Você está na página 1de 56

·Dirceu Lindoso

la9oal!\a

3ª edição - revista e ampliada


Dirceu Lindoso

la9oaV\a

'

3ª edição - revista e ampliada

'


Obras do Autor:
Póvoa Mundo. José Olympio,
1981.
Uma Cultura em Questão: a
a/agoana . Edufal, 1981 .
Mínimas Coisas. A Voz do
Lenheiro, 1981 .

A Diferença Selvagem. Civilização


Brasi leira, 1983.
A Utopia Armada: rebeliões de
...

pobres nas matas do tombo real .
Paz e Terra , 1983/Edufal, 2005.

Liberdade e Socialismo. AMPM


Editora, 1986. ,
A book of days for de brazi/ian
literaly year. Co-autoria Fundação
Biblioteca Nacional, 1993.

Mar das Lajes.


Catavento/Edufal/FCCM, 1999.

Formação de Alagoas Boreal.


Catavento, 2000.
Interpretação da Província: estudos
de cultura a/agoana.
Edufal/Fundação Manoel Lisboa ,
2005.
As lnvençoes da Escrita. Cepa!,
2006.
Marená: um jardim na selva. Cepa!,
2007
Lições de Etnologia Geral:
introdução ao estudo de seus
princípios. Edufal, 2008.

, ·~ .•
O Poder Quilombo/a: a
comunidade mocambeira e a
organização Social quilombo/a .
Edufal, 2007 .

A Razão Quilombo/a: estudos em
torno do conceito quilombo/a de
nação etnográfica. Edufal , 2011 .
O Grande Sertão: os currais de
bois e os índios de corso.
Fundação Astrojildo Pereira , 2011.

O Círculo Arcaico e outros estudos


etnológicos. Edufal, 2013.
,•

DIRCEU LINDOSO

,
,.,, /'

INTERPRETAÇAO DA PROVINCIA:
ESTUDO DA CULTURA ALAGOANA

3ª edição - revista e an1pliada

. ..
1·1'

/ Edufal
Maceió, AL, 2015
a
IJNIVel!SIDADll f.EDEJ!AL or. AL.Ac;oAs
Ueitor
l:urico dl' IJarros l.ôbo flll10

\'lre-reirora
f!arhl'i llocha de Almrida ll:urns

Dircrora da Edufal
Maria Srela 'fhrrcs llarros l.amcirJ$

Conselho Editorial Edufof


oll:1ria Srd:t Torres llarms l:mwirns (l•rt-sitk•ntl')
l'rrnantfa Uns de IJm:t (Sccrcr:íria)
,\111Jcrson 1le .~lcncar Menezes
llruno CC::sar Cmdc:tnll
Cín·ro Pfrirb de OJfrciru C:wvalho
Eurico füluanlo Pin l() de Ll'mos
l'crnando Anrônio Gomt•s de 1\ndrnde
frrnando SíMo C:walcanre Pimcn1d
Geraldo M~jcJ~ Gaudforio Faria
J:m:1ín:1 Xisro de llarros Uma
José fvamit"ln da SifYa llarhalho

Coordeua~:lo Editorial: ft•rnanda l.ins


l!etis:io: !>irct·u l.indoso
lsmélia Th111rt's
Capa: ]Or)lc Santos
J>i11gra111açãu:
Edrn liso 11 Vas n111ee1os
Supcrvis:io gr:ílka:
Mfrcio llohrrtu Vieira de Melo
Cat:llo~aç;io na fonte
IJ11iwrsidadr Fedrrnf de Al:lgoas
Bihliotc~a l:e111ml - l>ivisão de Tra1"111cn10 'J'fr11iro
llibflo11•c:lrio llt·sponsfref: V;d11•r dos Sa111os Andrntlc
L747i Lindoso. Dirceu. 19.lZ·
h11e11m·1aç:io da pro1 Ílllia: estudo.da cuhura alagoana i llirct~1 l.ludCl.IO.
• 3.cd. ·Maceió : l!DUfi.lt, 2015.
!Olp.

...... Inclui biblfog1·an~•

J. :\lagoas - Cultura · fli~uirl:i. 1. Tírulo.

~ 1 vis1o sociológica como classificou


CDU: 008(81j,S) A Moreno Brandao, pe a . ' ' , > ., d fi ·ção do caráter
a nossa gerlte.e cst'1bdcccu ª
a pnmcn e im
11l = '
·'
Direitos de:~!• cdlç;io rescn·•do.< à Editura allliada: provincial alagoano. 1
~dufal • 1:<1i1or; do Uni1Nsid:idc l'ede1·~1 tlc ..Va~'Clas ~ ~,
Cc111ro d t l111eresso Co111uni1ário (CIC) ~
A1: Lwril~I Melo M<~a, :efn · C..npus A. C Simlie$ _ 1

CIJJJ. lini\l'fSit:írfa, Macci<VAL C.1>.: 57072.•)]IJ


W\n~edufal.com.br f ~unrato<{•cdufaJ.com.br I (82) 3! 14. li f li ll f 3 UHl'Jfl<snA~v.s
AU OCJAçAoaRASJlElflA
Co11lato:1: oe EotTORAs 1

1
/

SUMARIO

l'l'CÍélciO .......... ..................,.. ,......................................................................... 1. 1

, l'rcfácio à 2ª. Edição ....................................................................................... 17

l'rcfádo à 3ª. Edição ....................................................................................... 21

- Representação Social da Escrita da Cultura Alagoana no Século XIX .... 23

li - Ruptura e Continuidade na Cultura Alagoana ....................................... 49

Bibliografia Geral .................................. .......................................................... 74

Ili - Uma Cultura e1n Questão: a Alagoana ................................................. 79

,.,
• • • P<

7
,

..,.
""'• .
... ri'un1 século e1n que a antiguidade não é fiador de nada.

Tavares Bastos, Cartas do Solí!ário,


(CartaXXV), Rio de janeiro. 1862.

9
,,
PREFACIO

Da IJistôria da gente alagoana já se disse ser a história de t1111a gente


qllllftli nufíhia, e que no espaço elas Alagoas - com tal abundância de lagoas, rios
urluchos - a i111portância da água foi 11iüxin1a na caracterização do co1nplcxo
fljil'dr!o', J~ assim que as águas alagoanas apt1recc1n ainorosan1ente estudadas- no
, tllY.t'I' cxpr<.'ssivo de Gilberto Frcyrc - e1n Canaes e Lagoas de Octavio Brandão.
t:o11fess:l ()(.'.(avio, en1 sua obra 111cn1orialística Co111bafes e Batalhas, que iniciara
n l'M tTl!a de Cct11(,(,es e Lagoas cm J.9 I8 entre os aratus e as ventanias de un1
:
dos t'slcros da lagoa Mu11da (1. Unia confissão a seu 1nodo anfíbia, e que indica
n pn·s,:uça das á~uas alagoanas na escrita de u1n d.os seus filhos 1nais rebeldes.
Ilt• Maceió já dizia o folclorista Théo Brandão que era urna cidade que vive sob o
11IH110 da ;Ígua. Aágua presenciando tudo: a cconoinia, a vida literária, as fonnas
tk 111oradia, o transport e. a fixação da vida rural e urbana. É essa presença
quase incônwda das águas que faz de Cttfu11ga de Jorge de Li111a t1111 ro111ancc
d11 pla111cntc anfíbio: pela presença inquictanlc do rcdcn1oinho da lagoa Mundaú,
n dl'slocar-se sinistra111ente e1n torno cios esteros ela boca da barra, e da n1iséria-
111111Hla6 de seu pcrsonage1n: u1na miséria a seu modo anfíbia. Desde Canaes e
f. n,~oas de Octavio Brand~io , passando por Cal1111ga dejorge de Lin1a e alcançando
o:; rilos poen1áticos de Pôziorr-.'vlu11do , meu romance de iniciação, as águas- de
lagoas, rios , riachos, estcros 1nari11lios e as 111ais longas, j:i oceânicas - invadctn
coin o 1náxi1no de despudor a breve litcratu l'<l alagoana.
É claro que há os ron1ances de Gracilia110 Rmnos, que são puro chão,
J a:> :íguas de pu11donor sendo apenas as das chuvas. ElnAugústía a presença das
:íg u ~ts de Maceió apenas se sugere, insinuando-se na densa tran1a psicológica
(Lo pcrsonage111; en1 Vítlas Secas as {iguas apenas pluviais são urna promessa
1111111 chão seco de sertão, q\1c de repcn te se enla1ncia, nas prilnciras chuvas,
FHEYRE, Gilbrrto. Prefácio . ln: DIEG llES JIC, Manut'i. O vrm,l!iiê1111sillagoas. Rio de Janeiro: l:\1\, t?li9,
p. xii • wii.

11
cn1 barreiros; cn1 Sâo Bernardo as águas das chuvas florcsce1n os paus-d'arcos,
~nlfüco e cultural, a definição da ilha co1110 círcu lo é uma 1netáfora alagoana
1narca111 o ritn10 nolurno do sonho, da suspeita e da tragédia. São, pois, águas
con lidas, scn1 luxúria de abundância, scn1 do1nínio ecológico. Poucas ou ucuhura. Sem a água, a 1nctáfora da ilha desaparece. E a terra apenas se111 a
abundan1es, psicológicas ou físicas, as águas don1ina111 a cu llura alagoa11a, d,autt n:1o consti tui a n1et:ífora insular. Aágua é o círculo da ilha: :u~ d.i stinção
rnarcando-lhc as criaçõe:;, das egrégias às 1nais si1nples e anô11in1as. Não é só a tnnll11c111al. Só a 111etáfora aquática do círculo (l:í realidade e concrsao a figura da
alagoana uma gente quase anfíbia, con10 a caracterizou Gilberlo Frc)1rc, 111as de lllm IJuaginada. Í~ pcrfcila e alagoana a i1nage111 do poeta- e perfeição aquática e
cullura de fortes do1ninâncias anfíbias: a pesca, os n1eios de con1u nicação, as lllC'lnfórica- explicando a figu ra da ilha co1110 a real idade cio círculo. Assiste-se no
hahilações quase p;1lafíticas, as cidades beirando rios, n1ares, lagoas e nrnnguczais \'L•rl!o de.Jorge de Urna à percepção da realidade co1no figura, i111agc1n e ~alavr:~
marinhos; a toponírnía exposta ao clo1nínio aquático, conH) indicou Manuel Hill!'(' a concrctude geográfica ou social asp am-~e a~ realidades da n1ctafora. l~
Diegucs Jú nior, con1seus povoados e e11gc11~1os de 110rnes de ;íguas - Ríachão, li l'('IH'escntação, que só se verifica corno criação visual, auditiva, pcrcep.tiv;~. ou
' ' ,
Poço, Hibeira, Agua Comprida, Agua Fria, Agua Clara, Hiacho Branco. A essa lista i•oncc•ltual , por intervenção da palavra. São as palavras que cria111, e a cscnta !J2~t.
acrescenro o 11on1c da velha capital - Alagoas - que foi ta1nbé111 o da Comarca e R11 !111ago da escrita que faz que pcrdure111 as realidades como rcprcsentaçao.
da Província, e é hojc o do Estado; e ainda os vários Olhos d'Agua que desig11a1n SOo as 111 atérias da vida - sua história e vivências - que constitue1n, sob u11H1
povoados, vilas e 11u111icípios. A alagoana é, de foto e por antonon1ásia, unia J'orina espectral, o con leúdo das imagos. Encerra a rnatéria da escrita esses
civilização da ;ígua: de chuvas, nas inatas (unidas, onde a111adurccen1 os canaviais; c·o11tine11tes do espectro, que é a representaçào d.o real príslíno e atual, porque
11:\0 pode exislir representação 11:1 escritH scrn essas fo rn1as sociais de existência
n1arinhas, no recortado litoral de rios e eslerus de rnanguezais; lacustres, nas
lagoas q11c se estrndern esparsas de 1\ilaceió para o Sul; fl uviais, n:t abu11d:1ncia ltlst6rica. Corno advertiu o poda:
dos grandes rios - co1no o São Francisco - e nos pequenos rios onde inedrou o perigo da rida s<io os vácuos.
a civilização do açlÍcar. São in úmeras as :íguas que escorre1n pelo recôncavo de (Poema VI , Canto IV).
1\ilacció, faze ndo que a cidade crescesse 1Huna restinga seca e arenosa, e subisse
ávida para os tabu leiros do Farol, do Martins e do Jacu tinga. o que pretendo 1noslrar nos dois ensaios é con10 se figurou na escrita
Não é por acaso que a obra-prinia da nossa literatura, corno expressão dos séculos XVIII e XIX e no co1neço cio século XX a existência histórica dessa
poética, SC'ja justarnente urna criação anfíbia: a Invenção de 01je11 de jorge d.e g(' llt(' anfíbia: a alagoana; e co1110 se estruturou con10 espaço .social o .es~J:~ço
Li1na. Em Sl'll longo e belo poema o poeta nos dá a 1nais concisa explicação de alago;u10 da antiga capitania de Pcr11 ai11buco. Através ele um cunt11u1u1~ h1ston~o
urna ilha: a cultura alagoana se cs trul ura media nte urn lento processo de seduncntaçao
' .-
:-;ocial e rápidos n101ne11tos ele rupturas. Ne1n sempre na cultura alagoana a v1sao
Que é uma ilha senão um círculo? ideológica progressista coincide, num mesn10 agente criador, con1 as rup~u n~s
(Soneto X.XIII, Canto IV) dos códigos de criaçfio, ncrn a visão ideológica conservadora corn a pcnnancnc1a
dos códigos canônicos. É o caso de Jorge de Li1na, que sendo portador de urna
Ailha é apenas uni círculo1 n1as um círculo especial de !erra e águas, ideologi; da pcrn1<1nência adota 11n1 código estélico de ruptura; e o ~e.Gracil~a.no
tuna figura anfíbia. Aos que consideran1, corno eu, as Alagoas LllH enclave social ,
Rarnos, que sendo portador d.e u1na id.cologia de rnptura adota urn cod1go cstel1co

12
cn1 barreiros; cni Siio Bernardo as águas das chuvas florescem os paus-d'a rcos,
marca111 o ritn10 nolurno do sonho, da suspeita e da tragédia. São, pois, :'iguas político e cultural, a definição ela ilha con10 círculo é uma tnetáfora alagoana
da cultura. Sen1 a ;\gua, a rnctáfora da ilha desaparece. E a terra apenas sen1 a
contidas, sen i luxúria de abundância, sen1 dorn ínio ccol1ígico. Poucas ou
;ígua não constitui a n1el;ífora insular. Aágua é o círculo da ilha, sua distinção
abundantes, psicológicas ou físicas, as águas doininarn a cultu ra alagoana,
rnarcando-lh e as criações, das egrégias às 1nais sirn ples e anônin1as. Não é só a continental. Só a rnet:ífora aquática do círculo dá realidade e concisão à figura da
Ilha imaginada. É perfeita e alagoana a irnagcrn cio poeta- e perfeição aquática e
alagoana wna gente quase :111fíbia, coino a caracterizou Gilberto rrcyre, n1as de
cultura de fo rtes dorninâncias anfíbias: a pesca, os rneios de cornt111 icaçflo, as rnetafórica - expl icando a figu ra da ilha r o1110 a realidade elo círculo. Assiste-se no
\'Crso de jorge de Urna à percepção da realidade corno figura, irnage1n e palavr;:
habitações quase palafíricas, as cidades beirando rios, n1ares, bgoas e nianguczais
n1arir1hos; a topo11ín1ia exposta ao dornínio aquMico, corno ind icou Manuel Entre a concretude geográfica ou social asparn-se as realidades da rneláfo ra. E
a representação, que só se verifica con10 criação visual , auditiva, perceptiva ou
Diegues Júnior, con1 seus povoados e engenbos de nornes de águas - Riachão,
conceilual por Intervenção da palavra. São as palavras que cria111, e a escrita lixa.
Poço, Hibeira, 1\gua Cornprida, Agua Fria, 1\gua Clara, Hiacho Branco. Aessa lista 1

acrescento o non1e da velha capital - Alagoas - que foi ra1nbén1o da Coniarca e


1: a imago da escrita que faz que pcrclure1n as realidades con10 representação.
, São as rnatérias da vicia -- s1nt história e vivências - que conslit11en1, sob u1na
da Província e é hoje o do Estado; e ainda os vários Olhos d'Agua que designarn
1
forma espectral, o contcíido das imagos. Encerra a inatéria da escrita esses
povoados, vilas e n1unicípios. A alagoana é, de fato e por antouon1ásia, urna
continentes do espectro, que é a representação do real prístino e atual, porque
civilização da :ígua: de chuvas, nas rnatas (unidas, onde aniadureccrn os canaviais;
n:io pode existir representação na escrita scr11 essas forn1as sociais de existência
niarinhas, 110 rccorfado litoral de rios e esteros de nianguezais; lacustres, nas
histórica. Con10 ad\'ertiu o pocla:
lagoas que se estendern esparsas ele Maceió para o Sul; íluviais, na abundfüicia
dos grandes rios - corno o São Francisco - e nos pequenos rios onde n1cdrou Operigo ela vida são os vácuos.
a civilizaçiio do aç(1car. São in(11ueras as águas que escorrcrn pelo recôncavo de (Poema VI, Canto TV).
Maceió, fazendo que a cicbde crescesse nun1a restinga seca e arenosa, e subisse
ávida para os tabu leiros do Farol, do Martins e do Jacutinga. o que pretendo rnoslrar nos dois ensaios é con10 se figurou na escrita
Não é por acaso qur a obra-prirna da nossa litera11ira, corno expressão dos séculos XVJJI e XIXe no con1eço do século X.X a existência histórica dessa
poética, seja justarncnte unia criação anfíbia: a In venção de 01j'e11 de Jorge de gente anfíbia: a alagoana; e corno se estruturou con10 espaço social o espaço
Unia. En1seu longo e bdo poema o poeta nos dá a rnais concisa explicação de alagoano da antiga capitania de Pcr11 a1nbuco. Através ele um conthu1u1n histórico
urna ilha: a cultura alagoana se es trutura mediante uni lento processo de sedirnenlação
.,
'• .,
h.,
social e rápid~s rnon1entos de ruptun1s. Ncn1 sempre na cultura alagoana a visão
Que é uma ilha senão um círculo? Ideológica progressista coincíclc, num nH!srno agente criador, coin as rupturas
(Soneto XXlll, Canto IV) ~
dos códigos de criação, ncrn a visüo ideológica conservadora co1n a pennanencra
..
d.os cócl.igos canônicos. É o caso de Jorge de Lirna, que sendo portador de uma
A ilha é apenas u1n círcu lo, rnas um círculo especial de terra e águas, ideologia da perrn~1nência adota uni código estético de ruptura; e o de Gracilia110
uma figura anfíbia. Aos ([Ue consideran1, co1no eu, as Alagoas un1 enclave social, Ratnos, que se11do portador d.e urna ideologia de ruptura adota un1 código estético

12
13
de permanência. Por isso, a cultura ahlgoana revela que ideologia de ruptura e Maria Tcnório Rocha -, 111as sab<.'r que ambos os textos acresce11ta111 algo de novo
código estético revolucionário não são se1npre coisas coincidentes, ne1n ideologia à an<llise cultural que efctuanios 1rns longas p;íginas do nosso A UtopiaArnu1da.
de status quo e código estético de pennanência. Do ponto de vista estético, Agradeço à Secretaria Extraordinária da Cultura de Alagoas, na pessoa ele seu
o revolucionário é Jorge de Li1na, e não Graciliano Ha1nos. Do po nto de vista titular, o jornalista Noalclo Dantas, a oportunidade oferecida de ler este trabalho
ideológico, é Graciliano Rarnos que se revela o revol ucionário, enquanto Jorge c1n sessào especial cio Museu Théo Brandão, e que agora o publicou.
de Li1na se vincula às fornias ideológicas não-revolucionárias, conservadoras e
até reacionárias. São duas atitudes quias1náticas, cn1 que os códigos estético e
ideológico se invcrtcn1: o conservadoris1110 estético passa a ser expressão criaiiva
de unia ideologia de ruptura, e o rcvolucionarisrno estético a expressão criativa Petrópolis (\Vestphalia), scte1nbro de l984.
de t11na ideologi:.l de pennanência. Assirn, so achain eni quiasn10 as posturas
estéticas e ideológicas dos dois niaiores nonies da cultura alagoana. S~o posturas
a seu modo anfíbias, en1 que se n1istura1n o rcvolucio11arisn10 ideológico e o
conservadoris1no estético c1n Graciliano Ra1nos, e o co11servadoris1110 ideológico
e o rcvolucionaris1no estético eni Jorge de Liina. Cornprovain, assitn, as duas
rnab altas expressões criadoras de nossa cultura a natureza anfíbia da gente
ah1goílna. A:i águas - a revolução, a rllptura - e a terra - a pcrn1anêncin, a fixidez
do slttl11s q110 - 1narca11do a fig ura de nossa cultur:t: a il ha, que o nosso poeta
rnaior deduziu ser tinia criação de Orfeu.
No ensaio prin1ciro - RejJr<!sentaçrio Social na Escrita da Cu/lura
ttlagoana 110 Século XIX - esboço as condiçõe:; e1n que :;e criou o espaço
alagoano a partir do espaço colonial da capitania ele Perna1nbuco, e co1110 a
escrita do século XIX de1én1 sua representação. No ensaio segundo - Ruptura e
Contínuid(lde 11c1C11/lura 11/agoana - esboço algun1as das condições e 111 que se
fonnou a vida cultural nas Alagoas atraves d.e uni processo social que incl ui fato res
de ron1pitnento e fatores de continuidade. Penso que desse 111odo se estabelece
urna parte da história do povo ala~oano e do seu fazer cultural que ainda não
havia sido tot«tlizada nu rna escrita de história da cultura. São dois ensaios un1
tanto esque1n;ítícos, pois se destinara111 a conferências no Museu lhéo Brandão
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), cru que o Autor dispunha de tcrnpo
1nín i1no de exposi ~ão. Co1npletá-los seria tarefa de urn livro. O que nos leva a
publicá-los não é só o apelo de alguns amigos - en1 especial do folclo rista josé

14 15
/ ' ,.,
PREFACIO A 2ª. EDICAO
..,

Nio sei tudo sobre cultpra alagoana. Talvez porque esse tudo não exista.
Quando pub liqud Urna Cutlura e111Queslcio: a Alagoa11a, que foi u111a gen tileza
do então reitor da Un iversidade Federal de 1\lagoas, joão Azevedo, e parte de seu
t 1llusiasn10 pelo qu<.' se produzia de cultura cn1 Alagoas, fosse ou não gerado no
' funbito da UFAL, o meu an1igo e grande poeta lv1arcos Farias Costa usou de 111na
Ironia, dessas que lava1n a ahna de quen1 as faz: - Dirceu Lindoso juntou os
cacos espalhados, e con1eles, usando boa técnic:t arqueológica, criou a cultura
alagoana. Quem conhece o poeta Marcos Farias Costa sabe quão criativas são as
suas ironias. !lá alguma verdade no que quis diz<'r o poeta, e não sei se estava
presente na noite de 26 de agosto de 1980, quando li esse texto no salão nobre
do Instituto Hbtórico e Geográfico de Alagoas, no vel ho casarão da rua do Sol, e
rrcebi o diplonia de n1cn1bro honorário, assinado por meu professor elo Liceu
Alagoano, Dr. Abelardo Duarte, então secretário perpéluo, e pelo presidente, Dr.
.José Maria de Melo, ilust re folclorista e romancista da Viçosa, e o folclorista e
etnógrafo Felix Unia.Júnior, 2°. secretário. Foi unut noite 1nen1orávcl, que contou
con1a presença de 11111 pintor polonês, c1n plena ditadura 111ililar. U1na noite de
coníluência de homens de tendências opostas, e presidida por Dr. josé Lages,
ajudado por <1t11igos con10 a prof'l. Solange Lages e Ernani Mero.
Às vezes se faz necessário o escritor usar do ofício de arqueólogo para
criar o que todo inundo via, n1as não queria criar: ;1 cultura a[agoana. Todos nela
.... .
• 'i ~·

trabalhavam, às vezes con1 e1npenho de n1ouro, rnas faltava quen1 chegasse e


dissesse: isto é a cultura alagoana, nela está a nossa ;tinia, ocrnpenho de gerações
que nos ensinaran1 a ler livros, partituras, tocar i11str11nw11tos musicais, co1npor
rnúsica e escrever livros e pocnrns. Nela , os 1Jon1cns e nnr lheres crant poeta~ ,
cornpunhain ron1ances de grande beleza, e diziam co1n orgulho: Sou escritor!
E assi111 foi jorge de Lin1a. E assin1 foi Graciliano Ra111os. Magistrais! E n1c dizia

li
e111sua casa 110 Rio de janeiro a escritora Raquel de Queiroz, que aqui 1norou: - de 17 a 24 de agosto ele 1984 li nrnis duas confe rências sobre cultura alagoana, a
Alagoas é urr1 pipineira de intelectuais. Co1no não ver que aqui havia algo 111ais, convite (lcJosé Maria Tenório Hocha e de Noaldo Moreira Dantas, que realizara111
e esse algo 111ais se cha1nava cultura alagoana? Pois sobre ela escrevi, e não n1 e o Sc1ninário de Cultura Popu lar 110 Museu Théo Brandüo, da Universidade f ederal
arrcpe1l(lo. llojc é con1 orgu lho que aperto a n1fw do velho Lêdo Ivo, os cabelos de Alagoas. Nessas duas conferências 111c estendi con1 garra a tuna variedade
alvos das idades do tc111po, 111:is lúcido con10 u1n anjo de sacristia. de fatos, que levaran1 a um co1pus íJ1scn/>lío11111n 1nais con1pleto e longo. As
Por que essa idéia de que, para dcscrC\'C r a cultura alagoana, cu usei conferências, en1 1985, saíram publicadas nos Cadernos de Cultura - 2, da
essa arte arqueológica de unir t:acos, colar pedaços do que se achava partido? A Secretaria de Cultura cio Estado. Meus agradecin1entos à então diretora do Museu
i111agen1 nasce da ausência de uma escrita que una partes que se encont rava111 Théo Brand:ío, a profª. Car111c1n Lúcia Dantas, pela maneira atenciosa co111 que
desco11ectad:1s, sem qualquer referência erudita. Daí a idéia da cacaria rt!unida de recebeu o co11ferc11cista. E ao poe1t1 Carlos Molitcn10, que serviu ele 111oderador.
u111a 111a11eira sistcn1ática na conferência lida rfa noirc de 26 de agosto de 1980. Eis que agora surge a oportu nith1de de tuna reedição conjunt.a das três
Cacaria no bo1n sentido arqueológico, do qual saiu un1 perfeito vaso niarajoara de conferências pela Fundaçáo Manoel Lisboa, un1a das figuras ínclitas da luta pela
un1 dos tesos de Marajó. Equando eu 111e propus escrever o texto U1nct Cultura cNn \'ida den1ocr<ítica1 assass inado fria1ncntc pela barbárie 111ilítar que assolou o
.Questão: a lllagoa11a, segui os três princípios básicos do conhecín1cnto filosófico, nosso País, cuj<t edição agradeço a Luis Abílio de Sousa Neto, Presidente dessa
apontado por Ernst Cassirer en1 seu Z11r Logik der Ku!lurwissenscbcr/len (Berli111, Fundação, assessorado por Luiz Sávlo de Alineida e Christiano Barros Marin ho
1942): o11âo saber deSócrates, a doe/a ignorantia de Nicolau de Cusa e a dtí11ída da Silva, antropólogo e autor de es!udos sobre os J<ariri -Xokó.
sisten1ática de Descartes. i\ conferência do Instiluto Histórico e Geográfico foi
unia pri1neira descrição dos fa tos do que chan1aria, ao acabar de escrever, de
cu ltura alagoana. Fiz con1os fatos que tinha a rneu dispor, deixando de lado os
que se e11contrava1n investidos de u111 excessivo caráter 1nágico. E11 fi111, a escrira
te111 urna função sin1bólica, ela é e não é o que diz, ou o que se quer dizer, e
encerra tuna intenção política ocul ta. Aposição do índio bororo flagrado por C.
Lévr-Strauss co1n lápis e papel na 111ão desenhando sua "escrita" e n1ostrando
que sabia escrever. Isso é urna posição 1nítica, pois o que ele queria mostrar aos
outros índios e ao antropólogo belga é ·que sabia "escrever", que descobrira o
•• ' " r
segredo daqueles garranchos: rnostrar poder político .
""''.
Essa conferência de 26 de agosto de 1980 foi na realidade a prin1cira
tentativa que fiz de descrever 11111 co1jNts inscription111n da cultura alagoana,
que n<io fosse o que o antropólogo anglo-polonês Bronislaw Malinowski fez para
estudar a nativo 1nentali~y dos 111clanésicos da Nova Guiné, nuts que revelasse a
anal'Ornia da cu ltllra alagoana (Malinowski,B., 1l1gona11ts q/tbe \fleslern Pacijic.
London, J922). Foi um estudo que se con1plctaria depois, quand.o na semana

18 19
-'
PREFACIO A 3ª. EDIÇAO
/

Este li\'ro foi sendo criado aos poucos. Foi fruto das conferências que fiz
q11ando retornei à minha terra depois de uni longo exílio que 1ne obrigou tuna
diladura militar in1posta ao Brasil. Voltei à. Alagoas sabendo o que era a pequena
minha terra. E aqui até agora 111c vejo lendo arquivos e escrevendo livros. Pois
não tenho outro ofício quando já co111plctci n1cus difíceis 82 anos de idade. Todo
'
este pequeno livro organizei-o fazendo conferências e aqui rne tenho até hoje,
quando toda a idad.c já 1nc cabe. Forain conferências feitas co1n bons períodos
de alternâncias. E nos cntrcn1cios repensei Alagoas e vi que até então não havia
('OJJsistência na interpretação de sua cultura. E questionei culturalmente a
cultura alagoana. E descobri sua essência: ser u1na cultura anfíbia fo rn1ada de
, rios, uni caudaloso como o São Francisco, e de canais e lagoas lacustres. 1~, pois,
uma cultura cm sua extensão lacustre, palustre e li to rânea. Urna cultura onde
predornina lHna defin ição co nceituai de anfibial idade. O conceito de sertão, que
rnarca o Nordeste, é nela uma fín1bria e quase se não vê. Unia cultu ra, entretanto,
corn que1n se pode questionar. Urna cultura onde todos os cle1nentos de
caracterização ainda não forarn ditos. Uma questão nela ainda questionável. Parti
';
de un1a pergunta fund.an1ental: que é a cultura alagoana? Oque nela a caracteriza?
Na 1ninha reflexão que sobre ela fiz, recebi de 1nin1 1nesn10 a resposta:
trata-se a alagoana de urna cultu ra ccologica1ncntc bc1Hônica. Ela vive a u111
tcn1po e.111 terra, en1 p<lntano e no n1ar. Ela se me apresenta nun1a i1nagern
..".,,
'
"
adcniraveln1ente quase rios, qu a~e pântanos, quase 111ar. !\'las não tão seca que
vire sertão. U1na 1nistura de pântanos, 1na11guczais, lagunas, rnar e fírnbria de
inata seca e sertão. Quer geografia n1ais bela? E nela se ouve urna azoada anliga
de aratacas e jandaias que se escond.iain e ocultavan1 povoados. E 11asccra1n
assin1 as cidaclcs n1arít i1n a~ das duas Alagoas: a boreal, que é urna criação da
Porto Calvo histórica, e t1 austral, que a criou a Penedo luso-fla1nenga. E assi1n

21
1\lagoas se figurou 110 n1apa colonial. Convicto dos n1cus trabalhos de pe~qui sas
,..,
e co111posiç:ío, entrego a novos e velhos leitores esta nova ed ição.
REPRESENTACAO SOCIAL NA~SCRITA DA
CULTURA ALAGOANA NO SECULO XIX
Maceió, julho de 2014.

Dirceu l.indoso O fato de cultura se nos parece o elcn1ento decisivo na configuração


de u111 povo. Hevcla o papel social corno n1ediador entre a natureza e as ações
hun1anas cm sociedade. São os valores da cultura que define1n, e1n tern1os
, simbólicos, as condições de estabilidade das relações sociais do111inantes, traçam
o perfil de identidade dos co11glon1crad.os populacionais definidos, configura1n
suas fonnas históricas, dotando-as de unia individualidade indiscutível. Essa
individualidade, que uma população adquire ao longo de SUít vida histórica,
se expressa con10 unia n1áscara, unrn idiossincrasia, cuja percepção de seus
valores sin1bólicos faz que a distingamos de outras populações, e possa1nos
'
dizcr1 identificando ind ividualid ades cult ura is: - Essa é tuna gente alagoana ou
scrgipana ou pcrna1nbuca11a ou haiana 1 - corno dircrsidatlc cultural tlc ser-se
brasileiro; ou possainos dizer: - Esse é un1 povo brasileiro, argenti no, uruguaio
ou paraguaio! - con10 fo nnas nacionais diversi ficadas do ser social. São as
fonnas históricas na detcrn1 i11ação dos valores da cultura que nos capacitan1 na
idenlificação desses sistcn1as e subsistcn1as culturais, uns 111ais e outros n1cnos
ho1nogêncos, resguardados por uni contínuo de tradição. Rcfiro-n1e à tradição da
língua, à tradição dosfolk1flC~)'S, à tradição dos 111ores, das crenças e dos fazeres
culturais, das condutas sociais e de u1na certa tendência na crialividadc de ralorcs
estéticos, intelectuais e sociais. Essas tradições se estruturam sociahnente co1110
'• ., ...
valores e condutas, com portan1entos e crenças sociais, que se elaboran1por111cio
de urna constelação de signos e práti cas, que se co1nportain socialn1entc n111n
co11tinuu11t histórico cspccffico. Isto é: nunia série ou sistcn1a de tcn1poralidadcs
sociais, que cornumente designamos de cultura.
Acultura é 11111:.1 realidade qu e o ho1nen1 prod.uz por 111eio ele idcações
e de práticas soc iais, e que se reflete cn1 nível ele seus referentes como

22 23
u1na composiçiio especial de signos, sírnbolos, condutas e fazeres. Quando parccein-nie cxagcraclos. Unl<l cultura não é u111 fato social de espontaneidade
intcligin1os urna cultura, identificando-a corno u1na realidade específica absoluta neni se favorece de ausência de coordcnaçáo. A estrutura analítica
produzi da por nossa conduta social, estamos de fato intel igindo o 1nodo conio de uni fato cultural - seja uni niito, uni produto artesanal, seja un1a oração,
as prát icas sociais e as práticas ('Spaciais se excrcitan1. Unia cultura nã? é apenas 11111 gesto, unia canção de trabalho. uni rito - revela um con1ponente fonnado
unia ideação de valores e signos que rcpresentan1 pr~ll icas sociais. E ta111bér11 por utn arcabouço <le invariantes. certa ordeni ou deterniinação dentro da
o cstabclecirnento, nuni contí111un11 histórico, de práticas que estabelecern qual se situa111 suas condições de perrnanência e de variações, sua linguagem
a criação do espaço onde se localiza1n os produtos dessas práticas, isto é, <~ de repetição e sua linguage1n de criação. Os elen1e1ltos que constitue111 uma
espaço social idealizado cu1110 uni valor. Ten1-sc então o espaço cultural, que e n rltura-seja1n 1nateriais ou valores - são ca111bi:ívcis, pcnuanentcs, perecíveis,
o 111cio criado pelas ações dos homens na sociedade, e onde se localizarn, 11111n renováveis, criativos ou conservadores. Concebendo osfolkwr1;11s ou usos con10
co11tin111111i. espaço-histórico, os signos, valorfs e condutas produzidos pel:1s Inconscientes, Su11111cr dcslaca as condições de sua realização na vida social,
práticas sociais. Por 111eio da percepção das práticas culturais, percebcn1os unia onde con1parccem como uma linguagem, um uso inconsciente ele signos. Mas
identidade de representatividades si1nbólicas, de que so1nos portadores como a espontaneidade e a descoordenação de seu cornparecin1ento na Yida social se
indivíduos e co1no c()letividades. São condutas e valores que introjeta111os de t•xagera de urn 1110<10 absoluto. Oque Sumner quer detenninar, con1 sua análise,
uni 111odo consciente na vida social, e que fazeni que naturt1hnenle scjan1os- s:io as condições d.e penna11ê11cia conio se estru turam os valores na sociedade,
lhcs detentores. E descobri1nos Llln faro novo: unrn cultura não se reduz aos :t prescnlanclo conio uni ato cspont:1neo dos fazeres ~ocíais . Avida ele sociedade,
produto:; qu e clabora1nos c1n nfvd rnatcrial, fftas se constitui, do 1ncsrno na concepção exclusivista de Sumn cr. consiste cni fazerfolkways e aplicá-los, o
111oclo, de uni tipo específico de produtos que suhsti1uc111 a JJ1aterit1/idade elas que obvian1cntc é u1n exagero. Mas Surnner se liniita a definir a vicl.a social co1110
práticas por urna constelação de signos e sí111bolos. Acultura se apresenta, pob, unia reprodução de clcn1cnlos de permanência, justificando sociologica1ncnte
con10 un1 produto do traba lho social e u1n produto idealizado desse trabalho. as existências sociais co1no unia fábrica ele produção e reproduçfto de elcrnentos
o que penneia o trabalho social de sua ideação é a criatividade, que se exerce tlc status quo, de pcnnanência.
socialn1c11te en1 dois planos: o do indivíduo e o da coletividade. A criatividade
A vida social não se reduz ohvia1nentc à lin ica expressão de produzi r
coletiva é uni processo de estruturação dos produtos niatcriais e dos produlos
.folÁ?wa_ps, transfonnanclo-os e1n 1nores 011 costumes e eni fe nfüncnos de niassa.
idealizados ao longo de 11111 cuntí11uuJJ1 histórico-espacial, que ser\'e de base e
l lá exagero e unilateralidade nessa postura teórica. A análise de Sun1ner, ao
de a11teript1çiio à crialividade i11divid11a1. Isto é: sen1 u1na herança social e seni
distinguir a diferença entre usos (fofkwt~F,1) e costu111es (n1ores), acentua o
u1n trabalho social antecedente seria quase i111possívcl a criatividade individual.
... .,.,
~.

\V'illiani Graharn Su111ner, nu1na visão exclusivista dos fatos sociais,


caráter n1oral do conceito de coslu n1es, dotando-o de u111 perfil conceituai
que se define por 111cio de agregações ét ico-sociais e filosóficas. Desse rnoclo,
disse que os jólkwt(J'S silo htconscientes, e,1ponlâneo.~~ sern coordenetçtio' · o costume se define n1oral e clicmncntc, e a sociedade o predispõe a urna
Se Lt1na estrutura cultural de antecedência se faz necessíÍria para estabelecer· <tvaliação ética, subordinando-o a um quadro estabelecido de valores, passando
se a existência de atividades culturais, os conceitos de espontaneidade e de a constituir na sociedade un1 aparelho axiológico, unia cai.xa ele valores. A
coordenação aplicados aos jófkwt(}'S ou usos e aos 1nores ou costurnes, nas análise de Suniner, por sua vez. apresenta a produção social dos usos co1110
condições teóricas e1n que aparecem na análise de \X-'illia111 Graharn Su1nner, utn 111odo de satisfazer-se necessidades vitais. Oser social, na visão exclusivista

24 25
de Su111ner, se apresenta corno urn produtor ele atos, antes de se r um produ tor (!llC essa Jinguagc1n especia l compõe nun1a fo nna es trutura!, num sisten1a ou
de p cns~u11c11t os 2 • Essa diferença. que a soci ologia de Sun111er estabelece, entre s11bsiste1na de elernentos e invariantes , só é viável po r meio da análise teórica,
produtores de atos e produtores de pensarncnto, encerra rnuitas dificuldacks, lslo é, por via ele urna conduta teórica que estabeleça sin1u ltanean1ente urn
pois não se pode na vida social separar-se estanquernentc o fazer social dos distanci:unento crítico e unia percepção estética ou científica dos valores. A
seus sí111bolos. Tanto no indivíduo quanto na sociedade não 1ne parece que os transferência sirnples da linguagcrn dos signos e sírnbolos para a linguagen1
atos se dissociern das forrnas do pensarnento que os si111boliza1n. Penso que 16gica do discurso não parece urna condiç<io baslante para a correta decifração
a hipótese de Surnncr é invcrific:ível tanto e1n ní\'el das sociedades neolíticas da linguagen1 dos signos e sí1nbolos da cultura. Ü preciso que ocorra urn corte
e co1nplexas, quanlo das sociedades pré-históricas desaparecidas ou de que analítico de natureza epistcn1ológica que fixe o favorecin1ento de condições
res ta111 testcn1unhos arqueológicos deficientes e esparsos. Se Surnner adrnirc capazes ele instituir, ern nível de compreensão, um a rnetalinguagen1 crítica
sua tese sociológica corno unia longínqua l}ipótese pré-histórica, que não que se estabeleça cpistcmologicarnenle corn relação à linguage111 don1inante
rne parece o caso, ainda ass irn é irnpos~ível verificá-la, e111 razão de os restos dos signos e sín1bo los culturai s requ eridos. Sern a constituiçáo dessa
arqueológicos não fazerem esse tipo de registro. r11eta-linguagen1 crítica, diferenciada e constituída através de conceitos e
En1bora a cultura ge re-s e na superfície social qu e lh e é dada calegorias de unia ralio, d.e u111 discurso de racionalidade, não se alcan ça1n
historica111ente, aparecendo conio t11na cunn1lação sucess iva de valores, as condi ções favoráveis ele decifração (e decodificação) da caixa de valores
condutas, usos, cosl un1es e fazeres - desse modo forn1ando uni ço11ti11uu1n de urna cul tura. Apesar de vivcnciarrnos in teriorrnen te unia cu ltura, :;ó na
de lc1nporalidades sodais - , só se percebe contraditoria1nentc co1no u111a co ndição do cs labelccim enlo teórico de 111 11a 111ctali nguagcn1 cpistcn10Jógica,
fo rn1a social lotal izantc e de função sincrônica. Corno fe nôrneno social, a de u111a racionalidade discu rsiva pa ralela, que seja 1ambé1n un1 cliscur:-;o ele
cultura produz-se co rno u1n processo inais ou n1enos longo e cu n1ulativo, onde distancia1n ento e urna racionalidade crítica, podcrnos perceber en1seu conteúdo
se reflete1n as relações sociais do1ninantes nu1n fio de tc111poralidades, mas sen1ântico as rnanifcstações da li nguagem cultural totalizante.
sua percepção se realiza con10 urna totalidade de função sincrô11ica - t11na O conteúdo sc111ânt ico de 111na cultu ra não é urn referencial aberto de
estrutura. A percepção da cultura co1110 história social é uni esforço teórico \'alores, rnas tuna codificação dos produtos de ideação das práticas sociais por rneio
ern que ocorre a detenninação de sua função diacrônica - a história cult ural. de signos e sí111bolos. Ern razão de sua nalureza referencial não basta a constituição
Avivência inconsc iente da cultura pelo ser social adquire a natureza de tuna de u1na 1netali11guage111 que seja apenas a lransliteraçâo ou transferência dos
linguagen1, onde se constela111os signos e os sírnbolos que dcriven1das práticas signos para u111a linguage111 de discun;o. Essa insuficiência se revela cm nível
sociais. É assi 111 qu e os fatos da cultura se nos aparecem con10 fatos de urna dos discursos descritivos, elaborados 111edia11te a aplicação à realidade dos, fa tos
linguagern. Os signos da linguagern da cultura é que nos dão sua natureza culturais de técnicas descrilivo-enurncralivas, facilmente 1nanipuláveis. E urna
de unia função si11crô11ica. i\ percepção da cultura corno t1111a nianlfest'ação solução, a do discurso descritivo, que se restringe a efetuar uma distribuiçflo d.os
sincrónica é urn dado que deriva da forma co1no os signos e sí1nbolos, que a signos culturais ern vários d.os subsisten1as da linguagem. co1nu1n. Ern vez de
co1npõen1, se es rrulurarn 11u1na linguagern. Acultura é urna cornposiç:io d.e penetrar nos elcn1entos d.a estrutura, bast·a-se en1 enu1nerar suas manifestações.
signos sociais ern estado de idcação, quando a 1naterialidade das práticas sociais É compreensível que a percepção d.e uma cultura a partir da estrutura de seus
se avocarn ern valores. Isto é: ern signos e sírnbolos. Adecifração dos valores elen1entos de representação seja u111a tarefa cheia de dificuldades de ordetn

26 27
1ncto<lológica e teórica. O discurso descritivo te1n o papel de inteligir os valore::; de pennanência, seja de ruptura - depende funda1nentalt11e11te do 111odo
corno parte da norma lidade social, de un1 1noclo que elida suas contradiçê>es ron10 se est rut ura111 as práticas sociais. A :1ntecedência das práticas sociais
ou as represente co1110 não fazendo parte da Jinguage1n codificada da culrura. con1 relação às práticas cul turai:; estahclccc as condições de cstrururação dos
lsto é: do ponto de vista do discurso descritivo, a eli1ninação das contradições 1•alores culturais en1 uni siste1na ou subsistc111a ele representação social. A
ou o cstabclcci1ne1110 de sua ausência teórica conduz ao eslabelcci1nento do <'scrila é a superfície, nas sociedades detentoras da linguage111 gráfica, onde
discurso conservador, o discurso cu ltural en1que se institueni, co1110 definitivos, l'ssa representação dos f;ito:; cultu rais se estabelece ele u1111nodo codificado.
os elcn1e11tos de pcnnanência, de status quo. (~ essa definição categórica elos O!iiste111a ou subsiste111a de codificação cios valores cu lturais re\'ela o n1odo
valores de permanência que favorece, na representação de u1na cultu ra, seu romo se cstrutu ra111sin1 boli ca111t~ntc esses valores, como eles se estabelecem
fio de co11rinuicladc. Os eleinentos co1nponcntcs de t11na realidade cu llural se na condição de urna linguagc1n, com sua gran1;lt'ica específica e con1 tuna
rcvel:un, nessa li11guage111 discursiva, de uiri 11H~lo unilateral, e1n que os valores 1'.scrita social de reprcscnt·ação e expressão.
de pennanênda são postulados co1110 abundante1ncnte llcgcmônicos. Desse 1nodo
M.as - con10 frisei antcrionnente - u111a cultura não constitui uni
se estabelece a visão unilateral da cultura. Os elernentos hegernônicos passa1n a
referencial aberto <le valores, senão uma técnica de codificação do:; valores
ser os justificat'órios das condições do status quo.
produzidos pelas pnllica:; sociais. Eni nível dít cultura, os valores produzidos
Mas na representação social <la cultura não se aprese11tan1 só os pelas práticas sociais se apresentam 1nascarados. É a 11iáscara que revela que
elementos de perrnanên<.:ia, dirigidos ao estabelecin1ento do status quo, n1as urna traina de valore:; passou da sua condição de produtos n1cra111ente sociais
,
tan1bérn os elemen tos de ruptura, que asso1nan1 con10 um co1nplexo de Y<llorc!:> para a condição de produtos cspecifi<.:arncnle sinibólicos. Ena cond.ição de valores
de descon tinuidade. Se os vnlores de pennanência se <lirige1n às fo nnas sociais !'i111bólicos que esses produtos de práticas sociais vigen1 na cultura. Não ba::;!a
de repetição e reprodu ção, os valores de rupt ura, por sua vez, se· dirige111 seretn produtos de u1na prática social. Épreciso que se rnascarem e111sí.rnbolos. Só
preferencialmente às forn1as de criatividades e recriações. A cultura, co1no co1no sí1nbolos é que os produtos das pníticas sociais se lcgilitnam co1no valores
totalidade social, rc:;ulta das relações dialéticai; en tre valorei; de penna11ê11cia da cultura. É por nieio do 1nascaramc11to dos produtos das práticas sociais que
e valores de ruptu ra, que 111arca111, jJer se, as vias do conser\'adorisnio se cstrutura1n os valores como sí1nbolos culturais. Pois há unia relação entre
e as vias ela revo lução. A dialética do contínuo e do desconrínuo é que 1alor e 111âscara. A noção de 111áscara, como nos dá a latinidade, é generativa
1

estabelece as cond ições de pern1anência ou de ruptura dos fatos culturais . Ú da noçã.o de pessoas. Con10 revelou Marcel M:tuss\ ao longo da história do
incon1precnsÍ\'cl unia cultura sen1scus·valores de perinanência ou desprovida Ocidente estabeleceu-se u1na relação de iden tidade entre a noção de jJersona,
ele valores d.e ruptura. O que se 1nodifica de cultura a cultura são os !'cores usada corno técnica de representação teatral latina, e a de individualidade ou
....,.·-
·~

corno se rna11ifesta111 uns ou outros dos valores. Unia cultura pode eslabelecer- pessoa. Eni lati1n,jJersona é a máscara que se usava 110 teatro para representar
se de rnodo que os valores hegeinônicos seja1n os de pennanência. Con10 a personagcrn. Daí partiu a noção de pessoa con10 rnáscara social, que a. ciência
pode haver cu l!ura eni que os valores prevalecentes sejarn os ele ruptura. social 1noclerna resgata con10 função ou categoria da representação no espaço
Ahcgen1onia de qualquer uni desses valores não depende apenas do 111odo ela sociedade. O indivíduo é dotado d.e persona lidade, isto é, d.e tuna máscara
co1no se estrut ura1n os valores culturais nu1n síste111a ou subsistema de social, que pocle ao longo da vida social constituir unia pcnnanência ou uin fator
represen t<tção social. Ahegenionia de unia trama de valores culturais - seja de ruptura e criatividade.

28 29
. ·-

Aconfiguraç:ío cultural estabelece o 1nodo co1no as cu lturas fu11cio11a1n dt•terminar neste estudo é o modo con10 essa autodetenninação das culturas
en1 tcrinos ele unt t representatividade de valores, isto é, de produ tos sociais p1•ovi11ciais se estabelece na escrita do111inante. E de uni modo mais específico:
n1ascarados. Esse mascar:unento representa as condições de passagen1 dos t'Olllo a autocletenninação de u111a cultura - a alagoana - se realiza nun1período
produtos das práticas sociais a valores culturais. Nessa passagen1, e ern razão do dnclo de nossa vida histórica - o século XIX.
niodo co1no se estrutunun as prát icas, a configuração cu l!ural pode representar
Para a detcrininação dessa inrngo é preciso estudar con10 se realizaram
l11na hcgen1onia dos valores de pennanê11cia ou a hege1nonia dos valores de
us imagens prirn itivas que configuran1 a criação ele u1na imagem cultural
ruptura. O trabalho social, e1n que se constituen1 as práticas sociais, ali1nenta
11t1tônon1a - no in terior da cultura nacional brasileira - da cultura proYincial
a1nbas as categorias de valores, e de urn nwdo às vezes sin1ul tfü1co: quando se
alagoana. Isto é: como se represen ta o espaço alagoano como parte da capitania
pensa favo recendo :i hcgc1nonia de u1n, está-se historicamente favorecendo a
de Pcrnan1buco? Há ind.ícios de que 110 século XVIII o es paço alagoano se
hegcrno11ia do outro. Éque a condi~ão histórica corno se realiza o trabalho social
apresentava con10 dotado de u1n modo diferencial de falar-se o português de
é urn processo dialético pcnn;111cnte1 qnc se fa1orece, nun1 11101ncnto histórico,
origc'm n1inhota ou alé111-tcjana; co n10 u1n aglo1nerado populacional onde
as condições de certas práticas sociais, passa a favo recer, ern outro, as condições
se iniciavam certas formas de distinções de conduta social, de aglutinainento
de práticas sociais oposras.
dos elementos culturais; de definição política da organização social en1 aldelas
Unia cultura é un1 produto histórico, ainda quando sua historicidade indígenas, povoações, vilas, freguesias, co111arcas; d.e un1 espaço físico configurado
não seja un1 lngredit'nle social faciln1entc perceptível. Apenas con10 uni artifício e de referências topogr:íficas nítidas. Essas características iniciais esboçan1 un1
n1etodológico a cu llura se representa 1eorica1nente corno un1 produto social espaço físico-social capaz d.e estabelecer a fo nnação de t11na i1nage111 diferencial
de signos e símbolos privados de historicidades. O que sign ifica que c111 sua da i111ager11 don1i nante pcrna1nbucana. for111aJi1,a-sc em nírcl da escrita unia
concrelude não possa existir co1110 criaçáo desprovida de suporte social. A dupl icic~ide de iniago, constit uída por d.uplas i1nage11s díspares: a das Alagoas
cu ltura é urna 1nanifestação da sociedade. Con10 tal, não existe cu llura scrn e a de Pernan1buco. Decorrido apenas 1neio século da fonnação da últi rna
sociedade. Pode exisl ir u1na cultura co1nun1 a unia ou 1nais sociedades: a irnagenl setecentista das Alagoas - a de 1774 - assiste-se ao fato da auto1101nia
cull ura latina transnacional, a cultura anglo-saxônica transnacional, a cul tura dessa iniageni diferencial, que se vinha fo nna11clo ao longo de dois séculos ele
tu pi-guarani comu1n a várias sociedades indígenas, a cult ura eslava ou grega fonnação histórica no inlerior do espaço da capitania de Pernambuco. Aprime ira
co1nu1n a uma dive rsidade de povos. E pode exist ir unia sociedade co1n n1anifestação de t11na futura aulo11on1ia ela i1nage1n diferencial alagoana no
diversidades de culturas: a soc iedade ~oviét ica, que ao lado lle u1na cultura contexto ele don1i11ação da i1nagcn1 da capitania de Perna111buco ocorreu e1n
co1nu1n socialista, possuía llllla diversi<lade de culturas nacionais; ou certas 17J1 , quando é criada a comarca das Alagoas. Ein J.817 - 1nais de un1 século
man ifcsta~f>es cultu rais (hine:;as co1nuns a tibetanos, a u1n scgrnento ele depois - essa configuração de ílUto1101nia se t.ransfonna e1n autodetenninação,
populações da antiga Cochin china e outras sociedades do sudoeste asiático. separando-se a iniage111 das Alago11s da in1age1n de Perna111huco n1edia11te u1n
Do 1nes1no niodo, apresenta-se na cultura nacional brasileira un1a diversidade decreto real que cria a capi tania das Alagoas.
de cu lturas provinciais que guardan1 suas específicas condições de criatividade
A escrita d.os docun1cn tos pri1nitivos do século XVIII revela e1n suas
dentro da cultura nacional. São as províncias culturais, de autononiia relativa referências corográficas, na descri ção da organização adtn inistrati.va, no volun1c
e subn1etidas aos inipactos de criação da cultura nacional. O qu e procuro
de produção econô1nica e no rcccnsea1nento den1ográfico a dupla i1nagc1n

~o
)
31
que se vinha fonnando, por n1cio da qual se configura a diferenciação de ao que un1 processo histórico de mais de dois séculos viera acun1ulando. A
uni espaço novo 110 interior da antiga capitania de Pcrnainbuco. Esse ~spaço i1nage111 da Idea der Pop11!açrío de 1774 já localiza na escrita oficial u1na in1age1n
novo coinprcendia a parte sul do território de Pcrna1nb u~o, a parll_r dos díspar, que vai estabelecer a idéia de separação e de autono1n ia que o decreto
rios Persinunga e Jacuípe, ao norte, e o rio São Francisco ale a cachoctra de régio de l6 de sctcn1bro de 1817, assinado por Do1n joão VI, consunia, erigindo
Paulo Afonso, ao sul. Pelo oeste alcançava parte do anligo sertão do Jupi, :~1n a co1narca das Alagoas à condiç~o de capitani:t, isentando-a absoluta111ente da
entretanto penct r1-lo profu11dt11ne111e. Essa ilnagcn1 nova se apresenta n1t1cla s1tjeiçt70, e11t que alé agora esteve, do governo da capiltt11ia de Pernanibuco -
na Infornuiçâo (Jerrtl dfl Capitania de Pernt11nb11co , de l 749, e na Jder1_r~t1 como se lê no texto régio. Na segunda década do sécu lo XIXa iniagen1 do espaço
Popi;laçiio tia Capikntía de PernaJ11.buco, de 1774, esta últin1a ~endo o:·ela'.ono alagoano se achava co111plcta, configurada na c.xpres:;ão territorial, social, política
do governo do capitão-general jozé Cezar de Menezes. A../J~or111a~;1u Geral e econômica nu1na co1narca sujeita i'1 capitania de Pcrna1nbuco. Odecreto régio
encerra urn acervo documental que se situa enjre os an os t111a1s do scculo XVI1 de 1817 é u1n reconhcci111c11to, e111 nível político, de realidades econôrnicas e
e a priineira nwtade do século XVll1 1; e aldert da Pojndaçiio, por sua v~z, é tllll dcrnográfícas jacen tes. Como Ciicrcvcu o historiador Craveiro Costa, e111 1817
esboço bastante cornpleto de natureza corográfica, econôinica e adn1l111strat1va Jittores econôniicos e de111ognffícos, o/H!ra11do o tlesenvolviJnento da Co1narca1
da C};pitania de Pcrnarnbuco, onde se acha circunscrito o espaço das Alagoas, ht1vian1 preparado o cenário do dnuna histórico da autono1n.ia6 •
nas cond ições da scgu11da n1c1ade do século XVllI5. Nesses dois documentos
U1n espaço social não se conslitui apenas nunia configuração de orden1
prinlitivos, principah11cnte no de 1774, surge o espaço alago'.1110 co1:10 ~1n1a
política e social. E para usar a noção cunhada por Henri Léfcbvre7, podernos dizer
iinagein dí~par do espaço da capitania de Pcrna1nbuco. Na f1!/(~r11u'.~~10 G.eral
que o espaço social é t1111a realidade onde ocorre a transformação das práticas
de 1719 a dcte11 ç5o do espaço ela co1narca e.las Alagoas na escrita oltcial a111da
:-.ociais em práticas espaciais. No caso da capitania das Alagoas, as práticas sociais
não é tuna criaç;io nítida e completa. Hevcla-se ainda diluída cn1.: pa'.·tc na
sugere111 urna subn1issíio a de1ern1inadas práticas políticas, de autonon1ia relativa
iinagein-inãc da capitania de Perna1nbuco, 1nas já prevê 111na tcnd~nc1a. <~uc
110 i11lcrior <la organização política do Reino do Brasil, Portugal e Algarves, que
se accntuar:í quase três décadas depois_ c1n outro docu1nento da cs~nta 0~1c1al,
o decreto régio de 16 de sele1nbro de J817 enuncia na forma de u111 governo
que é a ide(/ r/(I População de I 774. E aquele uni docun1cnto rclcrcnc'.al da
i11depe11dente (..), co11ijàcu/dade de co11ceder ses111arias ( ..), dando conta da
iinageni que ganhará seus contornos niais nítidos cn1 1774, onde a 01~a.odadc
tudo directa111ente pelas sccretorias de Estado co111petentes. Isto é, a capitania se
da configuração inicial se dilui, e o espaço alagoano co1neça a ad~u1nr s,eus
estrutura politica1nente como unia fonna regional de poder de Estado, subrnetido
contornos territorial e político, clefinindo-se co1no tuna i1nage111 d1spar. l~ssa
ao poder central do Reino Unid o. Sô com a independência de 1822, constiluído o
disparicladc de in1agc111 fornece os pri1ne iros clc1nentos de configuraç~o
... ., ., Império <lo Brasil, a capilania das Alagoas, con10 as detnais existentes, evolui para a
,.~ '
autôno 111a, que irão ganhar contornos definitivos quase n1eio sécu lo depms ,
forma política de província./\ cessação dos laços de sujeição política con1 a capilania
co1n a criaçiio, por ato régio, da capitania das Alagoas. de Pernarnbuco favoreceu, na capi tania d.e Alagoas, depois Província e Estado, a
• ' /'o •

No docuinento de 1774 se constelain os espaços sociais, econonucos criação de uni espaço cullural alagoano, que constitui a n1aterialização da inrngen1
e físicos _ numa proporcio11alidaclc que configura uin projeto. hlst6rlco ~e diferencial que se vinha formando numa antecedência de 1nais de dois séculos.
autonoinia política e autodctcrn1inaç:lo cultural- que irão_det~1:n1'.11ar a _cn:tç_ao As práticas espaciais config11ra111 a iinagen1prin1itiva nun1a ilnagcn1 atual
das condições para o al'o de 18 l7. Odecreto régio de 1817 da leg1t11n1dade Jll nd1ca
dt autonotnia relativa, que sen·e d.e suporte ao dese111penho institucionalizado tlc

32 33
pr:íticas sociais diferenciais, que dcsignarnos con10 espaço fí!l ico e regionalidade
marca de do1ninação 110 contexto de classe da sociedade do século XlX. É de fato
a!agoanos.1\ criação do espaço alago:ino se 1naterializa, de fato, a partir das pr:ític:ts urna escrita de erudição, nias L11na escrita de erudição sociahnente rnarcada.
sociais que se configura111 co1no u1na i1nagem diferencial no contexto da i1nagen1 Vincula a ideologia de base da sociedade alagoana do século XIX e as ideologias
de perna1nbuca11idade. A in1agc1n de Perna1nbuco co1no capitania que encerra as con1plen1e11tares que o jogo de aco1nodação elos scg1nentos sociais do111inantes
diversidades regionais é tuna herança das práticas sociais e políticas da Sociedade provoca. A in1agcn1 diferencial se 111atcrializa, e se consolida co1no fato de poder.
e do Estado coloniais. A fonnação da i111age1n diferencial das Alagoas, en1bora
/\ image1n prin1iti,;a, gerada nas vicissitudes ela história ad111i11istrativa do
constc1n suas raízes na época colonial, se 1naterializa no Reino Unido, quando se
século XVlll, dá lugar, ern 1817, à image1n diferencial de separaç:1o e autono1nia.
estabelece, por decreto régio, a capitania elas Alagoas e111 1817. Adestinação das
Consolidadas estas, surge uma nova i1nage1n provincial, que já se produz nas
Alagoas con10 en tidade política de autono1nia relativa no corpo do Brasil l{e ~110 se
condições con10 as classes hegcn1ônicas da Província estruturan1 o poder. Eentão
prefigura na image111 diferencial que se produz Jla escrila do século _XVI 11. E essa
a in1agen1 pre\'alecente durante o século XIX não é rnaís a que se dirigia para
iin;tgcn1 que perdura, e se 111atcrializa co1110 ato político de scparaçao do cspa ~o
estabelecer uma disparidade co111 a irnage1n-111f1e da capitania de Pcrnan1huco
pernambucano no decreto de Dom joão VI. Só a partir de 1817 a~ 1:lagoas. ~ª'.>
nem con1 a i111agen1 de nialcri alizaçfío dessa diferença que donlina nas duas
uma i1nage111 política ho1nogênea e :1t1tôno1na, que se passa a clch111r na chhc1l
prilneiras décadas do século XIX. A partir da fixação ela in1agem da diferença
história social e política do futuro ln1pério.
autônon1a de 18 I7, co nsolidada na in1age111 de província e1n 1822, a i111agc111 de
Só no final da primeira 1netade do século XIX inicia-se o ciclo de representação social que co1neça a gerar-se na escrita é do1ninada pelas condições
,
representaçfto da i111agcm au1ônon1a da Província na escrita. E::i:>e ciclo se de hegernonia dos senhores ele engenho e dos ricos co1ncrdantes. E - esta
constitui por 111eio da elaboração consciente de opúsculos e esboços que busca111 i111agen1- dirigida ago ra a consolidar as condições de do1nínaçâo dessas classes
representar a realidade provincial por 111eio de u1na irnagc111 ho111ogêne~ e sociais. Apartir de 1822, a imagem a que a escrita social serve ele suporte é a da
configurada, que reílita as condições do espaço físico, o ho1ne111, a procluçao, dominação, que estabelece sua hegemonia sobre as ela diferença. Pela ilnpostação
a organização ad1nin istrativa e as vicissitudes da vida histórica 11 un1a escrita de da in1agen1 de do111inação, hege111oniza-se a escrita de representação social co1110
representação. /\ representatividade da escrita, entretanto, resguarda todos_ os uni instn11nento que veicula, sem dubiedades, os produtos ela ideologia de base.
ingredientes ~uc con1põc111 urna ideologia de representação social, gerada en~ lllvcl As práticas políticas republicanas - dirigidas cont ra o flnpério - e as práticas
de unia Iiegcn1onia de classes: a <los senhores de engenho e dos con1erc1antes políticas abolicionistas - dirigidas contra o siste1na de escravidáo - at.ua1n de
das vilas de porto de 1nar. Desde o ÜjJIÍsculo da DescrijJçâo G'eographica modo a não n1odificar essa in1agen1 do poder, mas apenas seg1nentá-la. Ai1nagen1
. .,.. de J.844~, assinado anonirnmnente por Hu1n Brasileiro - 1nas que se atribui d.a don1inação passa inc6lun1e, corno se não existisse111 práticas sociais que lhe
~"
ao ex-presidente da Província, Antônio Juaqui111 de Moura -, essa escrita de eran1 agressivas, con10 a Guerra dos Cabanos de 1832. Mas a d.on1inação da
representação vin cula os interesses sociais das classes do1ninantcs fonnadas escrita sobre a in1agen1 a abs trai, apresentando-~1 con10 indiferente às condições
por senho1:es de engenho e ricos corncrciantes. A história ela Província passa a da vida social ela Provín eia.
ser contada a partir dos interesses de classe dos grandes proprietários rurais e .,
No Opúsculo da DescrijJçt7.o Geograpbica d.e 1844 o espaço alagoano
da burgu<:sia incrcantil urbana. Desse modo, a escrita de representa~ilo social
provincial se aprc::;cuta dotado ele coesão social e expressão política. Asocicdaclc
alagoarrn não se apresenta corno urna criação ingênua ou desprovida ele urna
alagoana se revela cstrulurada en1 pní.licas cconôrn ícas lllle lhe marca1n u111a

34 35
fisionomia específica. O desempenho político das classes sociais se revela, por seu poder. Claro, sem que pudesse evitar certas perdas materiais. Mas através
sua vez, co11fli1a111c, a ideologia de base do1nina11do sobra11ceinu11cntc sobre os do jogo de corpo hábil 1nanli11ha as condições de poder que rcvelava1n, desde
conflitos e divisões, e vi nculando as ideologias co1nplen1cntnres que rctletcan aquela época, o início de unia hegcn1onia.
interesses de grupos políticos ou facções no interior da dorninação tradicional.
A tática da participação ela burguesia 111ercanlil urbana no poder j)Olítico
Por exc111plo: a lula entre Lisos e Cabeludos, an1bas as facções da 1ncs1na classe
pro,·incial se realizou através de l11na n1odalidadc de aliança entre essa burguesia
dorninante ele senhores de engenho e ricos con1erciantes, ern confli to pela .. e o poder fun diário tradicional. Enlrc essas táticas aparecc1n, entre outras, as
hcgcn1011ia no poder político üa Província. Ainda quando esses conílitos entre
1natri1noniais, que não só resguardavan1 os senhores de engenho da falência
facções da classe dorninante adquire1n um alcance popular, co1no ocorreu con1
<.:on10 nobititavarn os 11u1scatesgana11ciosos. da acusação do hisloriador Craveiro
a aliança en tre Lisos e Cabanos, o que de fato a história provincial apresenta é
.. Cosla. Esse carninho das táticas nrntri1r1oniais explica a linhage111 breve de
o início do ciclo das rebeliões populares com OJdena111e11lo olig:írquico, que só
1nuitas fan1ílias burguesas de Maceió, onde a fortuna acumulada na agiotagem
vai cessar cni I 912, já na República, corn a Soberania Popular que derrubou do
e no co1nércio n1aríti1T10 jan1ais chegou a coincidir con1os foros de nobreza que
poder local a oligarquia Malla.
ostentan1. Se1T1pre a forluna foi rnaior.
A razão dessa ali ança, tão própria ?t história social alagoana, entre
No OjJúsculo da Descripçiio Geo,~rapbíca d.e 1844 já se reprcsenla111
scgn1entos populares e facções oligárquicas, talvez se expliq ue pelo rnodo conH) se
os interesses de classe da burguesia mercan til urbana. E1nhora narre a história
estrutura na sociedade alagoana o poder tradicional co111 hegemonia de senhores
provincial desde o ponto de vista dos senhores de engen hos e criadores de
de cnge11ho e comen:iantcs urba11os; o 1nodo con10 se recruta a clienlela política;
gado que 1nantinha111 a hcgcn1onia rural , vinc11 la a lese da 1nodernização
o alto índice de concentração fundiária; a necessidade de apoio da cli cntc•la
por 111cio de ínvesti111cntos capitalistas. Pela pri1neira Yez ocorre na escrita
rural aos :ienhores de engenho para enfrentar a co111petiçâo que lhe~ fazian1,
de don1inação tradicional a irriage1n dos capita listas como os verdadeiros
na apropriação da renda pro\·incial, os con1erciantes agiotas e os co1nercia11tes
111tísculos do co1/Jo social - na image1n que lhe dá o texto. A fu nção dessa
exportadores-ii11portadores. A recorrência ao apoio popu lar não dissipava o
classe de capitalistas, segundo o Opúscu/u de 1844, é a de restaurar o c0tnércio
conteúdo de classe do onlena1nento oligárquico do poder provincial. Ao contrário,
e a cultura, e pron1over a indústria e as artes. O reequ ipamento dos estalei ros
acentuava as condições de con1pctição entre facções das classes don1ina11tes
íar-se-á por 1ncio ele invcsti1ne11tos capita listas. Sugere ainda o Opúsculo
pela partilha e apropriação da renda gerada pelo capital fundiário e pelo capital
de 1844: a substituição do trabalho c!\cravo pelo trabalho assalariado e a
n1ercantil urbano. Foran1 a intervenção oligárquica pern1anente e a inlerferência
criação de um Banco Provincial ou de un1a Caixa filial de Desconto. É, pois,
de $eg111entos populares que deram a essas rebeliões o seu 1náxitno de crueldade
.., ,... e de it1tolerância. Os vários ataques a Maceió, que a partir de 1839 veio a ser a
11111 progra1na con1plcto de capitalização da econon1ia tradicional alagoana.
Ein seu projeto de ag<~iornt/.lnenlo da economia alagoana, o Opúsculo de
capital da Província, substituindo a capital antiga de Santa Maria Madalena. da l844 não deixa capitalis1ica11Jcntc de insin uar a necessid.ade de transfonnar
Alagoa do Sul, revelan1 que a burguesia inercantil urbana não se considerava lora
as cinco aldeias indígenas existentes na Província e111 fonte de n1ão-de-obra
do alcance dos ataques e pilhage11s oligárquico-populares. Abu rguesia 1ncrcant'íl
assalariada e de inviabilizar a econon1i<1 de coleta que se estabeleceu co1no
urbana revelou, nesse con texto de lutas, un1 hábil jogo de corpo, 1nante11tlo,
categoria econôrnica de passagem, nas condi ções alagoanas, entre a cconon1ia
quando se declarava (1ualquer urna das hegernonias faccionais, as co ndições de escravista e a econon1ia de mercado. Arenda diferencial da terra, produzida

36 37
pelo arrcnda111e11to das terras, lagoas e pedreiras das aldeias aos proprietários
cm Araújo Jorge é o estudo da botânica co1no.filoso,fia da natureza; e1n i\'lcllo
rurais, favorecia o descnvolvi1 11ento de un1a categoria econô111ica de passagcn1
Moraes se revela a utilidade industrial das plantas 1nedici11ais brasileiras. úa visão
ent re a escravidão e o cap ilalis1no, e que, de fato, retardava o su rgin1cnto <la
n1crcantil-capitalista gerando-se no interior da cult ura alagoana con10 formas
n1ão-dc-obra assalariada, no ca1npo. O Opúsculo de 1844 não se contentou
lcóricas de aplicação social da idéia ele progresso e de civilização.
en1 estabelecer a in1agen1 dos capitalistas co1no os verdadeiros u11ísculos do
co11x; social. Insinua ta111bén1 a redução das aldeias indígenas a acainpainc11tos Os estudos de geog.rafia sanitária e 1nedici na social que co11tê1n as escritas
de trabalhado res assalariados e a su bstituição da economia escravista e da da Geographít1 Alagoa11a ele Thomaz do Bon1-fi111 Espínclola e dos esboços
economia de co leta pelas novas condições de unia eco110111ia de 1nen.:ado. hislórico-acln1i11istrativos de Dias de Mou ra totalízam essa contribuição da (/eraçâo
Refere-se~ dificuldade de conseguir-se trabalhadores livres - ou trabal hadores de 1860 à in1plantação da idéia de progresso na cullura alagoana. Nu 1n período
por.Jornal - e denuncia co1no Ju11í pouca a ~não-de-o bra escrava . Alega que , de nove anos, José Alexandrino Dias de Moura publica dois esboços histórico-
a facil idade con io os pobres conseguia1n o alhnenlo individual, por 1neio de ad.1ninistrativos da província de Alagoas: a Fala de 1860\ e os Apontrunentos
unia eco11ornia natural de colei a, favo recia a ociosidade e1n que vivian1 essas de 1869 10 O pri1neiro desses esboços incl11 i u1n1t saudação a Don1 Pedro II en1
populaçücs r11rais. Por sua vez, a carência de capital incidia sobre a produção sua visita às /\lagoas, uni relato histórico da Província, u111 outro relato geográfico
dos eslaleiros, e a fal ta de u111 banco de crédilo dificultava a tornada de capitais e, por úllin10, 11111 relato ad1ninistrnt·ivo. Na parte que conslilui a saudação ao
de invcstin1ento. Í:: unia visão 1nercantilista do capitalis1no, que incide sobre casal tnonárqu ico, Dias de Moura coloca cn1 lern1os de precedência hislórica o
os elos frágeis da ccono1nia tradicion<tl alagoana, que se baseava na cxport·ação território alagoano co1110 o S<'g undo ponto da cosia atlântica do Brasil alcançado
açucarei ra e 111adeireira. O progra1na ainda incluía abert11ra de novas rotas pelos descobrimentos da frota na\'al de Cristóvão Colornbo. rsto é: um segincnto
corncrciais internas e externas, para facilidade de a1npliação e con;wlidaçfw da costa alagoana teria sido alcançado pelo naYio JVi1la, capitaneado por Vicente
do n1crcado interno, con1 navegabilidade dos principais rios e lagoas. /\ risão Yafiez Pinzón, após zarpar do cabo de Santo 1\~osti n ho (designado Cabo de la
1nercantilista se estende à História social, onde estabelece o para<lig1na da Consolación) . Por esse ca1ninho, induzia o território alagoano a parlicipar dos
escrita para o julgan1e11to das rebeliões populares, e que seria postcriorn1entc dcscobrin1entos antecedentes dos espan hóis no continente an1ericano. Con10
vinculada pelo discurso historiográfico alagoano, a partir do texto da G'eo3rt1phia náo existe1n provas técnicas desses dcscobri1ncntos do Brasil, pelos espanhóis ela
Alagoanct de Thon1az do Bo1n-Fin1 Espíndola, en1 1860. expedição naval de Colonibo, na hislória das navegações, conslituindo as referências
apenas postulações, a indução histórica efetuada pela escrita de Dias de Moura só
Apers pectiva 1nercantil-capitalbta se acentua no textuário da (ieraçéío
lcm t1111a função: aprofundar, por 1neios ideológicos, a vida histórica da província ele
de 1860: 11a esc rita de A. C. Tavares Bastos se revela un1a doutrina do liberalis1no
Alagoas. Essa tese de aprofuncla1ne11to ela vida histórica provincial reaparece, con10
1nerca111il e uma crítica à eslrutura burocrático-autoritária do Estado Tn1perial;
íll"gu1nento ideológico, em v;írios 11 wn1cntos da escrita historiográfica alagoana, e
nos dois e:->boços de José Alexandrino Dias de J\!toura se revela, por sua vez, na
todas as vezes sen1 qualquer induzi1ne11to probalório de que a lese seja verdadeira.
fo rn1a de un1 apelo à indu:;tri:1lização; en1 Ladislau Neto e Fernandes de Barros
Falta-lhe a docuinentação necessária, e a lradição oral não guarda nada parecido
se 1nanifcsta111 os pri1neiros escritos de pesquisas siste1náticas de nossa riqueza
antes do fin1da pritneira rnetade cio século XIX. Pern1anece co.1no u1na ideologia
botânica e mineral; ein Dias Cabral se revela no evol ucionis1no considerado
de aprofunda1ne11to da vida histórica tão requerida, en1 alguns 1110111entos, co1;10
corno unut filosofia do progresso, que se opõe às ideologias religiosas arcaicas;
fonna de legitiniar urna escrita de do111inação tradicional.

38
39
Aparte hi stórica do esboço de Dias ele Moura estabelece unia cronologia espaço alagoano finda o papel das in1agcns indctenninadas. e se introduz a
dos fa tos da vida social alagoana, incl uindo acontecin1entos achn i11istrativos e i1uage1n n1ate111ática de configu ração geornétrica definida, projetada sobre as
políticos provinciais. Nessa ocasião a insurreiçâo agrária de 1832 su rge de urn coordenadas geográficas, com detenninações astro11ô111icas, descrição das linhas
n1odo conciso na escrita historiográfica, designada de rebelião, de guerra ci11il, orográficas, perfil dos sisten1as ílu\'iais e da linha ela costa, localização de vilas e
ele caba11atla e deguatr(( dos cabanos. Desse 1nodo a escrita ele Dias de Moura cidades. A i1nage1n co111arcana inicial era difusa e de configuração indetenninada.
revela sua historicidade, elidindo os conceilos de patologia social cotll que o A i1nage1n da capitania ganha con tornos nítidos, co1n persistência ainda de
Optiscufo de 1844 passou a designar a insurreição agrária de 1832. Ocaso talvez algumas indeterminações. A longa vicb histórica da Província ia constituir unia
de111onstrc certa si111patia de Dias de M.oura pela Guerra dos Cabanos, talvez não imagcn1 cada vez 1nais nítida, até perder pratican1entc suas indctern1inaçõcs,
de t·odo revelada, mas que su::i escrita inconsciente1nc11tc registra. Nesse n1csn10 e surgir con10 tuna i111agcrn mate111:Hica de uma realidade político-histórka
ano de 1860 o tra!atncnto dado à Guerra dos Ca!laiios na G'eog1't1pbia Alagoanrt definida, dotada de pccu Iia ri dades , inco nfundível corno provincial idade no
de Thornaz do Bo1n-Fi1 n Espíndola é o de acentuar o 1nodclo condenatório do contexto político elo Império.
Opúsculo de 1844, onde se aplicain aos fe nô111cnos dessa insurreição agnfria
O esboço adquire u111 teor sociológico quando descreve a organizaçfü>
conceito$ patológicos de história social. Talvez que 110 espaço alagoano da escrita
adn1inistraliva e algunrns fo nnas de vida social. l\ssim, rcla1a1n-sc as cond.içtics
algu1na sinlpatia pela Guerra dos Caba nos se revela na forrna de classificar a
de vidi~ <la população pobre do Pont al da Barra, cn1 Maceió, pela fortna de
insurreição e os que dela participararn co1no insurretos. A sinipatia popu lar
habitação: u111 agregado de cerca de 50 C(,(bc111as cobertas depalha e hrtbitadas
alagoa11a pelos comhatenlcs caba11os 1nais de un1a vez :;e rcgi:;trou nos :111Hi~ da /1or j)(Jbres jJescadores. As co ndições de navegação palustre sã.o descritas a
Província e nos doc11n1cn tos n1ilitarcs sobre a guerra. partir do pequ eno trapiche situado no Trapiche da Barra, co1n e111barcaçôes e
A parte geográfica esboça a figura da Província co1no unia ·irnagc111 canoas que naL,.egaJJ/ nas duas lagoas. Discute a razoabilidade ou não dos sítios
n1ate1na1izada de urna realidade física que co1npona t1111a configuração político- escol hidos para localizar povoações, co1no é o caso de Coqueiro Seco, na ribeira
histórica de contornos definitivos. O que a escrita de Dias de Moura estan1pa é da lagoa Mundaú, a fertilidade da ilha de Santa Hila, co1n 18 engen hos de açúcar
a i111agcn1 das Alagoas na figura geon1étrica de 111J1 triângulo retângulo cuja e suas culturas de cafeeiros, rujo arbusto -diz-.frut(fica e:rtraordinarirunente
/J1/Jote1111sa é a linha irregular que partindo dajoz dopequeno rio Persi111tnga nas circunvizí11ba11ças da cidade à so1nbrt1 das jaqueira~~· a. excelência do
e afre111essando as 11u1tas de jacuípe e de Perna1nbuco /Jtli ten11inar na porto n1arílirno da Barra Grande, em Maragogi, !ttl/Jez o 111.elhor porto da
cachoeira de Paulo Aj iu1so (1ona dt1,\.. 1nrtiores do 111undo): serve11i,-lbe dos Proufncia. Louva o sílio onde se ergueu a povoação de Coqueiro Seco por sua
. .,.., outros dois lados a costa ba11bt1dt1 pelas aniladas águas do !ltlântil:o e o posição pitoresca, e as terras agrícolas que a cercavain, apesar ela aparência de
"•
: assoberbado curso do Bai:vo S. Francisco, cttjajbzjf,~ura o 11értece do ângulo esterilidade, davarn excelentes cultu ras de vinhas, que produzian1 as tnclhores
t(lio,· a hipotenusa ou nzaior !tido do triângulo orça 86 léguas j;o11co 111ctís uvas da Província. Mas não são só de louvação as referências geográficas claFala
ou n-ienos,- o ladojornu((/o pelo curso do rio 50 e o do litoral 34, o qual.fica ' ele 1860. Revelou-se Dias de Mount u111 ecologista exaltado, quando protesta
cornpreenrlido entre bk' 55' 30" e J(l 31' de latitude sul e 26u e 2lf e .58'de '.• contra a presença do verdete nas águas da lagoa Manguaba, bcn1 de frente à vila
''
longitude oeste de Lisboa. O engenheiro Conrado Jacob de Nien1eyer confere do Pilar, exalando cheiro pütrido de gás sulfídrico, e co1n péssinia conseqüência
l.200 léguas quadradas ao es paço da pro\'Íncia das Alagoas. N~i percepção cio sobre o estado sanitário das populações ribeirinhas. E111 razão da presença elo

40 41
verdete sul fíd rico nas águas ela Manguaba é que grassavain ali as cpiden1ias de Moura a oportunidade ele seus !ljJonta111autos co11stituírcn1 o relatório de
senipre 111ais i11te11sc11neute e que a!>)ebres intenwitenles sejtnn consta11!es. Mas u1n presidente de província, e adverte que o presidente que se e111penhasse na
o protesto ecológico ele Dias de Moura não fica só na defesa das águas da lagoa erradicação tlosfoc:os de ejl1í11ios f"Jslilenciais e de 111ias111asfebriferos prestaria
Manguaba. Acusa os proprict:í rios pela destruição dos bosques de pau-brasil, e urn i11estin1:ível serviço público a Maceió. iVlm; o pess i1nisn10 pelas condições
diz que estava1n quase exaustos pelo jogo e 111acbado do proprietário e pela sanitárias existentes não bastava 1>ara co11vcrtcr o cronista Dias de Moura nu1u
especulaçtio e cobiça do conlrt1ba11dista. Ou quando co1npcnsa sua tristeza escrevinhador caturra e depressivo, observando só o lado desfavon\vel das
pela destruição dos bosques de pau-brasil co1n l11na descrição verdadciran1ente coisas. Não era uni cronista desse lipo o nosso Dias de Moura, ernbora levasse
lírica do reino natural alagoano: rios, lagoas e 111ar de excelentes /Jeixes; ca111pos, suas qualidades de despista1nc1110 a ocultá-lo por detr:ís do anagrama de Said
inatas e sertões onde pasccn1 tranqüilos os rebanhos, e vive excelente caço e ed An10JJ1. ao assinar o rclat6rio ele 1860. Hcconhcccu que entre 1840 e 1869
tri11a11111ielodiosas aves. , Maceió se urbanizara numa linda cidade or11ada de bo11sprédiosparticulal'es
Os Apo1tltone11tos de 1869 fonna1n 11111 discurso estatístico-político. e elegantes ed((tciosjJúblicos, sendo assi111 un1a capital ele província que ti nha
Descreve corn n1lnlicia ruas, logradouros e prédios das povoações, vi las e cidades tnnnentado eprogrcdido. A fixação da vida urbana em Maceió parecia encanlar
da Província. Nesse sentido é unt estudo de incstin1ávcl valor, pode-se dizer que o cronista Dias de Moura, co11trabalanç:i ndo seu pessimis1no revelado d.ia111e da
insubstituível e ún ico. Talvez u1n dos pontos 1nais interessantes desse trabalho situaçãó do sítio, cercado de águas podres, oifeiros que barravan1 bons ventos,
de Dias de Moura seja sua crítica ã escolha do sítio geográfico para a construção e L11na restioga de manguezais e dunas.
de Maceió. Dá, üias de Moura, urna descrição da posição do sítio r11aceiocnsc, Regi~tra ainda Dias d.e Mou ra, e111 seu relatório de 1869, o atraso da
construído 11u111a restinga seca, tendo ao norte u111a cordilheira de outeiros indústria na Província. sem condições técn icas nc1n capitais que baslasse111 ao
( .. ), a quaL i11/erceptr1 grande111enle a ventilação durante o vereio, do lado aproveita1ne11to de nossas riquezas naturais. Essas ou era1n levadas e111 bruto,
do sul (. ..)pântanos de águas eucbrtrcadas, alilnentados pelas e11x1ll'l'tulas 01t conzo 111aléria-jJri11ut, para sere1n 111a1utj'rtlttradas 011 beneficiadas pelas
do i111Jerno, pelo lado do /1oe11te (. ..) la1naçais da 111arge1n oriental da lagoa 11açfJes industrios(/s oujaze111 i111/Jroftc11as e quase abandonadas 11a supe1jicie
do t..rortc. Esta situação de L11na cidade const ruída entre tantas águas con10 que e 110 centro de seu opulento solo. A indúst ria da Província, na concepção
alannava a Dias de Moura pela péssi1na condição sanitária qne criava para a vida cconôn1ica de Dias de Moura, se conslituía de atividades agrícolas, co1nerciais e
urbana. Conclui , pessl1nista, que por isso 11ão sâo, nern pode111 ser lisonjeiras rnanufatureir;ts. Condena a ocorrência de prejuízos e erros, na cultura da cana
suas condirões higiênicas, co1110 bâo den101lstrado hábeis 111édicos, que tê11z e na produção de açúcar, devido a d.ois fatores: a uelba rotina e a obsolescência
estudado e descrito a topogrt!fla 1nédica da capital. U111a prova da péssilna das tnáquinas e aparelhos dos engenhos de açí1car. Não se contéin de entusiasmo
....-·
'•
1
: condição sanitária do sítio da capital erain as doenças que grassava1n o ano pelas experiências quí111icas, realizadas e1n laboratório, pelo naturalista alagoano
todo: 1\40/éstias endê11licas, ojla/Jnias, .febres (e.\jJeciallnente intennitenles) Manuel joaqui1n Fernandes de Barros e111 1840. Eram experiências para a
aparece111 1naís ou 1nenos ent todas as estações. O estudo de Dias de Mou ra dctenriinação, por 1neios quín1icos, da linhita; ou pela iniciativa do conscll1eiro
- os 11po11tfl111e1itos de 1869 - se destina a co1nplernentar o relatório que o r\11tônio Coelho ele Sá e Albuquerq ue, nrnndando a1nostras ele xis!o beturnlnoso
presidente da Província das Alagoas, josé Bento da Cunha Figueiredo Júnior, das íazidas da Bica da Pedra e elos Morros de Ca111aragibe para scren1 exarninaclas
leu a !6 de março ele 1869 perante a Asseinbléia Legislativa. Aproveita Di as • nun1 laboratório do Recife.

42 43
Entre os dois relatórios de Dias de Moura-decorrida quase u1na década- assas c1canhado, devido se111 dúvida ao alrazo dtf. agricultura a indústria
perccbc-se unia a111pliação das condições de vicia urbana na província das Alagoas pastoril, à .fàlta quase absoluta de indústria 1ntf.1ll(/álttreira OTf. )ábríl. e
e a consolidação das forrnas urbanas em vil;ts e povoações do interior. De uir1 lantbént à carência de boas vias de co111unicaçâo inten1r.f., à cachoeira de Paulo
1nodo 111inuci~so e sistc1nático o relatório ele 1869 detalha a con1posição das vi las 1\fonso. que 11eda a nai•ega.ção co11li1111rrrla do rio de S. Francisco, à.falta de
e freguesias da Província, n1i11ucia-lhcs ruas, logradouros e 111011u111entos, traça co111ércio dh'eto co11l o estra11gei1'0. 111otiuada pela escassez de capitais, sendo
enfin1 o perfil de urbanização que o espaço provincial adquiria. Essa a1nplitude o co111ércio quase e:.;clusivrun_enle./'eíto por cabotageui. co111 aspro11í11cías de
do urbano sobre o rural revela a intensificação das práticas espaciais na soc iedade Pernrnnbuco e Bahia, recebendo todavia rt provincia gêneros, se bent que
alagoana, co1n as distorções que lhe são próprias. l hna delas, o desloca111ento da poucos. do Rio defaneiro e Rio Grande do S11!. Desse modo, rcto1na Tho1naz do
vida econôn1ica, que se conccnlrava e111 torno das freguesias de Maceió e Pioca, Bon1-filll Espíndola as teses contidas no Opúsculo da Descripção Geographíca
ao leste, e ein torno de Penedo, ao sul. Estabclcc~:un-sc, assi1n, dois pólos novos de 1844, pedindo a integração do espaço alagoano nunut econon1ia de capitais
de concentração do processo urbano: u1n en1 torno do porto n1aríti1no dejaragu;í; que dina1nizc a indústria e o co111ércio, abra novas vias illternas e externas e
outro, e1n torno do porto fluvial do Penedo. Opólo de urbanização de Maceió-Pioca ponha fi111 ao estado assas acanhado do co1nércio.
se estendeu pelas cidades e111 torno das lagoas, alcançando as que se perfila1n ao A edição de 1871 ela G'eograpbia Alagoana de Thomaz do Bo1n-Pin1
longo cio !vtundaú e do Paraíba, e cn1 arco, alcançando Anadias, j:í nos ca111pos Espíndola revela o espaço alagoano con10 11111a realidade social, política e
do Unhahu. O do Penedo, de influência baiana, alcançava as vilas e povoaçôcs eco11ôn1ica concentrada e111 torno do pólo urbano de Maceió, e onde dominam.,
são-franciscanas do baixo-rio até Piranhas, onde se interrompe a navegação do ao lado <las tradicionais práticas sociais rurais, as novas práticas sociais urbanas
Baixo São Francisco. Este processo de urbanização ela segunda n1c1adc do século e as novas práticas sociais 1nercantis. A Geographia Alngonna sugere - ainda
XIX se concentra de fato en1 torno do pólo de1nográfico-econôn1ico de .Maceió.
- que o aurnento das importações de nianufaturados pelo porlo de Jaraguá tetn
E se intensifica depois de 18'.$9, quando Santa Maria Madalena da Al:tgoa do Sul relação com o au1nenlo populacional cm torno do eixo forrnado pelas freguesias
perde sua condição de capital da Província para a vila de Maceió, que se converte de Maceió e Pioca. Apartir desse eixo dc1nográfico-urbano armou-se o arco de
en1 capital das Alagoas. As duas cidades rcprescnta1n elo is 1noclclos diferenciados polarização da vida urbana en11·or110 das lagoas e no senlido do vale do Paraíba.
de urlrnnização: S::tnta Maria Madalena 011 Alagoas representa o n1odclo colonial O processo de concentração populacional no circuito das freguesias de Maceió
de urbanização, ainda de profundo conlC'údo rural ; e Maceió, por sua vez, e Pioca se constata pelos dados dcn1ogr;lfico:; dos censos de 1847, de 1853 e de
representa o modelo de urbanização imperial, onde já se revela de u111 n1odo 1855. Se o censo de 1847 dá u1n cthnputo de I6.9:1 l habitantes, o censo de 1853
nítido a hegcn1011ia, depois absoluta, das fonnas urbanas de cultura sobre as i dá 15.125 habitantes, e o ele 1855 dá 25.135 habi tantes (livres e escravos) para as
'• ,.,
'··' . fonnas rurais. •:f duas freguesias. Craveiro Cosia e Tho1naz Espíndola acusa1n o censo <le 1855 de
Essa ampliação das forn1as de fixação urbana se co1nprova pela descrição defeituoso, corn erros relativos à freguesia ele Pioca. Con1puta Tho1naz Espíndola
da província das Alagoas na (,'eograpbia i llagoana de Tho1naz do Bo1n-Fi1n 1.11na popu lação de 28.628 habitantes para ;unbas as freguesias ern 1870. Essa
Espí1ulola 11 , cuja pri111eira edição data de 1860. Mas é a edição de 1871 que nos concentração c1n torno do eixo t\lacció-Pioca tinha t1111 significado social relevante:
ser\'Cde base para a co1nprovação da an1plitude e fixação das fonT1as urbanas era uma concentração de natureza urbana, que acabou se polarizando na freguesia
no espaço alagoano. Censura o geógrafo o estado do con1ércio da Província co1no de Maceió ern razão de aí se fixarc1n prioritaria1nentc as fonnas urbanas de vida

44 45
social. E1n fuução desse processo de transferência e concent ração das forinas de procurássenios caí r nu1na armadilha especular, onde às vezes nos fc ri111os, ou
vida urbana e1n 1'vlacció, inicia-se o processo de ruralização de Pioca, que acabou acabanios vít iina elas desrazões, sendo o objeto preferido elos ataques dos que
se constiluindo 11un1a fon na con1ple1nentar rural para a vida urbana da capiial. transform ~u n ern ar111a ideológica os requintes de sua iluagínaçâo 11te11tideira.
Coincide ta111hé111 co1n a niaior decadência das formas de vida urbana colon ial, A todos esses ataques silenciosos e ocultos que as desrazócs de nossa cultura
que a cidade de Sallta Maria Madalena da Alagoa cio Sul representa então. A estabelecc111, apenas se deve rt>sponder con1o exercício da razão, e sen1 que se
referência urbana da Província passou a ser Maceió, coin suas excelentes baías
duplas servindo de ancoradouro sirnultaneaniente de verão - o de jaraguá - e ~
.
alcance o grau de amargura de A. C. Tavares, Bastos nas Cartas do Solitário:
;Vossa 11tiséria histórica é a nossa riqueza. E preciso pois que não haja lugar
i
de inverno - o de J>ajuçara. ' bastante para o exercício ela ilncrginação 11ie11tirleira na nossa cultura. O único
No início do século XX apresenta-se acabada a iinagen1 provincial das ca1ninho para arrcfecer os alaqucs dessa dcsrazâo é o ele estabelecer, no interior da
Alagoas. Constituída inicial1nente, alé o século XVUI, co1110 apenas u1na referência cultura alagoana, a supremacia de nossa racionalidade. Acriação de llllla cultura,
regional da antiga capitania de Pernainhuco, passa ainda nesse século à condição cnfiin, é a criaç:1o de urna in1agc111. Aimagem que se produz co1no resultado dos
de un1a con1an:a, que se estende até o século XIX. E1n 1817 adquire a forn1a ..' trabalhos de individualidades crlat·ivas e do trabalho social de uni povo. Assi1n se
aulônoma de sua diferenciação, convertendo-se por ato régio 11u1na capitania, •í
'
fez a i1nage1n das /\lagoas, sua cultura 1nais que secular.
ql1e e111 1822 conipõe, co1no Província, o corpo do Jn1pério. Proclan1ada a
República e1n 1889. íl Província das Alagoas niuda sua forn1a política e se converte
em u111 dos Eslít<los da Hcpública. A es:>a altura da fonnaçâo da sua in1age1n /'o

REFERENCIAS
social, política e cultural, as Alagoas j;l dctê111 os fundan1cnlos para alcançar, no
decurso do século XX, o ponto n1ab crialivo e elevado de sua cull ura. Isto é: esse
conju nto hon1ogêneo de valores, condutas e produtos cu ltu rais que d~ignan1os SliM~ER, \'(líllia1n Graham. Folkways: a sludy of osciologic11I impor1a11cc of usagcs,
de - a c11/t11rt1 alagoc111a ; contraditória, possessa de fixações intelectuais, de manners, cusroms, mores anel moral. Ncw York: Ginn and Company, 1940, p.19.
fan1as1nas ideológicos, e;1paz de gestos sublin1es e de condutas repelentes,
revolucionária e conservadora, suscctfrel de abastecer subjetividades absurdas e SUMNER, \Villiam Graham. Ibidem, p.2.

de pro\'ocar objetividades esplcndentes, n1uda às vezes e às vezes falastrona. Ein


seu testa1nenlo polílico li/aguas e 1lfi11ha-Pessoa, que constitui, con1o título, L1n1 MAUSS, Marcel. Sociolosie ct a11!hropologie. Paris: PUF, t 968.

testcrnunho pcr.sonalíssi1no, Pedro Paul ino da Fonseca, aborrecido co1n cerlas


:::... · · ingralidões bein alagoanas, refere-se a u1na dessas crirLçóes fantásticas de, nossa ANNAES Di\ BIBLIOTllECA NACIONAL (Brasil). T11/hr111açüo ger({/ r/({ capitt111ia de
cultura, aquele e o nu1is que a intaginrrção rnentideira podia criar. E unia Pernambuco, v. 28, Rio de .Janeiro. 1906.
cultura, co1no 1nu itas outras, capaz de criar razões e desrazões.
ME~ EZES, JoséCczar de. ttlca da capit;111ia d.e Pcr11a111buco, e de suas anncxas, etc.
Tratar tcoricaincnlc urna cultura, da qual so111os o sujeito e o objeto, é
Annaes du Blbfiolbeca Nacional. v. 40, füo de Janeiro, l 906.
ele certo rnodo urna :tventura inlclcctual - que pode ou não ser gralifican lc -
pelo interior de unl fabuloso , e às vezes rnítico, discurso narcísico. É como se

!i6 47
CR\VEll{O, Costa. ,1e111r11u:ipaçiio de ti lagoas. Arquivo Público de Alagoas. Maceió,
1967, p. 21.
RUP1'URA E CONTINUIDADE
LÉFEBVl{E, l lcnri. lll produt.:ion de l'e.\fNtce. Paris: Anlhropos, 1974, p. l 5. NA CULTURA ALAGOANA

HUM BR·\SILEIRO. O/nísc11/o da de.l'criçiío geograpbictt e topogra/1/Jica, /1bi::icr1,


política o bistórita do que /(Jtic11111entc respeílf/ á /Jrovíncia de i\/agous 110 i111pério Pcrgunto-n1e às vezes - juro que con1 certa gratificaçáo pessoal - se o
do Brasil. Rio de ja1u·iro: Typographia De Bcnhe e llaring, 1844. ato de aJguén1elaborar u111discu rso, cujo tcnia é a cultura ern que se fonnou e
à qual pertence, não seria tuna fonna disfarçada de faze r, a gosto e uso de sua
DIAS DE MOlJlv\,josé Alexandrino (Said ~d :\ruom) . f afla dirigida d 1\sse111bléir1 criatividade, urna reflexão teórica de natureza narcísica, pois a cultura, neste
f.egislaliva da J>rocíncia d11s ,J/11gor1s 1111 abertura da sessr/o ordinária do t111110 caso, fonna o ingrediente de nosso ser social. O ato intelectual con10 reflexão
de 1860, pelo e:rce/eJ1tíssi1110 /Jresidente da /Hovíncia o co111e11dr((/or Pedro /.eiío narcísica, eis o que significa o trabalho sobre a própria cultura, a que é 1natéria
\!e/toso. Ma1.:eió: 'lypogniphia Comnwrcial de AJ. da Costa, 1860. do nosso ser social. Aperccpç:io d.os valores sociais, na situação desse discurso,
é a autoconsciência dos nossos valores culll1rais. So111os, co1no ser social, unia
DIAS DE1\IOUR\, Jo~é AlcXíllHlrino. i1pv11t111nenlos sobre diversos r1ss11111/>f'os constituição ele valores, reflexos das relações sociais do1ninantcs. Corno cuilura
geogr((p/Jicu-admí11islra/it•os da Proví11cia das : llago11s, Relalório lido perante a son1os u1n produto social. Neste sc11tido, loca lizadas as características ele tuna
Assembléia Lq;islativ:1 da Provínci.1 das Alagoas no :1c10 de sua instalação, cm 16 cultura própria, o nosso discurso de reflexão - a nossa teoria da cultura - se perfa1.
de marco de 1869 pelo prt'sidcntc da mesma o Exm. Sr. Dr. j osé Bento da Cunha teorican1ente con10 ato de intenção do sujeito social. Configurada nossa forn1ação
figucir;do Jún ior. Maceió: 'l\'pographia Com111ercit1l de A. J. da Costa, 1869. social no interior de un1a cu ltura, so1nos, con10 atores sociais, si1nultancainentc
sujeito e objeto ela nossa cu lt ura-n1ãc.
ESPÍNDOl.A, 'lbmaz do Bom-Fim. Geugraj>hia alagoana 011 fJescri/1çâo /Jbysica,
Meu ato de reflexão teórica, que me parece inacabável, 1ne reduz, corno
política e hístúrica da Prorínâo das Alagoas!, 2. e<l. Maceió: 'l}'pographia do Liberal,
intelectual , a duas tarefas desagracl;ívcis: ser sujeito cultural a un1 te1npo que
1871. sou objeto cultural. Co1no, nesse conlcxto, eslabcleccr as condiçües de uni
. di.stancian1ento teórico capaz de criatividade? ú urna tarefa bastante d.ifícil.
Corno sujeito ela cu ltura, sou u111 ser social indagante; n1as co1no objeto da
...
'• 1 .....

cultura, sou u111 !ier social indagado. Diante da cultun1 alagoana, ao indagar:

' que sei dessa cultura? - estou a un1 tcrnpo perguntando: que sei de 111in1? Pois
o ato do sujeito, a reflexão teórica, 1150 se dissocia de sua 111atéria, o objeto
social ela cultu ra. Nes ta siluação, corno ser social estou situado clupla1ncnt.e,
.sou o sujeito indagante e sou objeto cltt indagação. Sou sirnult:anean1ente urn
ser-sujeito da sociedatlc que rnc prod.ui iu e o se r-objeto da cultura sobre a

48 49
qual reflexiono, elaboro, teo rizo. É u1na situação bastant e con1plicada. Co1110 A cultura é o espaço social onde se cxercila1n as f1111ções elos sín1 bolos e
posso ser situacionaln1entc o ser indagante de u111 ato cultural e a uni ten1po das relações sociais. Não h:i cultura sem reµrc.sentatividadc dos valores sociais. As
1natéria cu ltural dessa in dagação? funções da representatividade do social não se cxerccrn, em condições objetivas
Só vejo un1a saída: buscar a objetiYidade do ser-sujeito da sociedade e dadas, fora
, do espaço da história. U111a cultu ra é uni conlinuuni social co111
cio ser-objeto da cultura, es1abclecendo un1 distancia1nento teórico-crítico entre história. E l11na tcn1poralidacle social que se estabelece, con10 trabalho e con10
n1in1, co1no ser social situado, e a cultura, que cn1bora sendo a minha, que n1c tradição, no espaço dos valores. Anoção de cultura não se desprende das noções
ser\'iu de introjcçiio social, é-111e n1atéria sobre que incide n1eu ato de intelecção. vinculantes de un1 !etnpo cultural, que são as formas históricas con10 as relaçücs
o que posso faze r é inteligir, d.e 11111 1nodo crítico, a realidade de n1inha cultura, sociais se exercem, e tra11síigunm1 seus produt os ern signos e vai.ores. Os signos e
pelos dois aspectos: o da sua forn1ação e o do ::;eu funciona1nento. Ambos nu111a valores da língua, dos,folhw(f:J'S, ou usos, dos 111ores ou costu111es, se cstrutun11n
perspccliva histórica. ' nun1a tracliç:lo, e colllo tal se consti luem en1 condutas sociais, e1n linguagen1, em
Saben1os que não h:í povo sem cultura, e que lllna cultura se co1T1põc representações, que rcsul!a111 dos processos d.e simbolização social.
de signos sociais rclativa1nente densos que surge111 sob as forn1as de sí1nholos, O resultado de::;ses trabalhos socia is se s11bn1etc às contlicões
..• de um
.cost111nes e usos.1'vlas urn povo pode perder, ou deixar que se perca, sua idenlidadc processo curnulativo- a história- cuja representação total aparece sob a fonna de
cultural, e então se considera qu e, e1n detei·nlinado espaço social, há urn povo, uma totalidade sin1bólica, onde os valores são revitalizados ou perece111: a cuilura.
unia gente, u111a população de marginalizados, etn crise de substância social, Quando inteligirnos a cultura, de fato inteliginws fonnas cumulativas de práticas
sen1 identicbdc. Ten1os, aqui, o fato da cultura con10 o clcn1cnto c!ccisi\'Ona sociais e fornrns si111bolizadas de 1wálicas espaciais. Isto é, construímos relações e
configuração final de 11111 povo. Sendo os signos da cultura - e os sí111bolos - produzirnos u1n espaço racionalizado, o nosso meio. Acultura, co1no resultante
fonnas de relações sociais, percebe-se neste caso o social con10 ::;i11111ltancar11cnte dessas práticas - sociais e espaciais - é a resu ltante da produção <lo meio. Ela
o determinante e o n1ediador do trabalho cultural. Desse modo, os valores da resulta das práticas que se estabelecem na sociedade para produzir uni espaço. O
cultura cstabeleccn1 as condições de sin1bol ização das relações e da produção espaço da cultura é produto das atividades das práticas sociais, é o rnodo pelo qual
social, transforn1ando as 111atérias dessas relações e desses produtos en1 signos essas práticas estabeleccn1 as condições de racionalidade entre cull ura e natureza.
de relativa clcnsidadc. O ato da transfonnaçüo das 1natérias das relações sociais Mas a cultura não se constitui apenas corno uni continuu11t social con1
e111 signos se apresenta, e111 si, con10 u111 aio e un1 produto total: a cultura, l[UCr história. Considerada con10 processo cognilivo, a cullura não aparenta só sua
COl110 realidade pragntá!ica, quer COlllO realitladc teórica. Quando JidatnOS C0111 realidade cumulativa, 1nas c:onsUt ui tan1bén1 outra realidade instituída de bens
..,
·~ ! .....
fatos si1nbólicos, lida1nos con1 produtos de nossas relações sociais. Apercepção si1nbólicos e 1nateriais, cn1 cujo espaço podeocorrer u1na sucessividade de cortes
·do ato cultural sin1bólico corno resultante das atividades sociais estabelece as j epistc111ológicos qu e estabeleceu verdadeiros sal/os culturais, desviando-lhe i
' 1'
condições do nosso distancia1ncnto: os atos da cultura são atos da sociedade. as rotas prograrnadas pelos processos cun1ulativos e abrindo oportunidades e
fsto é: quando 1corizamos sobre a cultura cstarnos, ele fato, teorizando sobre a can1inhos novos, ou sin1plesrncntc criando-lhe impasses) alguns irrnn1ovíveis. O
sociedade. Isto nos garante as condições de objetividade que buscainos, coino processo de rcprcsentaçã.o das práticas sociais e das práticas espaciais vigentes
tentativa de sair de urn irnpasse de dupla natureza: urna pessoal, a de ll'linha no espaço sul da antiga capitania de Pcrn a1nln1co - que a h(/Ónnaçâo (;eral
condição de suj eito; outra social, a de n1inha cond.ição de objeto. dtt Capitania de Per11a111buco, de .1749, <: a Idea da Populaçlio da Capitania

50 51
de Per11a11tbuco, de 1774, fon1ccc1n - e depois na já Província das Alagoas (e Império; e os anarquistas e socialistas ao longo de nossa história republicana.
Estado, na Hepllblica) - que o Opúsculo Descriptivo, de 1844, e os esboços l\11sa é a importância, por exen1plo, ele Ca/laes e Lagoas de Octavio Brandão,
histórico-adn1inistrativos de josé Alexandrino Dias <le .Moura (1860 e 1869) , a pu hl icado cn1 J919: ter-se constiluído nu1n ato intelectual de ruptura com o
G'eograpbia A/aguana (1860) de Tho1naz do Bo1n-Fin1 Espíndola, a historiografia .1'/({/us quo cultural do111inante na sociedade alagoana do início do século. Co1n
doc11111ental ele 1\lcxandrejosé de í\ltcllo Morars, a etnografia histórica de Adriano t•slc alo intelectual. Octavio Brandão estabeleceu tuna nova tradicão na nossa
• J

Jorge, as 11101wgrafias geográficas de Olyn1pio Eusébio de Arroxcllas Galvão e as c11llura, retomando a crític:1 social a partir das condições de pobreza e 1niséria
1nonografias históricas de Francisco Henrique Moreno Brandão aprcsentan1 - (l;ts populações alagoanas. Eslc ato constitui t11na ruplura, porque condicionou as
configur;1 a cultura corno processo c11n1 ulativo e continuidade, constituindo a condições do trabalho intelectual às condições do trabal ho social. E isto não havia
sagração dos valores dom inantes na sociedade, consolidando un1 aparelho de ('Xislido antes na cultura alagoana. Embora co n1 seus defeitos, Canaes e lago({S
tradiçüo, vivido denlro de u111a consciência de le~ilitnidadc das relações sociais represcnla, na nossa cultura, u111 corte epislcmológico. Daí e1n diante as condições
que o produziram. de criatividade na vida intelectual d.a cultura alagoana scriarn outras, inseridos
Mas a crítica ~ocia l que Pedro Nolasco Maciel exercita en1 ro111ances e 110 contexto de sua fonnaçâo os prós e os contras d.a crítica social. Poder-se-ia,
novelas - co1no 1nostran1 11 Filha do Barâo e a Crônica Venne!ha ('lí·aços e de agora e1n diante, discordar das forn1ulações ideológicas de Octavio Brandào,
'fí·oças - Lei lura .Q11e11te), seus artigos sobre atividades associativas profissionais n1as nãose podia 1nais excluir a crít·ica soci~1I das condições de existência de nossa
e sua n1ilitância jornalística contra a Escravidão e o lrnpério - ou a que os rulrura. Fon1os diferentes depois ele Ca11t1es e Lago(f.S. Ainda que passernos a vida
anarquistas cstabdeceran1 contra a sociedade do rninante, através das ob ras ..,, ,
a discordar de suas postulaçõc:-: políticas mais rad icab. Eque cm Octuvio Brandão
políticas de u111 ideólogo e erudito co1110 José Rodrigues Leite e Oiticica ou '
a cultura alagoana realizou um dos seus corte:-; cpistc1110Jógicos, reativando as
como Octavio Brandão e Pedro Mota Li1na - indica111 os 1non1cntos de ruptura condições de criatividade e de atualização de sua 1e111ülica intelectual.
da tradicionalidade da cultura alagoana, porque através do fazer crítico <lesses A cultura é uni produto social histórico. Co mo produto social é
intelectuais en1inentes se estabelece unia sucessividade de cortes epistcrnológicos i11lern1edia<la por u1n conliJJ1111111 de te1npo que estabelece as condições sociais
no contexto cun1ulativo dos \'alorcs de nossa cultura. de sua fo nnação. Por isso, como produto social, dialetiza os antagonis1nos sociais
Sendo u1n processo de continuidade, a cultura é ta1nbén1 tuna série etc 1 11a forn1a de t1111a constelação ele signos e símbolos, edifica suas condições
,.
descontinuidade; c111 seu interior tanto se estabeleccn1os valores da continuidade de idealidade, encerra a grala contradição do que si1nboliza o contínuo e
e do status q110 quanto os valores da llcscontinuidade e das n1udanças e <> descontínuo, o que indica permanência e o que significa ruptura. A vida

'~ .. , h
transforn1açõcs. ;\dialética do conrínuo e do descontínuo é que 1narca ü vida histórica de t11na cultura se justifica, na pauta das criatividades sociais, pela
"• .
hislórica de uma cultura. Esla não é só pennanênda e repetição; é 1a1nbéln sínrese silnbólica do que significa permanência e do que significa ruptura, o que
rupturas e rransfonnações. Acultura é un1 fato social dinâtnico, onde os valores significa repetição e o que significa 111uda.nça e transfonnação. lJrna cultura é urn
tradicionais se resguardan1, n1octifican1-se ou perecen1. O aro de rupn1ra, por processo de acurnu lação de valores que se procluzc111, numa ou 1nais sociedades,
rnais transfonnalivo, 1narca o início de tuna nova tradição, que se estabelece '1 por m.cio do trabalho social. Daí que não se possan1 descartar do processo de
co1n o mesmo nível de legiti1nidade no interior da vida social. Foi o que f'i zcnun fonnação e estabeleci rnento ele unia cu ltunL o:-; seus elen1enros de pennanência
os abolicionistas e os republicanos cn1 suas críticas sociais e políticas con tra o 1 dos seus ele1nentos de ruptura e rnudanças. Acriaç~o cultural é a síntese <lesses

52 53

'
olc111e1110s aparc 11 tc1nc11tc co11trad itórios, c1n que a ênfase de un1 dos elen1entos Ra1nos, se1n o ideário da c;eraçtio de 1860, se n1 a escrita historiográfica
pode configurar unia ou 111ais 1e11dê11cias ela cultura, e jarnais absorvê-la 11un1a tradicio nal e tradicion alizantc, ou se111 a ruptu ra de Canaes e Lagoas. sern
u11ll11ll'rali<lade. Não se pode co111preen<lcr a cultura alagoana - corno algu ns o a textualidade jornalística de Pedro Mota Lirna, sen1 a etnografia religiosa de
f11~c 111 - pela solicitação exclusiva de seus cle1nentos de pennanência, que en1 Arthu r Ra1nos, se1n a crítica ao Eslado burocrático in1pcrial de Tavares Bastos,
nfvt•I dn ideologia de base incorponun nu111 csque1na de valores e distinções sen1 o folcloris1no ele seus doutores, sc1n a lingü ística regional de Mário
ocluls a ideologia co111ple1ncntar do conservadoris1no. Ne1n, por ou tro lado, se Marroqui111, se111 o docurnentalisn10 historiográfico de Mello Moraes, scn1 a
!)Ode percebê-la cientific:uncn tc por 111eio da exclusão de todos os seus cle1ne11tos ruptura historiográfica d'A Utopia Annada, a ruptura literária de Pôvort-1l11nulo
'· tlti per1n:111ê11cia, i111posla11do apenas os clen1cntos de ruptura, de 1nudança e de - cnfiin, sen1 seus intelecl uais liberais conservadores e sua intelectualidade
tlttHC011l11111idade. Isto é, não se pode perceber cientifica1nc111e a cultura alagoana dc1nocrálica e radical? Corno excluir da cultura alagoana a Invenção de 01feu
uKclu lndo seus clc1ncnlos de co11tradição, que se reflcten1 no idc<írio cultural a pelo ton1 épko-rcligioso ou Vidas Secas pela incrível contenção criativa, ou
J>l\l'llt· dílS coiitradiçôes básicas das relações sociais e1n conflito. Acultura alagoana ainda o ro1nantismo desvairado de Oct:avio Brandfw, o anarquis1no ideológico
ll!L'Ot'pPl'a e111 seu esqucn1a de valores as contradições geradas e1n nível social, de Elysio de Carvalho e josé Oilicic;1, e que exprcssa1n de un11noclo panfletário
purqiw 11ão (.'X iste cultura separada ela sociedade. o que Tavares Bastos designou de nossa 111iséria histórica; scn1 o 1ncssianis1no
(\ l111possível conceber u1na existência cultural isenta de unia base social. de111ocrátko de Teotônio Vil ela, o consc rvatlorisrno liberalizante de Rui
~ ll11possíl'el pcrreher a cu ltura alagoana se1n sociedade alagoana. E a sociedade Palincira, o populbmo polí!ico de 1'v111n iz Falciio, a rnililância socialista ele
1!1 11~1111 11:1 <; u1n:1sociedade cornposta de classes sociais, que se estrutu ra1n ern André Papini cjairnc J\lliranda, a 1núsica popu lar de Djavan e ller1ncto Pasco:1I,
ull1111ç11s. ('111 contradições e oposições. Co1no então se pode conceber uni ideário o ideário sertanis ta de Antônio Colri111Soares, o darwinis1no de Dias Cabral, o
cul111 ntl que não rcl'lita, co rno produto social, essas oposições sociahnente racis1no socia l ela antropologia criminal de Est:ício de Lin1a, a historiografia de
ll'll'l'llliliadas? l11na cultura é un1estado social de ideação, 1nas não é un1 estado esquerda de Manoel Maurício ele Al huqucrquc, a sociologia agrária de Alberto
M OCllll lsl·1110 desuportes sociais objeti\'OS, funda111entados na condição de produção, Passos Guin1arães e Moaci r (;racindo Paln1ei ra , a poesia de Jorge de Li n1a e
1111101w1.t(fto e circulação dos produtos sociais. Os signos de urna cultura não são Lêcio Ivo? São 1nan ifestaçõcs cont raditórias ele unia rncs1na realidade, que
[lh~ohllíll tH·ntc ('St.ívcis. Co111bi11a111-sc, deslocam-se, 111odifica1n-se, expande111-se designainos de Cultura Alrrgoana.
11 p~·rcccnt. A-; ideações culturais, ai nda que sejan1 a da cultura dejólk, não são Falei da Geração de. 1860. Houve, de fato, essa geração? Penso que si111.
IH(;ltllll:-1 de co11trad ições. De 1nuda11ças, de con1j>le1nentações e <le 1nutilações. Não Podemos designar de 6'eração de 1860 o grupo de inlclectuais que, a partir
•. ~. . l'!J lc111existir se1n o clina111is1no da vida social. Percebe1nos a cultura alagoana a de n1eados do século XIX, iniciou no espaço da. cultura alagoana a produção
;, ..,;, u111:il'lllpo co1110 fruslração e plenitude de todas as suas criações, onde cabe111 o de seus trabalhos intelectuais. Nesse grupo se insercn1 os nornes de Tavares
CllllHl'l'Vadorisnw de alguns de seus produtos sociais e o inconfonnisrno de outros, Bastos, de Ladislau Neto, de 1\:lello Moraes, de Thoniaz do Bon1- Fim Espíndola,
IWt'ljlll' lauto aquele corno este não se separan1 nas condições da vida social, e de José Alexandrino Dias de Moura, de Ma11uel Joaquin1 Fernandes de Barros,
rl'~ll i(Hl ll - fi11al1nente - ele um n1es1110 processo histórico totalizante. de Arthur Guimarães de Araújo Jorge e de João Francisco Dias Cabral. Ladislau
Corno conceber a cu ltura alagoana scn1 os pocn1as rei igiosos de Jorge de Neto e Fernandes de Barros são naturalistas; Thon1az Espíndola se pode
I.llllll, ~e1n a crítica social de Pedro Nolasco Maciel, se1n o realismo de Graciliano considerar o fundador üos estudos geográficos na Província das Alagoas (apesar

55
1
1,
1

uuitilll'cipaçiio do Opúsculo Descrip!il·o de 1844); Oi:1s de Moura escreveu dois internacional; pela reversão costu111eira dos escravos forros à situação escrava; e
:
UM IJO(os corogrM'icos 1nernorávcis; Mcllo tlloraes con1pôs obras de botânica e
1
pela estrutura burocr;ílica que a organitação político-adininistrativa cio ltnpério
1•cu11h 1precioso acervo docunienlal sobre a história do Brasil; Araújo Jorge e Dias
revela. A crítica élica de Tavares Ba~tos atinge a própria d.cfinição do carálcr
Cnbrnl se dcstacararn co1nojllósojàs t/{I nature.za, sendo Dias Cabral considerado nacional. fala do brasileiro, na siluação da sociedade imperial, co1110 thnido, !
hllt'otlutor, 11 a cultura alagoana, tbs idéias evolucionistas de Charles Darwin e chinês, preguiçoso, tardio, i11ilnigo da 11ovidrule, desctt11çado e con1odista.
' '

tlu \~alhtcc. Ull'Ht geração pois, fornl<tda de no1ncs destacáveis nas ciências , na Revela, sua crítica, u111 pcss'l111isn10 de natureza élica quanlo à estruturação do
hlHlt>rlografia e na filosofia. caráter nacional, e u111 111aniqueís1110 1noral desesperador, quando considerava
(: 11 0 contexto da Geração de J860 que surge a figura adn1irávcl de A. u1n bcn1 o do111ínio co1nercial inglês sobre os antigos terri1órios coloniais, e 11111
(), Tuvares Bastos. Por seu dese1npcnho político, por sua representação social, rnal a indiferença ou recusa a esse dornínio colonizador. O prin1ciro, porque
!Hll' ~ll\I i11 iportância intelectual alé111 dos lhnilcs da Bro.víncia, Ta~arcs Bastos é facilitava a penetração da filosofia cconôinica do 1nerca11tilisn10 liberal; o segundo,
nflw1ra 111ais ilustre da Geraçt7o de 1860 nas Alagoas. l~s sa geraçao represe n~1, porque in1pedia a peneiração da idéia da liberdade de co1nércio.
111\ l IO~Sa cu11 tt ra, a ilustraçâu ilnjJerial do século XIX brasileiro, que a fu ndaçao fiá na utopia econôm ica de Tavares Bastos u1na adn1 iração ingênua
üo 111s1llulO 1listórico e Geográfico deAlagoas - o nosso querido 11lGA - encarna pela história dosji·ee-trade1~,. e pel<t doutrina do /aissez1àire, laíssez:-passez do
dt• 11 111 11wdo institucional. A i/11strrtçêio i111perit1! se rcpresentél na forn1a de liberalisn1o 111ercantilista da escola econôn1ica de lluskisson, de o·connel, de Brigl e
u111 dbcurso e111ológico-histórico utópico, vinculado, por l11na intelectualidade de Cobden, confessável em nível do seu discurso. Concebia a filosofia econômica do
M l'llho1lal saída da classe don1ina11tc <lo !1npério. E no contexto cultl1rul d~ Estado hnperial brasileiro co1110 constiluída por 1ncdidas protecionistas e <'ntrares
J/11slr<1çoo i111/Jerial que se situa o ideário da Geraçâo de 1860 nas Alagoas. E econô1nicos, heranças do Eslado Colonial. O Estado hnperial era, na visão ulópica
lltll't't•ss:u1tc observar que nesse conlcxto cultu ral se fonna1n as utopias políticas, de Tavares Bastos, u111 Protcu, urn 111onstro conlra o qual se devia lutar. Percebeu
~co11n1 1 1icas e sociais e a crítica à burocracia do Estado ln1perial de Tavares Bastos. a.estrutura do Estado ln1pcrial co1no urna dico10111ia polílica estrutural qur rcílelia
llHKllH utopias e a crítica à burocracia se fornutliza1n, com plenilude, nas três a oposição entre Governo e Sociedade, e urna aliança - que designava de acordo
ohr 1 1~ ~;ísil:as do pensa1nento político da Ilustração Alagoana: Carias do Solitário invisível - entre Governo e Povo. A reílexão utópica de Tavares Bastos estabelecia,
(1 H6i), o Vale do An1a:;,ont1s (1866) e11 Província (1870) de Tavares Bastos. E assirn, u1na distinção entre Sociedade e Povo. Percebia a Sociedade co1no uma
11l11dn o~ discursos parla1nentares desse político notável. categoria social esta1ne11tada - co1nercia11tes, proprietários, banqueiros, c.lonos de
(.'orlas do Solitário é a obra de Tav:1res Bastos que revela con1 1nais 1nanufaturas etc. - e o Povo, co1no os que se estruturavam abaixo des..<;a categoria,
......... nllldc1 a flloso11a econô1nica liberal e a filosofia da história desse pensador político talvez con1 exclusão dos escra\'os e dos índios não aldeados. O acordo in!'isfl'el
.,. 11lu!ioa110. Nda se rcconheccn1 as condições intelectuais generativas da utopia se realizava fora da categoria Sociedade, e por isso era prejudicial à liberdade de
lllH1i·11I t.: os conlponentes éticos de sua crítica política. Percorre a~ p;íginas desse con1ércio. Essa alianç<t e111re Governo e Povo rcsultav<1 nt1111 acordo invisí1Jet
livro u11 w i11dignação 1noral pela cxislência de ojJl'eSS()es sociais na sociedade que mantinha as condições, dentro do pacto :-;ocial , para o estabclecin1en10 do
llll lH!rl:tl e pelo que designou de 1nisérirt bislúrfc{l - as condições da vida colonial autoritaris1no i111perial 1 que se revela sob a dupla fonna ele u1n najJoliauisn10
... ll'llltsfonnada ern riquezas do l1npério. Indignação n1oral que se revela pela político e de u111 rl<NJ1>olisn1.o achninistralíf!o. Confonne a crítica ético-política
co lldlç;h 1 de 111rtre claus11111 e.lo Airrnzonas, i111pc(lido à navegação e ilO con1ércio de Tavares Bastos, o Governo não representa,·a a Nação, ad1ninistrativava-ít; não

56 57
ll ll'll wrava as condições da vida do Povo, apesar do acordo invisível,· tliio estabelecia
As noções ele li beralismo, de 111odcrnização e de progresso, co1no se
1111 condições ele criatividade do trabalho social; niio atribuía à indústria 11e1n ao
encontra111 no discurso de Tavares Oas tos, se compõctn de elc1nentos contraditórios
ru111ércio sua liberdade, pelo 111cnos corno a entendia: concorrência universal, e ideológicos que configura m uni conteúdo utópico. Escancarar as portas do
111111liplicidade das transaçücs co1ncrciais, serviços baratos, facilidade dos 1ncios frnpério ao poder econômico estrangeiro - no caso, o inglês - era cscabclecer as
de 1r1111:.porlc e co111odidadc de vida e bc1n-estar social. O respeito e o prosclitis1no condições de subal!ernidadc do nosso crcsci1ncnlo econôn1ico, c1nbora i1nplicasse
tl" 'l'avan·s Bastos à doutrina do liheralis1no econô111ico conduzia-o a confessar a quebra de influência de nossa herança colonial: a cconon1ia de exportação de
l lHI condiçüo de filho da gronde revoluçiio 111orcd do século XJX. Sua luta pelo
matérias-pri111<L'i, a pobreza social, a prec;íria organização econôrnica, a imobilização
. lllll'l'alisnw cconôrnico e social adquiria a in1postaçft0 de tuna ideologia quando relativa do capital fundi:irio, a carência <lc capitais de invcstirnentos, a falta de
11 considerava u1na balolbo de idéiüs en1 que, na verdade, sua escola cconôrnica
industrialização, a precariedade das condições de fixação da cultura urbana, o
l'l'lll'l'St'lllava quase a concliçiio social de uni partido p;llítico. Quando se referia esguio perfil dc1nográfico. Ahislória 111arcava uma decepdonante lição ao futuro
IUJ c11/lo ás grandes 11enlttdes, ao e;.,jJÍl'ito público (ern oposição aos poderes
do pensamento liberal, como se esse pensamento se cslabelecesse nas mentes dos
elt1 IJS/((r/o), ~ /ibordttde prálic(( (t:n1 oposição ao sisten1a se,~uido, co11ipttclo, nossos pensadores do século XIX: embora significasse urna 111odernização e uni
llll'ltl'/rí1Jel do Estado l111pel'ial) - referia-se de fato à ilnplantação do Hbcralisrno progresso histórico, o capil'alis1no liberal se lransforrnou 1n11na atividade cconô1nica
tªlll ~t· t1 IJ'Íplicc aspecto: social, econômico e político.
açarnbarcádora, e acabou c1n contrapartida gerando na sua periferia as idéhts de
Sira crítica política ao organisn10 burocrático do Estado l1nperial fez que resguardo econôrnico de natureza nacionalista. Mas não era Tavares Bastos urn
11 n•11·a1assc na figura 1nitológica de Pro1e11 - o verdadeiro Prolel!, corno e$crcvc pensador ingênuo, que não pcn:chcsse o rnalogro de sua utopia quando conduzida
- ll lll 1nons1ro de \'<Írias cabeças devoradoras. Ein razão da on ipotência <le::;::;e às práticas sociais. Percebeu que seu idc:írio econômico, social e político constituía
/IPJl'tlrtrleiro Pro/eu, que era o Estado ltnperial, burocrálico e conservador-, opovo 11111 co1nplcxo utópico, porque nele as teses se sobrrpunha1n às realidades sociais.
tlv.v/t1 /)(IÍ.~ eslrí pendo. Ogoverno é tudo, o povo é nada. Arealidade social do Ele mcsrno disse nas Cartas do Solitárío: /Js/011 sentindo apedrejür<?"111 111inbas
l111pr1·lo- diz ainda Tavares Bastos - é a de u1n poís pobre, que 1 ive à custa do
1
utopias! E de fato a l listória as atropelou.
'Slrrt11gclro. recebe co11i direitos pesodíssirnos O,\· produtos estrangeiros. Nessa AYis<"io n1ercanlil-capitalista na escrita da cultura alagoana é anterior
ullura d:t a11:ílisc se revela1n as contradições do pensa1ne11to econôniico de Tavares ao ideário de Tavares Rastos. Surge no OjJIÍSc//lo da Descrípção Geograpbica
lhtHIO!-: para alcançar as melas da liberdade econôrnica, propunha esse pensador de 1844, que achatn alguns eslu<liosos que seja a fa1nosa <ieo.grajla do Afoira,
u polílko do século XIX que se ab rissem franca111ente as portas do !111pério da d.a por perdida ou ele existência apenas csti111ada. Ven1 assinada por ff//JJI
ao twlra11geiro, que o Urasil para 1nodernizar-se 1nantivesse estreíto contato Brasileiro, 1nas talvez seu rnais provável aulor seja urn ex-presidente d.a Província
~ ;i~)ri1 ,'ri.\' roças viris do norte do globo, estabelecesse linhas internas e externas
1

das Alagoas: Antônio joaquirn de Moura. Assinala o autor do Opúsculo de 1844


'1~ c011H111 icação pro1nov('sse a i1nigração de alc1nães, ingleses e irlandeses,
1 a dificuldade, na Província, às atividades econômicas de lrabalhadores livres,
u Jl''l'rllil isse liberdade rel igiosa e industrial. É todo urn progrmna político de bto é, que não fosscrn escravos. Eles scriítrn os prováveis substitutos de 1una
ntu u l l~.ação <la estrutura econôn1ica, política, social e ideológica que propõe mão-de-obra escrava rara. Erll'relanto, os braços iivresporjornal - na pitoresca
'1'11v111·cs Bastos sob a bandeira do liberalisn10. Não se trata apenas de u1na escola expressão do autor - era111 difíce i~ por dois 11101íl'OS: a facilidade corno os pobres
t:co1H)111ica, mas de pontos progra1nálicos que anuncian1 u1n partido político. conseguia111 o alin1enlo indívídual,- co1no essa facilid:ule favorecia o que o autor
..
58
59
tio Opúsculo de 181i4 clesig11a por condição de ociosidade dessas populações de
das fonnas de trabalho vigentes - a escravidão e o assalariado - , e por isso se
pobres. Pela faci lidade de aquisição de alin1entos naturais, essas populações de
designe por ociosidade. A coleta é identificada con1 a ociosidade e1n razão dos
pobres brancos, n1ulatos e í11dios fugian1 às condições do trabalho assalariado.
sc·us cle111cntos de negatividade, que cxpressa111unia rejeiçáo social ao trabalho
Entre os con1po11cntcs da população que se rccusavain ao trabalho jornaleiro
<·scra\'o vigente e ao tr<1balho assalariado que lhe servirá de substituto.
CH I assalariado cstav:un os índios aldcados de Porto Real do Colégio, da serra da
Pal111eira. da Atalaia, de Santo A111aro e dujacuípc. OOj>tíscu/o ele 1844 descreve Énítida a antecipação 1ncrca11 tíl-capitalista do Opúsculo de 1844 quando
esses índios de aldeias co1no populações esparsas, einbora concentradas c1n se refere às condições do con1ércio provincial, que lhe parece e111 geral... Ji·ou.ro,
11r70 tanto fJ01j'a/1t1 de produtos. egêneros de <!XjJOrlaçâo, conuJ de especuladores
ald\'a111entos, que pouco cultiva111 ... para sí;vívenz quase co1J10 11a (vida)
que criassenz a necessária e111ulaçt70: e a11i111asse111 o cnltioador desale11tadq
/!riu1iliva. caçando, e /Jl'SC((11t/o. Não explica o anôn i1no autor do Opúsculo de
/wla 1nfnl5ua e estreiteza rle'111eios, e ct1pitais. Isto é, essa frouxidão do comércio
1Hli li a razão dessa recusa dos índios dos aldearne1,ros alagoanos ao trabal ho
derivava de uma dupla ausência: a ausência d.e uma classe de capitalistas e a
Jornaleiro ou assalariado. Aexplicação aparece anos depois, e1n 1862, no Relatório
ausência d.e capitais de inre.stimenlos. OOjJIÍscu/o ele 1844 define os capitalistas
sohre o Estado tios índios d t 1J>rotJíncía, escrito por Manuel Lourenço da Silveira:
co1no os verdadeiros 1111ísc11los do co1/10 soc;ial que nufrent o coniércio, anüncnn
pal'le das terl'aSdas aldchts era cedida ern aluguéis pelos índios aos proprietários
a cultura e pro1noveni a ind1ístría, e ns artes. Opunha, ass.irn, os capitalistas,
1·11 rais. Por meio do al're11da111e11to ou aforamento de suas terras agrícolas, da
con10 dína111izadores cconôn1icos, ao.s detentores do capital fundiário de origem
pesta en1 suas lagoas e da exploração de pedreiras, as aldeias indígenas tinlia1n
colonial, os senhores de engenho. E para solucion;1r a carência de capitais de
111na renda, que as 111anti11ha, Era o caso da aldeia de Porto Real do Colégio, cujo
i11vestin1enlo sugere - ainda o Op1ísc11lo de 1844 - a criação na Província das
a1Te11da111e11to lhe da,·a 500$000 por ano. Só na lagoa do Camoropiin Grande os
Alagoas de urn Banco Provincial 011 de 11rna Caixa Filial de Descontos. A presença
rc11cleiros colhcra111 e111 dcze111bro de 186 1 n1ais de quinhentos alquei res. .
de urna classe capilalista agenciaria o capital de inveslí111ento necessário ao I·
Desse 111odo, o OjJIÍsculo de 1844 revela a preocupação pouco usual benefício da produção naval da PrO\'Í11cia, cujas matas erarn ricas ein n1adeiras
para a época: a substituição do trabalho escravo pelo trabalho por jornal ou de leL E conclui: e que in1/J1rlso não drrrirr111 aqui aos estaleiros que há, sendo
ussalariado. É curioso co1110 o autor se refere às condições naturais da Província n pro1.~í11.cia tão abu11da11/e de 111ndeiras da /Jri1neira escolha.? É tuna visão
crnno fa\'oráveis à ociosidade, que é o 1nodo coino designa o trabalho de unia capitalista ainda tenra, 1nas que, do ponto ele vista de t1111a história das idéias, basta
eco110111ia de coleta, que serve, nas contlições específi cas da sociedade rural para regis trar co1no a idéia do capilalisn10 penetrou na história eco nô111ica e na
alai.:oa1ia do século XIX, de passagen1 do trabalho escravo ao trabalho assalariado. cultura alagoana. E desde esse 1non1ento a idéia do capilalisrno penetra na cultu ra
i\ forma intenncdiária de atividade eco11ônlica, que não coincidia co111 a escravidão
alagoana con10 unia filosofia econú111ica e uma ideologia social que disscnte1n
~~·:"" e S(' revelava urna fon na de recusa ao trabalho assalariado, foi a da ccono1nia de das razões do latifúndio colonial do1ni11an tc. Co111 a penetração do capitalisnw
coleta, 110 caso das aldeias indígenas, fundan1entada pelo recurso ao arrc11da1nento - em sua versão 111ercantil e financcint - na sociedade alagoana, surge111, pela
de tel'ras agrícolas e pedreiras e da pesca nas lagoas. O fato revela, ainda, que prirnei.ra vez, as condições de criação de pólos industriais, da forinação de u1n
lll lla categoria econô1nica pri1nitiva, baseada no trabalho cornunítário de aldeias
proletariado urbano e de fixação d.e for111as urbanas de viela .social.
l' f:nníli as extensas carnponesas - a coleta (consl'ituída pela apanha de frutos,
Na edição de 187.I da G'eograpbia Alc1goana de Th or1u1z do Bo1n-
1 ·aí~.es e pela pesca e caça) - aparece na escrita social da época con10 a negação 1 ·.
Firn Espíndola as condi çõ c~ econô111icas da Província .são indicadas ainda ,,

60 61
pt'lo atraso da agri cu ltura e do pastoreio, a ausência quase absoluta de visão sociopolítica de Moreno Brandão, o alagoano d.o norte assu1niu a liderança
1nu11ufaturas, a dificuldade - para o co1nércio - da navegação flu vial do política dos negócios públicos, o que não significava, do ponto de \'ista social,
llnixo São Fran cisco e a falta de relações con1erciais diretas co1n os cent ros tuna situação econônlica sa udável; o alagoano do sul revehlYa, do ponto de \'ista
llidustriais estrangei ros. Hegistra ninda íl escassez de capitais de investin1ento. social, unia situação eco11ô1nica 111ais vantajosa enl razão de suas atividades
Aagricu ltura é a tradicion;ll , baseada nos 111eios de produção herdados da pastoris. Aafirn1ação de Moreno Brandão revela. e111 sua defcsa das atividades
~poca do Brasil Colônia; o pastoreio são-franciscano, por sua vez, repetia econôrnicas do pastoreio são-franciscano, que o siste111a de pla11tation que
ns condições coloniais; a horticultura, un1a atividade quase desconbecirla serviu de b<tse à colonização do norte provincial demonstrava, ao longo da vida
· - con10 afirn1a; a nrnnufatura li1nitava-se a 500 engenhos de açúcar, 100 histórica, ser suscetível ao comportamento dos preços dos élÇÚcares no mercado
11l:11nhiqucs de agttardentc, algu111as olarias, u1na fábrica de fundi ção de n1undial. fato que não ocorria na economia de pastoreio são-franciscano, que não
h1•011zc ctn Coruripe, urna fábrica de tecido en1 Fei;não Velho (fundada e111 passava de t11na extensão do pastoreio baiano e sergipano col.oniais, e, porlanto,
1857) e outras atividades industrial1nente insignificantes. Não chega a ser 111na econo111ia d.e características aulárcicas, pouco desenvolvida co1no técnica
1!1.o 11ítida a referência às virt·udes d.as ações de u1na classe de capitalistas de criação e resultante das conli11gênclas locais de reprodução dos rebanhos
110 processo eco11ônlico provincial 1 como ocorre no Opúsculo d.e 1844, 111as bovinos. l'vltls era essa estabilidade por n1cio da rotina, scn1 inlerferência do
Imposta a necessidade de in1port:1ção de capitais de invcsti1ncnto, que é o n1crcado ínundial, que se afigurava a Moreno Brandfto unia situ~1ção vantajosa.
11wdo encontrado de dizer daquelas virlu(lcs por outras palavras.
En1 razão do pastoreio, a soc iedade alagoana do su l da Província
i\ pennanê11da do pastoreio são-franciscíuJO no estágio colonial e a adquiria-diz Moreno Brandão - cedo cu11bo de 110111adis11to e certas condições
u1lgn1~~10 dos capitais de i11vcs tin1e11tos - alittdos ao capital n1crcantil urbano de can1ponesas de igualitarisn10 social, sem a nítida linha de diferença de classes
Maceití - para a agricultura de /J/a11talion do norte da Província, perrnitirillln que a sociedade aristocratizante do norte tla Província revelava. Essa difere nça nt1
o :iurgirnento, na cultura alagoana, de tentativas de configurações cul turais fonnação psico-étnica do ho1nen1 alagoano se devia, no dizer sugestivo de Moreno
rc14lo11:1is do que se pode definir, socialn1e11te, con10 o bo1nen1 alagocozo . fü11 Brandão, ao papel que o inconscie.nl<! da história desempenha na nossa cultura
1909 o historiador Moreno Rrandão retratava, na sua História de Lllagoas, a provincial. Essa alegação ao i11co11scicnle da história, fcita pela psicologia social de
dupla psicologia social das gentes alagoa11as: o alagoano do sul e o alagoano do elaboração 1noreniana, sugere, nas condições de nossa cultura, tuna antecipação
IHJl'!e, de forn1ação psico-étn ica diferente. Oalagoano do sul, produto do pastoreio sugestiva à psicologia de C. G. Jung. I~ a partir da interferência. <lo inconsciente
11fto-fra nciscano, onde rarcavarn a mflo-de-obnr escrava e os engenhos de açúcar, na história alagoana que deduz J\·fore no Brandão a peculiaridade de caráter do
.,, t:u1·acterizava-o Moreno Brand.ão pela serenitlade de âni!no, 1r.1na certa apatia. nosso hon1en1 pro\'incial, aprese111ando o alagoano - tanto o do norte agrícola
~·:~J r~11sê11cía de grroules surtos de inicialí/!a individual, e grande aj(i1To às quanto o do sul pastoril - con10 uni ser social taciturno, algo desco11jlado,
tradições do passado - parecido, assi111, ao portt1guês reino!. O alagoano do seJJi a ji·r./.nqueza rude de outrospro/li!lcic111os. Nota que o alagoano detesta
,
norte, por sua vez, apresenta-o Moreno Brandão co1no dotado de esjJiríto ·11tais ou fiu?farronadas e não le111 avidez deglórias. E urna definição, do ponto de vista
1/tt'llOS aristocrático, rendo a indústria açucareira criado nos senhores de engenho social, totalizante do hotnem alagoano. Mas cabe-nos afinal fonnular t11na questão:
o tl/1o apro.Yi111cl(/o do senborjeuda!, dotado do do1n do con1ando 1111/HJríoso será essa real1ncnte a rnelhor caracterização psico-étnica do ser social alagoano,
~· 111 razão do trato constante com urna abundante escravatura. Enquanto, na ou Moreno Brandão acentua, nesse ca~ o 1 a:\ qualidades e virtudes que atribui ao

62
hon1cn1 do pastoreio são-franciscano sobre as qualidades e defeitos que, por sua
ale1nães. Manti11han1 pralic:unente o monopólio do con1ércio de cabotage111 com
vc:1., at ribui ao alagoano do norte agrícola e 111adcireiro? São essas diferenças de
os portos do Recife e Salvador, e depois, o co111ércio con1 os portos europeus. A
psicologia social peculiaridades de uni povo- o nosso -ou peculiaridades geradas
partir do rncado do século XIX intensiílcou-sc a concentração populacional em
c111 nível da cscri1a de u111 velho e probo historiador de província? De qualquer
torno do eixo forrnado pelas freguesias de 1\tlaceió e de Pioca. De 1853 a 1855
íonna, a escri ta de Moreno Brandão, co1n ou scn1 os propósitos e despropósitos
a população conjunta das duas freguesias (con1puta11do-sc hon1ens livres e
tia psicologia social, tenta, pela prii ucira vez ern nossa cultura, csta ~clec~r as
cscraros) passava de 15.1.25 para 25. 135 habitantes.
1 ·c la~õcs da diferença entre alagoanos do norte e alagoanos do sul, dai partmdo
para a definição do caráter do hornc111 social alagoano. Assim, a cultura urbana burgu ês-n1ercanlil surgiu, nas condições
específicas de Maceió, como resultado da acu1nu lação do capital mercantil,
Un1a irnportância dec isiva tem, pa ra o dcsenvolvi111ento da cultura
procedente do comércio 1naríti1110 eela agiotagen1 d.os rnascatcs. Essas condições
nlagoana nas condições sociais e políticas do século XL), a fundação de M ~cció, e
de urbanização que Maceió oferecia, acrescidas à e>;cclência de seu porto natural,
depois sua transfonna~ão cn1 capital da Província, ern 18:)9. Odesenvo l v1n~en '.o
favorecerarn o avanço do capilal n1ercantil urbano sobre propriedades e itnóveís
das condições sociais de vida urbana estruturada e111 Maceió se deu e1n decorrencia
rurais. Os senhores de engenho endividados na agiotagem 1naceioense entregavan1
tia criação de unia burguesia 1nercantil , enriquecida na prática do co 1nér~o de
en1 garantia aos agiotas seus engenhos, suas terras de cultura, suas niatas e,
(•xportação de açúcar e de 1nadciras de construção naval, e na in1portaçao de
freqüentêrnente, suas filhas e paren les para o casa111e11to con1 os 11u1scates
bt•ns n1a11ufat11n1dos estra ngeiros, a que se sornavarn atividades de agiotagens
ga11r1nciosos, da irônica acusação do historiador Craveiro Costa.
;il 1a111e11te con1pensadoras, c1ue preend 1ian1 cn1 nÍ\•el de urna província ;t carência
de capitais de invcstin1ento. Essa burguesia urbana n1ercantil se consti tuía de Aaliança do capilal 1ncrcantil urbano, 1naís ágil e agenciador, con1 oc1pilal
conil•rciantes agiotas e con1erciantcs iinportadores-exportadores, instalados e.111 territorial ou fundi:irio acabou, ele faro, sendo aapropriação elos bens fundiários ele
t•a1ias con1erdais, empórios e armazéns en1 Maceió e e1n Jaraguá. Em nível da tradição colonial pelo capital mercantil e de agiotage1n. Os niascates se apropriava1n
,1~ u 11 1 ul a ção interna de capital, a burguesia rnerca111il de Maceió se aliançou
dos engenhos de açlicar e, pelo casa1ncn10, cn1rara1n a fazer parte da sociedade
nrntri1no11ialrncnte e fina11cei ra1nentc co1n o segn1ento social representado pelo tutelar. A pouco e pouco, nohrcs engen hos de açírcar - os bangi.iês da tradição
capital fundiário de origcn1 colonial. Assi m, assistiu-se ao fato de cor~1er: i~11 1 es nobiLitaclo1~1- passavarn das n1ãos dos or!,1ulhosos proprietários, nias falidos, para as
enriquecidos, rnas sem nobilitaç;io, buscarern 1.:asarnento entre velhas fa1111 l'.as de n1ãos sern nobreza, nias ricas, cios co1nerciantes e agiotas de Maceió. foi o caso, ao
l'i l'llliores de engenho falidos ou it beira da falência, co1n engenhos, terras agncolas que se diz, do engenho Mundaü, c1n Rio Largo; ede outros. Decorria o crescimento
l' fíthricas de açúcar hipotecadas a grupos de agiotas da capital. Essa burguesia
da \'ida urbana de Maceió, cn1 parle, cio inad irnplcrncnto dos senhores de engenho
~~':Tnel'canOl de Maceió tinha u1na história social curta, rnas acu111ulara bastante cn1 seus c1npréstin1os aos agiolas da nova capital. En1 parte, da intensificação do
pcl'lllio para adotar a agiotagen1como nonna financeira. Encabeçara os prln1eiros cornércio marítin10. As aliança~ 111atri1noniais entre os 11utscates ga11ancíosos
lnvcsli1nentos urbanos na acanhada vila de Maceió, que surgira ele u1n velho da capital e a nobreza tcrrilorial falida ou en1 via de falência forarn o ca1ninho
t 11ge11ho de açúcar, e que posterionnente, a partir de 1839, 1nodificara seu 1~e rfil encontrado para a nobilirnção do 1nascutc e a salvação financeira da nobreza rural.
colonial e o bisonho ar urbano. Erarn portugueses esses nuiscatesgananc1osos No interior dessa aliança, os n1asca1cs 1nantinhan1a hegcrnonia cio estilo ele vida
da acusação de Craveiro Costa, ernbont conste a presença de ingleses, italianos e urbana e do capital n1crcantil, e a velha nobreza rural sustentava, sob a custódia
·•
da burguesia mercantil urbana, a rcprcscntaçfüJ do poder político na Província.

64
65
Os ciclos históricos dessas transferências de bens eco11ô1nicos, das Madalena, e há L11na nítida razão n1crcanlil-urbana na criação de Maceió. As
co11dições do poder e d:is alianças n1atrin1oniais, detcrrninanun a fonnação da condições burguês-111erca11tis 1narca111, alé hoje, a criação da vida urbana e111
vida urbana c1n Maceió. ldê11tico processo, resguardadas as condições locais, Maceió, dando-lhe urna fisiono111ia própria en tre tantas cidades brasileiras: un1
n:pt•tir-sc-ia no sul da Província, co1n rclaç:ío ao papel hege1nônico de Penedo, estilo de vida urbano requintado para o nosso século XI X, co111 palacetes, sobrados
na região são-franciscana, a partir da segunda 1nctade do século XIX. Atr:wés azulejados, jardins públicos de defi11içf10 estética inconfundível, co1no foi o que se
do co1nércio n1aríti1no e do c11divida1nento dos proprietários rurais, o capital ergueu sobre o aterro do antigo urnnguezal do Cotinguiba, depois praça Deodoro
11H.'rca11til urbano se apoderou, quase se111ruído, das n1elhores terras agrícolas da da Fonseca (hoje desprotegida de sua beleza original) e a pern1a11ência de u1na
Proví11cia, de onde sairia, t·ern pos depois, o processo de usinizaçüo dos bangl'l ês, intensa tradição de.fo!k, de visível procedência rural , 1nas que a hál)il burguesia
qlll' se iniciou co1n a i1nplantação dos engenhos centrais. Aestratégia das alianças urbana recriou às condições de 11 rna cidade.
111atrh no11iais entre os fil hos e filhas dos 11utsca/es gq11c111ciosos urbanos e os
A existência de condições de viela urbana estnrturada socialmente de
filhos e filhas da nobreza rural não só traduzia t11na política econôtnica e social,
u111 111odo burguês-n1ercantil ent Maceió, desde a segunda nietade do século
corno deu i11ício ao ciclo de nobilitação social da burguesia 111erca11til urbana.
XIX, possibilitou urna concentração rnzoável de n1ão-de-obra operária. não só na
o 1noclelo que serviu para a construção da vida urbana en1 Maceió foi capilal, 111as nas cidades e vilas que fo nnavarn 11111 sitnulacro de vida.urb:111a ern
lnll'guês-111crcanlil, e não o 1l'1odclo colonial de irnpbnlação da cult11nt urbana. torno das lagoas Munclaíi e Manguaba (Fernão Velho, SalÍde, Rio L<1rgo e Pilar).
1hí 11111:1 di [crença fu nda1nental entre a criação de Santa Maria Madalena da Alagoa i\s condições de existência urhana proletárias se con figuravarn através de 11 n1
!111 S1il, a antiga capilal, que ilustra o n1odelo colonial de ilnplantação e fixação da prolelaríado urbano diversificado: té\til. po rtuário e ferroviári o, que coincidia
l'llll11ra urbana, e a criação de Maceió, produto de uni 1nodelo burguês-111erca11til co1n a proletarização rural que se efet uava através do processo de usinização
tlt• <•:;t:1hdecin1r11to da vida urbana, e que se opõe social e politica111e11te •lü cios engenhos bangüês, que se transfon11avarn e1n engenhos centrais, alguns, e
n10ddo urbano-rural, que a ant iga capital representa. Afixação, en1Maceió, de en1usi nas de açúcar. Essas existências proletárias a parlir do núcleo urbano de
l1111111oddo urbano burguês-1nercantil ocorreu en1 coudiçõcs históricas definidas, Maceió se proccderan1 historican1ente pela estru turação social de urna classe
l'U111lg111·a11do a especificidade de época e espaço. de con1crciantes e agiotas que detinha o capital 1nercant il e opera\'a através de
A criação colonial de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul não tcn1 capitais de investimen tos. Ai1nple111entação de indústrias e de serviços industriais
ou requisitos socioeconôinicos, e n1cs1110 natu rais, da criação de Maceió na (portos e ferrovias) se tornou viável t•1n tvlaceió, e111 razão da transfonnação do
ôpoca do lrnpério. Acidade da Alagoa do Sul é [)roduto das condições iniciais da capital mercantil , acu111ulado pela burguesia urbana, em capital de in\'estin1ento,
.... ~olp11ização portuguesa no Brasil, enquanto ~lace ió resultou, con10 i1nplantação que se processou através da aiiança entre capital n1ercan1il urbano e capital
~... d1l ct·tl lura urbana, do processo social de urbanização e fixação do espaço social fundiário; e, pos terionnente, co1n a impla111ação de projetos de elct.rificação, de
11us contliçõcs cco nôn1icas, políticas e sociais do século XIX. foi possível a carris urbanos e ferroviários, através <lff associação do capital n1ercantil-fundiário
rcn llza~ão urbana de Maceió ell't razão tia acu1nulação de capital pelo co1nércio com os capitais de e1npresas estrangeiras, principaltnente inglesas. En1 terrnos
nrnríti n10 - oligopolizado pelos con1erciantes 1naceioenses - , pela agiotagetn e históricos, assistiít-sc a u111 ato in1portante: o ela. hege1no11ia, quase absoluta, do
lll!líl trnnsfcrência da renda rural fundiária para as n1ãos hábeis da burguesia capilal 1nercantil-inclustrial sobre o antigo c<1pital fuudifü·io, constituído, este, por
I'
n\cn:anlil urbana. !lá u1na razão de colonização na criação de Santa Nlaria i1nóveis rurais e plantações de cana-de-açúcar. Essa hegen1onia pern1itíu, a partir •
'"

67

••
de 19 12, a detenção de parte do poder político do Estado pelos grupos sociais que Desse 1nodo, as cond ições de vida social urbana e a nova organ ização
l'eprescntava111 a classe ele con1erciantes, industriais e agiotas urbanos. do trabalho estabeleciam as condições de existência de urna nova consd ê11cia
Esse processo de concentração de capitais favoreceu a transferência de social: a do proletariado urbano. O desaparecimento de certas fonnas culturais
111na parcela de população rural, const ituída de trabalhadores, para a periferia das defolk e a insurgência de out ras de for111u lação e conteúdo urbanos 1narcain a
cidades lacust res, onde se incorporou às l\O\'as fo nnas de produção resultantes presença dessa 1nassa de trabalhadores, constituída en1vi d~1 urbana, na periferia
dos investi mentos do capital 1nercantil-i nd11strial. Fixada cn1 vilas operárias, essa ela capital. E1n vez do sino d:t igreja, marca\'a o novo tempo urbano o apito das
população de trabalhadores, de procedência rural, se transfonnou cn1 poucos fábricas. Desenvolvenun-se certas fo rn1as de consumo desconhecich1s do mundo
· 'unos numa força de trabalho induslrial. Ro1npía-sc, assin1, acontinuidade da vida rural, fundaram-se associações de trabalh adores e si11dicatos. A vida religiosa
1·111·al na sociedade alagoana, e duplan1enre, pela transforniação dos engenhos ca1nponesa foi substituída pelas formas de religiosidades urbanas (conto os cultos
bangüês coloniais cm engenhos centrais a vapor e ern usinas (e conseqüenten1ente negros não-cristàos) e pela açfio social política. Associações esportivas dcran1
pda forn1ação de unia burguesia mercantil-industrial) e pela ín1plc1nentação de ,, acesso a atletas proletários. 1\s vil:.is prolet·árias con tavan1 com nova organ ização
projelos, de circui to urbano, de fábricas lêxteis, rnanufaturas e serviços industriais da vida social, criavan1 un1 espaço proletário urbano e es tabe.lecia1n ern princípio
(t! co11scqí'tcnte1ucnte pela fo nnação de un1 proletariado urb;ino). Gcraran1, as 1nelhores condições sau iUri as.
vi las operárias urbanas, pela pri1ncira vez na cult ura alagoana, forn1as cu lturais Ó fato da criação de u111a classe operári a en1 condições urbanas
11rh:111as proletárias. Essas fonnas, enibora conlivessern ingredientes ainda rurais, de produção capitalista, con10 ocorreu na sociedade alagoana, revela que o
l'l'ldal'íun um conteí1do denítida oposição às fornias tradicionais deorganização prol<>.tariado industrial se forrna dentro do processo de construção do capitalismo.
sudal vigente na cultura rural. l'.n1bora, de início, essa oposição não se revelasse E1nostra que a fonn ação do proletariado urbano, nas nossas condições históricas,
nítida, entretan to já registrava, c111tcnnos sociais, u1na distinção co1n as fornias n;io antecede à acun1ulação de capital mercanlil nen1à fo nnação de urna classe - a
11ol:iais de vida de tradição rural. Aintegração urbana da 1não-cle-obra de orige111 burguesia rnercantil urbana-detentora desse capital. Nas condições da sociedade
n11al , fixada ern vilas e cidades, fez-se nas condições de existência social que as alagoana, o processo 1nerca11til de acwnulação capitalista do século XIX estabeleceu
vilas operárias rcprcsentava1n e at ravés do regi111e disciplinar de trabalho nas as pren1issas para a rei nst run1entalização do capi1·al fundiário in1obilizado e1n
filhric:is. Esse processo de concentração ele 1noradia e111 forma padronizada e na terras e bens rurais, transferi u a posse de parte dos bens territoriais às 1nãos
1101':1 disciplina de trabalho ir1<lustrial realizou a hon1ogeneização das dispari<lades dos 111ascates gananciosos de Maceió, introdur.iu o trabalho assalariado e1n
da 111ãu-<le-obra rural 11u1na fo rça de trabalho que representava um fato novo na substituição ao trabalho escravo, n1obilizou capit ais de investimentos, ilnplantou
m·11:1J1ização
~"... h ~
do trabalho social e1n condições alagoanas: a padronização <la vida projetos industriais, estabclccend.o desse 1nodo as condições que resultararn
"'"nas vilas operárias correspondia à padronizaçáo do trabalho nas fábricas. Eesse na criação de u1na dasse operári a. Nesse se111ido, o processo d.e acu1nulaçào
proci:sso de padronizaç;1o proletário-urbano diferia da dispersão e disparidade capitalista, con10 se processou e111 Alagoas no século XIX, se constituiu nu111a
da organiz~1ção do trabalho ern situaçflo camponesa. Marcava-se de un1 1nodo força social n1odernizaclora: transfonno u os velhos engenhos bangüês e.111 usinas
dife rente do tempo trad icio11al ca1nponês. A escrita e a alfabetização era111 rnodernas e o trabalho escravo en1 trabalho assalariado; intensificou o processo
co111ponc11tes da vida urbana, enquanto do1ninava na org1tnização do trabalho de urbanização n;t Província; criou as condições econôrni cas para a forrnação de
•1 111situaçio caniponesa a hegemonia absoluta da oralidade e do agrafisn10. urna classe operária urbana. Essas condições cconô1nicas fora1n: acu1nulação

68 69

I_
de capital rncrcantil urbauo, for mação de urna burguesia 111ercantil-inclustrial, condições rnodernas da vida social, a cid ade bela que é l\·1acció não sobreviveria
lrnllsfcrência dos bens fundiários irnobilizados, criação da \'ida urbana corn sern seus trabalh ado res urbanos. São as condições rnat eriais e sociais da
lwi.;ernon ia das cidades sobre os engenhos, liberação do rnecanisrno de fluxo de organização capitalista do trabalho, que a vida histórica irnpôs à cultura alagoana.
cupltais para projetos de urbanização e indústrias, liberação de parte da n1ão-dc- Uma intelectualidade de novo tipo surgiu nas Alagoas entre as últi1nas
ohra ru ral, fixando-a na periferia das cidades, dando-lhe condições urbanas de décadas do século XIX e as prirnciras décadas do século XX co1no resultado de
vida (rnoradia, sahírio, escola etc.). Sern essas condições prévias, provaveln1cnte dois 1novitnentos políticos Hc profu nda conscqiiência social: o abolicionis1no e
dc111orarian1 n1ais a ser criadas as coudições de forrnação ele u111 proletariado o 111ovirnento republicano. Essa nova intelectualidade passou por un1 processo
· 'lll'h:rno na Grande 1Vlacció. de radicalização política, que se deve a dois fatores: un1 social, corn a presença
Entretanto, o processo generativo de forn1ação social que conduziu à de urn proletariado industrial Incip ien te, n1as que se vinha envolvendo crn
Cl'la~fio de un1 proletariado urbano na Grande Macció1 encontra-sc vinculado às greves políticas e salariais e n1ovin1en!os de rebelião urbana; outro, intelectual,
vlelssituües da vida cconõrnica e social alagoana. As nnrdanças e transfonnações co111 a fonnação de uma consciência social de novo tipo, socialista e anarquista
O\ol'rentes na nossa sociedade, as rnudanças conjunturais dos pólos dinâr11icos sindicalista, que significa urna nrptunt con1 as formas tradicionais de consciência
dn11ossa econurnia, as alterações no rncrcado consun1idor, o cornportainento do social que se produzirarn como res ultado da implantação de nossa vida histórica.
11wr·cado rnundial, o fluxo e refl uxo da vida econôrnica nacional, as subsliluições Essa no,fa consciência social favo receu o estabelecin1cnto, na cultura alagoana,
lt'l'llOlógicas inevitáveis - todos esses fatores, e rnais alguns, incidern sobre o de condições intelec!uais para q11e surgisse uma crítica social radical, que, por
l't1111por1a111cnto e a es lrulur;tção social da classe operária alagoana. Ela não razões locais, estruturou-se ro1110 u111a crítica social política. Partindo d<l crítica
1airr1r;111cce u a mesma, cn1 sua substituição, durante rnais de un1 século de social liberal, que o discurso ideológico de Pedro Nolasco Maciel representa, ern
10 111 l xistência. Muchtnças e alterações na cconornia e na vida social criarar11-
1
que a idéia de república surge acasalada con1 a idéia utópica cto socialismo, a
llw diferentes níveis de consciência social, instaurara111 ern seu rneio apat ias e nova intelectualidade incorporou à sua crítica social a radicalidade que provinha
tli11a111isn10, forças e fraquezas, constituindo-a cotno u1 n ser social provido de das concUções da vida oper:íria.
1
dlll l'l•11 tcs níveis de hornogencização proletária. Nas prirneiras décadas do século XX, o discurso de cont inuidade foi
Sendo parte da construção do capilalis1no en1 situação alagoana, a classe rornpido na cultu ra alagoana pela crítica ideológica do socialisn10 utópico e
01w1·:íri:r urbana da Grande Maceió rcíletc as vicissitudes da in1plantação do n1odo do anargu isn10, acarretando o fato sérias conseqüências para a ord.en1 social
dt• produção capitalista industrial nun1a cstrulllra econôn1ico-social arcaica. Mas estabelecida, corno revelan1 os cfci tos resultantes das greves de 19 l 7 a 1919 no
~: .
.....,11 l'IJtssc operária n1aceioensc nasceu com a criacão da vida urbana na Capital, e
ô parte dela. Corno a cidade que a viu nascer, reflete-lhe o heroís1110, a 1niséria,
Recife. Os anarquistas scn1pre se revelaratn incansáreis trabalhadores intelectuais
e prolíferos tradutores de panfletos, fundando revistas e jornais de circulação
ns grandezas e as fraquezas; é história de sua história, p:trtc irnperecívcl do seu proletária. Entre esses arrnrquisras intclccruais surge a figura de un1 quase
dt·~ tino rnoderno. Construiu a cidade antiga dos nossos avós, constrói hoje as alagoano, erudito e filólogo, chamado José Hod.rigues Leite e Oiticica. En1 1912,
Mhrlcas, os edifícios, os logradouros, produz a riqueza do nosso Estado. Essa talvez por influência de Edgar Leuenroth. José Oiticica se filia ao rnovi1nento
clnsse social de trabalhadores só n1crcce o respeito dos que vive1n a cidade, nela anarquista no sul do País, 111as conh ecia as doutrinas anarquistas ,
desde sua
11•11halilan1, padecen1, assurncrn alegrias, an1am, odeian1, nascen1 e n101-rcn1. Nas existência alagoana, talvez de um rnod.o não de tollo correto. E que a crítica

70 71
itHclcclual tradicional aprc·sentava os anarquistas não coino intelectuais, inas seu ponto n1áxi1no na obra poética de Jorge de Li1na; e pelo cam inho da ideologia
1:01110 terríveis soltadorcs de bo111b:1s, de que alguns de fato foran1 en1érilos, e de ruptura, o seu cu111e é a obra ro111anesca ele Graciliano Harnos. São duas vias
11l'gava-sc a admiti-los corno portadores de tuna existência intelectual criativa. divergentes, 111as de t1111a mcs1na realidade cultura l, que realizain no interior
Co111 José Ho<lrigues Leite e Oilicica surge na cultura alagoana, pela pri111cira vez, da cultura alagoana a síntese da beleza e da criatividade culturais. Pela via da
o perfil político e intelectual de un1 anarquista de vasta erudição, que se vinculava ideologia da pcnnanência, a histôria da cultura nas Alagoas ten1suas 111aiorcs
110 Hio de Janeiro à tarefa, nos centros sindicais, da educação proletária, sendo realizações nos estudos etnológicos de Arthur Rainos e Estevão Pinto: e ainda
nlt11la professor do Colégio Pedro li. Isso significava unia ruptura con1 as fonnas cn1 O Bangiiê nas Alagoas de M. Oiegues Junior, que integra a históri;t social
.. de figu ração de ser in telectuai na nossa cultura. Mas, de fato, a grande ru pi ura alagoana, to111ando-a unilateralinentc pela cit•ilizaçüo do açúcar, 110 esquema
ocorreria 11a cultura alagoana, mudando a natureza de sua forn1ação, coin o da antropologia culturalista de Gilberto Frcyrc; pela via ela ideologia da ruptura,
ap:1reci1nento, e111 J919, de Ctt11aes e lagoas de Octavlo Brandão. Essa obra te1n suas realizações mais bem acabadas são os estudos historiográficos d.e iYlanocl
~ra 11de significado histôrico, porque conclui os processos de dcsco11tin11idade Maurício de Albuquerque, da sociologia agr{lria de Alberto Passos Guitnarães e
q11c se acu1nulavam no interior da cultura alagoana, que se iniciam con1 a Moacir Gracindo Palineira; e onde, talvez, se possa incluir rninha historiografia
c1·ítlca :;ocial abolicionista e republicana, e pass:un pelo radicalisn10 social de scn1â11tica e estrutural d.e t1 Uropi(f.1\r11tada) sobre a Guerra dos Cabanos, e dos
socialistas utópicos e anarquistas. Canries e Lagoas, de Octavio Brandão, 1narca 111eus ensaios antropológicos de li D{/erença Selvage1n.
11 1110111ento dessa ruptura decisiva, que vai abrir novos caminhos de criatividade O século XIX alagoano politicamente acaba c111 1912, con1 a rebelião
t'~ l~tica e social na depauperada cultura alagoana. Depois ele Cttnaes e Lagoas
urbana que derrubou, do poder local, a oligarquia Malta; e culturalmente finda
:1 ilitclcctualidadc al:1goana seria outra, embora nfto se possa concordar corn
ein 1919, co1n a ruptura que Canaes e lagoas de Octavio Brandão provoca. i\
111d:1s as teses do autor. partir dessa data, o processo ele co11t radição, alimentado pelos conflitos sociais, se
Do ponto de vista da história das idéias, Canaes e Lagoas significa intensifica. A criação do Partido Co111unista eni 1922 (a seção alagoana se fundou
u111a divisória da cultura alagoana. I~ o 1non1ento en1 que essa cultura assu1ne 1
' e111 1924) ainda 1nais acentua as cont radições políticas dessa ruptura. Ron1pe-se a
dl· fo rrna explíci ta urna ruptura a partir da perspectiva social e política do continuidade ideológica de um 111odo dilacerante, corn a divisão ele nossa cultura
11osso proletariado. É unia obra ainda confusa, porque ao 1nes1no ten1po que entre conservadores e revoluciornírios. A aparência de unidade ideológica, que
n·:tli'l.a a crítica radical à continuidade cultu ral alagoana, incorpora valores que guardava a cultura provincial, rC'vdou-sc u111a trama de contradições, que vai
Justilka1n essa continuidade. De Canaes e Lagoas, de Octavio Brandão, abren1- itnpor, de então ent diante, urna nova configuração.
sc dois cam inhos antagôn icos na cullura alagoana: un1 111arcaclo pela ideologia A inlrod.ução do 111arxis1110 quebra definitivamente essa unidade,
:'.:'.(lo status quo, propo11e11te dos valores de continuidade e perrnanência, e que estabelece tuna difícil convivência entre pensa1ncnto conservador e pensa1ncnto
ldeologican1ente se define c<.>1110 uma filosofia cultural conservadora; outro, revolucionário. E na década de 30 do século passado assiste-se ao fenôn1eno
111arcado pela ideologia de ruptura, proponente de valores da descontinuidade, de rad.icalização do pensarnento co nservador, qu e adquire u111 a na tu reza
e que ~e define ideologica1ne11te corno uma filosofia cultural revolucionária. São reacionária, con1 a forn1ação ideológica do I1Hegralls1no. Acontradição rcinanl'C
dois ca1ninlws distintos que intcgrarn a cultura alagoana a partir de Cetnaes e na cultura alagoana alcança strn dupla face: de u111 lado o pcnsa1nento 111arxista,
la.~oas. Pelo can1 inho da ideo logi:t da pennanência, a cultura alagoana alcança representado pela n1eta!inguagc111 idco16gicíl do cstalinisn10 autoritário e
'i
72 73
ln1olcrantc; de outro, o integralisrno autoril:írio e pequeno-burguês, trazido BRANDAO, Octávio. Combales a /Jatal/J11s. São Paulo: 1\lfa-Omcga, 1978.
1mh a forn1a de urna 1nc1ali11guagc1n do fascis1110. Para o pcnsa1ncnto nrnrxisla
conduzi r-se-iam todos os inconforinis1nos sociais provocados pela ideologia COSTA, Crarciro. História das Alagoas (res111110 didático). São Paulo:
de ru ptura; e para o auloritaris1110 integralista conduzir-se-ia1n, por sua vez, Melhoramentos, s/ll.
todas as for111as de co11forn1is111os sociais resguardados, duran1e niais de u1n
~~c ulo, pela ideologia da pcnn:tnência e do status quo. Nesse conlexto, ainbas COSTt\, G11tveiro.111aceió. Rio dcJanciro:)osé Olympio, 19.)9. COSTA, Craveiro.
UH correntes punha1n sob suspeila as forrnas rradicionais do pe11sa1nento liberal, l
111aceió. 2ª cd. Maceió: Secretaria dt' Educação e Cultura, 1981.
..c1·l1ka11do-as; esq ueciam que o pensa1ncn10 político liberal, apesar de suas
lh ni !Hções ideológicas, resguardou, e durante tanto ten1po, o legado dc1nocrático COSTA, Craveiro. A /;'J11C1ncipaçfio r/(fs !l!t1goas. /\laceió: Arquivo Público de Alagoas,
dl 11ossa expressão cultural. Mas a presença dessas conJradições é decisiva para a
1
1967.
l'X lstê11cia da cultura ;1Jago:11ia. Foi a fornia histórica encontrada por nossa cuhura
p1·ovl11cial para in:;erir-sc na proble1n:ítica do inundo conte1nporânco. Sua forrna DJEGUES .JlJNIOH. O líangiiê nns ,1fagoas ('lí'aços da il?J111ê11cia do sistema
\lt•r1ggion1a1nento e de 1nodcr11idadc. econô111ico do engenho de 11çúcttr nct /lida e 1u1 cult11ra regional). Rio de Janciro:
IA:\, 1949'. 2. cd. Maceió : EDUF/\1., 1980.

ESPÍNDOI.:\, Thomaz do Bom-Fim. (,'cogra/Jhia i1/agoct11a 011 /JescríjJçâo Pbysica.


Polflica e fh'llórica da Prm•í11cí11 t/(fs ,[/agoas, 2. cd. Maceió: Typographia do Liberal,
187 1.
llASTOS, "favarcs. Cartas do Solitâriu. Rio de Janeiro: lyp. Da Actualidade, 1862.

llAS'f'OS, Tavares. O Vai/e rio 1lnlft:o1u1s. B. L. Garnicr. Rio de Janeiro: Livrciro-Edilor,


I llUM BRASILEil{Q. Ojuísculo da l)cscri/1ção (ieogra/Jhica e TojJographica, physica.
política e bislórictt do que 111!ica111e11/e ras/Jeila ri Proví11cia das alagoas no
1X(i(>.
1111/Jérío do Brasil. Rio de Janeiro: "1)-p. ele Bcrthc e llcring, 1844.

llA~TOS , Tavares. ,\ Proví11cia {lú·t11do sobre a Desce11/ralizaçúo no Brazil) .. Rio de


lnfonnação Geral <la Capitania de l'crnamln u:o, A1111aes da Biblioteca Nacional, v. 28
j lllll'il'O: li. L. Garnicr: Livreiro-Editor, 1870.
(1906), Rio de.Janeiro, 1908.

llH!\ND1\0, Moreno. llistôria de 11/agorts. Penedo: Artes Graphicas 'lyp. e Pautação,


LÉPEBVHE, Henri, La Prorlution de /"/1,jfiace. Paris: Anthropos, I974.
l909.
LEITE E OITICJC1\José Rodrigu~s . ,1Do11tri11a Jlnttrquista ao alcance de todos. 2.
lllv\N l>ÁO, Octavio. Cm111tws e f,c1goas. Rio dcjancíro, 1919.
ed. Hio ele )anei ro: Mundo Livre, s/d.

75
1.1\ITE E OITICICA, jos~ Hodrigucs. ilçtio Direta. Rio de Janeiro: Germinal, 1970.
SUMNER. Graham. Fulk111t~vs (11st11r~1· <if'Sociologícal /Jnportance qfUsages,
,\f({nners, C11st0111s, 1\1orej~ a11d 111orr1(). t\C\\' York: Ginn and Company, 1940.
UNDOSO, Dirceu. !111/ojJia ar11uult1 (Neh<Jliões de Pobres nas 1\1alns do 1'o111bo ReaO
( I H.12 - 1850). Rio de Janciro: Paz e Terra, l 983.
' fl"ANA, Moacir Medeiros de. Conlríbuiçâo à llislória do Açúcar ein Alagoas.
SA1
Recife: IA.-\, 1970.
l.lNl>OSO, Dirceu. A Diferença Sc:fvage111. mo de j aneiro: Civilização Brasileira, J 983.
. .l.IN IJ0$0, Dirceu. Uma Cull11ra e111 Q11eslrlo: r1 :llagor111r1. Maceió: EDUf~\L, 1981.

M1\CIEI., Pedro Nolasco. l:'slil/Jr1ço.1'. Maceió, 1887.


'
,.
MACIHL, Pedro Nolasco. Jh1ços e J)·oças (Crônico vermelha, leitura .Q11e111e).211 ed. 1

M11cl'ití: OEC, 1964.

M1\CIEl., l'cdro Nolasco. 11Filha do IJflrtlo.Maceió: DEC, 1986.

M1\llSS, M:trn.: 1. Sociologi(' et t111t/Jropologie. Paris: PUF. 1968.

MHNhZK\josé Ct"tar dc. Jdea da Populaçilo da Capitania de Pernambuco, e das suas


r1111w.,·11s. etc. Rio de J;111eiro: i\11nacs da Bibliolheca N:1cional, v. 40, 1923. ,.

MOllll\.ju:;é Alexandrino Dias de (Said cú Aruom). Falla dirigida à .-lsse111bléia


/,1 'J.:l.1·lfllil'r1dfl1~1v/lí11cia t/(ls ,.f/(lgoas. Maceió: ·1 yp. Commercial de A.). da Cosia, 1980.

MOlJlv\José Alcxanclrlno Dias de. 11jJoslr1111e11tos sobre diversos assunptos geogra/Jhico-


:::.,r.;tl11tl11/Jtralí1·us da Província das ,-l{({<~or1s. Maceió: 'l)'p. Commcrcial, 1869.

H ll.VBll~\ . Manuel Lu11rc11ço da. Nelatôrio sobre o estado dos Í11dios r/(J Províncic1.
A11l'xo ao Relatório do Presidente da Província das Alagoas Antônio Alves de Sousa
C111·valho. Arqui110 do Instituto Mistórko e Geográfico de ;\lagoas (IHGA) .

76 77

1
....1 1..
,.,
UMA CULTURA EM QUESTAO: AALAGOANA

INTRODUÇÃO

.' 1817. Data da en1a11cipação política das Alagoas. Não foi uin ato gracioso
de urn rei. As Alagoas já existia111 co1110 espaço físico autônorno, con1 popu lação.
' vida econô1nica e social diferençadas do rest.o da Cítpitania de Pernambuco. A
leitura da!déa da População da CajJílanía de />enU(IJIÍJuco (1774) de josé César
de Menezes rnostra já o perfil corográfico de urna província autô1101na, de vida
particular, e1nbora não reco11hccicla. Oestatuto real que estabeleceu a autonornia
'
política ela então Capitania apenas veio institucionalizar as razões subjacentes
de ordem econôn1ica, física e social. ncpito. Não foi um ato gracioso de uni rei.
E rnuito rncnos o recunhccirnento real pela fidelidade da ainda não Capitania à
Coroa. O estatuto real, assinado por O.João VI há 163 anos, reconheceu o perfil
de auto1101nia qu e s irnpl ~ relatórios de capitães generais já esboçava1n.
181 7. As Alagoas se clcra111 à calegoria ele Capitania por decreto régio. E
já con10 Capitania do Reino inician1 sua vida cultural. Conflucn1 os dois es1atutos:
o da autonornia política e o da autonomia cultural. Aprirncira se estabeleceu
por força do referido decreto régio. Asegunda foi uni esforço dia a dia no curso
de 163 anos, um processo de autonon1ia cultural que ncnhu1n diplon1a legal
poderia estabelecer.
'1
18 l 7. O n1cncionado decreto ele c111ancipação confere estatuto de
~ autonoinia à iclcnticlade provi11cial de \llll povo, de u111a gente, fonnado nos
três séculos da vida d.e colônia e apenso à estrutura adn1i11istrativa da Capitania
de Pernarnbuco.
1817. Data cívi.ca que $C con1c111ora corn júbilo no curso dos 163 anos
de história autônon1a da Capi1 ania, na época do Reino Unido, depois Província,

79


época do linpério, e Estado, no Brasil republicano. Essa co1nc111oração não
n:l
Alagoas. Esta Casa niais que centenária - o vetusto 1nstítuto Histórico e Geo.gr!fico
pernianecc apenas no culto cívico das nossas 111elhores tradições provinciais.
- nos seus anos de existência soube fi rniar, não se1n tropeços, urna trad1çao de
Alonga-se corno uni eixo de 111agnitudc cultural já tlc proxi111 idadcs centenárias.
cultura e autonon1ia para Alagoas. Tradição cultural que consiste no rico acervo
1>11rante 111ais ele século e 111eio de auto110111ia, as Alagoas não só con fonn ararn,
de docu1nentos. livros e 1na11uscritos, na riqueza etnográfica e arqueológica do seu
1111111 às vezes atribulado espaço histórico, à vida nacional - de Nação-Reino,
Museu, con1 sci~s vasos nrnrajoaras, sua valiosa plun1ária e os trançados indígenas
N:11.;ão-l1npêrio e Nação- Rcp(1blica - conw dese11volveran1 um trabalho que
da co leção doada, a partir ele 1880, pelo bc11cn1érito rnaceioense joaquirn
Ht'ahou por dar a esta Província/Es tado o seu perfil ele identidade cultural. O
Jonas B~zerra Montenegro, e nas riquíssimas peças ctnogr~fficas constituídas
nosso barroco deixa transparecer, e111 alguns casos, essa especificidade cult ural
por fetiches, insígnias, i11stru111cntos n1usicais, indun1entária e para111cntos
HIHgoana, co1110 se pode ver 11as fig uras cnig1n;Üicas cio altar da portaria ela igreja
ligados ao culto dao1nca110 d.os xangôs 1naccioc11ses destruídos barbar;unentc
dt• Nossa Senhora dos Anjos do convento franciscano(~ Penedo. llrn eníg111ático
durante as lutas antioligárquicas de 1912. Éco111 c111oção que se avista nurna das
q11c o barroco fra11cisc;1no carreou para a nossa alrna e para a nossa cult ura.
vitrinas do 1'vtuseu a divindade jcje-nagô, a serpente cultuai, o vodu1n Danh-Gbi.
Algu11s dos nossos n1011un1cnt·os n10strararn que os artistas alagoanos ou que
Trabalhada crn ferro, enlaçando as três lanças e as duas foices simbólicas. lJm
nqui viviarn livcran1 de dar solução alagoana ao seu trabalho, fazendo de nossas
especialista da cultura africana cm 1\lagoas, o prof. Abelardo Duarte, descobriu
fraquezas virtude. Éo caso da 101Te lateral da igreja do Rosário, c111Maceió, cujo
nesse eí1laça1ncnto da serpente sagrnda jcje co111 os sín1bolos (lanças e foices)
n~ul se origina de urna solução de pobreza - ao invés de pastilhas ou azulejos,
ele u111. orixá nagô - que idcntilka co1n Ogu111 - vestígio do sincrctisn10 cultural
uquelc azlll prové1n de cacos de pratos artistican1entc dispostos'. Unia cultura
jeje-nagô. E se for confinnada essa interpretação do sincrctis1no jcje-nagô, que
dt· bricolase de solução 111ag11 íflca. ' pcssoalincntc defendo, por novos e 1nais profundos estudos das culturas africanas
1817 não é u111a data parada 110 re111po cívico. É 1nais do que urna en1Alagoas, ela rnostrar:i a existência de u1n processo de confluência das diferentes
(0111c1noração. É u111a cultura que ve111 ca111inhando con1 seus i111passes e suas culturas negro-africanas da diáspora. Oque não deixa de ser significativo para o
11ol11c;ócs nun1 te111po histórico. t\'lais do que urna ernancipação política. Éa criação conheci1ncnto das contribuições pluralistas da cultura alagoana2 .
dl• 11111a vida cult ural.
E é interessante que, no n1or11cnto c1n que rne refiro a esta Casa - o
Instituto Histórico e Geogrilfíc.o da Alagoas - co1no a guardiã estan1ental de
nossos valo res culturais, loque nos funda1ne11tos popu lares de nossa cultura.
Íl corno se dissesse que, autôno1na a partir de 1817, as Alagoas elabo rara111
~'.:'."' Quebro um silêncio intelectual de vários lustros en1 rninha terra, guardado durante os 163 anos de sua história unia cultu ra que, apesar de seu forte
conteúdo de erudição, às vezes estéril, manteve funtlarncn!os populares. Força é
co 111 reserva de criat ividade e descn1pe11ho no espaço da cultura. para vir falar
reconhecer que nen1 se111pre esses funda1nentos fora111 considerados legítirnos.
i 1 ser parte desta velha Casa alagoana, no dia c111 que se celebrarn 163 anos de
11111011orr1ia de nossa Província. Ncnhu1na outra instituição que esta Casa, guardifi As vezes sobre o popular - o rnais cu l.turalrnenl'e expressivo da vid;l da nossa
gente alagoana praieira, sertaneja, ni<lluta -, pairou corno un1a espada tlc
l'Sta111cn!al de urna definida tradição de cultura, evoc<lOS esforços dolorosos e, às
Dân1ocles a an1eaça de urna trad ição cultural erudita (às vezes só forn1alrnentc
V<'Zt•s, os equívocos que aco1npanharan1 a in1pla111ação de un1 projeto cultural e1n
erudita) apren(Lida nas bibliotecas conventuais, ou a intolerância do exercício

80
8l
do puder de lipo colonial. Essa aincaça se tornava n1ais séria quando encontrava
folclóricos da Escola de Viçosa. Éo coroan1ento jus lo de u1n longo e d.ifícil esforço
t1111a resistência cu llural por parte dos índios aldeados ou de negros escravos.
pelo registro e reco11hccimcn10 dessa cullura popu lar pluralista.
N~o se pode esquecer que a riqueza cullural negro-africana chegou à nossa
lcrra, pela pri1neir:1 vez, pelo porlo da Barra Grande - corno deixa entender o odcsenvolvin1cnto dos cs1udos folclóricos en1Alagoas já deixa perceber,
vdho historiador Manuel Bali aza r Pereira Diegues j(rnior - , 110 belo laga rnar do ponto de yísta rnetodológico, duas correntes de estudos elo po~u la'.·· Ur~~ de
registro e interpretação, cujos esludos se desdobran1quase nu1n erxo smcrornco,
dll Gan1ela do Maragogi, conduzida por grupos de escravos negros originários
do/i lllais diferentes ponlos do co nlin entc africano1. Essa situaçiio de índi os
representada por Théo Brandão, por seus discípu los e pelos rcn1ar: escent:s da
. , ILldeados em rnissões fran ciscanas e jesuílicas e de africanos escravos, privados Escola de Viçosa. Outra, preocupada com o estudo e detern1inaçao das areas
. culturais, con1 a clifusão dos fa tos fokl6ricos, co111 o estabelecimento dos pontos
lll Jlbos de sua origin:iria •lutono111ia cultural, n1arcou profunclan1enle os straltt
po pulares de nossa !erra. , de origens. o representante dessa correnle, também histo riador, é Abelardo
Duarte. Os estudos sobre folclore do negro e111 Alagoas de Abelardo Duarle
No curso da hislória da cultura en1 :\lagoas persistiu essa 1ran1a de lensões
se desenvolveran1 num eixo rnarca<larnenle diacrônico. Penso que ambas as
Utlll'(' o popular e o erudito. Acultura eslamental de erudilos e doutores antepon<lo-
correntes se coniplctarn e os resultados têrn sido os 1nais relevantes para o
Hl11\s razões de sobrevivência da cultura popular e pluralista. Não foi sern tensões
conhecin1ento da cultura popular alagoana. Antepondo-se à Escol<L de Viçosa, e
qtw St' assistiu ao irrornpirne1110 do popular 110 erudi10 no espaço poético de jorge de certa'1nancira com pletando-a, a /Jscoía de1l1aceiô, representada por Abelardo
til' U111a, nos esludos sobre o negro africano de Arthur Ran1os ou 1nesn10, para
·.~· Duarte, se caracteriza por teses difusionislas, con10 a da origem alagoana do coco
folnr li<' t1111 tcrnpo anligo, 11os pritneiros registros de folclore feitos, no distanle e seus caniinhos de difusão e!Ti área~ culturais vizinhas. Entretanto, ar.nbas as
181)7, por,J1í lio Campina, pscudôni1no de 1rn1 pioneiro dos estudos populares en1
escolas são cu ll uralistas. O culturalisn10 da Escola de Viçosa se deve ao saber
Alu~oas - Luís Tc116rio Cavalcan rede Albuqucrquc4• A preciosidade quase bizantina universitário <Lc Théo Brandão. Na Escola de Maceió assiste-se à retornada do
da cr udi~·ão se antepôs, 110 curso dos anos, à legi1i1nidade do saber popular. O 111odelo cultu ralista deArthu r nan1os e, até certo ponto, de Gilberto Freyre. Talvez
~ra11dc centro de codificação dessa cult ura popular foi i11ega\'elr11en1e Viçosa, no isso se deva à fonnação de hisloriaclor egeógrafo de Abelardo Ouarle. Penso que,
1
Vllll do Paraíba, que reu niu Ioda unia escola de eruditos do saber popular. AEscola ao clenon1inar de Escola de Maceió o diacronisn10 culturalista de Abelardo Duarte,
~!! \'l~osa - co1110 chainot1a esse grupo de folcloristas penso que o prof. Manuel nii nha intenção não foi a de si1nplesn1ente batizar corn un11101ne urna tendência
Ull1~11 es J(inior - guardou a tradição de pesquisa e de a111or ao popular que vern de estudos llos fatos folclóricos. Pelo con trário, o que tive en1 vista foi, c0tn es~a
do l J'ucll 10 Alfredo Brandão 5• Ela, pela prirneira vez en1 AJagoas, e de 1na11eira
1

nova denornínação, demarcar diferença de natureza metodológica que ante~ nao


Ml~lt'lll;Ílica, elevou a cu ltura popular à condição erudita. O que Jorge de Lirna nic consta ter sido percebida. Oll pelo menos elita. Longe de rn irn a vulgaridade
.;'i;\1{J11l1~011 n:t literatura, a partir de sua conversão rnodernista, esse egrégio grupo
ele 1nais urna denon1inação.
tluc1'11<ll1os de província realizou no ca111po de estudo da arcaicidade popular.
Anterionnente falei numa trarna de tensões que n1arca a relação entre
U~Hll t·~col:t de registros e ínl'erpreração das tradições populares de Viçosa, da qual
0 erudito e 0 popular no interior d.a cultura alagoana. Essa cul~ura é 1narca~la,
hYil'l'tll ll parle ,José Aloísio Vilela e José Pin1enrel de Arnorirn, 1unbos falecidos, é
co1110 insinuei, pelo pluralisn10 da tradição popular e pdo fonnahsrno d'.t .crud1ta.
hoje "':presentada por Tht•o Brandão, josé Maria de Melo, e, por extensão, josé
Pelo domínio inicial do erudito sobre o pop11htr. Entretanto é prcci.so frisar que
M11rla 'J'cnório Hocha. OJl1useu 11Jéo Bra11dt10 conserva a tradição de estudos , .
algurnas vezes ll reação popular se dirigiu equivocada111ente contra seus proprros

82
83

j
1

1
valores, co1no ocorreu co1n o "' ,.
\' / OVllllCllfO j}OJ)llhr 'lllt'101· , 1
''º >crania, e1n 19 I 2. Assiste- .
.
se, con1
. ..
esse aconreci
' ' igarquko dcnon1inado
.
e1e populares rebelados conrr· 1 , . , . rne1110, ao furor anfioligárc1uico Mesino urna visão provincial da cultura deve ser un1a totalidade. Que 1
, , ·'o< on111111> pol1trco d fr -1. sentido pode ter considerar a alagoana t11na província da cultura brasileira? O
e e1cs1ru1ra1n os centros r·e1· . l a ,11111 ra Malta c1ue ·u·1c't1"·t111
' · 1g1osos e e rracliç'.1o · " , , •' ' • qucstiona111cnto é extcnsivo ao conceilo nacional ele cultura. Existe a cultura 1,
de co11ivênda corn o des1)olisrno 1· .- •. .' 1~1,e-nago de J\lfaceió, acusando-os
. 1 .1
cu ro <os \!Odu11s c11 1 1\h, , . \ .. .
° rg.11 quico 1a/vez I·11, 1
· · <' <are a decadência <lo brasilell'a tal como a devora1nos no banquete da juventude? A crítica dessa
1

. . 'go.ts. i escultura ele D·1nh CI . hipótese social já foi ícita e não vale a pena voltar a ela agora9 . Nossa visão de
guerreiros nagôs, exposta llllllla d·1. . .· , . ' , - , >1, abraçando sí1nbolos
• s v1 t1111,1s clcst·i CT''l uma cultura provincial é correta?
'º'1.1111s
,1

·. . -
1
cao1ne~rnos-o
,
cu/to.,··- . . :.. . , ':-;,' rnostra que o culto dos
· JCJC n11n.1- ex1sr1a c1n . ., , .. '
un 1.111 1upçao eqwvoc-1 der· /' . no:>s,1 tu' a, e que se deve a Talvez a rnelhor n1ancira de abordar o prohlen1a seja não se envolver o
~ '' ipo po rrico-/ibert·ír'o 1 /
( <.:cadencia desse culto ,1 . , . , .. ;- ' ' <o popular co111ra 0 ponuhr ,1 questionador no espaço da negatividade. Anegação pura e si111ples an1plia a área
.,' ' .. . . , '. 'ep1 ess.w co1Hra os lerreir . , , . ,., ' ' ,
.s.1g1 .1d.1 do Daonic, a 1>ris:io d , . , . ., . . o.s que culrua1'a111 a serpente do nosso i111passe teórico. Sabe-se que a n1issão intelectual no restrito espaço
1 1>a- as , e sc11s s.1cc1 dores e s·i ~ . l .
<e catacun1bas conw ·rntec· , .,- . . , cc1 eorisas, a descida do cu/lo cu.l!ural alagoano é urna tarefa de difícil solução. Porque o intelectual, co1no o
.. , . _ ' ip.rçdo ao desapar , · , r. . • .
\ltze.s ele modo !ao rnisrcrioso no , .. , . , 1 cc1n1c1110 . As corsas ocorre1n às clefiniujean-Paul Sar!re, é urn ser cm situaçfw10, n1crgulhad.o, en1papa<lo-<lirei
/' . csp;1ço .r auo·rno C'/lle
)lo rcial dos ferreir(JS s·1r11···1cl<·>s cl ? , ' . o que resultou da pillv,1gc1n eu - nas contradições das realidades. Então, ao invés de questionar o ser da
• . • "<:> ' • e parar 110 fun 1 1, , . .
.11.:;tbou guardado 11un1 't i11sfit111·,.;- 1 . eo ee u111,1 de/cgacra edesaparecer cultura alagoancr, val e rnais que se defina e questione o que é ser intelectual nas
C' ' • ~ ·IO ec ucatJv·t C< . •1 <> . . '
'"ª~·as a esse 1nis1ério fiJ)l·c· , ' ' Jllto ' ,,octedade f>ersevert111ç·a condiçõés históricas de Alagoas. Acho que essa é wna reflexão que se den1orou
1 . .uncn re alagoano .1 • 1, ,,- . . ,. ·
< ,10111ca11os dos terreiros 111·1c(' , ' . - ' , co cç,10 de ulc11sd1os religiosos a fazer. E nesta Casa e nesta hora vale a pena fazê-la.
11 .. 1· . . , • IOCibcs esta catalogada e,- . ., .
osso ns11tuto !lislorico e Gcogr·ífko É • .1 nios11,1 nas Vitrinas do Oque nos toca 111ais de peno éa siluação - talvez a n1ais ana!ilicarnente
r)s vezes se rebelar con ira o j)O!) ·,, . ,·. u~n lesrcnuu1lw de que o popular pode esclarecedora - cios historiadores alagoanos. Ser historiador, nas condiçfies cm
, . li .11 . sto e, contra seu r , .· . . .
,
Cabe, neste J>on ro 111 . .
, 1 1,1 mtel'!'ogaçao· Q , ,
_ 'º P opi esp.1ço cultural. que 1entaran1ser os historiadores alagoanos e pernan1bucanos, era unia tarefa de
lllitlS ele uni século e ineio 1, 1 . , , .·, . : . ue e a cult11ra alagotJnc1? 1:111 difícil solução. Colocar-se diante das rcalicla<les, il11p11gnar as idéias preconcebidas
<e i1sto11,1 sera que se 1 1,
llfll:i c1iltura a/agoana? '\ cu/tt .. , . ' poce a1ar da cxisrência de era tuna condição que o si111ples constituir do discurso histórico não preenchia. A
' 11 ,, e p1 od11 ro de u l 'f' ..1
fru lmll10 consciente ele uin /· l . . in (' ic1 lrabalho cole1i1•0 Ll1n posição inicial de historiador, tal co1no a define Lucicn f cbvrc, é a de colocar-se
, ·l< o, rnconscrente d , · . . , . ·
1IC'r:mça social. E lambén1 . , ..· . e ou11o. Constitui-se co1110 wna diante das realidades, das idéias preconcebidas, olhando-as de frente. Mas unia
, , con10 ,tss1nahv·i B't' J
por s1111bolos7. Penso que o i1n i . , , ' , , , 111, 1oca conduta inediarizada pcrnunbra ideológica envolvia o universo do historiador, in1pedia-o ele buscar as
. 101r,rntc na coniiJ/cx·t - 1
_ 11 n·11os e defini1·õesi"í 1· ..
, C(l ,, . . · ' noçao <e cultura cu1·0 • raízes populares das tragédias sociais. Criou-se então uni ccletisn10 do discurso
~-. l ' 01,un c,1nsafn"uncnt , , 't ' s
f(h1dtlwh11 (I 952) é esse t .- 1· , . ' 1 1
e ts li< ac os por A. L. Kroeber e Clv<le historiográfico que torna\'a opaca a tra111a se111<1ntlca, dissipand.o a n1atéria da
. . ' ''P ice .1specro cio lr'tl>' li l . ,
história scrn olhá-la de frente. Construiu-se urn discurso fonnalista e reiterativo
lllvdlallzada por sí1nbolos c1ue srto . . ' a 10, <a herança e da conclut·t
' · • ' po1 sua vez un1 · 1 ' que se voltava contra as realidades, in1putando-as crin1inais.
ltHperros rnarcarn a CSfJccifi ··d· l 1 . - ., p1 oc uto culturali;. Esses lrrs
h ... • , ci .t<ecanoçaodecultur· É ' " . . ··
pc 1f.Ull!,c Que e esta entelé(Jlli't , , , ,1. nesse senrulo que volto lJ1na historíografia que i111putava criminal a participação n1ultitucli11ária
11 .. .. · ' ' ' ' cutlura ctft1rroai1.al p,. . ., .
~ u11que11ra anos depois de ini ·. l· . , º . . e1 gu 1Ho ina1s ele ce1110 no processo da história reíletc, na cxe11 1plaridade do seu discurso, a realidade
c1.1c a nos:;a auto110111ia política.
social.que a gerou, a situação ern que se produziu 11 • Aconsciência do historiador se
fonnav:t 11un1a situação n1uilo concreta: a da sociedade alagoana e pcrna1nbucana
84
85
1'

f
i11 tdectuais que o produzcn1 ten1, por sua vez, raíies sociais nítidas. Aprodução
conceito de que Max \X'eber chamou ele do1ni11açrlo tradicional e, nesse co1~texto
llisturiogrtlfica alagoana se realizou nwna situação social concreta: unia sociedade
social arcaico, eleYadas a leis gerais da ll istória. 1\r1ais u1na vez volto a MíLX\V'ebcr
l'scravista, b:iseada na produção de bens agrícolas e.xportáveis, un1 Estado
para, 110 contexto desta análise, rC'instru111cnt:1r sua noção desituaçií.o esta111ental
mon:írquico liberal-escravista e u111a popu lação de senhores de escravos, co111
(Stiindische /,age)''· Esses intelectuais historiadores, e111 situação cstan1ental,
cw11adas i11tcrn1cdi;írias de homens livres. Os pri1nciros textos de historiografia
vinculara 1n a noção de êxito histórico às classes que serve1n de suport: ao poder
:iutônonia - digo au tô110111a para diferençá-los dos textos de notícias que constan1
político e à ordem econôn1 ica tradicion:1 is, e a noção de fracasso as classes
dos relatórios dos governadores de capitanias e capitães generais, co1110 a Jdea do
que se opunhan1 a essa orcle111 de uma ccono111ia trad~cional e. a ~~se. Pº.'~~':
Jio/ilrfaçrio da C(//Jilania r/(I Pernrn11b11co (1774), de josé César de 1'vlencses 15, e111
tradicionalrnente rnantido. Su rclan1 entc passou a don1111ar no 111te1101 desse
que j:í se esboça o primeiro perfil geográfico e descritivo da futura Província das discurso histórico cstarncntal a ideologia do status quo, de permanência d.os
Alagoas - foram produzidos nunia situaç:io de tensões j)Oiítícas: a derrota da gente
fatores ele doniinação político-econôn1ica herdados pelo Itnpério dos trezentos
c11ha11a de Vicente ele Paula, a vitória das tropas provinciais (pois a vitória contra
anos de vida colonial.
os cabanos, por parte da 111011arquia constitucional, foi rnilitar) e a percepção,
No interio r do discurso justificatório - que é o discurso histórico
por parte dos governos provinciais de Pcrna111buco e Alagoas, de que a guerra
tradicional-, os fatos reais da Guerra dos Cabanos foran1 abandonados à condição
1•t•sta11radora dos senhores de engenho das rnatas e do litoral norte da Província
de fatos criminais, excludentes de unia razão histórica, por perturbar a avocada
st lransforrnara, co111 a capitulação e deserção dos líderes restauradores, nu1na
neutralidade do texto historiográfico. Nessa parafern;ília, que é o discurso
~ll!'l'J':t popular contra o sistcn1a escravista do Estado liberal-1no1uírq11ico. Na
hisló1'ico tradicional, neutralidadee status q110 são lennos de equivalência~ Cri.a-
r1111sciê11cia dos nossos historiadores a noção de \'itória é, por excelência, 11111a
se uma estranha sinoním ia en tre a noção de 11cutralidadc e a de per111ancn~1~.
noç:"to :1111i111 ullitudirníria, pelo fato dr esses historiadores scrcrn 111e111bros do
E. nuni 1nodelo historiográfico desse tipo, onde íica111 os anlagonis1nos soc1a1s
!'stan1c11to senhorial que 111antinha o sisten1a escravista do J111pério. Da nwsrna
e,as oposições políticas? Ora, o 1nodelo clássico de excl usão histór~ca. são o~
111a11cira que nas suas co11:;ciê11cias a noção de fracasso aderia il participação
11111ltitudi11ária na l listória. corn portan1entos crin1inais. Por esse cam inho do exclu<lcnte crrn11nal foi
que segu iram 0 texto historiográfico e o discurso histórico elabo~'(U/os 1~elos
Coube aos pri111eiros historiadores alagoanos guardar a versão tradicional representantes alagoanos do que Louis Ournont cha1nou debo1110 /J1errrrcbu;us.
c·r1/Jelud({ 16 dos faros da guerra de 1832, manipulando, na condição de letrados,
u111a j 11s1 ifica~ão histórica esta111e11tal da ideologia do êxito, que era, e111 e::;sênc ia,
oque quis dizer, nesse pequeno esboço crítico davida cul1ural alago:ma~ é
que a função desses prilnciros historiadorc~ de noss:1província foi a de claboraçao
unia justificação ética de classe. No trabalho de elaborá-la, subaltcrnizara1n a
de un1a ideologia cstamcntal. Eles for;un rnals ídc61ogos do que p1·oprh1111entc
.::.•."lwç:io de fracasso a u1n nível infra-histórico, dando-a corno resultado de atos
historiadores. No texto historiográfico lradicional1 o qua KC encontra 6 unia
crlt11i11ais elos que violavant a orde1n natural da sociedade escravista do Segundo
ideoloc;ia de /Jase (cnn1o a chamo11 c 111 :-;eu ensaio Hol,1·c o sh!lcn1ft de C<l81Hs o
Hel11ado. O êxito cios vencedores e o fracasso dos vencidos foran1 reelaborados
sociól<;go Louis Du1nont) 18 com função intelectual, que l·Wt'Vlil hl!lltc cogtl!tlva (?s
Ideologicamente pelos produtores desse discurso histórico, con10 exen1plifican1
intelectuais da província) de instn11ncnt.o desaber epotlL\1' no 11111.!rlol' tlud01nl11r1çrm
os textos do autor a11ônin10 do Opúsculo de 1844 e a <leograpbia Alagoanu de
tnulícíonal. Ora, os senhores de cngc11 ho cahanos de 1M32 ~t'ttm rcholdcAque
'1'01nás Espíndola (187 !). As noções de êxito e fracasso fora1n relacionadas ao
lutava111 pdo retorno de D. Pedro Ie restabelecimento do tthnnlullr.mo rno11rtl'qt1il'o .

88
Os índios aldcados de)acuípc crarn rebeldes que lutavm11 contra o iníquo sistema Não é curiosa essa busca intensiva ele registro eestudo elas nwnifeslações
de recrutainento decretado pelo governo provincial. Os negros papa-rnéís eran1 populares e111 Alagoas? Penso que a intelectualidade alagoana agiu, nesse caso, nào
qu ilon1 bolas das inatas do Maragogi, Porto Calvo, São BC'nto, Jacuípe, Colônia , ~(>por rnodisrno intelectual, rnas conto se buscasse ressarcir-se da 11iá consciência
Leopoldina e Panelas do Miranda que lutavarn contra o sistcn1a n1011árquico do I Ideológica con1que agirarn os seus historiadores ao introduzir no texto do discurso
trabalho escravo urbano e runtl. Os brancos pobres crain n1oradores dos engenhos histórico sobre a Guerra dos Cabanos 111na ideologia de irnputação crin1 inal de
de açúcar que lutavarn conlra a recente lei do governo liberal, rebaixando de vinte natureza anti1nultitudinária. Era corno se inconscienternente procurassern a
para uni ano o aluguel das terras foreiras, podendo os donos das terras despejá-los remissão de cuij;as sociais através da factualidade folclórica. Éclaro que esse fato-
tw tér111ino de 12 meses. Esses fatos est~o registrados nos arquivos. Só a abstinência º estudo das n1anifcstações art·fst icas popul:ircs con10 co1npensação psicológica da
dos nossos historiadores à consu lla dos arquivos que registrarn os fatos da guerra, r/011iinaçr7o tradícionaL- não explica, por si só, todo o fenô1neno de intensificação
abstinência que trabal hava e1n função dessa ideologia~ base estarnental, pode ter dos estudos folclóricos cm Alagoas. Mas abre uni arnplo ca1npo de co111preensão
(:onduzido a urna ver.são errônea dos fatos históricos de curso tão longo e prejudicial para certos fenôn1enos intclcct11ais que encerra a entidade cu//11.ra alagoana.
ll objelividade científica do texto hisloriográlko. O ato folclórico ern situação intelc'ctual corno ato re1nissívo de uni.a
O que ponho en1 chívid.a é a objel ividade desse discurso histórico inlclcctualidaclc estarnental, con10 ato conipcnsalório de urn senti1nento de culpa
lrndkional. Não só sua objetividade, n1as seus fundarnentos teóricos lradicionais. social gentdo no exercício do poder cullllral, não rne parece absurdo. Alguns dos
No h:r11qucte inlcleclual en1 que consun1irnos, durante os anos de nossa forrnação, cn1inenles folcloristas alagoanos eran1 e são - corno Alfredo Brandão e Abelardo
º " prod utos dessa suposta cultura a!agot111a1 sen1 que nos fossen1 revelados seus Duarte- tan1bén1historiadores. Não se pode inculpá-los de agir conscíente111cnte.
funda111cntos itleológicos de natureza es1a1ne11tal, as rnatrizes populares de nossa oproduto cultural não é neutro. Sobre ele pesa forte carga ideológica. E, adernais,
cull 11 ra regional não erarn 101al r11e111e reveladas. As raízes verdadeiras de nossa se elabora en1 111eio a tensões psicológicas de satisfação ou frustração. Não se
l'llltura regional pen11ancciar11 obscuras e os est udos do saber 1rans111itido pela pode esquecer que esses emi nenlrs folcloristas que Alagoas produziu neste
lllt•r11ória e oralidade popular se resl ringiam ao registro de eventos folclóricos, século (século XX) trabalhararn suas obras dentro de tuna cultu ra - a alagoana
dt• que a nossa Alagoas é riquíssima. A cultura erudita via essas raízes populares - carregada de culpas sociais. Só fat.endo u111 corte vertical 110 contexto social etn
''0111 rcnwr e desprezo, e para os crudi1os do es1an1enlo tradicional era apenas que os folcloristas alagoanos produzirarn seus trabalhos de coleta e interpretação
lillUI cullura - a popular - do o que é, o que é?, un1 saber de adivinhos. Não dos fatos folclóricos se pode alcançilr o \'alor intelectual que resultou dessa
~ l111t•f('SSa11te que coube a urn descendente desse estamento tradicional - o cornpensação pelo popular.
folclorisla e rornancista José Maria de Melo - reunir o 1nais belo acervo de O folclorista - como dizia P. Santyvcs - não é apenas un1 colecionador
.:;';l1tll\ll11lrns e e11igrnas dessa cultura popular, reuni-lo corn intenção folclórica e das tradições populares, rnas tar11bén1 t.1111 psicólogo que trabalha con1 a
Cll'11lílka, dentro de urna lídi1na visão ernognifica, con10 rnostran1 as páginas psicologia do povo ou do hornern , procurando erguer as bases da.p.,ychofogie de
ho)t• t:l:íssicas dos seus Enig111c1s Po/J11/ares? 19 Pois coube a.José Maria de Melo /'â1ne populaire2º. Não só recolhe con10 (ll\alisa os elcn1entos da aln1a popular.
11hordar, se111 lren1or e sern ternor, o rnistério da alrna popular e rnostrar que a 1 Tanto que esses estudos fon11n prirneirarnentc batizados de de1nopsicologia e
l
Cllll lll'a do o que é, o que é? é tão profunda, e às vezes tão fonnalisla, corno a antropopsicologia. Ali{is, essa busca de an;ílisc do pe11san1ento popular por parle de
Clllltrrn erudita. urrrn intelcctualitlade n1ergulhada nun1a situação social ele culpa - a que charno

90 91
de 111iséria da cu ltura alagoana - esclarece certos fenôn1enos aparentc1ncntc leitura, de sabor ilnpressionista, da carta de Pero Vaz de Ca111inha; ou i111passes
opacos que encerra, para 1ni111, a noç:1o tradicional de cultura. como a avaliação histórica do caso Calrrbar; ou i11co1nprcensões, co1no a
Na obra realn1cntc notável dos folcloristas alagoanos se 1nanifosta tnna dificuldade de discernir, na análise dos dados históricos, a ní1tureza real da Guerra
dlffcll aderência da narração e interpretação dos faros foldóricos ao sent·i1ncnto de dos Cabanos de 1832 a 1850; ou culpas con10 a dcvoração antropofügica e ritual
c•11/pr1s sociais de nossa fonnação intelectual.!\ manducação dos fatos da cultura, do bispo d. Pero Sardinha por índios cactés nas praia:; de Coruripc e Barra de
qllt' o banquete intelectual alagoano lhes oferece nos anos de sua fonnação, está São Miguel; e a destruição do Quilornbo dos l'aln1arcs por Do1ningos Jorge Velho.
conta1ninada por essas culpas de natureza social. As raízes históricas dessas culpas Mas aos nossos prin1eiros geógrafos-historiadores, con10 o anôni1no autor
pod(•111ser buscadas cm fatos 1nuito antigos ou nos 1na is recentes da fon nação do OjJúsculo de 1844 e To1nás do Bonfirn Espíndola, d<'ve a Província os prilnciros
Hodal r histórica de Alagoas. Entre os nu1ito antigos, encontra-se o cxtennínio traços de seu perfil geográfico, sua prin1cira e con1plcta descrição corográfica.
do Quilombo dos Paln1ares; entre os n1cnos antigos~ a derrota dos cabanas da Acnontoaran1, às vezes de 1naneira desordenada, os pri1neiros dados históricos
rdwlião de 1832; dos 111ais recentes. cabe à Jlistória falar. Não é curioso - con10 . " . ~ .
sobre nossa recente vida autô1101na. Di.spuserarn nossa ex1slencra corno prov1ncia
llll' l11fon11ou o prof. Oiegues Júnior - que se encontra en1 arquivo alagoano, nun1 eixo de niagnitudc diacrônica. E não é só isso. Aeles se deve a criação, não :;d
pl'oprledadc de uma fa111ília tradicional de senhores de engenho e usineiros, se feliz, de 11111 discurso histórico paradign1ático, voltado para a reiterativa repetição
t1 )411ardada quase con1 cilirne, a pública fonna do testan1cnto tão buscado de do texlc>tradicional. Cabe aos historiadores qu e lhes sucederam o traçado nrnis
Drnn l11gosJorge Velho, justan1e11te o dest ruidor dos redutos palniarinos? úcon10 nítido de nosso perfil histórico-cultural, resenhadores que foran1 dos fatos ela Yida
Nt' 11 história nos quisesse marcar co1110 Pº"º corn a 1ne1nôria da pern1anê11cia dà ProYíncia a partir da seRun<la 1netade do século XIX. Para esse crescin1c11to
l111<p1t•k ha11deirar11c entre 11ós. E, 111ais ainda, o esforço de uni grupo de intelectual foi i111portante, e 1nes1no decisiva, a configu ração do papel urbano ele
l11ldert 11ais alagoanos para transfon11ar o local de uni dos principais redutos Maceió. o estabelecimento da vida urbana da noYa capital- pois a velha cidade de
- 11 Serra do Barriga - e1n Parque llistórico? Ou a sugestão já antiga de outros Alagoas é considerada já no Opúsculo de 1844 comn 1.11na cidade e1n que.fétlesce...
l11ldl'i.: t11ais de se erguer nu1na praça de Maceió urn monurnento a Zun1bi? E, 1
11ão só o co1111nerclo, senão a industria e as arfes, e o viajante ale1não Robert
11rnls ainda, 11:io é interessante que seja u111 escritor alagoano, descendente de ~
1 Avé-Lalle1nan1, noseu Reíse durcb jVord-Hrr1zilien iln]abre 185921, dizia ser uni
fwníllas develhos senhores ele engenho cabanos, nascido no território conflagrado, /ugaruúseré111el, considerando-a, por sua vez, e1n decadência, en1desle1\oe1ur11i
qLw l'StPja a exigir nesfe 1110111c11to e nesta Casa urna revisão da historiografia 1 es~adu /asti11zdue/- o su rgin1ento de un1a burguesia co merci<1l cuja vida urbana
1

11l11goa11ar ltepito. Era tarefa de difícil solução ser historiador nas condições 1
já se diferençava, co1no estilo de convivência social, dos senhores de engenh~
t.'lll que ft'n tara1n ser os historiadores alagoanos e pernan1bucanos do Segundo e a criação de um con1ércio cxportador/ín1portaclor ligado ao porto de Jaragua,
~',1tl1 /11.ulo e da Hepública Velha. onde constava a presença de cornerciantes ingleses e representantes de casas
i\ historiografia alagoana cultiva com algun1 prazer, direi, secreto - por con1erciais de Lisboa e Londresn, propiciaram a crií1ção de unia ca1nada social
p111•tt• é lógico, de seus historiadores tradicionais - certos proble1nas de difícil
1 de letrados, que representava para a época. íl intelectualidade urbana: 1neslres-
11v11llaç:io, corno a tese do clescobri1ncnto do Brasil na Barra de São Miguel, cuja cscolas, jornalistas, escreventes e estudantes. Os infelectuais de orige111 senhorial
COlllprovação exige sérios e definitivos estudos de cartografia naval, c<ílculos de - corno Tavares Bastos e o Visconde de Sini111bu - se educavam e111 centros
llll\lt'gac,;:io por loxodrôm ica, cálculos de deriva e de altura e nfw apenas a frágil superiores corno Olinda. Outros, 111ais tard e, procuraran1 a Bahia. E alguns,

92 93
co 1110 Ladislau Neto, apcrfeiçoara1n seu saber enciclopédico en1 ilnportantes ele nossa Província. Con fessava candidtt111cntc que as re/Jresálias rle escravos
Ci.'illros i111clectuais europeus. De Ladislau Neto não se pode esquecer seu saber contra os senbores sri.o raras25 . Essa opacidade histórica por tuna siluação
de naturalista - e aqui vale ressallar seu carinho pelas matas alagoanas, essas ::-;ocial inconscienten1cnte deixava escapar os 111ovirnentos coletivos de escravos
hchtti 1110/us incultas do relatório do capitão general josé César de Meneses - , contra 0 sis1en1a de escravidão - os Paltnarcs, os pcrn1ancntes redutos papa-rnéis
~\11L l.'.11llura de arqueólogo e orientalista. Chegou a corresponder-se co111 Henan (quilornbolas) das 111atas provinciais e a participação dos e:cra~os na Guerra dos
e com cgipl<Ílogos franceses e111érilos. Esse ho1ncn1 de provado saber acabou, Cahanos, fonnando o que To111{js Espíndola batizou cleletnue~/ala11ge papa-nwl
vftli11;1de uma perfídia intelectual, cnYolvido nu111 escândalo que lernbra o enredo de Vicente de Paula. Esquecia-se ta1nbén1, no caso da religiosidade dos escravos
dl' u1n roniance de mistério - o caso das pseudo-inscrições fenícias dadas con10 negros, da existência dos 12 terreiros tradicionais de Maceió, sendo os 1~1;~is
t111co111radas na Paraíba1·1. A Ladislau Neto se deve u1n estudo científico sobre antigos o de Mestre rélix de .Jaraguá, provavel mente t11n centro de culto JCJC·
l\tl inatas alagoanas. Malas - repilo - que na !dea da f ojJ11!t1çt70 e/({ C({jJilttnit1 rnina, e o de Tia Marcclina. que cla1ava1n do século XIX. E ainda se esquecia de
t/11 Pcrnr1111buco de 1774 são descritas poctka111ente corno incultas, de perfil outros terreiros velhos, onde se descnvolYia a religiosidade dos negros alagoanos,
lll'INlocralicainente volupluoso a dcrr:unar-se sobre o cordão litorâneo de salgados corno o de Manuel Guleiju, no Mulange; o de Manuel Coulinho, de rito nagô, na
u nmçaiôs. Matas que não forar11 só fc111ininan1enle voluptuosas, rnas celeiro e rua do Rcguinho; o ele Chico Fogu inho, no Pernainbuco Novo, sobre o qual se
ll d1110 dos guerreiros cabanos, ein cujo interior crguia111 seus arraiais rebeldes.
1
descarregou a sanha assassina tlc 1912; o de joão Catarina, no Trapiche d.a B;uTa,
Aliás, encan ta às vezes o excesso de in1aginação de nossos eruditos. que estava vinculado ao canclon1blé ele Mãe Pulquéria do <~antois, na Bahia; o de
Ot1Vc·M! a Alfre do Brandão un1 delicioso estudo sobre A escripta prehistorícct do Pai Adolfo, no Poço; o de M.aria da Cruz, no Frechai ele Clrna; o de Pai Aurélio,
/J/({,\i/ (e11soio de i11te11;retaçrio). cn1 que defende a tese de que as inscrições na Levada; o de l\1anucl Martins, no Gulandin1; o de joão Funf1.1n, 11;1 Levada; o
1·u1ws11·t·s espalhadas por rochedos e lapas do inlcrior e os ornatos geo1né1ricos de Manuel Lolô, no Reginalclo. Non1cs de terreiros velhos, a n\aioria de profundo
dt! f!).\uras c11ign1áticas da cerârnica arqueológica arnazônlca er:11n unia escrípta sabor regional, e ele pais-de-santo e 1nãcs-dc-s;tnto cuidad.osarncnte colhidos por
26
prlntltii•(f , 111na escripta 111aler, eran1a antepassada, a geradorfl de Iodas as n1estre da afric.'lnologia alagoana - Abelardo Duarte .
011/rus e.1·cri/Jtas2... Egastou cerca de 233 p<ígi nas de seu ensaio tentando dccifri- A tese de Alfredo Brandão trai seu conhcci1nen10 rural do negro,
111. lJ1n sacrifício quase de rnonge pelo enigina. Esse típico ensaio de erudição estendendo-o aos e::;cravos e aos descendentes d.e escravos urbanos. Aos negros
d dt•ss('S que carrega1n nos seus postulados iniciais a conclusão que se busca. urbanos, escravos ou descendentes, se deve a criação de centros religiosos
Mni- Alfredo Brandão não foi apenas o sábio encantado pelos enig111as rupestres. rnais ou rnenos estáveis. Esses negros dispunharn de uni tcn1po urbano que
l'ol historiador - e Viçosa de Alagoas é urna 1nonografia clássica nos estudos pern1itia rnelhor e n1ais ínti111a convivência entre as difcrentes etnias africanas
.:::;'t\lttlorkos alagoanos - e sociólogo, como rnoslra111 algu ns de seus ensaios. A e adquiriarn no trabalho nas ckhtdes as condições indispensáv_e is par<'..ª
\.!lc Sl' deve a tese, apresentada ao 1º. Congresso Afro-Brasileiro (Recife, 1934), organização de seus centros religiosos. Ao contrário, o te1npo rura! nao pen_n1t'.a
1mhn: a fr:ígil resistência religiosa dos negros en1 Alagoas à cristianizaçüo i1nposta aos escravos a faixa de lazer necessária a esse tipo de organizaçao e restnngia
pl1 los se nhores de escravos. Nüo tinh arn -segundo ele - víncu los profundos con1 0 contal o de expressão coletiva rcalrnentc criadora das diferentes clnias. Esse
ll ! r~uliçtio religiosa africana, deLxan<lo-se faciln1en1e cristianizar. Esse ensaio aspecto parece que passou despercebido ao erudito Yiçoscnse. Co1no e1n tantos
1JHl>0~a tar11bé1n a teoria bastante original da bondade do senhor de escravos xangôs ~e podia falar da falta de pe rtinência religio~a dos negros ern /\lagoas

94 95
tm11 seus orixás e voduns? i\ ati!ude intelectual <lc Alfredo Brandão deixa claro Rosalvo Ribeiro, que retratou p:ílidas da111as aristocráticas e carrancudos senhores
que ele tentou i1npor seu co nhcci111ento rural do negro escravo ao estudo da patriarcais; acadêin icos. co1110 Lourenço Peixoto; ele raízes populares, con1suas
l'l11ologia religiosa africana da diáspora. No que - parece - não foi feliz. Uni cenas de ruas e figuras ele piedade popular, con10 josé Zun1ha; de cuidado quase
111cstre da etnologia religiosa negro-africana, con10 Arthur R:unos, não perfilou ele lllTI Piero della Francesca pelo trabalho de mi núcia artesanal, co1no Fernandes
css:t opinião. A esse n1cstrc etnólogo deve a cultura alagoana o belo ensaio Lopes; de agressividade pictórica e tc1n:llica, de fundo tah•cz hispânico, con10
:-ohrc a produç:io das nossas rendeiras, lrabal ho que pesqu isou e escreveu c1n Pierre Chalita, que expõe seus Cristos nus e priápicos co1n a 1ne..s1na serenidade de
colaboração con1 sua n1ulhcr Luísa Ra1nos. 111n cravista de capela medieval; de latinistas, con10 o cônego Tobias, cn1purrando
Aliás, Alagoas não é só a terra enfatican1cnte chainada dos 1narecbcf.is insistente, nurna tci111osia.pedagógica de fazer escândalo, para o interior de aln1as
- u111 deles nos deu a República, outro era tido co1no de )erro e tão heróico e infantis declinações e cartas de Cícero; de escritores de exílio voluntário, co1no
c1 llgmático que asson1brou Euclydcs da Cunha, venreu a revolta da an11ada e o fino e elegante Mateus de Albuquerque, e cultos e criadores na sua sobriedade
atncaçcn1 o poder in1perial brilânico ao dizer que o receberia à bala -, nen1 sertaneja, con10 Graciliano l{a111os, 11H1111e11to da n1aior beleza da cultura alagoana;
s6 de índios que go:;1osan1ente devorara1n un1 bispo, de negros fundadores de de estadistas, co1no Tavares Bastos, Sini111bu e o barão de Penedo; ele oradores
l'o/níhlicr.r~ nas rna1as, de sábios, co1110 Ladislau Neto, ortodoxarnente europeu ern retu1nbantcs, corno Guedes de Miranda, alagoa11a1nen te se deixando apaixonar por
S<'ll lraje, en1 sua ciência da natureza, en1sua sis!e111ática arqueológica e en1seu 111na Gí·écia clássica que só existia na sua imaginação; de sociólogos evocadores
1rnhcr de orientali:;ta, nem de políticos de:-;bocados e violentos que nun1 pa:;sado do passado aristocraticanicntc ru nll, co1no Manuel Diegucs Júnior, autor de O
l'('t('11le 111arcara1n u1n re111po hoje denorni11ado1 en1 livro, dcsururu a/1í1ne11tado. bangiiê nas Alagoas. que abriu perspectivas científicas para o estudo de nossa
J\las de rende iras de rniios de fadas que fian1 os sonhos con1 as rnãos e história social; de pesquisadores, co1no Moacir Medeiros de Sant'Ana, que defende
ruja:-; rendas - c:1n1inhos cnigndticos de un1a cultura - rnercceram o estudo papéis veneráveis e velhos docurncntos con1 a fúria e a paixão de un1 cavaleiro
l'arlnhoso de u1n sühio ilustre. U1na dessas rendeiras de 1nãos de fada era n1edieval por sua dan1a, e que escreveu 111na doc111ncntada histó1ia do açíicar
Joaquina Leitão, a Quinquina Cacun(~I do coqueiral verde-n1ar do llurgalhau, no e1n AJagoas; de apaixonados pela filosofia do di reito, con10 Sílvio de Macedo; ele
~1.1ragogi, e que recebeu elogio do poeta Ascenso Ferreira. Sua figura quase de dicionaristas. co1110 o nosso Aurélio Buarque de Holanda; de lingüistas, co1no
UJljo ap:trece faze ndo renda en1 1\tlac1nu1 í111a, de Mário de Andradez7 . É a terra de Mário Marroquitn, coin sua alago<midadc de naturalizado, que con1tl .Lí11g11a
finos la\'radores de sonetos, con10 o foi cn1sua curta vida Sabino Ron1ariz, que do 1\lordeste lançou os fundamentos dos estudos de lingl'ríslica nordestina: de
f'nzi:1 corn dedos quase infantis rendas con1 palavras. Ou de poetas de u1n outro críticos liter:írios, corno Valdenrnr Cavalcanti e Carlos Molilerno; de ensaístas
.... ..u1na11hccer, con10 Jorge de l..i1na, que cantou 1111111 soneto célebre a garupa da vaca e polígrafos, con10 Gilberto Macedo; de poletnistas, con10 Luís Lavcncrc; de
~... co1110 pal11stre e bela e escreveu poe1nas enign1áticos corno Invenção de O~feu, educadores, co1no o padre Tcófanes ele Barros, que inc d.cu 110 velho casarão da
urn canto l~arroco que ao lado do barroco de algurnas de suas igrejas Alagoas deu cúria 1nctropolitana as pri1neiras au las de filosofia cscolfü.;ti<:.a, ou o pad.re l'i nho,
uo Brasil. E a terra de sonetistas, de rendeiras, <le santeiros, de cantadores de co1n sua obra educativa e assistenc.lal; de ensaístas, pintores, pocws populares,
coco, d.e navegadores de rios, de inarujos barcaceiros e pescadores de jangada, eruditos e ainda o zelador pertinaz d.o rico acervo etnográflco, hls161·1co t'. arlístico
de dançadores de fandangos, de tribunos populares, ao lado de sábios de extenso d.esta Casa, 1nédico e cultor da história provi11cial,,losé Lag<.'s Filho. Ho Incansável
co11hcc i1ncnto jurídico, co1no Pontes de tv1iranda; de pintores - cultos, co1110 perseguidor dos enig1nas de nossa alma popul:1r, ro111a11cls111 elo r'•glonal, ,los(>

96 97
Maria de Melo. Eos que l:í fo ra lrabalhara1n seu saber, corno o antropólogo Arthur ~

ltEFERENCIAS
lt:unos, o etnólogo Eslevão Pinto e o geógrafo Tadeu Rocha.
.Na n1úsica, Haeckel Tavares incorporou, de n1ancira criadora, o popu lar J\ revelação foi feita pelo prof. Ernani Mero, e a descoberta cabe a seus alunos.
110 crud.110. ~as ciências sociais, Moacir Paln1cira., doutor pela Sorhonnc, aplica
1n1a snc1olog1a de aprcndizagcn1 francesa ao conheci1nento da nossa população O/11stituto Hislôrico e Geográfico de ,!lagoas (llfGA) publicou três catálogos do
d<: trabalhadores rurais. Na vida nacional, se destaca a cultura política etc urn seu rico acervo: Calrílo.~o Jl11sfrt1do dt1 Coleçâo Perse1 erança (Maceió, I974), com
1

'l'l'()fô11io Vilela. No sertanis1no, cujos funda1nentos fonun Jançauos co1n a ohra introdução e estudos classificatórios do proí. Abelardo Uuarte; Catrílo,~o !lustrado da
C:olcçâo Arqueológica (i\lacei6, 1. 976), cuja introdução e estudos classificatórios se
hu111 ;111itária de Rondon, se destaca a figu ra de Antônio Cotrim Soares, qu e leve
devem ao prof. Napoleão rigueircclo, da U11i11ersídade Federal do Pará e à bolsísta
nove anos de convívio nen1 scn1pre lírico co111 índios, bichos, rios e árvores da docente Maria Helena de Amorim Folha; Cll fálogo da Coleção f;f11ogrc//ict1 J11d(f{<Jllt1,
Amazônia'. Nos ~studos c1:1ssicos, de tradiçlio univcr:;iUria, a helenista Sohinge cujos estudos e introdução vênt assinados por ambos os professores da UFP. Acerca
Ln~cs . No JOrnaltsmo, Pedro Nolasco e Bercelino Maia. da interpretação ele Abelardo Duarte: Sobrevivências do Culto da Serpente (Danh-
Alagoas é o que se an1a e dói. Co1n sum; ddades-1nonu1nentos e sua Gbi) nas Alagoas e Sobre o Panteão Afro-Brasileiro (Divindades Africanas nas A.lagoas,
na Revista do ll lGi\, Vol. XXVI, 1948/49/50, 1\1ilcció, 1952) e o referido Catálogo
lll'(ltdl ct11ra conventual, co1no Penedo. Co1n sua n1en1ória hist:órica, a heróica
lm11stra1/o da Coleçâo PerS(!/1er1111ça.
Jlorlo Calvo. Corn o cordão lírico de praias, enseadas e Jaga111arcs de Porto de
l'l'<lr:1s, ~lc .Japaratinga (que outrora foi Japan11uba), do São Bento, do t\il;tragogi Observe-se o que escrc1·c ,\lfrcdo 13randão, no :::cu ensaio apresentado ao 1º.
((•111 a1111go cha1nada Gan1cla da Barra Grande), a vila da Rarra Grande e dos Congresso Afro- Rrasilciro de l~cc ife, 1934: Co1!f<Jn11e pe11sm•r1 o ilustre historia-dor
t'oqucirais da Peroba. Co1n sua paz colonial pairando sobre as águas niansas da alagoa1m, Or. ilia1111cl 8allb11sr11· J>ereir{( Diés11esj1í11ior. o primeiro J>o11to de
htgou 1\l a11~uaba, con10 a velha Santa 1\'laria Madalena da Alagoa do Sul. Coiilo Alagoas exjJlorado pelos rlescobridoresJbi o porto da Barra (,'rande e o /1ri111eiro
estabefechnenü; colouia!Joi Pc11edo, fi11ulado porjerôny1110 de Aib11q11enp1e, e1n
li 1110dcrna Maceió, cnlr<.: enseadas e lagoas, con1 \'isos para o 1nar, 1narcando
1557. Quase vinte anos depo1'.ç, Chrislôviio t,ins estabelecia as prí111eiras.fa::e11dns
HOlongo do te1npo o ponto 1llais alto de nossa civilização provincial. Coin seus de assucar en1 Porto Cal1•0. E adiante: Nrio seria com o gc11/io ainda selvage111 que
coust•rvadorcs, seus rcbcld<.:s, seus eruditos, seus 1naloqueiros, seus doutores elf.e poderia desenvolver a c11/J11r11 dt1ca1111a. É daro que os e11ge11bos devia111
.
11!.!ll ~ poetas, seus cscntores, seus patriarcas, seus políticos, seus operários, seus
'
ser servidos pelo ele111e11/o negro. E conclui: f'orlm1to, /Jodenws conc/11ir que o
Industriais, seus con1ercia111cs, seus xangozciros, seus cantadores de coco, seus priluciro negro appareceu e111 1\ft1gor1s q11ase com o priJJ1eiro branco. (Os negros
tl1111~adorcs de folguedos, seus estudantes, se\1s n1estres, seus cassacos, seus na história de Alagoas, Bstudos aji·o-brasílciros (7h1balhos apresentados ao Jº
~~}lll!ll.c iros, seus pescadores, sua gente dos cainpos dos canaviais e das cainpinas
111.ll'l!lncjas - Alagoas vive e dói na al1na de cada unL Rebelde, Octavio BrandííO
u"tlt111ou t11na vida de exílio carregando no bolso seixos rolados do torrão alagoano.
, Congresso 11fi·o-/Jrt1siteiro, re1111ido uo Rec[.fc, em 1934). 1°. Vol., Hio de Janeiro,
Aricl, 1935, p. 55. Como se pode observar a premissa é de Manuel Baltlrnsar Pereira
Diégues Júnior; mas a conclusão de Alfredo Brand:io.

Jd 6 tc111po - 163 :tnos depois - , já é vez, já se pode perguntar: o que é, 0 que Ver a obra poética de jorge de Lima, reunida e111 sua~ (){Jras Com/1fe/as, v. l (Rio,
d, !l n 1ll11 r:1alagoana. 1958), e(> romance Cal1111ga (Porto Alc>grc, 1935); Ramos, Artur, O Negro Brasileiro
(Rio, 19:)4); O Folk-lore /llegro 110 Brt1sil (Rio,1935); AY Culturas Negra 1t0 No vo
Jlfundo (Wo, 193 7) ; AAcult11raçlio Negra 110 /3rr1sil (Sáo Pau lo, 1942); ONegro 11r1

98 99
(,'///ili:açiio Brasileira (Hio, 1956); C:\J\'IPINA, Júlio. Subsídio ao jolclora brasileiro
lfniversidatle tk São Paulo. O livro é il tese do autor. E carrega os defeitos e distorções
(1'vu:rlott1s sobre caboclos /1ortug11ese.\~· lendas, contos e canções jJojJulare,\;· ele). 2ª.
dr quase todas as teses unirersitárias.
~·d . ~l:tcc i cí: EDUFAL, 1977. Aprimeira edição é de 1897.

SARTRE, Jean-Paul. Qu 'cst-ce qua la littér(f/11re?. Paris: Gallimard, 1948, p. 13.


Meu 1.'.<>llccilo de Escola de Viçosa se relaciona menos ao falo dos seus Integrantes
Nerc·111 naturais daquela cidade e município e mais à tlliação metodológica. Por
Sobre a ideologia historiográfica alagoana da i111pu1ação criminal dos fatos
l.'X l'tllplo,José 1'vlaria Tenório Rocha, que é de Quehrangulo, se filia por seu método multitudinári;s, ver meu livro 11 Utopia l lr111rula, (Hio de janciro,1983): e o meu
d!.! abordagem do fat o folclórico àquela Escola. Meu conceifo não exdusivamenlc ensaio A Caba11r1ge111. Selvrrgeni 011 a/ deología da i111jJ11taçrío crí11lina!, lida para
hiNIÓt'ico nem cxclusi\"amcntc geográfico, mas cultural. O fato dos principais
os associados d.a Casa de Alagoas, no Rio de Janeiro, a convite dl' Ronaldo Lessa, de
lll !t1gr:111 tcs d:1quela Escola serem de Viçosa criou a pertinência da denomüiação. Zuleide Farias e de Roberto Mendes, no auditório cio Sindicato dos _Jornalistas (20-
l1ol 1H•sse sc111ido que lllc referi também a uma Escola de Maceió. Adiferença entre 1-1980) e publicado no meu livro L\ fJ(j"crellçr1Sel11agem (Rio de .fa11eiro,!98}). E
11111has é de natureza metodológica. Compare-se o estudo ~obre o coco alagoano em ainda no meu livro For111açi.i.o de Alagoas Boreal (Maceió-São Paulo, 2000)
)oH6 Aluísio Vilela e <: tll Abelardo Duarte e ver-se-á a diferença entre :unhas as l~scolas.
Sobre a Guerra dos Cahanos: i\NORADE, Manuel Correia, 11 guerra dos cabanos, 1965.
Hohro o <:11110 dos voduns: NlJNES PEREIRA, M., !l Casa das ;Hinas (Co11tribuiçâo ao Riu de Janeiro: Conquista, 196.5; FHEITAS, Décio. Os (i11erri/beiros do !111perarfor. Rio
11:1•/lftlo t/((s Sohrevi11énl'ias do Culto dos Voduns, do Panteâo Dao111eauo, no E1·tado
de Janefro: GRAAL, 1978.
t/1> 1llr1rm1hr711, lf/'t1.1·il), 2ª.ed, Petrópolis: Editora Vozes, 1979. METRAUX, Alfred, le
Vn!ir/011 llflilie11. Paris: Gct!li1J1t11'f/, 1958. ,.DEREN, 1Vl:iya, J'he Voodoo G'ods. London, ESPÍNDOL\ Thomaz do Bom-Fim. G'co3rt1/>/Ji(I /1/(fgoa11a 011 DescriJ1çâo pl~rsic(f,
li) ~\ , \f(' I' llOla 2.
política e bistól'Íc(( da Pror í11cir1d(/s 11/(lgoas. 2. ed. Maceió: Typographia do Liberal.
1871, p. 333.
ll/\IN , lt 1\. A dcfinition of <:ulture. Socio!ogy a11d social research, v. 27, p. 87-94,
l 1J4l
Em ordem cronológica são os segui1Hes os historiadores alagoanos representantes
da ideologia da imputação criminal antimultitudinária: HUM BRASILEIRO (1844);
KllO l\llEI<, A. 1..; KLUCKllOllN, Clrde. C11//11re: a criticai revicw of concepts and ESP ÍNDOLA (1871); BHAND1\0 (191 4); COSTA (1939) ; i\LTt\VILA (1 978). Em
1fofl11itlo11s. Ntw York, 1952. DIEGOES JÚNIOR (1949), há apenas resíduos dessa ideologia.

MOIH\IHA l.EJ'J'E, Dante. O cnrtíter 11acio11ol brasileiro: história de uma ideologia. Mcner.c:;, José Cczar de, !dea de Pn/J11/açrio da Ctt/Jita11ia de Pernamlnrco, e rf(ls
a. cd. Silo Paulo, 1969. MOTA, Carlos Guilherme. lrYeo!ogía ria c11llura brasileira: suas a 1111~xas, e.1/e11çiio de suas Costas, Rios, e Povoações notáveis. Agric11lllfrc1,
1>01110~ dl' p:1rtida para umn re\'isão história. São Paulo: Perspectiva, 1977. LEITE, nú1nero dos Enge11bos, Contractos, e Ne11di111e11to Reaes, a11g111e11to e/li q11e estes
, ,::~f)llU(u, () (,'nrrí!er Nacional Hr(/síleirrt (Jlistôria de tona ideologia), 2ª. btl. Sr.io tem tido & desde o a11110 de 1774 e111 que tomou posse do (Jo1 1erno das mesmas
Pt11tlti. /'J{JIJ. Esta ain<la permanece a obrn básica sobre o estudo de ideologia da Capitanias o Gol!entador e Cr1pitlio Gc11eral..., i\1111aes da !Jibliotbeca 1Vacional do
Cllllurn. Mola, Carlos Guilherme, Ideologia da C11Lt11n1 Brasileira (Pontos de Rio de fa11eiro, vol. Xl, RIO, 1923.
/Jfll'llrlrt / lrll'rt 11.111a /'l!IJis!io bistôrica), São Paulo, 1977. Sua crítica deve muito a .•
•'
Il1111f(' Mot'(.:ir~1 Leite, e várias de suas conclusões, apesar da agudeza crítica, são ainda Thomaz Espindola declica sua Geogrcrj; bia A/(/gom1a s ignificati~~mente ao,vi::;co~1de
dL1lki1 1tlt':O:. Neste livro se 1101a Ullla vontade de imposição :to grosso da produção
1
de Sinimbu, o líder da facção cios Cabeludos que se opunha polttlcamente ít facçao
~lll!llrnl hrasilcir:l dos pontos de vistas hiper-críticos de um grupo de ideólogos da dos Lisos, liderada por José Tavares Basros.

roo 1() 1
WEBER, Max. IVirlscbajl 1111d .~esellsc:hrrfl: grundriss der vercs1chcndcn sociologic. V.
1. l\ii111-l3crlin: Kjcpcnhcucr & Wilsch, 1964, p. 226

DUMONT, Louis. 1101110 Hicrarchicus: cssai sur lc sysrcmc dcs caslcs. Paris:
Gallirnard, 1966, p. 68.

i\IEl.O, José Maria de. Hnigmas jJo/ntlares. Rio de Janeiro, l 950.

Si\N'l'YVt·:s, P. Jl1t1nuet de/óldore. Librniric Én1ile Nourry, 1936, p. 6.

AVl!· L/\l.U\1\.IAN'I', Robert. l?eíse d11duVord-1Jrasilie11hnjahre1859. Leipzig:


llrodchaus, 1860. Edição c111 porluguê~: Viagem pelo Noite do Brasil 110 ano de
/ H~V. 2 volumes. Tr:idução <k Uma de Castro. Hio de Janeiro: INL, l 96 l. Cita-se a
l'ldiHk de Alagoas 11a página 29/i. da edição brasileira.

SAN'l"1\NA, Moacir Medeiros ele. Co11/riblf.içâo à hístária do açúcar em Alagoas.


Ht•d k , 1970.

NE'l'O, l.:ulislau. Rio de Jan(;'iro, l 885. Estudos sobre a e1•o!uçdo 11w11Jho!ogica dos
lt11·/r/r1,1· 1111s cr1ules sannentosos. i\rchivos do J\luscu Nacional, v. 1, Rio de Ja neiro.
Nora sol>re o estado r/(fs.florestas r: da (/gtil·11/t11ra 110 Brr1zíl. Rio de Janeiro, 1887.

lllt\NOÀO, Alfredo. l i escnjJffl prehislorica do Brasil: ensaio de intcrprcração. Rio de


)llllt'll o, 1887.

Hl!1\ND1\0, Alfredo. Os negros 1111 história de 11/agoas. Rio de Janeiro, 1935.

Cnlrtlogo lluslrado da Colcç~o Pcr!>cvcrança.

. ~~.:-e Vi\J,Cl\N'l'l PROENÇA, M. Roteiro de A1aa1nr1í111a. 2. cd. Rio de Janeiro, 1969.


"

102

'

Dirceu Lindoso (1932) é


alagoano, nascido em
1
For111ato: 155111111 x 2131nn1 Maragogi. Historiador,
'fi1iologia: texto e títu los c;a rn1<lrrc !{kCn B'f
Papel n1iolo: Off-set 75g/n1' etnólogo, poeta,
Papel capa: Cartão Su1Jre1110 250g/n12
•• 'firagcn1: 300 exe1nplares
romancista, ensaísta e
ln1p1·esso e111: janeiro d.e 20 15. tradutor, é formado em
Ciências Jurídicas e
• Sociais. Autor de uma
extensa obra, recebeu, em
Está obra foi impressa na oficina da Editora Q Gráfica
Campus Universitário, BR 101, Km 97,6 2011, o título de Doutor
Tabuleiro do Martins - Fones: (82) 9351.2234
CEP: 57.072-970 - ~4aceió -Alagoas - Brasil Honoris Causada
E-mail: qgrafica@yahoo.com.br w1vw.qgranca.com.br
Universidade

Federal de
Alagoas.

Em Interpretação da Província, Dirceu Lindoso estuda


formas de produção da Cultura, numa perspectiva
histórica. Nesses ensaios, o autor, com extrema
sensibilidade, dentro de um método que inclui
antropologia e história, encaminha o leitor a uma
percepção ampla e extensa do que o autor chama de
Cultura Alagoana. A obra, adotada pelo curso de
História da Universidade Federal de Alagoas, chega,
agora, à sua terceira edição.

. .,
••

9 788571 778870

Você também pode gostar