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A HISTÓRIA DO CETICISMO

Letícia Susana Daniel1


Junior Vitório Romanzini2

Resumo

Através do contato com as aulas, descobriu-se o campo epistemológico do ceticismo e suas


possíveis contribuições metodológicas a investigação teórica e científica. O ceticismo abrange um
método investigativo que busca romper com o dogmatismo e estimular a criticidade. O cético não é
aquele que deixa de acreditar em tudo, mas o que busca a verdade que sustenta as crenças. O
desafio cético está em problematizar a realidade e o que é posto como resposta para o cotidiano,
encontrando a equipolência entre conceitos. Uma vez que não encontrar a resposta, o cético coloca-
se em suspensão de juízo para aguardar avanços no conhecimento, e assim, poder novamente
retomar sua análise. Sendo cético, não admitem afirmativas, mas apenas a crença na possibilidade,
pois a certeza somente é atingida pela dúvida respondia, sem a resposta, o que resta é continuar a
pesquisar. Estudar o ceticismo é fundamental para educação romper os paradigmas e repensar sua
práxis no cotidiano.
Palavras-Chave: Ceticismo. Conhecimento.

1 INTRODUÇÃO

Será mesmo verdade? Isto realmente prova aquilo? Dificilmente alguma


pessoa durante sua vida não utilize questionamentos como estes para o seu
cotidiano. Questionar o que os sentidos apresentam, assim como o que a própria
razão conclui é um dos movimentos mais antigos da própria consciência humana e,
sob esta característica emerge a doutrina do ceticismo. Caracterizado não como
uma teoria, mas um estilo de vida, o cético atravessa os períodos históricos da
humanidade com importante papel de romper paradigmas.
Ceticismo, mesmo iniciado há séculos, é um tema filosófico moderno que
indaga questões relacionadas com a vida cotidiana e as doxas3 constituídas. Indaga
e instiga-se para além daquilo que julgamos conhecer, não descartando nenhuma
teoria existente, mas questionando as evidências e as bases que sustentam o
pensando filosófico, científico e religioso que constituem a sociedade. A dúvida é o
maior instrumento utilizado pelo cético para manifestar seu processo filosófico e,

1
Acadêmica da 8ª fase do Curso de Pedagogia da Celer Faculdades. E-mail:
leticia_susana_daniel@hotmail.com
2
Mestre em Ciências da Educação, professor da Celer Faculdades. E-mail:
profromanzini@celer.edu.br
3
Doxa: Corresponde a constituição direta da subjetividade através dos preceitos do senso comum, ou
seja, pressupostos advindos do senso comum e transferidos como referência no comportamento.
(ROMANZINI, 2015).

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deste movimento o conflito cognitivo provocado assegura os avanços tanto em
pesquisa quanto em conceituação.
Criticado pelo método da dúvida e da constante inquietação, o ceticismo
busca provas nas possíveis verdades existentes, tentado encontrar argumentos pró
e contra nessas teorias, isso só acontece quando é semeada a dúvida no que é
tomado como verdade. A dúvida representa uma inquietação para o cético, fato que
o movimento em prol da pesquisa, logo, quanto mais houver dúvidas sobre algo,
maiores serão os avanços para o conhecimento.
Diversas vezes acusado de destruidor do conhecimento, o cético faz
veridicamente o contrário, ou seja, ajuda a desconstruir certezas melhorando as
próprias bases do conhecimento. Pensar sobre o ceticismo no contexto moderno
não permite percebê-lo como inimigo do conhecimento, mas um fiel aliado para a
seriedade da pesquisa e na construção da argumentação.

2 ALÉM DE CRENÇAS E TEORIAS: ESTUDO DO CETICISMO

Se alguma pessoa lhe perguntasse “O que você conhece?” Você pensaria em


várias coisas que cercam o seu cotidiano como, por exemplo, poderia responder que
você conhece e sabe que nós seres humanos temos cinco sentidos. Mas a pessoa
poderia insistir e perguntar “Como você conhece a real verdade sobre esta crença e
tem certeza absoluta de que se trata de uma verdade afirmativamente verdadeira e
justificada?” Neste ponto fica complicado explicá-la, pois percebemos que
possivelmente não temos certeza sobre nada.
Uma maneira encontrada pelos céticos para ter um possível conhecimento
real, verdadeiro e justificado de determinada crença é colocando-a em exame. Dado
que quando se quer conhecer mais sobre algo é necessária uma pesquisa e uma
investigação, portanto os céticos iniciam a sua investigação na base que sustenta
4
esta crença visto que é uma maneira de sairmos da “normose” e despertarmos de
um sono dogmático por meio da investigação.

4
Normose: refere-se ao processo de naturalização da realidade, ou seja, ausência de estranheza e
questionamento sobre as questões que envolvem o indivíduo.

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Visto que supostamente cada ser humano pensa de maneira diferente e pode
julgar uma crença que para um é verdadeira como falsa para outro, quem sou eu e
que poder posso exercer sobre o outro para fazê-lo crer que a minha crença é a
verdadeira, pois se trata de uma verdade totalmente verdadeira para mim? E mais,
eu tenho realmente a certeza absoluta de que esta crença é realmente verdadeira e
de fato justificada? Por que vou fazê-lo crer em algo que nem eu mesmo tenho a
certeza de que é verdadeiro? Estas são algumas provocações emergentes do
ceticismo enquanto corrente filosófica, mas especificamente, no contexto atual, um
estilo de vida e pensamento totalmente moderno. Assim, a seguir se apresenta a
concepção histórica do ceticismo.

2.1 EPISTEMOLOGIA CÉTICA

Epistemologia cética segundo John Greco (2012, p. 65) é a teoria do


conhecimento, que visa investigar o cognitivo e o conhecimento geral do ser
humano, tendo como objetivo determinar evidências propícias e a forma (ideia) pela
qual tal evidência foi fundamentada, em crenças possivelmente verdadeiras
qualificando-as como conhecimento. Entretanto, o que é conhecimento? O que
podemos conhecer? E se podemos conhecer, de que maneira conhecemos o que
conhecemos? Essas são as questões que centrais da Epistemologia do
Conhecimento.
Os céticos pirrônicos creem que supostamente o conhecimento é algo
impossível de se ter, pois os verdadeiros céticos anulam (suspendem o juízo) todas
as questões e crenças depois de uma investigação detalhada de modo que para os
céticos pirrônicos, possivelmente não exista uma verdade verdadeira fundamentada
e evidenciada em todas as crenças do ser humano, incluindo a crença da
possibilidade do conhecimento. Então, o ceticismo questiona a possibilidade do
conhecimento?
Sim questiona, pois segundo John Greco (2012, p. 69), nós conhecemos tão
pouco (se é que conhecemos) sobre as coisas, o problema está em não poder
conhecer mais do que gostaríamos de conhecer. De modo que no estado de
conhecimento, o sujeito está se relacionando com uma proposição verdadeira

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chamada de estado de crença, sendo assim, o possível conhecimento é uma forma
de acreditar em uma suposição possivelmente verdadeira. Logo, o sujeito é levado a
explicar sua teoria ou sua crença por meio de argumentos, não sendo obviamente
dependentes de ideias vindas de teorias controversas ou de forma dogmática, sem
ter um fundamento de verdade, porque sendo assim a teoria posta em debate já
seria anulada, pois a pessoa cética dificilmente aceita algo com base em poucos
relatos, assim se faz necessário uma boa justificação de sua teoria para ser aceita
como uma crença verdadeira.
Para o ceticismo filosófico, o ser humano pode querer acreditar em qualquer
coisa ou em nada (GRECO, 2012, p. 69), pois tais pessoas que vivem em meio a o
senso comum, ou seja, doxas podem acreditar e se conformar com qualquer
informação, fato ou crença contada, vivendo na normose, ou então, podem
simplesmente negar determinadas crenças somente por não acreditar nela ou por
comodismo sem buscar a verdade ou sem questionar e investigar mais a fundo
sobre a teoria contada a elas, ficando inerte ao possível real conhecimento dos
fatos.
Já, por sua vez, o cético comum (aquele que não é filósofo), pensa que os
padrões de credibilidade das pessoas são baixos, e não que a busca pelo
conhecimento já esteja destinada ao fracasso desde o início, presumindo que o
conhecimento é sustentado por razões não boas, ao contrário do que pensa Platão,
que afirma que havendo conhecimento, já teríamos uma sustentação de boas
razões. E, finalmente os céticos suponham que, uma crença seja qual for deve ser
investigada e verdadeiramente fundamentada com provas adequadas, para assim
terem o provável veredito de crença verdadeira ou falsa.
Segundo Hume (apud GRECO, 2012, p. 70), os argumentos céticos não
admitem contradições embora não produzam certeza. Portanto Hume nos levanta
para um problema teórico: Porque perder tempo tentando contradizer uma posição
que não é levada a sério? A nossa vontade em acreditar em algo excede sobre a
nossa capacidade de racionalizar ou justificar, segundo Hume existem coisas das
quais não podemos duvidar, embora não possamos defender. Pois quando voltamos
para analisar alguma crença nossa, elas acabam perdendo o enfoque e
desaparecendo.

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Pode ser possível que exista conhecimento em algumas outras crenças,
segundo John Greco (2012, p. 77), uma crença baseada no campo do conhecimento
a priori, mais claramente nosso conhecimento sobre fatos matemáticos, como por
exemplo, “2+2=4”. Entendemos que 2+2=4 é algo verdadeiro se compreendermos
antes o que quer dizer 2+2=4. Aprender o que significa, ou o que vale o número 2
(dois), o número 4 (quatro), o + (mais), que quer dizer adição, somar, o = (igual/
resto). Para saber isso hipoteticamente é necessário ter o conhecimento antes sobre
o número 2 (dois) e assim por diante, para então conhecermos que possivelmente
os fatos matemáticos são exemplo de verdade verdadeira e justificada. Mas quem
me garante que o número 2 (dois), equivale mesmo a 2 (dois)?
Outro exemplo é a sensação de dor. Sentimos a dor, mas apenas sabemos
que estamos sentido algo que chamamos de dor, não sabemos como sabemos que
sabemos sentir dor. Como explicar tais crenças? Pois até mesmo as crenças
matemáticas parecem ser somente semelhantes à verdade, mas antes precisamos
de todo um entendimento de um sistema completo de aritmética, para depois
construir o conhecimento. De acordo com esta teoria, filósofos simpatizantes dizem
que nossas crenças são todas interligadas em um extenso e complicado sistema e
que estas crenças são justificadas por dependerem de um fundamento com
coerência, não sendo justificadas isoladamente, pois elas estão interligadas e o fato
de produzir ou não uma justificativa coerente depende de todo o sistema de crenças.
E somente uma crença irá resultar em conhecimento quando puder ser justificada
por evidencias apropriadas e ditas como verdadeiras.
Considerando que todos os seres humanos se desenvolvem e aprendem por
meio de nossos sentidos, repetindo movimentos ou palavras, por meio de
informações levadas até o cérebro para termos uma percepção consistente daquilo
que fizemos uma experiência sensorial. Diante disso Descartes é pioneiro nas
provações céticas sobre o conhecimento através do questionamento como: Por que
temos tanta certeza de que nos desenvolvemos de uma maneira e não de outra? E
em resposta cita dois exemplos:

O primeiro diz respeito ao fato de que temos sonhos, que são experiências
conscientes que temos enquanto dormimos. Eles não correspondem de
maneira confiável a eventos que estejam acontecendo à nossa volta, e
também não produzem conhecimento do ambiente. (Presumivelmente, eles

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resultam na atividade cerebral espontânea) [...] Como sei que não estou
sonhando agora mesmo? Como sei que não estou sonhando o tempo todo?
Eu posso me beliscar, poder-se-ia dizer. Mas talvez isso seja apenas parte
do sonho. Na realidade, parece que qualquer teste que eu possa propor
poderia ser apenas parte do sonho. (GRECO, 2012, p. 82)

Descartes com a metáfora do sonho perpétuo demonstra que nós podemos


estar sonhando o tempo todo ou entrar em sono profundo de repente e começar a
sonhar, sem saber se aquilo que está se passando em nossa mente, em nosso
corpo é verdadeiro ou não, se passando apenas por um sonho, pois todas as
tentativas de testes para poder sentir na pele ou ver se é realmente verdade e não
um sonho, como por exemplo, um beliscão, segundo Descartes, poderemos senti-lo
mesmo estando em sonho, pois, pode ser parte do sonho, sem ter contato nenhum
com a realidade, chegando à conclusão de que, nós não sabemos quando estamos
vivendo no sonho ou vivendo na realidade e que o sonho não produz nenhum
conhecimento real sobre as coisas.
Pois é algo que não é verdadeiro, sonho é apenas uma suposição. Entretanto,
como o nosso cérebro pode nos enganar tão facilmente assim? De que maneira não
temos argumentos nem mesmo com a ajuda dos nossos sentidos para sabermos se
estamos vivendo agora uma realidade ou um sonho? Por que o sonho se confunde
tanto com a nossa realidade? Ou, por que a nossa realidade se parece tanto com os
nossos sonhos? Será que não temos conhecimento suficiente sobre a nossa
realidade para podermos presumir que não estamos vivendo ela agora? Posso
continuar sonhando, posso esperar o despertar do sonho para saber que estarei
vivendo a realidade daí por diante, mas se eu estiver sonhando que eu estou
sonhando? E então, voltamos ao início dessa teoria: Como saber se o que estamos
vivendo agora é uma realidade real ou estamos sonhando?
Para atribuir maior veridicidade ao seu argumento Descartes apresenta o
experimento mental do Gênio Maligno:

Imagine um ser todo-poderoso determinado a me enganar. Tal ser produz


artificialmente em mim todas as minhas experiências do mundo, que não
tem relação nenhuma com a realidade. Ou o mundo como é na realidade,
simplesmente não é nada parecido com o modo que eu experimento ser, ou
talvez não exista nenhum “mundo exterior”, pelo menos nenhum mundo de
objetos físicos. O que me dá o direito de estar tão certo de que ele exista?
(GRECO, 2012, p. 83)

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Nessa outra metáfora, Descartes diz que nós podemos estar possuídos por
um Gênio do mal que só quer nos enganar, comandando o nosso corpo e a nossa
mente. Esta metáfora questiona a própria existência da bondade e, da capacidade
de existir um ser além de Deus, já que a noção da deificação de Deus como
bondade, certamente, não lhe permite ser maligno. Sob estes aspectos, Descartes
tenta mostrar que realidade pode não ser o que pensamos ser, ou seja, nossas
experiências não podem ser generalizadas. Descartes suspeita que não adquirimos
pela experiência conhecimento nenhum, chegando a conclusão de que: Não existe
nenhum tipo de conhecimento, pois todo o contato adquirido não é real, mais uma
vez é uma suposição que não é necessário nem de argumentos para tentar justifica-
la.
E para aprofundar ainda mais a sua teoria, Descartes da impossibilidade
empírica, apresenta outra metáfora chamada “o cérebro encubado”, a qual Greco faz
a seguinte releitura:

Suponha que eu seja abduzido por alienígenas, cujas capacidades


tecnológicas fossem, de alguma forma, mais avançadas que as nossas.
Eles me capturam enquanto eu durmo me drogam e removem meu cérebro,
que mantém vivo numa cuba de nutrientes. Mas eles também implantam
microeletrodos em todos os trajetos dos nervos aferentes que chegam ao
meu cérebro, e esses eletrodos são controlados por um supercomputador a
fim de imitar exatamente o padrão de estimulo neural que seria produzido
se, digamos, eu estivesse sentado a uma mesa, olhando para uma tela de
computador e me divertindo com o pensamento de ser abduzido por
alienígenas. (GRECO, 2012, p. 83)

Segundo Greco (2012, p. 83), na releitura de Descartes, a realidade pode ser


uma ilusão, ou seja, de maneira cética se questiona todo conhecimento oriundo da
realidade e dos sentidos de maneira geral. Essas hipóteses céticas mostram que o
mundo pode ter infinitas formas, por fim, o cético conclui que não há meio de
justificar tais crenças e, portanto não temos nenhum tipo relevante de conhecimento,
pois o que achamos poder ser conhecimento pode apenas ser somente uma mera
crença e uma crença somente é um conhecimento quando prova contra toda a
dúvida e para todo o cético o conhecimento é uma crença infundada, onde os
argumentos céticos são importantes para tentar justificar um juízo ou uma crença,
desde que a crença não seja apenas uma suposição, não tendo a necessidade de
justificação.

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Destas provocações, emerge o ceticismo enquanto possibilidade de romper
conceitos dogmatizados. O cético jamais se restringe a uma formação específica,
mas ao movimento investigativo sobre tudo que lhe é posto como verdade ou que
envolva o seu cotidiano. No intuito de conhecer melhor a trajetória do ceticismo, o
item a seguir, retrata o texto mais importante para o Ceticismo, transcrito por Sexto
Empírico e chamado de Hipotiposes Pirrônicas. O texto é caracterizado por conter
os preceitos principais do considerado precursor do ceticismo na Grécia chamado
Pirro de Èlis.

2.1.1 Ceticismo Pirrônico: Origens do ceticismo

A filosofia cética é a arte de investigar e indagar, duvidar e buscar, mas


principalmente a negação das crenças. Do princípio, até os dias modernos, a
humanidade naturalmente estabelece laços de afinidade com crenças oras advinda
de processos científicos oras de mero senso comum para explicar as situações
cotidianas. O ceticismo surge desde o IV a.C como inquietação para a dogmatização
do cotidiano. Dentre diversos precursores, temos a referencia de Pirro de Élis,
fundador do chamado ceticismo Pirrônico. A característica deste ceticismo é a busca
justamente da verdade que sustenta as crenças vindas do cotidiano.
Pirro determinou a conceituação do cético na prática cotidiana e, o discípulo
Sexto as aprimorou no documento mais significativo ao ceticismo chamado
Hipotiposes Pirrônicas. Mas a final o que é o ceticismo? Sexto no texto hipotiposes
pirrônicas explica que:

O ceticismo é uma habilidade que opõe as coisas que aparecem e que são
pensadas de todos os modos possíveis com o resultado de que devido à
eqüipolência nesta oposição tanto no que diz respeito aos objetos quanto às
explicações, somos levados inicialmente à suspensão e depois a
tranquilidade (SEXTO, 1997, p. 116).

Em uma visão geral o cético questiona coisas da mente e sua relação com o
mundo que foram vistas de alguma maneira, neste momento chega-se ao estado de
equipolência quando conseguimos observar se algo é aceitável ou não, bem como
as variações possíveis de interpretação. No entanto, não podendo haver um conflito

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de ideias onde uma seja mais significativa em justificativa que a outra, o cético entra
no estado de repouso.
Este estado se caracteriza por colocar simbolicamente tudo em uma balança
e, considerando que não irá pender para nenhum dos lados, o cético não adere a
qualquer dos lados. Exemplificando, tomando a existência de Deus, obviamente as
explicações são inúmeras contra a existência e a favor dela, em situação como esta,
o cético percebe o equilíbrio da balança, logo, sem a capacidade de ver qual dos
lados apresenta maior significância o cético não opta por nenhum, suspendendo
então seu juízo de valor, assim como entrando em tranquilidade por não pactuar
com um dos lados sem a compreensão necessária.
O ceticismo, segundo Sexto (1997, p. 115) crê que a verdade será encontrada
quando posto na balança um lado pender totalmente e, neste sentido, poderemos
aderir a uma certeza, porém, até o momento, o cético tem encontrado novas
possibilidades de contrapor e, sob este critério, a verdade plena, ou totalmente
justificada não foi atingida, logo, a procura deve continuar. Sob este aspecto o
cético, assume a suspensão do juízo, ou seja, não adere, mas concorda que existem
determinadas compreensões, porém não as toma como certeza e continua sua
busca.
Sexto descreve que a motivação do cético é atingir a tranquilidade frente às
anormalidades achando para cada dúvida outra equivalente, assim não tendo uma
atitude dogmática. A filosofia, segundo Sexto (1997, p. 115) é classificado em três
tipos: dogmáticas, céticas e acadêmicas, ambas seguem linhas diferentes de
pensamentos.
Os dogmáticos são aqueles contra quem Sexto (assim como o fez Pirro)
investia seus pensamentos céticos, pois afirmam ter conhecido a verdade mantendo
as coisas como sendo reais a partir das crenças, podemos dizer então que
Aristóteles era um filósofo dogmático. Os acadêmicos como Carnéades consideram
a verdade como algo que não se pode aprender, mas apresentam doutrinas que
possam chegar próximo da verdade, para eles a percepção é o ponto de partida
para qualquer conhecimento, então nada do que percebemos poderá ser afirmado
como algo verdadeiro. Já os céticos como Descartes, não afirmam e nem negam tal
teoria, são dubitadores e continuam buscando a verdade através de argumentações

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procurando as respostas para as dúvidas abrindo conflitos entre os argumentos para
que possam escolher um deles que seja convincente para aderir como verdadeiro.
Portanto:

[...] o dogmático mantém serem reais as coisas sobre as quais tem crenças,
mas o cético enuncia suas fórmulas de modo que elas próprias se auto-
eliminam [...] E o ponto principal é que ao enunciá-las ele diz aquilo que lhe
aparece e relata o que sente de forma não-dogmática, sem afirmar nada de
positivo sobre o que existe na realidade externa (SEXTO, 1997, p. 118).

O cético não rejeita o aparente, ele se relaciona nas explicações científicas


com ética e lógica podendo seguir as aparências e as crenças do senso comum,
porém não se compromete com essas teorias, assim procurando questionar e
indagar até chegar ao seu estado de ataraxia. Sexto (1997, p. 118) salienta ainda
que “[...] quando investigamos se as coisas da realidade são como parecem ser,
aceitamos o fato de aparecem e o que investigamos não diz respeito à aparência,
mas à explicação da aparência. [...]”.
Podemos perceber que Sexto, instiga ao movimento reflexivo ao reconhecer
que as coisas da realidade nos chegam em aparência e, explicamos não as coisas
que estão no mundo, mas aparência que são postas aos sentidos, logo, não como
ter certezas absolutas como proposto pelos dogmáticos. Serão os sentidos, aptos a
dizerem a realidade das coisas em formas de aparência?
Justamente, os sentidos, afirma Descartes é fonte de possibilidade de
equivoco na aparência, como por exemplo, quantos já estavam em um local público
e ao ver uma pessoa, achavam pela aparência ser um amigo quando na verdade era
um desconhecido? Compreende que não estamos com a mente na realidade, mas
que a vemos por uma aparência, ou especificamente, entender que podemos fazer
uma leitura errônea do mundo e imortalizá-la na cultura e no próprio teor acadêmico
é assumir uma compressão cética e, que notoriamente, segundo Verdan (1998,
p.36) “é o motor que movimenta o carro do conhecimento”.
Os céticos utilizam o critério da aparência e argumentam que não pode
discutir algo não existente, isso pressupõe de certa maneira que eles são
restringidos a admitir coisas que aparecem como tais em um determinado momento,
portanto ele não investiga e nem suspende o seu juízo diante a isso. “[...] Dizemos

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ainda que a finalidade do cético é a tranquilidade em questões de opinião e a
sensação moderada quanto ao inevitável. [...]” (SEXTO, 1997, p. 120).
Especificamente, o cético, não questiona questões de mera aparência, como
por exemplo, a cor do raio de sol que aparece em nossa visão, pois inevitavelmente,
não posso ter a certeza de como a sensação do sol aparece para outras pessoas,
no entanto, posso dizer que creio que outro também tem a sensação de algo que
parece ser o mesmo que sinto ao receber o toque de um feche de luz que
eminentemente não me parece frio. Podemos observar que o cético não determina
que é quente o raio de sol, mas que parece não ser frio, haja vista que não pode
determinar uma generalização do que é este calor. Logo, podemos compreender:

[...] Do mesmo modo, os céticos pretendiam alcançar a tranquilidade


decidindo sobre as anomalias em relação às sensações e aos
pensamentos, e incapazes de conseguir isto, suspenderam o juízo. Ao fazê-
lo, entretanto, descobriram que, como que por acaso, a tranquilidade
seguiu-se à suspensão, como uma sombra segue um corpo. [...] Portanto,
dizemos que, em relação a questões de opinião a finalidade do cético é a
tranquilidade, e em relação ao inevitável uma forma moderada de sensação.
Mas alguns céticos importantes acrescentaram como uma finalidade
adicional, a suspensão do juízo em relação ao que se investiga (SEXTO,
1997, p. 121)

Chegando à suspensão do juízo tranquiliza-se aparentemente o cético, mas o


que é este tranquilizar-se? Verdan (1998) conceitua que o ato de tranquilizar-se é
na verdade a percepção de que aparentemente o que está posto como
conhecimento não responde suas dúvidas, logo, o trabalho do cético pode ficar em
suspensão aguardando novos pressupostos. O cético ao entrar em tranquilidade,
apenas aguarda novas condições de possibilidade para continuar suas
investigações.
Caracterizando a prática, Sexto Empírico destaca que o ceticismo sempre
será uma filosofia investigativa na qual não se dúvida dos fenômenos, mas daquilo
de que é afirmado de forma dogmática ser além dos fenômenos relatados. É uma
filosofia a busca de verdades além das aparências, que reconhecidas talvez não
sejam, mas que atribui um valor as experiências da vida indo além do senso comum
e das crenças tidas como científicas.

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2.1.3 Montaigne: O ceticismo contra a soberania intelecto humano

Montaigne estava vivendo em uma fase da história em que as pessoas que se


mantinham na doxa, na normose, se supervalorizavam por acreditarem serem as
únicas criaturas pensantes no mundo, pois para essas pessoas que creem somente
no senso comum, a inteligência e sua soberania eram um dom divino, que vinha de
Deus e os animais não eram dignos de terem esse dom da inteligência como os
humanos. Desconfiando desta crença Montaigne, formulou uma hipótese que
contraria totalmente a ideia de que somente a espécie humana é inteligente por
possuírem um dom divino e único, Montaigne supôs que os animais podem ter
inteligência similar a dos humanos. Resolveu comparar a inteligência e o
conhecimento das pessoas, ditas por si mesmas como superiores, com a
inteligência e o conhecimento dos animais, ditos como inferiores, em várias
categorias, desde pequenas formigas até gigantescos elefantes.
Michael Montaigne não estava sozinho, Platão por sua vez também presumia
que os animais podem ter inteligência tal qual igual ou parecida a dos humanos. Em
seu texto Montaigne cita uma passagem de Platão onde suspeita que os animais
pudessem se comunicar e se entenderem entre si, do mesmo modo que nós seres
humanos nos comunicamos e nos entendemos com nós mesmos. Segundo Platão
é:
Pelo latido do cão, sabe o cavalo sua cólera; não o receia quando outra é a
modulação da voz. Quando aos animais que não têm voz, podemos verificar
facilmente, pela comunicação e inteligência que entre eles se observam,
que possuem outros meios de se compreender, valendo-se de movimentos
com significações específicas (PLATÃO apud MONTAIGNE, 2010, p. 51).

Segundo Platão (apud MONTAIGNE, 2010, p. 51) os animais são capazes de


se comunicarem independentemente de sua espécie, e mais, não apenas se
comunicam pela voz (latido, miado...) ou a modulação na voz, mas sim por sinais ou
movimentos que possam manifestar uma comunicação entre as espécies. O que
mais seria se não uma forma de linguagem, de comunicação oral, gestual inventada
por eles para melhorarem a sua convivência em sociedade animal, podendo
manifestar perigo, alegria, fome, dor e outros sentimentos?

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O ser humano por sua vez não é diferente em termos de comunicações, nos
comunicamos com os demais de nossa raça principalmente através da fala, mas
quando não se tem o benefício da fala ou da audição usamos mímica ou sinais, para
sermos compreendidos. Assemelhando-nos aos animais, pelo fato de nós seres
humanos e os animais possuirmos inteligência suficiente para termos a
compreensão da língua falada em nossa determinada espécie, para assim produzir
a aprendizagem da fala e/ou dos gestos para conseguirmos nos comunicar e nos
entender.
De acordo com o pensamento de Montaigne (2010, p.55), se uma criança
entregue a si mesma e criada em pleno isolamento, sem relações com seres
humanos provavelmente inventaria uma espécie de palavra para se exprimir. E se
por ventura saísse desse local e tivesse que viver em sociedade com outras
pessoas supostamente não conseguiria se comunicar com a língua criada por ela,
pelo fato de que ela não será compreendida por nós que temos outra língua para
nos comunicarmos. Mas isso não a impede de que aprenda a falar a nossa língua.
Diante disso Montaigne diz que:

Vi um cão que, ao longo de um fosso, abandonou o caminho cômodo para


tomar por uma trilha difícil a fim de afastar o seu dono do perigo a que se
arriscava. Como se ensinou a esse animal que lhe cumpria preocupar-se
exclusivamente com a segurança do dono, sem levar em conta a própria
comodidade? Como poderia saber que o caminho, bastante largo para ele,
não era para o cego? Explicar-se-á isso sem a interferência do raciocínio?
(MONTAIGNE, 2010, p. 55).

Presumo que, uma vez que um animal ama o seu dono ele faz o possível
para protegê-lo e ajuda-lo, pois, o animal sabe das dificuldades de seu dono.
Desempenha este papel por ter uma inteligência, pois como o animal saberia que o
seu dono não conseguiria passar por aquele determinado fosso? Pelo seu raciocínio
e sua inteligência, ele concluiu que seu dono não conseguiria, então procurou uma
alternativa mais acessível para seu dono. Para que assim os dois pudessem passar
o fosso com segurança. O dono de um cão guia, por ser cego, deve confiar
plenamente em um cão e na inteligência deste animal, visto que a pessoa cega seja
totalmente dependente do animal para lhe guiar e para lhe proteger de perigos como
estes.

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Por que os animais não podem se comunicarem com nós humanos? E por
que algumas coisas que falamos são compreendidas por eles? De acordo com
Montaigne os animais provavelmente compreendem o que dizemos a eles e
respondem. Por exemplo, um cachorro adestrado por uma pessoa pode fazer o que
lhe for pedido, como deitar e rolar e até desempenhar o oficio de ser um cão guia
para nós humanos. Para que possam fazer exatamente o queremos é necessário
que primeiramente entendam o que estamos dizendo a eles, tendo o conhecimento
de nossa língua, segundo que tenham inteligência e raciocínio suficiente para
realizarem o que estamos lhes pedindo e terceiro escolher se querem fazer
determinado pedido ou não.
Segundo Montaigne nós humanos precisamos de alguém que nos ensine a
fazer, a falar, a andar, a comer, a se vestir. Sem o aprendizado não conseguiríamos
fazer nada, a não ser chorar. Nós precisamos enxergar alguém caminhando para
vermos que é possível caminhar e de que maneira se caminha. Precisamos de um
exemplo, de um auxílio para produzirmos algum tipo de estimulo para gerar o
conhecimento e depois que aprendemos, passamos a diante em razão de que
aprendemos de maneira correta e que nos lembramos dela. Não sendo superiores
aos animais, mas similares.
Acredito, afirma Montaigne (2010, p.53), que somos um espírito construído de
consciência e principalmente de sentimentos, revestidos por uma capa de pelos,
pele e ossos, que nos dá a sustentação e o equilíbrio, chamado de corpo e
membros. Conforme Montaigne o primeiro sentimento do ser humano é o choro,
ocorrido no ato de nascer. Não precisamos de ajuda alguma para aprender a como
chorar. O choro verdadeiro é um sentimento involuntário e difícil de controlar e
impossível de se ensinar. Somos fisicamente diferentes da maioria dos animais, no
entanto eles assim como nós, possuem espírito, consciência, corpo e membros, e
por esta razão também podem tem a capacidade de chorar, da mesma maneira são
capazes de sentirem emoções parecidas com as que sentimos. Pressupondo mais
uma vez que somos parecidos.
Se, ainda em nossa superioridade dissermos que os animais não podem ser
inteligentes o bastante, comparados a nós, possivelmente estamos sendo incorretos,
uma vez que Montaigne nos expressa:

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Os habitantes da Trácia, quando têm que atravessar um rio gelado, servem-
se de uma raposa que caminha à sua frente. Vê-se o animal aproximar o
ouvido do gelo, até tocá-lo para verificar se a água corre perto ou longe. E
verificada a espessura do gelo, avança ou recua. Não somos levados a
pensar que em seu cérebro se observa um processo racional semelhante
ao que se processaria o nosso? “O que faz barulho, mexe; o que mexe não
é gelo é liquido; e o que é liquido afunda sob o peso de um fardo”. Atribuir o
ato da raposa à curiosidade do seu ouvido, sem reflexão de sua parte, é
uma quimera que nosso espírito não pode aceitar [...] (MONTAIGNE, 2010,
p. 54).

Diante da possível semelhança de inteligência animal e humana é mesmo um


absurdo não admitirmos que esta raposa não seja nem um pouco inteligente.
Obviamente que a condição instintiva não pode ser comparada com inteligência, no
entanto, Montaigne demonstra que os mesmos elementos presentes na
racionalidade humana estão contidos direta ou indiretamente na condição animal. E
não são somente as raposas que possivelmente assemelham-se aos humanos nos
cuidados com o gelo, outros animais de diferentes espécies também agem no
principio da sobrevivência evitando a dor e buscando o prazer.
Outro elemento racional humano que tem se elevado o status da soberania da
inteligência humana é a condição da religiosidade. Sobre este assunto, Montaigne
exemplifica utilizando o caso dos elefantes, que quando caem em buracos feitos por
nós para capturá-los, os demais elefantes auxiliam aquele que caiu na armadilha
jogando dentro do buraco pedras e troncos com a intenção de encher o fosso e
simplificar a saída. Similarmente Plutarco na história grega (apud Montaigne, 2010,
p. 56) quando estava em navio viu quando um cão estava se esforçando para beber
azeite de uma vasilha, o cão não conseguia tomar o azeite pelo fato de que o
gargalo era muito estreito, então o cão pôs-se a catar pedrinhas e jogá-las na
vasilha, até que o azeite subiu a uma altura acessível a ele. De que maneira os
animais não podem ter inteligência e raciocínio em determinados exemplos?
Segundo Montaigne (2010, p. 56), os animais fazem coisas das quais não
conseguimos imitar e que a nossa imaginação não nos permite criar. E essas coisas
que os animais podem fazer, das quais não conseguimos nos igualar, é uma prova
de que, em certos pontos, eles apresentam meios mais desenvolvidos de que os
nossos até então conhecidos. Como por exemplo, o camaleão que muda a cor de
sua pele de acordo com o ambiente em que se encontra, ou então, o polvo que
também muda sua cor, mas de acordo com as circunstâncias, ora por escapar de

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um predador, ora por atingir o que deseja pegar. O polvo altera sua tonalidade da
pele de acordo com a sua vontade, diferentemente do camaleão, que assim como
nós, por vezes nosso rosto muda de cor sob a influência da vergonha, irritação,
medo e outras emoções e sentimentos, se origina de uma causa que as determina.
Os animais, portanto, detém o poder de sentimentos e preferências? De
acordo com os pressupostos de Montaigne sim, uma vez que ele cita que:
(MONTAIGNE, 2010, p. 58) “Para os caçadores a melhor maneira de escolher entre
vários cachorrinhos o melhor dos demais, é colocando a cadela em condições de
realizar ela mesma a seleção, como simulando uma fogueira em torno do ninho”.
Selecionando os filhotes, o primeiro que ela vai buscar é o melhor, o mais forte.
Percebe-se que os animais podem, portanto, prever o que nós não prevemos ou
possuem a virtude de julgar as qualidades de seus filhotes, que para nós humanos,
é desconhecida.
Em conformidade com Montaigne, os animais nascem, crescem,
reproduzem-se, aumentam-se, movem-se vivem e morrem como nós, e digamos que
os animais também podem amar. Pois “Hircano, o cão do Rei Lisíamo, não quis
abandonar o leito de seu dono quando este morreu. Nem comer nem beber e no dia
em que o cremaram atirou-se a fogueira”. (MONTAIGNE, 2010, p. 58) Os animais
assim como nós têm preferências em seus sabores e amores, e os machos sabem
encontrar suas fêmeas. Da mesma forma que nós, eles sentem ciúmes, que
algumas vezes os levam a atos de violência.
Nós humanos somos mais desorganizados que os animais, que se mantêm
em moderação dentro dos limites que a mãe natureza os impõe. Contudo, há
animais que procuram o amor do homem, como o elefante de Alexandria que era
apaixonado por uma moça vendedora de flores, ele colhia frutas pelo mercado e
levava a sua enamorada; E também um ganso de Acopa, que era apaixonado por
uma criança. Bem como certos animais têm relações amorosas com indivíduos do
mesmo sexo e espécie.

Em matéria de sutileza maliciosa, haverá mais evidente que a do asno do


filósofo Tales? Carregado de sal, atravessava um riacho quando por acaso
deu um passo em falso. Os sacos que carregava molharam-se, o sal
dissolveu-se e a carga ficou mais leve. Percebeu o asno, e desde então,
cada vez que deparava com um córrego, entrava na água com sua carga,
até que, descobrindo a malicia, seu dono passou a carregá-lo com lã. Não

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produzindo mais o banho o resultado almejado, deixou o asno de entrar na
água (MONTAIGNE, 2010, p. 59).

Como podemos observar na citação acima, Montaigne demonstra que


estratégias de sobrevivência que o homem utiliza na dinâmica da vida cotidiana são
possíveis em diversas situações dos animais. Falando de economia doméstica, os
animais são muito mais preocupados com o futuro, de nós humanos, pois eles
sabem que precisam acumular e poupar alimento para o futuro. Conforme
Montaigne, as formigas quando percebem que seus grãos que armazenam no
subterrâneo estão mofando, expõem ao ar, arrastando-os para fora, a fim de areja-
los e fazê-los secar, para que não se tornem ranços e apodreçam. Nada mais
inteligente de que a habilidade de resolver questões do dia a dia de maneira bem
sucedida.
Abordando sobre os combates e batalhas que é o supremo e orgulhoso
triunfo do ser humano. Aquilo que para alguns pode mostrar a superioridade do
homem, no entanto demonstra nossa falha. A sapiência de nós nos matarmos.
Essas terríveis guerras com milhares de homens armados „até nos dentes‟,
combatendo com uma imensa coragem e ardor, na maioria das vezes as causas
pelas quais as guerras acontecem e muitos combatentes perdem a vida são fúteis.
Contudo acabam por destruírem a nossa espécie, fato que Montaigne explica que
entre os animais raramente ocorre o ato de matar os semelhantes.
Diante disso o mundo animal apresenta com uma pequena vantagem contra
humanos, pois matar um indivíduo de sua própria espécie por atos inconsequentes é
algo de que os animais em geral não costumam executar. Segundo Juvenal (apud
MONTAIGNE, 2010, p. 59) “Quando se viu um leão mais forte matar o mais fraco? E
quando na floresta morreu algum javali das dentadas de um javali mais vigoroso?”.
Todavia nem todos os animais estão alheios a brigas e mortes, uma vez que a
abelha rainha briga até a morte de sua adversária pelo trono, vendo-se assim a fúria
guerreira dos animais.
De acordo com Montaigne (2010, p. 61), os animais se mantêm juntos com a
intenção de se defenderem e se ajudarem, pois evidenciam que é mais fácil conviver
em grupo e se ajudarem de que viver isolado:

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[...] veem-se bois, veados e outros animais, os quais acodem ao chamado
dos companheiros. Quando o escaro engole o anzol que lhe estende o
pescador, juntam-se os outros e roem a linha, quando por acaso um deles
cair na rede, pegam-no os de fora pelo rabo e puxam com força para fazê-lo
sair. Os barbos, quando um deles é fisgado, raspam a corda do arpão com
as costas, as quais são armadas de um osso em forma de serra, e se
esforçam por cortá-la (MONTAIGNE, 2010, p. 61).

Como podemos compreender na citação acima, os animais possivelmente


conhecem e sabem de suas capacidades, provavelmente relacionam uma maneira
de acordo com suas potencialidades de defesa para que em grupo possam ajudar
um companheiro em perigo. De acordo com Montaigne (2010, p. 61), “[...] a
familiaridade e as relações que nascem da convivência podem existir entre os
animais”. Uma vez que a piedade dos animais pode ser provada pelo exemplo de
um tigre, haviam lhe dado um cabrito vivo para seu alimento. Durante dois dias o
tigre passou fome por não querer fazer mal ao cabrito, no terceiro dia quebrou a
jaula para poder buscar outros alimentos, não desejando atacar o hóspede que
possivelmente lhe tenha parecido familiar.
A familiaridade dos animais de diferentes espécies possivelmente acontece
pelo convívio, como por exemplo, a boa relação que existe entre cães e gatos
criados juntos. E também a boa relação que existem entre seres humanos e os
animais, que quando convivem juntos (desde que o ser humano aceite e goste de ter
animais de estimação, uma vez que o homem tem a opção de não ter um animal de
estimação), todavia acabam por fazer parte de nossa família, recebendo carinho,
amor, alimentação. Os animais por sua vez provavelmente também expressam
carinho, fidelidade e muito amor por seus donos. Portanto os animais são parecidos
conosco?
E, afinal de contas como se desenvolve o raciocínio lógico? O pensamento?
Qual a origem desses mistérios em nosso cérebro? Somos iguais e/ou parecidos
aos animais por possivelmente nós seres humanos e eles animais possivelmente
sermos capazes de pensar e usar o raciocínio lógico? Obviamente que da fase de
Montaigne até os dias contemporâneos e agora modernos, encontramos várias
explicações para o processo instintivo dos animais. O que se percebe em Michel
Montaigne é a criação de um ceticismo sobre os elementos racionais, ou seja, a
capacidade de serem encontrados fora da espécie humana.

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Montaigne no texto apologia a Raimond Sebon incita passos para o ceticismo
em relação à condição humana e sua relação com o mundo, principalmente com o
contato aos animais. Verdan (1998) explica que Montaigne apesar de iniciar sua
carreira apresentando fortes marcas do ceticismo, ao final da vida renuncia suas
indagações a uma lógica fideista e cega ao campo da fé, ainda é de extrema valia
na reflexão, principalmente do direito dos animais e da relativização da vida de todas
as espécies no planeta.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após concluir esse artigo presumo o ceticismo como um mecanismo gerador


de dúvidas que surge para questionar aquilo que a sociedade vê como sendo uma
verdade absoluta. Este movimento é imprescindível para educação e para todos os
educadores no exercício da docência. O cético começa a „olhar‟ o mundo a sua
volta com outros „olhos‟, ou seja, com a percepção mais curiosa e investigativa, por
deverás audaciosa em superar as aparências do conhecimento, e primordialmente
na possibilidade de agora tecê-lo como agente de transformação, não mais como
mero expectador.
Creio que o cético desenvolva o seu ceticismo através de crenças
supostamente afirmadas por pessoas dogmáticas, porém essas crenças postas em
duvidas precisam ter bases que a sustentam e, neste ponto que o cético irá
estabelecer a dúvida como consequência questionar e formular possíveis
argumentos para tentar saná-las sem entrar em um círculo vicioso e conceitos.
Afinal, pensando no termo ceticismo será que as pessoas realmente
conhecem o que é ser cético? E se todas as pessoas no mundo fossem céticas,
existiria a possibilidade de duvidarem de tudo o que o cercam? E se tudo fosse
posto em dúvida desde a possível criação do mundo, existiria algo novo para
duvidar? É possível que o cético se oponha a tudo o que supostamente existe?
Suponho que cada ser humano possui um ceticismo adormecido em si
próprio, de maneira que às vezes nunca é despertado ou muitas vezes pela
sociedade convive ser de costumes e de cultura conservadora e paradigmática,
impede o desenvolvimento da perspectiva cética.

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Contudo, estudar o ceticismo não é aderir a preceitos teóricos, mas descobrir
que o ato de pensar não envolve apenas a realidade dos fatos, mas a condição de
possibilidade que cada causalidade apresenta. No campo da educação, resignificar
a prática educativa pelo interlúdio do ceticismo favorece a superação dos
preconceitos e da limitação imposta pelos paradigmas aos novos desafios
educacionais, sejam estes políticos, sociais ou pessoais.

THE HISTORY OF SKEPTICISM

Abstract

Through the contact with classes, was discovered the epistemological field of skepticism and the
possible contributions methodological the theoretical research. The skepticism covers an investigative
method that seeking to break with dogmatism and encourage the criticality. A skeptic is not who
stopped believing, but those who seek the truth which support the beliefs. The skeptic challenge is in
problematize the reality and what is placed like answer for daily, finding the equivalence between
concepts. Once that do not find the answer, the skeptic arises on suspension of judgment to await
advances in knowledge, and so, to be able resume his examination. Being skeptic, no admits
affirmatives, but only a belief in possibility, because certainty is just achieved, for answered doubt,
without answer, what is left is will continue searching. Investigate the skepticism is major for to
education break up paradigms and rethink his praxis at the daily.
Keywords: Skepticism. Knowledge.

REFERÊNCIAS

GRECO, John; SOSA, Ernest. Compêndio de Epistemologia. Tradução


Alessandra Siedschiag Fernandes e Rogério Bettoni. SP: Loyola, 2012.

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e os princípios da


moral: Sessão XII – Da filosofia Acadêmica ou cética. São Paulo: Editora UNESP,
2004.

MONTAIGNE, Michel. Ensaios – Livro II: Capítulo II – Apologia de Raymond


Sebon, 2010.

ROMANZINI, Junior Vitório. CETICISMO? Primeiros passos para conhecer


Montaigne e Hume. Texto Núcleo de Pós Graduação da Celer Faculdades, 2010.

SEXTO EMPÍRICO. Hipóteses Pirrônicas. Livro I. MG: Revista o que nos faz
pensar, 1997.

VERDAN, André. O Ceticismo filosófico. Tradução Jaimir Conte. Florianópolis:


UFSC, 1998.

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