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Clóvis Roberto Zimmermann, Marina da Cruz Silva

O PRINCÍPIO DA DESMERCANTILIZAÇÃO NAS


POLÍTICAS SOCIAIS

Clóvis Roberto Zimmermann*


Marina da Cruz Silva**

O presente artigo objetiva tecer discussões sobre um princípio inovador, denominado de


desmercantilização, formulado recentemente por Esping-Andersen (1990, 1999, 2002) e in-
corporado ao estudo das políticas sociais. A principal proposição do autor, através deste termo
desmercantilização, consiste em avaliar o grau de autonomia e independência dos indivíduos
em relação ao mercado. As conclusões essenciais advindas da análise em tela evidenciam uma
contribuição singular e inovadora, ao enfatizar a importância dos arranjos institucionais das
políticas sociais, considerando não somente os direitos e garantias, mas, sobretudo, o entrelaça-
mento do Estado com o mercado e a família na provisão de políticas sociais.
PALAVRAS-CHAVE: desmercantilização, políticas sociais, proteção social, Estados de Bem-Estar
Social.

INTRODUÇÃO tamente relacionadas à semântica do termo políti-


cas sociais, as quais compreendem a ação do Esta-
Estudos metanalíticos, no âmbito da litera- do na cobertura de riscos da vida individual e co-
tura contemporânea, revelam que um número sig- letiva (Arretche, 1995), ou políticas que dizem res-
nificativo de pesquisadores das políticas sociais peito à ação do Estado na promoção do bem-estar
comunga um pressuposto básico e fundamental: nas dos cidadãos (Marshall, 1976).
sociedades modernas, não há motivos contunden- Várias pesquisas empíricas confirmam, ape-
tes para questionar a existência e a necessidade das sar da proliferação da ideologia do fim do Estado

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políticas sociais públicas. Isso se deve ao fato de o de Bem-Estar1 em esfera nacional e internacional,
provimento de serviços sociais como um direito de que quanto mais desenvolvido, industrializado e
cidadania ter se tornado um dos maiores fenôme- com maior renda é um país, maiores são os inves-
nos do século XX. Karl Polanyi chamou esse pro- timentos em políticas sociais. Estudos de Opielka
cesso de “a grande transformação”. Na análise do (2004), Ullrich (2005) Schmidt; Ostheim; Siegel;
sociólogo Ferndinad Tönnies, esse desenvolvimento Zohlnhöfer (2007) e Bangura (2007) demonstram
acarretou a passagem da “comunidade” que os países desenvolvidos investem mais de 20%
(Gemeinschaft) à “sociedade” (Gesellschaft). As do Produto Interno Bruto em políticas de proteção
mudanças ocasionadas nesse processo estão dire- social. Por conseguinte, esses países possuem os
maiores índices de proteção econômica (seguro-
* Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg, desemprego), amplos programas de transferência
Alemanha. Professor adjunto de Ciências Políticas da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). de renda, bem como os menores índices de pobre-
Centro de Artes, Humanidades e Letras. Centro. Cep: 44300- za. Vale ressaltar que, na maioria dos países euro-
000 - Cachoeira, BA - Brasil. clovis.zimmermann@gmail.com
** Doutoranda em Psicogerontologia pela Universidade de peus, os programas de transferência de renda não
Erlangen-Nürnberg na Alemanha. Professora assistente
do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB). marinacruz@hotmail.com 1
Demo (2002) e Giddens (1996).

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O PRINCÍPIO DA DESMERCANTILIZAÇÃO NAS POLÍTICAS SOCIAIS

exigem dos indivíduos o cumprimento de oportunidades, ocasionadas a partir e após a in-


contrapartidas ou condicionalidades2 para que trodução das políticas sociais.
possam permanecer nos programas, como é o caso Seguindo a linha de Marx e Polany, Esping-
da América Latina. Ao contrário, esses países ado- Andersen (1990) inovou ao formular uma concepção
tam um único critério de permanência: a disponi- mais ampla e “generosa” de se analisar as políticas
bilidade em aceitar um emprego mediado pelo Es- sociais, isto é, concebê-las e estudá-las à luz das possi-
tado (Fonseca, 2001, p.145). bilidades de desmercantilização (decommodification)5
A questão central que perpassa a maioria das relações sociais. Em outros termos, isso implica
dos estudos sobre políticas sociais atuais consiste analisar as políticas sociais tendo como referência o
em analisar os efeitos positivos das políticas soci- grau de autonomia e independência que essas políti-
ais no que tange à melhoria das condições materi- cas conseguem garantir aos indivíduos e (ou) famíli-
ais, cobertura de riscos, qualidade de vida e bem- as de sobreviverem para além das relações do merca-
estar da população.3 Em virtude disso, não tem se do. Conforme esse autor, uma definição mínima da
constituído objeto central do debate teórico con- concepção de desmercantilização deve incorporar a
temporâneo o questionamento em torno da neces- possibilidade de cada cidadão em decidir e (ou) op-
sidade de existência ou não das políticas sociais, tar livremente por não trabalhar quando assim con-
mas “como”4 elas devem ser formuladas e quais siderar ou julgar necessário,6 podendo e tendo como
devem ser seus objetivos primordiais. Atentos a sobreviver dignamente para além da participação no
esse aspecto, Gero Lenhartd e Claus Offe (2006) mercado (Esping-Andersen, 1990, p.23). Outrossim,
criticam os estudos que se debruçam apenas em desmercantilização refere-se ao grau em que indiví-
medir a eficácia das políticas sociais. Para esses duos podem manter um nível de vida tolerável, in-
estudiosos, tal mecanismo de análise representa dependentemente da obrigação de participarem no
um equívoco tecnocrático, haja vista que restringe mercado de trabalho. As políticas sociais devem,
a análise das políticas sociais exclusivamente aos portanto, ser concebidas pelos Estados de Bem-Es-
métodos considerados mais adequados, mais cor- tar, que regulam a oferta e a demanda de trabalho.
retos e mais “eficientes”, deixando de lado a di- Para Merrien (2002), esses Estados podem ser clas-
mensão política e de conflitos, inerentes às políti- sificados em fortes, médios ou fracos quanto à pos-
cas sociais. Portanto, segundo esses autores, não sibilidade de oferecerem legalmente aos indivíduos
são os resultados numéricos das políticas, os oportunidade de saírem mais ou menos fortes em
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“policy outputs”, que produzem impactos, mas as relação ao mercado.7 Em virtude disso, Draibe e
mudanças nas relações sociais, especialmente no Riesco (2006) qualificam a concepção de
que tange ao poder de coerção, ameaças legais e desmercantilização como uma característica inova-
politicamente sancionadas, bem como as oportu- dora do direito social de cidadania.
nidades de realização de interesses. Esses aspec- Esping-Andersen (1990) salienta que a luta
tos, sim, determinariam o grau de justiça social pela desmercantilização sempre foi a principal prio-
das políticas sociais. Destarte, uma pesquisa soci- 5
Alguns autores e traduções de Esping-Andersen utili-
ológica na área da política social teria de adotar zam o termo desmercadorização. Contudo, como o ter-
mo “Dekommodifizierung” vem diretamente de Karl Marx,
como objetivo central o de desvendar os mecanis- optamos por utilizar o termo desmercantilização, por ser
mos e condições concretas de geração de novas o que mais se aproxima do sentido da tradução de Marx
no Brasil.
6
2 Ao ter condições de recusar trabalhos degradantes (tra-
O Programa Bolsa Família exige contrapartidas e balho escravo, trabalhos mal pagos), o indivíduo não
condicionalidades das famílias beneficiárias, tais como a seria punido por isso, uma vez que tem assegurado um
frequência escolar e à saúde. padrão de sobrevivência, que compreende: estar livre da
3
Vide recente estudo de Weissheimer (2006) sobre o Pro- fome e possuir uma moradia adequada etc.
grama Bolsa Família. 7
Esping-Andersen (1990) classifica os Estados de Bem-
4
Não se trata de estudar a funcionalidade das políticas Estar em três regimes: liberal, conservador e social-de-
sociais, mas, sobretudo, os arranjos institucionais esta- mocrata. Para maiores informações sobre modelos de
belecidos na relação entre Estado e sociedade. Estados de Bem-Estar , vide Faria (1998).

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ridade do movimento dos trabalhadores em nível O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO NO


mundial. Quanto mais mercantilizadas as relações, CAPITALISMO
maior seria a dependência de sobrevivência dos
trabalhadores em relação ao mercado. Isso dificul- Esping-Andersen (1990) afirma que a
taria enormemente o processo de mobilização dos mercantilização é um fenômeno típico da sociedade
trabalhadores com vistas a ações solidárias.8 Ade- capitalista. Na Idade Média, a sociedade era pouco
mais, a desmercantilização fortaleceria a organiza- mercantilizada, e a capacidade de sobrevivência de
ção e a luta dos trabalhadores e enfraqueceria o um indivíduo não era decidida através do contrato
poder e a autoridade dos patrões, sobretudo da- de trabalho, mas através do apoio da família, igreja
queles mais autoritários. Isso explica, em parte, a ou senhor feudal. Isso não significa dizer que não
oposição de muitos empresários em relação à in- havia qualquer forma de mercantilização naquela
trodução, concepção e implementação de políticas época. Contudo a grande maioria das pessoas não
sociais com um viés desmercantilizador. era dependente única e exclusivamente dos salári-
Portanto, a desmercantilização pode ser com- os, mas possuía diversas formas de subsistência.
preendida como uma pré-condição para que os tra- Com o advento do capitalismo, as formas pré-
balhadores tenham um nível tolerável de bem-estar e mercantilizadas de proteção social foram destruídas,
segurança social. Sem desmercantilização, os traba- e as possibilidades de os trabalhadores sobrevive-
lhadores teriam maiores dificuldades em agir coleti- rem fora das relações de mercado foram colocadas
vamente. No quadro atual das políticas sociais brasi- em xeque. Essas relações tornaram-se o centro das
leiras, a discussão sobre a desmercantilização é rela- atenções dos estudos de Karl Marx, sobretudo a trans-
tivamente nova, sendo necessário um maior formação de produtores independentes em assalari-
aprofundamento acerca dessa forma singular de con- ados sem propriedades. Para Marx, a mercantilização
ceber e analisar as políticas sociais. Constitui, pois, da força de trabalho implica a obrigatoriedade da venda
um dos objetivos deste artigo realizar breves aponta- da força de trabalho (mercantilização), causando a
mentos sobre a concepção de desmercantilização nas alienação (Entfremdung) e a consequente liberdade
políticas sociais, tendo como referência os estudos atrás dos muros da prisão.
de Esping-Andersen9 (1990, 1999, 2002). Vale ressaltar que, na concepção de Esping-
8
A abordagem de Esping-Andersen difere completamente Andersen (1990), os trabalhadores não deveriam ser
de muitos paradigmas das políticas sociais em voga no tratados como simples mercadorias, uma vez que

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Brasil, que defendem a tese de que as políticas sociais ser-
vem quase que exclusivante aos interesses de acumulação não têm como ser “retirados do mercado”, com o
e legitimação dos capitalistas. Pedro Demo (2002) é um dos
defensores da tese de que as políticas sociais figurariam intuito de aumentar os preços da sua força de traba-
como defensoras dos interesses dos capitalistas e causari-
am apatia política aos pobres. Para esse autor, as políticas lho, haja vista que não conseguem simplesmente se
sociais teriam como consequência a diminuição dos pro- ausentar por muito tempo do mercado, sobretudo
testos por parte dos pobres, pois eles se acomodariam às
suas péssimas condições de vida, capitulariam, deixando quando não possuem outras formas de sobrevivên-
de lutar por uma transformação no sistema. A consequência
disso seria o reforço e uma maior legitimação do próprio cia. Tratados como mercadorias, os trabalhadores
sistema capitalista, uma forma de melhor dominar e explo-
rar os trabalhadores. Ao invés de causar conflitos, as polí- estão expostos a poderes que vão além de suas pró-
ticas sociais vinculadas a Programas de Transferência de prias forças, como ocorre em caso de doenças, even-
Renda causariam a pacificação dos conflitos e a harmonia
entre as classes sociais, mantendo-se, com isso, a ordem tos macroeconômicos10 e ciclos econômicos.
social vigente. Além disso, não nasceria uma cidadania
ativa, protagonista, mas cidadãos passivos, subalternos, Na opinião de Esping-Andersen (1990), a
apolíticos, mergulhados na pobreza política (Demo, 2002).
Diferentemente dessa análise, Esping-Andersen, concebe mercantilização tornou-se uma questão central nas
as políticas sociais como uma pré-condição para a emanci- discussões da moderna filosofia e teoria social, de
pação de trabalhadores, desempregados e outras categorias
exploradas pelo capital. tal modo que os liberais clássicos do laissez-faire
9
Gosta Esping-Andersen é sociólogo dinamarquês e pro-
fessor da Universidade Pompeu Fabra (Barcelona). O li- se opuseram a qualquer alternativa para além do
vro de maior importância de Esping-Andersen chama-
se “The three worlds of welfare capitalism“ (“Os três
10
mundos do capitalismo de bem-estar“) 1990. Crises econômicas, desemprego etc.

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mercado, uma vez que qualquer intervenção esta- tência fora do trabalho. Apesar disso, a forma
tal implicaria sacrificar o equilíbrio entre oferta e mercantilizada estava menos presente, haja vista
demanda. Nesse sentido, tanto os liberais clássi- que a grande maioria das pessoas não estava com-
cos como muitos neoliberais contemporâneos de- pletamente dependente da renda proveniente do
fendem a hipótese de que um mínimo de proteção salário para garantir a sobrevivência.
social não erradicaria a pobreza. Ao contrário, con- Naquela época, os domicílios permaneciam
tribuiria para sua perpetuação e institucionalização. frequentemente autossuficientes, assumindo a ser-
Isso posto, é notório que as correntes teóri- vidão feudal certo grau de reciprocidade e ajuda
cas de cunho liberal e socialista divergem quanto à paternalista. O produtor urbano, geralmente, era
categoria de análise desmercantilização das políti- sócio compulsório de alguma corporação de ofí-
cas sociais. Nesse contexto, é mister lembrar que, cio, e os mais destituídos de qualquer ajuda ainda
na história das políticas sociais, os principais con- podiam contar com o apoio da igreja. Assim, dife-
flitos ocorreram entre o grau de imunidade do rentemente da lógica mercantil do capitalismo, a
mercado, sobretudo na força, nos limites e na qua- maioria das pessoas podia contar com a ajuda de
lidade dos direitos sociais. Todavia, o puro status organizações comunais e familiares para manter ou
de mercadoria dos trabalhadores nunca existiu ter garantida a subsistência. Em comparação com
completamente na realidade. Variadas formas de a ajuda aos pobres do laissez-faire, a assistência
proteção pré-capitalistas sempre existiram e novos pré-capitalista era muito mais generosa e benigna
mecanismos de proteção social emergiram e hão (cf. Esping-Andersen, 1990, p.38).
de emergir. Para Esping-Andersen, a principal di- A característica central da ideologia conser-
vergência nas concepções de políticas sociais ocorre vadora está centrada no pressuposto de que a
entre os conservadores, liberais e socialistas. A gê- mercantilização é moralmente degradante,
nese e a interpretação da desmercantilização, na favorecedora e pulverizadora da corrupção social.
perspectiva dessas correntes teóricas, são de gran- Para os conservadores, os indivíduos não devem
de relevo para se compreenderem as estratégias e ser motivados a competir ou lutar, mas necessitam
concepções adotadas nas políticas sociais, confor- subordinar o próprio interesse ao poder das auto-
me será verificado a seguir. ridades e das instituições. As instituições feudais
se opõem, portanto, à mercantilização, uma vez
que não consideram o mercado como central. Além
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OS CONSERVADORES E A PRÉ- disso, o trabalho assalariado ainda não havia sido


MERCANTILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS institucionalizado nos termos atuais.11

Esping-Andersen (1990) argumenta que não 11


Um exemplo desse tipo de relação é citado por Esping-
se pode confundir a sociedade pré-capitalista com Andersen (1990, p.38-39) com base num fato real. Uma
empresa típica do ramo têxtil dos Estados Unidos se
a ausência de formas mercantilistas. A agricultura instalou no Haiti por volta de 1970. Após a montagem
feudal produzia mais-valia, e as cidades medie- da fábrica, foram escolhidos os melhores trabalhadores
do país. Depois de alguns meses, a fábrica foi fechada. A
vais estavam fortemente comprometidas na pro- principal razão era que aquela fábrica americana não con-
seguiu lidar com os arranjos de bem-estar feudais do
dução e troca de mercadorias. A economia senho- Haiti, que determinavam que, quando a casa da mãe de
um trabalhador é completamente queimada, o chefe da
rial ou absolutista cobrava uma tributação que, por empresa tem a obrigação de resolver isso. Da mesma
sua vez, exigia a venda de mercadorias. Além dis- forma, quando uma criança precisava de atenção médica
ou um irmão se casava, novamente era a obrigação do
so, os produtores pré-capitalistas, camponeses, chefe ajudar. Obviamente, os americanos calcularam er-
roneamente, impondo o salário de mercado como o real
diaristas e os servos, não dispunham de muita salário, pois, quando os trabalhadores são genuinamen-
te mercantilizados, como nos EUA, o gerente não ocupa
independência e autonomia em relação ao desem- a função de protetor e pai. Contudo, Esping-Andersen
penho do trabalho, isto é, os indivíduos não podi- reconhece que formas parternalistas não existem so-
mente em sociedades feudais, mas também em socieda-
am fazer muitas reivindicações quanto à subsis- des modernas, como Alemanha, USA, França, Japão etc.

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É válido ressaltar que as corporações de ofí- OS LIBERAIS E A DEFESA DA


cio constituem a segunda variante pré-capitalista MERCANTILIZAÇÃO
de arranjos desmercantilizados. Elas emergiram nas
cidades, entre os artesãos, como um meio de mo- Conforme Esping-Andersen (1990), os de-
nopolizar a entrada de membros, preços e produ- fensores do laissez-faire foram os responsáveis pela
ção. As corporações de ofício e associações frater- “santificação” da mercantilização. Os liberais ar-
nais integravam o pagamento e o recebimento de gumentam, em primeiro lugar, que a garantia de
proteção social, cuidando de sócios inválidos, vi- um mínimo social causaria pobreza e desemprego
úvas e órfãos. Quando as corporações de ofício e não a erradicação da miséria. Essa ideologia en-
foram abolidas, elas foram, em sua grande maio- controu apoio nas recentes teorias acerca do
ria, transformadas em sociedades mútuas. Na Ale- neoliberalismo. Para os liberais, a proteção social
manha, as sociedades mútuas e as subsequentes causa corrupção moral, desperdício, ociosidade e
leis de seguro social do imperador Bismarck esta- incentivo aos vícios, como o consumo de bebidas
vam dotadas do velho espírito feudal, arraigadas alcoólicas.
na proposta de membrezia compulsória e no prin- A hipótese central do liberalismo pressu-
cípio da administração própria. põe que o mercado é emancipador, o melhor meio
Sem sombra de dúvidas, proposições con- possível para independência e industrialização. Se
servadoras são referências básicas para a compre- não houver interferência, o mercado, através do
ensão das origens históricas da política social mo- seu caráter autorregulador, assegurará empregos a
derna. Em quase todos os países, seja na Suécia, na todos aqueles que tiverem vontade de trabalhar,
Inglaterra, ou no continente europeu como um todo, tornando todos capazes de garantir seu próprio
a tradição conservadora foi que forjou os primeiros sustento e proteção social. Os problemas sociais
ataques sistemáticos à mercantilização do trabalho. não ocorreriam por falhas no sistema, mas como
Primeiramente, porque as forças conservadoras te- consequência da falta de motivação e de poupança
miam que a marcha avançada do liberalismo, da individual.
democracia e do capitalismo destruísse as institui- Segundo Polanyi (2000), o modelo liberal
ções em que fundamentavam seus poderes e privi- puro de uma “boa sociedade” contém várias debi-
légios. A mercantilização do trabalho acabaria com lidades, as quais são óbvias e bastante conheci-
os sistemas feudais e absolutistas de controle sobre das. Os liberais ortodoxos partem da premissa de

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os trabalhadores. Em segundo lugar, o status de pré- que todos os indivíduos seriam capazes de parti-
mercantilização era um modelo presente no emer- cipar no mercado, o que é uma tese inconsistente,
gente laissez-faire, e as corporações de ofício foram já que nem todos, os idosos e pessoas com defici-
transformadas em sociedades mútuas. Com isso, a ências, possuem condições de participar desse
empresa capitalista passou a oferecer uma série de processo e dependem, por conseguinte, da ajuda
benefícios sociais para além do contrato de traba- da família. Por outro lado, a ajuda dispensada aos
lho. Nesse sentido, pode-se observar que as políti- familiares pode vir a compelir a própria capacida-
cas sociais conservadoras ofereceram as bases para de de a família prover o sustento dos seus e conse-
o chamado moderno Estado de Bem-Estar, inicial- guir algum trabalho no mercado. Poupar para even-
mente relacionado às leis de seguro social de tualidades futuras também não seria uma saída
membrezia compulsória e de administração própria, viável, especialmente quando os salários são mui-
típicas do modelo Bismarckiano (Esping-Andersen, to baixos. Ademais, quase nenhum indivíduo
1990, p.41). pode se salvaguardar de uma crise econômica pro-
longada. Em todos esses casos, os liberais
dogmáticos são forçados a buscar apoio nas insti-
tuições pré-capitalistas de assistência social, como

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é o caso da família, da igreja e da comunidade. Ao ticas de assistência em detrimento do trabalho.


proceder desse modo, os liberais se contradizem, Um sistema de proteção social orientado pela
porque essas instituições não participam das re- lógica da comprovação da pobreza visa a assegu-
gras do livre jogo das relações de mercado. rar que os benefícios sociais sejam reservados
Diante do exposto, o liberalismo passa a apenas para os denominados incapacitados14 de
reconhecer a necessidade de um mínimo de inter- participar do mercado.
venção social, uma vez que a população morreria b) Em segundo lugar, o liberalismo nunca contes-
sem a existência de serviços de saneamento públi- tou a caridade ou a lógica do seguro, de tal modo
co. Por isso, segundo Esping-Andersen (1990), as que a caridade deve basear-se na lógica do
forças das circunstâncias levaram o liberalismo a voluntariado e os seguros em arranjos
aceitar a inevitabilidade de políticas sociais. Os contratuais. Nesses casos, os direitos e os bene-
britânicos descobriram que um império teria difi- fícios sociais têm de refletir a lógica das contri-
culdades em se manter sem um exército de solda- buições individuais. Para Esping-Andersen
dos saudáveis e bem educados. Da mesma forma, (1990), os liberais concordavam com a existên-
o desempenho de um trabalhador indigente e des- cia do sindicalismo, pois ele era perfeitamente
tituído de proteção social tende a ser bem inferior capaz de estender a ideia do seguro individual
ao de um trabalhador em condições sociais favorá- através da barganha coletiva de benefícios soci-
veis. Isso provavelmente explica a razão pela qual ais. Isso teria contribuído para fortalecer as polí-
os países mais ricos investem um alto contingente ticas sociais orientadas pelo princípio
de recursos em proteção social, possuindo um dos meritocrático, baseado na lógica dos seguros.
melhores desempenhos na área social e econômi- Desse modo, pode-se afirmar que o libera-
ca, conforme salienta Manow (2007). lismo tem uma clara preferência pelo seguro priva-
Como vimos acima, o liberalismo foi obri- do, organizado através do mercado. O seguro soci-
gado, por força das circunstâncias, a aceitar a in- al, assim como o seguro individual familiar, paga
tervenção do Estado nas políticas sociais. A ques- benefícios aos empregados, valorizando o desem-
tão central é verificar, então, como a política social penho através do trabalho e das contribuições. O
foi elaborada no contexto do liberalismo e quais as objetivo da lógica do seguro é fortalecer o incenti-
respostas dos liberais ao dilema da mercantilização. vo ao trabalho e à produtividade, ao invés da as-
Quanto a esse aspecto, Esping-Andersen (1990, sistência não contributiva. Em suma, a lógica libe-
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p.42-43) indica duas repostas possíveis: ral acentua o status mercantilizado da força de tra-
a) Em primeiro lugar, introduziu-se o princípio da balho, cuja proteção deve limitar-se basicamente
“menor elegibilidade”12, elemento característico das às contribuições e ao desempenho individual.
antigas “leis dos pobres”, cuja assistência é pres-
tada via testes de meios, ou seja, comprovação da
pobreza.13 Evita-se, com isso, a extensão de direi- OS SOCIALISTAS E A LUTA PELA
tos sociais incondicionais, pois os Estados po- DESMERCANTILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES
dem avaliar as condições socioeconômicas, im- SOCIAIS
pedindo que os trabalhadores escolham as polí-
12
O critério de menor elegibilidade pode ser exemplificado Conforme Esping-Andersen (1990), tanto a
no Brasil através do BPC (Benefício de Prestação Conti-
nuada), cujo critério de renda é ¼ do salário mínimo, teoria como a ideologia e a estratégia política do
isto é, o menor índice de avaliação de salários e rendas do socialismo teriam emergido em resposta ao pro-
IBGE. Os recentes programas assistencias introduzidos
no governo Lula obedecem aos mesmos princípios libe- blema da mercantilização do trabalho. Para os so-
rais, isto é, a menor ou baixa elegibilidade como critério
acesso aos benefícios sociais. cialistas, a mercantilização do trabalho constituiu-
13
No contexto latino-americano, políticas sociais
14
neoliberais estão sujeitas a comprovação de indigência No Brasil, Potyara Pereira (1998) analisa a LOAS (Lei
(cf. Laurell 1997). Orgânica de Assistência Social) sob essa perspectiva.

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se em elemento integral do processo de alienação e de apoio mútuo. Uma das maiores debilidades das
de formação de classes sociais. A mercantilização propostas de políticas sociais desses movimentos
do trabalho é a condição sob a qual os trabalhado- eram os modestos benefícios concedidos e seu li-
res têm de abandonar o controle sobre seu traba- mitado alcance, que excluíam os membros mais
lho em troca de salários. Figura ainda como condi- vulneráveis do proletariado, isto é, justamente os
ção sob a qual a dependência do mercado é afir- mais desorganizados, o lumpenproletariado, os
mada, além de ser razão fundamental para a reali- quais representavam a maior ameaça à unidade dos
zação de controle dos patrões sobre os trabalhado- trabalhadores. Eram exatamente esses trabalhado-
res. Ademais, a mercantilização seria a causa prin- res que precisavam ser fortalecidos. No entanto,
cipal da divisão de classe, representando um gran- as sociedades de auxílio-mútuo, microssocialistas,
de obstáculo à unidade coletiva dos trabalhado- tiveram dificuldade em incorporá-los. Isso ocasio-
res. Nessa lógica, está intrínseca a competição en- nou o debate em torno do apoio dos trabalhadores
tre os trabalhadores, de modo que quanto maior organizados à extensão dos direitos sociais ao
for a competição, menor tendem a ser os salários. lumpenproletariado no Estado burguês.
Por isso, seria natural o desejo de os trabalhadores Ressalte-se que a extensão de direitos soci-
realizarem a desmercantilização, que se tornou o ais constituiu-se, antes da Primeira Guerra Mun-
princípio guia das políticas sociais no cerne dos dial, num dos dilemas dos socialistas europeus.
movimentos dos trabalhadores. Para Esping- Para Heimann (1980),15 a política social sempre teve
Andersen (1990), tanto os trabalhadores quanto um caráter dual: pode muito bem ser um meio
os movimentos operários dependem da diminui- para sustentar e legitimar o sistema capitalista e,
ção da dependência da escravização individual, ao mesmo tempo, configurar como um corpo es-
causada pela mercantilização, oriunda da venda trangeiro, um perigo, podando o poder e a
da força de trabalho. hegemonia do capital. Os revolucionários, por sua
Nas teorias socialistas de Karl Marx e vez, acreditam que as raízes da revolução estariam
Friedrich Engels, especialmente no capítulo final nas crises e colapsos do capitalismo; os reformis-
do “Manifesto do Partido Comunista”, esses auto- tas, por outro lado, perceberam que a miséria hu-
res propagam uma série de melhorias sociais, as mana, oriunda das crises, apenas debilitaria o pro-
quais aumentariam o poder de pressão dos traba- jeto socialista. Consequentemente, um aumento gra-
lhadores e fortaleceriam a posição deles perante o dual da extensão e da qualidade de direitos soci-

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mercado. Seguindo a mesma lógica, Karl Kautsky ais foi visto pelos socialistas como a pré-condição
e Rosa Luxemburg lutaram por melhores salários. para a ampliação das lutas e não somente como
Para Esping-Andersen (1990, p.44), tanto revolu- usufruto de seu sucesso. Na análise de Esping-
cionários quanto reformistas concordam com a Andersen (1990), por causa dessa reordenação
imprescindibilidade de se lutar pelo direito a uma estratégica após os anos de 1960, os socialistas te-
renda aquém do trabalho assalariado. O que divi- riam abraçado o Estado de Bem-Estar como foco
diu os reformistas e a ala revolucionária do socia- de um projeto social a longo prazo.
lismo teria sido, principalmente, a questão da es- Todavia, conforme salienta Esping-
tratégia para alcançar tal fim, ou seja, a garantia de Andersen (1990), os socialistas nem sempre tive-
uma renda para além do mercado. ram uma concepção política voltada para a defesa
É mister frisar que as políticas sociais, de- da desmercantilização, especialmente no período
fendidas pelos socialistas, pautadas no princípio anterior à Segunda Guerra Mundial. Naquele perí-
da desmercantilização, tiveram inicialmente um odo, defendiam a tese de que as melhorias sociais
parentesco com a tradição corporativa e conserva- deveriam ter como princípio norteador o grau de
dora. Isso ocorreu na época em que os trabalhado- 15
Heimann foi um dos teóricos que realizou um trabalho
res constituíram sindicatos restritos e sociedades pioneiro entre os contemporâneos de sua época.

351
O PRINCÍPIO DA DESMERCANTILIZAÇÃO NAS POLÍTICAS SOCIAIS

carência. Arraigados nessa concepção, os socialis- Em suma, o que qualifica o conteúdo da


tas operavam nos moldes amplamente liberais, desmercantilização no paradigma socialista é a
utilizando-se dos testes de meios (comprovação da emancipação da dependência exclusiva do merca-
pobreza). Ademais, as políticas sociais adotavam do e da família.16 A questão central do projeto so-
como principais critérios para aferimento de bene- cialista perpassa não somente pela simples exis-
fícios sociais as condições de vida dos pobres (po- tência de direitos sociais, mas ressalta, sobretudo,
breza absoluta), ao invés de utilizarem os padrões a qualidade e a arquitetura desses direitos. Ou seja,
de vida médios de uma sociedade. Desse modo, os direitos sociais devem prover benefícios para
os socialistas viam a proteção social como uma além da superação da pobreza absoluta, garantin-
forma de “ajudar” os indivíduos que fossem, de do aos pobres benefícios que lhes assegurem pa-
fato, pobres e carentes. drões de vida similares aos da classe média de
Destaque-se que, até a Segunda Guerra Mun- uma nação. Ao contrário do modelo conservador,
dial, os socialistas eram fortes defensores do tra- a dependência da família, a moralidade e a autori-
balho assalariado e dos trabalhadores assalariados, dade não são vistas como um substituto da de-
especialmente do proletariado industrial. Isso sig- pendência do mercado. Em contraposição ao libe-
nificou a defesa exclusiva de determinadas classes ralismo, o paradigma socialista objetiva maximizar
sociais. Nesse cenário, o que caracterizava os soci- e institucionalizar os direitos sociais, independen-
alistas da época era a adoção do princípio da defe- temente da inserção ou não do indivíduo no mer-
sa dos direitos sociais básicos, mínimos, cujos cado de trabalho. Em síntese, os socialistas defen-
benefícios deveriam ser modestos e destinados dem uma marginalização do mercado.
apenas à “classe trabalhadora”. Contudo, quando
os socialistas se mobilizaram na defesa de um pú-
blico mais amplo, ou seja, “classe popular”, hou- DESMERCANTILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES
ve uma ampliação dos direitos universais. Já nos SOCIAIS NO MUNDO REAL
anos de 1950 até 1960, os partidos socialistas am-
pliaram o grau de cobertura dos programas soci- Para compreender o modelo de desmercan-
ais, porém com benefícios em quantidade e quali- tilização das políticas sociais, Esping-Andersen
dade modesta, utilizando, na grande maioria dos elaborou um conjunto de variáveis, cujas caracte-
casos, rígidos critérios de elegibilidade. A meta dos rísticas vão além da simples análise dos gastos ou
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 345-358, Maio/Ago. 2009

socialistas era o combate à pobreza, ao invés de se investimentos sociais, acrescentando-se a essa ava-
lutar pela emancipação dos trabalhadores no que liação as regras, os padrões e a qualidade dos pro-
concerne à dependência em relação ao mercado. gramas sociais ofertados. As principais dimensões
Após 1970, os socialistas se mobilizaram na defe- utilizadas pelo referido teórico foram sintetizadas
sa da emancipação dos trabalhadores no que a seguir (cf. Esping-Andersen, 1990, p.47).
concerne à dependência em relação ao mercado, 1. Um conjunto de dimensões ocupa-se com as
havendo uma ampliação dos direitos para todas regras de acesso dos indivíduos aos benefícios.
as camadas sociais. Nesse veio, Esping-Andersen De grande relevo são os critérios de elegibilidade
(1990, p.46) argumenta que as políticas sociais de e restrições ou facilidade quanto ao acesso dos
caráter emancipador deveriam incluir duas ques- benefícios ou direitos. Um programa garante um
tões centrais, elencadas a seguir: grau elevado de desmercantilização, se o acesso
a) a extensão dos direitos além do terreno estreito
da carência absoluta; 16
Essa proposta ficou conhecida como desfamiliarização,
que expressa o grau de independência dos indivíduos
b) o aumento dos benefícios sociais, visando a se em relação à família, ou seja, o grau em que o Estado
alcançarem os padrões de vida e de renda de oferece aos domicílios e famílias apoio para que nenhum
membro da família seja mais onerado do que o outro
uma nação. nos afazeres domésticos.

352
Clóvis Roberto Zimmermann, Marina da Cruz Silva

ao programa for fácil17 e se o direito a um nível ACESSO A BENEFÍCIOS SOCIAIS E PRINCI-


de vida adequado estiver garantido, independen- PAIS DETERMINANTES DA
temente de o indivíduo ter trabalhado, ter tido DESMERCANTILIZAÇÃO
carteira assinada, ou ter contribuído financeira-
mente para a previdência social. Além disso, é Os direitos sociais trazem, em seu cerne, a
avaliado o tempo de permanência das pessoas prerrogativa da incondicionalidade, ou seja, de-
nos programas. Se os direitos sociais tiverem um vem ser garantidos pelo simples fato de um cida-
tempo de permanência muito curto, a capacida- dão pertencer a um determinado território. Entre-
de de desmercantilização dessa política social tanto, no mundo real, os direitos sociais quase
diminui bastante. nunca são totalmente incondicionais. Para se ter
2. Um segundo conjunto de dimensões dedica-se acesso a benefícios, os indivíduos têm de se en-
à questão da substituição da renda (especialmente contrar, pelo menos, em determinadas condições,
em relação ao seguro-desemprego). Faz-se uma quais sejam: doença, velhice, e (ou) desemprego.
avaliação do nível de benefícios, isto é, se eles Além da mera presença de um problema, determi-
são substancialmente menores do que os salári- nados critérios são exigidos, dependendo dos
os normais, ou do padrão de vida considerado modelos de proteção social adotados por um país.
adequado e aceitável em determinada socieda- Esping-Andersen (1990, p.48) distingue três siste-
de. Quanto menor o nível dos benefícios, maio- mas de proteção social, cada qual expressando um
res são as necessidades de um retorno imediato impacto diferente em relação à desmercantilização
ao mercado de trabalho. das relações sociais, conforme descrito a seguir.
3. Em terceiro lugar, o conjunto de benefícios ou a) Liberal – Um regime, historicamente predomi-
direitos garantidos faz a diferença. Quase todos nante nos países Anglo-Saxões, que concebe os
os países capitalistas reconhecem vários direi- direitos sociais através da comprovação de po-
tos sociais de proteção contra riscos sociais bási- breza e da condição de indigência. Esse tipo de
cos: desemprego, incapacidade, doença e velhi- sistema social está ancorado na antiga “Lei dos
ce. Um modelo de proteção altamente avançado pobres”, já que a provisão de benefícios sociais
existe quando a renda é garantida sem qualquer depende da aplicação de testes de meios (com-
condicionalidade. provação da pobreza), os quais apresentam graus
Note-se que os critérios utilizados para variados de rigidez. Esse sistema não estende

CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 345-358, Maio/Ago. 2009


mensurar a desmercantilização, no mundo real, plenamente os direitos de cidadania. O que con-
incorporam a facilidade do acesso aos benefícios ta, no modelo liberal, é caráter restritivo dos tes-
sociais. Quanto maiores e mais rígidos forem os tes de meios e a moderação dos benefícios. Os
critérios de elegibilidade, maiores serão os empe- benefícios são modestos, pois se objetiva não
cilhos e dificuldades no acesso aos mecanismos causar falta de incentivos ao trabalho, valorizan-
de proteção social. Ademais, a qualidade dos be- do-se, consequentemente, a ética do trabalho. As-
nefícios em relação ao padrão médio de um país sim, quanto mais restritivos os testes de com-
faz a diferença. Quanto mais distantes do padrão provação da pobreza, menor o grau de
nacional, menor será o grau de desmercantilização. desmercantilização. Os países protótipos desse
Por conseguinte, o grau de desmercantilização de regime são os Estados Unidos da América, In-
um sistema de proteção será maior quando não glaterra e Austrália.
existirem critérios de seleção rígidos e excludentes. b) Conservador – Esse sistema de proteção social
17
Gorz (2005) argumenta que, na fase atual do capitalis- estende benefícios com base no desempenho do
mo, o acesso aos bens materiais e imateriais tornou-se o
principal aspecto em disputa. Ou seja, a principal ques- trabalho. Essa variante tem suas raízes na tradi-
tão está relacionada às limitações estabelecidas ção do seguro social, que foi desenvolvida pri-
institucionalmente às capacidades do poder em limitar
sua difusão e de regulamentar o acesso. meiramente na Alemanha e, posteriormente, se

353
O PRINCÍPIO DA DESMERCANTILIZAÇÃO NAS POLÍTICAS SOCIAIS

alastrou pelo continente europeu. Os direitos Esping-Andersen (1990) quanto ao grau de


sociais são concebidos de forma condicional, desmercantilização no mundo real. No decorrer de
mesclando trabalho-mercado com contribuições sua análise, o autor adota os critérios de facilidade
financeiras. Normalmente, o acesso a benefícios quanto ao acesso aos benefícios sociais como prin-
obedece à lógica do cálculo, ou seja, à concepção cipal aspecto para aferir o grau de desmercantilização.
de que o indivíduo tem um benefício pessoal A maior rigidez na acessibilidade das políticas so-
em virtude de cumprir um contrato. O grau de ciais implica, portanto, maior controle social e
oportunidades oferecidas nesse sistema em rela- maiores empecilhos na garantia dos direitos soci-
ção à desmercantilização depende, em grande ais. O Quadro I demonstra que os países do regime
medida, das exigências da base de cálculo. Em social-democrata (socialistas) garantem um grau
outros termos, calcula-se o tempo durante o qual maior de desmercantilização, ou seja, maior auto-
um indivíduo tem de trabalhar para ter acesso nomia e liberdade em relação às forças do mercado.
aos benefícios. Quanto maior o tempo de traba-
lho para garantir o acesso a benefícios, menor o Quadro 1 - Ra nking dos países segundo o grau de
desmercantilização das políticas sociais
grau de desmercantilização. Os países protóti- Grau de
PAÍS desmercantilização
pos desse regime são Alemanha, França e Itália.
Regime Social-Democrata
c) Social-democrata ou socialista – O terceiro siste-
Suécia 39,1
ma de acesso a benefícios originou-se do princí-
Noruega 38,3
pio universal de direitos de cidadania, concebi- Dinamarca 38,1
do com base no relatório de Beveridge (1942). O Holanda 32,4
aspecto inovador nesse tipo de sistema refere-se Bélgica 32,4
ao fato de o acesso aos direitos sociais não de- Áustria 31,1
pender da comprovação da pobreza ou do de- Regime Conservador
sempenho no trabalho. A elegibilidade resulta Suíça 29,8
Finlândia 29,2
apenas do fato de ser cidadão ou residir num
Alemanha 27,7
determinado país. Os programas sociais são
França 27,5
construídos pelo princípio de distribuição de Japão 27,1
benefícios, cujos valores são unitários e Itália 24,1
independem de contribuição anterior. Em virtu- Regime Liberal
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 345-358, Maio/Ago. 2009

de disso, esse regime de proteção social possui Grã-Bretanha 23,4


um grande potencial de desmercantilização, ali- Irlanda 23,3
Canadá 22,0
ás o maior grau em relação aos anteriores. O sis-
Nova Zelândia 17,1
tema de proteção social universal é mais forte
EUA 13,8
nos países escandinavos, um princípio há mui- Austrália 13,0
to tempo existente na tradição socialista de polí- Fonte: Esping-Andersen, 1990. p.52
tica social. Os países protótipos desse tipo de
regime são Suécia, Noruega e Dinamarca. O Quadro I confirma que os países do regime
Por conseguinte, é possível notar que o grau liberal propiciam menor grau de desmercantilização,
de desmercantilização das políticas sociais está in- ou seja, menos autonomia e liberdade em relação
timamente ligado ao modelo de proteção social em às forças do mercado. A característica principal
voga. A configuração desses modelos depende quase das políticas sociais liberais é justamente reforçar
exclusivamente de variáveis políticas, tais como o a dependência dos indivíduos em relação ao mer-
grau de organização da classe trabalhadora em cado. Por outro lado, os socialistas objetivam ga-
sindicados, partidos e movimentos sociais. O qua- rantir maior independência e autonomia perante
dro a seguir apresenta os resultados dos estudos de aos mecanismos de mercado. Enfim, os liberais

354
Clóvis Roberto Zimmermann, Marina da Cruz Silva

defendem maior provisão de benefícios e serviços em que nenhum desses três pilares consegue pro-
pela via mercado, enquanto que os socialistas pro- teger os cidadãos contra os riscos sociais e econô-
curam garantir maior independência e autonomia micos, têm-se casos de déficit e deficiência na es-
através da garantia de benefícios e serviços pela fera da proteção social. Diante disso, Esping-
via Estado, conforme destacaremos a seguir. Andersen (2002) enfatiza a importância de conce-
ber e implementar políticas sociais numa perspec-
tiva universal, sem rígidos critérios de elegibilida-
A DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES ENTRE de, a fim de que todos os cidadãos, independente-
ESTADO, MERCADO E FAMÍLIA mente de suas condições ou classe social, tenham
um padrão digno de sobrevivência. O Quadro 2
Os três sistemas de proteção social descri- apresenta, de forma resumida, as principais dife-
tos anteriormente concebem diferentemente as res- renças entre os três modelos de políticas sociais.
ponsabilidades da proteção social, cujos pilares Ele ilustra que os liberais defendem a pro-
condizem com a divisão de responsabilidades en- visão de benefícios e serviços sociais através de
tre mercado, família e Estado. Numa perspectiva mecanismos de mercado, enquanto os socialistas
liberal de proteção social, o mercado é tido como o procuram garantir maior independência e autono-
principal recurso de provisão, visto que a maioria mia através da garantia de benefícios e serviços
dos cidadãos deveria obter uma renda que possi- através da intervenção do Estado. Além do papel
bilitasse o sustento através da venda da força de do Estado, há objetivos e valores diferenciados.
trabalho. Na concepção conservadora, o Estado, Enquanto os liberais têm como propósito garantir
por sua vez, deve entrar em cena apenas quando a a capacidade individual de inserção no mercado,
família e o mercado falham, ou seja, quando os mesmo que isso implique uma maior desigualda-
indivíduos não conseguem, por mérito e inserção de social, os socialistas defendem maior
do mercado de trabalho, garantir para si e os seus desmercantilização, igualdade e segurança social
um padrão digno de sobrevivência. Segundo contra riscos. Os conservadores, por outro lado,
Esping-Andersen (2002), nos países católicos do baseiam-se no princípio da subsidiaridade, caben-
Sul da Europa e na América Latina, a família é o do à família um papel central na proteção social.
central ente de proteção social, que geralmente
entra em cena em decorrência das falhas do mer-

CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 345-358, Maio/Ago. 2009


cado e do Estado. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os socialistas, por outro lado, são os defen-
sores clássicos das soluções coletivas, reconhecem Este artigo procurou tecer reflexões sobre o
que o mercado e a família são canais insuficientes conceito da desmercantilização na análise das polí-
de proteção social, sendo, inclusive, os principais ticas sociais. A desmercantilização permite avaliar
causadores das desigualdades sociais. Nos casos o grau de autonomia e independência que as políti-
Qu ad ro 2 - P rincip ais características d os p arad igmas d e p olíticas sociais

C oncep ções Liberais C on se rv ad o re s Socialistas


Liberalismo Conservadorismo
Economia Política Estatismo
Laissez-faire Corporativismo
Desmercantilização,
Objetivos e Valores Capacidade de inserção no Segurança, subsidiaridade, igualdade e segurança
mercado, liberdade manutenção do status social contra riscos
Central na produção de Mercado Família Estado
responsabilidade social
Protótipos de países EUA Alemanha S u é c ia
Fonte: Elaboração própria baseada em Esping-Andersen, 1990. p.38-47.

355
O PRINCÍPIO DA DESMERCANTILIZAÇÃO NAS POLÍTICAS SOCIAIS

cas sociais concebem aos indivíduos ou famílias dependência e preguiça. Os neoliberais defendem,
para que possam sobreviver para além das rela- portanto, a volta do individualismo e o fortaleci-
ções do mercado. mento da capacidade das pessoas de obterem su-
É notável que a concepção de desmercan- cesso individual no mercado. Eles partem do pres-
tilização difira das teorias vigentes até o momento, suposto de que os riscos sociais e as desigualda-
por não enfatizar somente a quantidade, mas, espe- des surgidas no mercado poderiam ser corrigidos,
cialmente, a qualidade das políticas sociais se todos puderem competir em pé de igualdade, o
institucionalizadas, medidas pelo grau em que in- que não ocorre no mundo real. Por outro lado, os
divíduos podem manter um nível de vida tolerá- conservadores e católicos sociais defendem o
vel, independentemente da obrigação da partici- favorecimento do papel central da família e das
pação no mercado de trabalho. A dimensão da comunidades locais no provimento de serviços de
desmercantilização incorpora a possibilidade de proteção social, ainda que tais serviços não tenham
os cidadãos poderem, livremente, optar por não condições, por si sós, de atingir tal fim. Por últi-
trabalhar, quando assim considerarem necessário, mo, os socialistas defendem soluções coletivas na
sobretudo quando há um alto grau de exploração provisão de políticas de proteção social, posto que
da força de trabalho. o mercado e a família seriam canais insuficientes
Ao contrário do propagado pela mídia, pelo de seguridade, figurando como os principais cau-
senso comum e por concepções liberais e conserva- sadores das desigualdades sociais.
doras, bem como por parte da esquerda ortodoxa No Brasil, nota-se a predominância de polí-
brasileira,18 as políticas sociais desmercantilizadoras, ticas sociais baseadas em concepções liberais, nas
na concepção de Esping-Andersen, fortaleceriam quais os critérios de elegibilidade são definidos e
o movimento dos trabalhadores e enfraqueceriam o estabelecidos através de rígidos testes de meios, a
poder dos patrões, sendo, inclusive, uma pré-con- exemplo do Benefício de Prestação Continuada e
dição para que os trabalhadores sejam capazes de do Bolsa Família. Numa perspectiva social-demo-
agir coletivamente. O estudo em tela demonstrou crata, esses benefícios deveriam ser bem mais ge-
que os liberais e, recentemente, os neoliberais nerosos, havendo a extinção dos testes de meio, o
priorizam veementemente as políticas de caráter caráter vexatório de comprovação da pobreza e as
mercantilizado, enquanto que os socialistas defen- demais condicionalidades.
dem as políticas que conduzem à desmercantilização Ademais, a seleção e o controle das
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das relações sociais. condicionalidades das políticas sociais brasileiras,


Em relação à divisão das responsabilidades além de limitar o alcance e qualidade da proteção
sociais, a análise da literatura existente revelou que social, comprometem o número de pessoas que
o fortalecimento da capacidade de atuação do Es- podem acessar esses programas. Numa perspecti-
tado é fundamental para corrigir as limitações, de- va universal, deveria haver a garantia de um pa-
feitos e (ou) falhas do mercado e da família na ga- drão de vida razoável, que é comprometido diante
rantia de um padrão de vida tolerável. Os do critério da exigência da permanência na pobre-
neoliberais, por seu turno, defendem a valoriza- za absoluta para a continuidade do acesso ao be-
ção do papel do mercado e a diminuição do papel nefício. Diante disso, percebe-se o baixo grau de
do Estado no provimento de políticas sociais. O desmercantilização dos programas sociais que
Estado é visto pelos neoliberais como ente respon- enfatizam o provimento de políticas seletivas e de
sável pelo surgimento de comportamentos taxados baixo alcance quantitativo e qualitativo. Uma exce-
de acomodação, falta de vontade para o trabalho, ção no Brasil, apesar das restrições ao acesso, cons-
titui-se o regime de segurado especial da previ-
18
Comumente defensores da tese de que as políticas soci- dência rural, baseado no princípio universal, cujo
ais tornariam os pobres apáticos, acomodados, pregui-
çosos e dependentes. alcance é maior e, por sua vez, garante um grau

356
Clóvis Roberto Zimmermann, Marina da Cruz Silva

GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e direita. São


significativo de desmercantilização. Todavia é mis- Paulo: UNESP, 1996.
ter repensar a concepção das políticas sociais bra- GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital.
sileiras, tomando como referência as contribuições São Paulo: Annablume, 2005.

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possibilidades de escolha dos indivíduos. Para Sen OFFE, Claus. Strukturprobleme des kapitalistischen Staates:
(2000), somente haverá desenvolvimento se hou- aufsätze zur politischen soziologie. Frankfurt/Main:
Campus Verlag, 2006. p. 153-180.
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trário do que indica a mídia e o senso comum bra-
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CARVALHO, Denise de; BICALHO, Nair; DEMO, Pedro
Amartya Sen, o Estado é o ente mais apropriado (Org.) Novos paradigmas da política social. Brasília: UNB,
2002. p. 51-90.
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MANOW, Philip. As vantagens institucionais comparati-
tonomia dos indivíduos, com vistas a marginali- vas dos regimes de Estado de bem-estar social e as novas
zar o mercado. Assim, políticas sociais com maior coalizões na sua reforma. In: DELGADO, M.; PORTO,
Lorena. (Org.) O Estado de Bem-Estar Social no século
grau de desmercantilização implicam a garantia de XX. São Paulo: LTR, 2007. p.160-186.
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357
O PRINCÍPIO DA DESMERCANTILIZAÇÃO NAS POLÍTICAS SOCIAIS

THE PRINCIPLE OF DECOMMODIFICATION IN LE PRINCIPE DE DECOMMODIFICATION


THE SOCIAL POLITICS (DEMARCHANDISATION), DANS LES POLITIQUES
SOCIALES

Clóvis Roberto Zimmermann Clóvis Roberto Zimmermann


Marina da Cruz Silva Marina da Cruz Silva

The present paper discusses an innovative L’objectif de cet article est d’établir des discussions
principle, denominated of decommodification, sur le principe innovateur de decommodification
formulated recently by Esping-Andersen (1990, 1999 (démarchandisation), formulé récemment par Esping-
2002) and incorporated to the study of social policies. Andersen (1990, 1999, 2002) et incorporé aux études de
The author’s main proposition, through the term politiques sociales. En utilisant le terme
decommodification, consists of evaluating the degree decommodification (démarchandisation), l’auteur
of autonomy and independence of individuals in propose essentiellement d’évaluer le degré d’autonomie
relation to market. The essential conclusions from this et d’indépendance des individus face au marché. Les
analysis evidence a singular and innovative principales conclusions découlant de l’écran d’analyse
contribution, when emphasizing the importance of the mettent en évidence une contribution unique et
institutional arrangements of the social policies, innovatrice qui montre l’importance des arrangements
considering not only rights and warranties, but, above institutionnels des politiques sociales en considérant non
all, the interlacement of the State with market and seulement les droits et les garanties mais surtout
family in the provision of social policies. l’imbrication de l’Etat avec le marché et la famille en
termes de politiques sociales.

MOTS-CLÉS: decommodification (démarchandisation),


KEYWORDS: decommodification, social policies, social politiques sociales, protection sociale, Etats de Bien-
protection, Welfare States. Être Social.
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 56, p. 345-358, Maio/Ago. 2009

Clóvis Roberto Zimmermann - Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg na Alemanha. Atual-
mente, é professor adjunto de Ciências Políticas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em
Cachoeira e Relator Nacional para o Direito à Alimentação e Terra Rural. Autor do livro Politische Partizipation
in Brasilien: Ein Vergleich der Stadtplanungsmodelle von Porto Alegre und Curitiba. Frankfurt am Main/
Londres: IKO-Verlag für interkulturelle Kommunikation, 2006.
Marina da Cruz Silva - Doutoranda em Psicogerontologia pela Universidade de Erlangen-Nürnberg na
Alemanha e professora assistente do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB) em Cachoeira. Autora do livro Gedächtnis - und Psychomotoriktraining im Alter: Transfer
und Wirksamkeit. Berlin: VDM Verlag Dr. Mueller, 2007.

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