Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/294090350
CITATIONS READS
7 541
2 authors:
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
Cultures, practices and learnings in a more than human world View project
Espiritualidade institucionalizada Políticas públicas, usos clínicos e pesquisas médicas na legitimação da espiritualidade como fator de saúde no Brasil View project
All content following this page was uploaded by Rodrigo Toniol on 12 February 2016.
Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir sobre aquilo que reconhecermos ser
uma crise no conceito de religião. Em um primeiro momento, estabelecemos uma
relação entre a emergência das problematizações produzidas por cientistas sociais a essa
categoria e a recusa desse termo por parte dos próprios religiosos para classificar suas
práticas. Posteriormente, recuperamos algumas das críticas elaboradas por autores pós-
coloniais e pela antropologia do cristianismo à religião enquanto categoria analítica. Por
fim, tratamos de apresentar como o modelo da rede, tal como se expressa no campo
religioso, tem contribuído para produção de narrativas menos institucionalizadas sobre
as configurações que a religião vem assumindo na contemporaneidade.
Abstract: In this article we aims to reflect about what we recognize to be a crisis in the
concept of religion. At first, we establish a relationship between the emergence of
problematizations produced by social scientists to this category and the refusal of this
term by religious people. After, we recover some of the critics by postcolonial authors
and the anthropology of Christianity to religion as an analytical category. Finally, we
present the way the network model, as expressed in the religious field, has contributed
to the production of narratives less institutionalized about the configuration that has
been set religion has assuming in contemporary times.
toda sua história.3 Na antropologia, especificamente, parece ter sido uma das poucas
temáticas de pesquisa que seguiu ocupando um lugar central mesmo após sensíveis
deslocamentos em relação ao tipo de sociedade privilegiada pela disciplina.4
Reconhecer sua longa duração enquanto tema de pesquisa diante de mudanças de
orientações teórico-metodológicas, contudo, não é o mesmo que sugerir que a categoria
religião tenha permanecido inabalável. Isto é, se, por um lado, a religião não deixou de
ser tematizada nas pesquisas, por outro, aquilo que pode estar compreendido sob este
conceito - como instituições, práticas, enunciados, rituais e performances – é tão diverso
quanto as tradições e perspectivas antropológicas.
Nosso objetivo neste texto é problematizar o conceito de religião como um
mediador universal sem, por isso, deixar de reconhecer seu valor heurístico. Para tanto,
voltamos nossa atenção aos limites analíticos desse conceito a partir de sua variação na
história da disciplina. Em uma primeira parte deste artigo, estabeleceremos uma relação
entre a emergência dessas problematizações produzidas por cientistas sociais e
questionamentos dos próprios religiosos sobre a classificação de suas práticas. Em um
segundo momento, recuperaremos algumas das críticas elaboradas por autores pós-
coloniais e pela antropologia do cristianismo à religião enquanto categoria analítica. Por
fim, trataremos de apresentar como o modelo da rede, tal como se expressa no campo
religioso, tem contribuído para produção de narrativas menos institucionalizadas sobre
as configurações que a religião vem assumindo na contemporaneidade.
3
Autores considerados fundadores da disciplina como Émile Durkheim (1996) e Max Weber
(2004a; 2004b) reconheceram, a partir de perspectivas distintas, o estudo da religião como
chave para a compreensão e análise das sociedades. A publicação de As formas elementares de
vida religiosa (Durkheim, 1996) inaugurou a área de estudos da religião na antropologia
francesa tornando-se um texto de referência no desenvolvimento desse tipo de pesquisa no país.
A centralidade atribuída à religião por Durkheim estava apoiada no caráter fundante da oposição
entre sagrado e profano para constituição e reprodução da sociedade. O princípio de
primordialidade do religioso, para Durkheim, está associado à sua capacidade em designar tanto
características organizativas das sociedades chamadas de “primitivas”, quanto contextos
ocidentais modernos onde a religião produziria coesão social. Max Weber (2004a; 2004b), por
sua vez, contribuiu com a elaboração de e pesquisas acerca de fenômenos religiosos menos em
direção à analise das diferentes manifestações religiosas que emergiam nos contextos urbanos e
mais à temas relacionados ao desencantamento do mundo e secularização.
4
Em seu livro Teorias da Religião Primitiva, de 1965, Evans-Pritchard já afirmava a longa
duração dos estudos sobre religião a partir de sua centralidade desde os textos dos primeiros
antropólogos (Evans-Pritchard, 1991).
3
seu duplo, com que existe e opera em oposição. Ao deixar de ser religiosa, a sociedade
deixa de poder ser secular.5
Esta percepção da implicação mútua entre estes conceitos apresenta-se como
uma possibilidade para compreender as transformações que vem ocorrendo na religião e
na política fora do impasse que as teorias sobre a secularização e o reencantamento do
mundo produziram nesses últimos anos. Talvez, pudéssemos pensar aqui na emergência
de um contexto que se apresenta ao mesmo tempo como pós-religioso, uma vez que a
religião já não dá conta de expressar as transformações do crer, e como pós-secular, na
medida em que se desnaturaliza a concepção do espaço público como um palco em que
atores e instituições atuam e se relacionam.6 Neste movimento de dupla
desnaturalização que se impõe às ciências sociais, a crítica ao conceito da religião
parece encontrar menos resistência do que aos conceitos de política, espaço público e
secularização. Mesmo porque, a crença humanista na realização plena do ser humano
como resultante de um longo processo de “saída da religião” (Gauchet 1986; Steil 1994)
vem alimentando há um longo tempo a imaginação e a esperança daqueles que
abraçaram o projeto moderno como seu horizonte histórico.
Como afirmou Otávio Velho, no texto que compõe esta coletânea, a obrigação
de ser secular nos conduziu a reificação de uma série de dicotomias que nada
contribuem para reavaliar o conceito de religião. Nesse sentido, a identificação dos
limites explicativos desses dois conceitos não implica uma redução da capacidade
heurística de fenômenos religiosos, mas, pelo contrário, expande-a.
Um olhar, ainda que ligeiro, sobre o contexto religioso atual parece confirmar o
que Pierre Sanchis escreveu no início deste século, que “o campo religioso é cada vez
menos o campo das religiões” (2001:17). O que, a nosso ver, poderia ser interpretado
em dois sentidos. O primeiro refere-se à crise de legitimidade e reconhecimento do
próprio conceito de religião que o tornou inadequado, ainda que necessário, para
designar um habitus que se expressa por meio de espiritualidades, filosofias de vida e
5
Esse tipo de afirmação tem profundas implicações para os debates sobre religião e espaço
público. Para um amplo panorama sobre este tema ver (Birman, 2003; Giumbelli, 2004; Oro,
2011).
6
Para uma análise da associação entre crença e modernidade ver (Giumbelli, 2011).
5
Ao longo dos últimos anos, o conceito de religião tem sido usado pelos cientistas
sociais de uma forma aparentemente consensual, apesar das variações de sentidos a ele
associados. De algum modo, é este suposto consenso que torna possível produzir
comparações entre uma variedade de recortes temporais e empíricos do que é
compreendido como religião. No entanto, em que pese esse consenso, tem se observado
a emergência de uma crítica contundente que mostra a inadequação desta categoria para
7
Sobre as transformações no regime de crer relacionadas com a recusa da categoria religião e
adesão a termos como o de espiritualidade, ver (Steil, 1999).
8
Podemos citar aqui, à guisa de ilustração, alguns temas conexos que tem aparecido com
frequência na produção recente da área: religião e etnicidade (Gonçalves e Contins, 2008;
Capiberibe, 2007; Vilaça, 2008; Montero, 2006), religião e cultura (Lopes, 2011; Figueiro,
2005), religião e estado (Giumbelli, 2002; Birman, 2003; Oro, 2003), religião e ecologia
(Soares, 2004; Carvalho e Steil, 2008; Steil e Toniol, 2011), religião e turismo (Abumanssur,
2003; Steil e Carneiro, 2008; Steil e Carneiro 2011; Toniol, 2011).
6
9
Para uma apresentação dos estudos subalternos ver (Prakash, 1994).
10
Vale dizer que nos referirmos a “Europa” tal como fazem diversos autores pós-colonias
(Bhabha, 1998; Prakash, 1994) concebendo-a como um termo “hiperral no que se refere a certas
figuras da imaginação, cujos referentes geográficos permanecem mais ou menos
indeterminados”. (Chakrabarty,1997, 225)
7
11
Sobre ideologia da linguagem, Robbins afirma: “Esse termo refere-se às noções
compartilhadas pelas pessoas sobre a natureza da linguagem (como ela funciona e como deve
ser utlizada). Ideologias da linguagem variam muito entre os grupos, constituindo um
componente crucial da visão humana, não só no que diz respeito à comunicação, mas também
nas esferas da natureza do indivíduo, da ação e da moralidade. Por essas razões, as ideologias
linguísticas têm provado ser uma área muito rica de estudo, e o interesse por tais temáticas
ultrapassou muito rapidamente a fronteira dos círculos daqueles tecnicamente mais voltados
para a Antropologia Linguística. Poderíamos até dizer que a noção de ideologia da linguagem
tem sido um dos mais bem sucedidos produtos teóricos recentemente lançados pela
Antropologia como um todo” (Robbins, 2011: 21-22)
13
12
Para uma descrição e análise da conformação de igrejas pentecostais não denominacionais e
organizadas em células, ver (Alves,2011).
14
Conclusão
17
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ledson Kurtz de (2004), Análise antropológica das igrejas cristãs entre os
kaingang baseada na etnografia, na cosmologia e dualismo. Tese de doutorado
Florianópolis: UFSC.
ALVES, Daniel (2011), Conectados pelo Espírito: redes de contato e influência entre
líderes carismáticos e pentecostais ao Sul da América Latina. Tese de doutorado, Porto
Alegre: UFRGS.
BIRMAN, Patrícia (Org.) (2003), Religião e espaço público. São Paulo: Attar; CNPq;
Pronex.
CERIANI, Cesar; CITRO, Sivlia (2005), El movimiento del evangelio entre los Toba
del chaco argentino. Una revision histórica y etnográfica. In: GUERREIRO, Bernardo.
18
CITRO, Silvia (2003), Cuerpos significantes: Una etnografÌa dialéctica con los toba
takshik. Tesis doctoral en AntropologÌa. Buenos Aires: Facultad de Filosofia y Letras,
Universidad de Buenos Aires.
Fausto, Carlos (2001), Inimigos fiéis : história, guerra e xamanismo na Amazônia. São
Paulo: Ed. da USP.
FIGUEIREDO, Sílvio Lima (org.) (2005), Círio de Nazaré, festa e paixão. Belém:
EdUFPA.
ORO, Ari Pedro (2003), A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos
religioso e político brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 53.
______ (2007), Continuity Thinking and the Problem of Christian Culture: Belief, Time
and the Anthropology of Christianity. Current Anthropology, nº 48(1): 5-38.
STEIL, Carlos Alberto (1994), Para ler Gauchet. Religião e Sociedade, 16 (3): 24-49.
TONIOL, Rodrigo e STEIL, Carlos Alberto (2010), Ecologia, Nova Era e Peregrinação:
uma etnografia da experiência de caminhadas na Associação dos Amigos do Caminho
de Santiago de Compostela do Rio Grande do Sul. In: Debates do NER, N. 17, pp 97-
120.
VELHO, Otávio (1997), Globalização: antropologia e religião. In: ORO, Ari Pedro;
STEIL, Carlos Alberto (orgs.), Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, p. 43-61.
21
Vilaça, Aparecida (1996), Cristãos sem fé: Alguns Aspectos da Conversão dos Wari’
(Pakaa Nova) Mana. 2 (1):109-135.
WRIGHT, Pablo (1983), Presencia protestante entre los aborígenes del Chaco
argentino. Scripta Ethnologica 7: 73-84.