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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural – LAMEMO – UFPA


Discente: Laura Caroline de Carvalho da Costa

Resenha do livro “Observando o Islã”, de Clifford Geertz

Sobre o autor
Clifford James Geertz (1926-2006), PhD em Antropologia e graduado em
Filosofia e Ingês, foi reconhecido não apenas em sua área, como também na
psicologia, história e teoria literária, sendo fundador da Antropologia
Hermenêutica (também chamada de Simbólica ou Interpretativa) nos anos 50.
Suas principais pesquisas concentraram-se em sociedades complexas,
principalmente na Indonésia e no Marrocos (recorte espacial de que trata esta
obra), examinando a organização social, economia, religião e vida política, para
oferecer uma visão integrada dos processos sociais.

Sobre a obra
“Observando o Islã” é um livro que reúne 4 artigos posteriormente
acrescentados à obra mais conhecida de Geertz, “A Interpretação das Culturas”.
Geertz deixa-se levar pela descrição densa de sua experiência na Indonésia e
Marrocos, destacando desde o princípio que o papel do antropólogo não se limita
à enumeração das coisas que observa, mas “à expressão de sua experiência de
pesquisa, ou, mais precisamente, do que a experiência de pesquisa fez a ele”
(p. 12).
Através de um esquema aplicado ao estudo comparado do Islã em duas
civilizações distintas, resultado de sua pesquisa de campo no território indonésio
e marroquino nas décadas de 50 e 60, no primeiro capítulo apresenta o tema e
a forma de abordagem escolhida (destacando os métodos e conceitos de seus
pares que aceita ou rejeita), a ser aprofundada nos capítulos seguintes e
sintetizada no artigo final, uma discussão sobre a separação entre a crença
religiosa e a realidade percebidas nos dois países, que não obstante ocorre em
outras culturas – “o que eles enfrentam nós também enfrentamos” (p. 35). De
forma geral, aplica sua interpretação da religião como fenômeno psicológico,
cultural e social.
No capítulo “dois países, duas culturas”, afirma que o objetivo do estudo
da religião consiste em determinar – e não apenas descrever – como ideias, atos
e instituições estimulam ou inibem a fé religiosa, destacando elementos
simbólicos como imagens e metáforas usadas por fiéis para caracterizar a
realidade. Contextualizando historicamente o desenvolvimento do islã nos dois
países, o autor identifica que, embora a força motriz da metamorfose social
sentida nos dois países seja atribuída ao impacto ocidental, foram as mudanças
internas (economia, educação e organização política, por exemplo) as principais
responsáveis pelas mudanças religiosas.
No segundo capítulo, Geertz caracteriza a natureza dos estilos religiosos
clássicos no Marrocos e na Indonésia, que evoluíram a partir de outros estilos,
relacionando os principais temas conceituais e os veículos culturais de sua
expressão para analisar o tipo de ordem social em que essas ideias parecem
inegáveis. Apresenta duas histórias de personagens que encarnaram o processo
de islamização marroquina e indonésia: o príncipe javanês Sunan Kalidjaga e o
berbere Sidi Lahsen Lyusi. Cada um dos países analisados desenvolveu uma
concepção islâmica de vida: na marroquina, o islamismo é marcado pela
ousadia, fervor, moralismo e ativismo, a exemplo da história de Lyusi que se
rebelou contra os maus-tratos de um sultão local e provou sua devoção
discipular lavando as vestes de seu mestre enfermo; já na indonésia, a paciência
e a introspecção são características que remetem à disciplina e autodidatismo
de Kalidjaga ao esperar por seu mestre durante 40 anos, tornando-se
muçulmano sem nunca ter lido o Alcorão.
O capítulo “O interlúdio dos seguidores das Escrituras” expõe a relação
entre as alterações na vida coletiva e as mudanças nos estilos religiosos
clássicos através de três desenvolvimentos: a experiência colonial (no Marrocos,
com a França e a Espanha; na Indonésia, com a Holanda), a influência do Islã
escolástico e a construção do Estado-Nação. No período colonial, a religião
ocupa um papel importante, não como afirmação circunstancial, mas como
questão política que se opunha ao colonizador. Quanto aos estilos religiosos
clássicos, temos o iluminacionismo no Marrocos, cuja tradição nos estudos
islâmicos aliada à cultura árabe permitiu a proteção das escrituras neste país; já
o marabutismo indonésio não possuía um conhecimento aprofundado do
Alcorão, embora o movimento do santrismo referente às escrituras estivesse
mais direcionado para o radicalismo, rejeitando a colonização holandesa, a
herança hindu e o sincretismo camponês. O desenvolvimento nacionalista
promovido pela independência do Marrocos consolidou a imagem do sultão
Mohamed V como resistência ao colonialismo, reunindo a autoridade política e
religiosa na figura monárquica; na Indonésia, Sukarno, na figura de primeiro
presidente eleito após a independência, recupera a tradição hindu para, através
de seus ritos e celebrações, reafirmar o país enquanto nação.
“A luta pelo real” atesta a necessidade do estudo das religiões
comparadas em virtude de seus símbolos representarem a expressão do homem
no mundo e sua relação com o místico e o sagrado. Para Geertz, a arte, história,
filosofia e ciência, em conjunto com a religião, devem ser vistas contra as noções
de senso comum, visto que as aprofundam e superam. Entretanto, reconhece a
perda da capacidade de alguns símbolos religiosos de comunicar os conceitos
aos quais estavam inicialmente conectados, atribuindo a secularização do
pensamento religioso como causa. Vale destacar o comentário de Geertz sobre
a impossibilidade de executar simultaneamente ações como a devocional e a
análise desta, pois a primeira implica um envolvimento completo em determinada
experiência (neste caso, a religiosa). Associando aos estudos de Freud sobre a
experiência onírica, a devoção funcionaria como uma espécie de sonho, no qual
não se consegue explicar durante sua ocorrência, e após, só é possível uma
lembrança fragmentada e distorcida, para a qual buscamos conferir sentido
através dessa memória.
Pelo exposto, o autor deixa evidente através da ascensão do islamismo
em território marroquino e indonésio que a interpretação (e não descrição)
dessas transformações culturais como papel do antropólogo visa compreender
e traduzir como o outro interpreta a si mesmo e ao mundo, num contexto de
contínua transformação e cujos aspectos formadores, seja religião, ciência,
cultura ou política, não atuam isolados.

Referência:
GEERTZ, Clifford. Observando o Islã: o desenvolvimento religioso no
Marrocos e na Indonésia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

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