CÂNONE do momento
5. O CANÔNE relaciona-se com o ENSINO da Literatura
 Os programas escolares constituem testemunho de uma consciência cultural
e nacional
6. O CANÔNE relaciona-se com a constituição da IDENTIDADE de uma COMUNIDADE
 Pode tratar-se de uma identidade tribal, regional, nacional, etc. Integra as
obras que veiculam os valores dos quais essa comunidade se revê num dado
momento
7. Um CANÔNE corresponde a UMA ORDENAÇÃO das produções culturais (literárias,
musicais, plásticas) de uma sociedade de modo a CONFERIR-LHES um SENTIDO

O C. pode ser considerado como sendo a lista de autores de obras consideradas ótimas,
mas que sejam também modelos de comportamento. No entanto, isto é algo que parece variar
consoante o ponto de vista do crítico que estuda os textos. O Crítico A pode não considerar o
Escritor 1 como um autor literário, ao contrário do Crítico B que já é capaz de o fazer. De acordo
com aquilo que queremos consagrar, criamos um novo cânone – PERMANENTE
RECONFIGURAÇÃO.
«[…] quer pensemos nos cânones como condenáveis porque formados ao acaso ou para servirem certos
interesses em detrimento de outros, quer suponhamos que os conteúdos dos cânones são
providencialmente escolhidos, não pode haver dúvidas de que sem recurso a eles, não acharíamos
maneira de ordenar o nosso pensamento acerca da história da literatura e da arte.»

Por quanto mais tempo um dado autor estiver nesta lista de autores consagrados
maior será a dificuldade de o remover. Por exemplo, Sá de Miranda foi o primeiro escritor a
escrever sonetos em português, sendo, desta forma, algo para o qual se olha e se sente orgulho.
Outro exemplo, e quase desnecessário de tão obvio que é, são Os Lusíadas. Estes narram a
viagem de Vasco da Gama na época áurea de Portugal: os Descobrimentos: IDENTIDADE
NACIONAL.

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PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

O C. está em estreita relação com a PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA, pois apenas aqueles


textos que são considerados canónicos – ou seja, aqueles obedecem aos da critérios
NACIONALIDADE, da REPRESENTATIVIDADE e da ORIGINALIDADE – são considerados dignos de
serem incluídos na História da Literatura.

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PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

PERÍODO LITERÁRIO
– O que é um Período Literário –
«O conceito de período literário constitui um instrumento indispensável adentro de uma compreensão
histórica do fenómeno literário, bem como das interações e relações que ele mantém com os restantes
fenómenos culturais e sociais.»

Houve sempre uma necessidade de encaixar as diversas literaturas em grupos temporais


específicos e bem delimitados. Não basta uma lista de textos a serem estudados, é necessário
encaixá-los em períodos de tempo, organizando-os de forma sequencial para dar sentido ao
conhecimento. No entanto, esta não foi uma divisão feita de uma forma estável e única. Não há
um único crítico que divida a vida da Literatura da mesma forma, e o que acontece é que, devido
ao ponto de vista de alguns críticos, certos escritores são perdidos no tempo e excluídos.
A Literatura é indissociável da História – pois enquanto produção humana a Literatura
é produzida num tempo, faz parte do devir histórico –, rejeitar a necessidade de dividir a
primeira é negar a racionalidade e inteligibilidade da última. A Literatura evolui com a História,
mas isso não significa que está absolutamente dependente dela, isto é, o nascer de uma
determinada era não determina o florescimento ou falecimento de valores estéticos. Desta
forma, isolar a Literatura em “unidades” de análise10 como SÉCULO ou ACONTECIMENTOS
POLÍTICOS E SOCIAIS simplesmente não funciona pois ou raramente coincide com o início ou
final de uma corrente literária ou raramente dá conta da diversidade de formas e de
acontecimentos que podem coexistir sob a mesma designação.
Ao organizar a História da Literatura em períodos históricos, é criada uma certa
coincidência com acontecimentos históricos que muitas vezes nada tem a ver com as
mudanças no campo literário. Por exemplo, um dos episódios mais marcantes da História
portuguesa foi o Terramoto de 1755, e, aparentemente, segundo alguns críticos, este
acontecimento teve também o seu dizer na Literatura. No entanto, se se for a ver com atenção,
a Literatura “pré-Terramoto” e a Literatura “pós-Terramoto” não apresentam quaisquer
diferenças entre elas.
«Um período não se caracteriza por uma perfeita homogeneidade estilística, mas pela prevalência de
um determinado estilo.»

Dois sistemas de normas não se limitam a coexistir, mas fundem-se no mesmo artista ou na
mesma obra. Por exemplo, apesar de Os Maias serem, essencialmente uma obra do realismo, esta
apresenta ainda padrões do romantismo, tal como no romantismo prevalecem elementos neoclássicos.
Assim, é possível ver que os PERÍODOS LITERÁRIOS não se sucedem de forma rígida ou linear, sucedem-
se, isso sim, através de zonas difusas de interpretação. Todo o acontecimento deriva de um ou mais
factos anteriores e teve como consequência os acontecimentos que se lhe seguiram. UM SISTEMA DE
NORMAS NÃO SE EXTINGUE ABRUPTAMENTE, TAL COMO NÃO SE FORMA SUBITAMENTE.

Para além disso, alguns críticos parecem ver a evolução dos géneros literários como
sendo universal, isto é, a evolução de um género de literário de um país é aplicável a outros,
mas lá porque houve pré-romantismo na França, não quer dizer que também o haja em Portugal.
A LITERATURA TEM A SUA PRÓPRIA LÓGICA: A LÓGICA DOS BENS SIMBÓLICOS
Retomando a afirmação “A Literatura é indissociável da História”, é quase impossível
falar do “poeta” sem falar do “historiador” e vice-versa. Esta associação é feita porque:

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Outra unidade de análise é a IDADE: pressupõe uma analogia entre a vida humana e a vida da
Humanidade.

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

 Para definir um é útil referir o outro;


 A diferença entre um e outro está no ponto de vista em relação às coisas;
 SÃO CARACTERIZADOS COMO SENDO SUJEITOS DE UM ENUNCIADO DISCURSIVO.
«[…] não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, de representar o que poderia acontecer»

De facto, um historiador e um poeta/escritor usam a mesma fórmula: a narrativa. A


História Nacional usa as mesmas técnicas/materiais/retórica que a Literatura/narrativa
literária. A diferença entre a História e a Literatura está na relação entre os factos e a linguagem.
Segundo René Welleck, um PERÍODO LITERÁRIO seria:
«[…] uma secção de tempo dominada por um sistema de normas, convenções e padrões literários, cuja
introdução, difusão, diversificação, integração e desaparecimento podem ser seguidos por nós»
De acordo com esta teoria, os caracteres distintivos de cada período estão enraizados
na própria realidade literária e são indissociáveis de um determinado processo histórico. No
entanto, UM PERÍODO LITERÁRIO NÃO SE IDENTIFICA COM UMA MERA DIVISÃO
CRONOLÓGICA. Este trata-se de uma divisão arbitrária, uma unidade de análise puramente
artificial, uma ferramenta criada de forma a chegar ao objeto de estudo em questão mais
facilmente.
Um PERÍODO LITERÁRIO é uma ideia reguladora ou categoria histórica excluindo a
tendência nominalista11 e metafísica – que só é possível através da anulação da historicidade do
homem –, pois os caracteres distintivos de cada período estão enraizados na realidade literária
e são indissociáveis de um determinado processo histórico. Um PERÍODO é definido por um
sistema de normas e padrões literários.
No entanto, rejeitar a pertinência de uma periodização literária é negar a racionalidade
do processo histórico e a inteligibilidade da cultura. Reconhecer a pertinência da periodização
literária é reconhecer a pertinência de identificar, delimitar e caracterizar fenómenos de
homeostase12 e de homeorrese13, de continuidade e de mudança na literatura como sistema
semiótico14, como instituição, como processo de produção e de receção de textos e,
obviamente, como corpus textual.

– A aparente impossibilidade de consenso –


Antes de mais, é importante mencionar que esta falta de concordância entre a divisão
feita por diversos críticos se deve ao conceito de CÂNONE anteriormente abordado.
Dependentemente da ideia que têm de CÂNONE, os críticos irão incluir/excluir certos textos por
estes responderem/não responderem às “exigências” dos critérios do CÂNONE, ou, mais
precisamente, da visão que têm deste.

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Nominalismo – conceito de período como uma simples etiqueta desligada de qualquer conteúdo real,
uma solução de tipo metafísico a qual os períodos literários são concebidos como entidades trans-
históricas. A atitude nominalista é uma atitude cética que reduz a histórica literária a um acervo
assignificativo de factos concretos e singulares, desconhecendo a existência de estruturas genéricas que
possibilitam a obra individualizada.
12
Homeostase (= homeostasia) – processo de regulação pelo qual um organismo consegue a constância
do seu equilíbrio.
13
Homeorrese – trata-se de uma "transformação", ou um equilíbrio dinâmico decorrente de novas
contingências impostas por alterações acentuadas do meio, as quais produzem desequilíbrios tais, que
somente uma reconstrução ou reestruturação podem reequilibrar.
14
Semiótico – ciência dos modos de produção, de funcionamento e de receção dos diferentes sistemas
de sinais de comunicação entre indivíduos ou coletividades.

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

Algumas destas divisões chegam a ser extremamente confusas e sem qualquer razão
aparente. Por exemplo, Aubrey Bell, na sua Literatura Portuguesa – História e Crítica, dedica um
capítulo aos “seiscentistas”, mas delimita-o entre os anos de 1580 e 1706. Outro possível é o
capítulo supostamente dedicado à Literatura do século XVIII, mas que se encontra entre os anos
1706 e 1816, sendo que a escolha deste último se deve à morte de D. Maria I, “a Louca”. Esta
divisão passa a fazer ainda menos sentido quando se considera o facto de D. Maria já nem
ocupar o trono devido à sua “invalidez”.
Isto sem explorar a questão dos autores. Muitos autores são excluídos por não serem
considerados suficientemente relevantes ou representativos para terem o direito de ocupar
um lugar na História da Literatura do seu país. Pegando mais uma vez no exemplo de Portugal,
muitos escritores bilingues – que escreveram tanto em português como em castelhano – não
foram incluídos por violarem o caráter da NACIONALIDADE.
Muitas vezes são também incluídos autores e textos que não faz sentido algum
estarem lá. As Cartas da Religiosa Portuguesa é um bom exemplo. O estilo não corresponde ao
estilo português, já para não mencionar que a primeira edição veio escrita em francês, apesar
das referências serem de Portugal. É importante perceber a história por trás desta obra para
perceber a razão de eu a ter usado para ilustrar este meu ponto de vista. Em traços muito largos,
houve uma freira de Beja, Mariana Alcoforado, que se apaixonou por um soldado francês que lá
tinha passado. Ela ter-lhe-ia escrito várias cartas de amor que, de alguma forma, acabaram nas
mãos de alguém. O problema com esta “obra” é que o que foi publicado foi fruto de tantas
transformações e rescrições que é implausível que seja 100% original.

– Os critérios de avaliação –
Anteriormente, foram referidos os critérios da NACIONALIDADE, da ORIGINALIDADE e
da LÍNGUA. No caso português, a constante busca pelo respeito a estes valores condicionou
gravemente a História da Literatura do nosso país e estas repercussões duram até aos dias de
hoje. Os motivos invocados para essa desvalorização não foram sempre os mesmos, nem os
julgamentos negativos incidiram sempre sobre as mesmas épocas.
Por um lado, na busca das manifestações do génio, da originalidade e de condutas
exemplares, o centro de interesse da História Literária situou-se muito mais na biografia dos
autores e nas circunstâncias exteriores às obras, do que nos textos. Por outro, o facto de se
procurarem obras isentas de influências extra-nacionais numa literatura desde sempre
permeável às culturas das outras regiões peninsulares, e ideias “originais” em produções
resultantes em grade medida de interpretações locais de correntes de pensamento de
circulação europeia, levou a que grande parte da produção literária portuguesa dos séculos
XVI, XVII e XVIII fosse desprezada.

– Geração, movimento, escola –


O conceito de GERAÇÃO LITERÁRIA não substitui nem se opõem ao de PERÍODO
LITERÁRIO. Este pode como um grupo de escritores de idades aproximadas, vivendo no mesmo
contexto histórico, com os seus respetivos problemas, e compartilhando conceções idênticas,
para além dos mesmos valores estéticos, assumem lugar de relevo na vida literária de um país
mais ou menos na mesma data.
Se os membros de uma GERAÇÃO se encontram associados em torno de um programa
estético-literário pode-se dizer que constituem um MOVIMENTO LITERÁRIO. Um MOVIMENTO
tem quase sempre um guia, uma personalidade que polariza os ideais e os objetivos do grupo,
mas não tem um mestre, distinguindo-se, assim, de uma ESCOLA LITERÁRIA.

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

GÉNERO
É impossível estudar Literatura sem tropeçar na questão do género (tipologia) literário.
Independentemente do que escrevemos, inadvertidamente damos sempre uso a
características/elementos de vários géneros. Por exemplo, o fenómeno que corre atualmente
de celebridades “escreverem” – entre aspas pois falam por trás da voz de um “escritor
fantasma” que nunca é revelado – a sua autobiografia. O que todas têm em comum é que nunca
começam com o início, ou seja, com o momento em que nasceram. Este surge quando um
acontecimento no presente provoca uma evocação da infância. Sem estudos muito
aprofundados da área da Literatura, usam a clássica narração in media res.
O que é um GÉNERO? O termo GÉNERO ora se refere a categorias acrónicas e universais
– a lírica, a narrativa, etc. –, ora se refere a categorias históricas e socioculturais – o romance,
o romance histórico, a ode, a ode pindárica, o soneto, etc. Tem a função de estabelecer uma
classificação genérica dos géneros literários.
Um género caracteriza-se pela correlação sistémica dos seguintes fatores:
a) Um determinado MODELO DE SITUAÇÃO COMUNICATIVA que conexiona o género com
um modo literário (narrativo, lírico e dramático). Ao ato comunicativo correspondem a
ENUNCIÇÃO, o DESTINO e a FUNÇÃO, enquanto que ao texto correspondem o nível
sintático e o semântico. Desta forma, os nomes dos géneros não se referem ao texto ou
a um conjunto de propriedades suas, mas sim a uma das características anteriormente
referidas. Por isso, uma mesma obra pode ser classificada em diferentes géneros
segundo o aspeto em que se destaque.
a. Na ENUNCIAÇÃO terá de se ter em conta a posição do enunciador (sério ou
fictício), a da enunciação (oral ou escrita) e os modos de enunciação (narração
ou representação).
b. No DESTINO terá de se ter em conta se o destinatário é:
i. determinado ou indeterminado (por exemplo, para distinguir a carta
real da fictícia);
ii. reflexivo ou transitivo (por exemplo, para diferenciar o diário íntimo de
uma “constelação comunicacional normal”);
iii. real ou fictício (a novela por carta).
c. A FUNÇÃO poderá ser ilocutiva (a ilocutiva descritiva no lamento, etc.) ou lúdica
(o lamento, a oração ou os provérbios, etc).
b) Um determinado MODELO DE FORMA DO CONTEÚDO, configurado por elementos
semânticos e pragmáticos acrónicos e por elementos semânticos e pragmáticos
histórico-sociais. As marcas semânticas e pragmáticas de um género literário,
inextricavelmente ligadas às suas modalidades enunciativas, permitem estabelecer uma
analogia entre o género literário e o ato ilocutivo.
c) Um determinado MODELO DE FORMA DA EXPRESSÃO, resultante de normas e
convenções estilísticas que regulam a coerência textual de curto raio de ação – as
microestruturas formais do texto – e de normas e convenções retóricas e técnico-
compositivas que ordenam a coerência textual de longo raio de ação – as
macroestruturas formais do texto.

Os GÉNEROS literários, por sua vez, podem dividir-se em subgéneros, em função da


específica relevância que no seu código – assim diferenciado em subcódigos – assumem
determinados fatores semântico-pragmáticos e estilístico-formais. O género romance, por
exemplo, comporta subgéneros como o romance picaresco, o romance pastoril, o romance de

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PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

educação, o romance epistolar, etc. Os subgéneros, embora possam exercer uma ação
fecundante como modelos, ao longo do tempo, na memória do sistema e na praxis literária,
possuem uma duração mais limitada do que os géneros, apresentando-se muito vulneráveis
às grandes transformações históricas do policódigo literário.
«[…] o género representa em relação ao modo e o subgénero representa em relação ao género um
fenómeno de hipercodificação, isto é, um fenómeno de especificação e de complexificação das normas
e convenções já existentes e atuantes no modo15 e no género.»

Alguns aspetos importantes:


– Para que serve um género?
Esta indicação de género confere ao livro um “estatuto oficial” que o autor e o
editor querem atribuir ao texto e que nenhum leitor pode legitimamente ignorar
funcionando como:
 Há um efeito de reconhecimento, isto é, quando um livro é encaixado
num determinado género, como, por exemplo, tragédia, antecipamos uma certa
ordem de eventos, no caso mais exato do exemplo dado, esperamos a morte de
todas as personagens. – GUIA DE ESCOLHA;
 Para além disso, a indicação de género predispõe o leitor a ler de uma
forma considerada adequada e específica daquele género. Por exemplo, se um
leitor vai ler um poema, este toma atenção redobrada ao ritmo e à forma. –
MANOBRA DESTINADA A DETERMINAR UM MODO DE LER;
 ELEMENTO DE AVALIAÇÃO ESTÉTICA.
Alguns escritores brincam com esta expectativa.

– As “fronteiras”/delimitação do género
Existem divisões muito claras. Basta faltar um elemento, por mais mísero que
seja, para impossibilitar a classificação daquela obra como sendo pertencente a
um género. Segundo Derrida, os géneros não devem ser misturados e há regras
que devem ser absolutamente seguidas.16

– Origens e História –

ÉPICA PROBLEMAS COM ESTA TIPOLOGIA


Quando se tenta aplicar as regras da Antiguidade à
Tragédia Modernidade, é claro que não irá funcionar. Se a regra
DRAMA é muito rígida acaba por atrofiar a criação.
Comédia
A tipologia dos textos é demasiado rígida, já para não
Lírica dizer que todos os géneros têm uma vida própria.
POESIA
Ditirâmbica É necessário aplicar uma dimensão temporal, pois, por
(a prosa não era encarada como algo exemplo, escrever um poema épico no século XXI não
artístico) será a mesma coisa do que o escrever na Antiguidade.
Aristóteles e Horácio

15
Os modos da ficção são categorias básicas articuláveis com as perspetivas históricas e as tradições
literárias.
16
REGRAS versus TRANSGRESSÃO – Quando numa dada época, existe um conjunto de regras – uma forma
e um tema – que são transgredidos, forma-se uma TENSÃO, que se trata de um violação de algumas regras
de um dado género para criar algo novo.

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

Os textos eram classificados segundo os objetos (pessoas e acontecimentos), os modos


(direto ou teatral, indireto ou narrativo) e os meios (métrica, nível de linguagem, predominância
ou não de linguagem figurada) como se realiza a MIMESE. Esta MIMESE é uma «imitação de
pessoas, sentimentos e situações» no sentido, não de uma cópia exata, mas uma recriação o
«ato de recriar, em linguagem artística, um espaço-tempo suscetível de equivaler ao do real
objetivo, sem contudo ser idêntico a ele».
«[…] a criação literária é facto histórico, não só estético, e que, como historicidade que é, o texto deve e
pode variar em modo, forma, tom e conteúdo ao longo das épocas.»
– A HISTORICIDADE DE TUDO (os géneros também têm uma história).

Esta história é reconfigurável, por exemplo, é possível escrever uma epopeia em épocas
diferentes, no entanto, é necessário adaptar a forma ao período em que se vive (não se pode
escrever um poema com o ritmo, estrutura, rima gregos). Trata-se de uma REESCRITA FORMAL
E TÉCNICA – ATUALIZAÇÃO: adaptam-se às formas de criação da sociedade na qual ressurgem.
Daí poder-se chegar à História a partir da LITERATURA.
O GÉNERO funciona, assim, como uma categoria de análise histórica. Durante séculos,
a LITERATURA estava associada à classe social (ser canonizado), raça, género, nível económico,
religião – CATEGORIAS DE ANÁLISE. No entanto, a classe social prevalecia sobre tudo o resto. A
pessoa que estivesse a escrever bem podia ser uma mulher negra e pobre que, em certas
épocas, não importaria desde que tivesse sangue azul. É quando cai a monarquia, no século XIX,
que a CATEGORIA DO GÉNERO começa a impor-se. A historiografia começou a fazer-se a partir
deste século, daí todas as figuras, nomeadamente femininas, que foram completamente
silenciadas.
O GÉNERO passa a interferir na perceção que se tem dos próprios géneros (h/m).
FORMA + TEMÁTICA – em sociedades em que os papéis de género estão bem definidos, certos
temas não são para homens e certos temas não são para mulheres. O problema não é bem
estarem lá, há muitas mulheres que foram excelentes estrategas e importantíssimas na era
Medieval, mas sim serem silenciadas. Desta forma, não se pode depender somente de
documentos oficias quando se trata de estudar a HISTÓRIA DA LITERATURA, uma vez que,
como se pode ver, estes nem sempre foram imparciais.
É, então, criada uma ligação entre GÉNERO e SEXO, também porque durante um longo
período de tempo ficava mal visto às mulheres escreverem, uma vez que se tratava de um ato
público, e isso costumava estar associado com a prostituição. A sociedade é UM DOS
CONDICIONALISMOS REFERIDOS NAS CINCO PERGUNTAS DO INÍCIO. A isto dá-se o nome de
GENDERIZAÇÃO, que constitui exatamente no fenómeno de atribuir um género a coisas que
são relativamente neutras/identificação entre certas GÉNEROS LITERÁRIOS e determinados
géneros. OS PAPÉIS DE GÉNERO IMPOSTOS SOBRE O ESCRITOR DETERMINAM A FORMA COMO
ESTE SE DEVE EXPRIMIR. No entanto, a matéria nunca é realmente neutra, uma vez que se
trata de uma PRODUÇÃO HUMANA.
Por exemplo, numa dada altura do século XVII, o GÉNERO favorito das mulheres era a
carta. Madame de Sévigné foi uma exemplar, tendo escrito muitas cartas à filha a contar todas
as coisas que aconteciam na corte de D. Luís XIV. Este é um tema que casa bem com a ideia dos
papéis de género da mulher que se tinha então.

NO ENTANTO
Há mulheres que usaram a carta para dizer outras coisas, como foi o caso da Condessa
da Somar. Esta mandou uma carta ao seu filho recentemente endereçado ao exército, na qual

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

fala sobre como este se deve comportar, várias estratégias de batalha, etc. A CARTA é um
GÉNERO que passa facilmente e, como se pode ver, não tem muito que ver com TEMÁTICA.

NUM DADO MOMENTO, UM AUTOR ESCREVE CONSOANTE O MATERIAL QUE TEM



condicionam, MAS não são determinantes

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

AUTOR
A questão de definição do AUTOR é uma situação tão complicada como a de definir o
que é a LITERATURA. A necessidade de atribuir um autor a um texto começou nos tempos da
Inquisição, em que a AUTORIA fica conotada com um sentido de responsabilidade. No século
XIX, surge a ideia de que cada indivíduo deixa uma marca própria. Desde então, nunca mais
conseguimos largar esta convenção de que um texto deve ter um autor. O NOME DE AUTOR
surge, assim, para agrupar uma série de textos e tentar explicá-los através da voz biográfica
que os escreveu. Como se pode ver, a ideia de AUTOR é uma “CONSTRUÇÃO SOCIAL”.
Para além disto, há a questão da REPUTAÇÃO, também ligada com a CONSTRUÇÃO
SOCIAL. Todos os escritores esforçam-se por manter uma boa REPUTAÇÃO, pois esta
influenciará a forma como os seus textos serão percecionados e interpretados, por isso os
autores são muito meticulosos com os meios de transmissão a que se associam (i.e. editoras,
programas de TV, etc).
Isto revela que os livros (os objetos) não são a mesma coisa que os textos. Os textos
encontram-se no campo da AUTORIA e foram escritos pelo autor. No entanto, o livro é o
resultado de uma COLABORAÇÃO. Por exemplo, o fenómeno dos ghost writers: a pessoa A tem
a história, mas não tem o texto, e o ghost writer tem o texto, mas não tem a história. Outro
exemplo era de quando os trovadores procuravam o apreço do Rei para que este divulgasse os
textos na Corte ou lhes desse uma tença. Assim, os livros, as páginas encadernadas e as imagens
que constituem a capa, pertencem ao plano da REALIDADE.
No entanto, um texto tem vida própria, sendo desrespeitoso reduzir a voz que fala no
texto a uma voz biográfica, para além de que muitos são os casos em que as duas vozes não
coincidem. Quando o autor escreve, este desprende-se de tudo o que é seu, desde as suas
convenções à sua própria identidade. A voz no texto pode dizer coisas que o outro nunca diria,
falar numa entidade que não lhe pertence (i.e. heterónimos; pessoas que escrevem sob um
outro nome de forma a que as suas obras sejam olhadas de forma diferente; homens que
escreviam as cantigas de amigo).
Este desprendimento consiste no apagamento da identidade do AUTOR enquanto
pessoa que escreve para que as suas palavras possam ser entendidas por quem lê. A este
fenómeno dá-se o nome de MORTE DO AUTOR. O AUTOR enquanto ser exterior e anterior ao
texto afasta-se, sendo aquilo que mantem uma ideia da sua presença o “efeito textual” da
INSTÂNCIA DE ENUNCIAÇÃO17, por outras palavras, a voz que fala no texto.
«a escrita está agora ligada ao sacrifício, ao sacrifício da própria vida»
«parentesco da escrita com a morte»
– O AUTOR SACRIFICA-SE EM PROL DA EXISTÊNCIA DA SUA OBRA
(o autor morre no sentido de que desiste das várias componentes da sua identidade durante o processo da escrita
para criar uma voz que não lhe pertence mas que será aquela que falará no texto)

É também a MORTE DO AUTOR o que permite a existência de quem lê o texto, ou seja,


do LEITOR. O LEITOR tem um papel de extrema importância nos textos, pois estes existem
dentro dele, tal como a ideia de LITERATURA. Para além disso, a própria figura do AUTOR resulta
das projeções feitas pelo LEITOR. Igualmente, sem LEITOR os textos não existiriam pois não
haveria quem os apreendesse.

17
Esta INSTÂNCIA DE ENUNCIAÇÃO é o RESULTADO DE ASSOCIAÇÕES DO LEITOR + ESCRITOR + EDITOR +
EDITOR + IMPRESSOR + TIPOGRAFO-COMPOSITOR + REVISOR – Elementos da cadeia de transmissão.

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

São estas projeções do LEITOR e as expectativas que este cria quando associa um
determinado grau a um escritor que criam a FUNÇÃO DE AUTOR.

FUNÇÃO DE AUTOR
 Ligada ao sistema jurídico e institucional  Não se exerce de forma universal e
que encerra, determina, articula o universo constante em todos os discursos
dos discursos 
 A questão de a noção do anonimato ser tolerável num
A questão de o ÃUTOR ser passível de ser punido pelo texto científico, mas ser intolerável num texto literário
que escreve, uma noção de responsabilidade para com (segundo Foucault).
o campo em que produz.
 Não se define pela atribuição espontânea  Não reenvia pura e simplesmente para
de um discurso ao seu produtor um indivíduo real
 
É antes o resultado de uma operação complexa, a qual O AUTOR interpreta três eus que trabalham em
varia consoante a época e o tipo de discurso. O AUTOR conjunto e nenhum é mais relevante que o outro.
é apenas a projeção do tratamento a que submetemos Todos os discursos que são providos da FUNÇÃO DE
os textos, os traços que estabelecemos como AUTOR comportam uma pluralidade de eus sob os
pertinentes. quais o escritor escreve.18
«num romance […] os signos […] reenviam […]
para um “alter-ego” cuja distância relativamente
ao escritor pode ser maior ou menor e variar ao
longo da própria obra»

Um autor pode ser o autor de mais do que uma coisa, de textos de várias disciplinas.
Quando assim é, diz-se que o autor se encontra numa posição “transdicsursiva”. Com isto, é
introduzida a importância dos FUNDADORES DE DISCURSIVIDADE, os quais produziram mais do
que um texto ou uma teoria. Criaram um modelo que textos futuros poderiam vir a seguir.
«eles abriram o espaço para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao que eles
fundaram»

O estabelecimento de uma DISCURSIVIDADE, apesar de originar outros textos


posteriores, é completamente diferente e independente destes últimos, não fazendo parte
das suas transformações. No entanto, para além de criarem textos que poderão vir a ser
seguidos, os escritores seguem sempre e invariavelmente outros textos anteriores. Como
estatuou Barthes, o autor nunca é original, mas tem o poder de misturar as escritas que
constituem uma espécie de dicionário dentro da sua mente.
«o escritor não pode deixar de imitar um gesto sempre anterior, nunca original»

Pegando novamente no facto de se olhar para o NOME DE AUTOR para entender os


textos, alguns críticos e estudiosos, como Samuel Butler e Pierre Bayard, fizeram a experiência
de olhar para determinados textos, como a Odisseia, como sendo escritos por outra pessoa
completamente diferente. O resultado foi que muitas interpretações anteriores não mais
assentavam bem com o novo autor atribuído aos textos. Isto viola o tabu de que um texto ou
uma obra tem um só AUTOR, apesar de que olhar para o texto de uma forma diferente só pode
trazer benefícios, uma vez que abre novas possibilidades de interpretação.

18
O melhor exemplo disto, no caso português são Os Lusíadas. Durante a obra, são muitas as vozes que
falam nos três planos narrativos: temos a voz que fala no plano da Viagem; as vozes (Vasco da Gama num
momento e Paulo da Gama noutro) do plano da História de Portugal. E temos ainda, fora dos planos
narrativos, a voz das Considerações do Poeta e aquela que fala na Dedicatória.

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O Estudo da Literatura – A ECONOMIA DOS BENS SIMBÓLICOS, a LITERATURA, o CÂNONE, o
PERÍODO LITERÁRIO, o GÉNERO e o AUTOR

«Se o erro pode, assim, ter uma verdadeira função de descoberta, é porque permite, o que é mais difícil
quando reflectimos sobre o real, uma mudança de paradigma.»

Desta forma, o erro não é necessariamente algo negativo. Tal como Cristóvão Colombo
pensou que tinha chegado à Índia quando, na verdade, tinha atracado nas Américas, pois tinha-
-se enganado na trajetória, certos erros na literatura permitem ingressar por vias que, de outra
maneira, seriam impossíveis de encontrar, quanto mais seguir.
Não são só os críticos que fazem isto. Também os próprios escritores escrevem sob
nomes diferentes muitas vezes porque intendem que o seu texto seja lido sob uma luz
diferente da do costume. Exemplo disto são aqueles que escrevem sob um pseudónimo, como
foi o caso da J. K. Rollins quando quis escrever um livro “sério”, procurando que este não fosse
interpretado como uma das suas histórias do mundo do Harry Potter. Outro caso são os
heterónimos, dos quais é impossível não referir Fernando Pessoa. Não analisamos um poema
do heterónimo Alberto Caeiro ou Álvaro de Campos da mesma forma que analisamos um do
ortónimo.

A MUDANÇA DE AUTOR PODE LEVAR A NOVOS MODOS DE ABORDAGEM DO TEXTO


«[…] a invenção do autor não é simplesmente o preenchimento de uma falta histórica, é igualmente um
trabalho de criação do qual todo o texto beneficia»
– O AUTOR COMO UM EFEITO DO TEXTO/ALGO QUE O TEXTO PRESSUPÕE

É importante referir aqui a distinção que Foucault faz entre o nome próprio e o NOME
DE AUTOR. O nome próprio refere-se à pessoa real, a um conceito abstrato que nos permite
transitar para o indivíduo exterior. Neste caso, é possível descobrir factos contraditórios com
aqueles que antes detínhamos sem que, no entanto, isso alguma vez prejudique a ideia da
entidade a que nos referimos. O mesmo não sucede com o NOME DE AUTOR. Se se descobrir
que, por exemplo, Shakespeare não escreveu os Sonetos, esse facto perturbará permanente e
irremediavelmente o funcionamento desse nome, pois este exerce uma FUNÇÃO
CLASSIFICATIVA, permitindo agrupar um conjunto de textos e que estes se relacionem entre
si, como já foi referido anteriormente.
«[…] o nome próprio e o nome de autor encontram-se situados entre os polos da descrição e da
designação»

Para além disso, nem todos os textos são passíveis de ter um AUTOR, exemplos disso
são cartas privadas ou listas de compras.

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