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MARIA HELENA SOUZA PATTO a producao do fracasso escolar historias de submissdo e rebeldia T. A. QUEIROZ, EDITOR sao Paulo capa Dept? de Arte ds TAQ Dagion cle Catatogacare aa Pubhicacae (CH) internactona Camara Brasitetra do Lite, SP. Brasity Party, Maria Helena Souza A produglo do fraeasso escokir: historias de submisse e rebeldit | Maria Helena sot Pato, Sito Paulo: ThA ror, 1980 — (Biblioteca de pstcotogia © psicaniilise, v o Bibtiogeatia ISBN 85-85008-°8.9, L. Educagio © Estado — Brasil 2. Psicologia educacion 8. Repeténcia — Brasil 4, sociologia educacional — Brasil 1 tulo. IL Setie. CDD-87 1.280081 O7Z4 570. L9q08} 89-1346 SORE Indices para catdlogo sistemdtico. Brasil. Educag3o e capitalism 370. 190981 Brasil: Fracasso escolar: Educagao 371280081 Brasil: Politica educacional 379.81 Brasil: Repeténcia: Educa ideologia ¢ edueacao 370.1 Direitos desta edi¢av reservados PA. QUEIROZ, EDITOR, LTDA. ua Joaquim Floriano, 733 — 9° 04554 Sao Paulo. SP 1990 PLES NO Brasil 1. Raizes hist6ricas das concep¢ées sobre o fracasso es- colar: o triunfo de uma classe e sua visdo de mundo As idéias atualmente em vigor no Brasil a respeito das difi- culdades de aprendizagem escolar — dificuldades que, todos sa bemos, se manifestam predominantemente entre criangas pro- venientes dos segmentos mais empobrecidos da populagao — t¢m uma hist6ria. Quando tentamos reconstitui-la, percebemos rapi- damente que para entender 0 modo de pensar as coisas referen- tes 2 escolaridade vigente entre nés precisamos entender 0 mo- do dominante de pensé-las que se instituiu em paises do leste eu- ropeu e da América do Norte durante 0 s€culo xix; € visivel que os primeiros pesquisadores brasileiros que se voltaram para 0 es- tudo desta questao — e que imprimiram um rumo duradouro ao pensamento educacional no pafs — o fizeram baseados numa v- sao de mundo que se consolidou nesse tempo € nesse espago. Quando falamos em visio de mundo trazemos a tona a ques- tao da natureza das idéias: serio elas resultado de “‘puro esfor- Co intelectual, de uma claboracao tedrica objetiva € neutra, de puros conceitos nascidos da observacdo cientifica ¢ da especula- Gao metafisica, sem qualquer lago de dependéncia com as con- digdes sociais € histricas”’ ou ‘‘s40, a0 contrario, expressao des- tas condigdes reais’’? As idéias explicam a realidade historica € social ou precisam ser explicadas por ela? Quando um tedrico Glabora uma explicagao do mundo, ele est produzindo idéias verdadeiras que nada devem a sua existéncia historica € social bu esta realizando uma transposicio involuntiria para o plano das idéias de relacdes sociais muito determinadas? (C. aui, LO8 la, p. 10-16). Partindo do modo materialista historico de pensar esta rela~ cdo é que afirmamos a necessidade de conhecer, pelo menos em seus aspectos fundamentais, 4 realidade social na qual se engen- drou uma determinada versio sobre as diferengas de rendimen- to escolar existentes entre criangas de diferentes origens sociais F este objetivo deste capitulo: reunir informagdes que nos per mitam ao menos vislumbrar a filiago hist6rica das idéias — quer assumam a forma de crengas, quer a de certezas cientificamente 9 fundadas — sobre a pobreza € SeUs TEVESES, € a dificuldade de escolarizar-se. ; a Realizar esta tarefa requer, além do retorno {UE NOS refe, mos, um contorno, de natureza epistemolégica, que POSSibilite car, theo que esta realidaude social & (incluindo o entendimento do r nela se faz), a partic ¢ além do que cla parece MUFC OS quais se ine) ui que a ciéneia que seri Nesse retorno, € iney itavel o encontro com o advento das soci des industriais capitalistas, dos sistemas nacionais de ensino ¢ das ciéncias humanas, especialmente da psicologia. Esse contorno, por sua vez, permite captar a esséncia do modo de producao capitalista ¢ das idéias produzidas em seu Ambito, condi¢ao necessaria para que faca a critica destas idéias. Sem qualquer intengao de resumir a do século xx ou de reproduzir a andlise materialista histo. rica do modo capitalista de produgao, propomo-nos a elaborar um quadro de referéncias hist6rico e sociolégico apenas suficiente pa- ra encaminharmos uma reflexdo a respeito da natureza das concep. cdes dominantes sobre o fracasso escolar numa sociedade de classes. A era das revolucées e a era do capital O século xix, em todas as suas manifestacdes, é filho legitimo da dupla revolugao que se deu na Europa ocidental no final do s¢- culo Xvi: a revolucao politica francesa (1789-1792) € a revolugio industrial inglesa, que tem como marco a construcdo, em 1780, do primeiro sistema fabril do mundo moderno: as hist6ricas indistrias texteis localizadas na regiao britanica de Lancashire. Ambas vem coroar? o surgimento de relag6es de produgio inéditas na historia \ respeito desta distingao, veja Kosik (1969) | [tt expresso esta sendo utilizada aqui deliberadamente no Tug do verbo dua shcorpeonaes pleniclacte somente através desta distingdo € possivel fazer justiga 4 complenie lus movimentos da hist desta dite dos m os da historia, Hobsbawm (1982) ressalta a importincis d ‘enc quando afirma: “F evidente que uma transformagio Lio profundt ate PO ser entendida sem retrocedermos na historia bem ances de 1789. uP is décadits que imediacumente a precederam ¢ que reflecem clacumente & los caictens régimes da parte noroeste do mundo, que seriam demolides PE Jupla revolugao .. As forcay economicas € sociatis, as ferramentay Ponce « Y ‘lvctuais desta transformagao jd estavam prepacadas... cm ama parte dt Et suficieny na & explic fe, as set yen rape (ahCenemente geande para revoluctonar 0 resto. Nosy proble vvexistencia destes elementos de ama nova economia ¢ sociceat Iriunfo; ad ar nde ree ec alevolucao do geadual solapamento que (9601 6 taleza (p1R-19) anilov a vellaa soeicdade, mais suit dlecistyt CON no seio das qua de organizar a vida social.’ Segundo Hobsbawm (1982), ‘‘a grande revolugio de 1789-1848 foi o triunfo nao da ‘indistria’ como tal mas da indtstria capitatis- ta; nao da liberdade e da igualdade em geral, mas da classe média ou da sociedade ‘burguesa’ liberal, nao da ‘economia moderna’ ou do “Estado moderno’ mas das economias ¢ estados em uma deter- minada regiio geografica do mundo (parte da Europa ¢ alguns tre- chos da América do Norte), cujo centro cram os estados rivais € vi- zinhos da Gra-Bretanha e da Franga"’ (p.17). A passagem do modo de produgio feudal para o modo de produgao capitalista nao se fez sem grandes convulsdes sociais, que culminaram no periodo de 1789-1848; em termos sociais e politicos, 0 advento do capitalis- mo mudou gradual mas inexoravelmente a face do mundo: até o final do século XIX praticamente varreu da face da terra a monar- quia como regime politico dominante, destituiu a nobreza ¢ 0 clero do poder econdmico ¢ politico, inviabilizou a relagao servo-senhor feudal enquanto relacio de produgdo dominante, empurrou gran- des contingentes das populagées rurais para os centros industriais, gerou os grandes centros urbanos com seus contrastes, veio coroar © processo de constituigdo dos estados nacionais modernos € en- gendrou uma nova classe dominante — a burguesia — € uma nova classe dominada — o proletariado — explorada economicamente segundo as regras do jogo vigente no novo modo de produgao que se instala ¢ triunfa no decorrer desse século. Na primeira metade do século xix, as mudangas propiciadas pela dupla revolugio foram de tais proporgées que alguns historiadores, como Hobsbawm (1982), nao hesitam em considera-las como ‘‘a maior transforma- cdo da hist6ria humana desde os tempos remotos, quando o homem inventou a agricultura ¢ a metalurgia, a escrita, a cidade € o Esta- do” (p.17). Se a ordem feudal ainda estava socialmente muito viva nesta passagem de século, ela se mostrava cada vez mais ultrapassada € improdutiva em termos econdmicos; tecnicamente, a agricultura eu- ropéia era, com raras excegdes, tradicional ¢ ineficiente, colocan- do obstaculos as novas exigéncias de produgio agricola, 0 que tor- naya o mundo agricola especialmente lento ¢ invidvel a uma massa crescente de camponeses. O oposto ocorria simultaneamente no mundo comercial ¢ n- dustrial manufatureiro; seu desenvolvimento, proporcionado pela rede cada vez mais complexa das relacdes comerciais tecida pela s se claboram justificativas para uma nova maneira (4) O leitor encontrar um: ‘lise do processo da passagem das sociedacles feudlais para as sociedades capitalists na Europa, bem como de sua consolidagao, em. Hobsbawm (1979; 1982). As idéias que dpresentamos a seguir sao pouco mais do que um resumo de algumay de suas principais passagens, jo colonial ¢ pelo crescimento em volume de vias comerciais maritimas, foi acomps, ade intelectual € tecnol6gica. Neste con categoria social ativa e determing, da explorag de do sistem tivi lidando uma ampliagio ¢ capac nhado por inten: texto, foi-se Conso! o : da que se beneficiou, mais do que os demais setores da burguesia emergente, das novas oportunidades de enriquecimento: 0 merca- industrial. dor, precursor do capitalist © mercador “‘comprava OS produtos dos artesdos ou do tempo de trabalho nao-agricola do campesinato para vende-los num mer- cado maisamplo™. Nesta nova relacao, o artesdo transformou-se pou- co a pouco num trabalhador pago por artigo produzido, principal- mente nos casos cada vez mais freqiientes em que O mercador era o fornecedor de matéria-prima € 0 arrendatario dos instrumentos de producio. Neste novo processo produtivo, 0 mestre-artesao podia transformar-se num empregador ou num subcontratador de mao-de- obra assalariada; a especializagio de processos € fungdes comegou, por sua vez, a criar subcategorias de trabalhadores semiqualificados entre os camponeses. Precursores dos grandes industriais capitalis- tas, estes novos empregadores que saiam das proprias fileiras dos pro- dutores ainda nado passavam, neste periodo de transi¢ao, de simples gerentes, dependentes dos mercadores € longe, portanto, de se trans- formar nos proprietarios de indistrias que j4 existiam, como exce cao e em pequeno némero, na Inglaterra. O mercador era controla- Gor dessa produgao descentralizada ¢ elemento de ligacdo entre 0 produtor e 0 mercado mundial. (cf. Hobsbawm, 1982, p. 36) ‘A coexisténcia da nobreza com este novo homem empreende- dor, que apostava no processo econdmico € cientifico viabilizado pela racionalidade, nao se dava sem antagonismos. A medida que peanacronismo da producio agraria diminufa seus rendimentos, 4 tos cargos governamentais, aristocracia procurava ocupar Os al valendo-se de seus privilégios hereditarios de prestigio ¢ posicao So. Gial, Nesta luta, freqiientemente esbarrava com os “‘mal-nascidos”™ que, pelas maos dos proprios monarcas, ja ocupavam muitos destes postos na maquina estatal.* Segundo andlises hist6ricas, a determr (4) Seg curopeus, com excegao da C tar a intensa rivalidade int ndo Hobsbawm, os monarcas absolutos que rein Bretanha, ja haviam percebido que P: nacional era preciso governar de modo coeso © 6 Giente, caso contririo seria a runa © 4 incorporagao pelos vizinhos mais HTT Contra a ociosidade dissipagao da nobreza, procuraram pre acher 0 aparaco estatal Com pessoal civil, nao aristoceata, Nesta conjuntura, cade ind a que 0% fndedora paca implancie Ut aminiscas, garaaes: por stu ve? esses € 0 vam em todos 0s EXtl vaca enfiren= ponarcas usavam a chasse média ilustradkt € empree Fytado modernizado € planejado que, com base cm sfogets ilu Asse ae de seu poder; it cl rquia “iluminade’” pac >. dpokavamese mutuamente iliiveis (1982, P- 39) de a multiplicagao de sua riqui hecessitava do apoio dit mi esperangas. Ambas, port de interesses proprios © essencialmente Inco! rscus inte aacio da nobreza em expulsar do aparelho estatal os altos funcio- nirios plebeus ¢ sua rejei¢io aos que adquiriram titulos de nobreza por vias que nao a do nascimento — movimento conhecido como Mreagio feudal” — parece ter sido um dos precipitadores da revo- lucio francesa. Mas a “reacao feudal’ nao consistiu apenas em contra-atacar a escalada dos comerciantes ¢ industriais ambiciosos que faziam for- tuna nas cidades e suas pretensdes politicas reformistas; economica- mente ameagada, a nobreza procurava recuperar 0 controle politico e econdmico da situac¢do ocupando, a qualquer prego, os postos ofi ciais na administragdo central e provinciana ¢ usando os diretos ad- quiridos nestes postos para extorquir 0 campesinato. Portanto, ‘a nobreza ndo sé exasperava a classe média mas também o campe- sinato” (Hobsbawm, 1982, p. 75). Anilises hist6ricas indicam que, nos vintes anos que precederam a revolugio, a situagao do homem do campo francés piorou sensivelmente; compreendendo 80% da populacao, o campesinato francés, embora proprietario majoritario de terras, no as possuia em quantidade suficiente, defrontava-se com dificuldades advindas do atraso técnico, nao conseguia fazer frente 4s pressOes que o aumento populacional exercia sobre a produgio agricola e era saqueado por tributos de toda ordem. ‘As dificuldades financeiras de monarquia agravavam ainda mais o quadro. Uma estrutura fiscal e administrativa obsoleta, aliada a tentativas de reforma incipientes e malsucedidas, gastos palacianos ¢oenvolvimento com a guerra de independéncia americana, numa tentativa de enfraquecer 0 poderio inglés, tornaram a situagao in- sustentavel. Nas palavras de Hobsbawm (1982), ‘‘a guerra ¢ a divi- da partiram a espinha dorsal da monarquia’’ (p. 76). O combate 4 aristocracia nao foi obra, no movimento revolu- cionario francés de 1789, de uma liderang¢a partidaria nem se deu de forma organizada. Sua unidade foi garantida pelo consenso exis- tente entre os integrantes de um grupo bastante coerente — a bur- guesia — constituido de advogados, negociantes ¢ capitalistas. O “Terceiro Estado’’ — entidade ficticia destinada a representar todos 0s que nao eram nobres nem membros do clero, mas de fato domi nada pela classe média — tinha em sua retaguarda uma massa popu- Jar faminta € militante que se acumulava em Paris. Na verdade, a re- volucio francesa foi uma reagao politica da burguesia, cujos lideres mais radicais, militantes € instruidos — os jacobinos — tornaram-se Porta-vozes dos interesses dos trabalhadores pobres das cidades (os Sans-culottes) ¢ dé um campesinato insatisfeito € revolucionario.” (5) Por ocasiao da revolugio fran tia stricto sensu; esta restringi estabelecimentos quase sempre ainda na Franga uma classe opera- Jariados contratados em , nao havi se a um: io-indus 13 Os sans-culottes — grupo militante formado por trabalhadores po- bres, pequenos artesdos, lojistas, artifices, pequenos empresirios, etc. — formavam 2 linha de frente das manifestagdes, agitagdes ¢ rricadas.° ~ ar as na transigao do modo de produgio feudal para o capital ta, os antigos artesdos e camponeses vao perdendo suas condigées anteriores de produtores independentes ¢ de agricultores que ocu- pavam e cultivavam a gleba; destituidos de seus instrumentos de pro- ducao, de sua matéria-prima ¢ da terra para cultivar, suas condigdes de vida tornaram-se insustentaveis; a peste ¢ eventos climaticos con- tribuiram para tornar o quadro mais dramatico. Sdo eles que vio integrar os grandes contingentes famintos que se acumularam nas cidades ¢ que vieram a constituir um tipo de trabalhador inédito na historia da humanidade: o trabalhador assalariado, que vende no mercado de trabalho o tinico bem que Ihe resta, a energia de seus misculos e cérebro. Sao eles que vao formar o contingente dos tra- balhadores da indastria e as populagées pobres das cidades, subme- tidos a um regime ¢ a um tipo de trabalho que lhes eram estranhos mas dos quais nao podiam fugir. S40 eles que vao trabalhar nas ma- quinas ¢ na indistria extrativa de sol a sol, em troca de salarios aquém ou no limite fisiolégico da sobrevivéncia. ‘A medida que 0 capitalista ia acionando diversos mecanismos técnicos € politicos que garantissem 0 aumento do lucro ea acumu- lacao do capital, a situacao do proletariado ia-se deteriorando pro- gressivamente. Se no momento da revolucdo francesa burgueses € trabalhadores pobres ¢ explorados pela nobreza se irmanaram na luta contra o inimigo comum, 4 medida que os anos passam a divi- sao social se expressa basicamente pelo antagonismo entre capita- listas e proletarios. A concentragao crescente da renda nas maos dos grandes financistas € capitalistas ¢ a primeira crise de crescimento que se abateu sobre a produgao capitalista em torno da década de 1830 geraram miséria e descontentamento; nesta época, os traba- Ihadores pobres quebravam as m4quinas, acreditando que elas eram responsaveis pela onda de desemprego, tal como ja havia aconteci- do na década de 1810. Mas a insatisfagaio nao era apenas da classe tabalhadora: a pequena burguesia de negociantes também foi viti- ma da nova economia. A partir de um periodo inicial de expansio da produgao ¢ do mercado € de lucros fantisticos, crises periddicas afetaram a vida (6) “Os sans-culottes so um camo daquela importante ¢ univerval tendéncia polit ca que procura expressar os interesses da grande massa de ‘pequenos homens gue existe entre 0» polos do ‘burgues’ ¢ do ‘proletario’, freqiientemente Ne? mais proximos deste do que daquele porque so, em sua maioria, pobres."” (HOPS bawm, 1982 p. 81) economica entre 1825 € 1848. No contexto desta nuigio da margem de lucro Necessitava ser contida ¢ 0 rebaixamen- to direto ou indireto dos salarios era a medida mais eficaz no bara. teamento da produgao. . Diminui-los tornou-se a meta: Para atingi- ia, o valor da mercadoria "*forca de trabalho’ foi diminuido, trata, thadores mais caros foram substituidos e o trabalho da maquina in, terferiu sobre a quantidade e a qualidade de trabalho humano ne- cessirio.” Nas palavras de Catani (1982), da “aurora do capitalis- mo. quando ele se desenvolvia no inyélucro de uma sociedade pre- dominantemente feudal” (p. 53) € nao existia ainda o trabalhador proletario, até a desintegragAo final da produgao artesanal (na qual um artesio ja semiproletarizado se tornou um operario industrial ¢ os que o financiavam e muitos dos que produziam nas condigdes semi-industriais se transformaram nos capitalistas em ascensio), os grandes desafios enfrentados pela industria capitalista foram a ra- cionalizagdo e o aumento da producao e o incremento das vendas Embora a producao por trabalhador tivesse aumentado muito até os anos 30 € 40 do século XIX, Hobsbawm (1982) nos informa que “a aceleracdo realmente substancial das operacoes da indistria iria ocorrer na segunda metade do século”’ (p. 59). O trabalho alienado tem suas origens no momento em que o produtor comeca a ser destituido dos meios de producdo e comega a produzir para outrem e os homens comecam a dividir-se em pro- prietarios exclusivos das maquinas e da matéria-prima e trabalha- dores que nio as possuem. As relacdes de producao que assim se estabelecem fazem parte da propria natureza do modo de produ- cao que comega a vigorar. No Primeiro Manuscrito Econdmico e Filosofico, Marx (em Fromm, 1970) propde-se a desvendar a verda- deira natureza desse trabalho, dessa forma de trabalho na qual a) © trabalhador se sente contrafeito, na medida em que 0 trabalho nao € voluntario mas lhe é imposto, é trabalho forcado; b) 0 trabalho nao € a satisfagdo de uma necessidade mas apenas um meio para sa- tisfazer outras necessidades; c) 0 trabalho nao é para si, mas para outrem; e d) o trabalhador nfo se pertence, mas sim a outra pessoa. Para Marx, a alicnacdo do objeto do trabalho simplesmente se resu- me na alienacao da propria atividade do trabalho. O carter alienado deste processo de trabalho fica patente, se- gundo Marx, pelo fato de que, sempre que possivel, cle € evitado: Trabalhar, nestas novas condigdes da industria capitalista, ignifica mais do que sacrificar-se, significa mortificar-se. De vida produti- crises, a dimi- 7) Lembremus que, segundo a andlise de Marx, 0 aumento da mais-valia é possivel Mediante diay medidas fundamentais: 0 aumento da jornada de trabalho (Mat alia absoluta)¢ a redugin do tempo de trabalho necessitio (mats-valia "el ea) pelo recurso 4 mecanizacao da produgao € a segmentagio do (aba 15 va, 0 trabalho reduz-se a meio para satisfacao da necessidade de man- ter a existéncia. Esta identificagao com a atividade vital € caracte- ristica do animal, que nao distingue a atividade de si mesmo: ele € sua atividade. Jé o homem faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade econémica. A atividade vital consciente do homem € que o distingue da atividade vital dos animais; mas quando sub- metido 2 um trabalho alienado, o trabalhador 86 se sente livre quan- do desempenha suas fungdes animais: comer, beber, procriar ete., enquanto atos 4 parte de outras atividades humanas e convertidos em fins definitivos ¢ exclusivos. Uma tal condigao de la produz uma inversdo desumanizadora: em suas fung6es especificamente hu- manas, trabalhador animaliza-se; no exercicio de suas fun¢des ani- mais, humaniza-se A medida que a reagao do proletariado foi se delineando e pas- sou a se expressar através de formulagées teéricas socialistas e mo- vimentos revolucionarios concretos, como ocorreu entre 1815 € 1848, os varios tipos de governo reformista que se sucediam nao passavam de formas de defender os interesses da burguesia das pres- ses revoluciondrias socialistas e monarquistas. Mas a ruptura entre burguesia ¢ proletariado nao se daria, exceto na Gra-Bretanha, an- tes de 1848. Nesta primeira metade do século, o proletariado, mes- mo 0 mais consciente e militante, considerava-se um dos extremos de uma luta comum em prol da democracia e via a reptblica democratico-burguesa como o caminho em diregdo ao socialismo.* Mas a historia deste periodo é também a hist6ria da desintegragao dessa alianca. Durante o século XVIII e nas primeiras décadas do século se- guinte, a burguesia foi porta-voz do sonho humano de um mundo 1gualitario, fraterno e livre; mais do que isto, do lugar que ocupa- va na nova ordem social gerou e€ disseminou a crenga de que este sonho se concretizaria na sociedade industrial capitalista liberal; em meados do século XIX, 0 sonho havia acabado para alguns setores mais conscientes das classes trabalhadoras e para seus intelectuais organicos. Em torno de 1830, um movimento socialista € proleta- rio era visivel na Gri-Bretanha e na Franga; uma massa de trabalha- cares ae reformadores ¢ liberais seus provaveis trai- nes € ns Pitalistas seus inimigos seguros” (Hobsbawm, 1982, is 29). Em contrapartida, os liberais moderados € os situacionistas fista coe cn Ti wercom bor olhos os criticos da sociedade capita- s antes, especialmente em sua versio operaria (8) Para Hobsbawm (16 Cg naw (1982, p. 146), 0 Manifesto Comunista de aracdo de guerra futura contra a burgue: Engels (1848) anca presente Marx. mas de al 16 revolucionaria, 0 que resultou no rompimento da alianga de radi- tais, republicanos € proletirios com os grupos liberals conserva- dores.” : O que inviabilizou o sonho? Segundo Hobsb; pita, vasta € aparentemente inesgotavel expansio da econom pitalista mundial forneceu alternativas politi gados”. A revolucao politica recuou, a re cou; “a revolugao industrial havia engoli (p.22), quebrando a simetria destas duas di limada era o reino da igualdade de oport daos, da melhoria das condicdes de vida mico supostamente viabilizaria; a sociedade real foi a do triunfo da alta burguesia, a custa do sacrificio das classes trabalhadoras, que através de seu esgotante trabalho cotidiano Produziam a sua pro- pria miséria e o enriquecimento crescente dos empresdrios. Esta con- tradi¢ao fundamental, instalada na medula do modo de produgio capitalista, sera o motor da hist6ria nos anos Posteriores a 1848 Na “‘era do capital'’, que se inicia em 1848, a politica se carac- terizou por reformas sociais que tinbam como meta defender os interesses da burguesia; dirigir as massas, traduzir suas reivindi- cacdes em termos assimildveis pela ordem social existente era 0 caminbo mais eficaz para lbes permitir uma participagao politi- ca sem que se tornassem ameagas incontroldveis,'° diam ser simplesmente excluidas desta participagdo. A superiorida- de econdémica, tecnologica e conseqiientemente militar de estados da Europa central e do norte e de paises fundados em outros conti- nentes por seus imigrantes, especialmente os Estados Unidos, torna- se um fato neste periodo. Embora poucos dos paises restantes se tenham tornado colénias desses estados, economicamente todos es- tavam a sua mercé. Nos iiltimos anos do século XIX, 0 mundo atingido direta ou indiretamente pela economia capitalista estava basicamente dividi- awm (1979), “a sq. ia ca- Cas As paises mais avan- ‘volucio industrial avan- ido a revolugio politica” imens6es. A sociedade co- ‘unidades a todos os cida- que o liberalismo econé- ja que nao po- (9) “As forgas sociais que crigiram 0 que hoje se chama de século xix encontraram pela frente duas batalhas. Foram tempos de coroacao do capitalismo, da conso- lidacdo da burguesia, mas foram tempos também de uma critica social violent, de ensaios revolucionirios... de produgio filoséfica constante ¢ critica, de de- nlincia da miseravel exploragio do homem pelo homem, de aquestionamentos.” Portanto, fazer a historia do século xix significa fazer a hist6ria do capitalisme € do anticapitalismo, (Costa, 1982, p. 13-14) - o. (10) Quando, oan 1865-1875, uma onda de greves € agitagao da classe total fasPathou-se pelo continente, alguns governos ¢ alguns setores da burgess ficaram apreensivos com o crescimento do trabalhismo. As re feraan poche: Go desencadeadas tinkam como objetivo prevenir 0 surgimento deste movimento como forca politica independente; as atividades € organ lzaco —- encanto tam reconhecidas para screm controladas, medida profildtica de classes, (Hobsbawm, 1979, p. 130-131) 17 do em perdedores ¢ vencedores, tanto dentro quanto fora das fron- teiras nacionais. Em termos nacionais, os perdedores, nos estados curopeus capitalistas, eram sobretudo os grandes contingentes de trabalhadores assalariados, no campo € nas cidades, que se dedica- vam a produgao agricola. induistrias de extragao e de transforma- cho € A variedade crescente de servigos bragais subalternos ¢ mal remunerados. As condigdes de vida no campo produziram nao s6 um significativo éxodo do campo para as cidades, dentro de um mes- mo pais. como também grandes correntes emigratorias interna- cionais. O capitalismo agrario, resultado do crescimento e aprofunda- mento da economia mundial do periodo pés-1848, provocou nova expulsio de grandes massas camponesas que se dirigiam as cidades do continente e aos paises de além-mar. Hobsbawm (1979) situa nes- ta segunda metade de século “‘o inicio da maior migra¢ao dos po- vos na Histéria”’ (p.207), que assumiria propor¢oes ainda maiores nos primeiros anos do século XX. De outro lado, a crescente de- manda de forca de trabalho nos setores da producio industrial e de servi¢os atraia massas camponesas falidas e famintas para as cidades. O que eram a cidade, a indtstria e classe trabalhadora a partir de meados do século XIX? Industrializacdo, urbanizaco e migra- cao andam juntas. A cidade industrial tipica neste periodo era uma cidade superpovoada, carente de infra-estrutura, centro de comér- cio e de servigos que enquistava os trabalhadores na periferia e em vilas operarias que contrastavam com os bairros que abrigavam a vida burguesa.'' A grande industria, por sua vez, ainda nao era a re- gra; a manufatura ainda era freqiiente no processo produtivo capi- talista; as indiistrias geridas pelos membros de uma mesma familia ainda nao se haviam defrontado com as questoes de direcao, de or- ganizagao € de aumento de produtividade nos moldes em que elas come¢avam a se colocar para as grandes organizacoées capitalistas. na passagem do capitalismo liberal para o capitalismo monopolista que se verifica a partir da década de 1850. Se “‘a empresa caracte- ristica da primeira metade do século tinha sido financiada de forma Privada — por exemplo, com recursos familiares — € sofrido ex- Pansao através de reinvestimento do lucro”’ (cf. Hobsbawm, 1979, P.226) a empresa gue comeca a se consolidar na segunda metade quease na mobilizagio de capital para o desenvolvimento in- dustrial (1) Segundo Hobsbawe da consistia, sobret 1 eM 1844 a populagio do mundo, mesmo na Europa, si Pg obretudo, de homens do campo, No final da decada de 1870. 2 favit se mnodilicado substancialmente mas a popukcdo rural ainda Pre ake a urbarit. Assi senda, a nutior parte da bumanidade ¢ seus dest lt dependian do que (1979, p. 149) ACONLECESSE NAL & C4 ma tere 18 A inseguranga era o fator que dominava res do século XIX; a miséria cra uma ameaga constante. E por isso que Hobsbawm (1979) afirma: ““O caminho normal ou mesmo ine. yitivel da vida passaya por estes abismos nos. quais 0 trabalhador e sua familia iriam inevitavelmente cair; o nascimento de filhos, a yelhice ¢ a impossibilidade de continuar o trabalho" (p.231), A maio- ria das familias operarias com filhos ainda pequenos para o trabac Iho, mesmo que trabalhasse no limite de suas possibilidades duran. t¢ os anos especialmente favoraveis ao comércio, nao Podia espe- rar mais do que viver abaixo da linha divis6ria da miséria. Aos qua- renta anos o trabalhador bracal via sua capacidade de produgio de- cair ¢ com ela seu nivel de vida.’ Embora a classe trabalhadora nao fosse homogénea — havia grandes diferencas salariais, de estabilidade no emprego e, portan- to, de condigdes de vida entre as varias categorias de operarios — ela estava unida pelo destino comum do trabalho manual, da ex- ploragio, da propria condicao operaria, enfim. No entanto, 0 em- presariado € até mesmo a classe operdria faziam uma distingao en- tre o “‘trabalhador respeitavel” e 0 ‘‘pobre sem respeito’’; estes ul- timos, nio-especializados e sempre a beira do desemprego e da nio- sobrevivéncia, tinham pouco acesso as organizacdes que comeca- vam a dar expressio a0 movimento trabalhista dos operdrios mais especializados e mais bem pagos.!3 O século XIX caracteriza-se por uma contradi¢ao basica: neste periodo a sociedade burguesa atinge seu apogeu, segrega cada vez mais 0 trabalhador bragal e se torna inflexivel na admissao dos que vém de baixo. No nivel politico e cultural, mantém-se viva a crenga na possibilidade de uma sociedade igualitaria num mundo onde, na verdade, a polarizacgao social é cada vez mais radical. Entre as pe- quenas conquistas de uma minoria do operariado € a acumulagio de riqueza da alta burguesia cavara-se um abismo que saltava aos olhos. Justificd-lo sera a tarefa das ciéncias bumanas que nascem e se oficializam neste periodo. Por mais que se desse énfase 4 melhoria geral das condigoes € Perspectivas de vida trazida pela nova estrutura social, a pobreza que ainda dominava a vida da maior parte dos trabalhadores era por demais visivel ¢ contradizia concretamente as palavras de ordem da vida dos trabalhado- (12) Ao contrario do que acontecia na alta burguesia, que teve nos meadoy do sécu- Jo sy a idade de ouro das pessoas em idade madura, na qual os homens atin iam 0 ponto culminante de suas carreiray, de sua rend e de sua atividade (Hobs bawm, 1979, p. 233) (013) Na sociologia funcionalista norte-am tendida como um proceso de constitu Classe “baixa-alta” © a classe "“batixa-baina 1. esta figsura nat elise operaicia & em 0 de dutas classes sociais distintay: 19 c sorrera neste Movimento revolucig- nairio, batalhOes de tt 0 mais pela burguesia mas pelos seus an- de Paris (87D = intagonistas."* Mesmo entre os operirios espe- tigos aliados, : esepuiram atingir um padrao de vida que guarda- Co hand conteas com 0 estilo de vida burgués. a vida era se Coneegula 4a duras penas, manter uma fachada de respei- tabilidade: comiam pouco. dormiam mal, economizavam migalhas ¢ eram constantemente perseguidos pela iminéncia da miséria. Se- Sando Hobshawm (1979). "2 distancia que os separava do mundo Burgués era imensa — € intransponivel”” (p.240) B visio de mundo da burguesia nascente foi profundamente marcada pela crenca no progresso do conhecimento humano. na racionalidade, na riqueza ¢ no controle sobre a natureza. O idedrio iluminista se fortaleceu com 0 visivel progresso ocorrido na produ- ao € no comércio, resultado. segundo se acreditava, da racionali- dade econémica € cientifica. E, fato compreensivel, esta ideologia encontrou maior receptividade ¢ entusiasmo entre aqueles mais di- retamente beneficiados pela nova ordem econdmica ¢ social em as- censio: “os circulos mercantis € os financistas € proprietarios; os administradores sociais e econdmicos de espirito cientifico, a clas- se média instruida. os fabricantes ¢ os empresdrios” (Hobsbawm, 1982, p. 37). A partir dos dois principais centros dessa idcologia (Franca ¢ Inglaterra), ela irradiou-se para as mais diversas e distan- tes regides, tornando-se voz corrente internacional. Em termos in- dividuais. 0 self-made man, racional e ativo, representava 0 cida- dao ideal. fato de os novos homens bem-sucedidos o serem aparente- mente por habilidade ¢ mérito pessoal — j4 que nio o eram pelos privilégios advindos do nascimento — confirmava uma visto de mundo na qual 0 sucesso dependia fundamentalmente do indivi- duo; como afirma Hobsbawm (1979), “um individualismo secular. racionalista ¢ progressista dominava 0 pensamento ‘esclarecido™ (p.37). Tudo contribuia, entre os vitoriosos na nova ordem. para 0 desenvolvimento da crenga na liberdade individual num mundo racional como 0 valor maximo de onde adviriam todos os resulta- dos positivos em termos de Progresso cientifico, tecnico € econd- mico. A ordem feudal ainda em vigor, com seus esforcgos no sent: Wy) Siac do triunfo burgues. como Hobsbawm chama a segunda metade = Soret fo uma cea de revolugies ou de movimentos de masse on dde Bakunin sat 40s pobres" da cidade ver apoiado a Comuna dew apoio Te retomada por H, Marcuse quase cem anos depois) de que © PO‘ cial de insurreiga le= 1¢40 €stava mais nos marginais rios do que no prel 4 s ise Jirios do qu tariado propriamente dito eloals samples “ do de fazer frente aos avangos ccondmicos € politicos de uma par cela da plebe, constituia o mais sério obsticulo ar piragdes da burguesia; por isso, um dos principais objetivos politi- cos dos que se organizavam cm defesa da ideologia iluminista e do modo de produgio capitalists era ins que em tese libertaria a todos os cidadaos do tradicionalismo medieval obs- curantista, supersticioso ¢ irracional, que dividia os homens em es- truturas hierirquicas segundo critérios indefensaveis. O liberalismo classico, tal como formulado pelos filésofos ¢ economistas dos séculos XVIL-XVII, era a ideologia politica da bur- guesia, A Declaragao dos Direitos do Homem ¢ do Cidadio, de 1789, documento representativo das exigéncias burguesas, nio é, segun- do Hobsbawm, um libelo a favor de uma sociedade democratica ¢ igual é ima de tudo, ‘‘um manifesto contra a sociedade hie- rirquica de privilégios dos nobres”’: prevé a existéncia de distincoes sociais, tem a propriedade privada como um direito natural ¢ ina- liendvel, preconiza a igualdade dos homens frente 4 Lei € as opor- tunidades de sucesso profissional, mas deixa claro que, embora se- ja dada a todos os competidores a possibilidade de comecar no mes- mo ponto de largada, ‘os corredores ndo terminam juntos” Os sistemas nacionais de ensino Se a crenga de que a divisdo social em classes superiores ¢ infe- riores teria como critério o talento individual ira, mais adiante, nos ajudar a compreender os caminhos trilhados pela psicologia nascente € pelas explicagdes do fracasso escolar, 0 nacionalismo, cuja pri- meira expressao oficial € obra da burguesia de 1789, € 0 pano de fundo que nos permite entender, pelo menos em parte, 0 advento dos sistemas nacionais de ensino. Através da defesa de um regime constitucional, a burguesia acreditava estar sendo porta-voz dos in- teresses “do povo’’, tomado como sindnimo de “‘nagao”’.'5 A pesquisa hist6rica revela que uma politica educacional, em seu sentido estrito,'° tem inicio no século XIX € decorre de tés ver- (15) No momento hist6rico em que emerge, esta identifica ccitos é a0 mesmo tempo revolucionaria — na medida em que impugna a visio de mundo dominante até entio, justificadora da estrutura social sob as monar: quias absolutas — ¢ conservadora, pois contém uma concepcio de homem, de suciedade ¢ de hist6ria que obscurece a percepgio dit realidade social nascente, fazendo crer na existéncia de integragio € reciprocidade onde ha contradigao © interesses inconcilidveis © de igualdade ¢ liberdade onde se sedimenta uma nova forma de desigualdade € de opressio. (16) Segundo Zanotti (1972), politica educacional & “a agao sistemaitica e permanente do Estado dirigids a orie |, supervisdo © provisdo do sistema educative es colar” (p. 22) 10 entre estes dois con 21 tree eenca no poder da rasa ~ + -~gau0 do if Oe outro, ° projelo liberal cle um mundo onde a igual, oportunidades viesse substituir a indesejavel desigualdade 1 da na heranga familiar; finalmente, 2 luta pela consolidagio d tados nacionais, meta do nacionalismo que impregnou a vida tica curopéia no 8 culo passado. Mais do. que os dois prime ideologia naci onalista parece ter sido a principal propulsora d politica mais ofensiva de implantacao de redes piiblicas de « em partes da Europa € da América do Norte nas tltimas déca: século XIX ‘A crenga generalizada de que chegara 0 momento de um: ria e justa era o cimento ideol6gico que unia | nstituir mecanismos socia social igualita e punha em relevo a necessidade de i garantissem a transforma¢ao dos stiditos em cidadaos. Para i constituicdo determinaria direitos € deveres; 0 aparelho judi: considerado um poder independente, garantiria a cada cid defesa de seus direitos; a imprensa livre ficaria encarregada niincia e da critica dos desvios; as elei¢des garantiriam a pa cio popular nas decisGes, através da escolha de seus represe e da rejeicio dos maus governantes. Para garantir a sober: cional e popular, que entdo se supunha possivel numa socie classes, a educacao escolar recebe, segundo Zanotti (1972), U damental missao: ‘‘a ilustracdo do povo, a instrucao publica sal, obrigat6ria, a alfabetizagao como, instrumento-mae que © resultado procurado. A escola universal, obrigatéria, co ¢. para muitos, leiga — sera também o meio de obter a gra dade nacional, sera o cadinho onde se fundirao as diferen¢a do € de raga, de classes € de origem’'(p.21). Dai para a co da escola como instituicdo “redentora da humanidade” foi so pequeno, o que nao significa afirmar que os sistemas 0 de ensino tenham assumido proporgées significativas de it contritio, do final do século xvitt até meados do sécul aed a senga social da escola € muito mais intengio de u intclectuais da burguesia do que realidade. do apes ipencia de uma ¢fetiva politica educacion: toricas. pane prescrigao legal, deveu-se, segundc tee cio de mao as srounstancias, 1) a pequena demanda ¢ fe nativas de su aay no advento do capitalismo € as mane waparnte id oH s 2)a desnecessidade de acionar a eapalt Mé pelo fienars Palco Nos anos que se seguem A revolugao Soee anexpresslva inal da primeira metade dos oitocentoss meine gatas ae classes populares por escolariza ae lismo © suas Gitta ordem social; 4) a propria marcha d radicoes al nes jo and 0 entre escola € capital, fontes hist6ricas dispo- 0 de que, de 1780 até pelo menos aco Quanto a rel: niveis nao autorizam a conclu 1870, a escola tenha sido uma instituigio necessaria 4 qualifi das classes populares para 0 trabalho que movia os setores prima- rio ¢ secundario da economia capitalista. Na Gra-Bretanha, por exemplo, a transferéncia de mao-de-obra do campo para a cidade foi o resultado da passagem para uma economia industrial que im- plica uma diminuigao da populagao agricola e aumento crescente da populagio urbana. Estas andlises indicam também que a raciona- lizagio do modo de produgao no campo foi obtida muito mais por transformagoes sociais do que pela introdugao de inovagées tecno- logicas na producao agricola.'” Com estas transformagées, os cam- poneses ficaram reduzidos, a partir de 1815, a uma massa expro- priada, 0 que levou Hobsbawm (1982) a afirmar que ‘‘em termos de produtividade econémica esta transformagao social foi um imen- sO sucesso; em termos de sofrimento humano, uma tragédia"’ (p.66). A industrializagao beneficiou-se deste contingente de camponeses erradicados que se amontoavam nos centros industriais € se trans- formavam, segundo Iglésias (1981), em ‘‘farta mao-de-obra dispo- nivel, que se sujeita a qualquer salario, vivendo em condigoes de miséria, promiscuidade, falta de conforto e higiene, em condicdes sub-humanas”’ € constituindo “‘variantes do que Marx chamou de ‘exército industrial de reserva’ (p.77). ‘A questo da adequacdo dessa nova classe de trabalhadores as novas condigées de trabalho era resolvida através de outros meios que nao a escolarizagao. Na medida em que a maquina ainda nio era o principal instrumento de produgio, as existentes eram de fun- cionamento simples ¢ grande parte da producao téxtil se dava atra- vés do trabalho manual ou em teares rudimentares que funciona- vam nas casas ou em pequenas oficinas, o grande problema de qua- lificacdo da mao-de-obra nao era a aquisicao de habilidades especi- ficas mas sobretudo de atitudes compativeis com a nova maneira de produzir: “.., todo operirio tinha que aprender a trabalhar de uma mancira adequada a inddstria, ou seja, num ritmo regular de trabalbo diario ininterrupto, inteiramente diferente dos altos € bai- xos provocados pelas diferentes estagées no trabalho agricola ou da intermiténcia autocontrolada do artesdo independente. A mao- de-obra tinha também que aprender a responder aos incentivos mo- netirios,”” (Hobsbawm, 1982, p.67) (17) A lei day cer mplo, acabou com o cultivo comunal da Idade Média com a cultura de subsisténcia ¢ com a relagio nao-comerci do da Gri-Bretinha um territ6ri de alguns grandes proprictirios € de muitos arrendatirios comerciais que contratavam trabalhadores rurais, © que promo: veu a interiorizagao do modo capitalista de prod pore iqas rvais imediatas € eficazes de capacitagio da cla As medidas 1 ama disciplina rigida no ambiente ceabalhadoa inctacam impor ama ry va trabal nte de ayo. pagar pouco ao opersrio para FOr © As alhar sem des. iraballno, page i semana para poder sobreviver, recorrer a uma “ae-obra mais décil, como as mulheres ¢ as criang: S, € mediar mao dor atroes ¢ empregidos pelt Ae40 Vigilante € cobra. acer scermedirios que garantiam 2 disciplina do trabalhador. De outro lado, a demanda de trabalhadores tecnicamente habititados estava suprida no primeiro pais | capitalista; ainda segundo Hobs- bawm, a lenta semi-industrializagao da Gra-Bretanha nos séculos an- teriores a0 dezenove produziu um contingente suficiente de habili- tados. Este fato a levou, a0 contrario dos paises do continente, a nao dar maior atengio 4 educagao técnica e geral durante muito tem- po. No entanto, inesmo quando a especializacgdo técnica do opera- rio passa a ser uma necessidade, seu treinamento € feito no proprio trabalho; por isso, cabe afirmar que a fabrica foi, nos anos de con- solidacao do capitalismo, a escola profissionalizante por exceléncia Neste periodo, a escola também nao € necessfria enquanto ins- tituigao destinada a fixar um determinado modo de sociabilidade; sua dimensao reprodutora das relagdes de producio, via manipula- cao e domesticagéo da consciéncia do explorado, também era dis- pensavel num momento em que este ainda no se constituira como forga de oposigao ao estado de coisas vigente € enquanto as insti- tuicdes religiosas davam conta do papel justificador das desigual- dades existentes. Além disso, é preciso lembrar que “no inicio do processo de ascensio, € verdade que a nova Classe representa um interesse coletivo: o interesse de todas as classes nao-dominantes’ (Chaui,1981a, p. 100). Neste sentido, a universalidade de suas idéias é real num certo momento € 4 medida que a classe ascendente se transforma em classe dominante criam-se as condigGes para que seus interesses particulares aparegam como universais ¢ se tornem ses comum. Como vimos, € somente em torno de 1830 que a classe ope- raria comega a se organizar ¢ a engrossar as fileiras dos desconten- tes com a nova estrutura social; porém, nao sera antes das altimas décadas desse século ¢ dos primeiros anos do século XX que as OF ganizacoes operarias se tornardo ativas como forcas antagOnicas nos Palsts industriais capitalistas. Entre 1780 € 1848, os trabalhadores pret eal ilusto da chegada de um mundo novo, livre de manicladé He: tea le oportunidade ¢ formam uma especie de f o eae on com as demais parcelas sociais in: isfeitas tal”: embora rica ne nobre: a Nao se esta ainda na “era do expt ora rica de mobilizagao politica, a primeira metade do s¢ culo XIX é sobretudo a “era das revolucdes” ‘ vimos, eM como alvo os antivoc resne lugdes"” que, COMO VIMOS, i gos regimes. F certo que 0 desejo de ascensio social fazia parte deste Sonne igualitirio ¢ libertario. As vias que ofereciam aos pobres alguma pos- ibilidade de se aproximarem de alguma forma dos ricos eram as que traziam prestigio, mas nio riqueza: 0 sacerd6cio, 0 magistério ea buroc A maquina estatal se ampliara, aumentando o ntime- ro de funcionarios publicos; formalmente, o século XIX esta distante da estatica sociedade hierarquica do passado. As duas revolugées briram possibilidades de carreiras profissionais ¢ as linhas que di- yidiam as classes cram menos impermedveis. Porém, a maioria da populacdo nao tinha acesso aos cargos buroeriticos de maior pres- tigio e devia se contentar com modestos cargos enquanto servido- tes civis, mais isto bastava para que Os que o conseguiam vivessem © encantamento de deixar a categoria dos trabalhos bragais. Sea pre- caria rede de ensino publico fundamental existente nesta primeira metade de século teve alguma funcao social, esta foi a de preparar este pequeno contingente de funciondrios publicos de médio e bai- xo escalio requerido pelo desenvolvimento do estado moderno Finalmente, andlises hist6ricas do nacionalismo tém permitido concluir que os movimentos nacionalistas conscientes praticamen- te inexistiram antes de 1830.'* Mais que isso, tudo indica que na primeira metade deste século os movimentos nacionalistas fora do mundo burgués e fora da Europa nao passavam de movimentos pro- tonacionalistas. Mesmo em sua segunda metade, o nacionalismo de massa ainda nao era uma realidade nas nagdes emergentes, até pelo menos 1860. Assim, embora o século XIX tenha concluido o pro- cesso de consolidacdo dos estados nacionais modernos, segundo Ju- lian Marias (cf. Zanotti, 1972, p. 14), € ‘a partir de 1870 que a na- cio € 0 grande pressuposto da vida politica européia"’. Até entao, 6s sistemas nacionais de ensino sio muito mais anseio da pequena ¢ média burguesia e da pequena nobreza. As classes empresariais, nesta €poca, preferiam os grandes mercados em expansio, ¢ a grande massa popular, para quem a religido era o grande indicador da na- cionalidade, ainda nao tinha qualquer interesse digno de nota pela escola elementar. Afinal, os aparatos ideolégicos por exceléncia ain- da eram a Igreja € a familia. £ somente nos paises capitalistas libera € prosperos, que, a partir de 1848, a escola adquire significados diferentes para diferentes grupos ¢ segmentos de classes, em fungao do lugar que ocupam nas relagdes sociais de produgio. Neles, a escola é valori- yada como instrumento real de ascensio ¢ de prestigio social pel Classes médias ¢ pelas elites emergentes. Como instituigao a servigo do desenvolvimento tecnolégico necessario para enfrentar as pri- (18) A respeito dos movimentoy nacionalistis no século Sty, yeja Hobsbawm (1982 cap. 5; 1979, cap. 7) a «do novo modo de produgao, de modo a racionatizar ego sroclugdo, cla interes tos EMPresarios, Co, Fate deixar a condigao de trabalhador hee cna vida, ela € almejada pela Brande nda fragil © pou. uy cris are acelerar af jo do son de yence ; es miseraveis de uma forma : meira aument mo manutenca gal des) ulorizado € mi ade trabalhador co re tel ve de ensino nao sido, portanto, uma realidade duran. rei eerenéa primeiros anos do século passado. Embora os ntime- ros referentes aos Varios tipos de escola revelem um inegavel Pro- aresso, & preciso lembrar que este aumento foi sensivel nos niveis cundario ¢ superior. Mesmo nos paises que j4 contavam com um sistema ptiblico de ensino, a educagao primaria, segundo Hobsbawm (1982, p. 211-12), era negligenciada e onde existia limitava-se a en- sinar rudimentos de leitura, aritmética e obediéncia moral. Além dis- so. nao se deve esquecer que em torno de 1850 a grande maioria dos que se dedicavam ao ensino das primeiras letras era constituida de professores privados e governantas dedicados as criangas da bur- guesia. Apesar da vulgarizagao do livro e da énfase na necessidade de uma lingua nacional oficial, a imensa maioria da populacao mun- dial permaneceu analfabeta até por volta de 1870. Certamente, foi levando em conta todos estes aspectos que Za- notti (1972), ao periodizar a hist6ria da politica educacional no mundo ocidental em trés grandes etapas, coloca como marco da primeira oano de 1870, quando, até 1914, se atribui a escola a missao de redi- mira humanidade. A partir de 1870 vigora, em varias partes do mun- do, 0 idedrio nacionalista em sua segunda versao: o da construgdo de nagoes unificadas, independentes e progressistas. Para que a di- mensao desenvolvimentista se efetive, faz-se necessario que as nagoes- estado sejam territorialmente grandes, condi¢ao para serem econd- mica, tecnoldgica ¢ militarmente vidveis. Os idedlogos das nagoes- cstado insistiam em que deveria haver somente uma lingua e um meio de instrucao oficiais: € assim que a unificacdo da lingua, dos costu- goes aquisieao da consciéncia de nacionalidade ser4 a primeira mis- dade tec aoe mundo capitalista do século passado. O tema da igual- social servia Sa nage meentemente da raga, do credo e da classe to. aconstituigao d: 0 idedrio nacionalista quanto 20 liberal. Portate como algo ne ° as: nacocs nao era vista como algo espontanco mas comio inti eat ser construido, nesta construgao, 2 €s! ola, nal expandiues cstratégica na imposigao da uniformidade nacio- como sistema nos paises mais desenvolvidos."” fe outras insti (19) Ao impor uma lingu: Wwighes de unifies Hicugdo nacional provecavam reages co de po ra 5 nS ™ VoauMEALY ndo-homoge if S Camda, Jae homogenco; apenas nas areas mais homogenc SOcitiy embares Jo da escola como insti redentora (Hobsbawni, 1982, cap 7) acionalidade, a escok traenacionalistis 6m re as € que (0 (igo uma cultura © un 26 O sentido missiot io atribuido a escola ¢ 6 papel . eigen destteromptotenopoen foram inven tan etl pateran mame lise documental realizada por Zanotti, Entre os dokamentes Sea sados, 0 discurso cleo pele presidente da Argentina quandio da inate guraco da Escola Normal Nacional de Professoras te Rasirio, em 1869, exemplar; “Inangurar umaitscola é fazer um chamiade.a to- gogo preted be ooo mals benece, mmben Set. Antntodons ie ac olocar-se, come nunca, diante do por- senor bispo que a‘cnes re efxando, cair suas bén¢aos sobre 0 no- tenda em sewnulda sobre 0 ber oda sae ee aed firede anaes Sake ida 50 0 bergo da crianca, sobre a terna solicitude aa MAG, S pos e colheitas, sobre 0 nosso povo e seu des- tino.”’ (Zanotti, 1972, p. 25) A crenga no poder da escola foi fortemente abalada pela pri- meira guerra mundial. O século XX tem inicio desmentindo a idéia de que a escola obrigatoria ¢ gratuita viera para transformar a hu- manidade, para redimi-la da ignorancia ¢ da opressio. A posse do alfabeto, da constituigio e da imprensa, da ciéncia e da moralidade nao havia livrado os homens da tirania, da desigualdade social e da exploracao. Este conflito mundial desferiu um duro golpe nos libe- rais que acreditavam nos superpodercs da escola ¢ os levou a inv tirem contra a pedagogia tradicional, na elaboragio de uma peda- gogia que promovesse espiritualmente 0 ser humano Se o movi- mento escolanovista ja era uma realidade no final do século XEX (as primeiras escolas novas datam da década de oitenta desse século), é de 1918. 1936 — a segunda etapa da politica educacional, segun- do Zanotti — que ele se propaga com uma clara intengao: rever os principios e as praticas da educacdo, a fim de fazer da escola uma instituigdo a servico da paz € da democracia. Seus propositores par- tem da critica a escola tradicional que se expandira no decorrer do século XIX e a responsabilizam pelos desastres sociais: se a escola nao estava formando democratas isto sé devia ao fato de ela mesma nao ser democratica. A pedagogia da imposigao deveria se opor uma pedagogia calcada nos conhecimentos acumulados pela psicologia nascente a respeito da natureza do desenvolvimento infantil que Substitufsse o verbalismo do professor pela participacao ativa do alu- no no processo de aprendizagem.”" Os pedagogos Tiberais, no ini (20) A seguinte passagem de Lourengo Filho (1974) content esta afiemagao: “Cres conte itn damero ¢ capacidade de mateicula, difundindo-.¢ PU cidades € 0% Campos, a escola passava a admitir clientelt variada procedencia, con dicoes de sudde. diversidade de tendenciay ¢ aspirasom Os procedimentos dt Uaticos que logravam exito com ce yeas, de igual modo 920 sticedesse cert serviam a outras. Seria natural que iT jo name ao didatismo corrente 7 avam earregados de um humanismo ingenue os levava a acreditar na possiblidade de sses igualitaria, ou seja, uma am ocupados com base no cio do século XX, est mas bem intencionado que ivar uma sociedade de qual 0s lugares sociais ser a escol: sociedade no mérito pessoal '\ psicologia cienti 1 coube buscar a explicagao © a mensura diferengas individuais. F entido que a analise desta Géneia, enquanto expressio cultural da nova ordem social que eme ge do mundo feudal, corns fundamental A comprecnsao da natu- ae vtala peaquisa ¢ do discurso cducacionais sobre a reprovagio es colar que vigoram nos paises capitalistas desde o final do século pa sado. No entanto, seu surgimento se da no mesmo lugar € na mes- ma €poca em que foram formuladas as primeiras teorias racistas res paldadas no cientificismo do século XIX, fato que no pode ser ig- horado quando nos propomos a desvendar a natureza de seu dis: curso gao d. As teorias racistas Como vimos, a grande movimentacio politica que caracteriza o final do século XVII € os primeiros cingiienta anos do século se- guinte tem como mével a luta dos ndo-dominantes na ordem feu- dal contra um inimigo comum. Vimos também que o cimento ideo- logico desta unido de forgas € a crenga no surgimento de um mun- do novo no qual reinario a igualdade de oportunidades, a liberda- de ¢ a fraternidade: contra os privilégios advindos do nascimento, os privilégios decorrentes do esforco e da capacidade individuais; contra a serviddo ¢ a exploragao econémica, 0 trabalho livre € a li- yre iniciativa. O saber € 0 poder ao alcance de todos fazem parte do projeto social em andamento. No discurso dos idedlogos da re- volugao francesa ¢ na visio de mundo dominante na organizacao social que cla consagra, a idéia de escola universal € gratuita ja se encontrava presente. Inicialmente parte integrante muito mais das doutrinas filosoficas, da legislagdo € do privilégio de alguns, 208 pou- cos ela vai-se tornando realidade, 4 medida que 0 desenrolar dos acontecimentos econdmicos, sociais € politicos desaguam na trans- formacio do sonho de todos em pesadelo da maior. 4 escola inicialmente imposta como instrumento de unificagao Curiosidade na indagucio das Causay ow razdes destas dferengas, Do Ieee tan regulars atisidades on mestres, ous do ato unilateral de casinat, impor nuyées felas. pasaulr-se i pricumr enecnider un dispipds ou-are.de apres to as condigaes em GIrcUnstancits a isso favurdvels ou lestavariveis sein dividuuis de desenvatvauenta nacional passa a ser desejada pelas classes trabalhadoras quando de alguma forma se apercebem da desigualdade embutida na nova or. dem ¢ tentam eseapar, pelos caminhos socialmente accitos, da mi- séria de sua condigio. \ escolarizagio € ume das formas que estas centativas assumem, quer como lata individual (familial) da maio- ria, quer como luta coletiva (através das organizagoes de trabalha- dores) de uma minoria que consegue levar a compreensio da reali dade social até 0 limite hist6rico de sua possibilidade, A expansio do funcionalismo piblico ¢ privado faz com que os descendentes de camponeses nos centros urbanos aspirem 4 ascensio social atra- vés da integragdo a seus quadros. Neste sentido, nas tltimas déca- das do século XIX € nas primeiras do século XX, as pressdes popu- lares por educagao desempenham um papel importante na expan- io rede escolar nos paises capitalistas centrais. A palavra igualdade é chave na decifragio da produgao cultu- ral que prepara a revolugio francesa ¢ a sucede. Mas é importante ressaltar que no pensamento liberal no se trata de preconizar uma sociedade na qual as desigualdades desaparecerio: trata-se de justificd-la sem colocar em xeque a tese da existéncia de igualdade de oportunidades na ordem social que vem substituir a sociedade de castas, esta sim, tida como inevitavelmente injusta. No nivel das idéias, a passagem sem traumas da igualdade formal para a desigual- dade social real incrente a0 modo de producao capitalista da-se pe- la traducio das desigualdades sociais em desigualdades raciats, pes- soais ou culturais. Filosofos € cientistas v4o-se encarregar destas traducoes, contribuindo, no decorrer do século XIX, para a consti- tuicdo da burguesia enquanto classe hegemOnica ‘A formacio das sociedades frenoldgicas, integradas ou apoia- das por membros da nobreza, é um fato na Gra-Bretanha e na Fran- ca dos anos vinte € trinta do século passado; nesta mesma Epoca, ja estavam em discussao as questdes do inatismo € do carater nacio- naj, No entanto, segundo Hobsbawm (1982, p. 315) a tendéncia a atribuir a pobreza a uma inferioridade inata ¢ os piores abusos das teorias racistas sO s¢ darao apds os anos cinquenta desse século. Nes- sas primeiras décadas, se de um lado a crenga m6 rreira aberta ao talento € a competigao individualista ja existiam, tanto 10 mundo dos negocios como no da educagao, se as holsas de estuco ja eram atribuidas mediante exame competitive ne qual os critérios cram © mérito € as aptiddes, se OS “civilizados”” ja nutriam preconceltos contra os “barbaros”’, de outro 120 s& pode esquecer que st influén- cia do pensamento religioso fol marcante € uum forte conservado- rismo fazia frente a ideologia leiga € sec ‘ular. ditic ultando o debate. a divulgacao ¢, portanto, 0 proprio de senvolvimento day cienelts biologicas © sociais (cf Hobsbawm, 1982, p 315) ma intelectual curopcu nesse século, Analises do panor, u for. por outra perspectiv s especificamente para o obje. as racists, revelam, como € 0 &: tivo de investigar 0 curso das (cor ! ce spoliakov (1974). no entanto, que d influencia conservadora da Igreja foi maior na Gri Bretanha do que na Franga, o que permite supor que a afirmagao precedente € menos valida para o que ocorria no continente. De acordo com estas investigagées, a Franga € 0 bergo vas teorias do determinismo racial que comecam a ser formuladas ogo apos 0 triunfo da revolugio burguesa, ainda no final do século NaI Nela, aadesdo 4 tradicao anticlerical ¢ cientificista das luzes encontrou menos obsticulos, o que permitiu que logo no inicio dos novecentos as leis da ciéncia se emancipassem do controle divino Na Gra-Bretanha, ao contrario, 0 determinismo racial s6 comegou ase tornar opiniao dominante em meados desse século; se na Franga © debate sobre as teorias das racas corria com desenvoltura, na Gi Bretanha encontrou fortes obstaculos. A doutrina crista continuava a defender ostensivamente as teses da origem comum de todos os homens ¢ da regenerabilidade dos “homens ex6ticos’’, o que fez com que antropologos anglo-saxoes que defenderam teses naturalistas e poligenistas fossem alvo de perseguicdes. A primeira vista, estas consideragoes podem parecer irrelevan- tes ao objetivo de pensar criticamente as idéias a respeito das dife- rencas de rendimento escolar vigentes no Brasil. No entanto, basta lembrar que os intelectuais brasileiros comecgaram a voltar-se para s questoes da escola e da aprendizagem escolar num momento em que o pais vivia mergulhado num colonialismo cultural que fazia de nossa cultura, segundo expressio usada por Cunha (1981), uma “cultura reflexa’’, sobretudo sob a influéncia da filosofia e da cién- cia francesas. A construcao das teorias racistas sera obra, nessa €poca, tanto da nobreza deposta € dos simpatizantes da monarquia — que s¢ Mo- vimentam no rastro de ressentimento deixado pela revolugao — co- mo dos préprios idedlogos da burguesia, ou seja, dos proprios pen- sadores revolucinarios franceses. ‘A adesao ao anticlericalismo € ao cientificismo, caracteristicas do Huminismo, permitiu que esteredtipos preconceitos raciais mi- lenares adquirissem um novo status: o de conhecimentos neutros objetivos € verdadeiros que a ciéncia experimental € positiva con- feria as idéias geradas de acordo com os seus principios. Das inter- pretagdes teolégicas do mundo passou-se As interpretagoes cientifi- "as; COMO diz Poliakov (p. 207), a Providéncia foi substituida pe fisiologia, ciéncia experimental € positiva que, antes da psicologit, voltou-se para a questo das diferengas raciais € individuais _ Adivulgacao mais intensa das idéias racistas da-se a partic dos primeiros anos do sécwo XIX ¢ seu prestigio atinge 0 ponto nus 30 alto aproximadamente entre 1850 © a década de do, as doutrinas antropolégicas formuladas pelo penharam um papel estruturante no pensamen: Cabanis (1757-1808), médico ¢ fildsofo francés, é considerado o mar influente destes idedlogos. Como representante da Nova geracdo pés- revolucionaria, defende teses poligenistas segundo as quais a origem da espécie humana € mUltipla, 0 que autoriza a conclusio de que existem ragas anatomica ¢ fisiologicamente distintas ¢, por isso mes- mo, psiquicamente desiguais. Estas teses contrariam a antropologia cristd monogenista, segundo a qual todos os homens foram criados Aimagem ¢ semelhanga de Deus, e 0 proprio mito da origem propa- gado pela Igreja Catélica de que todos os homens descendem de Adio, seu pai comum. Para Cabanis, o fisico determina 0 moral e 0 cérebro secreta 0 pensamento do mesmo modo que outros 6rgaos secretam suas substancias (Poliakov, p. 200). Suas idéias exerceram grande influéncia sobre Saint-Simon (1760-1825) e Lamarck (1744-1829), que publicaram suas principais obras no mesmo ano de 1809. Alias, a presenga da teoria antropolégica de Cabanis nas ieorias sobre a natureza humana se fara sentir pelo menos nos cento ¢ trinta anos subseqiientes: a afirmacio da desigualdade das racas com base em teses antiqiiissimas sobre a relagdo entre clima e tem- peramento ¢ em sua crenga na beranca de caracteres adquiridos € 0 denominador comum das teorias racistas formuladas em varias partes do mundo até pelo menos os anos trinta do século XX. Em 1803, Saint-Simon (cf. Poliakov, p.199), por exemplo, opunha-se com veeméncia aos que defendiam o principio da igual- dade: ‘‘Os revoluciondrios aplicaram aos negros os principios de igualdade: se tivessem consultado os fisiologicos teriam aprendido que 0 negro, de acordo com sua organizacao, nao é susceptivel, em igual condigio de educagao, de ser elevado 4 mesma altura de inte- ligéncia dos europeus.”’ Alias, as criticas as teses igualitarias fazem- se ouvir cada vez mais alto durante 0 século XIX € so compartilha- das até mesmo por antiescravistas. O paradoxo, no entanto, € ape nas aparente; andlises mais detidas revelam que a maioria dos le- fensores da abolicao da escravatura nao 0 fazia por simpatia om a raca negra” mas por causa da “imoralidade que ela necessariamente introduz entre os brancos” (Poliakov, p.204) ou por um motivo mats fundamental: segundo Schwartz (1973), 0 modo de produgio es cravo “veio a ser menos rentavel que o trabalho a lari do" ,o qui criou as condigdes para o que o “altruismo implantasse a mas (p.153) Um cientificismo ingénuo € UM FaCISMO Mh de ouro das Poliakov. duas das caracteristicas marcantes da €pe ashen Ieorias racistas. De fato, datam desta Epocs as Prime ont de comprovacao empirica das teses da inferioridade racia 1930. Neste perio- s fisidlogos desem- to das Novas elites, mo militante sio, segundo 31 1 prova empit condigio para o das afirmagdes, surge a escola an- bres ¢ ndo-brance salvaguardar 0 carate! tropoldgica norte-ameri i coe de estudo do indice cefiilico. Nao era, portanto, por mero dile- oetismo que, durante o século XIX, antropdlogos se dedicavam van tea de cemitérios para demonstrat que 0s crinios retirados se cemitérios destinados as “classes superiores” diferiam dos que se encontravam nos cemitérios das “classes inferiores’’ (Klineberg, 1966, p.7-8). No marco das sociedades industriais capitalistas, 0 ra- cismo, antes de ser uma ideologia para justificar a conquista de ou- tros povos, foi muitas vezes uma forma de justificar as diferencas vcs, principalmente nos paises em que a linha divis6ria das classes sociais tende a coincidir com a linha divis6ria das ragas, 0 que significa afirmar que cle serviu como “arma na luta de classes’” ‘A confusao entre racas ¢ Classes sociais atinge tais proporgoes no século XIX que, segundo Moreira Leite (1976), a ‘“luta de ragas”” passou a ser considerada “9 motor da histGria’’ no ambito das nas- centes interpretacdes raciais da Hist6ria. Por esta via, justificava-se a dominacao ¢ a exploracio, preservando-se 0 idedrio liberal que sO na aparéncia era inconcilidvel com as teses racistas. Aos liberais que insistiam na existéncia de desigualdades devidas 4 raga restava apenas lastima-las; € com este espirito que Dunoyer (cf. Poliakov, p. 211), um economista liberal, afirma em 1830: “Da desigual per- fectibilidade das racas podem resultar muitas coisas bastante tristes como, por exemplo, a impossibilidade de que todas se tornem igual- mente industriosas, ricas, estabelecidas, morais, felizes.” Frases de efeito 40 comuns nas publicagdes especialmente vol- tadas para a questao das diferencas raciais: duas afirmagées feitas em 1837 por Courtet de I'Isle, entao secretario da Sociedade Etno- logica de Paris, dio-nos a medida do dogmatismo ¢ da tendenciosi- dade que as teorias racistas podiam atingir: “*... 0 principal indicio da qualidade das racas & sua capacidade de dominagio; os senho- res, por definigdo, so superiores aos escravos"’; ‘‘encontrareis a li- berdade no seio da escravidio e a escravidao no seio da liberdade"’ (cf. Poliakov, p.212-3). Na verdade, as idéias veiculadas pelos intelectuais mais des cados do século passado continham, de alguma forma, a afirmagao da desigualdade racial, a ponto de Poliakov sentir-se autorizado a afirmar gue “no fim do século XIX a teoria ariana tinha adquirido entre ¢ (21) Em torno de 1830, a partir de um sentimento de superioridade declarado, os integrantes da burguesia manifestavam um profundo desprezo pelos “barbaros rétulo que aplicavam nao s6 aos nativos dos paises do Tercciro Mundo com? também as populagdes rurais ¢, por exten 5 trabalhadores urbanos pobres do proprio pais (Hobsbawm, 1982, p. 219). gireito de cidadania entre os sabios’” (p.9vu). Na Branga, A. Comte Sfiemava, em torno de meados do século, que a clite.ou vanguarda da humanidade era constituid pela raga branca da Europa ociden tal; o autor da filosofia positivist reconhecia somente trés racas dis tintas: a branca, & qual atribuia a intcligéncia, a amarcla, portadora dos dons da atividade, ¢ a negra, movida principalmente pela afeti- vidade, Em Schelling, Hegel, Feuerbach, Stirner, Marx © Engels € pos- sivel localizar a influéncia das idéias racistas da €poca, O que dis tinguia os liberais dos socialistas, neste aspecto, eram, segundo Po- liakov, as conclus6es hist6rico-filos6ficas que tiravam das desigual- dades constitucionais que acreditavam privilegiar uma raga. E inte- ressante notar que, quando nao era explicita em suas obras oficiais a adesio a esta cren¢a acabaya por se manifestar na correspondén- cia que estes autores mantinham com amigos (cf. Poliakov. p.221-38 passim), Em meio a tantas teorias ¢ a tantos intelectuais que marcaram época, destacar 0 conde de Gobineau (1816-1882) € um procedi- mento que se justifica porque. na qualidade de diplomata, este in- telectual francés morou no Brasil, mantinha “relacoes cordiais ¢ in telectuais com D.Pedro II"’ ¢ marcou presenca na corte do Segundo Império. Este fato certamente explica sua presenga constante na bi- bliografia dos trabalhos publicados no pais sobre o carater nacional brasileiro ¢ sobre as diferengas raciais. desde 0 século passado are quase meados do século XX "Autor de uma das obras mais divulgadas no século XIX — 0 En- saio sobre a desigualdade das racas bumanas, publicado em 1854 Gobineau pretendia provar, como membro que era da nobreza decadente, a superioridade de sua genealogia. Para cle, “a raga Sr perior € a ariana, da qual o ramo ilustre € 0 dos teutos ~ 4 que per- tencia, naturalmente, a nobreza francesa — enquanto Os servos Sc riam da raca galo-romana"”. De sua filosofia das ragas. contradit ria quanto 4 origem das diferengas raciais ¢ pessimist quanto a0 futuro da humanidade, seus leitores selecionaram 0 que mais inte- ressava na €poca: "a idéia de caracteristicas perp anentes das ragas (Moreira Leite, 1976. p.27) . Gobineau praticava o cientificismo ingenuo de que Fala Polia- kov; quando nao conseguia provar 0 que dizia, nio hesitaya em ate rematar: ““é assim porque nao poderia ser de outra forma” (ct, Mo- reira Leite, p.27). Em carta a um amigo, Contessavt que esta ciencis “era para cle apenas um meio de satisfazer seu odio pela democrst cia € pela Revolugao™ (cf Poliakov, p.217). Embora seus trabalhos ygemista em eau o fevaval a ser mtd 122) Seq ? o ) Segundo Poliakoy, 0 catohieme de Gab : ha pratica qy 2 18) tepria, o que nay o impedia de ser poligenst 43 ndo tenham encontrado grande acolhida na Franga, a maneira apai- ao femeomo eran redigidos € 0 estilo fiterario ¢ erudite com que jommatou concepcdes f4 arraigaclas na época fizeram com que sua soem tivesse grande repercussio sobretudo na Alemanha ¢ nos pat ses escravocratas, Parte de seu livro € dedicada a consideragdes sc bre as conseqiiéncias desastrosas da mesticagem; afirma que nos pa ses em que a raga bran impura se mistura ao sanguc de negros © indios, as conseqiiéncias serao trigicas, pois resultarao na ‘‘justa- mais degradados”. Talvez um dos motivos mais acolhida de suas idéias no Brasil resida no fato de que ele nao so trazia reforco ‘‘cientifico" ao preconceito racial dis- seminado no pais como colocava aos intelectuais brasileiros a difi- cil tarefa de conciliar esta visio negativa da miscigenagao com a ne- cessidade de esbocar teorias positivas sobre 0 carater nacional. ‘A publicacao da Origem das espécies (1859) nao muda o rumo das idéias dominantes a respeito das diferengas entre grupos huma- nos. Ao contrario, as teorias racistas encontraram na teoria evolu- cionista elementos para sua reafirmagio. A teoria de Darwin (1809-1882) foi assimilada e transformada pelos intelectuais da bur- guesia na formulacio do darwinismo social € colocada a servi¢o da justificacdo da reconstrugao da hierarquia social que se operara no interior da nova ordem social. Darwin nao formulou 0 evolu- cionismo biologico tendo em vista justificar 0 racismo ou as desi- gualdades sociais, A transposi¢do de suas idéias para 0 universo so- cial — onde supostamente também se daria uma selecao dos mais aptos num mundo pretensamente igualitario — resulta numa biolo- gizacdo mistificadora da vida em sociedade e justificadora da ¢: ploracio e da opressao exercidas pelas classes dominantes dos pa ses colonialistas, :anto dentro como fora de suas fronteiras. Por is~ so, cabe afirmar, como o faz Hobsbawm (1982), que ‘'o darwini mo social ea antropologia racista pertencem nio 4 ciéncia do sécu- lo passado, mas 4 sua politica” (p.227). tigate c uma certa unanimidade no reconhecimento da geniae Spencer (1830 1903; © mesmo nao ocorre cm relagio a Herbert socialigi Hl 903), filésofo inglés que desenvolveu ° biologismo um aes Hobsbawm, Darwin foi um ¢ entista € ee mundo que au mediocre que teve imensa influéncia na v vie ‘ trial e da linens na era da ascensio do capitalisme indus 2 lidagdo da cultura burgues: posigaio dos sere fortes da grande (25) 0 prépriv " oe “bilo Marx segundo andlises historicu-socioloiets, mogtrou entusiam? Pita ake #0 detinito como “base day ciénekay natura” € peto eit au demonstear a in vlume de aula i a intengiy de dedicar a Darwin o segundo volun yest 124) As observacies de Py tue diregio. Apos resale oliakow sobre Spencer © Darwin cumin ar que as expresses “subrevivencia de a4 Partindo deste chao social ¢ cultural, a soviologia, a antropolo- gia ¢ a psicologia, que se oficializam a partir desta €poca, nio im- pugnam a visio de mundo dominante. A mancira como concebem a vida social legitima a sociedade de classes ¢ a desigualdade social que Ihe € inerente. A existéncia de excelentes anilises criticas da constitui¢ao e da natureza destas ciéncias, em suas vers6es funcio- nalistas, nos dispensam desta tarefa que, de resto, nos seria impos- sivel realizar. Para nossos fins, é suficiente registrar que a antropo- logia cientifica que se fez no século XIX e nas primeiras décadas do século XX foi gravemente falseada pelo etnocentrismo europeu.?* Embora tenha a seu favor a oposic’o aos dogmas obscurantistas da Igreja, o fez através de outros dogmas, também reacionarios, que pretendiam ser verdades objetivas. Este capitulo da histéria da cién- cia ilustra bem a afirmagao de que s6 é possivel entender como se engendram as representagdes de mundo se atentarmos para 0 mo- do como os homens se relacionam para produzir e reproduzir a vi- da; numa estrutura social como a das sociedades industriais capitalis- pela existéncia"" foram cunhadas por Spencer — ¢ que Darwin, portanto, foi porta-voz de uma geracio de intelectuais — este autor refere-se a genialidade de Darwin € ao uso da teoria da evolucao para fins ideolégicos na seguinte pas- sagem: “o transformismo permitia integrar a um sistema grandioso, que expu- nha a genealogia ascendente dos seres vivos. do infusério a0 homem, a velha idéia de superioridade das chamadas ragas avangadas". Ao contrario de Spen- cer, que acreditava na marcha inexoravel dos homens para um futuro sob 0 co- mando da raca branca, Darwin era mais prudente nesta previsio; embora acre ditasse na existéncia de racas supcriores ¢ inferiores, admitia que os costumes civilizados podiam mudar 0 curso da Histria Natural ¢ garantir a sobrevivén- cia de seres que, na mera luta pela existencia, estariam condenados ao desapa- recimento (p. 282-284, passim). A seguinte passagem em Chaui (198 1a) resume o que estamos querendo ressal- tar: “A ideologia burguesa tem o culto da historia entendida como progresso. Para a ideologia burguesa, toda a histdria & 0 progresso das nacdes, dos est dos, das ciéncias, das artes, das E que 0 historiador buegués aceita a imagem progressista que a burguesia tem de si mesma, na medida em que a bur. guesia considera um progresso seu modo de dominar a Natureza ¢ de domi- nar os outros homens. Com esse culto do progresso, at burguesia € seus idedlo- {40s justificam 0 direito do capitalismo de colonizar os povos ditos ‘primitivos ou “atrasados’ para que se beneficiem dos ‘progressos da civilizacao’. Assim, quan- do a antropologia social explica “ci mente’ as sociedades ditas "selvagens Passa a descrevé-las como sendo pré-logicas, como fez Levy-Bruhl. Ou entio quando os antropologos percebem que tal caracterizagio € colonialista € pas sum a descrever os ‘selvagens’ de modo a revelar que so diferentes ¢ ndo aire sados, ainda assim permanecem sob st hegemonia dit ideologit burguest (..) por que agora mostram que as socicdades primitivas sdo diferentes da nossit por se rem sociedades sem escrita, sem mercado, sem Estado € sem histOria. (..) Isto nao significa que os antropdlogos queiram defender 0 colonialismo (em geral, defendem os interesses dis suciedades ‘primitivas’), mas sim que su ciéncia per manece pres a uma racionalidade ¢ uma cientificidade que conserva, sil ciosamente, i idéia burguesa de progresso.” (p. 121-122) tas, a resposta a questio primordial — de onde venho? — que os humanos se formulam desde um passado remoto, 86 poderia io de uma genealogi ta aos que objctividade € neutralidade sere assumir a forma de atribui dominam — desta vez sob a pretensa da ciénci: A sociologia cientitica que s¢ desenvolve a partir de Comte, por sua vez, padece dos mesmos problemas epistemolégicos que a an- tropologia funcionalista. Ao ultrapassar os limites da biologia, a teo- tia da evolugao pela selecao natural aboliu a linha divisoria entre ciéncias naturais e humanas e possibilitou a constitui¢ao de uma so- Ciologia que concebe as sociedades humanas a imagem ¢ semelhan- ¢a da estrutura c do funcionamento dos organismos nos quais dife- rentes Orgios (ou diferentes classes) precisam funcionar integrada © harmoniosamente no desempenho de fun¢ocs especificas mas com- plementares em beneficio da satide do organismo (ou da sociedade) como um todo. Como afirma Hobsbawm (1982, p.278), nunca mais iria ser tao facil para o senso comum, que acreditava que o mundo triunfante do progresso liberal capitalista era o melhor dos mundos possiveis, mobilizar 0 universo para confirmar scus proprios pre- conceitos. Durkheim é 0 mais difundido representante desta form: de entender a vida social; preocupado com a stabilidade da socie- dade produzida pelo capitalismo liberal, propés reformas sociais que harmonizassem as partes em conflito, acreditando estar assim con- tribuindo para a instalagao de uma sociedade justa na qual a distri- buigdo das pessoas pelas classes sociais se fizesse com base apenas na capacidade pessoal, tida por ele como de natureza constitucional A psicologia cientifica nascente neste mesmo periodo nao po- deria ser diferente; gerada nos laboratorios de fisiologia experimen- tal, fortemente influenciada pela teoria da evolucao natural e pelo exaltado cientificismo da época, tornou-se especialmente apta a de- sempenhar seu primeiro ¢ principal papel social: descobrir os mais © os menos aptos a trilhar “‘a carreira aberta ao talento” suposta- mente presente na nova organizagao social e assim colaborar, de mo- do importantissimo, com a crenga na chegada de uma vida social fundada na justi¢a. Entre as ciéncias que na era do capital participa- ram do ilusionismo que escondeu as desigualdades sociais, histori- camente determinadas, sob 0 véu de supostas desigualdades pes soais. biologicamente determinadas, a psicologia certamente cue pou posicao de destaque. A psicologia diferencial A genialidade hereditaria © marco do nascimento da psicologit cient a seja fundagao do laboratério de Wundt, na Alemanha de 1879, a con- sulta a qualquer manual de psicologia diferencial — ou seja, da psi- cologia que se quer investigagao quantitativa ¢ objetiva das diferen- gas existentes entre individuos e grupos — poe em relevo um no- me: 0 de Sir Francis Galton (1822-1911), descendente de familia tra- dicional inglesa que produziu homens eminentes no mundo da alta administracdo e das artes, No decorrer de suas atividades intelec- tuais, Galton transitou pelas quatro vertentes da psicologia das di- ferencas individuais: dedicou-se ao estudo da biologia, e a investi gacdes nas reas da estatistica (contribuindo significativamente pa- ra o desenvolvimento das nogdes de distribui¢ao normal, signifi- cancia estatistica ¢ correlacao), da psicologia experimental (atra- vés da pesquisa, em laboratério, das manifestagdes psiquicas) ¢ dos testes psicoldgicos (criando varios testes ¢ medidas de processos sen- soriais, precursores dos testes de inteligéncia). No entanto, seu ob- jetivo principal era medir a capacidade intelectual e comprovar a sua determinacdo hereditdria. Um dos mais conhecidos adeptos da teoria de Darwin, Galton foi o primeiro a fazer o transplante dos principios evolucionistas de variacao, selegio ¢ adaptacao para o estudo das capacidades humanas. Seu primeiro livro, Hereditary Genius, publicado em 1869, € um estudo de homens de reconhecido brilho, através do método da hist6ria familial. Seu objetivo é claro: ““Pretendo demonstrar, nes- te livro, que as aptidées naturais bumanas sao berdadas exatamen- te da mesma forma como 0s aspectos constitucionais e fisicos de todo 0 mundo orginico”’ (p. 1, grifo nosso). Como o néimero de parentes (pais, irmaos, filhos) eminentes era maior nas familias es- tudadas do que se poderia esperar pelo acaso, Galton considerou que esta ea uma prova suficiente de que a genialidade é herdada. Todo o restante de sua obra esta voltada para este mesmo fim. Como precursor dos testes psicolégicos, tentou medir proces- sos sensoriais (como a discriminagao visual, auditiva e cinestésica) motores (como a velocidade do tempo de reagao), tendo em vista estimar © nivel intelectual. Dizia ele: ‘‘Tudo indica que as inicas informagées sobre os acontecimentos externos que nos alcangam passam pela via de nossos sentidos; quanto mais os sentidos detec- tarem diferengas, maior 0 campo sobre 0 qual nossa avaliagao € nossa inteligéncia podem agir."” (1883, p.27)** (26) Eimportante registrar que to logo a psicologia comegou a acumular dados que mostravam diferengas na realizado de testes sens6rio-motores favoraveis a gru- pos humanos tidos como inferiores pela ideologia racista, 0 bom rendimento ém processos sensoriais € motores, tido por Galton pouco mais de uma década antes como indicador de alta capacidade intelectual, passa a receber interpret ‘(do oposta, isto €, passa a ser tomado como indicativo de inferioridade Intelec- tual, Bache (1895) por exemplo, 10 constatar que brancos eram inferiores 1 ne 37 1965) ressatta 0 fato de que Galton inauguct uma preg presente na “psicologia das faculdades a e também mio € objeto das formas ics mele ge, do século XVII a0 XIX, procurasam os prin de associacioniote Sijos quais as idGias se assoctariam na constitu races os mentais complexos. A preocupacio com as dife. Foncas individiats © Seus determinantes, com a deteccao cientifica Gos normais ¢ anormais, dos aptos € dos inaptos, s6 poderia ocor. rer no ambito da ideologia da igualdade de oportunidades enquan- to caracteristica distintiva das sociedades de classe Como conclui Hobsbawm (1979), uma das crengas fundamentais no século XIX lo da classe média estava livremente aberto era a de que “o mundo da a todos. Portanto, os que nao consegu! m cruzar seus umbrais de- monstravam uma falta de inteligéncia pessoal, de forga moral ou de energia que automaticamente os condenava ou, na melhor das hipdteses, uma heranca racial ou histérica que deveria invalid4-los eternamente, como se ja tivessem feito uso, para sempre, de suas oportunidades.”” (p.219-220) Entre os supostos inaptos, estavam os trabalhadores pobres das cidades industriais. (0s objetivos de Galton, contudo, iam mais longe do que a me- ra comprovacio do carater genético das capacidades psiquicas in- dividuais; estava em seus planos interferir nos destinos da humani- dade através da eugenia, ciéncia que visava controlar e dirigit a evo- lucdo humana, aperfeigoando a espécie através do cruzamento de individuos escolhidos especialmente para este fim. Ao que tudo in- dica, este propésito encontrou receptividade na comunidade cien- tifica durante um bom tempo. A propria Anne Anastasi, a maior com- piladora das pesquisas e idéias vigentes na psicologia diftrencial até meados do século XX, nao teve problemas em identificar Galton com a cugenia ¢ em defini-la como ciéncia na primeira edigio de seu classico Psicologia diferencial, em 1937. Compreensivelmen- re esta referencia € omitida ¢ a palavra “eugenia”’ é varrida de seu vers cane de 1949 € 1958. Afinal, o mundo acabara de vi toenacate a0 grande guerra ¢ falar em aprimoramento da espéci 9 minimo inconveniente.”” cupagio que mio es cweotastica medieval € Fs ¢ Indios em mes © homem interior, e ni ae que nature att cdo, niio hesitou em afiem nulos des! nucligeneit s do tempo de t fe eet £80 0 superor, que rage melon det thea taeda tk fellexa secundaria, A medida que sa eT Ite hee homens a eagir com rapide cla ¥e2 moray eal 126). fsta mud, lexivo € 0 mais lerdo dos seres” (citade por KlineDE ant de itespretagdo & reveladora da mectcht cnr que CER os Mdeologi podem se contundir. ilo se pode negar que est i Seam a 4 psicologa norte-americana i Evzia, ae enkase ci 0 so au ‘alton atribuia ao papel dit h reditariedade & que unt tal Vai aumentando neste mana, em consonnels 48 Galton estaya, sem dtivida, imbufdo do espirito de seu tempo; © anticlericalismo ¢ a preocupagio com a questio da hierarquia das Tagas encontram-se no centro de sua obra. No entanto, ele ndo po- r incluido entre os téoricos do racismo com a mesma facilida- de com que o foi Gobineau. Dizer, como ele fazia, que ‘‘o nivel mé- dio [de inteligéncia] da raga dos negros era inferior de ‘dois graus’ ao da raca branca e que o da raga australiana o era de ‘trés graus’”’ (citado por Poliakov, p.285, grifos nossos), nio é 0 mesmo que afir- mar, de modo absoluto, a inferioridade dessas ragas. Muito mais cien- tista do que filos6fo da histéria, Galton nao foi tao longe como mui- tos de seus contemporaneos ¢ discipulos na definigao de uma poli- tica social que visasse 4 preservacdo da raca superior. Embora te- nha sido o fundador da eugenia, mostrava-se cauteloso na presc: cao de medidas eugénicas, alegando o estado ainda precario do co- nhecimento sobre as leis da hereditariedade. Ao colocar em foco a distribuic¢do desigual dos dons e dos talentos de acordo com as familias e as linhagens, diminuiu a énfase no critério meramente ra- cial. Contudo, convém relembrar: numa ordem social em que 0 aces- so aos bens materiais e culturais nao € o mesmo para todos, o ‘‘ta- lento’ € muito menos uma questo de aptidio natural do que de dinheiro e prestigio; mais do que isto, numa sociedade em que a discriminag¢ao e a explora¢ao incidem predominantemente sobre de- terminados grupos étnicos, a defini¢do da superioridade de uma li- nhagem a partir da notoriedade de seus membros so pode resultar num grande mal-entendido: acreditar que € natural o que, na ver- dade. € socialmente determinado. As idéias de Galton a respeito da inteligéncia herdada marca- ram €poca na psicologia; sua influéncia sobre o movimento dos testes mentais que se desencadeou na Ultima década do século XIX foi mar- cante: basta dizer que Cattell, pioneiro na criagao dos testes psico- légicos e seu introdutor nos E.U.A., estava entre seus alunos. Mas de Galton e seus discipulos para a geragio de psicélogos e de peda- gogos escolanovistas que desenvolveu seus trabalhos entre 1890 € tendéncia que se vai tornando dominante na psicologia no decorrer deste sécu- Jo. No entanto, convém destacar que 0 meio social é por ela concebido — co- mo, de resto, por todos os pesquisadores € te6ricos incluidos em sua obra — do mesmo modo biologizado como comparece na sociologia funcionalista. De outro lado, sua leitura atentt € 4 Comparagio day sucessivas edligdes trazem re velagdes interessantes que dizem respeito a propria natureza da psicologia dife- rencial ¢ de sua evolugio: por exemplo, na edigio da década de trinta ha tes capitulos inteiramente dedicados as diferengas raciais, acrescidos de um sobre diferengas entre populagdes rurais € urbanas, Nesta edigio, 0 termo classe s0- cial nao consta do indice remissivo, 0 que 56 vai ocorter na edigio de 1949, depois que esse termo foi transformado, na literatura sociolégica norte-americana, em sinonimo de nfvel sdclo-econdmico, 39 1930 existe uma diferenga fundamental: © apego dos segundos 4 so eptusiasmada na real possibilidade de identificar ¢ promc. almente os mais aptos, independentemente de sua etnia ne Ye sua origem social, E em torno dela que s¢ congregaram psicdlo. gos ¢ pedagogos que, virada do século, sonharam com uma psi- cometria ¢ uma pedagogia a servigo de uma sociedade (de classes) igualitaria creng ver soc Como diagnosticar as aptidées dos escolares O aumento da demanda social por escola nos paises industriais capitalistas da Europa e da América e a conseqiiente expansio dos sistemas nacionais de ensino trouxeram consigo dois problemas para os educadores: de um lado, a necessidade de explicar as diferengas de rendimento da clientela escolar; de outro, a de justificar 0 aces- so desigual desta clientela aos graus escolares mais avangados. Tu- do isto sem ferir o principio essencial da ideologia liberal segundo © qual 0 mérito pessoal € 0 tinico critério legitimo de selecao edu- cacional e social. No ambito da liberal-democracia, é compreensivel que a preo- cupacao com a superdotagao € sua contrapartida, a subdotagao in- telectual, tenha sido a principal atividade da psicologia nos setenta anos apés a publicacao da primeira obra de Galton. Se as aparéncias ja faziam crer que as oportunidades estavam igualmente ao alcance de todos — pois é inegavel que, em comparac4o com a estatica so- ciedade feudal, a nova ordem possibilitou grande mobilidade social — a psicologia veio contribuir para a sedimentagao desta visao de mundo, na exata medida em que os resultados nos testes de inteli- géncia, favorecendo via de regra os mais ricos, reforcavam a impres- sao de que os mais capazes ocupavam os melhores lugares sociais. A explicagio das dificuldades de aprendizagem escolar articulou-se na confluéncia de duas vertentes: das ciéncias biologi- cas ¢ da medicina do século XIX recebe a visio organicista das apt does humanas, carregada, como vimos, de pressupostos racistas € clitistas; da psicologia e da pedagogia da passagem do século herda uma concep¢ao menos heredologica da conduta humana — isto ¢. um pouco mais atenta as influéncias ambientais — ¢ mais compro” metida com os ideais liberais democraticos. A ambigitidade impos” ta por esta dupla origem sera uma caracteristica do discurso sobre os problemas de aprendizagem escolar e da propria politica ea cional, nele baseada, nos paises capitalistas no decorrer de tof 7 tl tek XX. No proximo capitulo, faremos algunas obser Gicional beatae stacdes desta contradigao no pensar ete 110" iienito coneueatin Por ora, examinemos um pouco mais Gs puidielros « tte Psicologia educacional ; especialistas que se ocuparam de cas ys de dificu! 40 gases sprcadizagen escolar foram os médicos. O final do século * Ire 0 86 éculo is foram de grande desenvolvimento das cién- cing medica ¢ biolbgicas. especialmente da psiquiatria. Datam des- 3 igidas classificagdes dos ‘‘anormais"’ e os estudos de neurologia, neurofisiologia ¢ neuropsiquiatria conduzidos em labo- rat6rios anexos a hospicios. Quando os problemas de aprendizagem escolar comegaram a tomar corpo, os progressos da nosologia ja ha- iam recomendado a criagao de pavilhGes especiais para os ‘‘duros da cabeg ou idiotas, anteriormente confundidos com os loucos; a criagio desta categoria facilitou 0 trinsito do conceito de anor- malidade dos hospitais para as escolas: as criangas que nao acom- panhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser de- signadas como anormais escolares € as causas de seu fracasso so procuradas em alguma anormalidade organica Em 1914, nos anais do Congresso de Assisténcia realizado em Montpellier, os anormais infantis *8 sio definidos nos seguintes termos: ‘‘Aqueles que, sob a infléncia de taras mérbidas heredita- rias ou adquiridas, apresentam defeitos constitucionais de ordem intelectual, caracterial ou moral, associados no mais das vezes a de- feitos corporais ¢ capazes de diminuir o poder de adaptacao ao meio no qual eles devem viver regularmente”’ (cf. Ramos, 1939, p-XV1) De sua raiz psicopedagégica mais tardia, plantada em laborat6: rios de psicologia muitas vezes anexos a estabelecimentos de ensi- no, as explicagdes do rendimento escolar desigual receberam como principal contribuig4o os instrumentos de avaliagdo das aptiddes. Medir as aptid6es naturais tornara-se 0 grande desafio que os psi- célogos se colocavam na yirada do século. Além de Binet, um dos fundadores da psicologia diferencial ao publicar La psychologie in- dividuelle, em 1895, € autor da primeira escala métrica da inteli- gencia para criangas, Edouard Claparéde, professor na Universida- de de Genebra € contemporaneo de Piaget no Instituto J.J. Rousseau, tornou-se um autor obrigatorio entre as obras de referéncia de psi- edlogos e pedagogos voltados para o estudo ¢ a mensuracao das di- ferencas individuais de rendimento escolar em todo 0 mundo.” Comment diagnostiquer les aptitudes chez les écoliers, publicado em 1924, encontrou grande receptividade em varios paises, formou mais de uma geracdo de psicdlogos ¢ pedagogos € deixou marcas permanentes € de ficil identificagio nos meios educacionais. "4 matriz biolégica da formagao de Claparéde fica patente m0 artigos que trazem no titulo a expres” ‘os: o Rapport sur Veduca- (1887), © Les enfants anor (28) Entre 1880 ¢ 1920, sto muitos 0s livros € sao “eriangas anormais’’, entre os quais dois classic tion des enfants normaux et anormaux, de s mon (1907) : . ) quarto volume da colegio “Atualidades Pe | publicou a partir de 1934 maux, de Binet € (29) Seu livro A educagéo funcional € dag6gicas’’ que a Editora Nacional 41

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