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Jornalismo: teoria

e prática
PENA, Felipe
Teoria do Jornalismo
São Paulo: Contexto, 2005, 235 p.

Por Tattiana Teixeira

Livros e pesquisas que analisam e em destaque. Ainda que seja possível


compreendem o campo do jornalismo questionar os critérios de seleção e a
são produzidos no Brasil desde, pelo ausência de livros clássicos, esta ini-
menos, a década de 20 do século pas- ciativa é importante por incentivar a
sado, com maior desenvolvimento a valorização con-ceitual do jornalismo
partir dos anos 60/70. Apesar disto, e a busca por bibliografia complemen- 197
só em meados dos anos 90 os princi- tar.
pais cursos de graduação criaram ca- Escrito em primeira pessoa e sem
deiras específicas para discutir Teoria os tradicionais estratagemas dos tex-
do Jornalismo e, mais de dez anos tos acadêmicos, o livro é um esforço
depois, chega ao mercado um livro louvável do pesquisador para aliar
homônimo, escrito por um brasileiro, teoria e prática a partir, sobretudo,
que visa revisar o que se conven-cio- de experiências pessoais. Tanto as-
nou chamar de Teorias do Jornalis- sim que faz questão de reforçar esta
mo. Certamente, este é um dos méri- proposta desde a introdução, quando
tos do livro de Felipe Pena, professor afirma, seguindo um discurso cada
da Universidade Federal Flu-minen- vez mais defendido no campo, que
se, que sistematiza parte do que se “os currículos dos cursos devem ar-
produziu no Brasil e no exterior sobre ticular teoria e prática e não separá-
este campo de conhecimento e serve las em blocos monolíticos, sem inter-
como um ponto-de-partida para alu- câmbio” (página 13). O que chama a
nos de graduação e pesquisadores em atenção é o fato do autor seguir, na
formação. Um propósito comprovado organização da obra, um modelo que,
pela indicação de obras para leitura de algum modo, acaba por sugerir
complementar ao final de cada tópico, uma certa dicotomia. O livro está di-
vidido em três partes, sem contar introdu- “Para Pena, a conta da complexidade do fenômeno jor-
ção e conclusão, mas apenas uma, especí- nalístico para além de aspectos bastante
fica, traz no título o que chama de teorias, natureza do específicos. Assim como os autores por-
enquanto a primeira, “conceitos e histó- jornalismo tugueses mais citados no Brasil, Felipe
rias”, é onde há maior referência ao tra- Pena utiliza como referência os textos
balho dos jornalistas, destacando tópicos está no medo. fundadores destas hipóteses, alguns deles
como lide, gêneros, fontes, objetividade, O medo do reunidos em coletâneas, e não se aprofun-
ética e responsabilidade. da na evolução destes estudos e pesquisas
Ao fazer esta opção, o autor parece dei- desconhecido, ao longo dos últimos 20 anos e, mais do
xar claro que tais temas merecem uma que leva que isto, nas críticas que lhes foram fei-
reflexão teórica, embora, em função da op- tas durante este mesmo período. Sem se
ção organizacional da obra, não possa se
o homem preocupar com tais polêmicas, Pena, já
aprofundar conceitualmente na discussão a querer no primeiro capítulo, evidencia a impor-
deles, o que não deixa de ser um prejuízo tância que dá aos estudos oriundos da
a uma das propostas do livro, qual seja,
exatamente o sociologia do jornalismo - ao afirmar que
mostrar que por trás da prática e de suas contrário, ou a pergunta mais importante da teoria do
regras existe teoria para além das con- jornalismo está relacionada aos critérios
venções tradicionais. Esta parte do livro
seja, conhecer.” utilizados pelos jornalistas para decidir o
também reúne algumas das afirmativas que é ou não notícia (página 71) -, sem, no
e questões mais arrojadas do autor e que entanto, definir claramente o que é o jor-
198 longe estão de serem consensuais. Para nalismo.
Pena, por exemplo, “a natureza do jornalis- Apesar de seguir caminhos já trilhados
mo está no medo. O medo do desconhecido, por autores como Traquina, Wolf e Sou-
que leva o homem a querer exatamente o sa, Pena inova ao propor o que chama de
contrário, ou seja, conhecer” (página 23). É “Teoria dos Fractais Biográficos”, termo
também nesta seção que o autor discute a criado pelo pesquisador, em sua tese de
noção de tempo e do novo no jornalismo, a doutorado, que defende novas formas de
objetividade – nestes casos sem revisar as narrativa para as biografias, capazes de
inovadoras contribuições de pesquisadores superar o que chama de relatos diacrôni-
brasileiros - e até as classificações clássi- cos. Também destaca-se, no mesmo capítu-
cas dos gêneros. lo, a “teoria gnóstica”. Para Pena, “as notí-
Os empréstimos teóricos e conceituais cias têm uma estrutura de valores que são
são uma marca de toda a obra, o que se compartilhados pelos jornalistas entre si,
torna mais evidente no segundo capítulo, embora carreguem ecos da interação com
“Teorias e críticas”, espécie de resumo do a sociedade. Esse compartilhamento é niti-
que se chama no Brasil e em Portugal de damente uma operação gnóstica, com ritos
“teorias do jornalismo”, estudos oriundos de passagem e forte conotação de conhe-
de campos distintos como psicologia e so- cimento secreto, só acessível a uns poucos
ciologia e que, apesar da inegável quali- iniciados, os próprios jornalistas” (página
dade e pertinência, longe estão de darem 141). Aceitando-se tal “teoria” como pos-

Estudos em Jornalismo e Mídia,


Vol.II Nº 2 - 2º Semestre de 2005
sível, cabe perguntar, entre outras coisas, mo de resistência.
qual seria a função das escolas de jornalis- Ciente de que a prática profissional pode
mo neste contexto – já que o autor defende ser aperfeiçoada e da importância das dis-
que o aprendizado se dá através de rituais cussões teóricas para que se alcance maior
de iniciação - e, mais que isto, como teoria qualidade na produção das notícias, Pena
e prática do jornalismo podem se articular traz à tona temas controversos e que fa-
para compreender estes saberes restritos. zem parte do universo diário dos jornalis-
Em “Tendências e Alternativas”, pe- tas. Quando defende o jornalismo enquan-
núltimo capítulo, o autor volta a versar to campo específico do conhecimento, e, ao
sobre técnicas e práticas, desta vez para mesmo tempo, como profissão cujo exercí-
falar de temas como jornalismo cívico, cio deve ser pautado na ética e na respon-
jornalismo investigativo e reportagem sabilidade, sobretudo para com o público,
assistida por computador. É também Felipe Pena estimula um debate que, sem
aqui que Pena dedica mais de dez pági- dúvida, pode contribuir para a formação
nas – algo raro em toda a obra – a um só dos profissionais do campo do jornalismo.
tema: cobertura de guerra. Jornalismo
digital, jornalismo comunitário, jorna-
lismo científico e imprensa universitária
são outros tópicos abordados no capítu-
lo que, em boa medida, faz a defesa do Sobre a autora
exercício profissional em sintonia com Jornalista e Doutora em Comunicação, 199
uma função social capaz de sobrepor-se professora no Departamento de Jornalismo
à noção mercadológica, comercial da no- na Universidade Federal de Santa Catari-
tícia. Esta intenção fica clara logo no iní- na e editora da revista científica Pauta Ge-
cio, quando Pena escreve sobre jornalis- ral.

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