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Brasão
Campo
Significado heráldico: a superfície interior do escudo, no brasão, com duas partes distintas, no
caso do brasão nacional: a dos Castelos e a das Quinas
O sentido na Mensagem: o primeiro poema chama-se «o [Campo] dos Castelos», onde «o
Ocidente que Portugal fita é “futuro do passado”, isto é, o caminho que levará Portugal a cumprir a
missão histórica que continua o passado». Para tanto é preciso criar de novo, através da eterna procura da
verdade do ser português, representada pelos referidos sete castelos da alma nacional que ocupam o
capítulo II de «Brasão». Mais do que no agir histórico, essa verdade pode ser encontrada no mito, o que,
desde logo, fica explícito com o primeiro dos castelos – Ulisses –, que «Sem existir nos bastou», pois «O
mito é o nada que é tudo».
O segundo poema da obra recebe o nome de «O [campo] das Quinas" e tem naturalmente a ver
com o III capítulo de «Brasão", onde as quinas são representadas por D. Duarte, D. Fernando, D. Pedro,
D. João e D. Sebastião. Cada um a seu modo sofredor das vicissitudes do destino que lhe coube na
construção do ser nacional, pois «Os Deuses vendem quando dão. / Compra-se a glória com desgraça.».
Um aspecto que se liga à teoria do heroísmo na Mensagem, sintetizada, se quisermos, nos versos «Quem
quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor», contraponto do imobilismo improdutivo e
feliz dos que preferem não agir.
Castelo
O castelo é, ao mesmo tempo uma morada sólida, resistente à erosão do tempo e um lugar de
difícil acesso, condições que fazem dele, no plano simbólico, o ideal de procura. Tão inacessível quanto
desejável, ele é um dos símbolos da transcendência espiritual. Tecido de mistério, ele representa, ainda, a
energia criativa do mito e permanece na memória colectiva como objecto de procura interior. Uma
simbologia a que Fernando Pessoa é particularmente sensível, como se vê nesta quadra de um dos poemas
do Cancioneiro:
Quem pode sentir descanso
Com o Castelo a chamar?
Está no alto, sem caminho
Senão o caminho por achar.
«Castelos» do Ser nacional, na Mensagem, são Ulisses, Viriato, Conde D. Henrique, D. Tareja, D.
Afonso Henriques, D. Dinis, D. João o Primeiro / D. Filipa de Lencastre, significativamente em número
de sete. Com Ulisses, entramos na verdade do mito e na criação de Portugal; com Viriato é a antemanhã
que se nos apresenta como augúrio, como potencialidade pura, o ainda não e, no entanto, já do Ser futuro;
O Conde D. Henrique, «herói involuntário», e D. Tareja que, com «bruta e natural certeza», qual loba de
Rómulo e Remo, amamenta D. Afonso Henriques; este é o «exemplo inteiro», do «pai» e do «cavaleiro»,
i. e., daquele que demanda, executante de um destino que o transcende. A força e a energia mítica
irradiam da sua espada fundadora «A bênção como espada, / A espada como bênção»; D. Dinis, rei-poeta,
o mito criador que reenvia para a certeza adivinhada do futuro, é o «plantador das naus a haver».
Portugal, de Nação, começa a esboçar-se Império; D. João O Primeiro é o Mestre (de Avis,
naturalmente, mas também Mestre espiritual), exemplo da defesa do Ser português, como os outros
castelos da alma colectiva, é depositário e servidor de uma força que o habita, mas que não lhe pertence a
título pessoal: «O homem e a hora são um só / Quando Deus faz e a história é feita»; finalmente, D. Filipa
de Lencastre partilha o castelo do ser que D. João representa, é mito da criação dos génios talhados para
grandes empreendimentos, merecendo, por isso, O epíteto de «Princesa do Santo Graal».
São, pois, sete os castelos da alma colectiva como sete são os degraus para a perfeição ou as
lâmpadas através das quais a vontade divina clarifica a sua vontade e a faz prevalecer. E não o são
apenas por serem parte integrante do «alicerce» de Portugal. São a garantia de vigília contra a decadência
presente ou, se quisermos, a certeza de que a Nação tem uma missão oculta a cumprir.
Quinas
[As] quinas das armas nacionais transportam desde a sua origem um significado próprio,
fortemente coroado de cristianismo romano e oficial, isto é, milagreiro. Seja qual for a perspectiva
simbólica que adoptemos (as cinco Chagas de Cristo, os cinco reis vencidos e os trinta dinheiros de Judas,
etc.), as quinas remetem-nos sempre para o milagre de Ourique. Mas debalde o leitor procurará, na
Mensagem, a mais leve referência à visão de D. Afonso Henriques.
É verdade que versos como estes se referem ao Deus bíblico da tradição cristã:
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.
mas têm o valor do símbolo, não representam a adesão a um credo. O que lhes subjaz é a teoria do
heroísmo, que é, tanto na Mensagem, "como n' Os Lusíadas, uma teoria do sacrifício». Constituem mais
um argumento aduzido, através do recurso a um exemplo significativo, à primeira estrofe do poema,
iniciada desta forma: «Os Deuses vendem quando dão. / Compra-se a glória com desgraça» (v. Campos).
"O das Quinas» é, isto sim, a chave que abre as portas à compreensão dos cinco poemas agrupados no
cap. III de «O Brasão», cujos heróis, sagrados «em honra e em desgraça», partilham a grandeza de alma
que os torna infelizes diante de um destino adverso:
- D. Duarte»: cumpre contra o Destino o seu dever;
- D. Fernando: consumido por uma "febre de Além» exemplifica o quanto «a vida é breve» e «a alma
vasta»;
- D. Pedro»: sem a guarida da Sorte, morre "fiel à palavra dada e à ideia tida»;
- D. João»: recusando o estatuto dos «felizes» "porque são / Só que passa», exprime a ânsia de Absoluto
do português: «O inteiro mar, ou orla vã desfeita - / O todo, ou o seu nada.»;
- D. Sebastião: recusando o conformismo da «besta sadia», faz da loucura e do sonho de grandeza o
móbil do seu agir que a Sorte contraria.
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Voltando à simbologia tradicional das quinas, nota-se que os vinte e cinco besantes1 \ estão
ausentes da Mensagem, como também o significado religioso que lhe está associado. As cinco Chagas de
Cristo que a tradição consagra são, hereticamente, na obra, as chagas abertas no Ser nacional, i. e.,
reenviam para a «desgraça» e o sofrimento a pagar pelo alcance da glória, facto que a vida infeliz dos
cinco heróis atrás referidos amplamente confirma. Vencidos, como os cinco reis da simbologia
tradicional, só o são, no entanto, em sentido comum, pois deles o que morreu foi o «ser que houve, não o
que há», ou seja, o que neles existia de mortal, não aquilo que neles é exemplo da essência do ser
português:
Coroa
O simbolismo da coroa prende-se a três factores: 1. ao lugar onde se a coloca; 2. à forma circular;
3. à matéria de que é feita.
1. Por se colocar na cabeça, a coroa é símbolo, por um lado, dos valores da cabeça (a autoridade
de governar, de esclarecer; o espírito revelado), por outro, do que está para além dela: o transcendente.
2. A forma circular indica que a coroa não só remete para a ideia de perfeição, como também
participa do divino. O coroado une o que está acima e abaixo dele, i. e., a terra e o céu, o profano e o
sagrado, o material e o espiritual. Recompensa de uma prova vencida, a coroa é promessa de
imortalidade.
3. A matéria da coroa (mineral, vegetal, feita de luz) indica a natureza do acto heróico e da
recompensa divina atribuída.
Mas a coroa é, também, símbolo de elevação moral, de poder, de luz que ilumina, aspectos a que a
Mensagem é particularmente sensível.
Não resulta, por isso, indiferente que a figura histórica escolhida para integrar o IV capítulo de
«Brasão», a que foi dado o título de «Coroa», tenha sido justamente Nuno Álvares Pereira. Quem melhor
do que ele poderia representar a ligação entre o humano e o sagrado para que a simbologia da coroa, tal
como a da espada, reenvia?
Não é apenas a recompensa merecida o que a coroa em Nuno Álvares representa, é o que dela
irradia de luz que ilumina (simbologia comum à coroa e à espada), de espiritualidade pura, de essência do
sagrado, que mais interessa. Colocando-se acima da medida humana comum, a sua figura torna-se o
exemplo inteiro do ideal de ser português, deixando ver através do seu gesto significativo a existência
sagrada de Portugal e o sentido de missão que o define. Dai que ele seja «S. Portugal em ser», e a sua
espada, a «Excalibur, a ungida».
Ideal de perfeição, espírito revelado, condutor de homens, (con)sagrado pelo mito na memória
colectiva, elemento de ligação entre o passado e o futuro, porque «esperança consumada», o Condestável
é-nos apresentado como um modelo a imitar:
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
Grifo
«Grifo»: ave fabulosa com bico e asas de águia e corpo de leão:
Na Mensagem, o grifo representa seguramente a conclusão da luta entre o homem e o mar, a
empresa das descobertas, a reunião do conhecido com o desconhecido, do Ocidente com o Oriente, e
respectiva aniquilação dos lutadores: a perda da independência que logo se seguiu e a perda progressiva
do império.
Não admira, por isso, que a cabeça do grifo seja o Infante D. Henrique, guia espiritual, que em si
reúne o poder terreno e a missão celeste que o legitima, sugeridos pela simbologia do leão e da águia,
respectivamente. Uma simbologia comum às outras duas figuras que constituem as asas do grifo e a quem
cabe dar forma ao gesto criador do Infante: D. João O Segundo e Afonso de Albuquerque.
D. Henrique é o dominador do «mar novo» e das «mortas eras», ou seja, do conhecido e do
desconhecido, do novo e do velho. Projectando-se acima da medida humana comum («Em seu trono entre
o brilho das esferas»), simboliza a ideia de descoberta, é a figura suprema do criador de civilização. Daí
que seja «O único imperador que tem, deveras, / O globo mundo em sua mão.».
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Apreciada peça de terceira ordem, usualmente para diferenciar armas de linhagem não reais, em forma de rodela lisa que
representa ouro ou prata. 3
Asa do grifo que paira no ar, vigilante, determina o «limite da terra a dominar» e impõe o caminho
a seguir. D. João O Segundo é, em linguagem cinematográfica, o realizador do argumento que o Infante
assina, já que a sua representação caberá a Afonso de A1buquerque. É o filme da bem sucedida posse dos
mares e da construção de um império territorial que, uma vez consumado, prenuncia já o seu declínio.
Em todo o caso, o que importa reter é a pouca importância que se deve atribuir à perda
progressiva desse império material, que a Mensagem não se cansa de desvalorizar. Afonso de
A1buquerque, por exemplo, em vez da celebração do seu triunfo, «sobre os países conquistados / Desce
os olhos cansados» e os «três impérios» que lhe são atribuídos «Criou-os como quem desdenha».
Válida é, igualmente, a ideia de império universal que atravessa os três poemas do «Grifo». Já não
um império suportado por um domínio temporal, que este deixa adivinhar o seu fim, mas antes um
império fundado em valores espirituais. Note-se que a cabeça e as asas do grifo, ainda que ligadas ao,
corpo a que se prendem, são precisamente, em termos simbólicos, a representação da espiritualidade, Ao
corpo do grifo, a sua parte de leão, símbolo do poder terrestre, não corres ponde qualquer figura histórica
na Mensagem.
No grifo, o poder espiritual impõe-se ao poder material. Um triunfo que importa sublinhar, já que
o grifo é, na Mensagem, elevado a sinal da Nação.
Mar
Elemento de ligação entre o passado e a certeza adivinhada do futuro, o mar é o símbolo do ser-se
português. Foi-o, no passado, pelo que espelha do português desvendador e dominador de mundos; sê-lo-
á, no futuro, porque sagrado português, «fornecerá o elemento simbólico para todo o navegar"» ou, se
quisermos, para a eterna procura: é partindo dessa lição do ter sido que se traça um plano para o futuro,
para o Portugal a haver. Caminho a seguir: o do sonho, alimentado pela esperança e pela vontade, a
mesma esperança e a mesma vontade de que Álvares Pereira é exemplo.
Assim sendo, da aventura temporal que foram as descobertas, bem localizadas no passado,
galardoadas com os «beijos merecidos da verdade», há que passar à aventura espiritual, que é a procura
do «Portugal a haver»:
Note que, a propósito da pergunta «Valeu a pena?», dificilmente se deixa de pensar no Velho do
Restelo camoniano cujos argumentos em «Mar português» contrariamente ao episódio de Os Lusíadas,
deixam de ter razão de ser. O inventário de desgraças que o Velho do Restelo profetiza está lavrado na
nossa memória colectiva e é o preço a pagar por aqueles que, em qualquer tempo, escolhem o caminho da
glória: «Quem quer passar além do Bojador / Tem de passar além da dor».
O Encoberto
Diz António Sérgio: «às puras profecias bíblicas agrega-se logo de começo a ideia de Encoberto,
não oriunda também esta, do povo português, mas importada de Castela.»
Com efeito, da investida corrosiva de Sérgio depreende-se, desde logo, que o sebastianismo é um
mito messiânico de raiz judaico-cristã, inspirado no regresso de um Messias redentor. Em essência, não é
diferente o mito celta do regresso do Rei Artur, que libertaria o seu Povo do jugo estrangeiro. Quem era
então esse Encoberto a que alude Sérgio? Segundo Sampaio Bruno, terá sido um homem que apareceu em
Játiva (Valência), fazendo-se passar por neto dos Reis Católicos e que, por motivos políticos, foi obrigado
a ocultar a sua identidade. Recebeu, por isso, a designação de EI Encubierto distinguiu-se nas
insurreições populares em Valência, no reinado de Carlos V, acabando por desaparecer. Foi aclamado
pelo povo, que nunca acreditou na sua morte.
O nosso mito do Encoberto da narrativa de EI Encubierto de Valência só tem mesmo a
designação. É profetizado nas Trovas de um sapateiro de Trancoso (contemporâneo de Gil Vicente), de
nome Bandarra2, muito antes desse fatídico dia 4 de Agosto de 1578 em que fomos derrotados em
Alcácer-Quibir. Só a partir de então o mito do Encoberto será ligado à figura de D. Sebastião e ao seu
regresso, assim como, mais tarde, a outros governantes.
D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã,/no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua
onde esteve esperando a hora da sua volta. É importante é sublinhar que, em momentos de crise, esse
regresso é ardentemente desejado ou, em termos literários, sonhado, para usarmos um termo bem caro à
2
Gonçalo Aires da Cunha, trovador que desafiou a Inquisição e que, como sebastianista, dizem ter previsto a data da
Restauração da independência. 4
Mensagem. Daí também a designação de Desejado que, frequentemente, lhe é atribuída. A manhã,
símbolo de todas as possibilidades e de todas as esperanças, é o momento da sua chegada, em que o
monarca vem investido da condição de Salvador da Pátria. O nevoeiro em que virá encoberto, confere-lhe
não só um halo de mistério, como também simboliza a decadência da Nação, que se dissipará com a
revelação iminente ou com a solução milagrosa de que ele é portador. Não raras vezes, esta solução é o
Quinto Império da fraternidade universal.
Recordemos o facto de a Mensagem ter justamente como título da Terceira Parte «O Encoberto» e
que o tema literário do sebastianismo, entendido como um mito messiânico, onde não cabe apenas D.
Sebastião, foi bastante glosado, designadamente no século XX. Acrescente-se, finalmente, que muitos
autores sustentam que o sebastianismo é um fenómeno bem enraizado na nossa maneira de ser.
Símbolos
Que a Mensagem se situa no plano dos símbolos, parece não haver dúvidas se atentarmos na
epígrafe à obra de inspiração esotérica: Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum
(«Bendito Deus Nosso Senhor que nos deu o Sinal»). Certa é, pois, a importância que Pessoa consagra
aos símbolos (esotéricos ou não), desde logo atestada no título de uma das divisões da Terceira Parte da
obra. Cinco são os poemas que aí receberam o nome genérico de «Os Símbolos». Cinco é o número do
despertar da consciência adormecida e da reinvenção do dia claro, tópicos que inspiram largamente o
conteúdo do segundo dos símbolos - o Quinto Império:
Note que a ligação de D. Sebastião, o primeiro dos símbolos, ao Quinto Império se faz através do
sonho: «É o que me sonhei que eterno dura,/ É Esse que regressarei.». É ainda pela virtude do sonho que
este D. Sebastião sacralizado, alma do futuro de Portugal e profeta que a si próprio se anuncia, se faz
Desejado, no terceiro dos símbolos. O sonho torna-se esperança e refugia-se nas ilhas afortunadas,
símbolo da felicidade adiada, onde «o Rei mora esperando» e donde regressará como o Encoberto, o
quinto dos símbolos.
Mas Cinco é, igualmente, o despertar do centro, dos quatro elementos que compõem o universo:
D. Sebastião - a água (ou a alma);
Quinto Império - o fogo (ou o espírito);
O Desejado - o ar (a mente, a revelação);
As ilhas Afortunadas - a terra (a materialidade, a protecção).
O quinto dos símbolos - o Encoberto representa a harmonia, a perfeição com que esses elementos se
conjugam no universo sonhado.
Símbolos são, ainda, todos os heróis que a obra celebra, transfigurados em almas do Portugal
futuro que enigmaticamente prenunciam.
Avisos
São três os avisos na obra, veiculados pelo Bandarra, pelo Pe. António Vieira e pelo eu da
Mensagem, apresentados de forma gradativa: sinal - prenúncio ansiedade (a interpretação profética tem
sempre três feições).
Assim sendo:
O sonho desse império divino pelo «anónimo" Bandarra é o primeiro aviso. Um sonho «confuso como o
Universo», mas vivido com a certeza de quem cumpre humildemente uma missão que o transcende. As
profecias do Bandarra, funcionam, deste modo, como um «sinal» do Portugal a haver.
É esse «sinal» que Vieira, «Imperador da língua portuguesa» («Minha pátria é a língua portuguesa» - diz-
nos Pessoa- Bernardo Soares), interpreta e transforma em regresso iminente de D. Sebastião e visão do
Quinto Império que, como «prenúncio», «Doira [já] as margens do Tejo».
O terceiro aviso é a ânsia da espera com que o eu poético pressente o regresso do «Rei» e, com ele, do
Quinto Império, entrevisto já na esperança e na sua impaciência: «Quando é o Rei? Quando é hora?»
Todavia, antes de ser a «hora», há que passar os quatro «Tempos», que, na Mensagem, vêm a seguir.
Tempo(s)
Os tempos são cinco, ou melhor, quatro mais um. Quatro é o símbolo da potencialidade,
esperando que se dê a manifestação (ou a reinvenção do dia claro), que ocorre no quinto dos Tempos. Em
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"Os símbolos», o quinto é "O Encoberto», o que se liga ao quinto dos tempos - o "Nevoeiro» -, uma
ligação que desde logo se prende à ideia de regresso. O nevoeiro que envolve o Encoberto não é apenas a
face visível de um estado transitório para a revelação iminente, ele é, na tradição judaico-cristã, também a
garantia da autenticidade desse regresso.
Mas nevoeiro, o último dos Tempos e título do último dos poemas da obra, é também metáfora do
presente ("Ó Portugal, hoje és nevoeiro... »), caracterizado como «fulgor baço da terra», ao qual já nada
define «com perfil e ser», uma caracterização muito próxima daquela «apagada e vil tristeza» com que
Camões descreve a Pátria do seu tempo. «Brilho sem luz e sem arder» e «Portugal a entristecer», chama-
lhe Pessoa. Um cenário negativo, que, uma vez mais, se liga ao Encoberto cujo regresso se toma urgente.
Nevoeiro é ainda, uma mistura de água, fogo e ar, respectivamente os símbolos que atribuímos a
D. Sebastião, a O Quinto Império e ao Desejado, máscaras do Encoberto.
Mas o «É a Hora», onde a Mensagem se cala e o Quinto Império começa, não se realizará sem
serem «passados os quatro / Tempos do ser que sonhou.» É o que vamos fazer, voltando à Noite, onde o
dia claro do Quinto Império se começou a desenhar.
O poema «Noite», onde por analogia, se surpreende a inspiração provável na saga dos irmãos
Corte-Real, transporta-nos ao longo período de letargia («mar da idade») que seguiu momentos heróicos,
no texto personificados pelo «Poder» e pelo «Renome» com que os dois nautas (ou iniciados) surgem
referidos. Um e outro empreendem uma viagem sem regresso, o que em termos iniciáticos corresponde à
supressão da etapa que simboliza a imortalidade colectiva.
O que terceiro dos nautas pretende resgatar para a comunidade e para cada um o poder e o renome
perdidos, que os dois nautas alegoricamente corporizam. Move-o a grandeza de alma insatisfeita, e essa
febre de navegar dos eleitos e a convicção de que toda a viagem em busca da Verdade é, antes de mais,
uma peregrinação interior: «É a busca de quem somos na distância / De nós».
Se isso representa já o despertar da consciência adormecida, nem por isso o nauta pode partir. A
tê-lo feito, consumaria como facto definitivo o acto dos outros dois (do ponto de vista simbólico, a
manifestação do que quer que seja só se consuma como totalidade depois de reveladas as três feições que
a integram). Terá de esperar pela hora astrologicamente determinada para os resgatar, libertando-nos
também da «prisão servil» em que vivemos, não sem antes reconhecer a chamada à aventura num sinal
divino que ainda não aconteceu: «Deus não dá licença que partamos»
O sinal divino de que acima se fala surge no segundo dos Tempos, tratado no poema «Tormenta»,
que, simbolicamente, evoca a glória e a força divinas, sendo, por isso, associada ao prelúdio de uma
revelação ou, se quisermos, do começo das grandes épocas históricas. Não é passível, pois, de ser
confundida com a tempestade que é uma manifestação da cólera divina.
A tormenta simboliza, ainda, o desejo de fuga à banalidade quotidiana, sendo tradicionalmente
associada à acção criadora, o que no poema se manifesta no interrogar-se inquie tante do eu poético sobre
o futuro de Portugal («Tanta foi a tormenta e a vontade!», havia já sido dito no poema «Prece»):
Trata-se pois de um convite à exploração das profundezas da alma, arrancando ao inconsciente
colectivo, o que o mar nos pode dar de energia criativa para inventarmos o «poder ser».
O sinal de Deus que se segue só se descobre, por isso, procurando no interior de nós mesmos, no
«desejar poder ser» que será o motor da acção.
À Tormenta segue-se a Calma, o terceiro dos Tempos do «ser que sonhou». E se naquele se indica
o primeiro sinal da manifestação de Deus, neste faz-se alusão ao segundo:
A peregrinação interior continua até à descoberta do segundo sinal. Mas onde encontrar a «ilha
velada», que «para a vista não existe»? Aqui, para onde remetem todas os indícios da sua existência:
- «a costa que as ondas contam / E não se pode encontrar»;
- «o que as ondas encontram / e nunca se vê»;
- o «som de o mar a praiar»;
- a presença do «sargaço».
A «ilha velada» está, pois aqui, i. e., em «Nós, Portugal, o poder ser», onde é preciso descobri-la.
Portugal é esse «país afortunado / Que guarda O Rei desterrado».
Percorrido este trajecto de (auto) descoberta, o iniciado ultrapassou a terceira das portas do «ser
que sonhou».
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A Antemanhã - o quarto dos Tempos consagra definitivamente a ideia de potencialidade para a
qual os quatros tempos nos reenviam. A antemanhã é tradicionalmente símbolo de todas as possibilidades
e de todas as promessas, i. e., do renascer da esperança.
A antemanhã é, ainda, o tempo dos favores divinos e o sinal do poder de Deus (o terceiro sinal
recorde-se), agora explicitamente interpretado pelo regresso do Mostrengo já domado e que vem reclamar
do seu senhor «Aquele que está dormindo / E foi outrora Senhor do Mar», ou seja, de Portugal - que
cumpra o seu destino rumo ao futuro glorioso que é o seu.
Resta-nos recordar aqui o que dos quatro tempos se lê em «O Quinto Império»:
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Revelação iminente desse «dia claro» que é o Quinto Império - o Nevoeiro, o quinto dos Tempos,
o do regresso do Encoberto.
Os números