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PRAÇA DA MATRIZ: PATRIMÔNIO HISTÓRICO

EM REVISÃO

Daiany da Silva Soares.1


Elizabeth Filippini.2

RESUMO

Ao longo da história, a Igreja da Matriz e a Praça a qual leva o seu nome passaram
por profundas transformações decorrentes dos diversos momentos históricos na qual
estavam inseridas. Hoje tanto a Praça da Matriz quanto a sua Igreja possuem registrada em
seus elementos decorativos os mais relevantes acontecimentos da história de Manaus, indo
desde a fundação da cidade, passando pelo período republicano, da Zona Franca e,
chegando à atualidade. Além desse patrimônio histórico-cultural servir ao conhecimento do
passado, ele também é testemunho de experiências vividas, pela coletividade ou
individualmente, permitindo assim aos homens lembrar e ampliar o sentimento de que
pertencem a uma mesma cultura. Por isso, esse logradouro público merece ser
exaustivamente estudado e preservado. Para tanto, faz-se necessário à realização de uma
pesquisa histórica, através do mapeamento preliminar dos dados levantados com base em
fontes documentais e bibliográficas objetivando fazer uma revisão histórico-cultural do
centro antigo de Manaus, a partir da Praça da Matriz, buscando desenvolver estudos sobre
as transformações ocorridas neste patrimônio cultural ao longo do tempo, com o intuito de
identificar a importância deste espaço para a cultura local e para os seus visitantes.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio; história; cultura; turismo; meio ambiente.

INTRODUÇÃO
As praças que integram o Centro Histórico de Manaus são a prova viva das
modificações urbanas ocorridas na história da cidade e da memória cristalizada nestes
lugares, sendo a Praça da Matriz um exemplo dessas transformações.

1
Aluna do 4º Período, do Curso de Turismo, da Universidade do Estado do Amazonas, ano: 2006.
Bolsista do PROFIC Programa de Fomento à Iniciação Científica, com o SubProjeto: Praça D.
Pedro II: memórias de um patrimônio.
2
Professora Doutora em História, da Universidade do Estado do Amazonas. Orientadora do PROFIC
Programa de Fomento à Iniciação Científica, com o Projeto: Patrimônio Histórico-Cultural em
Revisão: revitalização do centro antigo de Manaus.
Ao longo da história, a Igreja da Matriz e a Praça a qual leva o seu nome passaram
por profundas transformações, decorrentes dos diversos momentos históricos nas quais
estavam inseridas. Hoje, a Praça da Matriz e a sua Igreja têm registrado, em seus elementos
decorativos, relevantes acontecimentos da história de Manaus. Por isso, esse logradouro
público merece ser exaustivamente estudado e preservado.
Assim, faz-se necessário mostrar as diversas modificações ocorridas na Praça da
Matriz, durante os seus vários momentos históricos, partindo da fundação da cidade de
Manaus até o período provincial e, posteriormente, enfocando o período da borracha até a
Zona Franca de Manaus.
Em seguida, aborda-se a questão que envolve o processo de preservação e
conservação dos bens patrimoniais no Brasil e, em especial, na cidade de Manaus,
discutindo a importância que a atividade turística pode ter na utilização e na preservação
dos patrimônios históricos e culturais da cidade.
Com base no método Histórico, a pesquisa adotou o seguinte procedimento
metodológico: levantamento de dados bibliográficos, selecionando idéias de autores como
Otoni Mesquita e Mário Ypiranga, levantamento de dados históricos, por meio de registros
históricos, e o confronto das fontes bibliográficas e documentais, sintetizando as
informações relevantes à Praça da Matriz.
O objetivo do artigo consiste na síntese das informações coletadas em instituições e
registros antigos, de modo a impulsionar outras iniciativas científicas voltadas à
recuperação dos patrimônios históricos e culturais, além de fortalecer o Turismo na cidade
de Manaus, através da reafirmação da identidade histórico-cultural da sociedade
manauense.

DESENVOLVIMENTO

Manaus teve sua origem no ano 1669, com a construção de um forte denominado de
São José da Barra do Rio Negro, construído pelo Capitão Francisco da Mota Falcão com o
objetivo de proteger as confluências dos rios Negro e Amazonas dos holandeses e
espanhóis.
Em torno do forte, fixaram-se várias etnias indígenas, como os barés, passés e
manaós, além de missionários e militares. Essa interação entre culturas diferentes fez-se de
forma conflituosa, visto que a cultura européia dos missionários e militares buscou se impor
sobre a cultura regional.
Em 1695, religiosos carmelitas vieram substituir os jesuítas e construíram a primeira
capela devotada a Nossa Senhora da Conceição, que consistia somente em uma ermida
coberta de palha.
Os padres carmelitas foram encaminhados a Barra do Rio Negro para controlar e
adequar as populações nativas e os colonos transmigrados aos ditames culturais europeus,
daí a necessidade dos casamentos entre índios e portugueses.
A partir da metade do século XVIII, surgiram os primeiros prédios públicos de
Manaus, como: o Palácio dos Governadores, o hospital, o quartel, a cadeia pública, um
depósito de pólvora e uma olaria, entre outros. Por volta de 1850, a olaria entrou em
decadência e, no lugar em que estava localizada, foi projetada a construção da atual matriz
de Nossa Senhora da Conceição.
Durante o governo de Lobo d Almada, o Lugar da Barra conheceu os primeiros
sinais de desenvolvimento urbano, com a abertura de ruas e praças, como a da Imperatriz,
em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, nome pela qual era conhecida a Praça da
Matriz. De acordo com Monteiro, a praça como logradouro público surge nesse período. O
autor afirma que as ruas e becos recebiam o nome do morador em evidência ou do
acontecimento mais marcante. (MONTEIRO, 1948, p.51)
Observa-se também, no ano de 1789, o estado decadente dos principais edifícios
públicos, como o da Igreja Matriz. Segundo Frei Caetano Brandão:

Que diria da Igreja! É um armazém desprezado, quase sem forma de


templo, sem Sacristia, sem portas, em lugar delas um indigno cancelo,
que não apanhava o meio do portal; todavia nesta ultima vez achei-a
caiada, e com menos indecência; esquecia-me de dizer que nem chave
tinha a boa cancela. (Idem, p.47)

Essa ermida, que o sacerdote Caetano Brandão chamava de igreja, estava em


construção, no estilo jesuítico da época. Por estar com defeito em suas linhas
arquitetônicas, Lobo d Almada mandou destruí-la, fazendo outra na Praça da Trincheira ,
atual Praça 9 de novembro (MONTEIRO, 1994, p. 9). Entretanto, no ano de 1850, esta
igreja sofreu um incêndio. Somente em junho de 1855, foi aprovada a lei número 50,
autorizando a despesa de quatro contos de réis anuais com a construção da nova matriz. 3
Em 1859, o alemão Ave-Lallemant verificou que a construção da igreja da Matriz
estava paralisada. Já em 1860, o Major Sebastião José Basílio Pyrrho, Diretor da Repartição
de Obras Publicas, declarava que havia construído 3.141 palmos cúbicos de parede.4 A
Praça da Matriz também sofre algumas alterações como o seu aterramento e a construção
de seu cais, como informa Pinheiro:

As intervenções iniciais do poder público no sentido do


aformoseamento urbano ocorreram por volta da década de 1870 na
praça da Imperatriz, onde também havia sido construído o primeiro cais
da cidade, chamado de Cais da Imperatriz (PINHEIRO, 1999, p.36)

Em julho de 1871, os negociantes Antonio Joaquim da Costa & Irmãos se


propuseram a realizar gratuitamente o aterro e o calçamento do espaço entre as duas
rampas que existiam na praça, concluindo o serviço no ano seguinte.
Em 1877, o Presidente da Província, Domingos Monteiro, lamentava de alguns
defeitos arquitetônicos causados pelos acréscimos e modificações que o prédio
recebeu , além dos defeitos nos altares em pedra de Lioz de Lisboa. No entanto, Domingos
Monteiro considerava a igreja um bom edifício e o principal da província. Com a falta de
alguns objetos litúrgicos, a Igreja Matriz não pode ser inaugurada5. Somente em 15 de
agosto de 1878, passados vinte anos de sua construção, a Igreja pôde ser benta e
inaugurada.
Segundo Mesquita, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição foi a primeira
grande obra arquitetônica construída em Manaus e a mais importante do período provincial,

3
Coleção das Leis da Província do Amazonas-1853. Barra do Rio Negro (Manaus): Typ. De M.S, Ramos,
1853, Tomo II, p.23.
4
Relatório do Diretor interino da Repartição de Obras Publicas Sebastião José Basílio Pyrrho em 6 de
setembro de 1860. Manaus: Typ. S. Ramos, 1860, p. i.
5
Relatório do Presidente Domingos Monteiro em 26 de maio de 1877. Manaus: Typ. do Amazonas, 1878,
p.54.
sendo privilegiada pela sua localização, já que se posiciona sobre uma pequena elevação
em frente ao porto da cidade, proporcionando assim uma visualização melhor da paisagem.
Foi no período da República, especificamente no Governo de Eduardo Ribeiro, que
Manaus modificou-se profundamente, sob o aspecto urbanístico e cultural.
A Praça Quinze de Novembro , como era conhecida a Praça da Matriz nesse
período, sofreu alguns melhoramentos, como o aterro do igarapé do Espírito Santo, que
margeava uma das laterais da praça. Em 1894, o Governador Eduardo Ribeiro anunciava
que estava concluído o embelezamento da praça.
Oficialmente, os jardins laterais da Igreja da Matriz foram iniciados em 1897. De
acordo com Mesquita, em 1915, a área da praça era denominada Praça do Comércio e,
em 1939, de Praça Osvaldo Cruz , quando já apresentava vários jardins.
Nessa época, havia uma outra área ajardinada, denominada de Praça Santos
Dumont, em cuja extremidade maior ficava um chafariz de ferro. À esquerda desse jardim,
ficava um terceiro, tendo ao centro um monumento dedicado ao Barão de Santa Ana Nery.
À direita da Igreja da Matriz, havia um outro jardim, onde funcionava o Pavilhão
Ajuricaba. No centro da avenida Eduardo Ribeiro, está localizado o Relógio Municipal e,
no ponto extremo da avenida, foi construído um obelisco de alvenaria, dedicado ao
primeiro centenário da elevação de Manaus à categoria de cidade.
Por volta de 1920, Manaus já sofria com a crise econômica causada pelo declínio da
produção da borracha na região. Porém, em 6 de junho de 1957, foi criada a Zona Franca de
Manaus, com o objetivo de promover o desenvolvimento do interior da Amazônia.
As praças de Manaus passaram a sofrer modificações, como a perda dos seus
espaços verdes para solucionar os problemas que afetavam o fluxo automobilístico da
cidade.
Na Praça da Matriz, o seu conjunto paisagístico foi quase todo substituído pelo
asfalto, mantendo-se apenas o jardim em torno do chafariz escocês. A Praça Santos
Dumont , área ajardinada entre o jardim principal e o armazém do porto, já não mais
existe.
Na administração do Prefeito Jorge Teixeira, o ajardinamento onde ficava o
monumento dedicado ao Barão de Santa Ana Nery foi destruído, assim como o
monumento, restando somente o busto do Barão que, em 1991, encontrava-se instalado em
uma das laterais dos jardins da Igreja da Matriz. A arborização da praça e as mangueiras ali
existentes desapareceram na gestão do referido prefeito. O pavilhão Ajuricaba também foi
destruído e o seu quiosque desmontado e transferido para a Praça Adalberto Valle , além
da substituição das calçadas em volta da Igreja, todas em mármore de cantaria importada de
Portugal, por lajotas de cimento.
Atualmente, a Praça da Matriz encontra-se rodeada por grades, além de ter perdido
boa parte de seus espaços para o terminal de coletivos e estacionamentos, bem como para o
comércio informal e por menores infratores.
Em Manaus, os projetos de restauração recaem hoje sobre a arquitetura construída
na belle époque e sobre algumas praças do Centro Histórico de Manaus, como é o caso do
Projeto Monumenta , do Governo Federal, e o Belle Époque , do Governo estadual,
embora haja uma legislação municipal referente ao patrimônio, tombamento, conservação e
proteção.
De acordo com Rodrigues (2003, p.15): além do valor cultural especifico, do ponto
de vista do turismo cultural, os bens patrimoniais possuem outro valor, o de serem objetos
indispensáveis, cujo consumo constitui a base de sustentação da própria atividade turística.
Assim, o turismo pode ser uma das opções para se proteger e utilizar o patrimônio
histórico. Para que os patrimônios históricos de Manaus possam servir ao conhecimento do
passado e testemunho de experiências vividas, coletiva ou individualmente, se faz
necessárias ações conjuntas entre o poder público e a sociedade civil, para se definir
políticas patrimoniais que reconheçam a importância desses espaços para a história da
cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na configuração atual da sociedade, as pessoas são movidas pelo consumo cada vez
mais excessivo dos objetos materiais, o que faz com queprecisamos sempre de coisas novas
a cada momento. Diante disso, todo o nosso espaço precisa ser remodelado em função das
nossas novas necessidades. Por causa disso, a nossa cidade, as nossas praças vão aos
poucos perdendo a sua função, sua beleza e identidade. Vão sendo transformadas de acordo
com o novo projeto de cada novo administrador que chega ao poder. Atendendo assim a
uma exigência atual da nossa sociedade globalizada.
Manaus vive hoje situações extremas de descaso com os seus patrimônios histórico-
culturais, que foram esquecidos pelo poder público e pela própria sociedade. Podemos
observar, na Praça da Matriz, uma enorme poluição visual e sonora, onde as placas e
outdoors com tamanhos, cores, formatos e brilhos diferentes, nos impedem de visualizar e
apreciar os monumentos e esculturas ali existentes.
Os ornamentos da Praça da Matriz, construídos de ferro, bronze e mármore, estão
perdendo o seu brilho, devido às ações do tempo e das pessoas que não se identificam com
os mesmos, resultado do enfraquecimento da identidade manauense.
Outra situação grave que se pode perceber, na Praça da Matriz, diz respeito ao
mercado informal, uma vez que a existência de ambulantes torna o simples fato de olhar e
observar o que existe na praça algo desagradável. Esse problema, de ordem social, vai se
tornando cada vez mais difícil de se solucionar com o passar do tempo.
Com relação ao terminal de coletivos existente em frente à Praça da Matriz, o
mesmo tem provocado poluição sonora extrema, além da poluição atmosférica ou
ambiental ocasionada pelo grande número de ônibus que circulam por ali. Além disso, as
pessoas que chegam ao Porto de Manaus não podem apreciar a beleza arquitetônica da
Igreja de nossa Senhora da Conceição.
Com todos os problemas visualizados, faz-se necessário a pesquisa a respeito do
tema patrimônio histórico-cultural, permitindo com que aa instituições de pesquisa
produzam mais debates.
É necessário também que nós passemos a conhecer a cidade, que caminhemos por
ela e olhemos o que existe nela, ou seja, devemos redescobrir o nosso espaço com o olhar
de um turista, onde este observa o lugar visitado com o olhar atento a todos os detalhes que
surgem.
É também urgente que o poder público olhe com mais carinho para o nosso
patrimônio, fazendo políticas de preservação e conservação dos bens culturais, e que não se
limitem apenas aos processos de tombamento, mas que atuem nos diversos espaços
públicos da cidade. E que as pessoas que irão trabalhar nos diversos órgãos responsáveis
pelo patrimônio, sejam de fato competentes e compromissados com os espaços da cidade.
É preciso também que se coloquem placas de identificação nos monumentos e nas
esculturas, para que a população possa se aproximar e descobrir mais sobre eles.
A nossa vida e o nosso tempo são totalmente comprometidos com os nossos
afazeres diários, que estão intimamente ligados com modelo capitalista que nos cerca. Por
isso, se faz tão necessária darmos atenção aos bens patrimoniais, pois eles são a referência
da nossa história e da nossa própria identidade.

REFERÊNCIAS

Documentação Oficial

Coleção das Leis da Província do Amazonas-1853. Barra do Rio Negro (Manaus): Typ. De M.S,
Ramos, 1853, Tomo II, p.23.

Relatório do Diretor interino da Repartição de Obras Publicas Sebastião José Basílio Pyrrho em 6
de setembro de 1860. Manaus: Typ. S. Ramos, 1860, p. i.

Relatório do Presidente Domingos Monteiro em 26 de maio de 1877. Manaus: Typ. do Amazonas,


1878, p.54.

Referências Bibliográficas
RODRIGUES, Marli. Preservar e consumir: o patrimônio histórico e o turismo. In: FUNARY,
Pedro Paulo; PINSKY, Jaime (org). Turismo e Patrimônio cultural. 3ª Ed. São Paulo: Contexto,
2003.

MESQUITA, Otoni Moreira. A Belle époque manauara e sua arquitetura eclética:


1892-1910. Rio de Janeiro, 1992. 2 v. Tese (doutorado) - UFRJ.

MONTEIRO, Mario Ypiranga. A Catedral Metropolitana de Manaus. Manaus.


4.ed./Aum Manaus: Metro Cúbico, 1994.

_________. Fundação de Manaus. Manaus. 4.ed./Aum Manaus: Metro Cúbico, 1994.


p.32.
PINHEIRO, Mª Luiza Ugarte. A Cidade sobre os Ombros: trabalho e conflito no Porto
de Manaus:1899-1925. Manaus; Editora da Universidade do Estado do Amazonas, 1999.

RODRIGUES, Marli. Preservar e consumir: o patrimônio histórico e o turismo. In: FUNARY,


Pedro Paulo; PINSKY, Jaime (org). Turismo e Patrimônio cultural. 3ª Ed. São Paulo: Contexto,
2003.
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