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1. INTRODUÇÃO

Embora a matéria sobre a qual versa o Processo Cautelar seja tema


abordado consecutivamente, nas pesquisas realizadas denota-se distinção
doutrinária entre os conceitos, o que dificulta uma aprendizagem efectiva,  
sobre essa égide e com o intuito de elucidar o entendimento acerca dos
processos cautelares dispostos no Código de Processo Civil, este trabalho
propicia uma abordagem ampla dos vários conceitos existentes, de maneira a
utilizar as melhores definições para cada item, facilitando a aprendizagem
acerca da matéria em questão.
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O processo cautelar tem por finalidade assegurar, na máxima medida


possível, a eficácia prática de uma providência cognitiva ou executiva. Busca,
portanto, assegurar a utilidade de um processo de conhecimento ou de
execução, quanto à finalidade respectiva de cada um deles. O processo
cautelar é, portanto, dependente de outro, seja cognitivo ou executivo.
Entretanto, há uma excepção a isso, que seria as chamadas “cautelares
satisfativas”, consideradas anomalias do ordenamento jurídico.

O processo cautelar é o procedimento judicial que visa prevenir,


conservar, defender ou assegurar a eficácia de um direito, surge, portanto,
como um instrumento pronto e eficaz de segurança e prevenção para a
realização dos interesses dos litigantes. Esta preventividade visa, “assegurar a
permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas,
enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional …
A acção cautelar consiste, destarte, em providências que conservem e
assegurem tantos bens quanto provas e pessoas, eliminando a ameaça de
perigo actual ou iminente e irreparável. Desta forma se traduz em mecanismo
de preservação da efectividade das decisões judiciais, ajudando
subsidiariamente os processos de conhecimento e de execução.

a. Distinção entre processo, medidas e acções cautelares

Segundo Marcello do Amaral Perino e Alessandra Teixeira Miguel


Perino:
 “Processo cautelar é o instrumento utilizado pelo jurisdicional para
assegurar ou garantir a satisfação da pretensão buscada no processo principal
– de conhecimento ou execução.
A acção cautelar é o direito ao exercício da actividade jurisdicional
tendente a proteger os direitos pretendidos em outro processo. Já a medida
cautelar é o próprio provimento jurisdicional pretendido – liminar ou sentença,
que concede a protecção buscada.”
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2.1. Características do processo cautelar

Do ponto de vista procedimental, podemos elencar as características do


Processo Cautelar:

a) Autonomia: o processo cautelar não depende do processo principal. O


processo cautelar tem sua individualidade própria, uma demanda, uma
relação processual, um provimento final e um objecto próprio;
b)  Instrumentalidade: é o instrumento utilizado para garantir a eficácia do
processo de conhecimento ou de execução. O processo é um instrumento
de jurisdição;
c)  Urgência – a tutela cautelar só deve ser accionada se está presente uma
situação de perigo, ameaçando a pretensão;
d) Sumariedade da cognição: não há uma análise profunda e detalhada das
matérias que podem ser alegadas, basta ser analisada a existência do
fumusboniiuris e o periculum in mora;
e) Provisoriedade: tem duração temporal limitada, a medida cautelar não é
definitiva, a sentença da acção principal substituirá a tutela cautelar;
f) Revogabilidade: Como será visto, a tutela cautelar é concedida com base
em summaria cognitio, ligada a situações de emergência· (periculum in
mora) e que demandam superficial cognição sobre o direito discutido (fumus
boni iuris). Por isso, não se poderia deferir à tutela cautelar carácter de
irrevogabilidade e imutabilidade, uma vez que é a mesma deferida com
fundamento em conhecimento parcial e sumário do litígio.

Com efeito, sempre que se verificar a ausência dos requisitos que


renderam ensejo à concessão da tutela cautelar, deverá ela ser revogada pelo
magistrado de ofício ou a requerimento da parte.

g) Modificabilidade: Os mesmos motivos que conduzem à revogabilidade das


cautelares podem ser aplicados à possibilidade de sua modificação. Assim,
para melhor atender ao escopo da tutela cautelar – que como visto é
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proteger a eficácia do processo principal -, poderá o magistrado modificar a


medida pleiteada para adequá-la ao caso concreto.
h) Eficácia no Tempo: Conforme exposto no item anterior, uma das notas
características da tutela cautelar é a sua temporariedade, entendida essa
como o prazo de validade da medida cautelar eventualmente deferida.
Expressamente arrolou-se as causas que rendem ensejo à perda da
eficácia das medidas cautelares, encontrando-se elas descritas no diploma
processual civil.

Outrossim, conforme amplo entendimento doutrinário e jurisprudencial, é


norma que só se aplica às medidas cautelares constritivas de direitos do
requerido. As cautelares, classificadas como conservativas, que não acarretam
prejuízos à esfera jurídica do demandado – tais como a produção (rectius,
asseguração) antecipada de provas, exibição e justificação – não se submetem
a esse regramento.

O segundo caso de perda da eficácia da medida cautelar é o de não ser


ela executada (rectius, efectivada) no prazo de trinta dias. Trata-se de norma
destinada a evitar que a medida cautelar deferida seja efectivada a qualquer
tempo. Por óbvio que a perda da eficácia só ocorrerá quando a não efectivação
for imputável à parte requerente. Tratando-se, por exemplo, de não efectivação
por morosidade da justiça, certamente não se deve aplicar a norma em
comento.

Finalmente a medida cautelar perderá sua eficácia se “o juiz declarar


extinto o processo principal com ou sem julgamento de mérito”. A regra em
análise tem directa relação com a já analisada instrumentalidade da tutela
cautelar. Com efeito, voltando-se o processo cautelar para a protecção da
eficácia de um outro processo, dito principal, não há razão para que essa
cautela prossiga gerando efeitos se a razão maior de sua existência – que é o
processo principal – não mais subsiste, ou seja, foi extinto.

Trata-se de aplicação da conhecida regra de que o acessório, no caso a


cautelar, segue o destino do principal. Nada obstante, cumpre observar o alerta
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feito no sentido de que essa norma não pode ser interpretada literalmente,
havendo casos em que mesmo com a extinção do processo principal, a
cautelar deve prosseguir com sua eficácia.

De facto, nem sempre a extinção do processo principal acarretará a perda da


eficácia da tutela cautelar. Explica-se. Como sabido, o processo pode ser
extinto de duas formas: sem ou com a resolução de mérito (sentenças
terminativas e definitivas). Quando a sentença do processo principal é
terminativa (sentença que não aprecia o mérito), dúvida não há quanto à
incidência da norma em comento, perdendo a cautelar sua eficácia.

Entretanto, quando a sentença é definitiva (sentença que aprecia o


mérito), deve o intérprete cercar-se de maiores cuidados. Sendo de
improcedência do pedido inicial, normalmente incidirá a regra, perdendo a
cautelar sua eficácia (o que é de todo lógico, uma vez que a cognição
exauriente do processo principal, dando pela improcedência do pedido autoral,
demonstra cabalmente que o requerente da medida cautelar não é detentor de
fumus boni iuris). Sendo de procedência o pedido formulado pelo autor, a
medida cautelar continuará a produzir efeitos enquanto for necessária para
assegurar a efectividade do processo principal.
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3. COMPETÊNCIA NO PROCESSO CAUTELAR

Competência Geral - A competência, segundo doutrina consagrada no


processo civil, pode ser definida como a forma de distribuir, entre os vários
órgãos judiciários, as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição.

No processo cautelar, a regra básica de competência, “as medidas


cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz
competente para conhecer a acção principal”.
Assim sendo, é possível afirmar que será competente para conhecer e
julgar a lide cautelar o mesmo juízo que é competente para conhecer a acção
principal.

A regra em comento recebe críticas por parte da doutrina por


desconsiderar o que os autores denominam competência cumulativa entre o
juiz da causa
principal e o juiz do local onde a medida tem de ser cumprida.

Como se depreende, não se admite essa cumulação de competências,


estatuindo juízo específico para conhecer e julgar a cautelar (o juízo da acção
principal). Tal sistemática, contudo, pode ocasionar o perecimento do objecto
da acção cautelar, quando essa tiver de ser cumprida, com urgência, em local
diferente daquele em que tramita ou tramitará a acção principal.

Em situações como a narrada, nas quais a eficácia da medida cautelar


pode ficar comprometida por não coincidir o juízo competente com o do local
em que a medida deva ser efectivada, tem-se admitido o manejo da acção
cautelar onde se fizer necessário, mesmo que o juízo seja relativamente
incompetente para apreciá-la.
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4. COMPETÊNCIA CAUTELAR EM SEGUNDO GRAU DE


JURISDIÇÃO

Consigna-se: “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida


directamente ao tribunal”. A norma em comento não tem interpretação uniforme
na doutrina.
Carpena defende que as medidas cautelares devem ser requeridas para
o juízo (monocrático ou colegiado) que se encontre com toda a jurisdição sobre
o processo principal, “somente quando já tiver acabada a prestação
jurisdicional do juízo a quo, terá o ad quem competência originária para
apreciar e julgar a acção cautelar incidentalmente ajuizada”.

Concluindo seu entendimento, assevera: “ora, se o que dispusesse a


competência fosse a interposição do recurso (assim como imprecisamente
redigiu o legislador) e, não o ofício jurisdicional sobre toda a lide, no caso de
agravo de instrumento ter-se-ia medida cautelar endereçada ao tribunal,
acompanhando o instrumento, enquanto o processo tramita normalmente no
primeiro grau, o que não teria sentido”.

Sobre essa questão, aliás, cumpre destacar que a pendência de agravo


não atribui competência ao tribunal para o processo cautelar incidente, isso
porque o agravo não leva ao conhecimento do tribunal toda as questões
discutidas no processo, mas apenas a devolução acerca da decisão
interlocutória recorrida.

Baptista, por sua vez, não faz qualquer ressalva, pugnando pela
competência do juízo ad quem tendo sido interposto o recurso. Nery parece
trilhar o mesmo caminho. Finalmente, encontra-se também posição segundo a
qual não basta a interposição do recurso para atribuir competência cautelar à
instância ad quem, sendo necessário que o processo tenha efectivamente
chegado ao tribunal (é o que defende Bermudes).
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A nosso ver, a questão melhor se resolve levando em consideração o


exercício do juízo de admissibilidade recursal. Assim, já admitido o recurso na
origem, a competência para a eventual acção cautelar será do juízo ad quem;
pendente, ainda, o juízo de admissibilidade recursal, a competência para a
cautelar será (ainda) do juízo a quo.

a. Classificação

Diversas são as classificações propostas pela doutrina acerca do


processo cautelar. Adopta-se, por sua simplicidade e clareza, que defende
sejam as medidas cautelares classificadas de 3 formas: quanto à tipicidade,
quanto ao momento de postulação e quanto à finalidade.

Quanto à tipicidade, as medidas podem ser típicas (nominadas), caso


estejam descritas em lei, ou atípicas (inominadas), caso sejam requeridas e
deferidas com base no poder geral de cautela. Quanto ao momento da
postulação, as cautelares poderão ser antecedentes, se pleiteadas antes da
propositura da acção principal, ou incidentes, acaso postuladas quando já em
curso a demanda principal.

Finalmente, quanto à finalidade, as cautelares podem ser classificadas


em medidas de garantia de cognição, quando objectivas assegurar a eficácia
de um processo de cognição (exemplo: assegurarção de prova); medidas de
garantia de execução, que se destinam a garantir a eficácia de um processo
executivo (exemplo: arresto); e medidas que consistem em caução.

b. Requisitos genéricos para a concessão da tutela cautelar

Como visto anteriormente, a missão do processo cautelar é proteger a


eficácia de um outro processo (ou de um provimento jurisdicional a ser
concedido em outro processo), dito principal, quando esteja este – o principal –
correndo risco de tornar-se ineficaz pelo decurso do tempo.
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Trata-se a tutela cautelar de medida que nasce sob o signo da urgência.


É preciso pressa para que o processo principal possa ser garantido. Dessa
situação de urgência decorre o primeiro requisito para a concessão das
cautelares: o chamado periculum in mora ou perigo na demora. Note-se que a
situação de perigo deve referirse ao processo principal e sua possível
ineficácia, ao que Calamandrei chamou de periculum in mora de infrutuosidade.

Ainda em decorrência da urgência inerente ao processo cautelar, temse


o segundo requisito para a concessão desse tipo de tutela: o fumus boni iuris.
Em sede de processo cautelar, justamente porque não há tempo para que o
juiz perquira profundamente sobre o direito debatido (cognição essa dita
exauriente e que só terá lugar no processo principal), há que se analisar
apenas a aparência desse direito.

Não se pode pretender, em sede de processo cautelar, constatar


cabalmente a existência do direito afirmado pela parte requerente, mas apenas
a possibilidade de que esse direito afirmado possa existir.

Por isso, afirma-se ser superficial a cognição realizada no processo


cautelar. Não é necessária a demonstração exaustiva, pelo requerente, do
direito que afirma assistir-lhe, mas apenas a sua possibilidade ou, em outras
palavras, a sua fumaça. Com efeito, esses dois requisitos – fumus boni iuris e
periculum in mora -, deve a tutela cautelar ser concedida.

Questão importante e cercada de controvérsias doutrinárias é a


colocação sistemática dos requisitos de concessão da tutela cautelar no objeto
da cognição judicial. Seriam fumus boni iuris e periculum in mora condições
especiais da ação cautelar, ao lado das conhecidas e tradicionais
legitimidades, interesse e possibilidade jurídica do pedido (rectius, possibilidade
jurídica da demanda), ou tratar-se-ia do próprio mérito da acção cautelar?
A doutrina, ao apreciar a controvérsia, divide-se, prevalecendo a
corrente que considera fumus boni iuris e periculum in mora o próprio mérito da
acção cautelar.
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4.3. Procedimento

A petição inicial - Tendo em vista que uma das características do


processo cautelar é a sua autonomia formal, nada mais natural que se inicie
esse processo com a apresentação, em juízo, de uma petição inicial, a qual, é
o instrumento da demanda, no caso, o instrumento da demanda cautelar. Essa
petição inicial do processo cautelar deve observar, primeiramente, todos os
requisitos e também as disposições legal.

Ao se referir, o dispositivo em comento, a lide e seu fundamento, está o


legislador a se referir à acção principal, ou seja, ao processo (conhecimento ou
execução) a ser protegido pela demanda cautelar. Outrossim, dispensa as
cautelares incidentes desse requisito por já estarem, a lide principal e seu
fundamento, declinadas e expostas na própria petição inicial do processo
principal, o que torna despicienda a sua repetição na petição inicial da
demanda acessória.

Esse requisito, aplicável, como visto, apenas às cautelares


antecedentes, tem sua razão de ser. O requerente da medida cautelar
antecedente, ao declinar a lide e o fundamento da acção principal, permite que
o juiz analise o interesse de agir do demandante, pesquisando a necessidade e
a adequação da medida pleiteada.

Essa petição inicial terá autuação própria e deve correr em apenso à lide
principal. Havendo pedido de concessão da tutela cautelar liminarmente,
inaudita altera pars, deverá o magistrado apreciá-lo com a máxima urgência,
sob pena de se frustrar a presteza e a eficácia da própria medida requerida.
Não estando o julgador inteiramente convencido do alegado, poderá
determinar a realização de audiência de justificação de forma que possa
melhor decidir sobre o deferimento ou não do pleito de urgência. Outrossim,
poderá o juiz condicionar a concessão da liminar à prestação, pelo requerente,
de contra cautela.

4.4. Citação e resposta do requerido


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O requerido será citado, qualquer que seja o procedimento cautelar,


para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que
pretende produzir. A norma em comento exige atenção especial, uma vez que,
contemplando o carácter de urgência e sumariado da acção cautelar, reduz o
prazo para o oferecimento de defesa pelo requerido para exíguos 5 dias.
Outra observação pertinente é que, não obstante refira-se o dispositivo a
contestar o pedido, é certo que outras modalidades de resposta do réu serão
possíveis, tais como as excepções de impedimento, suspeição e incompetência
relativa.

A resposta na modalidade de reconvenção, contudo, não é possível,


dado os estreitos limites da cognição que se realiza em sede cautelar.
Outrossim, não se admite acção declaratória incidental.

O prazo para apresentar a defesa começa a correr: a) da juntada aos


autos do mandado de citação devidamente cumprido; ou b) da juntada aos
autos do
mandado de execução da cautela, quando concedida liminarmente ou após
justificação
prévia.

Vale lembrar que na hipótese só se terá por iniciado o prazo para a


defesa se : a) a execução da cautela for cumprida contra o requerido, e não
contra terceiro; b) no momento da efectivação da medida o requerido assinar o
mandado ou a carta citadora. Finalmente, as modalidades de citação no
processo cautelar são aquelas e observadas as peculiaridades de cada caso
concreto.

Instrução - ao tratar das medidas cautelares, não disciplinou a fase


instrutória desse tipo de processo. Por isso, aplicam-se as regras constantes
do Livro I dedicado ao processo de conhecimento. É de se firmar que a prova
no processo cautelar deve ter limitação clara: demonstrar a ausência ou a
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presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Matérias estranhas a


esses limites devem ser discutidas na acção principal e não na acção cautelar.
Sentença – Sendo demanda autónoma, também o processo cautelar
tem como ato final uma sentença, que tanto poderá ser terminativa (quando
ausentes, por exemplo, pressupostos processuais e condições da acção),
quanto definitiva, essa última de procedência do pleito cautelar (quando
presentes fumus boniiuris e periculum in mora) ou de improcedência do
mesmo, se ausentes tais requisitos.

No que tange à eficácia preponderante da sentença cautelar, conquanto


exista alguma divergência doutrinária – mormente entre aqueles doutrinadores
que negam a classificação quinária das eficácias da sentença, a mais
abalizada doutrina ressalta a manda mentalidade da sentença cautelar. Por se
fundar em cognição superficial e tutelar apenas a aparência do direito, a
sentença cautelar, em regra, não faz coisa julgada material, apenas formal.

Excepção positivada, permite que a sentença cautelar faça coisa julgada


também material quando o juiz acolher alegação de decadência ou prescrição
do direito do autor. Contra a sentença cautelar caberá recurso de apelação,
com a especificidade de que o mesmo será recebido, em regra, apenas no
efeito devolutivo. Por oportuno, vale ressaltar que o sistema recursal aplicável
ao processo cautelar, cabendo agravo das decisões interlocutórias, apelação
das sentenças, bem como os demais recursos, inclusive os excepcionais,
quando for o caso.

5. A ANÁLISE DA LEI DE MEDIDAS CAUTELARES

Desde sempre, o nosso primeiro objectivo tem sido combater a


corrupção, que constitui o grande impedimento, o maior obstáculo, à
democracia e ao progresso de Angola. Por essa mesma razão, temos
aplaudido e apoiado as iniciativas de João Lourenço, actual presidente da
República, contra a corrupção.
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Todavia, há dois aspectos que são fundamentais para um bem sucedido


combate à corrupção. O primeiro é a existência de legislação e estruturas
adequadas. Temos propugnado pela criação de leis modernas e avançadas,
que permitam, por exemplo, premiar a colaboração, e que, claro, possibilitem o
confisco objectivo e não criminalmente dependente, instrumento fundamental
para prevenir e combater a corrupção. Acreditamos igualmente que é
necessária […]

Entretanto, entrou de rompante, diga-se de passagem na vida judicial


angolana a nova Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (Lei n.º
25/15, de 18 de Setembro), que legitima a deslocação para prisão domiciliária.
Tendo em conta o factor surpreso, convém proceder a uma análise mais
detalhada dessa lei, para perceber se representa ou não um avanço na
legislação penal angolana, no sentido de um direito processual penal
constitucionalizado, moderno e humanista.

Desde já se adianta uma conclusão: esta lei, embora represente uma


modernização do Direito, contém demasiados perigos para os cidadãos. De
certa maneira, é apenas uma modernização do arbítrio e mais um expediente
legal da ditadura. Vejamos em concreto:
Primeiro, os elogios. Em termos sistemáticos, nota positiva para a
actualização da matéria das medidas cautelares, ainda muito marcada pelo
dogmatismo do Código do Processo Penal português de 1929; foi actualizada
em 1992, num ambiente muito distinto do presente. No entanto, teria sido
preferível elaborar um novo código do processo penal. Este é cada vez mais
uma manta de retalhos que desencadeia muitas confusões nos variados
operadores judiciários.

É também de marcar como positiva a introdução dos princípios da


necessidade, proporcionalidade, subsidiariedade e adequação na aplicação de
medidas cautelares. Note-se que os princípios também são regras, e não
meras bandeiras.
Qualquer magistrado tem de os cumprir e explicitar o seu respeito concreto em
cada decisão que toma.
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Isto quer dizer que em todas as decisões sobre prisão preventiva ou


prisão domiciliária (por exemplo), o magistrado tem de fundamentar porque é
que no caso concreto tal é necessário, proporcional e adequado, justiçando
também que não exista outra medida cautelar alternativa menos gravosa.

Contudo, na leitura dos variados artigos da lei encontram-se muitos


preceitos que revelam a tendência de manutenção de uma ideologia penalista
ainda arbitrária e opressora.
A primeira manifestação dessa ideologia resulta da conjugação dos
artigos 5.º e 7.º. Estes artigos tornam possível a entrada em qualquer domicílio,
de dia ou de noite, com uma mera autorização emitida pelo Magistrado Público
(artigo 7.º, n.º 5: supomos
que há aqui um lapso de escrita e, quando se escreve Magistrado Público,
queria escrever-se Magistrado do Ministério Público).

Tal decorre de uma ampla de punição dada pelo artigo 5.º a flagrante
delito: crime que se esteja a cometer, que tenha acabado de ser cometido, ou
quando a seguir à prática do crime haja perseguição, ou uma pessoa seja
encontrada com objectos ou indícios de que cometeu o crime ou nele
participou. Esta definição alargada de flagrante delito, um pouco confusa,
permite entrar em casa de qualquer pessoa, a qualquer hora, desde que se
suspeite de que a mesma será encontrada com objectos ou indícios de um
crime cometido há pouco tempo.

E tudo isto pode acontecer sem qualquer intervenção judicial, apenas


com o aval do Ministério Público, órgão dirigido superiormente pelo presidente
da República. Portanto, aqui temos o perigo número um. Em seguida, há que
realçar o artigo 11.º, que
permite que um detido permaneça incomunicável durante quase 48 horas.

Determina essa norma que o detido não pode comunicar com


ninguém antes do primeiro interrogatório, a não ser com o seu advogado ou
com um familiar, neste caso para manifestar a pretensão de constituição de
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advogado. Assim, em teoria, poder-se-á estar 47 horas incomunicável, e só nos


breves instantes que antecedem o interrogatório é possível contactar alguém.

Obviamente, a lei devia exigir que, imediatamente após a detenção, o


suspeito contactasse um advogado ou um familiar. Mas o pior vem depois. O
artigo 12.º determina que o detido tem de ser interrogado pelo Ministério
Público no prazo máximo de 48 horas. Contudo, a sanção para o caso de tal
não acontecer é a de uma mera irregularidade processual.

Ora, as irregularidades processuais podem ser sanadas facilmente


nos termos do artigo 100.º do Código do Processo Penal. Numa situação
destas, o que teria sentido era declarar a nulidade, nos termos do artigo 98.º do
CPP, ou considerar a detenção imediatamente ilegal, obrigando à libertação do
detido. Tal como está, permite manter uma pessoa detida por tempo
indeterminado.

Levanta algumas dúvidas ser o Ministério Público a decretar a prisão


preventiva e não um juiz (artigo15.º), embora tal decisão dependa da estrutura
que se pretenda dar ao processo penal. E em Angola vive-se uma tensão mista
entre o sistema português,
um sistema autocrático e alguma americanização.

Estranho é também o artigo 23.º, n.º 2 da mesma lei. Inicialmente,


admite que um juiz mande libertar um preso preventivo, mas depois admite que
este possa
ser novamente preso caso as circunstâncias o justifiquem. Então, por exemplo,
um dia o juiz pode mandar libertar um preso preventivo, e três dias depois o
Ministério Público pode vir a prendê-lo novamente…

Esta medida também se liga à prevista no artigo 42.º, que admite


expressamente que, se andar o prazo de prisão preventiva, o arguido pode
continuar preso à ordem de outro processo. Basta “arranjar-lhe” dois
processos. É preso à ordem de um, passa o prazo e fica preso à ordem de
outro…
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Interessante é o estabelecimento de prazos de prisão preventiva e


domiciliária nos termos dos artigos 40.º e 34.º. A questão é que a norma
anteriormente referida pode esvaziar estas cominações legais. Também é
relevante referir a necessidade de os pressupostos das detenções serem
reexaminados de dois em dois meses (artigo
39.º). Contudo, mais uma vez, a sanção para a ausência deste reexame é a
mera irregularidade processual.

Não se pode dizer que não haja evoluções positivas nesta lei. Mas,
fundamentalmente, ela consagra mecanismos legais para manter qualquer
pessoa indefinidamente presa, se tal for a vontade do Estado. E isso é um
perigo.

Uma questão que não se quer calar: os deputados da Assembleia


Nacional previram estas consequências, ou há aqui um grande descuido
técnico ou a habitual má-fé política dos opressores?
Como em tudo o que se refere à lei, em última análise, a boa ou má
aplicação vai depender dos critérios que os juízes decidam utilizar. Ou, melhor
dizendo, no caso de Angola, dependerá do mais alto magistrado da nação, o
presidente da República, que em tudo interfere e quem a Constituição
putativamente concede poderes para tudo.
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5. RESPONSABILIDADE PROCESSUAL CIVIL EM MATÉRIA CAUTELAR


Não se pode encerrar o estudo da parte geral do processo cautelar
sem se promover uma análise, que veicula norma relativa à responsabilidade
processual civil cautelar.

Segundo esse dispositivo, o requerente da medida cautelar responde


pelos prejuízos que causar ao requerido se essa medida vier a ser, de qualquer
forma, revogada, extinta ou desconfirmada em momento posterior.

Como já observava Calamandrei, “a responsabilidade é o preço da


prontidão”, sendo que não raro medidas cautelares são deferidas, efectivadas e
trazem danos à parte requeridos e os terceiros, mostrando-se, ao final e ao
cabo, injustas, ante o facto de não ter o requerente razão.

Em casos tais, deve o requerente autor indemnizar o requerido.


Segundo pacífico entendimento doutrinário, trata-se de responsabilidade civil
objectiva, não havendo, pois, que se cogitar do elemento culpa para sua
configuração.

6.1. Processo cautelar – procedimentos cautelares específicos

Arresto
Conceito: “medida cautelar de apreensão de bens destinada a
assegurar a efectividade de um processo de execução por quantia certa”.
Trata-se de “medida cautelar típica, instituída para segurança dos créditos
monetários”.
Trata-se de medida típica de carácter nitidamente cautelar, por ter clara
referibilidade.
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Cabimento: trata do cabimento do arresto. Segundo entendimento


doutrinário majoritário, trata-se de enumeração exemplificativa, sendo possível
o deferimento do arresto em casos outros que não aqueles descritos na norma
em comento.
Bens arrestavam: Podem ser objecto de arresto os bens
economicamente apreciáveis e passíveis de serem penhorados. Podem ser
bens corpóreos (móveis e imóveis) ou incorpóreos (crédito, acções). Ficam
excluídos do alcance do arresto os bens impenhoráveis.
Procedimento: Aplica-se ao arresto o procedimento cautelar comum.

Efeitos: Afectação do bem arrestado à futura execução; Perda, pelo


Requerido, da posse directa (não do domínio); direito de preferência: no
concurso entre duas penhoras sobre o mesmo bem, terá preferência aquele
que primeiro penhorou a coisa, excepto se o outro credor tiver, antes, obtido o
arresto.

Requisitos para concessão: como toda e qualquer medida cautelar,


são necessários fumus boni iuris e periculum in mora. Deve ser concedido o
sequestro sempre que se fizer necessária a apreensão de um bem
determinado, ameaçado de dano, dissipação, ocultação etc., com o objectivo
de proteger um possível direito do requerente sobre esse bem.

Diferenças entre arresto e sequestro:


a) O arresto é medida cautelar que visa assegurar a eficácia de futura
execução por quantia certa, já o sequestro, por sua vez, protege execução para
entrega de coisa certa;
b) O arresto incide sobre quaisquer bens do demandado, enquanto o
sequestro sobre bem específico, daí a necessidade de se descrever, na petição
inicial, o bem a ser sequestrado e o local em que se encontra.

Caução Segundo definição encontrada em doutrina, caucionar é


assegurar,
garantir a realização futura do direito. O procedimento previsto dos casos em
que alguém tenha direito ou esteja obrigado a caucionar. Trata-se, claramente,
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de demanda não cautelar, porquanto revela-se satisfatória da pretensão levada


a juízo.

Ademais, não ostenta referibilidade na medida em que não protege a


eficácia de um processo principal e tampouco tem o periculum in mora como
uma das condições para sua concessão. Trata-se, pois, reafirme-se, de
processo satisfatório, com natureza de processo de conhecimento.

CONCLUSÃO
O processo cautelar é o procedimento judicial que visa prevenir,
conservar, defender ou assegurar a eficácia de um direito, surge, portanto,
como um instrumento pronto e eficaz de segurança e prevenção para a
realização dos interesses dos litigantes. Esta preventividade assegurar a
permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas,
enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional …

Portanto, o Processo cautelar consiste, destarte, em providências que


conservem e assegurem tantos bens quanto provas e pessoas, eliminando a
ameaça de perigo actual ou iminente e irreparável. Desta forma se traduz em
mecanismo de preservação da efectividade das decisões judiciais, ajudando
subsidiariamente os processos de conhecimento e de execução.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Amorim, João Pacheco de, Gonçalves, Pedro Costa e Oliveira, Mário Esteves
de – Código do Procedimento Administrativo. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 1997,
8:ª reimpressão, 2010.
Damião, João – A Precedência Obrigatória no Contencioso Administrativo
Angolano. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2014.

Hiperligações Consultadas
Lei n.º 23/92, de 16 de Setembro - Lei de Revisão Constitucional
Proposta De Lei N.º 25/IV/I/2018 – Proposta de Lei que Aprova o Código do
Processo Penal. Cessado a 18 de Novembro de 2020
https://www.makaangola.org/2015/12/a-perigosa-lei-das-medidas-cautelares/
cessado no dia 17 de Novembro de 2020
https://www.makaangola.org/page/1/?
s=Lei+das+Medidas+Cautelares+em+Processo+Penal cessado no dia 17 de
Novembro de 2020 pelas 10h:23
https://www.infoescola.com/direito/classificacao-dos-processos/
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/processos
cautelares/#:~:text=O processo cautelar é o,realização dos interesses …
consultado no dia 19 de Novembro de 2020
http://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_constitucionaliosmo
angolano_2 013.pdf.

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