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Óptica de cristais 269

Óptica de
cristais 14
14.1 Propagação de luz em meios anisotrópicos
A aplicação de um campo elétrico em meios isotrópicos induz
uma polarização que é paralela ao campo aplicado e proporcional à
suscetibilidade χ, que é um escalar. Porém, quando o meio é anisotrópico,
como na maioria dos cristais, a polarização não está necessariamente
paralela ao campo aplicado, sendo sua direção e magnitude dependentes
da direção de aplicação do campo. Nesses casos a suscetibilidade é um
tensor e a polarização é dada por:
r t r
P = ε 0χ : E (14.1)
Escrevendo esta expressão na forma matricial temos:

Px  χ11 χ12 χ13  E x 


 P  = ε ⋅ χ χ 22 χ 23  ⋅ E y  (14.2)
 y 0
 21   
 Pz  χ31 χ 32 χ 33   E z 
t
onde, tradicionalmente, 1, 2 e 3 correspondem a x, y e z. O tensor χ
possui em geral nove termos, porém é possível se fazer uma rotação
conveniente do sistema de coordenadas tal que os elementos fora da
diagonal sejam nulos. Estes eixos são conhecidos como os eixos
dielétricos principais. Nesse novo sistema de eixos, as componentes da
polarização são:
Px = ε o χ11 E x
Py = ε o χ 22 E y (14.3)
Pz = ε o χ 33 E z

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A permissividade do meio se relaciona com a suscetibilidade na


forma:
t t
ε = (1 + χ ) ε 0 (14.4)
t
onde ε , conhecido como tensor dielétrico, também possui em geral nove
elementos, mas que também tem o número de componentes independentes
reduzidas para três mediante o uso dos eixos dielétricos principais. Como
t
o índice de refração do meio depende de ε , ele também varia com a
direção de propagação e com a polarização da luz incidente, sendo seus
elementos definidos como:
ε ij
n ij2 = (14.5)
ε0
A expressão para a densidade de energia elétrica para um meio
anisotrópico, homogêneo, não absorvedor e não magnético é dada por:
1r r 1 ε
Ue = E ⋅ D = ∑ E i ε ijE j = 0 ∑ n ij2 E i E j (14.6)
2 2 ij 2 ij
r
onde D é o vetor deslocamento elétrico, que se relaciona com a
polarização e o campo elétrico da forma:
r r r t r
D = ε0 E + P = ε : E (14.7)

14.2 Elipsóide de índices


Usando os eixos dielétricos principais, podemos escrever:
n j = ∑ n i δij (14.8)
i

que quando substituído na eq. (14.6) resulta em:


2Ue
= (n 2x E 2x + n 2y E 2y + n 2z E 2z ) (14.9)
ε0
Usando a eq. (14.7) na (14.9) obtemos:

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2
D 2x D y D 2z
2ε 0 U e = 2 + 2 + 2 (14.10)
nx ny nz
Tomando uma superfície onde Ue é constante e associando um
r r r
vetor posição r = D / 2ε 0 U e a cada ponto descrito pelo vetor D , podemos
re-escrever a eq. (14.10) como:

x 2 y2 z2
+ + =1 (14.11)
n 2x n 2y n 2z
Esta é a equação do elipsóide mostrado na Fig. 14.1, que tem como eixos
principais os índices de refração do material nas direções dos eixos
dielétricos principais. Esse elipsóide é conhecido como elipsóide de
índices ou indicatriz óptica. O conhecimento dos índices de refração, nx,
ny e nz, é importante porque determina como uma onda eletromagnética se
propaga no meio.
z
nz

y
ny
x nx

Fig. 14.1 - Elipsóide de índices ou indicatriz óptica de um cristal anisotrópico.

Em cristais isotrópicos, os índices de refração nos três eixos


principais são iguais e o elipsóide se reduz a uma esfera. Já para cristais
anisotrópicos, existem duas possibilidades: nx = ny ≠ nz e nx ≠ ny ≠ nz. No
primeiro caso, a seção transversal no plano xy é um circulo e os cristais

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que têm esse comportamento são chamados uniaxiais. No segundo caso, a


seção transversal no plano xy é uma elipse e os cristais desse grupo são
chamados de biaxiais.
Os cristais anisotrópicos podem ainda ser classificados pelos
valores relativos entre os índices de refração nos eixos principais. Quando
num cristal uniaxial o valor de nz > nx,y o cristal é dito positivo e negativo
quando nz < nx,y. Quando num cristal biaxial, ny é mais próximo de nx o
cristal é positivo e se for mais próximo de nz é negativo. Aqui estamos
usando convenção mais aceita que é: nx < ny < nz.
Quando uma onda eletromagnética se propaga num cristal
anisotrópico, seu campo elétrico pode ser decomposto em duas
componentes, uma no plano xy (raio ordinário) e outra perpendicular a
esta e à direção de propagação da onda (raio extraordinário), tendo assim
velocidades de propagação diferentes, o que causa uma diferença de fase
entre as componentes. Contudo, existem direções onde todas as ondas
com o mesmo comprimento de onda, se propagam com a mesma
velocidade, independente da polarização. Essas direções são chamadas de
eixos ópticos e a seção transversal a esses eixos é um círculo. Em cristais
uniaxiais existe um único eixo óptico que coincide com o eixo z. Em
cristais biaxiais existem dois eixos ópticos que se localizam no plano xz.
Definindo como 2V o menor ângulo entre os eixos ópticos, a bissetriz
desse ângulo coincide com o eixo z quando o cristal é positivo, e com o
eixo x quando é negativo. Na Fig. 14.2 são representadas as indicatrizes
para cristais biaxiais positivos e negativos.

14.3 Propagação de uma onda plana num meio


anisotrópico
Vamos tratar agora o problema de uma onda plana propagando-se
num meio anisotrópico. Neste caso, devido à anisotropia do meio, a
velocidade da luz depende tanto da polarização da onda quanto da direção
da sua propagação. Portanto, dada uma direção de propagação no meio,
existem duas soluções bem definidas de polarização e velocidade da fase
da onda. Considerando o meio sem cargas livres, ρ = 0 , e sem correntes,
r
J = 0 , os campos elétrico e magnético são descritos por:

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z z
e.o. e.o.

Seção Circular
Seção Circular

y y e.o.
Seção Circular

2V
x x
Seção Circular

e.o.

2V
Biaxial Positivo Biaxial Negativo

Fig. 14.2 – Indicatriz biaxial para cristais positivos e negativos.


r r rr
E = E 0e − i (k⋅r −ωt )
r r rr (14.12)
H = H 0e −i (k⋅r −ωt )
onde:
r
E 0 = E x î + E y ĵ + E z k̂
r (14.13)
H 0 = H x î + H y ĵ + H z k̂
sendo:
r ω
k = nŝ = nk 0ŝ (14.14)
c
onde n é o índice de refração efetivo, correspondente à uma dada
polarização real do campo elétrico. Das equações de Maxwell temos as
relações:
r
r r ∂B
∇×E = − (14.15a)
∂t

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r
r r ∂D
∇×H = − (14.15b)
∂t
Usando as expressões dos campos dadas pelas eqs. (14.12) em (14.15)
obtemos:
r r r
k × E = ωµH (14.16a)
r r t r
k × H = −ω ε : E (14.16b)
onde µ = µ0 é um escalar em meios não magnéticos, como é o caso que
r
estamos tratando aqui. Fazendo o produto vetorial da eq. (14.16a) por k e
r
eliminando H temos:
r r r t r
k × k × E + ω2 µε : E = 0 (14.17)
t
e usando o tensor n 2 , definido pela eq. (14.5), juntamente com a eq.
(14.14), encontramos:
r t r
n 2 (ŝ × ŝ × E ) + n 2 : E = 0 (14.18)
r r r v r r r r r
Usando a identidade vetorial: A × (B × C ) = B(A ⋅ C ) − C(A ⋅ B) , obtemos:
r r r r r
ŝ × ŝ × E = (ŝ ⋅ E ) ŝ − (ŝ ⋅ ŝ ) E = − E + (ŝ ⋅ E ) ŝ (14.19)
r r t r
Assim, a eq. (14.18) fica na forma: n 2 [(ŝ ⋅ E ) ŝ − E ] + n 2 : E = 0 , ou
explicitamente para a componente i:
  
n 2  ∑ s jE j  s i − E i  + ∑ n ij2 E j = 0 (14.20)
 j   j

Escrevendo esta equação num sistema de eixos dielétricos principais, onde


a eq. (14.8) é válida, temos:

∑ [n
j
2
ij + n 2 (s is j − δij )]E j = 0 (14.21)

Esta equação pode ser considerada como uma equação de auto-valores.


Sua solução leva aos valores de n2 e às componentes Ej para cada direção

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de propagação ŝ . O sistema formado por esta equação tem três equações


homogêneas, que só tem solução não trivial se o seu determinante for
igual a zero, ou seja:
n 2xx + n 2 (s 2x − 1) n 2s x s y n 2s x s z
n 2s y s x n 2yy + n 2 (s 2y − 1) n 2s y s z =0 (14.22)
n 2s zs x 2
n s zs y n zz + n (s z − 1)
2 2 2

Desse determinante resulta uma equação biquadrada, cujas raízes


fornecem quatro valores para n. Só iremos considerar as raízes positivas,
uma vez que n é positivo por definição. Se usarmos como sistema de
t
referência os eixos dielétricos principais, que diagonalizam o tensor n 2 , a
equação biquadrada terá uma forma mais simples. Usando novamente a
eq. (14.8), temos:
An 4 + Bn 2 + C = 0 (14.23)
onde:
A = n 2x s 2x + n 2ys 2y + n 2zs 2z (14.24a)

B = (1 − s 2x ) n 2y n 2z + (1 − s 2y ) n 2x n 2z + (1 − s 2z ) n 2x n 2y (14.24b)

C = n 2x n 2y n 2z (14.24c)

Resolvendo a eq. (14.23) encontramos os dois valores possíveis para n.


Para se obter as componentes do campo elétrico, referentes a cada valor
de n, basta substitui-lo na eq. (14.21).

14.4 Superfície normal


Usando as eqs. (14.14) e (14.19) podemos escrever a eq. (14.17)
na seguinte forma:

 ωµε x − k 2y − k 2z kxky kxkz  E x 


  
 k yk x ωµε y − k − k 2
x
2
z k yk z  E y  = 0
 k zk x kzky 2 2 
ωµε z − k x − k y  E z 

(14.25)

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Para que esse sistema tenha solução não trivial, seu determinante tem que
ser igual a zero. Assim:
ωµε x − k 2y − k 2z kxky k xkz
k yk x ωµε y − k 2x − k 2z k yk z =0
k zk x k zk y ωµεz − k x − k y
2 2

(14.26)
A equação acima pode ser representada por uma superfície
tridimensional no espaço dos k’s, conhecida como superfície normal que é
composta de duas camadas que se sobrepõem em dois pontos, nos cristais
uniaxiais, ou quatro pontos, nos cristais biaxiais. As retas que ligam dois
pontos, diametralmente opostos, coincidem com os eixos ópticos do
cristal. Para cada direção de propagação existem dois valores para k que
são soluções da eq. (14.26), uma para o raio ordinário e outra para o
extraordinário, sendo que nas direções dos eixos ópticos, as duas soluções
coincidem. Estes valores são dados pela interseção da direção de
propagação com a superfície. A visualização da superfície normal é um
pouco difícil, por esse motivo é mais comum usar suas curvas de nível.
Vamos verificar alguns casos particulares dessas curvas de nível.
a) Plano kxky
Neste caso, temos uma onda propagando numa direção paralela ao
plano kxky, logo, kz = 0. Assim a eq. (14.26) é simplificada, ficando na
forma:
(ωµεz − k 2x − k 2y )([ ωµε x − k 2y )(ωµε y − k 2x ) − k 2x k 2y ] = 0 (14.27)

Para que esta equação seja satisfeita, um dos termos, ou ambos, deve ser
igual a zero. Fazendo o primeiro termo nulo, temos:
2
 ω
k + k = ω µε z =  n z 
2
x
2
y
2
(14.28)
 c
Esta é a equação de uma circunferência de raio igual a nz ω/c no plano xy.
Fazendo agora o segundo termo da eq. (14.27) nulo, temos:

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2 2
k 2x ky k 2x ky
+ = + =1 (14.29)
ω µε y ω µε x (n y ω c ) (n x ω c )2
2 2 2

Esta é a equação de uma elipse com os eixos principais dados pelos


denominadores da eq. (14.29). Na Fig. 14.3 temos a representação gráfica
das eqs. (14.28) e (14.29).
ky

nx ω/c

ny ω/c kx
nz ω/c

Fig. 14.3 - Curva de nível da superfície normal no plano kz = 0. O índice de


refração para os raios ordinários e extraordinário são determinados
pela interseção da direção de propagação e as duas curvas, a
circunferência (raio ordinário) e a elipse (raio extraordinário).

b) Plano kxkz
Repetindo o procedimento anterior para o plano ky = 0, a eq.
(14.26) fica na forma:

(ωµε y − k 2x − k 2z )([ ωµεx − k 2z )(ωµεz − k 2x ) − k 2x k 2z ] = 0 (14.30)


Igualando os dois termos a zero encontramos equações análogas às eqs.
(14.28) e (14.29), que são:
2
 ω
k + k = ny 
2
x
2
z (14.31)
 c

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k 2x k 2z
+ =1 (14.32)
(n z ω c)2 (n x ω c)2
que são as equações de uma circunferência e de uma elipse. Na Fig. 14.4
apresentamos a representação gráfica das eqs. (14.31) e (14.32). O plano
kxky é conhecido como plano óptico por conter os eixos ópticos do cristal.

kz
ny ω/c
e.o. e.o.
nx ω/c
kx

nz ω/c

Fig. 14.4 - Curva de nível da superfície normal no plano ky = 0, que contém os


eixos ópticos.

c) Plano kykz
Novamente repetimos o procedimento anterior para o plano kx = 0.
Assim, a eq. (14.26) fica na forma:
(ωµεx − k 2y − k 2z )([ ωµεy − k 2z )(ωµεz − k 2y ) − k 2y k 2z ] = 0 (14.33)

Fazendo os dois termos nulos, temos:


2
 ω
k + k = nx 
2
y
2
z (14.34)
 c

k 2y k 2z
+ =1 (14.35)
(n z ω c)2 (n y ω c)2

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que são as equações de uma circunferência de raio igual nxω/c e de uma


elipse com eixos principais iguais aos denominadores da eq. (14.35). Na
Fig. 14.5 são representadas graficamente as eqs. (14.34) e (14.35).

ky
nz ω/c

nx ω/c

kz

ny ω/c

Fig. 14.5 - Representação gráfica das curvas de nível no plano kx = 0.


Podemos re-escrever a eq. (14.26) da curva normal usando a
r
relação entre k e o índice de refração da onda propagando na direção k ,
dada pela eq. (14.14). Assim,
k xc k c kc
nx = , ny = y , nz = z (14.34)
ω ω ω
Usando essas relações nas equações das curvas de nível da superfície
normal, temos as curvas de nível em termos dos índices de refração, que
são mostradas na Fig. 14.6. As distâncias entre a origem e as curvas são
iguais aos índices de refração das duas polarizações que propagam numa
dada direção.

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Plano kxky Plano kxkz Plano kykz


ny nz ny
e.o ny e.o nz

nx nx
nx

n
nz nz
ny
n
nz

Fig. 14.6 - Curvas de nível da superfície normal do índice de refração. As


interseção da direção de propagação com as curvas indicam os
índices de refração das duas polarizações da onda que propaga no
cristal.
Bibliografia
14.1. A. Yariv and P. Yeh, Optical Waves in Crystals, John Wiley & Sons
Inc., New York, 1984.
14.2. R. K. Wangsness, Electromagnetic Fields, John Wiley & Sons Inc.,
New York, 1986.
14.3. E. E. Wahlstrom, Cristalografia Óptica, Ao Livro Técnico,1969.

Problemas
14.1. Partindo da definição do vetor de Poynting obtenha a eq. (12.6).

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