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Projeto Os Serafins - FRANCISCO P R MESTRE PDF
Projeto Os Serafins - FRANCISCO P R MESTRE PDF
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo refletir a educação musical sob uma abordagem
construtivista, com a utilização da flauta doce, a partir do projeto social “Os Serafins”, da cidade de
Serafina Corrêa – RS. O vínculo afetivo desenvolvido com o trabalho e, a partir dele, as
transformações sociais percebidas no grupo de participantes, estendidas aos seus familiares.
Também apresento a trajetória do projeto desde sua concepção, desenvolvimento, até a gravação de
seu primeiro CD.
,
Palavras-Chave: Educação musical, afeto, flauta doce.
Abstract: This work aims to reflect the musical education under a constructivist approach to the use
of the recorder from the social project Seraphins city Serafina Corrêa - RS. The emotional bond
developed with the job and, from it, the social changes perceived in the group of participants, their
extended family. I also introduce the trajectory of the project since its conception, development,
until the recording of their first CD.
Introdução
A música acompanha a humanidade há milhares de anos e seu acesso e sua
prática trazem benefícios que até hoje são alvo de estudo. Esses benefícios vão
além do simples prazer de escutar uma canção, podendo interferir beneficamente na
saúde física, emocional, cognitiva e à socialização. Hoje a música é um dos bens
mais consumidos no mundo inteiro e faz parte de nosso cotidiano. Está no rádio do
carro a caminho do serviço ou retornando dele, nos celulares, Mp3 (4, 5, etc) que
nossos filhos e alunos escutam o tempo todo, na trilha sonora de novelas e
comerciais, em espetáculos, sejam eles de música, teatro ou dança e muito mais.
A música desperta grande interesse seja em situações de lazer, de trabalho, de
relacionamentos sociais e de pesquisas mesmo aparentemente dissociadas de sua
natureza artística que é o caso do uso em terapias.
Mas a prática do fazer musical não é algo que se adquire da noite para o dia,
mas se constrói através de experiências musicais vividas e exploradas durante toda
a vida, pois se trata de conhecimento.
O Projeto – Os Serafins
2
Projeto social desenvolvido no município de Serafina Corrêa – RS no qual buscamos ensinar um instrumento
musical – a princípio a flauta doce – como forma de amenizar os desconfortos causados pelos riscos sociais aos
quais as crianças e jovens do projeto estão sujeitos.
desenvolvimento cognitivo em sala de aula, uma maior integração na vida pessoal e
no convívio social.
O nome “Os Serafins” surgiu primeiramente da ideia de valorizar o nome do
município de Serafina Corrêa e, ao mesmo tempo, lembrar os anjos Serafins3. O
nome possui dupla interpretação na ideia de “ser afim” com o intuito de mostrar que
as pessoas possuem semelhanças e a música é uma ferramenta essencial para uni-
las.
3
Esses, tidos como os mais sábios, responsáveis e mais próximos de Deus, constando das escrituras
sagradas que seus cantos eram cantos de criação.
e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se
constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na
bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes
da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento”.
(p.2)
o enfoque na forma de ensinar passa a ser tão importante quanto o que deve ser
ensinado. Devido a isso, os pressupostos para a construção do conhecimento
implicam em conhecer as dimensões afetivas e emocionais, a dinâmica das
relações, as formas como se dá a comunicação. Pois, segundo Damásio4 (2000)
apud Araújo (2003):
“[...] entre outras características, emoções são conjuntos complexos de
reações químicas e neurais, determinadas biologicamente e dependentes de
mecanismos cerebrais.[...] as emoções usam o corpo como teatro e afetam o
modo de operação de inúmeros circuitos cerebrais. Podemos entender assim,
que as emoções são estados internos dos organismos, e tem um papel de
regulação bastante flexível no funcionamento corporal e psíquico do ser
humano.” (p.153)
4
Antônio Damásio, sobre as perspectivas que adota em seu livro O mistério da Consciência (2000).
5
Almeida (1999) apud Paula e Mendonça (2006), citando o pensamento de Wallon.
6
Paula e Mendonça citando o pensamento de Vygotsky.
A escola e sua relação com a música
A escola que vemos hoje, com raras exceções, não consegue suprir as
necessidades sociais dos alunos e tampouco dos professores que são atrelados a
currículos e conteúdos que não contemplam os espaços reais ao qual pertencemos
e mantemos nosso círculo de relações. A esse respeito nos fala Souza (2004) que:
Aqui, então, não há mais espaço para aquele educador submetido apenas a
cumprir os conteúdos mínimos, encarcerado pelo currículo, mas ressignificando o
conceito sobre a função do educador que agora passa a integrar a função social
que, segundo Silva ( 2004 ):
“[...] é aqui tomado de uma visão de totalidade, da relação trabalho e
educação, da sua conexão com o todo social, para além da estrita função de
ensino. Não pode haver função docente desvinculada da ação dos homens e
mulheres que atuam nessa profissão. A função docente é vista aqui, portanto,
como exercício profissional, mas também humano. Educação e trabalho,
como atividade produtora da vida”. (SILVA, p.2)
Como seres sociais, também somos seres afetivos e esta dimensão deve
estar implícita no processo ensino aprendizagem. Isto implica a qualidade de
relações que se estabelecem entre os sujeitos envolvidos no processo –
professores, alunos, direção, funcionários e demais colaboradores.
Não se questiona mais que as funções gerais sob as quais se colocam os
fenômenos afetivos acompanham-nos desde a vida intrauterina, até a nossa morte,
manifestando-se como uma fonte geradora de energia e servindo de base sobre a
qual se constrói o conhecimento.
Já, considerar a educação musical como uma:
“comunicação sensorial, simbólica e afetiva, e portanto social, geralmente
desencadeia a convicção de que nossos alunos podem expor, assumir suas
experiências musicais e que nós podemos dialogar sobre elas. De todos os
valores que potencializam o ensino de música nos dias de hoje, esse parece
ser o mais importante” (SOUZA, p.9)
Primeira apresentação
No dia da apresentação, os alunos estavam no local de apresentação, quase
duas horas mais cedo. A cooperativa de costureiras da cidade, criada pela
Secretaria Municipal de Assistência Social, confeccionou camisetas para cada um,
com uma clave de sol bordada nas cores: azul claro para os meninos e rosa para as
meninas.
Montamos a estrutura do palco, a posição das estantes de partitura,
verificamos o espaço e o posicionamento de cada um, agrupamos os alunos em dois
a três por estante, já que não tínhamos uma estante para cada um.
O auditório estava lotado, todos os alunos ou como os chamava – “pequenos
grandes músicos”, estavam ansiosos, escondidos na biblioteca e o mestre de
cerimônias iniciou falando do projeto. Apagaram-se as luzes e fora anunciado a
presença da orquestra com o nome de cada um. Quando entramos perfilados, eu a
frente de mãos dadas com Samanta que tinha dificuldade para caminhar, mesmo
antes de tocar, alguns pais já começaram a chorar.
Entramos e nos posicionamos no palco em duas filas, deixando ao lado direito
de quem olha para o palco, a banda de apoio com a bateria, baixo e violão. As
estantes de partituras já montadas foram distribuídas uniformemente pelo grupo com
as partituras na ordem da apresentação.
O mestre de cerimônias, seguindo um roteiro escrito, anunciava cada música
através de um pequeno texto que a situava dentro do espetáculo e convidava a
plateia a compreender sua história dentro do programa e da história de cada um.
Além do enunciado do apresentador, o público também pôde acompanhar a
sequência de músicas através de um programa impresso e neste constava o nome
de cada aluno.
O texto que antecedia a última música era de agradecimento aos pais,
irmãos, amigos, administração pública, professores e todos que, direta ou
indiretamente, colaboraram para aquele momento existir. Tocamos então a música
Amigos para sempre.
Foi um espetáculo inesquecível para todos ali presentes e uma amostra do
que viria pela frente para os “pequenos Serafins”, conforme apontou o texto de
Deise Cristina Meneguzzi, editora do Jornal Local Gazeta Regional na edição do dia
2 de outubro de 2009:
“[...] intermináveis aplausos e lágrimas nos olhos e o sorriso da plateia foram
o resultado da primeira apresentação da Orquestra de Flautas de Serafina
Corrêa, na noite de quarta-feira (30), no auditório da Escola Leonora M.
Bellenzier. Depois de pouco menos de três meses de aulas e ensaios, os 29
estudantes serafinenses demonstram que talento e dedicação não faltam
para estes jovens músicos, que não apenas tocaram, como também
encantaram os convidados, pais e familiares que acompanharam as treze
canções do repertório. Diferentes ritmos, de diferentes nacionalidades e
épocas foram apresentados, todos porém, com energia e dedicação, com os
jovens atentos nas partituras e nos gestos do regente[...]” (pg.7).
Mais apresentações
No dia 11 de outubro de 2009 participamos do Festival de Folclore de
Serafina Corrêa, que contou com a participação de grupos etno-folclóricos de outras
cidades, fazendo a abertura do evento.
No dia 23 do mesmo mês, também abrimos a Conferência Intermunicipal de
Cultura, recepcionando oito municípios.
Outro momento marcante foi a primeira apresentação fora do município. Esta
foi em uma cidade vizinha, União da Serra, direcionada a alunos e professores das
escolas municipais e estaduais. Ocorreu na igreja matriz pela acústica e por poder
acomodar a todos. O local ficou lotado com aproximadamente trezentas pessoas
que ficaram maravilhadas com o espetáculo. Para nossa surpresa, ao anunciarmos
a última música, todos levantaram, se deram as mãos e cantaram junto com a
orquestra, pois conheciam a letra. Após a apresentação, sentamos nos degraus do
altar e abrimos para um diálogo e as perguntas foram muitas. Perguntas sobre quem
era o mais novo, quantos anos tinha, o mais velho, se era difícil tocar flauta, entre
outras tantas. Logo após, foi-nos oferecido um lanche com muito refrigerante,
cachorro-quente. Lógico que o grupo se lembrou e preparou o lanche do Bernardo,
que é alérgico a lactose e ovos. Na volta, fizeram muita festa, cantando e tocando
durante a viagem.
Imagens 03 e 04 – Gravação do CD
Imagens 05 e 06 – Gravação do CD
Conseguimos da prefeitura o transporte e a alimentação no dia da gravação
que ocorreu na cidade de Guaporé – RS.
Durante a gravação, os alunos pareciam profissionais, pois não reclamavam
do cansaço, de repetir, repetir, repetir, esperar, escutar, corrigir e ficar em silêncio
quando outro grupo estivesse gravando. Na hora do almoço, eram somente sorrisos
e, igualmente, um comportamento impecável.
Na volta para casa, nossa avaliação rotineira. Estavam maravilhados e loucos
para contar em casa e na escola, como era um estúdio de gravação onde os
“artistas” gravam CDs.
Para o dia do lançamento do CD, convidamos os patrocinadores e familiares.
Cada patrocinador foi homenageado com uma música em um espetáculo permeado
de som e luz e “conduzido por anjos” que brilhavam naturalmente. Após o
espetáculo, todos foram convidados para um coquetel com sessão de autógrafos, os
CDs foram distribuídos gratuitamente.
Imagem 09 – Encarte do CD
Imagem 10 – Estampa do CD