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Cursos Científico-Humanísticos e Tecnológicos

Ano: 12º ano


Ficha de Avaliação Informativa de Português – Os símbolos na Mensagem

Brasão

Brasão: a arte que tem por objecto a armaria.


Brasão no sentido da Mensagem: sinónimo de escudo de armas, distintivo de nobreza, de
fidalguia  a nobreza de carácter; as «armas» são a procura, a ânsia de Absoluto, a esperança de
redenção messiânica, postas ao serviço da defesa do ideal de ser português; a fidalguia» como forma de
estar e de ser na construção do destino pátrio e não o usufruto material de uma posição social
privilegiada; registo simbólico de uma identificação, que permanece para além dos entes mortais que o
produziram (Afonso de Albuquerque criou os impérios do Oriente, «como quem desdenha»).
Fonte de Inspiração: O brasão das armas nacionais: os sete castelos e as cinco quinas, mas,
«contra posição de um brasão novo”, um brasão reconstruído. Entre as alterações assinaladas figuram:
- a do timbre das armas nacionais (a serpente alada dá lugar ao grifo);
- a da simbologia das quinas" que deixa de estar ligada ao Milagre de
Ourique;
- a ausência dos vinte e cinco besantes, tradicionalmente símbolo dos trinta dinheiros que Judas recebeu
pela venda de Jesus.
Significado: a força simbólica do milagre de Ourique é, na Mensagem, substituída pela do mito, o
«sempre por achar», desde logo a do mito da criação que Ulisses e os outros castelos (Viriato, o Conde
D. Henrique, D. Tareja, D. Afonso Henriques, D. Dinis, D. João o Primeiro e D. Filipa de Lencastre)
representam. O Brasão na Mensagem tem, em suma, de ser entendido como o lugar da memória
colectiva onde as qualidades do ser português se fixam, como símbolo de procura, como possibilidade
criadora, como potência do Portugal a haver. Mais do que a imagem do passado, o Brasão é o futuro
que esse passado deixa adivinhar.

Campo
Significado heráldico: a superfície interior do escudo, no brasão, com duas partes distintas, no
caso do brasão nacional: a dos Castelos e a das Quinas
O sentido na Mensagem: o primeiro poema chama-se «o [Campo] dos Castelos», onde «o
Ocidente que Portugal fita é “futuro do passado”, isto é, o caminho que levará Portugal a cumprir a
missão histórica que continua o passado». Para tanto é preciso criar de novo, através da eterna procura da
verdade do ser português, representada pelos referidos sete castelos da alma nacional que ocupam o
capítulo II de «Brasão». Mais do que no agir histórico, essa verdade pode ser encontrada no mito, o que,
desde logo, fica explícito com o primeiro dos castelos – Ulisses –, que «Sem existir nos bastou», pois «O
mito é o nada que é tudo».
O segundo poema da obra recebe o nome de «O [campo] das Quinas" e tem naturalmente a ver
com o III capítulo de «Brasão", onde as quinas são representadas por D. Duarte, D. Fernando, D. Pedro,
D. João e D. Sebastião. Cada um a seu modo sofredor das vicissitudes do destino que lhe coube na
construção do ser nacional, pois «Os Deuses vendem quando dão. / Compra-se a glória com desgraça.».
Um aspecto que se liga à teoria do heroísmo na Mensagem, sintetizada, se quisermos, nos versos «Quem
quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor», contraponto do imobilismo improdutivo e
feliz dos que preferem não agir.

Castelo
O castelo é, ao mesmo tempo uma morada sólida, resistente à erosão do tempo e um lugar de
difícil acesso, condições que fazem dele, no plano simbólico, o ideal de procura. Tão inacessível quanto
desejável, ele é um dos símbolos da transcendência espiritual. Tecido de mistério, ele representa, ainda, a
energia criativa do mito e permanece na memória colectiva como objecto de procura interior. Uma
simbologia a que Fernando Pessoa é particularmente sensível, como se vê nesta quadra de um dos poemas
do Cancioneiro:
Quem pode sentir descanso
Com o Castelo a chamar?
Está no alto, sem caminho
Senão o caminho por achar.

«Castelos» do Ser nacional, na Mensagem, são Ulisses, Viriato, Conde D. Henrique, D. Tareja, D.
Afonso Henriques, D. Dinis, D. João o Primeiro / D. Filipa de Lencastre, significativamente em número
de sete. Com Ulisses, entramos na verdade do mito e na criação de Portugal; com Viriato é a antemanhã
que se nos apresenta como augúrio, como potencialidade pura, o ainda não e, no entanto, já do Ser futuro;
O Conde D. Henrique, «herói involuntário», e D. Tareja que, com «bruta e natural certeza», qual loba de
Rómulo e Remo, amamenta D. Afonso Henriques; este é o «exemplo inteiro», do «pai» e do «cavaleiro»,
i. e., daquele que demanda, executante de um destino que o transcende. A força e a energia mítica
irradiam da sua espada fundadora «A bênção como espada, / A espada como bênção»; D. Dinis, rei-poeta,
o mito criador que reenvia para a certeza adivinhada do futuro, é o «plantador das naus a haver».
Portugal, de Nação, começa a esboçar-se Império; D. João O Primeiro é o Mestre (de Avis,
naturalmente, mas também Mestre espiritual), exemplo da defesa do Ser português, como os outros
castelos da alma colectiva, é depositário e servidor de uma força que o habita, mas que não lhe pertence a
título pessoal: «O homem e a hora são um só / Quando Deus faz e a história é feita»; finalmente, D. Filipa
de Lencastre partilha o castelo do ser que D. João representa, é mito da criação dos génios talhados para
grandes empreendimentos, merecendo, por isso, O epíteto de «Princesa do Santo Graal».
São, pois, sete os castelos da alma colectiva como sete são os degraus para a perfeição ou as
lâmpadas através das quais a vontade divina clarifica a sua vontade e a faz prevalecer. E não o são
apenas por serem parte integrante do «alicerce» de Portugal. São a garantia de vigília contra a decadência
presente ou, se quisermos, a certeza de que a Nação tem uma missão oculta a cumprir.

Quinas
[As] quinas das armas nacionais transportam desde a sua origem um significado próprio,
fortemente coroado de cristianismo romano e oficial, isto é, milagreiro. Seja qual for a perspectiva
simbólica que adoptemos (as cinco Chagas de Cristo, os cinco reis vencidos e os trinta dinheiros de Judas,
etc.), as quinas remetem-nos sempre para o milagre de Ourique. Mas debalde o leitor procurará, na
Mensagem, a mais leve referência à visão de D. Afonso Henriques.
É verdade que versos como estes se referem ao Deus bíblico da tradição cristã:
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.
mas têm o valor do símbolo, não representam a adesão a um credo. O que lhes subjaz é a teoria do
heroísmo, que é, tanto na Mensagem, "como n' Os Lusíadas, uma teoria do sacrifício». Constituem mais
um argumento aduzido, através do recurso a um exemplo significativo, à primeira estrofe do poema,
iniciada desta forma: «Os Deuses vendem quando dão. / Compra-se a glória com desgraça» (v. Campos).
"O das Quinas» é, isto sim, a chave que abre as portas à compreensão dos cinco poemas agrupados no
cap. III de «O Brasão», cujos heróis, sagrados «em honra e em desgraça», partilham a grandeza de alma
que os torna infelizes diante de um destino adverso:
- D. Duarte»: cumpre contra o Destino o seu dever;
- D. Fernando: consumido por uma "febre de Além» exemplifica o quanto «a vida é breve» e «a alma
vasta»;
- D. Pedro»: sem a guarida da Sorte, morre "fiel à palavra dada e à ideia tida»;
- D. João»: recusando o estatuto dos «felizes» "porque são / Só que passa», exprime a ânsia de Absoluto
do português: «O inteiro mar, ou orla vã desfeita - / O todo, ou o seu nada.»;
- D. Sebastião: recusando o conformismo da «besta sadia», faz da loucura e do sonho de grandeza o
móbil do seu agir que a Sorte contraria.
2
Voltando à simbologia tradicional das quinas, nota-se que os vinte e cinco besantes1 \ estão
ausentes da Mensagem, como também o significado religioso que lhe está associado. As cinco Chagas de
Cristo que a tradição consagra são, hereticamente, na obra, as chagas abertas no Ser nacional, i. e.,
reenviam para a «desgraça» e o sofrimento a pagar pelo alcance da glória, facto que a vida infeliz dos
cinco heróis atrás referidos amplamente confirma. Vencidos, como os cinco reis da simbologia
tradicional, só o são, no entanto, em sentido comum, pois deles o que morreu foi o «ser que houve, não o
que há», ou seja, o que neles existia de mortal, não aquilo que neles é exemplo da essência do ser
português:

Coroa
O simbolismo da coroa prende-se a três factores: 1. ao lugar onde se a coloca; 2. à forma circular;
3. à matéria de que é feita.
1. Por se colocar na cabeça, a coroa é símbolo, por um lado, dos valores da cabeça (a autoridade
de governar, de esclarecer; o espírito revelado), por outro, do que está para além dela: o transcendente.
2. A forma circular indica que a coroa não só remete para a ideia de perfeição, como também
participa do divino. O coroado une o que está acima e abaixo dele, i. e., a terra e o céu, o profano e o
sagrado, o material e o espiritual. Recompensa de uma prova vencida, a coroa é promessa de
imortalidade.
3. A matéria da coroa (mineral, vegetal, feita de luz) indica a natureza do acto heróico e da
recompensa divina atribuída.
Mas a coroa é, também, símbolo de elevação moral, de poder, de luz que ilumina, aspectos a que a
Mensagem é particularmente sensível.
Não resulta, por isso, indiferente que a figura histórica escolhida para integrar o IV capítulo de
«Brasão», a que foi dado o título de «Coroa», tenha sido justamente Nuno Álvares Pereira. Quem melhor
do que ele poderia representar a ligação entre o humano e o sagrado para que a simbologia da coroa, tal
como a da espada, reenvia?
Não é apenas a recompensa merecida o que a coroa em Nuno Álvares representa, é o que dela
irradia de luz que ilumina (simbologia comum à coroa e à espada), de espiritualidade pura, de essência do
sagrado, que mais interessa. Colocando-se acima da medida humana comum, a sua figura torna-se o
exemplo inteiro do ideal de ser português, deixando ver através do seu gesto significativo a existência
sagrada de Portugal e o sentido de missão que o define. Dai que ele seja «S. Portugal em ser», e a sua
espada, a «Excalibur, a ungida».
Ideal de perfeição, espírito revelado, condutor de homens, (con)sagrado pelo mito na memória
colectiva, elemento de ligação entre o passado e o futuro, porque «esperança consumada», o Condestável
é-nos apresentado como um modelo a imitar:
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
Grifo
«Grifo»: ave fabulosa com bico e asas de águia e corpo de leão:
Na Mensagem, o grifo representa seguramente a conclusão da luta entre o homem e o mar, a
empresa das descobertas, a reunião do conhecido com o desconhecido, do Ocidente com o Oriente, e
respectiva aniquilação dos lutadores: a perda da independência que logo se seguiu e a perda progressiva
do império.
Não admira, por isso, que a cabeça do grifo seja o Infante D. Henrique, guia espiritual, que em si
reúne o poder terreno e a missão celeste que o legitima, sugeridos pela simbologia do leão e da águia,
respectivamente. Uma simbologia comum às outras duas figuras que constituem as asas do grifo e a quem
cabe dar forma ao gesto criador do Infante: D. João O Segundo e Afonso de Albuquerque.
D. Henrique é o dominador do «mar novo» e das «mortas eras», ou seja, do conhecido e do
desconhecido, do novo e do velho. Projectando-se acima da medida humana comum («Em seu trono entre
o brilho das esferas»), simboliza a ideia de descoberta, é a figura suprema do criador de civilização. Daí
que seja «O único imperador que tem, deveras, / O globo mundo em sua mão.».

1
Apreciada peça de terceira ordem, usualmente para diferenciar armas de linhagem não reais, em forma de rodela lisa que
representa ouro ou prata. 3
Asa do grifo que paira no ar, vigilante, determina o «limite da terra a dominar» e impõe o caminho
a seguir. D. João O Segundo é, em linguagem cinematográfica, o realizador do argumento que o Infante
assina, já que a sua representação caberá a Afonso de A1buquerque. É o filme da bem sucedida posse dos
mares e da construção de um império territorial que, uma vez consumado, prenuncia já o seu declínio.
Em todo o caso, o que importa reter é a pouca importância que se deve atribuir à perda
progressiva desse império material, que a Mensagem não se cansa de desvalorizar. Afonso de
A1buquerque, por exemplo, em vez da celebração do seu triunfo, «sobre os países conquistados / Desce
os olhos cansados» e os «três impérios» que lhe são atribuídos «Criou-os como quem desdenha».
Válida é, igualmente, a ideia de império universal que atravessa os três poemas do «Grifo». Já não
um império suportado por um domínio temporal, que este deixa adivinhar o seu fim, mas antes um
império fundado em valores espirituais. Note-se que a cabeça e as asas do grifo, ainda que ligadas ao,
corpo a que se prendem, são precisamente, em termos simbólicos, a representação da espiritualidade, Ao
corpo do grifo, a sua parte de leão, símbolo do poder terrestre, não corres ponde qualquer figura histórica
na Mensagem.
No grifo, o poder espiritual impõe-se ao poder material. Um triunfo que importa sublinhar, já que
o grifo é, na Mensagem, elevado a sinal da Nação.

Mar
Elemento de ligação entre o passado e a certeza adivinhada do futuro, o mar é o símbolo do ser-se
português. Foi-o, no passado, pelo que espelha do português desvendador e dominador de mundos; sê-lo-
á, no futuro, porque sagrado português, «fornecerá o elemento simbólico para todo o navegar"» ou, se
quisermos, para a eterna procura: é partindo dessa lição do ter sido que se traça um plano para o futuro,
para o Portugal a haver. Caminho a seguir: o do sonho, alimentado pela esperança e pela vontade, a
mesma esperança e a mesma vontade de que Álvares Pereira é exemplo.
Assim sendo, da aventura temporal que foram as descobertas, bem localizadas no passado,
galardoadas com os «beijos merecidos da verdade», há que passar à aventura espiritual, que é a procura
do «Portugal a haver»:
Note que, a propósito da pergunta «Valeu a pena?», dificilmente se deixa de pensar no Velho do
Restelo camoniano cujos argumentos em «Mar português» contrariamente ao episódio de Os Lusíadas,
deixam de ter razão de ser. O inventário de desgraças que o Velho do Restelo profetiza está lavrado na
nossa memória colectiva e é o preço a pagar por aqueles que, em qualquer tempo, escolhem o caminho da
glória: «Quem quer passar além do Bojador / Tem de passar além da dor».

O Encoberto
Diz António Sérgio: «às puras profecias bíblicas agrega-se logo de começo a ideia de Encoberto,
não oriunda também esta, do povo português, mas importada de Castela.»
Com efeito, da investida corrosiva de Sérgio depreende-se, desde logo, que o sebastianismo é um
mito messiânico de raiz judaico-cristã, inspirado no regresso de um Messias redentor. Em essência, não é
diferente o mito celta do regresso do Rei Artur, que libertaria o seu Povo do jugo estrangeiro. Quem era
então esse Encoberto a que alude Sérgio? Segundo Sampaio Bruno, terá sido um homem que apareceu em
Játiva (Valência), fazendo-se passar por neto dos Reis Católicos e que, por motivos políticos, foi obrigado
a ocultar a sua identidade. Recebeu, por isso, a designação de EI Encubierto distinguiu-se nas
insurreições populares em Valência, no reinado de Carlos V, acabando por desaparecer. Foi aclamado
pelo povo, que nunca acreditou na sua morte.
O nosso mito do Encoberto da narrativa de EI Encubierto de Valência só tem mesmo a
designação. É profetizado nas Trovas de um sapateiro de Trancoso (contemporâneo de Gil Vicente), de
nome Bandarra2, muito antes desse fatídico dia 4 de Agosto de 1578 em que fomos derrotados em
Alcácer-Quibir. Só a partir de então o mito do Encoberto será ligado à figura de D. Sebastião e ao seu
regresso, assim como, mais tarde, a outros governantes.
D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã,/no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua
onde esteve esperando a hora da sua volta. É importante é sublinhar que, em momentos de crise, esse
regresso é ardentemente desejado ou, em termos literários, sonhado, para usarmos um termo bem caro à
2
Gonçalo Aires da Cunha, trovador que desafiou a Inquisição e que, como sebastianista, dizem ter previsto a data da
Restauração da independência. 4
Mensagem. Daí também a designação de Desejado que, frequentemente, lhe é atribuída. A manhã,
símbolo de todas as possibilidades e de todas as esperanças, é o momento da sua chegada, em que o
monarca vem investido da condição de Salvador da Pátria. O nevoeiro em que virá encoberto, confere-lhe
não só um halo de mistério, como também simboliza a decadência da Nação, que se dissipará com a
revelação iminente ou com a solução milagrosa de que ele é portador. Não raras vezes, esta solução é o
Quinto Império da fraternidade universal.
Recordemos o facto de a Mensagem ter justamente como título da Terceira Parte «O Encoberto» e
que o tema literário do sebastianismo, entendido como um mito messiânico, onde não cabe apenas D.
Sebastião, foi bastante glosado, designadamente no século XX. Acrescente-se, finalmente, que muitos
autores sustentam que o sebastianismo é um fenómeno bem enraizado na nossa maneira de ser.

Símbolos
Que a Mensagem se situa no plano dos símbolos, parece não haver dúvidas se atentarmos na
epígrafe à obra de inspiração esotérica: Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum
(«Bendito Deus Nosso Senhor que nos deu o Sinal»). Certa é, pois, a importância que Pessoa consagra
aos símbolos (esotéricos ou não), desde logo atestada no título de uma das divisões da Terceira Parte da
obra. Cinco são os poemas que aí receberam o nome genérico de «Os Símbolos». Cinco é o número do
despertar da consciência adormecida e da reinvenção do dia claro, tópicos que inspiram largamente o
conteúdo do segundo dos símbolos - o Quinto Império:
Note que a ligação de D. Sebastião, o primeiro dos símbolos, ao Quinto Império se faz através do
sonho: «É o que me sonhei que eterno dura,/ É Esse que regressarei.». É ainda pela virtude do sonho que
este D. Sebastião sacralizado, alma do futuro de Portugal e profeta que a si próprio se anuncia, se faz
Desejado, no terceiro dos símbolos. O sonho torna-se esperança e refugia-se nas ilhas afortunadas,
símbolo da felicidade adiada, onde «o Rei mora esperando» e donde regressará como o Encoberto, o
quinto dos símbolos.
Mas Cinco é, igualmente, o despertar do centro, dos quatro elementos que compõem o universo:
D. Sebastião - a água (ou a alma);
Quinto Império - o fogo (ou o espírito);
O Desejado - o ar (a mente, a revelação);
As ilhas Afortunadas - a terra (a materialidade, a protecção).
O quinto dos símbolos - o Encoberto representa a harmonia, a perfeição com que esses elementos se
conjugam no universo sonhado.
Símbolos são, ainda, todos os heróis que a obra celebra, transfigurados em almas do Portugal
futuro que enigmaticamente prenunciam.
Avisos
São três os avisos na obra, veiculados pelo Bandarra, pelo Pe. António Vieira e pelo eu da
Mensagem, apresentados de forma gradativa: sinal - prenúncio ansiedade (a interpretação profética tem
sempre três feições).
Assim sendo:
O sonho desse império divino pelo «anónimo" Bandarra é o primeiro aviso. Um sonho «confuso como o
Universo», mas vivido com a certeza de quem cumpre humildemente uma missão que o transcende. As
profecias do Bandarra, funcionam, deste modo, como um «sinal» do Portugal a haver.
É esse «sinal» que Vieira, «Imperador da língua portuguesa» («Minha pátria é a língua portuguesa» - diz-
nos Pessoa- Bernardo Soares), interpreta e transforma em regresso iminente de D. Sebastião e visão do
Quinto Império que, como «prenúncio», «Doira [já] as margens do Tejo».
O terceiro aviso é a ânsia da espera com que o eu poético pressente o regresso do «Rei» e, com ele, do
Quinto Império, entrevisto já na esperança e na sua impaciência: «Quando é o Rei? Quando é hora?»
Todavia, antes de ser a «hora», há que passar os quatro «Tempos», que, na Mensagem, vêm a seguir.

Tempo(s)
Os tempos são cinco, ou melhor, quatro mais um. Quatro é o símbolo da potencialidade,
esperando que se dê a manifestação (ou a reinvenção do dia claro), que ocorre no quinto dos Tempos. Em
5
"Os símbolos», o quinto é "O Encoberto», o que se liga ao quinto dos tempos - o "Nevoeiro» -, uma
ligação que desde logo se prende à ideia de regresso. O nevoeiro que envolve o Encoberto não é apenas a
face visível de um estado transitório para a revelação iminente, ele é, na tradição judaico-cristã, também a
garantia da autenticidade desse regresso.
Mas nevoeiro, o último dos Tempos e título do último dos poemas da obra, é também metáfora do
presente ("Ó Portugal, hoje és nevoeiro... »), caracterizado como «fulgor baço da terra», ao qual já nada
define «com perfil e ser», uma caracterização muito próxima daquela «apagada e vil tristeza» com que
Camões descreve a Pátria do seu tempo. «Brilho sem luz e sem arder» e «Portugal a entristecer», chama-
lhe Pessoa. Um cenário negativo, que, uma vez mais, se liga ao Encoberto cujo regresso se toma urgente.
Nevoeiro é ainda, uma mistura de água, fogo e ar, respectivamente os símbolos que atribuímos a
D. Sebastião, a O Quinto Império e ao Desejado, máscaras do Encoberto.
Mas o «É a Hora», onde a Mensagem se cala e o Quinto Império começa, não se realizará sem
serem «passados os quatro / Tempos do ser que sonhou.» É o que vamos fazer, voltando à Noite, onde o
dia claro do Quinto Império se começou a desenhar.
O poema «Noite», onde por analogia, se surpreende a inspiração provável na saga dos irmãos
Corte-Real, transporta-nos ao longo período de letargia («mar da idade») que seguiu momentos heróicos,
no texto personificados pelo «Poder» e pelo «Renome» com que os dois nautas (ou iniciados) surgem
referidos. Um e outro empreendem uma viagem sem regresso, o que em termos iniciáticos corresponde à
supressão da etapa que simboliza a imortalidade colectiva.
O que terceiro dos nautas pretende resgatar para a comunidade e para cada um o poder e o renome
perdidos, que os dois nautas alegoricamente corporizam. Move-o a grandeza de alma insatisfeita, e essa
febre de navegar dos eleitos e a convicção de que toda a viagem em busca da Verdade é, antes de mais,
uma peregrinação interior: «É a busca de quem somos na distância / De nós».
Se isso representa já o despertar da consciência adormecida, nem por isso o nauta pode partir. A
tê-lo feito, consumaria como facto definitivo o acto dos outros dois (do ponto de vista simbólico, a
manifestação do que quer que seja só se consuma como totalidade depois de reveladas as três feições que
a integram). Terá de esperar pela hora astrologicamente determinada para os resgatar, libertando-nos
também da «prisão servil» em que vivemos, não sem antes reconhecer a chamada à aventura num sinal
divino que ainda não aconteceu: «Deus não dá licença que partamos»
O sinal divino de que acima se fala surge no segundo dos Tempos, tratado no poema «Tormenta»,
que, simbolicamente, evoca a glória e a força divinas, sendo, por isso, associada ao prelúdio de uma
revelação ou, se quisermos, do começo das grandes épocas históricas. Não é passível, pois, de ser
confundida com a tempestade que é uma manifestação da cólera divina.
A tormenta simboliza, ainda, o desejo de fuga à banalidade quotidiana, sendo tradicionalmente
associada à acção criadora, o que no poema se manifesta no interrogar-se inquie tante do eu poético sobre
o futuro de Portugal («Tanta foi a tormenta e a vontade!», havia já sido dito no poema «Prece»):
Trata-se pois de um convite à exploração das profundezas da alma, arrancando ao inconsciente
colectivo, o que o mar nos pode dar de energia criativa para inventarmos o «poder ser».
O sinal de Deus que se segue só se descobre, por isso, procurando no interior de nós mesmos, no
«desejar poder ser» que será o motor da acção.
À Tormenta segue-se a Calma, o terceiro dos Tempos do «ser que sonhou». E se naquele se indica
o primeiro sinal da manifestação de Deus, neste faz-se alusão ao segundo:
A peregrinação interior continua até à descoberta do segundo sinal. Mas onde encontrar a «ilha
velada», que «para a vista não existe»? Aqui, para onde remetem todas os indícios da sua existência:
- «a costa que as ondas contam / E não se pode encontrar»;
- «o que as ondas encontram / e nunca se vê»;
- o «som de o mar a praiar»;
- a presença do «sargaço».
A «ilha velada» está, pois aqui, i. e., em «Nós, Portugal, o poder ser», onde é preciso descobri-la.
Portugal é esse «país afortunado / Que guarda O Rei desterrado».
Percorrido este trajecto de (auto) descoberta, o iniciado ultrapassou a terceira das portas do «ser
que sonhou».

6
A Antemanhã - o quarto dos Tempos consagra definitivamente a ideia de potencialidade para a
qual os quatros tempos nos reenviam. A antemanhã é tradicionalmente símbolo de todas as possibilidades
e de todas as promessas, i. e., do renascer da esperança.
A antemanhã é, ainda, o tempo dos favores divinos e o sinal do poder de Deus (o terceiro sinal
recorde-se), agora explicitamente interpretado pelo regresso do Mostrengo já domado e que vem reclamar
do seu senhor «Aquele que está dormindo / E foi outrora Senhor do Mar», ou seja, de Portugal - que
cumpra o seu destino rumo ao futuro glorioso que é o seu.
Resta-nos recordar aqui o que dos quatro tempos se lê em «O Quinto Império»:
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Revelação iminente desse «dia claro» que é o Quinto Império - o Nevoeiro, o quinto dos Tempos,
o do regresso do Encoberto.

Os números

Evidente é a divisão tripartida da obra: «Brasão», «Mar Português» e «O Encoberto».


Ora, o número Três, entre a significação abundante que lhe é atribuída, representa a perfeição da
unidade divina, a totalidade a que nada pode ser acrescentado. Exprime um «mistério de ultrapassagem,
de síntese, de união, de resolução», o que faz pensar no Quinto Império.
Mas o número Três sugere também as três fases de evolução mística: purgativa, iluminativa, e
unitiva o que facilmente se liga à divisão tripartida da Mensagem. Da construção da Nação ao esboço da
ideia de Império que nasce com D. Dinis, da defesa e da consolidação dos ideais depurando no sentido do
destino divino que lhe cabe cumprir. Um percurso que em si encerra o futuro, de que os heróis insertos no
«Timbre» são a síntese. Está concluída a Primeira Parte da obra e a fase purgativa e aberto o caminho
para a segunda fase – a iluminativa – que corresponde à segunda Parte da Mensagem. Aqui canta-se o
português desvendador de mundos que cumpriu o mar e criou um império que na sua componente
material, deixa adivinhar o seu próprio fim. Permanece, contudo, exemplar a ideia de descoberta, a febre
de navegar, a atracção pelo longe e pelo mistério, a ideia de universalidade e o sonho, ingredientes
indispensáveis à procura da unidade perdida, que a terceira parte da obra celebra. Entra-se na
possibilidade da fase unitiva, onde o Desejado há-de revelar - «ao mundo», quando, sob a forma de
Encoberto, vier a ser a vida da Nação, instaurando o Quinto Império da fraternidade universal.
É esta uma das muitas leituras possíveis para a divisão tripartida da Mensagem, que a numerologia
é, na obra, o engodo do mistério que a tece. Certo é que não podemos deixar de notar o sentido oculto
dessa divisão tripartida, ainda que isso não nos obrigue a uma interpretação rígida. Sabido é que a
profecia obedece a um esquema ternário (os «Avisos» são três) que, na Mensagem - ela própria uma
profecia-mito-, não é inocente. Até porque, do ponto de vista simbólico, a manifestação do que quer que
seja só se consuma como totalidade depois de reveladas as três feições que a integram. O rodar do
«Mostrengo à volta da nau e a reacção do «Homem do Leme» ilustram bem esse sentido oculto da
simbologia do número Três. O mesmo acontece com o terceiro navegante do poema «Noite» impedido de
partir. A tê-lo feito, consumaria como facto definitivo o acto dos outros dois. Terá de esperar pela hora
astrologicamente determinada para os resgatar, libertando-nos também da «prisão servil» em que
vivemos. Três são também os heróis que fazem parte do «Grifo» eleito por Pessoa para “Timbre”; da
Nação. A vitória do espírito sobre a matéria (ou do império espiritual sobre o material) que domina essa
parte da obra é, em termos simbólicos pela trindade que constitui essa unidade perfeita. Três é o número
do princípio celeste.
Na Primeira Parte começa-se pel' «Os Campos», que são dois. Dois é justamente o número da
ambivalência. Em “O dos Castelos» sugere-se o Portugal imperial que o futuro do passado potencia; em
«O das Quinas», o preço a pagar por esse sonho de grandeza. E a esta ambivalência podem ser associadas
todo um conjunto de dualidades, que deixamos à argúcia do leitor, já que «Os Campos», entrevistos como
unidade, propõem uma conciliação de contrários. Mas estes dois poemas também se podem ler em
separado. Neste caso, estariam também associados à simbologia do Um, funcionando como revelação: "O
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dos Castelos” antecipa o futuro do passado que os poemas insertos em “Os Castelos representam; “O das
Quinas”, o sofrimento e os reveses da fortuna que os cinco poemas que integram “As Quinas” explicitam.
«Aos Campos» segue-se um conjunto de poemas que recebeu o título genérico de «Os Castelos». Em
número de sete, são, igualmente, por isso, portadores de uma simbologia própria. Sete é o número da
conclusão cíclica e da sua renovação; Indica a passagem do conhecido para o desconhecido: um ciclo que
se encerrou.
Cinco são os poemas de «As Quinas». E, para além da relação evidente que entre o título do
conjunto e o número de poemas se estabelece, convém ter em atenção que o Cinco também um número
fundamental para as sociedades secretas. Representa o casamento do principio celeste (3) e do princípio
terrestre (2), sendo, por isso, símbolo da vontade divina (“D. Fernando”). Note que Cinco é também o
número das subdivisões que constituem a Primeira Parte da obra. Representa, neste caso, o remate de um
mundo que se encontra, com o quarto, realizado, mas ainda manifestado. Repare que o IV subcapítulo é
dedicado a Nuno Álvares Pereira e o V aos heróis do «Grifo», em número de três, no seu todo, signo de
uma nova era, onde a ideia de império ganha contornos mais precisos.
Sobre a simbologia do Um, a considerar na leitura do poema que celebra Nuno Álvares Pereira, o
único dos herói que faz parte da "Coroa”, símbolo do ser, mas também da Revelação, que é a mediadora
para elevar o homem, através do conhecimento, a um nível superior. O Um é também o centro místico, de
onde irradia o espírito, como um Sol. Elemento unificador, símbolo de todo o movimento e de toda a
mudança, elevado à condição de “S. Portugal em ser”, Nuno Alvares Pereira é bem o exemplo inteiro da
energia criativa do espírito e da possibilidade de redenção que a esperança consumada deixa entrever.
Deixando para o fim a Segunda Parte, recorde-se que são também os números Três e Cinco os que
a última parte da obra privilegia. Para além do esquema ternário em que assenta - «Os Símbolos», "Os
Avisos» e « Os Tempos» e do sentido profético que esta –divisão comporta, também patenteada nos três
«Avisos» e «Os Tempos» - cujo carácter gradativo é evidente (sinal prenúncio e ansiedade), tanto mais
significativo, quanto o último dos avisos se prende, precisamente, ao eu da Mensagem, é o número Cinco
que emerge como o mais importante. Ele encerra não só o signo de uma nova era – aquela que o quinto
dos símbolos (o Encoberto) transporta e se manifesta na “Hora” que termina o quinto dos “Tempos” ( o
Nevoeiro) -, mas também o signo do despertar da consciência adormecida e da (re)invenção do dia claro
que há-de ser o Quinto Império, também este significativamente o quinto dos impérios do espírito.
Mas o Cinco é, igualmente, o despertar do centro, dos quatro elementos que compõem o universo:
a água, corresponde à alma («a alma imersa / Em sonhos que são Deus» -lê-se em «D. Sebastião», o pri-
meiro dos símbolos); o fogo reenvia para o espírito (cf. poema «Quinto Império», o segundo dos
símbolos); o ar traduz a mente, a intelectualidade (a Luz do «Desejado» e a revelação de que é portadora -
o terceiro dos símbolos); a terra é a materialidade «São ilhas afortunadas / São terras sem ter lugar» - o
quarto dos símbolos ou a materialidade que aspira à purificação; O quinto dos símbolos o Encoberto -
representa a harmonia, a perfeição com que esses elementos se conjugam no universo sonhado. Centro é
também o centro da cruz, o auto-sacrifício e a ressurreição para que a figura de Cristo nos remete, uma
simbologia que, no quinto dos símbolos, é analogicamente transferida para o Encoberto.
Na Segunda Parte da obra, é o número doze que domina. Este número faz pensar nos doze
apóstolos de Cristo, nos doze cavaleiros da Távola Redonda, nas doze tribos de Israel, nas doze portas da
Jerusalém Celeste, nos doze frutos da árvore da vida, nos doze fundamentos da Cidade do futuro, nos
doze meses do ano, para apenas nos referirmos a algumas das suas possibilidades simbólicas. Todavia,
qualquer que seja a opção que tomemos, o Doze é «a marca simbólica do ciclo completo do
cumprimento» e «o símbolo da repetição essencial, do eterno retorno». Uma evidência que a obra deixa
explícita logo no primeiro poema da Segunda Parte «Cumpriu-se o mar», tornada exemplo e promessa de
futuro pelo eu da Mensagem na sua prece, como estes versos, significativamente os últimos de «Mar
Português», fazendo eco do «falta cumprir-se Portugal», amplamente ilustram: E outra vez conquistemos
a Distância/Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Artur Veríssimo, Dicionário da Mensagem:
Figuras históricas, Mitos, Símbolos, Conceitos,
Areal Editores (excertos com supressões e adaptações)

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