Você está na página 1de 8

525

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PODER JUDICIÁRIO

PRIMEIRA TURMA RECURSAL FAZENDÁRIA

Processo no 022799-02.2019.8.19.0023
Recorrente: Município de Tanguá
Recorrido: Andre Peixoto da Silva
Relator: Juiz Alberto Republicano de Macedo Jr.

E M E N T A: recurso inominado. Concurso público.


Aprovação. Não classificação. Contratação de temporários
durante o prazo de validade do certame. Violação dos
princípios da moralidade, impessoalidade e legalidade.
Provimento.

RELATÓRIO

Trata-se de ação em que se postula a convocação,


nomeação e posse do Autor no cargo de Guarda Municipal do Município
de Tanguá, eis que apesar de ter sido aprovado em terceiro lugar no
concurso para provimento de cadastro de reserva, o Município estaria
efetuando contratações temporárias para o mesmo cargo.

Sentença julgando procedente a pretensão (fls. 400/403)


nos seguintes termos: “... JULGO PROCEDENTE, na forma do artigo
487, I, do Código de Processo Civil, o pedido para
DETERMINAR que o réu matricule o autor no respectivo curso de
ALBERTO REPUBLICANO DE MACEDO JUNIOR:27317 Assinado em 03/12/2020 08:41:42
Local: Primeira Turma Recursal Fazendária
formação que deverá ser iniciado no prazo de 60 dias, a contar da
intimação, bem como DETERMINAR ao réu que, observada a aprovação
526

da autora no curso de formação, providencie sua investidura no cargo


de Guarda Civil Municipal, com a consequente nomeação e posse...”.

Recorreu o Município em fls. 481/490 alegando que houve


ausência de intimação pessoal do representante da Fazenda Pública,
para ciência dos atos processuais e apresentação de defesa. No
mérito, sustenta que o Edital do concurso público ainda está no prazo
de validade, não havendo, portanto, se falar em direito a
nomeação do candidato, oras Recorrido, tendo em vista que as vagas
destinavam-se ao “Cadastro de Reserva (CR)”, e por ainda não ter sido
convocado nenhum candidato classificado, o status do Recorrido é
de “EXPECTATIVA DE DIREITOS”. Pugna pela reforma do julgado.

Contrarrazões apresentadas pelo autor em fls. 502/512.

É o Relatório, passo ao V O T O:

Conheço do recurso, eis que presentes os requisitos


intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Rejeito a alegação de nulidade de citação, porquanto o


mandado foi expedido para aquele que consta cadastrado junto à
presidência do Tribunal de Justiça para recebimento de citação, sendo
certo que consta certidão cartorária em fl. 386 que o Município foi
regularmente citado e nova certidão cartorária de fl. 387 noticiando a
não apresentação da contestação, tudo nos termos do artigo 32 da Lei
5.781/2010.

No mérito, o exame dos autos revela ter o Recorrido


participado de concurso público realizado pelo Município de Tanguá em
2017, destinado à formação de cadastro de reserva para o cargo de
Guarda Municipal, tendo o referido candidato sido classificado em
terceiro lugar, conforme documento acostado em fl. 163.
No entanto, restou demonstrado de forma inequívoca às
fls. 180/345 ter o Município Recorrente lançado mão da contratação
527
de
funcionários terceirizados para o exercício das mesmas atribuições que
seriam exercidas pelo Recorrido, sendo que com a denominação do
cargo de Vigia.

De fato, e como remarcado pelo Ministro GILMAR MENDES,


no julgamento do RE 598099, em 10/08/2011, com repercussão geral,
“Quando a Administração torna público um edital de concurso,
convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o
preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela
impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento
segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem
se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no
Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às
normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia
de comportamento.

Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento


da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se
pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto
subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os
cidadãos”.

E sob essa ótica, o STF consolidou a tese de que o


candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas
previsto no edital, possui direito subjetivo à nomeação para o cargo a
que concorreu.

Não obstante o Recorrido ter sido aprovado para formação


de cadastro de reserva, certo é que ao tornar pública a existência de
cargos vagos e o interesse em provê-los, a Administração Pública passa
a ter o poder-dever de convocar os candidatos aprovados até expirado o
prazo de validade do certame, gerando, por conseguinte, não uma mera
expectativa de direito, mas verdadeiro direito subjetivo à nomeação.
E aquela Corte Superior reconhece, ainda, o direito à
nomeação no caso de preterição de candidato na ordem de classificação,
528

inclusive quando provocada por contratação precária.

Na verdade, a contratação de terceirizados durante o prazo


de validade do concurso configura clara situação de desvio de
finalidade, ainda que se dê a título precário, como constitui também
violação aos princípios da moralidade administrativa, da legalidade e da
impessoalidade, afrontando o disposto no artigo 37 da Constituição
Federal, assim como os princípios da transparência, da boa-fé e da
segurança jurídica.

Por certo, a contratação precária para realização das


mesmas tarefas destinadas a cargo a ser provido por concurso público
demonstra a necessidade e conveniência do provimento do cargo vago e
faz surgir o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em
concurso público, concurso este que inclusive teve sua validade
prorrogada, estando ainda válido.

Conclui-se, assim, que a contratação precária levada a


efeito restou realizada em evidente desvio de finalidade, tendo o
Recorrido sido indevidamente preterido, motivos pelos quais a sentença
deve ser mantida na íntegra.

Nesses exatos termos o entendimento jurisprudencial já


consolidado com base em julgados do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO


PÚBLICO PARA PREENCHIMENTO DE CARGO DE
PROFISSIONAL JUNIOR - ARQUITETO. PETROBRAS.
CANDIDATO APROVADO EM 9º LUGAR. CADASTRO DE
RESERVA. ALEGAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE
TERCEIRIZADOS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO
CONCURSO PARA EXERCÍCIO DAS MESMAS FUNÇÕES.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA.
Conforme orientação jurisprudencial extraída de julgados
529

do STF (RE 667298/RS, Min. Luiz Fux e RE 660141/AL,


Min. Carmem Lúcia), a ocupação precária, por comissão,
terceirização, ou contratação temporária, de atribuições
próprias do exercício de cargo efetivo vago, para o qual há
candidatos aprovados em concurso público vigente,
configura ato administrativo eivado de desvio de
finalidade, equivalente à preterição da ordem de
classificação no certame, fazendo nascer para os
concursados o direito à nomeação, por imposição do artigo
37, inciso IV, da Constituição Federal. Prova nos autos de
que, no período de validade do concurso, houve a
contratação de terceirizados para o cargo de Profissional
Júnior - Arquitetura, com as mesmas funções previstas no
edital em questão. Evidência de identidade entre as
funções, o que transmuda a mera expectativa de direito da
autora em direito subjetivo à nomeação. Inversão dos ônus
sucumbenciais. Fixação dos honorários em respeito ao art.
20 §4º do CPC. Precedentes do TJRJ. Sentença reformada.
Recurso provido.” (TJRJ - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL -
DES. MARCO AURELIO BEZERRA DE MELO - APELACAO
0185594-70.2009.8.19.0001- Julgamento: 03/07/2012).

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DA DECISÃO


MONOCRÁTICA PROFERIDA EM RECURSO DE APELAÇÃO
CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCURSO PÚBLICO PARA
ANALISTA DE SISTEMAS. FURNAS. CONTRATAÇÃO DE
TERCEIRIZADOS EM DETRIMENTO AOS CANDIDATOS
APROVADOS. SENTENÇA QUE DETERMINOU O INGRESSO
NOS QUADROS DA EMPRESA DE ACORDO COM O NÚMERO
DE VAGAS EXISTENTES EMBORA FORA DO NÚMERO DE
VAGAS PREVISTO NO EDITAL. EMPRESA QUE CONTRATOU
PROFISSIONAIS TERCEIRIZADOS EM NÚMERO SUPERIOR À
CLASSIFICAÇÃO DO AUTOR NO CERTAME, DONDE SE
CONCLUI QUE SERIA CONTRATADO CASO NÃO HOUVESSE
530
A
PRETERIÇÃO ILEGAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STJ NO SENTIDO DO
DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO CASO SE COMPROVE QUE
MESMO HAVENDO O INTERESSE PÚBLICO NA NOMEAÇÃO
DO CANDIDATO, A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA VEM
TERCEIRIZANDO O SERVIÇO, EM BURLA À
OBRIGATORIEDADE DO CONCURSO PÚBLICO. FATO
CONSTITUTIVO DE SEU DIREITO PROVADO PELO AUTOR.
REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO QUE DEMONSTRA A
EXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO NO PROVIMENTO DOS
CARGOS POR PESSOAL EFETIVO. DEVER DO
ADMINISTRADOR PÚBLICO DE PROVER TAIS CARGOS
EFETIVOS, TANTO QUE POSTERIORMENTE OCORREU A
ASSINATURA DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
COM O MP, NO QUAL A ESTATAL SE COMPROMETEU A
SUBSTITUIR PESSOAL TERCEIRIZADO POR EMPREGADOS
EFETIVOS. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO MERECEM
ACOLHIMENTO - INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS
PREVISTOS NO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSSO
CIVIL. JULGADOR NÃO TEM O DEVER DE ANALISAR
EXPRESSAMENTE TODAS AS QUESTÕES EXPOSTAS.
DIVERGÊNCIA ENTRE A TESE DEFENDIDA PELO
EMBARGANTE E O POSICIONAMENTO DESTA CORTE NÃO
CONFIGURA OMISSÃO. REJEITAM-SE OS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO.” (TJRJ – OITAVA CAMARA CIVEL - DES.
CARLOS AZEREDO DE ARAUJO - APELACAO 0382813-
91.2009.8.19.0001 - Julgamento: 26/06/2012).

“APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO


DE VAGAS E CADASTRO DE RESERVA. DIREITO SUBJETIVO A
NOMEAÇÃO. CANDIDATA APROVADA E CLASSIFICADA EM
PRIMEIRO LUGAR. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE
PESSOAL E TERCEIRIZAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE
SEMELHANTES FUNÇÕES DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE
DO CERTAME. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS
531

ADMINISTRATIVOS. NÃO ACOLHIMENTO DAS PERDAS E


DANOS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. Segundo a atual
orientação do Supremo Tribunal Federal, a aprovação do
candidato em concurso público dentro do número de vagas
previsto no edital confere ao mesmo direito subjetivo a
nomeação. A autora participou de certame público para o
provimento de vagas e a formação de cadastro de reserva
logrando aprovação em primeiro lugar para o cargo ao
qual concorrera. Documentos comprobatórios da
contratação temporária de pessoal e terceirização para o
exercício de semelhantes funções as do cargo de
aprovação da demandante, ainda dentro do prazo de
validade do certame. Preterição dos candidatos que
prestaram o concurso e que foram aprovados por
contratados e terceirizados que não se coaduna com a
ordem jurídica. A celebração de concurso sem a nomeação
de qualquer candidato aprovado denota manifesta violação
aos princípios da boa-fé administrativa, da razoabilidade,
da lealdade, da isonomia e da segurança jurídica.
Pretensão de perdas e danos que não pode ser acolhida na
medida em que o direito a percepção de vencimentos
somente pode ser reconhecido a partir da data da
nomeação determinada. Sentença que se reforma
parcialmente para o fim de reconhecer o direito da autora a
ser nomeada e empossada no cargo em que logrou
aprovação. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.” (TJRJ -
NONA CAMARA CIVEL – DES. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA
- APELACAO 0202927-98.2010.8.19.0001 - Julgamento:
17/04/2012).

Diante do exposto, VOTO pelo CONHECIMENTO e


DESPROVIMENTO do recurso.
532

Condeno o Recorrente ao pagamento de honorários


advocatícios que fixo em R$2.000,00 (dois mil reais), nos termos dos
parágrafos 2º e 8º do art. 85 do CPC, isento o ente municipal do
recolhimento das custas.

Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 2020.

ALBERTO REPUBLICANO DE MACEDO JR.


Juiz de Direito Relator

Você também pode gostar