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CAPÍTULO 1

Samantha Clifton deixou o Cadillac de seu sogro, Howard


Clifton, no estacionamento do aeroporto de Antígua, desceu, fechou
a porta e foi em direção à sala de espera. O sol estava mais forte do
que nunca e as palmeiras se agitavam ao vento. Carregadores, guias
turísticos, choferes e viajantes lotavam o aeroporto e formavam uma
pequena multidão colorida e barulhenta. O avião das Linhas Aéreas
Canadenses, vindo de Toronto, tinha acabado de chegar trazendo
muitos turistas que procuravam fugir do rigoroso inverno, a fim de
passar uma ou duas semanas nas praias daquele paraíso tropical.
Samantha se aproximou da multidão com certa relutância. Não
queria ter vindo ao encontro da pessoa que estava para chegar.
Chegara mesmo a permanecer o máximo possível em St. John, a
capital da ilha, onde passara a manhã fazendo compras. Após o
almoço tivera a ideia de não comparecer ao aeroporto e ir para outro
lado da ilha, onde ficaria a tarde inteira em uma das belas praias.
Fingiria que havia se esquecido de ir ao aeroporto.
Sem conseguir ver a pessoa que tinha ido encontrar, foi até um
dos terminais e olhou à sua volta. Lá ainda se encontravam alguns
turistas, cobertos de suor pois usavam roupas quentes demais para
aquele clima. Todos esperavam sua bagagem, mas ela não conseguiu
ver Craig em nenhum lugar.
Quem sabe ele houvesse desistido... Talvez negócios urgentes o
tivessem impedido de deixar sua sala no Edifício Clifton, em
Toronto.
Samantha olhou à sua volta, sem pressa, esperando não vê-lo;
ao mesmo tempo desejava o contrário. Censurava-se por ter emoções
tão contraditórias. Craig, porém, sempre exercia aquele efeito sobre
ela.
O relacionamento deles era uma estranha mistura de amor e
ódio.
— Está me procurando? — alguém perguntou atrás dela.
Samantha ficou tensa e um arrepio percorreu-lhe a espinha.
Voltou-se lentamente e olhou para o homem quem lhe dirigira a
palavra. Tinha olhos cinzentos e duros, sobrancelhas espessas e um
rosto rígido, queimado do sol. Ela sentiu voltar a velha antipatia de
sempre por aquele homem: Craig Clifton, seu marido. Era um
sentimento imediatamente superado pelo prazer de vê-lo
novamente. Tratava-se de algo perigoso e perturbador, de uma
reação puramente sensual à presença dele.
— Você está atrasada — ele disse com frieza, sem qualquer
demonstração de estar contente ou não em vê-la.
— O avião chegou mais cedo do que estava anunciado — ela
replicou, sacudindo a cabeça, como se quisesse espantar a sensação
de prazer. Seus cabelos ruivos longos batiam pelos ombros muito
queimados de sol. — Você tem muita bagagem? Quer que eu traga o
carro até a porta?
— Não, trouxe apenas esta mala. Posso levá-la até o carro.
Samantha entrou no estacionamento e, enquanto Craig
acomodava suas coisas no banco de trás do carro, ligou o motor. Ele
tirou o paletó e a gravata, coloco-os em cima da mala e sentou-se ao
lado dela.
Saindo do aeroporto, seguiram por uma estrada cheia de
curvas.
Num determinado ponto Samantha virou à esquerda,
afastando-se da capital da Ilha.
Percorreram vários quilômetros e deixaram para trás os pastos
verdejantes de uma grande fazenda antes que um deles falassem. De
repente os dois abriram a boca ao mesmo tempo, como se não
conseguisse mais suportar a tensão que pairava entre eles.
— Há quanto tempo você está aqui? — perguntou Craig.
— Por que você não veio antes? — ela indagou.
Ele riu baixinho, de forma irônica e voltou-se para olhá-la.
Samantha o encarou rapidamente e voltou a sentir aquela excitação
perigosa.
Espera não experimentar a menor emoção, após dois anos de
separação. Julgava que tinha superado o amor que sentia por aquele
homem.
— Ainda estamos agindo da mesma forma — ele murmurou,
sentando-se mais perto e apoiando o braço no banco onde Samantha
estava.
— Como assim? — Ela perguntou, endireitando-se, a fim de
evitar qualquer contato.
— Pensando as mesmas coisas e falando juntos, mesmo estando
distante há algum tempo. Que bom ver você novamente, Samantha...
Ela não disse nada porque se aproximavam de uma aldeia. As
casas eram de madeira e todas tinham uma acolhedora varanda na
frente. As trepadeiras subiam pelas cercas e nos jardins cresciam
palmeiras e bananeiras. A rua principal era estreita e cheia de curvas.
Samantha diminuiu a marcha, para evitar algumas crianças
sorridentes que paravam de propósito no meio da rua. Tinha a pele
reluzente e cor de chocolate e pareciam divertir-se muito com a
brincadeira.
— Estou há quase uma semana — ela disse, respondendo às
perguntas de Craig.
— É mesmo? Por que veio?
Samantha olhou-o, também surpreendida. Aquela reação seria
sincera?
— Vim porque Carla me escreveu, dizendo que Howard estava
muito doente e queria me ver.
— E ela não lhe disse que tinha escrito também para mim,
contado a mesma coisa? — perguntou Craig.
Ele acariciou lentamente os ombros nus de Samantha e enterrou
os dedos em seus cabelos. Dominando-se o quanto podia, ela
procurou não reagir àquela atitude provocante e manteve o olhar
fixo na estrada.
— Ignorava o fato até esta manhã, quando Carla me pediu para
ir pegá-lo no aeroporto. Só então me contou que tinha solicitado a
sua presença por causa de Howard, mas você disse que só viria
depois de concluir alguns negócios. É bem característico de você, pôr
os negócios em primeiro plano. Nem se importa com os sentimentos
de seu pai.
Aquele comentário causou o efeito que Samantha pretendia. Ele
parou de acariciar-lhe os cabelos e se afastou. Sabia, porém, que
Craig ainda olhava para ela. Conseguiu sentir aquele olhar frio e
observador, que não perdia o menor detalhe de seu rosto, de seus
cabelos, de sua roupa. Eram olhos astutos, acostumados a enfrentar
oposições e competição.
— E o que você me diz da sua atitude? — ele perguntou,
provocando-a. — Por que deixou esse emprego tão absorvente e veio
até aqui visitar seu sogro? Não tinha percebido até agora que gostava
tanto de Howard. O que espera ganhar com isso? Quer ser
beneficiada no testamento dele?
“Não posso deixar que ele me descontrole! E me faz ficar
zangada!”, pensou Samantha.
— Gosto muito de Howard e de Carla — ela disse, como muita
calma — Eles têm sido muito bons amigos comigo — Subitamente a
emoção surgiu em sua voz. — Vim porque ele está muito doente ...
Você não sabia? Seu pai está morrendo!
— Sim, eu sei.
— Não podia me recusar a vir. Não podia deixar de atender aos
desejos de um moribundo, embora você talvez o consiga.
O silêncio voltou a reinar entre eles, enquanto passavam pela
aldeia de Liberta, deixando para trás a Igreja de São Bernabé. Tinha
um século e era construída com um tipo de pedra verde muito
comum em Antígua. Era uma atração turística e erguia-se numa
curva da rua principal da aldeia.
Samantha guiava com muito cuidado. A estrada agora passava
por entre colinas verdes, cobertas de vegetação espessa. Vários tipos
diferentes de palmeiras se misturavam com quaresmeiras e
eucaliptos, bem como diversas qualidades de arbustos.
— E o seu emprego? — perguntou Craig, ignorando de
propósito a irritação de Samantha.
Ela voltou a olhá-lo. Craig se apoiava de encontro à porta do
carro, e que não deixava de ser perigoso.
— Pedi demissão há algumas semanas... — ela revelou, sempre
olhando em frente.
— Então, está desempregada?
— No momento, sim — ela disse, com a esperança secreta de
que Craig não lhe perguntasse por que tinha deixado a seção
editorial da revista feminina onde trabalhava.
Não queria de modo algum que ele descobrisse que havia
mentido.
Na verdade, fora solicitada a pedir demissão, quando os
proprietários da revista decidiram fazer um corte de pessoal devido
à situação econômica. Seu cargo havia sido considerado
desnecessário.
O silêncio pairou, mas uma vez. O sol batia em cheio no carro e
felizmente o ar-condicionado funcionava. A estrada cortava a aldeia
de Falmouth e, por trás das casas, via-se a baía de águas azuis e
praias douradas. Á esquerda erguia-se a escola, cinzenta e desolada.
Samantha diminuiu a marcha, seguindo por uma estrada estreita e
um tanto esburacada. Numerosas cabras que pastavam pelos campos
pararam, ao ver o automóvel.
— Por que não tocou no dinheiro que enviei para o seu banco?
— perguntou Craig, com aquela franqueza que era sua marca.
— Porque não quis. Prefiro ser independente de você. — Sua
voz se alterou um pouco. — Por que continua a me enviar dinheiro?
— Porque você ainda é minha mulher.
— Você poderia ter se divorciado de mim — ela disse com os
lábios trêmulos, embora fizesse o possível para mantê-los firmes. —
Por que não se divorciou?
— E por que haveria de me divorciar? Você não me deu a
menor razão para isso.
— Eu o abandonei. Não é uma razão suficiente? — ela
perguntou em voz baixa, voltando a agarrar com força a direção.
— Segundo meu modo de pensar, não. Creio ter compreendido
por que você partiu. Queria se afastar durante algum tempo, ficar
sozinha, descobrir o que desejava da vida e a separação não pareceu
uma boa ideia. Eu, no entanto, sempre achei que um dia vamos
voltar a nos dar bem, quando você se tornar uma mulher adulta e
parar de se comportar como uma criança mimada.
Samantha viu tudo vermelho pela frente. Craig se mantinha
sempre tão calmo e arrogante! Sempre parecia ter razão, dando a
impressão de que ela era a culpada de tudo.
— Não sou uma criança mimada! — ela retrucou, indignada,
lançando-lhe um olhar furioso.
— Ei, cuidado! Está indo depressa demais! Diminua a
velocidade, senão vamos acabar batendo!
Craig agarrou na direção, voltando-a com violência para a
direita e o carro quase saiu da estrada.
— Tire o pé da embreagem — disse ele, enquanto o carro
percorria o acostamento. — Eu disse para tirar o pé e não para
acelerar ainda mais, sua idiota! — berrou Craig. Suas palavras
penetram finalmente no cérebro de Samantha e só então ela percebeu
que o carro descia uma ladeira a toda velocidade. — Breque, breque!
— gritou ele, e ela afundou o pedal.
Os pneus rangeram e o carro parou a pouquíssima distância do
tronco de uma árvore.
— Por que você fez isso Craig? Por que virou a direção?
— Porque você parecia um morcego e ia cair num dos maiores
buracos que já vi. Poderia ter destruído o carro, isso para não falar do
que aconteceria conosco. Não estava olhando para onde ia e precisei
agir. Você ainda tem um temperamento dos diabos, Samantha!
— A culpa foi toda sua. Fiquei zangada, porque eu não sou
uma criança mimada. Você sempre me enfureceu. Foi por isso que o
abandonei. — A reação diante do que tinha acontecido se manifestou
e Samantha começou a tremer. Cobriu o rosto com as mãos e choro.
— Por que você veio para cá? Preferia que não viesse! Se soubesse
disso, teria partido antes de sua chegada. Seria preferível que Carla
tivesse me avisado ontem e eu sairia da sua casa. Gostaria que ela
não me pedisse para encontrá-lo. Vai ser horrível estar com você
aqui! Não posso suportar estar junto de você. Tenho de ir embora!
Samantha falava sem parar, com a maior incoerência, mas
acabou parando por falta de ar. O silêncio que se seguiu era
interrompido unicamente pelo trinado dos pequenos pássaros
amarelos que saltavam de galho em galho, na mata. Samantha cobriu
o rosto para disfarçar a violência de suas emoções. No entanto,
mantinha-se alerta, à espera de que Craig lhe disse algo.
Craig se mexeu, mas agiu ao contrário do que ela esperava.
Abriu a porta do carro e desceu. Despeitada pelo fato de ele não ter
dado nenhuma resposta a seu protesto, Samantha tirou as mãos do
rosto e olhou a sua volta. Com as mãos enfiadas nos bolsos de sua
elegante calça cinza, Craig examinava a posição do carro. Não
parecia nem um pouco afetado diante de tudo o que ela havia dito.
Estava muito mais interessado no carro do que nela. Samantha ficou
ainda mais indignada.
— Vamos precisar de sua ajuda para sair dessa situação — ele
disse com toda calma, encarando-a. — Parece que está vindo um
carro, descendo o morro. Peça ao motorista que pare, por favor.
— Você que pare o carro!
— Vamos, Sam. Sabe muito bem que é mais fácil a pessoa parar
vendo você do que um tipo como eu.
— E se for uma mulher? — Samantha perguntou, em atitude de
desafio.
— Ela vai parar para ajudar outra mulher que se encontra numa
situação difícil — disse Craig, sorrindo, o que lhe atenuava um
pouco a rigidez da expressão. Ele deu a volta e abriu a porta. — Vá
para a beira da estrada, antes que o carro passe por nós —
acrescentou, ajudando-a a descer.
— Está bem — disse ela com má vontade, recusando a mão que
ele lhe estendia.
Estava decidida a evitar qualquer contato físico com Craig.
Percebeu então que não se arriscava nesse sentido. Estava longe dele
há muito tempo, sem fazer amor, e não tinha a menor certeza de que
conseguiria se comportar de forma racional.
Samantha foi até a beira da estrada no exato momento em que o
veículo chegava ao fim do morro. Acenando, correu até a estrada e o
carro, que, aliás, era um taxi, freou bem junto dela. O chofer olhou
para Samantha com uma expressão de surpresa em seus olhos
castanhos.
— Por favor, pode nos ajudar? — Ela pediu. — Tivemos de sair
da estrada para evitar um buraco e agora o carro ficou preso. Será
que pode nos ajudar a empurrá-lo para a estrada?
— Sem dúvida, senhorita! — o chofer disse, sorrindo. — Não é
verdade? — ele acrescentou, voltando-se para o outro rapaz sentado
a seu lado. Os dois eram muitos jovens, fortes e deviam trabalhar no
hotel do governo, situado na região. Certamente voltavam para casa,
depois de cumpridas suas tarefas. — Onde está o carro?
Logo o Cadillac estava novamente na estrada e o táxi se afastou
rapidamente, deixando para trás de si uma nuvem de poeira.
— Daqui por diante quem dirige sou eu — disse Craig.
Samantha não discutiu, pois não gostava de dirigir naquela
estrada. Era cheia de obstáculo e a deixava muito tensa. Sentou-se ao
lado de Craig, fechou a porta e partiram.
Não conversaram durante o resto do caminho. Craig se
encontrava na direção, procurando evitar os buracos e os veículos
que vinham em sentido contrário. Samantha contemplava a
paisagem. Os campos verdejantes se estendiam até as colinas
distantes. No céu muito azul algumas nuvens passavam, navegando
como caravelas. A estrada se desviou para esquerda e lá estava o
mar, ainda mais azul do que o céu.
As ondas vinham morrer nas praias douradas e a água era de
uma transparência incrível.
Faltavam poucos quilômetros para chegarem à residência dos
Clifton. Howard a construíra nos dez alqueires de terra adquiridos
havia trinta anos, quando descobriu a linda ilha de Antígua em
meios às águas azuis do Caribe. Aquele lugar se tornava cada vez
mais um refúgio de milionários nos trópicos.
Howard ainda era riquíssimo, mas não tinha boa saúde e fora
viver permanentemente com sua segunda mulher, Carla, no bangalô,
construído no rochedo, do qual avistava uma baía muito bonita. Era
presidente da companhia e ainda tinha grandes interesses nos
negócios que eram feitos em todo o mundo. No entanto, a supervisão
de tudo cabia a Craig, seu filho mais velho, o único nascido do
primeiro casamento com Ashley Colter, filha de um aristocrata inglês
empobrecido, que conhecera ao visitar Antígua pela primeira vez.
Fazia alguns anos que divorciara dela, após um processo demorado e
cheio de incidentes desagradáveis.
Samantha olhou para Craig. Ele não havia mudado muito. Era
oito anos mais velho do que ela e tinha agora trinta e três anos. Seu
queixo ainda era firme, os cabelos continuavam negros e o corpo
permanecia atlético. A pele continuava queimada de sol, embora ele
tivesse acabado de chegar do Canadá, mergulhado em pleno
inverno. De acordo com a mãe de Craig — a bela e despreocupada
Ashley — a cor morena se devia à possibilidade da existência de
sangue índio na família Clifton.
— O primeiro Clifton a ir para o Canadá era um explorador e
aventureiro. Ao que se sabe uniu-se à filha de um chefe índio. E por
isso que a pele deles tem essa cor de cobre. Talvez isso explique o
fato de serem tão calados e introvertidos — Ashley riu. — Para falar
a verdade, Howard é arredio demais para o meu gosto. Jamais
conseguir descobrir o que o entusiasmava, a não ser o fato de ganhar
milhões de dólares. Espero que você tenha mais sorte com Craig do
que eu tive com o pai dele, minha querida. Lembre-se de que meu
filho carrega algo de mim nele. Ele gosta de viver, rir e amar.
Tinha sido difícil acreditar no que Ashley dissera a respeito de
Craig nas primeiras semanas de casamento. A lua-de-mel fora
passada num iate pertencente ao pai dele e visitaram as ilhas
Bahamas. Craig se mostrou alegre e amoro, gentil e cortês, lhe
ensinando muitas coisas; como manejar um barco a vela, como
mergulhar no mar à procura de conchas e como fazer amor...
De repente Samantha sentiu um aperto no coração. Não queria
recordar a lua-de-mel. Sempre sofria ao lembrar os dias luminosos,
passados nas ilhas verdejantes e desertas, de praias douradas, e
marcados pelo amor que sentia por aquele homem agora sentado ao
seu lado.
Já se haviam passado quase quatro anos desde que o conhecera,
em Londres. Nessa época acabara de completar vinte e um anos e
estava muito contente e entusiasmada com seu emprego. Trabalhava
numa editora que publicava não apenas jornal, mas várias revistas,
inclusive uma dirigida especificadamente ao público feminino.
Exercia suas funções no departamento de publicidade da revista
feminina, cuidando dos anúncios. Procurava aprender tudo o que
podia a respeito da produção de uma revista, pois tinha a ambição de
um vir a ser a editora-chefe.
Jovem e entusiasmada, cheia de ideias feministas que tinham
sido incutidos por sua mãe, uma mulher muito politizada. Samantha
era o mesmo tempo um pouco ingênua e ignorante das escusas
manobras de bastidores que levavam as grandes companhias a
engolir as pequenas. Nunca tinha ouvido falar da Empresa Clifton,
uma companhia canadense proprietária de uma cadeia de jornais na
Austrália e no Canadá, e que procurava meios de adquirir um jornal
inglês.
Quando lhe solicitaram para acompanhar um homem chamado
Craig Clifton até as salas onde era produzida a revista feminina,
Samantha não tinha a menor ideia de que era o herdeiro de uma
empresa que faturava milhões. Agora se lembrava de que havia
gostado dele assim que o vira. Apreciou o fato de ele tratá-la em pé
de igualdade e de lhe fazer perguntas inteligentes a respeito da
revista.
Craig ouvia suas respostas com atenção, sem deixar de fitá-la
sequer por um momento com aqueles olhos cinzentos e
observadores.
Depois que se despediram, Samantha não pensava em revê-lo e
ficou sinceramente surpreendida quando ele voltou no dia seguinte
ao departamento de publicidade convidando-a para ir ao teatro
naquela mesma noite. Ela aceitou, muito contente, pois se tratava do
musical Evita, que desejava muito ver mais para o qual não tinha
conseguido entradas até aquele momento.
Nas semanas seguintes os dois se encontraram muitas vezes.
Descobriram que tinham muitos interesses em comum e apreciavam
a companhia um do outro. Em nenhum momento Craig falou de seu
relacionamento com Howard Clifton, o milionário dono de jornais ou
porque se encontrava na Inglaterra. Disse apenas que era do Canadá,
morava e vivia em Toronto e estava na Inglaterra a fim de
representar a empresa em que trabalhava.
De repente Craig desapareceu de sua vida tão abruptamente
como tinha surgido, sem comunicar que ia embora e sem dizer se
voltaria.
Samantha ficou magoada e surpreendida consigo mesma, pois
sempre havia se considerado muito liberada em suas atitudes com o
sexo oposto. Não era de seu feitio apaixonar-se por um homem que o
conhecesse há pouco tempo.
Aquela havia sido a pior primavera de sua vida, pois lutara
para esquecê-lo e tinha fracassado. Seus dias e noites eram invadidos
pela lembrança de Craig e seus beijos. Então na noite de uma sexta-
feira de junho, quando deixava o escritório, ele surgiu diante dela,
como se nunca tivesse partido. Ignorando as duas pessoas que a
acompanhavam, beijou-a na boca e lhe fez aquela proposta
absolutamente inesperada:
— Quer se casar comigo, Samantha?
Ela sentiu-se tão feliz ao vê-lo que se atirou em seus braços.
— Quero, sim, sem dúvida! — declarou.
Samantha percebeu que o carro diminuiu a marcha. Deixou as
recordações de lado e olhou pela janela. A estrada descia por uma
colina e ela viu as águas azuis de uma pequena baía, guardada por
dois rochedos.
Logo chegaram a um portão aberto, seguindo por uma alameda
junto à qual se alinhavam imponentes palmeiras. A alameda
terminava no pátio forrado de lajotas de pedra, para a qual davam as
arcadas de uma construção baixa e comprida. As paredes muito
brancas brilhavam ao sol e as janelas estavam cobertas por toldos
azuis e verdes.
O carro mal tinha acabado de parar quando um homem desceu
os degraus, aproximando-se. Era Jeremiah Smith, o mordomo de
Howard Clifton, e estava todo vestido de branco. Era sério e calmo e
em seus olhos muito negros havia uma expressão de tristeza.
— Seja bem-vindo, sr. Craig — ele disse, com as típicas boas
maneiras e a voz macia dos moradores de Antígua. Abriu a porta
para Samantha e foi até o bagageiro. — Pode deixar que eu levo as
malas, sr. Craig. Acho que o senhor vai querer tomar um banho e
mudar de roupa, não é mesmo? Eu o acompanho até seu quarto.
— Obrigada, Jeremiah. Como vai? — Perguntou Craig,
demostrando interesse e consideração.
— Não posso me queixar, senhor, não posso me queixar... —
disse Jeremiah de bom humor, pegando as malas e olhando para
Samantha. — O sr. Farley perguntou pela senhora. Disse que está à
sua espera, na piscina.
— Farley?! — exclamou Craig, sem disfarçar uma leve irritação.
— Há quanto tempo ele está aqui?
— Chegou na semana passada — disse Samantha.
— Mas ele deveria estar na universidade. O semestre ainda não
terminou.
— Parece que não tem passado muito bem e Carla decidiu que
ele deveria descansar — informou Samantha, com alguma hesitação.
Craig ficou muito aborrecido. Praguejou baixinho e, com ar
decidido, entrou em casa. Samantha hesitou durante alguns
segundos antes de segui-lo.
O vestíbulo estava forrado com Lajotas e a mobília se resumia a
alguns divãs muito simples, em cima dos quais se viam almofadões
verdes.
Havia uma porta de vidro, que dava para a piscina.
Samantha foi até lá e sentou-se a uma das mesas cobertas por
um guarda-sol. O jovem que nadava na piscina deu algumas
braçadas em sua direção e saiu. Era magro e não muito alto. Suas
costelas apareciam sob a pele bronzeada. Tinha os cabelos negros,
encaracolados e tão compridos que chegavam pelos ombros. Seus
olhos, a exemplo dos de sua mãe, Carla Clifton, eram grandes e
negros. Farley sentou-se ao lado de Samantha.
— Ele chegou? — perguntou.
— Sim.
— Você lhe contou que estou aqui?
— Não. Foi Jeremiah quem contou, ao me dar seu recado, Craig
perguntou por que você está aqui.
— E...
— E disse que você está doente e Carla achou melhor que
descansasse alguns dias.
— O que ele disse?
— Não tenho certeza, mas parece que ficou aborrecido.
Samantha sorriu.
— Quer dizer então que está zangado — comentou Farley,
desanimado — Meu Deus, o que eu faço? Craig vai ficar maluco
quando descobrir que saí da universidade.
— Eu não sabia disso!
— Nem eu, até está manhã, quando decidi não voltar mais. Não
importa o que meu pai ou Craig digam, mas o fato é que não posso
voltar. Não sou feito de pedra. Se por acaso eu voltar, terei mais uma
depressão nervosa. Não aguento mais. — Farley colocou a mão sobre
a de Samantha. — Graças a Deus você está aqui, Samantha! Sabe o
que é enfrentar Craig e lhe dizer como se sente, não é mesmo?
Entende perfeitamente o que é se chocar contra a vontade dele.
— Creio que sim...
— Você não quer falar com ele a meu favor? — o rapaz pediu
em um tom de súplica. — não quer procurar convencê-lo de que não
levo o menor jeito para seguir carreira no mundo dos negócios? Diga
que o que mais desejo é ser um cantor, divertir as pessoas com
minhas músicas, como minha mãe costuma fazer...
— Tentarei.
— Obrigado, obrigado — ele murmurou, beijando a mão de
Samantha. — Gosto muito de você. Sabia disso? Preferia que não
tivesse casado com aquele mostro insensível que é meu irmão.
Gostaria de poder ir embora com você, para sempre...
— Farley, pare com isso! Por favor, comporte-se — ela
protestou, tentando retirar a mão.
De repente alguém se aproximou e Samantha levantou os olhos.
Craig, usando um calção, contemplava as mãos dela,
entrelaçadas com as de Farley.
CAPÍTULO II

— Craig, não é que você está pensando! — disse Farley,


recolhendo rapidamente a mão e levantando-se, todo ruborizado. —
Estava agradecendo a Samantha por sua presença e por se mostrar
tão disposta a ajudar...
— Sei, sei... — Craig parecia estar se divertindo, mas não era
verdade. Havia uma certa aspereza em sua voz e o olhar que ele
dirigiu a Samantha deixou-a gelada. — Estou muito surpreendido
em encontrar você por aqui — ele disse, dirigindo-se a Farley. —
Desde quando o semestre na universidade termina no meio de
fevereiro?
— Com licença — murmurou Samantha, levantando-se. Não
desejava de modo algum testemunhar uma briga entre dois irmãos.
—Tenho o que fazer e sei que vocês dois têm muito o que conversar.
— Mas, Samantha, você me prometeu.... — disse Farley,
desolado.
Ignorando o apelo do rapaz, ela passou por Craig, em direção à
casa, mas este lhe barrou a passagem e Samantha se viu
comtemplando aquele peito largo e musculoso e os pelos negros que
o cobriam. Ela cerrou os punhos, numa tentativa de controlar o
ímpeto de tocá-lo.
— Não se retire com tanta rapidez — disse Craig, como toda
calma. — É com você que quero falar, não com Farley. Venha nadar
comigo lá na baía. Depois poderemos tomar sol na praia.
— Não posso. Tenho o que fazer — ela murmurou, embora
desejando aceitar o convite. Como seria bom nadar nas águas
transparentes do Caribe e em seguida deitar-se bem junto a Craig,
possivelmente até mesmo repousar em seus braços, nas areias
douradas, à sombra dos coqueiros... — Não — repetiu Samantha,
retirando-se para o interior da casa.
Sapatos de salto alto ecoaram nas lajotas e Carla surgiu no
corredor que levava à ala da residência onde Howard Clifton tinha
sua suíte. Ela usava um vestido de algodão estampado com flores
brancas e negras, e seu rosto, de traços marcados e sensuais, estava
muito maquilado. Ainda assim eram evidentes as rugas que a
ansiedade tinha esculpido, notando-se imediatamente a expressão de
angústia em seus olhos negros.
— Howard ouviu o barulho do carro. Craig chegou, Samantha?
Você foi encontrá-lo no aeroporto?
Carla possuía um ligeiro sotaque e sua voz era suave e
profunda. Quando ela falava Samantha sempre pensava no melado,
espesso, escuro e líquido ... Carla era venezuelana. Tratava-se de
uma pessoa generosa, mas muito temperamental, profundamente
religiosa e totalmente dedicada a Howard e ao filho deles, Farley.
— Sim, Craig chegou. Está lá na piscina com Farley.
— Ah, não! — Cara parecia extremamente preocupada. — O
que está dizendo a Farley?
— Não sei e nem quero ouvir.
— Achei que ele fosse ver o pai em primeiro lugar! Será que ele
não tem sentimentos? Por acaso seu coração é feito de pedra?
— Não sei Carla, gostaria que você tivesse me avisado de que
ele chegaria hoje.
— Mas como? Só fiquei sabendo hoje de manhã, quando a
secretária dele telefonou de Toronto informando que ele acaba de
tomar o avião. — Ela deu um passo adiante e encarou Samantha com
curiosidade. — O que você teria feito se soubesse do fato?
— Teria partido de Antígua. Não quero estar aqui enquanto ele
também estiver. Não posso permanecer nessa casa. Tenho de ir
embora...
— Oh, não, você não pode nos deixar! É preciso que fique aqui.
É preciso, Samantha! Howard não quer que você nos deixe.
— Gostaria de saber por quê. Até agora ignoro por que ele me
convidou para vir.
— Mas ele não lhe disse? — Carla parecia ter ficado
surpreendido.
— Não. Ele fala muito pouco quando vou encontrá-lo, sempre
que estamos juntos me limito a ler para ele.
— É por isso que você tem de ficar! — disse Carla, com muita
ênfase. — Você pode fazer por Howard algo que eu não posso. Pode
ler seus autores favoritos, tais como Dickens, Hemingway e outros.
Não leio inglês bem e não entendo a literatura inglesa e americana.
Howard diz que você lê maravilhosamente bem e sente um grande
prazer em ouvi-la. Ah, Samantha, você não pode partir agora! A sua
vinda aqui para cá foi ideia dele. Sabia que Craig viria, se você se
encontrasse aqui. E pelo visto ele tinha razão, não é mesmo? Assim
que eu lhe disse que você estava conosco, ele largou tudo e tomou o
primeiro avião — concluiu Carla, com uma expressão de triunfo no
olhar.
— Mas então quer dizer que ... — disse Samantha,
interrompendo-se ao ouvir a voz enfurecida de Farley.
— Dios! — exclamou Carla, desolada. — Preciso ir dar um jeito
naqueles dois.
Ela caminhou apressadamente em direção à piscina e Samantha
seguiu pelo corredor, até a pequena suíte que lhe fora destinada.
A sala de estar, que tinha uma mobília simples, mas de muito
bom gosto, estava exatamente como ela havia deixado naquela
manhã.
Samantha se dirigiu ao quarto e parou, atônita, ao ver o terno
cinza e a camisa jogados sobre o acolchoado vermelho que cobria a
enorme cama de casal. A elegante mala de Craig estava no chão,
aberta, cheia de roupas.
Craig, arrogante como sempre, presumia que Samantha fosse
compartilhar o quarto com ele. Tinha invadido a privacidade dela,
espalhando roupas pelo aposento e fazendo-a sentir sua presença.
No entanto ela estava certa de que Carla havia ordenado a Jeremiah
que acomodasse Craig num quarto do outro lado da casa, e bem
longe dela...
Vozes irritadas chamaram-lhe a atenção e ela foi até a janela
que dava para o pátio. Carla, Farley e Craig estavam lá. Carla e o
rapaz falavam ao mesmo tempo e gesticulavam sem parar. Craig não
fazia gesto sequer e os ouvia, imperturbável, de braços cruzados.
Subitamente ele ergueu a cabeça e olhou na direita da janela
onde Samantha se encontrava, como se sentisse sua presença. Ela
deu um passo para trás e se retirou rapidamente do quarto,
percorrendo o corredor que levava ao vestíbulo. Abriu a porta da
entrada e saiu quase correndo, diminuindo o passo apenas quando
se encontrava numa alameda que atravessava os jardins, em direção
aos rochedos à beira da praia.
Samantha desceu os degraus e notou que a praia estava deserta,
a não ser pela presença de um pelicano, que imediatamente alçou
voo. O sol e as sombras se refletiam nas areias amareladas e as ondas,
de um verde muito claro, vinham morrer na praia. Sob um jirau de
madeira, construído especialmente para abrigá-las, havia duas
pranchas de windsurfe.
Samantha tirou o longo vestido de algodão. Usava um maiô
negro, com listras azuis, muito justo, e que lhe valorizava o corpo
bem-feito. Pegou uma das pranchas levando-a até a beira da água.
Ajustou então o mastro no centro da prancha e empurrou-a para
dentro do mar, até ela flutuar. Em seguida subiu, certificou-se de que
lado o vento soprava e desfraldou a vela.
A prancha avançou, impelida pelo vento que inflava a grande
vela vermelha e amarela. Samantha se equilibrou, dobrou os joelhos
contrapondo-se à força do vento, e a prancha deslizou com
velocidade ainda maior.
À semelhança de uma borboleta provida de uma única asa, a
prancha avançou pelas águas rasas da baía. O vento assobiava e
Samantha entregou-se totalmente ao prazer de velejar. Seguiu em
frente até chegar a uma ponta da areia, nas proximidades de um
rochedo.
Logo que se viu perto da praia soltou a vela, que pendeu e caiu
no mar. Então empurrou a prancha para o raso, tirou o mastro do
orifício central e estendeu a vela para secar. Deitou-se em seguida na
areia, sabendo que ali ninguém viria perturbá-la, pois a pequena
praia era praticamente inacessível. Só se poderia chegar até lá num
bote ou numa prancha de windsurf.
Era bom estar sozinha por um tempo e sentir o sol aquecer sua
pele; estava contente por ter descoberto aquele lugar maravilhoso,
não muito distante da residência dos Clifton, Farley não apreciava o
windsurfe e jamais a acompanhava em suas expedições, desde que
ela havia chegado à ilha.
Deitada de bruços, Samantha fecho os olhos. Não poderia
expor-se ao sol durante muito tempo e pretendia ficar ali apenas
alguns minutos, a fim de queimar um pouco mais os braços, pernas e
ombros.
Que tranquilidade! Ouvia apenas o barulho suave do mar, o
vento assobiando de mansinho entre as folhas das palmeiras e às
vezes alguma gaivota.
No entanto sua mente não estava nada tranquila. Achava-se
mergulhada na mais completa confusão, devido à presença de Craig.
Seria verdade o que Carla dissera? Howard a teria convidado
para se hospedar naquela casa só por saber que Craig viria, se tivesse
certeza da presença dela ali? Abriu os olhos e, tomando um punhado
de areia, deixou-o escapar pelos dedos. Se Craig realmente quisesse
tê-la encontrado, naqueles dois últimos anos, nada o impediria de vê-
la em Londres. Sabia onde ela morava, onde trabalhava, mas nunca a
procurava, desde que se separaram, e jamais lhe pedira para voltar a
viver com ele em Toronto.
Teria concordado caso ele pedisse? Teria partido para uma
reconciliação, se ele desse o primeiro passo nesse sentido? No fundo,
sabia que sim. Desejava que ele surgisse subitamente, declarando
que a amava e que não conseguia viver sem ela. Algumas vezes,
quando estava deprimida, tinha ímpetos de se demitir do emprego e
tomar um avião para o Canadá. Diria então a Craig que já não
suportava mais ficar sozinha e que não desejava outra coisa além de
voltar a fazer parte da vida dele. Somente o orgulho e a recordação
de Morgana a tinham impedido de ceder a esse impulso.
“Morgana...”, ela pensou e fechou os olhos, vindo-lhe à mente a
imagem daquela criatura.
Morgana Taylor tinha cabelos ruivos e revoltos que lhe
molduravam o rosto magro e triangular; seus olhos, muitos escuros,
possuíam de vez em quando uma expressão trágica e os lábios eram
carnudos e sensuais, sempre pintados de vermelho. Ela era filha de
um milionário canadense, mas tinha adquirido uma bela reputação
como autora de romances bem escritos sobre a causa feminista. E um
dia Craig deveria se casar com essa mulher...
Morgana havia surgido subitamente na mesa dos Clifton, num
jantar em benefício do Centro dos Escritores, em Toronto. Sua pele
muita clara e os cabelos ruivos eram ressaltados pelo vestido negro
que usava. Cumprimentara Craig com uma voz macia e aveludada
lançando-lhe um olhar provocador; um verdadeiro convite para a
cama, como tinha parecido a Samantha. Ele se levantara, muito
educado, apresentando Morgana a Samantha.
— É sua mulher? Meu querido, não tinha a menor ideia de que
você fosse casado! Quando isso aconteceu? E onde?
— Há quase um ano em Londres — dissera Craig, sorrindo —
Imagine, daqui a pouco vamos comemorar o nosso primeiro
aniversário juntos!
Morgana sentara-se ao lado de Craig, e a partir desse momento
monopolizara a atenção dele, dirigindo-lhe a palavra em voz baixa e
ignorando completamente a presença de Samantha, Bill e Judy
Felton, além de alguns escritores muito conhecidos que a empresa
convidara para jantar.
— Quem é ela? — Samantha perguntara a Judy, quando as duas
foram até o toalete.
— É a mulher com quem Craig iria casar, antes de conhecer
você em Londres.
— E eles estavam noivos?
— Não exatamente. Morgana não se prende a convenções
antiquadas como um noivado, mas era ponto pacífico que iriam se
casar. Eles se conhecem há anos. Conrad Taylor, o pai de Morgana,
presidente de uma grande companhia de investimentos, e Howard
Clifton sempre encararam esse casamento com grande interesse. Ele
poderia significar também a união de duas fortunas imensas.
— E por que não deu certo?
— Ninguém sabe. Por que você não pergunta a Craig?
Samantha fizera isso ainda naquela noite, quando se
preparavam para dormir, na elegante casa situada em um dos
bairros da moda, nos arredores de Toronto.
— Judy me contou que você e Morgana Taylor estiveram para
se casar — ela havia dito de repente, ao se deitar.
— É mesmo? — ele respondera com indiferença, vestindo a
calça do pijama.
— E é verdade ou não? — ela insistiu, um tanto incomodada
com o que estava sentido.
Samantha estava casada com Craig há quase um ano e tinha
acabado de perceber que desconhecia inteiramente a vida do marido
antes que ele a tivesse conhecido. Estava apaixonada e fascinada
demais pelo lado físico de seu casamento para pensar nas mulheres
que ele teria encontrado até então. Pela primeira vez naquela noite
soubera o que significava sentir ciúmes, o que a deixava chocada.
— Do que você está falando? — perguntou Craig, deitando-se
ao lado dela.
— Algum dia você pretendeu casar com a Morgana Taylor?
Craig apagou o abajur e, depois de puxar Samantha para bem
junto de si, passou-lhe um braço em torno da cintura, entrelaçando
suas pernas com as dela. Ao sentir o cheiro másculo que se
desprendia daquele corpo. Samantha sentiu o desejo se apoderar
dela.
— A única mulher com quis casar foi você — ele murmurou,
beijando-a e pondo um ponto final naquela conversa.
Não foi, porém, o fim de Morgana. Ela surgia a todo momento,
nas festas dadas pelos amigos de Craig, nos jantares a que ele e
Samantha eram convidados, no clube de iatismo, no clube de golfe...
Em todos esses lugares procurava monopolizar a atenção de
Craig; ela o beijava e abraçava, dizendo muito sorridente a Samantha
que seu afeto era o de uma irmã.
— Crescemos juntos — dizia. — Nossos pais eram vizinhos.
Talvez, se tivesse mais o que fazer e se o tempo não se fizesse
sentir com tanta intensidade durante os primeiros dezoitos meses de
casamento, Samantha não sentisse tanto ciúmes de Morgana. Se pelo
menos tivesse um emprego.
Havia feito essa sugestão a Craig, chegando até a solicitar que
ele a ajudasse a encontrar uma colocação em alguma editora, o que
provocou a primeira briga séria do casal. Ele se recusava
categoricamente a permitir que ela trabalhasse. Samantha não tinha
aceitado essa atitude e ele se vingou, muito aborrecido, mergulhando
num silêncio irritante.
Se tivesse ficado grávida, com uma grande responsabilidade,
não sentiria tanto ciúme de Craig quando não estava com ela. Ele se
ausentava com frequência, pois tinha de viajar a negócios para o
exterior. Se acaso fosse mais velha e experiente, senão fosse
estrangeira em um país desconhecido, sem poder contar com o apoio
de parentes e amigos mais chegados, a suspeita não teria minado o
amor e a confiança.
O que estava acontecendo era também culpa de Craig. Ele tinha
contribuído para torná-la ciumenta e desconfiada, ao se recusar a
comentar sua vida pessoal, antes de conhece-la. Não havia por que
fazer tanto segredo.
Um dia soube que, numa de suas viagens de negócios, ele havia
estado com Morgana, chegando a se hospedar com ela no mesmo
hotel. Magoada e confusa, Samantha o acusou de ter premeditado
aquele encontro, mas ele, evidentemente, recusou.
— Pois então ela deve ter sabido para onde você ia e viajou até
lá de propósito, para ficar perto de você — ela afirmara, indignada.
— E por que ela faria uma coisa dessa?
— Porque na certa acha que você ainda lhe pertence.
— Eu lhe pertenço? — Pois saiba que não pertenço a ninguém, a
não ser a mim mesmo. Acho bom você se convencer disso. Se você
tiver mais um ataque de ciúmes, nós nos separaremos.
— Ah, é assim? Quer dizer então que devo ficar trancada em
casa, sem dizer nada, enquanto você e Morgana têm um caso? E bem
debaixo do meu nariz! Pois sabia que está redondamente enganado a
meu respeito. Eu me recuso a ser enganada dessa maneira. Vou
embora. Vou para casa.
— Para casa? Mas sua casa é aqui?
— Não é, não. Não me sinto à vontade nesta casa e muito
menos neste país. Eu o detesto! Quero voltar para a Inglaterra que é o
meu lar!
— Então não há outra solução, a não ser voltar — concordara
Craig, com a maior calma.
Samantha ficou surpreendida e magoada ao ver que ele a
deixava partir com tamanha facilidade.
Nos primeiros tempos foi maravilhoso voltar para a Inglaterra e
se refugiar no afeto da família. Não levou muito tempo para
confessar a sua mãe as suspeitas de que havia um envolvimento
amoroso entre Craig e Morgana Taylor.
— No fundo isso não me surpreende – declarou Brenda. Ambas
passeavam por uma floresta, gozando o prenúncio da primavera.
— Como assim?
— Tentei prevenir você, quando me comunicou que iria se casar
com ele. Achei que você não queria enxergar a situação. — Brenda se
exprimia com seriedade, num tom vagamente didático. Formada em
psicologia educacional, gostava muito de analisar o comportamento
das pessoas. — Craig vem de um meio tão diferente... Além do mais,
a vida toda se habituou a ter muito dinheiro. Nunca lhe faltou nada e
sua atitude em relação às mulheres tende a ser um tanto machista.
Você não deveria ter se casado com ele. Seria preferível esperar,
antes de assumir um compromisso. Se isso tivesse acontecido
provavelmente teria decidido que ser mulher de um rico homem de
negócios com a mentalidade de um playboy não era bem o que você
queria. Se esperasse, teria descoberto o que está sabendo agora e teria
toda liberdade para mudar de ideia. Quer continuar casada com ele?
— Não sei... Ainda não me fiz esta pergunta. Eu me sinto tão
confusa! No começo fui muito feliz! Eu o amava e gostava de estar
em sua companhia. Detesto quando ele viaja e me deixa sozinha. Não
sei o que fazer de mim.
— Você poderia arranjar um trabalho. Será que não consegue
uma colocação em alguma editora de Toronto?
— Craig não deixa.
— Não deixa? Mas como ele pode fazer isso?
— Vive dizendo que não quer que eu trabalhe. Se eu arranjar
um emprego, ele vai interferir e me impedirá de ser contratada.
Sugeriu que entrasse para algum grupo de mulheres que trabalhasse
com assistência social e foi o que fiz, mas não me acostumei.
— Não acreditava que minha filha um dia fosse permitir que
um homem a dominasse desse jeito! Então não vê que cometeu um
erro ao se casar com ele?
— Mas eu amo Craig!
— Pare de dizer bobagens! O amor romântico é mito e quanto
mais cedo você perceber, melhor. Craig Clifton apressou esse
casamento antes que você tivesse tempo de pensar. Provavelmente
não conseguiria levá-la para a cama sem antes prometer que
colocaria uma aliança em seu dedo. Você sempre teve algumas
reservas quanto ao sexo antes do casamento.
— Não é verdade! Craig jamais me pediu para dormir com ele
antes de casarmos.
— Mas então por que ele, que afinal de contas vai herdar
milhões de dólares, escolheu justamente você?
— Eu costumava pensar que ele gostava de mim por aquilo que
eu sou... — murmurou Samantha, sentindo-se muito infeliz.
— Mas agora não tem tanta certeza assim...
— De fato, não. Oh, mamãe, não sei o que fazer!
— Fique aqui por mais tempo e deixe Craig dar o primeiro
passo.
Samantha concordou imediatamente com aquela sugestão e
demorou um mês para que Craig se manifestasse. De repente ele
apareceu e ela ficou tão feliz ao vê-lo que se esqueceu de todas as
suas dúvidas que surgiu uma discussão entre eles.
— Prefiro morar perto de Londres – ela declarou.
— Por quê?
— Porque me ofereceram um emprego.
— Onde?
— No corpo editorial da revista O Mundo da Mulher.
— Ela agora pertence a Clifton.
— Eu sei. Lembro que foi por isso que você esteve aqui no ano
retrasado. Veio fechar a compra da revista.
— Posso exercer pressões e fazer a revista retirar a oferta.
— Se você fizer isso, eu o deixarei. Craig, será que você não
enxerga que não sirvo para ser sua mulher? Não fui criada para ficar
trancada em casa, sem fazer nada. Quero voltar a trabalhar e provar
que posso fazer carreira na área editorial! — Samantha fez uma
pausa e repetiu as palavras de sua mãe. — Não deveria ter me
casado com você, quando me pediu. Era preferível esperar, mas você
me apressou.
Craig ficou muito pálido, mas não discutiu mais com ela.
Também não solicitou que voltasse para o Canadá e ficou a estudá-la
friamente durante alguns momentos.
— Está bem. Entendi o recado. Você quer se separar e assim
será. Talvez nós dois precisemos de algum tempo para descobrir se
realmente desejamos ficar casados. — Ele sorriu com ironia. — Acho
que apressei você, não é mesmo? Foi preciso ... — Craig se
interrompeu e mordeu o lábio, dominando-se logo em seguida. —
Graças ao nosso casamento, consegui o que queria em determinado
momento e não me queixo. Você concorda com a separação.
— Por quanto tempo?
Ainda agora Samantha se lembrava de quanto havia ficado
perturbada com aquela atitude tão fria.
— O tempo necessário para você examinar melhor as coisas e
descobrir o que deseja da vida. Dois anos bastam?
Dois anos pareciam uma eternidade e era tempo mais do que
suficiente para ela saber o que queria.
— Sim — ela disse, muito infeliz. — Mas ... nós nos
encontraremos de vez em quando, não é? Você virá me ver?
Craig a encarou e, ao notar a expressão fria e implacável
daqueles olhos, Samantha quase capitulou, com vontade de se jogar
nos braços dele. Estava a ponto de dizer que voltaria com ele para o
Canadá. Somente a lembrança da vida tediosa que levava por lá, dos
dias arrastados e solitários e, acima de tudo, de Morgana Taylor, a
impediram de fazer um gesto sequer.
— Creio que não virei ver você — declarou Craig. — Acho
melhor não nos encontrarmos. Tomarei todas as providências
necessárias para que você receba uma pensão.
Essa havia sido a decisão a que chegaram e Craig voltou para o
Canadá sozinho, convencendo-a, com sua atitude, de que estava
aliviado por ter se livrado dela durante algum tempo. Agora poderia
retomar os hábitos de solteiro; teria ampla liberdade de movimento e
poderia praticar esportes perigosos, tais como pesca submarina e
corridas de automóveis. Também estaria livre para sair com
Morgana...
Mais magoada do que gostaria de admitir, Samantha aceitou o
emprego na revista, decidida a dar duro e provar a si mesma o
quanto valia.
No entanto sentia imensamente a falta de Craig. Escreveu-lhe
várias vezes durante o primeiro ano de separação, mas ele nunca
respondeu às suas cartas. O orgulho foi mais forte do que tudo e ela
parou de escrever. O segundo ano sem ele foi mais fácil. Bem-
sucedida no trabalho, Samantha começou a sair, acabando por se
envolver com outro homem, Lyndon Barry. Ele escrevia para um
jornal que funcionava no mesmo prédio onde era publicada a revista
O Mundo da Mulher.
Não se esqueceu de Craig e se deu conta, com grande pesar, de
que aquilo jamais aconteceria. Uma mulher jamais esquecia o
primeiro amor, mas tinha começado a aceitar que, talvez, Craig não
tenha sido feito para ela. Chegou a pensar no divórcio e até mesmo
consultou um advogado, pedindo que a orientasse nesse sentido. Foi
então que aconteceu o pior: a direção da revista solicitou sua
demissão, pois se via obrigada a fazer cortes no corpo editorial.
Samantha procurava encontrar outro emprego, sem o menor
sucesso, quando recebeu a carta de Carla contendo o convite de
Howard Clifton. Entediada com o inverno na Inglaterra e com o fato
de estar desempregada, ficou intrigada com aquele convite e o
aceitou, num gesto impulsivo. Retirou do banco algumas economias,
comprou uma passagem de ida e volta para Antígua e roupas
apropriadas ao clima tropical.
Agora se perguntava por que tinha vindo. Será que,
inconscientemente, esperava rever Craig? Já se haviam passado mais
de dois anos desde a separação e era tempo de discutirem isso.
— Você costuma vir sempre a este lugar?
A voz de Craig, ligeiramente irônica, soou bem junto dela.
Assustada e percebendo que as pernas e as costas começavam a
queimar, Samantha ergueu a cabeça e sentou-se rapidamente.
Ele estava de pé, ao lado dela, e gotas de água lhe escorriam
pelo corpo bronzeado. Junto a Craig se encontrava a outro prancha
de windsurfe, pousada sobre a areia.
— Como sabia que estava aqui?
— Vi você sair da praia e resolvi segui-la — ele disse, sentando-
se ao seu lado. — Como vê, ainda sei manobrar uma prancha de
windsurfe... Lembra o quanto nos divertimos, quando você tomou as
primeiras lições nas Bahamas?
A expressão de Craig era francamente sensual e ele sorriu,
como se quisesse dar um outro sentido ao que dizia. Ao falar em
diversão, ele se referia implicitamente ao fato de que, naqueles dias,
Samantha tinha aprendido a fazer amor. Era uma maneira sutil de
tocar na intimidade que havia existido entre eles.
Algo de muito perturbador se agitou no íntimo de Samantha,
em reação ao modo como ele a encarava e isso lhe despertava o
desejo.
Lá estava ele, bem perto, irradiando uma forte sensualidade.
Bastava Samantha estender um pouco a mão e tocaria aquela coxa
peluda e musculosa.
Craig se estendeu subitamente na areia, colocando as mãos
debaixo da cabeça.
— E aqui estamos, tomando sol, embora você alegasse que
tinha muito o que fazer ... — ele comentou.
— Não será por muito tempo — disse ela, levantando-se. —
Vou voltar.
Samantha fez menção de pegar a prancha, mas, quando menos
esperava, tropeçou e caiu. No mesmo instante Craig procurou ajudá-
la.
— O que aconteceu?
— Ora, você sabe muito bem o que aconteceu — ela disse com
irritação, livrando-se dele com um gesto brusco. — Foi você quem
estendeu a perna e me fez tropeçar!
Samantha se levantou imediatamente, decidida a entrar no mar,
mas Craig segurou-a pelo pulso. Ela lhe deu um empurrão, mas
tropeçou novamente e perdeu o equilíbrio, caindo no mar.
Subitamente ele a agarrou pela perna.
Samantha afundou e engoliu um bocado de água. Presa pelos
braços musculosos de Craig, foi puxada para a superfície. Ele a
obrigou a se levantar e apertou-a de tal forma de encontro ao corpo
que ela sentiu a perturbadora prova de sua virilidade bem junto de
si.
Samantha o encarou. Havia uma ameaça sensual no modo
como os lábios de Craig se abriam à medida que se aproximavam
dos dela. Lutando o quanto podia contra a paixão que ameaçava
dominá-la, ela tentou mais uma vez livrar-se dele.
— Não, Craig, não quero, não quero!
— Claro que quer, meu amor! Nós dois queremos. Já faz tempo,
muito tempo... — ele murmurou com voz rouca de desejo,
começando a beijá-la, enquanto com as mãos lhe acariciava todo o
corpo.
Ela precisou apelar a todos as suas reservas de autocontrole
para não corresponder àquele beijo. Quando finalmente Craig se
afastou, Samantha partiu para o ataque.
— Você não mudou nem um pouco, não é mesmo? Ainda acha
que pode aparecer quando bem entende e controlar a situação,
mesmo depois de dois anos de separação, e isso sem a menor
explicação e sem levar em conta os meus sentimentos. Por favor, me
solte. Quero ir embora. Não aguento mais este lugar. Você estragou
tudo, vindo para cá.
Craig a soltou imediatamente a ela foi fincar o mastro na
prancha.
Julgou que ele a seguiria, mas quando se voltou para olhá-lo ele
corria em direção ao mar. Protegendo os olhos contra os reflexos do
sol na água. Samantha o viu mergulhar.
Craig surgiu mais adiante, afastando-se rapidamente, por meio
de braçadas vigorosas. Com uma expressão de tristeza, ela ajustou o
mastro à prancha. Craig sempre tinha sido um amante forte e de
poucas palavras indo diretamente ao que desejava. O mesmo
acontecia com ela, até surgir Morgana...
— Vamos ver quem chega primeiro na praia? — Ele gritou,
aparentemente não se importando com o fato de ter sido rejeitado.
Samantha sentiu-se um tanto desencorajada. Jamais conseguiria
sequer abalar aquele homem. Nunca poderia magoá-lo, a exemplo do
que ele lhe fazia.
— Está bem, mas você tem que me dar vantagem. Não sou tão
boa quanto você numa prancha de windsurfe.
As duas pranchas deslizaram sobre o mar e, na ânsia de chegar
antes de Craig, Samantha fez algumas manobras ousadas. Por duas
vezes o mastro e a vela giraram, jogando-a dentro do mar. Nesses
momentos Craig se aproximava, perguntava aos gritos se ela estava
bem e esperava até que subisse na prancha e voltasse a velejar.
Samantha chegou à praia antes dele, mas não sabia se isso havia
acontecido por velejar mais rapidamente do que Craig ou se ele tinha
permitido que vencesse. Em seguida levaram as pranchas, velas e
mastros para o pequeno abrigo sob as árvores.
— Você vai ver seu pai agora? — ela perguntou, julgando que
deveria lembrá-lo de seus deveres. — Carla ficou preocupada, pois
você não foi vê-lo, quando chegou em casa.
—Sim, ela me disse — comentou Craig com certa frieza. — Mas
você me conhece muito bem... Há certas coisas que devem vir em
primeiro lugar.
— O que você quer dizer com isso?
— Já fiz você lembrar que ainda é minha mulher e que tenho o
direito de beijá-la quando quiser. Agora posso visitar meu pai e
tentar descobrir o que tem na cabeça — declarou Craig, dando um
passo adiante. E beijou-a com impulsividade, antes que Samantha
pudesse dizer qualquer coisa.
Ela quase perdeu o equilíbrio, diante daquela inesperada e
apaixonada demonstração de amor e dessa vez não conseguiu
controlar suas reações. Quis se apoiar nele para não cair no chão, mas
Craig se afastou rapidamente em direção à casa.
CAPÍTULO III

Samantha seguiu Craig lentamente. Nada havia mudado,


constatou, sentindo-se muito infeliz. Craig ainda tinha plena
segurança do que representava para ela, e Samantha estava à sua
disposição, pois ele continuava a excitá-la. Ainda conseguia
despertar-lhe o desejo, fazendo-o fluir através do seu corpo como
lava derretida, destruindo toda a sensatez e toda a tentativa de
resistência. No entanto estava muito longe de saber se ele ainda a
amava, a exemplo do que acontecia com ela.
Como poderia permanecer na residência dos Clifton, quando
ele se encontrava lá, e continuar a resistir? Era impossível, acabaria
tendo uma crise nervosa. Precisaria partir, por mais convincentes que
fossem os argumentos de Carla. Não poderia ficar e ser tratada
daquela maneira por Craig, como se fosse apenas um item na agenda
de encontros da diretoria da Empresa Clifton.
“Item n.º 1.º Lembrar a Samantha que ela ainda é a mulher de
Craig Clifton, vice-presidente, e que ele ainda tem o direito de beijá-
la e de fazer amor com ela quando tiver vontade”.
Não, não admitiria de modo algum ficar lá e ser tratada daquele
jeito! Partiria imediatamente!
Quando chegou em casa, Craig já tinha entrado. Ao entrar no
vestíbulo deu com Farley, que, pelo visto, ia sair. Usava uma calça de
algodão e uma camiseta azul-marinho.
— Por que você partiu daquele jeito? Por que não ficou e me
ajudou, conforme prometeu? — ele se queixou.
— Sinto muito...
Ela havia esquecido completamente a promessa de ajudá-lo a
explicar a Craig por que não queria voltar para a universidade.
Quando Craig surgira diante deles, sentira-se confusa como sempre,
preocupada unicamente com suas reações.
— O que foi que ele disse? — perguntou. — Você foi agredido
pelo fato de não querer voltar a estudar?
— Não, de modo algum! Ele parecia não estar nem um pouco
interessado em mim. Disse que não se importava com o que eu quero
fazer com minha vida, pois precisava pensar em coisas mais
importantes. Disse mais, que eu poderia fazer o que bem entendesse
e até mesmo ir para o inferno, contanto que isso não lhe custasse
nada. Em seguida falou para minha mãe calar a boca e se retirou.
Imagino que ele tenha ido atrás de você, não?
— Sim. Quer dizer que você não voltará para a Universidade de
Harvard?
— Não. Vou para Toronto, assim que conseguir reservar uma
passagem. Mas agora preciso ir até o Hotel Miramar buscar os
Taylor, que virão jantar conosco.
— Os Taylor? — perguntou Samantha, sentindo um aperto na
garganta.
— Isso mesmo. Conrad Taylor e sua filha Morgana. Ao que
parece, vieram até aqui visitar papai. Até logo.
— Farley, me espere — ela disse, correndo atrás dele. —
Eu...prometi a Pamela e a Ken Wallis que os encontraria no hotel.
Devo jantar com eles, mas primeiro preciso me trocar. Espere, por
favor.
— Está certo. Aguardo você no carro.
Samantha dirigiu-se rapidamente ao quarto. Do banheiro vinha
barulho do chuveiro e imaginou que Craig estivesse lá, removendo o
sal da pele e dos cabelos. Não teria tempo de fazer o mesmo. Abriu o
guarda-roupa, retirando um jeans, uma blusa, um suéter e roupa de
baixo. Pôs tudo numa sacola, pegou a bolsa, certificando-se antes que
a carteira e o passaporte estavam dentro dela, tirou o vestido e o
maiô, pôs outro vestido bem esportivo, de algodão branco
estampado com flores coloridas, escovou rapidamente os cabelos e
saiu correndo do quarto, pois o chuveiro tinha sido desligado.
Farley estava à sua espera no Cadillac, conforme o prometido,
e, embora lhe entregasse a sacola para guardar, ele não disse nada.
Daí a pouco seguiam pela estrada estreita, em direção a Falmouth.
O rapaz estacionou o carro na frente do hotel, um prédio de
tijolos aparentes importados da Inglaterra, terminado em 1788 e que
fora inicialmente sede da administração do porto. Depois tornou-se
um hotel e um dos pontos de encontro favoritos dos iatistas de todo
o mundo.
Seu terraço era um dos lugares preferidos de Samantha. As
belas casuarinas proporcionavam uma sombra deliciosa e dele se
enxergavam as águas azuis da baía. Possuía uma atmosfera de
serenidade e todas as vezes em que Samantha ia lá, sentia que
poderia ficar sentada para sempre numa das confortáveis poltronas,
ouvindo as pessoas conversarem em torno dela e tomando de vez em
quando um gole de alguma bebida agradável.
— Estou aqui! — alguém exclamou de um dos cantos do
terraço, acenando.
— É Pamela — explicou Samantha a Farley. — Os Taylor
devem estar lá dentro.
— Imagino que sim. A que horas você quer voltar para casa?
— Não se preocupe. Voltarei sozinha, mais tarde.
— Está certo.
Farley se afastou e entrou por uma das portas que levavam ao
bar e à recepção do hotel. Samantha caminhou por entre as mesas,
em direção à amiga.
— Já estava achando que você não viria mais — disse Pamela
Wallis.
Era um pouco mais velha do que Samantha e seus cabelos
castanho e muitos curtos combinavam com os olhos esverdeados.
Estava muito queimada de sol e usava uma camiseta com a palavra
“Sílfide” impressa em branco, sobre fundo azul-marinho, e bermudas
brancas. Ela havia nascido na mesma cidade que Samantha e fora
colega de turma de sua irmã Jennifer. Recentemente Pamela e seu
marido Ken Wallis tinha embarcado em seu iate Sílfide, atravessando
o Atlântico. De lá prosseguiriam até os Estados Unidos, esperando
chegar à costa do Maine pelo mês de julho, quando participariam dos
festejos da fundação do Iate Clube dos Estados Unidos, para os quais
tinham sido convidados todos os grandes clubes da Inglaterra e da
Irlanda.
Samantha encontrara Pamela alguns dias antes, quando
visitava o Museu Naval e, desde então, encantada por ver uma
pessoa conhecida e tão longe da Inglaterra, passou a visitá-la todo os
dias.
— Tive de ir pegar alguém no aeroporto — ela explicou,
sentando-se ao lado de sua nova amiga. — Ken não veio com você?
— Não, ele tinha o que fazer no iate. Quem é aquele rapaz
acompanhou você?
— Farley Clifton.
— Não é o seu marido, não?
— Oh, não! É irmão de Craig. — Samantha hesitou, sem saber
que tipo de confidências poderia fazer a Pamela.
— O que foi, Samantha? O que está incomodando você? Parece
estar cismada com alguma coisa. Pode me contar que não farei
perguntas indiscretas.
— Craig chegou hoje. Tive de ir a seu encontro no aeroporto.
Ele e eu... bem, estamos separados há dois anos e... não posso ficar na
casa dos Clifton enquanto ele estiver lá. Tenho de ir embora. Vocês
ainda estão pensando em ir até a ilha de Nevis amanhã?
— Sim. E o convite para que você venha conosco ainda está de
pé. Pelo que vejo, trouxe uma sacola. Isto quer dizer que virá conosco
para o iate, após o jantar, e passará a noite lá, de modo que a gente
possa partir amanhã cedinho?
— Sem dúvida, se isso não for inconveniente.
— Nós não teríamos convidado você, se pensássemos assim.
Vamos apreciar demais a sua companhia. Se quiser, pode ir conosco
até o Maine, quando terminar a viagem.
— Oh, não, é impossível! Tenho de descer em algum porto e
tomar um avião para Londres. A única coisa que desejo é partir
daqui o mais rápido possível. Obrigada, Pamela.
— Não há de quê! Sabe que ainda estou muito surpreendida
com o nosso encontro no museu, a milhares de quilômetros da
Inglaterra?
— Pamela olhou por cima do ombro de Samantha, que estava
de costa para a entrada do hotel. — Seu cunhado está vindo para cá e
traz alguém em sua companhia.
Samantha olhou e viu que Farley se aproximava, seguido por
uma mulher alta e ruiva, de pele muito alva, cujos olhos se
escondiam por trás de óculos escuros. Era nada mais, nada menos
que Morgana Taylor...
— Samantha, que prazer em vê-la! — Morgana deu um vasto
sorriso, exibindo seus dentes perfeitos, e estendeu a mão. Braceletes
de ouro tilintaram em seu pulso magro. — Não imaginava que você
também estivesse em Antígua.
Samantha apertou rapidamente a mão daquela mulher,
sentindo-se mal ao fazê-lo
— Onde está hospedada? — perguntou Morgana.
— Na casa dos Clifton. Você está de férias?
— Não é bem assim. Vim com papai. Ele quer ver Howard para
falar de negócios. Eu sabia que Craig estaria aqui e aceitei o convite
de papai, que me pediu para acompanhá-lo. Espero fazer também
algumas pesquisas para um romance que tenho na cabeça. — Ela
olhou para Pamela e sorriu. — Sou escritora — explicou. — Escrevo
romances a respeito de mulher moderna, do movimento feminista e
de como ele tem afetado nossos estilos de vida. Talvez já tenha lido
algum dos meus livros. Meu nome é Morgana Taylor.
— Infelizmente não li, não — disse Pamela, levantando-se. —
Aí vem Ken, Samantha. Podemos ir para o iate?
— Você não vai para a casa dos Clifton? — perguntou
Morgana.
— Não. Vou passar alguns dias com Pamela e Ken no iate deles.
Adeus, Morgana. Espero que aproveite bastante sua estada na ilha.
Adeus, Farley. Por favor, diga a Carla que vou escrever.
— Ei, espera aí! — disse Farley. — Um momento. Quando vai
voltar dessa viagem?
— Não voltarei mais.
— Mas você não pode partir desse jeito, sem dizer a ninguém
para onde vai!
— Estou dizendo a você não é mesmo? E por que não posso ir
para onde quero e quando quero? Está tudo bem, Farley: Não vou
partir com estranhos. Venha conhecer Pamela e Ken. Ela é amiga de
minha irmã e eu a conheço há anos.
Farley foi apresentado aos Wallis e Pamela lhe garantiu que
ficariam muito contentes por ter Samantha a bordo durante alguns
dias.
— Sabe exatamente que ilhas irão visitar? — indagou Farley.
— Em primeiro lugar Nevis e talvez St. Barhelemy e Anguilla.
Esperamos chegar até as ilhas Virgens e até mesmo a St. Thomas —
informou Ken, com bom humor.
— Mas você irá tão longe assim? — perguntou Farley a
Samantha.
Naquele momento aproximava-se de Morgana um homem alto
e grisalho, provavelmente seu pai, Conrad Taylor.
— Não tenho certeza. Quando achar que basta, descerei onde
houver um aeroporto e tomarei um avião para a Inglaterra ou para
Miami.
— Quer dizer que não voltará mais para cá? — perguntou
Farley, muito intrigado.
— Não.
— E Craig? — ele disse baixinho, após lançar um olhar
preocupado para os Wallis.
— O que tem ele?
— Craig veio até Antígua para vê-la. Sei que é verdade, pois foi
mamãe quem me contou.
— Não acredito que ele tenha vindo apenas para me ver —
disse Samantha, notando que Morgana se aproximava. — Creio que
veio porque sabia que Morgana estaria aqui.
— Morgana? Repetiu Farley, parecendo ainda mais intrigado.
— Por que haveria de querer vê-la? Pode estar com ela sempre que
quiser, em Toronto. Aliás, não entendo exatamente por quê. Ela é
uma chata e só sabe falar de seus livros o tempo inteiro. Ao ouvi-la
falar, a gente pensa que ela escreveu o maior romance do século XX!
— Sempre existiu algo entre Morgana e Craig. É tudo que posso
dizer agora. De qualquer modo não se preocupe com isso, Farley. Sei
o que faço. Por favor, diga a Carla para não ficar preocupada por eu
ter partido com tanta pressa. — Percebendo que os Wallis se
afastavam e que Morgana e o pai estavam cada vez mais perto,
beijou Farley no rosto. — Adeus, Farley. Boa sorte em sua nova
carreira.
Samantha seguiu os Wallis através dos cais. O vento quente
soprava sobre as folhagens das palmeiras que se erguiam em torno
do museu, outrora conhecido como a Casa do Almirante, um
elegante edifício de madeira pintado de branco, com janelas
cinzentas e uma varanda espaçosa e acolhedora.
No ancoradouro, John Wallis, irmão mais novo de Ken, que
viera da Inglaterra para participar do cruzeiro através das ilhas,
esperava por eles. Subiram no grande bote de borracha, movido a
motor, e daí a pouco percorriam as águas tranquilas e cintilantes,
passando por vários iates em direção ao Sílfide.
O sol se pôs rapidamente e no céu, todo azulado, surgiram as
primeiras estrelas. Mais tarde saíram novamente do iate e foram de
barco até uma praia próxima, jantar num restaurante ao ar livre.
Voltaram para o Sílfide logo depois das dez e todos foram dormir,
pois pretendiam levantar-se bem cedo.
Até então tudo corria muito bem, Samantha constatou, deitada
em seu camarote. Ouvia o assobio do vento, o ruído surdo da
corrente da âncora que se chocava contra o iate e contemplava as
estrelas através da escotilha. Tinha conseguido escapar. Farley diria a
Carla e Craig para onde ela fora. Ficaria claro para ele, de uma vez
por todas, que aquele casamento estava acabado.
Ela se virou na cama, agitada, recordando o que ele dissera
quando deixaram o aeroporto. Esperava que voltassem a ficar juntos,
quando ela parasse de se comportar como uma criança mimada.
Craig não queria o divórcio.
“Divórcio... divórcio..., a palavra detestável parecia martelar o
cérebro de Samantha.
Divorciar-se de Craig parecera a atitude mais apropriada,
quando estava na Inglaterra e não o vira por dois anos. Agora, após
revê-lo, após sentir a paixão renascer quando ele a tocava, Samantha
tinha dúvidas a respeito de si mesma. Seria possível que ainda
estivesse apaixonada por aquele homem?
Dormiu atormentada pela dúvida e daí a pouco sonhou que se
encontrava ao lado de Craig, nadando com ele. Saíam da água e, de
mãos dadas, passeavam por uma praia deserta, numa ilha
igualmente deserta, como acontecia com frequência em sua lua-de-
mel. Sentia-se feliz por estar com ele, mesmo no sonho. Craig agora
era inteiramente dela. As reuniões de negócios e as viagens ao
exterior não mais os separariam. Acima de tudo, Morgana Taylor
não existia mais.
De repente ele a deixou e foi correndo para o mar. Mergulhou e
não pareceu mais. Angustiada, Samantha procurou avistar aquele
corpo queimado de sol, mas Craig não voltou à tona e ela começou a
chorar.
— Volte, Craig! Volte para mim! — disse, gemendo.
— Samantha! Está na hora de levantar! Vamos partir.
A voz de Pamela interrompeu-lhe os sonhos e Samantha
acordou com sua amiga olhando para ela, um tanto intrigada.
— Você estava tendo um sonho e tanto! Dizia coisas sem nexo e
se revirava na cama.
— Foi um pesadelo. Ainda bem que você me acordou.
— A manhã está linda, O vento sobra a nosso favor e Ken disse
que chegaremos a Nevis no final da tarde. Assim que se vestir, venha
tomar café.
Pamela saiu do camarote e o iate tremeu ligeiramente no
momento em que o motor foi ligado. Ouviu passos no convés e
imaginou que John estivesse recolhendo a âncora.
Ken estava no leme. Baixo e forte, tinha cabelos castanho e a
barba vermelhada. Muito atento, alterava a toda hora o rumo do
Sílfide, a fim de evitar os outros iates, indo em direção à estreita
abertura da baía.
— Olhe que belo iate está entrando no porto! — Observou,
quando Samantha sentou-se perto do leme. — É quase do mesmo
tamanho do nosso, mas a proa é mais elegante. Que beleza! E é muito
bem cuidado! Veja só como o verniz brilha!
Samantha olhou para o iate. O casco era azul-escuro, tinha dois
mastros dourados e velas vermelhas. Reconheceu-o imediatamente.
Era o Falcão Azul, o iate de Howard Clifton, no qual havia feito
um cruzeiro com Craig através das Bahamas. Ela apertou os lábios e
procurou dominar a tristeza que sentia. Tinha passado momentos tão
felizes naquele iate! Jamais os esqueceria, constatou, sentindo-se um
tanto deprimida.
— Sabe quem é o proprietário?
Samantha percebeu que Ken lhe dirigia a palavra.
— Pertence a Howard Clifton.
— Tem algum parentesco com você?
— Somente pelo casamento. — Pelo visto Pamela não tinha
contato nada ao marido. — É... meu sogro.
— Seria o mesmo Howard Clifton, proprietário de uma cadeia
de jornais no Canadá e na Inglaterra, um multimilionário? —
perguntou John Wallis, com curiosidade. Ele tinha vindo para junto
do leme e sentar-se diante de Samantha.
— Exatamente. — Samantha sentiu um certo alívio ao ver
Pamela surgir com uma bandeja de café. — É presidente da Clifton.
— Foi o que pensei. Ainda outro dia, no bar do hotel, ouvi uma
conversa de que Conrad Taylor espera adquirir a Empresa Clifton. A
pessoa que estava comigo me apontou Taylor. Ele está hospedado no
hotel, com sua filha. Aquilo não quis dizer absolutamente nada para
mim, mas imagino que signifique muito para você. Naturalmente
deve estar a par da transação, não?
— Não, só fiquei sabendo agora. Eles... isto é, os Clifton, não
conversaram a respeito de negócios comigo.
Para grande alívio de Samantha, Pamela abordou outros
assuntos e os Clifton e Taylor foram deixados de lado. Quando
acabaram de tomar o café o iate já tinha deixado a baía, navegando
em direção ao alto-mar.
As velas foram içadas, o motor desligado e o vento
impulsionou o iate.
— Se o vento continuar a soprar desse jeito, a viagem será
muito tranquila — observou Ken. — Não teremos muito o que fazer,
a não ser tomar banho de sol e dormir.
Após ajudar Pamela a lavar a louça do café da manhã,
Samantha foi até o convés e sentou-se na frente do mastro, protegida
por sua sombra. O iate furava bravamente as ondas e ao longe
avistava-se uma ilha. Suas montanhas, envoltas numa neblina
avermelhada, contrastavam com o céu incrivelmente azul. Era
Montserrat, conhecida como a ilha Jardim. Olhando para o outro
lado, Pamela não via o menor sinal de terra, apenas o mar imenso,
que se estendia em direção a um horizonte sem fim.
Mudou de posição e esticou as pernas, para bronzeá-las.
Pamela se aproximou, oferecendo-lhe um copo de suco de frutas
misturado com água de coco.
— Você encontrou um bom lugar para evitar o calor —
observou, sentando-se. — O convés fica muito quente a esta hora.
Está gostando do iate?
— É muito confortável.
— Tão confortável quanto ao iate de Howard Clifton? Imagino
que você tenha viajado nele.
— Viajei, sim. O Sílftide é mais largo e talvez não tão rápido
quanto ao Falcão azul.
Fez-se um breve silêncio, enquanto ambas tomavam o suco. A
deliciosa mistura de abacaxi, suco de laranja e água de coco acalmou
a sede de Samantha.
— Detesto fazer perguntas sobre a vida particular dos outros,
mas estou intrigada com você, Samantha. Se eu lhe perguntasse por
que se separou de seu marido, você diria?
— Sim. Não tenho nada a esconder. Decidi que não posso voltar
para Toronto e viver o tipo de vida que se espera da mulher de um
executivo rico. Quero prosseguir a minha carreira em Londres. Craig
não gostou da minha decisão e sugeriu que nos separássemos
durante dois anos, a fim de descobrir o que queríamos. Ontem nos
encontramos pela primeira vez, durante todo esse tempo.
— E...
— Ele se comportou como se a separação tivesse chegado ao
fim.
— Mas não é o que você sente, não?
— Nada mudou. Ele não está mais apaixonado por mim do que
quando nos casamos. Não passo de uma pausa em sua agenda de
negócios, que deve ser encaixada entre outros assuntos mais
importantes, tais como organizar a Empresa Clifton, fechar contratos
e ganhar dinheiro. Além do mais, existe Morgana Taylor.
— Ah, sim, aquela escritora esquisita que conhecemos no hotel.
Ela é qualquer coisa, não? É profundamente egoísta, pior do que
qualquer homem. O que ela tem a ver com seu marido?
— Ele a conhece há anos. Creio que é sua amante.
— Meu Deus! Como foi que uma garota como você acabou se
envolvendo com esse tipo de gente? Agora começo a entender por
que você quis participar deste cruzeiro conosco. Não poderia ficar
em Antígua enquanto a tal de Morgana estava lá, sobretudo por
saber o que existe entre ela e Craig. Estou certa?
— Sim, se bem que eu tenha decidido partir antes de saber que
Morgana viria até a ilha.
— Tinha medo dele?
— Sim, de certo modo.
— Meu Deus, ele por acaso não... bateu em você, violentou ou
fez qualquer coisa no gênero, não é mesmo?
— Oh, não! — Samantha não conseguiu deixar de sorrir ao
observar a expressão aterrorizada de sua amiga. — Talvez eu tenha
dado a você uma impressão falsa. Não receio o que Craig possa fazer
comigo. É que... tenho medo de ficar na mesma casa que ele, ou,
melhor dizendo, no mesmo quarto.
— Percebo. Sim, agora percebo claramente. Você não tem medo
desse homem, mas de como vai reagir na presença dele. Teme
experimentar as emoções que a proximidade de Craig possa
despertar em você. Tenho a impressão de que ainda está apaixonada
por ele e sente raiva de si mesma por isso. Está fugindo de si mesma
e não dele, não acha?
— Creio que sim... — murmurou Samantha, sentindo-se muito
infeliz e encarando a verdade a respeito de si mesma. — Oh, Pamela,
achei que tudo ia ser tão diferente quando concordei em casar com
ele! Acreditava que estaríamos juntos o tempo todo e dividiríamos
tudo.
— É, pelo visto você tinha grandes expectativas... E quanto
durou esse casamento? Um ano e meio? É muito pouco tempo para
se chegar a uma conclusão, Samantha.
— Mamãe vive dizendo que eu não deveria ter casado naquele
momento, pois, segundo ela, eu era jovem demais, imatura.
— Imagino. A sra. Lewis provavelmente tinha razão. Agora isso
não tem mais importância, Samantha. Você tomou uma atitude. A
próxima cabe a Craig. Naturalmente alguém vai dizer a ele para
onde você foi, não?
— Sim, Farley vai contar a ele. Não espero, porém, que Craig
faça alguma coisa. Para ser sincera, não espero que ele faça
absolutamente nada.
Pamela não disse nada, mas havia uma expressão de ansiedade
em seu olhar, enquanto estudava o rosto de Samantha.
— Bem, vamos nos revezar com Ken e John — Ela propôs. —
Você fica no leme e eu farei o resto. Puxa, como o iate está indo
ligeiro! Mal se percebe Antígua e Montserrat começa a ficar para trás.
— Quanto tempo vai demorar para avistarmos Nevis?
A ilha surgiu no horizonte no meio da tarde. Ao longe parecia
uma enorme montanha, envolta em neblina, e seu pico dava a
impressão de estar coberto de neve. À medida que se aproximavam,
verificaram que na verdade a neve não passava de uma espessa
nuvem, pairando acima de encostas verdejantes, campos amarelados
e árvores. Quando o sol começou a se pôr, tingindo o horizonte de
púrpura e dourado, o iate ancorou na enseada de Charlestown, a
capital de Nevis.
Na manhã seguinte foram até a costa no Zodíaco,
apresentaram-se na alfândega e tomaram um táxi, a fim de visitar a
linda ilha.
Primeiro foram até as ruínas do Hotel Bath, uma elegante
edificação de pedra, situada junto a uma lagoa de águas medicinais e
que datava do século XVIII. Tinha sido construído para receber
visitantes não só das ilhas vizinhas, mas também da Inglaterra, que
vinham servir-se das águas para curar várias doenças, da gota à
lepra.
De lá seguiram por uma estrada cheia de curvas, em direção à
Igreja de São João, numa pitoresca aldeia. Era muito antiga e parecia
ter sido transportada de uma aldeia da Cornualha. As paredes eram
pintadas de branco e os pilares de sustentação, de azul. Sobre uma
mesa antiga estava um livro de registro de casamentos, muito gasto.
Samantha abriu uma das páginas e lá estava escrito, com tinta
esmaecida: “11 de março de 1787. Casamento de Horatio Nelson
Esquire, capitão do navio Boreas da esquadra de Sua Majestade, com
Frances Herbert Nesbit”.
— Trata-se do famoso lorde Nelson — explicou Pamela. — A
noiva vivia num engenho de açúcar e o casamento foi realizado na
fazenda dos Montpelier, que agora é um hotel. Iremos lá em seguida.
A chuva caía em toda a ilha quando eles voltaram do passeio e
das visitas aos vários engenhos. Todos eles tinham sido
transformados em hotéis. O Sílfide balançava, pois, o mar estava
agitado, e Ken decidiu levar o iate até uma grande baía em St. Kitts,
uma ilha vizinha. No momento em que deixavam a enseada notaram
outro iate, que procurava abrigar-se nela.
— Será que eles tiveram dificuldades? — perguntou Ken. —
John, pegue o binóculo e dê uma espiada. Veja se é alguém que
conhecemos.
John levou alguns segundos para relatar o que observava. O
Sílfide jogava demais e ele demorou para ajustar o binóculo e
observar o outro iate.
— Está parecendo aquele iate azul que vimos em Antígua, mas
talvez eu me engane. É impossível ler o nome a distância.
— Está se referindo ao Falcão Azul? — perguntou Ken.
— Exatamente.
Samantha e Pamela se entreolharam. O iate, a uma grande
distância, não parecia maior do que um bote e enfrentava as rajadas
de vento que vinham do alto das montanhas, na ilha de Nevis.
Seria de fato o Falcão Azul? Samantha sentiu a excitação se
apoderar de todo o seu ser. E se fosse o iate de Howard Clifton que
se aproximava? Foi preciso um grande esforço para manter a
imaginação sob controle e impedi-la de atravessar as águas
encrespadas e ir até o iate. Craig estaria ao leme, tentando enxergar
através do nevoeiro trazido pela chuva e pelo vento, procurando
onde ancorar. Não era difícil imaginar que Morgana estava ao seu
lado, partilhando com ele a violência da tempestade.
Não deveria, no entanto, entregar-se àqueles pensamentos e
supor que Craig estivesse por perto. Fazer isso seria criar
expectativas e ela não queria mais nada dele.
Assim que o Sílfide ancorou na ampla baía de St. Kitts fez-se a
escuridão e a chuva começou a cair. Todos se abrigaram na pequena
sala da popa e, durante o jantar, comeram o delicioso peixe e os
frutos tropicais que Pamela tinha comprado no mercado de
Charlestown.
Em seguida jogaram baralho e ouviram as fitas que John tinha
trazido da Inglaterra. A noite seguiu na maior tranquilidade e o dia
amanheceu belo e calmo. Após o café da manhã a âncora foi
levantada, ligou-se o motor e o iate navegou em direção ao estreito
que separa St. Kitts de Nevis. As nuvens ainda envolviam as
montanhas de Nevis, mas o sol que despontava no céu azul se
refletia sobre o mar, pondo manchas de prata nas ondas muito
brancas.
Assim que deixaram para trás o perigoso estreito, onde as
rochas despontavam, John içou as velas. Mais uma vez o vento
soprou, não tão forte como na véspera, e Ken previu que chegariam a
St. Barthelemy no início da tarde.
Velejaram junto à costa de St. Kitts, coberta de luxuriante
vegetação. Atrás deles Nevis mudava de cor, envolta na bruma. O
Sílfide se afastou cada vez mais, até a ilha parecer um triângulo azul
desenhado por uma criança num papel igualmente azul.
De repente algo surgiu a distância. Seria outro iate que os
seguia?
— Acho que estamos sendo seguidos — disse John, bem-
humorado, pegando o binóculo.
— É o iate de casco azul, aquele que vimos em Charlestown
ontem à noite? — perguntou Pamela exprimindo o pensamento que
ocorrera a Samantha.
— Creio que não — disse John, olhando atentamente. — Está
navegando com uma velocidade dos diabos. Acho que é uma
catamarã.
— É, sim, e na rapidez com que se desloca vai nos ultrapassar
logo. Não há menor sinal do iate azul.
Samantha sentiu a tensão diminuir um pouco e deu as costas
para as ilhas de Nevis e St. Kitts, à procura de outras novidades.
Durante o resto do dia não olhou sequer uma vez para trás, embora
em alguns momentos tivesse ímpetos de ver se o iate azul os seguia.
CAPÍTULO IV

O Sílfide ancorou na ampla baía, na entrada do porto de


Gustavia, capital da ilha francesa de St. Barthelemy, conhecida
afetuosamente pelo nome de St. Barts. Os Wallis, juntamente com
Samantha, foram até a costa no veloz Zodíaco.
Os tetos vermelhos das casas da cidadezinha brilhavam sob o
sol quente do meio-dia e contrastavam com as colinas muito verdes
que rodeavam o porto. Este estava repleto de iates, barcos e escunas,
carregando e descarregando mercadorias.
A influência francesa predominava em Gustavia. Todo mundo
falava francês. Os carros que se deslocavam pelas ruas estreitas da
capital, congestionando-a, eram franceses. Em um cruzamento dois
guardas conversavam, vestidos com uniformes franceses; nas lojas
viam-se perfumes, cristais e joias de Paris.
Após almoçarem em um pequeno restaurante na beira do cais,
Samantha e Pamela decidiram que iriam explorar a ilha, enquanto
Ken e John fariam algumas compras para o iate. Combinaram
encontrar-se em um restaurante muito conhecido, numa colina de
onde se avistava o porto, alugaram um carro e partiram.
A estrada subia pela colina e passava por belas casas, com
jardins floridos. A água do mar parecia mudar de cor, à medida que
elas subiam. Uma flotilha de barcos a vela, que tomavam parte numa
corrida do clube de iatismo local, deslocava-se pelo mar.
Após numerosas curvas, a estrada penetrou a mata. Chegaram
a uma encruzilhada, dobraram à esquerda e deixaram para trás
cercas feitas de pedras empilhadas, lembranças dos dias em que
aquela região tinha sido intensamente cultivada, produzindo açúcar,
algodão e tabaco.
Ao chegarem à baía de Corossal entraram numa aldeia que
parecia ter sido transportada pedra por pedra do litoral da Bretanha.
Algumas mulheres, apesar de descalçadas, usavam os toucados
tradicionais que seus ancestrais tinham trazido da França, há muitos
e muitos anos.
Pamela e Samantha observaram um grupo de mulheres tecendo
chapéus de palha, ao lado de folhas de palmeiras, que tinham sido
postas a secar ao sol durante duas semanas e das quais se faziam
também cestas e esteiras. O chão da sala onde trabalhavam era feito
de pinho, polido por várias gerações de pés descalços que passaram
por lá. Uma cortina florida ocultava a entrada de um quarto. Em um
dos cantos estava pendurada uma rede. As galinhas entravam e
saíam da sala.
Crianças de pele clara e olhos azuis olhavam através das
janelas, cheias de curiosidade diante da presença dos turistas. Por
detrás de suas cabecinhas loiras surgiam os hibiscos em flor.
Após comprar dois chapéus, Samantha e Pamela voltaram até a
encruzilhada, seguindo pela estrada da esquerda, que ia dar na baía
de la Sainte Jeanne. Encontraram uma praia em forma de meia-lua,
toda sombreada por palmeiras, e nadaram um pouco, antes de dar
uma espiada nas aldeias vizinhas.
O sol se punha quando regressaram a Gustavia, indo
diretamente ao hotel aonde tinham combinado encontrar Ken e John.
Os dois já estavam no terraço, tomando um drinque. De lá tinha-se
uma vista panorâmica do porto e dos vários iates e barcos. O mar
estava uma verdadeira piscina e o valor do dia ainda pairava no ar,
bem como o perfume das várias flores que enfeitavam os jardins.
— Acho que estou conseguindo enxergar o Sílfide daqui —
disse Pamela. — Parece que há outro iate ancorado bem perto.
— É o iate azul — informou Kent. — Ele estava chegando
quando John e eu fomos a bordo, hoje à tarde, levar nossas compras.
— Você não viu quem o manobrava? — perguntou Samantha,
tentando demostrar pouco interesse, mas tremendo interiormente.
— Um sujeito alto, muito bronzeado. Parecia estar sozinho.
— Você falou com ele? — indagou Pamela.
— Não. Ele também não nos dirigiu a palavra. Estava ocupado
demais em ancorar e recolher as velas. O iate é o Falcão Azul.
Samantha olhou para a baía, mas era impossível ver o Sílfide,
pois o sol quase tinha se posto.
Mais tarde, após um delicioso jantar no elegante restaurante do
hotel, voltaram para o iate e ela viu o Falcão Azul a pequena
distância, ancorado naquelas águas calmas que refletiam a luz da lua.
As janelas do camarote estavam iluminadas, mas não havia sinal de
quem quer que fosse a bordo.
Na manhã seguinte o iate ainda estava lá, tranquilo e
aparentemente deserto. Samantha foi com John a bordo do Zodíaco,
a fim de comprarem pão fresco.
Um sujeito alto, bronzeado... Não tinha a menor dúvida de que
Craig se encontrava no iate. Aquela noite ele tinha dormido a apenas
alguns metros de distância e o fato de estar tão próximo a
atormentou, todas as vezes em que ela acordou durante a noite. Por
que ele viera? O que estava fazendo em Gustavia? Por que não tinha
ficado em Antígua? Por acaso a estava seguindo? Ou era apenas
coincidência o fato de ter ancorado tão próximos ao Sílfide?
Naquela hora tão matinal as ruas estreitas da cidade estavam
tranquilas e o ar era fresco. Eles sentiram o cheiro gostoso e
inconfundível do pão fresco e em breve encontraram uma padaria.
Compraram vários pãezinhos e duas dúzias de croissants, recém-
saídos do forno.
Assim que terminaram as compras, voltaram para os cais, onde
tinham amarrado o Zodíaco perto de alguns degraus. De repente
surgiu diante deles um sujeito alto, com cabelos lisos e negros. Vestia
uma camiseta de mangas curtas, que moldava seu peito amplo e
musculoso.
Samantha estava para descer os degraus, carregando o pão, mas
deu um passo atrás e olhou ansiosamente à sua volta, como se
estivesse procurando um lugar para se esconder.
— Olá, Samantha — disse Craig com a maior calma, nem um
pouco surpreendido, como se tivesse plena certeza de que a
encontraria naquele exato lugar e naquele exato momento. — Pelo
que vi, você assaltou uma padaria — ele comentou tirando os óculos
escuros.
— É longe daqui? Esse pão está cheirando bem.
Aquele encontro súbito a tirou do sério e Samantha nem sequer
sabia como descrever o caminho que levava à padaria. Sua boca e
seus lábios estavam secos e através de sua fina camiseta o pão
quente, apertado de encontro ao peito, começava a incomodá-la. Não
conseguia tirar os olhos de Craig, sem saber o que dizer. Todo o seu
corpo tinha profunda consciência da presença poderosa daquele
homem, do tom amorenado de sua pele queimada de sol, do brilho
de seus olhos, de suas pernas musculosas, pois ele usava uma
bermuda. Percebeu vagamente que John indicava o endereço da
padaria.
— Obrigado — disse Craig, entendendo a mão. — Meu nome é
Craig Clifton e sou do iate Falcão Azul.
— John Wallis. Vimos seu iate ontem. Você também estava em
Charlestown, na ilha de Nevis, não?
— Estava, sim. — Craig olhou de soslaio para Samantha, que
ainda se mantinha em silêncio e não conseguia descer os degraus em
direção ao Zodíaco, pois ele barrava a passagem. — Não vi vocês por
lá — acrescentou, olhando para John.
— É que fomos passar a noite em outra ilha. O mar estava
muito agitado, no porto de Charlestown.
— Nem me diga! O Falcão Azul jogou como nunca e não
consegui pregar o olho a noite toda. Ainda bem que tudo aqui está
mais calmo e consegui descansar um pouco. Pretendem partir hoje?
— Sim, após o café da manhã.
— Vão para muito longe?
— Para o lado francês da ilha de St. Martin, à enseada dos
Pinhos. Parece ser um bom lugar para se ancorar.
— Sim, já ouvi dizer. Também me contaram que lá é um bom
lugar para se nadar e mergulhar. Provavelmente vamos nos
encontrar.
Craig olhou mais uma vez para Samantha, acenou brevemente
para John e se afastou em direção à cidade.
— É esse o Clifton com quem você se casou? — perguntou John,
descendo os degraus juntamente com Samantha.
— Sim.
Samantha transpirava e não se sentia à vontade. O suor escorria
por sua pele e seu coração batia descompassadamente.
— Acha que ele seguiu você até aqui?
— Não sei — ela disse, acomodando-se no bote.
— Mas então a presença dele é uma coincidência muito grande
— observou John, ligando o motor.
O barulho e a distância tornavam a conversa difícil. Samantha
sentiu um certo alívio quando borrifos de água do mar caíram sobre
sua pele, aliviando-a.
— Você o viu? — perguntou Pamela, assim que ela subia a
bordo do iate. — Ele saiu de seu iate logo após a partida de vocês.
— Sim, estivemos com ele. Estávamos voltando quando ele
chegou. — Samantha colocou as compras sobre um banco.
— E o que foi que ele disse? — indagou Pamela, sem disfarçar a
curiosidade que sentia.
— Apenas alô.
— E você, o que respondeu?
— Nada, quer que corte este abacaxi para você?
— Sim, por favor. — Pamela abriu uma gaveta e tirou dela uma
faca afiada, entregando-a à amiga. — Você não o cumprimentou?
— Não...não consegui dizer nada. — Pegando a faca, Samantha
começou a descascar a fruta. — Ele disse a John que provavelmente
nos veria na baía dos Pinhos. Pamela, será que de lá eu consigo ir até
o aeroporto, nas proximidades de Phillipsburg?
— Acho que não, a menos que você disponha de um carro. A
julgar pelo mapa, a baía dos Pinhos é um lugar muito afastado e a
maior parte das pessoas só consegue chegar lá por meio de barco. —
Pamela estava pondo a mesa na pequena sala e olhou-a, intrigada. —
Por quê? Está pensando em nos deixar?
— Creio que sim, se formos para um lugar onde haja um
aeroporto. Sabe para onde Ken pretende ir, após deixar a baía dos
Pinhos?
— Ele falou em ir a Anguilla, onde pretende passar uns dois
dias. Lá mora um antigo colega de escola, que tem um hotel.
Pamela começou a pôr água fervente na cafeteira e logo em
seguida sentou-se.
— Você voltou a ficar perturbada, só porque o viu —
murmurou.
— Não imaginei que Craig fosse me seguir e não sei por que fez
isso.
— Ora, vamos! É claro que sabe por que ele a seguiu! Quer vê-
la e conversar com você. Samantha, você não pode viver fugindo
desse homem. Se ele nos seguir até a baía dos Pinhos, pretendo
convidá-lo para jantar conosco.
— Oh, não! Por favor, Pamela. Será muito constrangedor.
— Constrangedor para quem? Por acaso está preocupada com o
fato de Ken, John ou eu nos sentirmos constrangidos só porque você
e Craig, após dois anos de separação, estão novamente juntos? Pois
não precisa se preocupar. Conhecemos muitos casais que não vivem
mais juntos mais ainda continuam amigos e apreciam a companhia
um do outro. No que nos diz respeito, Craig é uma pessoa
interessada em iatismo, que provavelmente tem muitas ideias a
trocar conosco e que, talvez, posso nos dar conselhos e informações a
respeito da navegação nestas ilhas. Nós certamente não ficaremos
incomodados em tê-lo conosco.
Samantha não disse nada e começou a cortar o abacaxi em
fatias.
— Além do mais, gostarei muito de conhecer um homem que
manobrou seu iate sozinho, debaixo da maior tempestade, só para
alcançar sua mulher... — prosseguiu Pamela. E fez uma pausa, como
se quisesse proporcionar a Samantha a oportunidade de dizer algo,
mas ela permaneceu num silêncio obstinado. — Se por acaso ficar
constrangida com a presença dele, você pode ir para a praia, ou até
mesmo a outro iate. Pelo que li, a baía dos Pinhos parece ser um
verdadeiro paraíso tropical; belas praias, palmeiras e coqueiros,
águas claras e profundas... Com tudo isso deve haver muitos iates
por lá.
— Ainda assim preferia que você não convidasse Craig. Não
quero vê-lo. Não desejo nenhuma aproximação. Foi por isso que vim
com você, mas não imaginei que ele me seguiria. Oh, por favor,
Pamela, não o chame para vir a bordo hoje à noite. Por favor!
— Está bem, mas não posso falar por Ken! Se ele quiser
convidar Craig, não posso fazer nada para impedir. Ele é o
comandante e, neste iate, a palavra dele é lei, conforme você já deve
ter notado.
— Notei, sim. Você sempre faz o que ele manda? — perguntou
Samantha em tom de brincadeira.
— Só quando estamos navegando. Em terra a história muda
completamente de figura. O café está pronto. Chame aqueles dois!
Meia hora mais tarde, para grande alívio de Samantha, o Sílfide
partiu, antes de Craig voltar ao Falcão Azul. Tiveram mais um dia
magnífico e, assim que se afastaram da ilha, viram a pouca distância
as colinas muito verdes da ilha de St. Martin contrastando com o azul
do céu.
O clima perfeito, o fato de estar num iate confortável, sem nada
a fazer, a não ser bronzear-se e tomar bebidas deliciosas, deveria
acarretar paz de espírito em Samantha, mas estava acontecendo
justamente o contrário. Tinha voltado a ficar tensa, olhando toda
hora para trás, a fim de ver se não eram seguidos por um iate azul.
Passavam por alguns rochedos, um deles com a forma de um
leão em repouso, quando ela viu finalmente a vela branca próxima à
distante ilha de St. Barthelemy. Estremeceu e inclinou-se para frente,
como se conseguisse com isso ver melhor.
— Tome... — Pamela lhe estendeu o binóculo. — Com isso você
conseguirá enxergar o Falcão Azul muito melhor.
Samantha a encarou. Havia uma expressão zombeteira no olhar
de Pamela e um sorriso no canto dos lábios. John não fazia questão
de disfarçar o quanto se divertia. Ken, por sua vez, também olhava
para ela, mas não parecia achar graça na situação.
— Obrigada — ela murmurou, pegando o binóculo. Não havia
dúvida de que o fato de Craig segui-los de uma ilha a outra divertia
Pamela e John, mas ela não achava a menor graça. Sentiu-se como se
estivesse sendo perseguida por um caçador. Logo mais, quando
chegassem à baía dos Pinhos, seria acuada em um canto e não
poderia mais escapar. Cairia numa armadilha e seria obrigada a
encarar seu inimigo.
Samantha levou o binóculo aos olhos e observou atentamente.
Havia mais de um iate navegando aquela manhã, mas finalmente ela
se fixou naquele que tinha velas brancas. Aumentando várias vezes
pela poderosa lente do binóculo, o iate azul deslizava rapidamente
pelas águas.
Craig a seguia e, pelo visto, não poderia fazer nada para evitar
encontrá-lo.
Voltando para perto do leme, Samantha guardou o binóculo no
estojo. Somente John estava lá. Pamela tinha descido e Ken se
encontrava na popa, ocupado com alguma coisa. Após alguns
segundos de hesitação, em que pensou cuidadosamente no que lhe
diria, Samantha foi para junto dele.
— Quando você deixar a baía dos Pinhos, não pode ir para
Phillipsburg? — ela perguntou a Ken, um tanto insegura.
— Por quê? — ele indagou, com certa rispidez.
— Gostaria de tomar um avião no aeroporto que existe lá perto.
— Para onde quer ir?
— Para qualquer lugar onde exista um voo para a Inglaterra, e
o mais breve possível. Pamela disse que você provavelmente vai
parar em Phillipsburg, após visitar Anguilla, e estava pensando se
você não se incomodaria de ir para lá ainda hoje, de modo que eu
possa partir.
— Puxa, mas você é de uma audácia! Está pedindo que mude
os meus planos só para poder dar o fora em seu marido! Pois saiba
que me incomoda profundamente ir para Phillipsburg hoje, só para
satisfazê-la. E se soubesse que você só aceitou nosso convite porque
queria fugir de seu marido, jamais teria permitido que pusesse os pés
neste iate!
— Desculpe... — disse Samantha, chocada. — Não sabia que
você pensava assim.
— Pois agora sabe. Acontece que sou um homem muito
antiquado. Acredito no casamento e nos votos pronunciados no altar.
Não pretendo ajudar ninguém a rompê-los. Se por acaso seu marido
vier para a baía dos Pinhos quando estivermos lá, vou lhe pedir para
deixar meu iate. Não pretendo levá-la nem para Anguilla, nem para
Phillipsburg. Ficou claro?
— Perfeitamente — disse Samantha, dando-lhe as costas e com
o rosto pegando fogo. Era a primeira vez que alguém a fazia sentir
que sua atitude ao fugir de Craig, era desprezível. — Não se
preocupe, Ken. Sabendo como você se sente, não tenho a menor
vontade de permanecer em seu iate.
— Ótimo! — ele resmungou, indo de volta ao leme.
Samantha arrependeu-se de ter se aproximado de Ken, pedindo
que ele modificasse seus planos. Daí a pouco ouviu passos que se
aproximavam e viu Pamela a seu lado.
— Sinto muito, Samantha, Foi minha culpa. Não devia tê-la
encorajado a vir conosco quando você me disse que não podia ficar
em Antígua, enquanto Craig estava lá. Devia ter percebido que Ken
não concordaria com isso.
— Ken lhe disse que, se Craig nos seguir até a baía dos Pinhos,
ele quer que eu saia do iate?
— Disse, sim. Tentei convencê-lo do contrário, mas Ken não
quis me ouvir. Acabou por concordar com minha sugestão. Se Craig
não for até a baía dos Pinhos ele permitirá que você vá conosco até
Anguilla. Lá poderá tomar um avião.
— Obrigada. Espero não ter provocado nenhum problema entre
você e Ken.
— Bem, Ken e eu nem sempre concordamos com tudo. Ele
encara a sua atitude de um ponto de vista exclusivamente masculino.
Entende que você está sendo desleal e infiel ao homem com quem é
casada e para ele isso é imperdoável. Não quer ter nenhuma
participação nessa história. Eu, porém, entendo por que você fugiu.
Foi para se proteger de uma pessoa que é muito capaz de dominá-la.
Desta vez seu instinto a levou a fugir, a fim de mostrar sua
independência. Craig precisa entender que não pode dominá-la o
tempo todo, se a quiser de volta. Não é o que você está tentando lhe
dizer?
— Sim, creio que sim. — Samantha suspirou, olhando por cima
do ombro. O iate azul agora estava bem mais perto, o suficiente para
que se lesse o número impresso no mastro. — Creio porém, que não
fui bem-sucedida. Ele está vindo atrás de mim.
— Samantha, admita que você o odiaria se ele não viesse.
Reconheça que, como a maior parte das mulheres, você gosta de ter
um homem no seu encalço. — Pamela começou a rir. — No fundo,
acho que tudo isso é muito divertido. Até parece um daqueles filmes
antigos e mal posso esperar a próxima cena, que se desenrolará na
baía dos Pinhos!
Daí a uma hora o Sílfide deitava a âncora nas águas verdes e
transparentes de uma ampla baía, protegida do mar por uma
península coberta de coqueiros e palmeiras. Ao longo dela se
estendia uma praia de areias brancas. Samantha ajudou a dobrar a
vela, depois que ela foi arriada, e notou que havia vários iates
ancorados lá, cheios de gente.
— Provavelmente são turistas que vieram de Phillispsburg
passar o dia aqui — observou John. — Não gostaria de pescar
comigo assim que tudo estiver em ordem? Poderemos pegar um
peixe para o jantar.
Samantha concordou, pois aquilo lhe pareceu preferível a ficar
à espera de que o Falcão Azul entrasse na baía. Daí a pouco ela
estava sob as águas, nadando rapidamente com a ajuda dos pés-de-
pato e observando com interesse os caranguejos, que se deslocavam
rapidamente na areia do fundo.
Quando se cansou daquilo, Samantha nadou até a praia, deixou
a máscara e os pés-de-pato na sombra de uma árvore e foi até o
extremo da península, onde havia outra praia. Na outra margem de
um pequeno curso de água encontrava-se a ilha de St. Martin,
coberta de luxuriante vegetação tropical. Uma estrada muito estreita
subia por uma colina. Para onde levaria? Não tinha a menor ideia.
Arrependeu-se de não ter consultado um mapa. Poderia ver se lá
havia uma estrada que levasse a uma cidade onde pudesse conseguir
condução para o Aeroporto Internacional, nas proximidades de
Phillipsburg.
Suspirou e deitou-se de costas na areia. Mesmo que fosse até a
ilha, como conseguiria chegar à cidade mais próxima?
Provavelmente teria de andar e não tinha a menor ideia da distância.
Mas será que ela queria realmente ir? Queria de fato continuar
fugindo de Craig?
Deitando-se de bruços, ela começou a desenhar letras na areia.
Formou-se um nome: Craig... com um gemido Samantha encostou a
cabeça na areia, no lugar exato onde tinha escrito aquele nome que
tanto a perturbava.
O que deveria fazer? Parar de fugir? Não tinha muitas opções,
se Ken Wallis não a queria mais a bordo do iate e se Craig viesse até
a baía dos Pinhos. Fora uma atitude infantil deixar Antígua às
pressas.
Por acaso teria fugido, conforme a sugestão de Pamela, para
testar Craig e ver se ele a seguiria? Pois bem, isso tinha acontecido. E
o que provava? Seria uma demonstração de amor? Não, era apenas
um indício de que ele se recusava a ser derrotado, quando duas
vontades entravam em combate.
Samantha ficou muito tempo na praia, tentando decidir o que
faria em seguida. Percebeu aos poucos que queria desistir de fugir e
abandonar a Craig, fazer o que ele bem entendesse. Era preciso
enfrentar o fato de que, apesar de tudo o que aquele homem tivesse
dito ou feito, após dois anos de separação ainda estava apaixonada
por ele e queria ficar onde ele estivesse. Se pelo menos pudesse fazer
algo em relação a Morgana Taylor!
A sombra das palmeiras se tornou mais comprida e Samantha
percebeu que o sol se punha por trás das colinas de St. Martin. Tudo
estava mergulhando no mais absoluto silêncio. Não se ouvia nenhum
barulho, a não ser o das olhas agitadas pelo vento e o eterno
murmúrio da água. Um estranho receio de ter sido abandonada
naquele lugar tão isolado se apoderou de Samantha e ela se levantou
às pressas. As colinas agora estavam escuras e água tinha reflexos
dourados e avermelhados.
Subiu às pressas o pequeno morro que separava uma praia da
outra. Seus pés doíam, pois pisava em conchas afiadas, meio
enterradas na areia.
Finalmente chegou à outra praia. A baía estava diante dela e ao
longe viam-se as colinas envoltas nas brumas. Os iates de
Phillipsburg tinham partido, o mesmo acontecendo com o Sílfide.
Um único iate estava lá, ancorado, e sua quilha azul refletia os
últimos raios do sol... Samantha sentiu a excitação se apoderar de
seus nervos. Craig, tão hábil em caçar nas florestas de seu país,
estava a sua espera de sua presa. O que aconteceria agora?
Soprou uma rajada de vento fresco e Samantha estremeceu.
Nadaria até o pequeno barco que se via à beira da praia ou ele viria
até ela? Lembrou-se da máscara e dos pés-de-pato, mas não
conseguiu encontrá-los. Quando volto à praia percebeu que o barco
se aproximava.
Craig veio remando e, ao chegar à praia, saltou.
— Estava à sua espera — ele disse com a maior calma. — Está
pronta para subir a bordo?
— Sim — ela murmurou, um tanto desapontada.
Por quê? Afinal de contas, o que esperava? Uma recepção mais
quente, mais apaixonada? Mas por que Craig deveria agir assim,
quando ela havia resistido a suas carícias na praia de Antígua?
— Quando foi que o Sílfide partiu? — ela indagou, subindo no
barco.
— Há uma hora. John me entregou sua bagagem. — Craig
empurrou o barco para dentro da água e subiu sentando-se e
começando a remar. — Por que você partiu com os Wallis?
— Eles me convidaram para fazer este cruzeiro antes de você
vir para Antígua. Eu não quis perder essa oportunidade.
— Mas você não tinha a intenção de voltar para Antígua.
— Não.
— Por que não?
— Quando você chegou, eu disse que não poderia permanecer
na casa de seu pai, enquanto você estivesse lá. E quando descobrir
que Morgana também estava lá, precisei partir. Oh, Craig, como
pode fazer uma coisa dessa? Como foi convidá-la para se hospedar
na ilha quando sabia que eu estaria lá?
— Ainda sente ciúmes dela?
Samantha não disse nada. Admitir que sentia ciúmes de
Morgana seria reconhecer que ainda o amava, seria o mesmo que
dizer que Craig ainda lhe pertencia. Ele, então, a acusaria de ser
excessivamente possessiva. Samantha permaneceu em silêncio,
contemplando os últimos clarões do sol por entre as nuvens escuras.
— Não convidei Morgana para vir a Antígua — disse Craig. —
Ninguém ficou mais surpreendido do que eu quando ela apareceu
com Conrad na casa de papai. Farley me deu o seu recado — ele
prosseguiu, mal conseguindo disfarçar a irritação que sentia. —
Fiquei furioso ao saber que você tinha ido embora. Tomei um avião
para Antígua apenas para vê-la e pôr um ponto final em nossa
separação.
— Só que presumiu, com muita arrogância, que eu não
concordaria. Após dois anos de silêncio, sem me escrever, sem entrar
em contato comigo, simplesmente imaginou que eu estaria encantada
em prosseguir com o nosso casamento e que receberia você de braços
abertos. Não faltava mais nada! — Samantha se interrompeu e seu
peito arfava de indignação.
Chegou a vez de Craig ficar calado; apenas o ruído das águas,
quando os remos penetravam nela. O barco aproximou-se do iate
azul e se encostou nele. Craig agarrou a pequena escada de corda
que pendia da amurada do iate, a fim de impedir que o barco se
afastasse.
— Suba — ele ordenou e Samantha obedeceu, pois não lhe
restava alternativa.
Ele a seguiu, tirou os remos do barco, amarrou na popa do iate
e foi para perto de Samantha.
Craig estava tão próximo que ela conseguiu sentir o calor que
desprendia daquele corpo. Sentiu subitamente vontade de cair em
seus braços e encostar a cabeça em se peito. No entanto, em vez de
estender a mão e tocá-lo, ela deu um passo para trás.
— Prepare algo para nós comermos, enquanto iço as velas. Em
seguida partiremos.
— Para onde?
— Voltaremos para Antígua. Teremos de navegar contra o
vento e enfrentar uma corrente marítima, mas faremos o percurso em
umas dozes horas, se lançarmos mão da vela e do motor.
— Mas está escuro — observou Samantha, olhando o mar,
agora escuro. — Não poderíamos partir de manhã?
— Poderíamos, sim, mas quanto mais depressa eu voltar com
você, melhor — ele respondeu de um jeito enigmático. Craig foi até a
caixa de luz e ligou a chave. Imediatamente o camarote se iluminou.
— A geladeira está cheia de comida — observou, saindo para o
convés.
— Você poderia me dar uma explicação — disse Samantha,
chamando-lhe a atenção.
— Em relação a que?
— Poderia explicar por que quer estar comigo em Antígua
amanhã de manhã. Ah, é sempre a mesma coisa! Nunca me deu a
menor satisfação e, no entanto, sempre esperou que eu entendesse
por que você queria fazer determinadas coisas. Eu tinha que
concordar com elas. Creio que você esperou demais...
Craig não disse nada e Samantha julgou que ele iria até o
mastro a fim de içar a vela, sem dar sequer uma resposta à sua
observação.
Ele, no entanto, hesitou e voltou a olhar para ela.
— Talvez eu tenha mesmo esperado muito coisa de você. Está
bem, tentarei dar uma explicação. Quero que você volte comigo para
Antígua o mais cedo possível. Gostaria que ficasse lá durante alguns
dias, possivelmente não mais do que uma semana, mas o suficiente
para convencer os eternos curiosos de que a nossa separação chegou
ao fim, de que não vamos nos divorciar. É capaz de fazer isso? Ou
será que estou esperando demais de você, como de costume?
— Você...quer que eu finja que a nossa separação terminou?
— Já que você não deseja que ela termine, creio que terá mesmo
de fingir.
— Quero saber no que isso implica, antes de concordar — ela
declarou, olhando para o camarote.
Lembranças dos momentos agradáveis que tinha passado com
Craig naquele lugar se apoderaram dela de repente e Samantha
quase chorou.
— Nós poderíamos nos comportar como se ainda fôssemos
casados — disse Craig, um tanto vago, — Sairíamos juntos, faríamos
tudo como antes.
— Como, por exemplo... dormir juntos? Antes de partir da casa
de seu pai, notei que você se instalou no meu quarto sem mesmo
perguntar se podia.
— Então é isso que está incomodando você! Mas se não
dividirmos um quarto todo mundo vai supor que a nossa separação
não chegou ao fim. Você não pode deixar de concordar com isso.
— De fato, não...
— Não precisamos fazer amor quando estivermos sozinhos no
quarto. Não vou forçar você a fazer nada que não queira.
Pode ter certeza disso. A única coisa que peço é um pouco do
seu tempo.
— E depois?
— Poderá voltar para Londres, se quiser — replicou Craig,
dando de ombros, como se aquilo pouco lhe importasse. — De
qualquer maneira pense no assunto e me comunique a sua decisão
antes de chegarmos a Antígua. Agora vou içar as velas.
Craig se afastou e Samantha foi para o camarote. Pegou a
sacola, tirou o maiô úmido e pôs a calcinha, uma camiseta, um suéter
e jeans, além de calçar sandálias de couro. De volta ao camarote
principal, abriu a pequena geladeira, tirando um pacote de carne
moída. Em breve preparava alguns hambúrgueres e os punha para
cozinha na frigideira.
Quando os sanduíches ficaram prontos, o motor do Falcão Azul
funcionava a todo e o iate deslizava através do oceano. Samantha
levou a comida para o convés, colocando-a sobre uma mesinha
fixada no chão perto do leme. Craig o manejava e o iate agora
deixará para trás a entrada estreita da baía.
Voltando ao camarote, Samantha preparou duas grandes
xícaras de café e as levou para fora. Sentou-se num canto, encarando
Craig e comendo com grande apetite o sanduíche que havia
preparado. As estrelas pareciam dançar no céu de um azul profundo,
enquanto o iate oscilava. As colinas da ilha de St. Martin não
passavam agora de formas negras e o mar apresentava reflexos
prateados.
— A lua está surgindo — observou Craig e Samantha voltou-se
para o Oriente. A lua surgia por entre as palmeiras da baía dos
Pinhos, iluminando aos poucos aquela fantástica paisagem.
Não era a primeira vez que Samantha velejava com Craig à luz
da lua e ela sentiu uma certa alegria de estar na companhia dele
naquele momento. Encarou-o e percebeu que ele não tirava o olho
dela.
— E então? — ele perguntou e Samantha não precisou
perguntar o que ele queria.
— Está bem — concordou ela. — Permanecerei durante algum
tempo a seu lado, na casa de seu pai.
— Obrigado.
De repente o vento enfunou as velas, quando o iate, deixando a
baía, entrou em mar aberto. Craig ficou muito ocupado, ajustando-as,
e Samantha recolheu a louça. Não era mais o momento de falar.
CAPÍTULO V

O cais do porto de Antígua estava muito movimentado na


manhã seguinte, quando Samantha e Craig desembarcaram. As
tripulações dos grandes iates entraram e saíam, carregando caixas e
engradados com mantimentos, além de galões de petróleo e óleo
diesel, levando-os a bordo ou então descarregando latas vazias e
sacos plásticos com lixo. Bandeiras de várias nações flutuavam nos
mastros. As quilhas dos iates, muito envernizadas, refletiam a luz do
sol e todo mundo se chamava pelo nome.
Após trocar algumas palavras com Jonas Smith, o jovem que
cuidava do Falcão Azul sempre que ele estava no porto, Craig se
retirou e Samantha o seguiu. Já se haviam passado quatro dias desde
que ela partira daquele lugar, com a firme intenção de nunca mais
voltar.
Lá estava novamente, seguindo aquele homem altivo, cuja pele
queimada de sol contrastava com a alvura de sua camiseta e de sua
bermuda.
Apesar de ter dormido apenas algumas horas, ele não parecia
estar nem um pouco cansado. Andava apressado e Samantha sentia
dificuldade em manter o passo.
Ela ainda estava a poucos metros de distância quando ele
dobrou à direita, indo diretamente ao terraço do hotel. Nesse exato
momento alguém surgiu diante de Craig: uma mulher e cujos cabelos
ruivos emolduravam um rosto triangular, semelhante ao de uma
bruxa. Morgana Taylor usava naquela manhã um vestido cor-de-
rosa, estampado com folhas verdes e flores amarelas, uma
combinação de cores que valorizava o tom de sua pele.
Ao vê-la, Samantha parou, sentindo o ciúme tomar de si. Tinha
vontade de lhe dar as costas e sair correndo, mas se controlou,
fingindo não se importar nem um pouco com a presença daquela
criatura.
— Craig, querido! — exclamou Morgana, estendendo os braços
e beijando-o no rosto. — Quando foi que você voltou? Fiquei muito
surpresa ao saber que tinha ido velejar sozinho. Não tinha a menor
necessidade de partir só. Eu me sentiria muito feliz por ir com você.
Foi só então que Morgana notou a presença de Samantha. A
expressão de seu rosto se alterou imediatamente. O sorriso com que
tinha acolhido Craig morreu e ela apertou os lábios. Em seus olhos
surgiu um brilho hostil.
— Samantha! — exclamou Morgana e todo vestígio de prazer e
gentileza tinha sumido de sua voz, dando lugar a um toque quase
hostil: — O que está fazendo aqui? Pensei que tivesse partido com
alguns amigos para um cruzeiro através das ilhas. Farley me disse
que você não voltaria para cá, mas regressaria à Inglaterra assim que
o cruzeiro chegasse ao fim.
— Nunca se deve acreditar no que Farley diz — observou
Craig, com ironia. Antes que Samantha conseguisse imaginar uma
resposta, ele lhe passou o braço em torno dos ombros, puxando-a
para si. — Eu não tinha condições de partir quando os amigos de
Samantha a convidaram. Ela se foi sem mim e nós nos encontramos
mais tarde. Samantha e eu acabamos de chegar e vamos tomar o café
da manhã no terraço do hotel, antes de voltar para casa. Vamos
sentar aqui, meu bem? — Ele fez a pergunta com grande ternura e
lançou um olhar significativo para Samantha.
Ela concordou e Craig manteve o braço em torno de seus
ombros, enquanto procuravam uma mesa num canto afastado.
Sentaram-se um ao lado do outro e uma garçonete veio atendê-los.
Quando ela se voltou para entrar no hotel quase se chocou com a
Morgana, que os tinha seguido.
— Pode trazer café para mim — disse à garçonete com voz
autoritária, sentando-se numa cadeira, na extremidade da mesa. —
Devo dizer que me alegro com a sua volta, Craig. O sr. Clifton se
recusou a ver papai, enquanto você estava ausente. Carla diz que ele
não quer discutir negócios sem que você esteja perto. — Com um
gesto nervoso, Morgana abriu a bolsa e tirou um maço de cigarros e
um isqueiro de ouro. — Como você pode imaginar, papai quase
chegou a ficar irritado. Não gosta de esperar, mesmo num lugar tão
agradável quanto este.
— Morgana, você não precisava ter vindo com ele. Sua presença
não era necessária — disse Craig, com frieza.
A ruiva ficou muito pálida, e seus olhos lançaram fagulhas. A
atmosfera se tornou subitamente muito tensa, enquanto os dois se
encaravam. Finalmente ela se pôs a rir, jogando a cabeça para trás.
— Oh, querido, eu adoro quando você faz o papel de homem
de negócios, duro e mandão — ela disse, inclinando-se e tocando a
mão de Craig, que estava pousada sobre a mesa. — Vou contar a
papai que você disse, mas não vá pensar que andei perdendo tempo
desde que cheguei. Tenho me divertido muito! Conheci um homem
fascinante. É oficial aposentado da Marinha e arqueólogo amador.
Ele me contou histórias muito interessantes sobre a ilha. Meu bloco
de anotações está cheio.
Morgana começou a falar sobre tudo o que tinha aprendido em
relação ao passado de Antígua. Como sempre se dirigia unicamente
a Craig, fixando-lhe os olhos, monopolizando-o completamente e
ignorando a presença de Samantha. Nem mesmo quando a garçonete
trouxe o café ela se interrompeu, contando sobre o sítio arqueológico
que tinha ido visitar na véspera, numa propriedade particular, onde
antes havia uma aldeia indígena.
— Brendan disse que os testes de carbono indicam que os
fragmentos de cerâmica e os ossos de peixe datam de 1100 a.C., mas
as camadas mais profundas recuam a mais de sete séculos. Disse
também que antes de os caribes chegarem aqui, pouco antes da
viagem de Colombo, os aruaques viviam num verdadeiro paraíso.
Esta ilha, que era apropriada para acampamentos indígenas, há
tantos e tantos séculos, é perfeita para o turismo hoje em dia.
Nada tinha mudado. As coisas continuavam como sempre.
Morgana falava sem parar, monopolizando a atenção de Craig. Por
que Samantha havia concordado em voltar com ele? Deveria saber
que tudo seria exatamente assim. Como iria suportar aquela
situação? Olhou de relance para Craig. Ele tinha terminado de comer
e observar a xícara de café, enquanto Morgana continuava a falar.
Por acaso estaria prestando atenção nela? Seria difícil dizer.
Subitamente, como se percebesse que Samantha o olhava, ele a
encarou. Sorriu ligeiramente, mas com muita ironia, e em seus olhos
surgiu um brilho divertido, enquanto fazia com a cabeça um gesto
quase imperceptível, em direção a Morgana. Deu uma piscadela
maliciosa e Samantha sentiu subitamente uma onda de afeto por ele.
A exemplo dela, Craig achava o monólogo de Morgana
extremamente tedioso. De repente ele se manifestou:
— Cale a boca, Morgana.
Ela parou de falar na hora, sem acreditar no que tinha acabado
de ouvir, e piscou os olhos muito pintados.
— Você disse alguma coisa, querido?
— Disse para você calar a boca. Samantha e eu velejamos a
noite toda e viemos até aqui na esperança de tomar o café da manhã
em paz. Não estamos com vontade de ouvir o enredo do seu
próximo livro. Confesso que para mim ele parece bastante chato.
Acha que alguém vai querer ler isso?
Samantha ficou tensa, à espera de que Morgana explodisse
diante da grosseria de Craig e procurou disfarçar, servindo-se de
mais café. Morgana, pelo visto, levou algum tempo para observar o
que ele tinha dito, pois fez-se um breve silêncio, carregado de
eletricidade. Ela então falou com a maior calma:
— Algumas vezes eu me entusiasmo demais, não é mesmo?
Mas isso só acontece quando estou na sua companhia, querido. —
Olhou para Samantha e sorriu. — Sabe, estou tão acostumada a
contar a Craig tudo o que me acontece. Sempre fiz confidências,
como uma irmã faz com seu irmão... — Seu sorriso se transformou
aos poucos numa espécie de careta e em seus olhos havia uma
expressão desagradável, enquanto ela continuava a fitar Samantha.
— Ou como uma mulher faz com seu marido — ela acrescentou, em
tom provocante.
— Mas você não é minha irmã, nem minha mulher. Então, não
precisa me contar tudo o que lhe acontece, eu não preciso ouvir isso
— declarou Craig, fazendo um sinal à garçonete para que lhe
trouxesse a conta.
Ainda assim Morgana não se retirou. Voltando-se para Craig,
inclinou-se sobre a mesa e acariciou-lhe os cabelos.
— Como você está irritado hoje de manhã! Imagino que não
tenha dormido muito bem ontem à noite. Está certo, vou ficar muda.
Samantha pode falar no meu lugar. Se a memória não me engana, ela
nunca teve muito o que dizer e a falta de conversa pode ser tão
aborrecida quanto o excesso. — Morgana voltou a olhar para
Samantha e seu sorriso brilhante mal disfarçava o desprezo e a raiva
que sentia naquele momento. — Diga uma coisa, você dois se
reconciliaram? Estão juntos novamente?
— Estamos, sim — disse Craig, com rispidez.
— Meu bem, seria muito bom se você deixasse sua mulher falar
de vez em quando. Eu me dirigi a ela. Se você ficar muito
dominador, ela vai voltar a fugir. Não é mesmo, querida Samantha?
Morgana desafiou-a com o olhar e Samantha precisou lançar
mão de todo o autocontrole para não se levantar e dizer tudo o que
pensava daquela mulher, antes de se retirar. Percebeu subitamente
que era exatamente isso que Morgana queria que ela fizesse. Ficou
onde estava e, dominando a raiva que sentia, retribuiu o desafio com
um sorriso amável, ao mesmo tempo em que segurava o braço de
Craig, acariciando-o.
— Não, já cansei de fugir. Craig e eu estamos novamente juntos
e pretendemos continuar assim, não é mesmo, meu bem?
— Sem dúvida, meu anjo... — ele murmurou, encarando-a.
Samantha sentiu-se aliviada, pois Morgana não conseguia ver o
brilho irônico no olhar de Craig.
— Bem, só resta lhes dar os parabéns e desejar tudo o que há de
melhor — disse Morgana, levantando-se. — Devo me apressar.
Prometi me encontrar com Brendan no estacionamento às onze e
meia e está na hora. Ele vai me levar para dar um passeio pelas
colinas e mais tarde iremos até St. John, através da floresta que fica
do outro lado da ilha. Vou contar a papai que você está de volta,
Craig.
— Vou dar uma palavrinha com ele, se ainda estiver no hotel —
disse Craig, levantando-se e pegando a conta que a garçonete lhe
trouxera. — Não demoro muito, Samantha. Vou telefonar para casa e
pedir Jeremiah que mande o Cadillac vir nos buscar.
Sozinha à mesa, Samantha viu Craig e Morgana se afastarem
em direção à entrada do hotel. Ambos eram altos e tinham muitas
coisas em comum; a nacionalidade, a educação, a riqueza... Mais uma
vez sentiu aquele horrível ciúme de Morgana tomar conta de si,
apesar da atitude um tanto rude que Craig tivera com aquela mulher.
Samantha juntou as mãos, tensa, e engoliu em seco. Não tinha
sido nada fácil fingir que a separação havia terminado, e que mais
uma vez eles eram um casal que se amava. Teria sido convincente? E
por acaso Morgana precisaria ser convencida?
Ela franziu o cenho, inquieta com aquele pensamento. Mais
uma vez, desde que Craig lhe pedira para voltar para Antígua e ficar
lá alguns dias, fingindo que a separação chegou ao fim, Morgana
imaginou por que ele estaria querendo que todo mundo soubesse
dessa reconciliação. Precisaria perguntar as razões, mas o que ele
diria?
Quando Craig voltou ao terraço e acenou para ela, indicando
que viesse ao seu encontro, ele estava acompanhado pelo homem
alto e grisalho que se encontrava na companhia de Morgana há
quatro dias.
— Acho que você ainda não conhece Samantha, não é mesmo?
— disse Craig com amabilidade — Samantha, quero lhe apresentar
Conrad Taylor.
Havia um brilho de inimizade nos olhos negros de Conrad, a
exemplo do que tinha acontecido com Morgana, e ele a
cumprimentou com muita frieza.
— Muito prazer — ele disse secamente, voltando-se para Craig.
— Vou pensar no que você acaba de dizer e depois me comunico
com você, meu filho. — Deu um tapinha nas costas de Craig e voltou
para o hotel.
— Bem, pelo visto passamos muito bem pelo primeiro teste! —
observou Craig, bem-humorado. — Obrigado por não ter perdido o
controle quando Morgana foi agressiva. O carro deve estar à nossa
espera no estacionamento. Vamos.
David Smith, filho de Jeremiah e chofer e jardineiro de Howard
Clifton, estava à espera deles e daí a pouco percorriam a estrada que
levava a Falmouth.
— Falei com Carla pelo telefone. Ela ficou contente por você
voltar comigo — disse Craig. — Segundo ela meu pai sente falta das
suas leituras. Aproveitei a oportunidade e contei-lhe que a nossa
separação chegou ao fim e que você ficará conosco o tempo que eu
ficar.
Samantha olhou para ele: o rosto bonito não revelava seus
pensamentos e sentimentos; os olhos contrastavam mais do que
nunca com a pele bronzeada. Craig a encarou com firmeza, sem o
menor traço de ironia no olhar.
— Por que você quer que todo mundo acredite que a nossa
separação chegou ao fim? Tem algo a ver com seus negócios?
— Talvez — ele disse num tom evasivo, olhando pela janela.
— John Wallis ouviu dizer que Conrad Taylor espera assumir a
presidência da Clifton. Foi por isso que ele veio a Antígua conversar
com seu pai?
— Onde foi que ele ouviu isso?
— No bar do hotel. É verdade?
— Talvez. Conrad espera voltar a discutir com o papai a
possibilidade de fundir sua empresa com a nossa, possibilidade que
ele levantou há dois anos. Até agora não teve muita sorte.
— É porque seu pai se recusa a discutir o que quer que seja com
Conrad sem que você esteja presente.
— De fato. Você é bem esperta, não? Ouviu tudo o que
Morgana dizia, embora desse a impressão de que morria de sono. —
Craig se aproximou um pouco mais e cruzou as pernas. — Meu pai
disse a Conrad que não abordaria o assunto com ele, a menos que eu
estivesse lá. Assim sendo, convidou você para vir até aqui, sabendo
que eu também viria.
— Ainda assim não entendo por que você quer fingir que a
nossa separação terminou.
— Você não precisa entender. Tudo o que tem a fazer é ser
meiga e gentil como sempre e me seguir, como fez até agora. Não
será muito difícil e haverá algumas recompensas para nós dois —
disse ele, com ternura.
Antes que Samantha pudesse tomar alguma atitude ele lhe deu
um beijo perturbador. Samantha estremeceu e abriu os lábios,
convidando-o involuntariamente a beijá-la e a explorar a doçura de
sua boca. Imediatamente Craig ficou excitado. Seguiu-se um
momento de grande intensidade, em que ele se limitou a roçar os
lábios nos dela, em seguida se afastou.
— Por mais que eu quisesse aceitar o seu convite e prolongar a
experiência, não temos tempo para isso agora, Samantha... Mais
tarde voltaremos a tentar...
— E, se fosse você, não contaria muito com isso — ela declarou,
fingindo uma calma que estava longe de sentir e procurando se
dominar para ele não perceber que seu coração batia
descompassadamente e que mal conseguia respirar.
O carro agora descia a colina além da qual se via a pequena
baía, em frente à residência dos Clifton.
— Lembre que você prometeu não me forçar a fazer nada que
eu não quiser fazer — ela disse, muito tensa, olhando para as águas
da baía.
— Esteja certa de que vou manter a minha promessa.
Sensível às menores mudanças no estado de espírito de Craig,
Samantha percebeu um certo tom de ironia na voz dele e o encarou.
Seu rosto parecia esculpido em madeira e estava imóvel. Apenas os
olhos exprimiam zombaria.
— Tenho a impressão de que você gosta de ser beijada por mim
— ele acrescentou com certo cinismo.
— Pois está redondamente enganado — ela afirmou,
percebendo que o carro tinha parado. David provavelmente morria
de curiosidade e ouvia a conversa.
— Sei que não estou — replicou Craig, rindo e acariciando a
nuca de Samantha.
— Por favor, abra a porta, David — disse Samantha, trêmula,
sentando-se na beira do banco, numa tentativa de ser livrar daquele
contato perturbador. — Quero descer.
— Sim, senhora.
David apertou o botão no painel e as duas portas de trás se
abriram automaticamente. Samantha desceu e saiu rapidamente em
direção à casa.
Carla estava à espera deles no vestíbulo. Sorriu e deu um
abraço apertado em Samantha.
— Que bom ver você novamente! Farley procurou me
atormentar, dizendo que você não voltaria, mas Craig explicou o que
aconteceu. Disse que tinha partido com alguns amigos e que ele iria
ao seu encontro e a traria de volta.
— Farley foi para Toronto? — perguntou Samantha, tirando sua
sacola da mão de Craig.
— Sim. Viajou ontem. Vamos até o quarto de Howard? Ele
disse que queria ver vocês assim que chegassem.
— Gostaria de tomar um banho e trocar de roupa antes de vê-
lo. E também de lavar os cabelos.
— Pois vá — disse Craig um tanto tenso. — Irei diretamente ao
quarto de papai e você nos encontrará assim que estiver pronta.
Como é que ele está passando. Carla?
— Bem. Neste momento aquele rapaz está com ele — disse
Carla, afastando-se com Craig.
— Que rapaz?
— Esqueci o seu nome. É do jornal de Londres. Howard não lhe
contou que esperava um jornalista? Irá resolver com ele aquela
questão dos artigos...
A voz de Carla se tornou apenas um murmúrio e Samantha não
ouviu o resto do que ela ia dizer.
Para sua grande surpresa sentiu-se contente por estar de volta à
suíte confortável. Estava em casa e, após viver confinada em um iate
durante alguns dias, era bom poder gozar de muito espaço, espalhar
suas roupas pelo chão enquanto se despia e andar nua de um quarto
para o outro. O melhor de tudo, porém, era o conforto
proporcionado por uma enorme banheira cheia até a borda, onde
poderia deitar-se e relaxar, sabendo que não seria incomodada
durante algum tempo.
Nem mesmo por Craig...
Ora, só faltava essa! Samantha sentou-se, num gesto brusco, e a
água se esparramou pelo chão. Estava profundamente irritada
consigo, pois tinha deixando a imagem de Craig interferir em seus
pensamentos.
Pelo visto, ele não precisava estar no quarto para perturbá-la...
Afinal de contas, o que ele pretendia? Por que queria que ela
ficasse em sua companhia durante alguns dias e fingisse que a
separação chegara ao fim? Craig evitava qualquer definição.
“Você não precisa entender”, ele dissera quando estavam no
carro, beijando-a depois.
Não queria pensar naquele beijo e muito menos em suas
reações.
“Tudo aquilo não passou de um ato reflexo”, ela argumentou
para si mesma, ensaboando vigorosamente os cabelos.
Seus lábios tinham reagido involuntariamente ao toque dos
lábios de Craig, pois já estavam acostumados ao seu calor e à sua
sedução.
Ela, no fundo, não desejara retribuir aquele beijo, não tivera a
intenção de convidar Craig a prolongá-lo, animando-o a desfrutar
com ela as delícias do prazer. Ou não seria verdade?
Samantha suspirou e voltou a deitar-se na banheira.
“Tentaremos de novo mais tarde”, ele dissera.
Sabia perfeitamente que Craig cumpriria a promessa e
continuaria tentando, até pôr abaixo suas frágeis defesas. Ele não
tinha mudado nada! Ainda era o homem por quem se apaixonara
havia quatro anos.
Continuava sendo dominador, direto, forte...
Samantha pôs-se de pé, fechou a cortina e abriu o chuveiro.
“Se você ficar muito dominador ela voltara a fugir, não é
mesmo, querida Samantha?”, a voz irritante de Morgana lhe soava
nos ouvidos.
Morgana se enganara. Não tinha fugido de Craig por
desaprovar suas atitudes dominadoras, constatou, enquanto saía da
banheira e se enxugava com uma toalha felpuda. Tinha escapado
unicamente porque não conseguia dividi-lo com Morgana.
Era muito feliz até o dia em que ela apareceu, admitiu,
enquanto enxugava os cabelos com um secador. Maldita Morgana!
Por que estava sempre por perto? O que estava fazendo em Antígua?
Por que se interpunha entre Craig e ela? Por quê? Por quê?
Seria de fato amante de Craig? Samantha desligou o secador e,
indo para o quarto, abriu a porta do armário. Deveria existir um
modo de descobrir se eles ainda tinham um caso. Quem poderia
dizer?
Carla? Samantha sacudiu a cabeça, enquanto escolhia um
vestido de algodão verde. Não, duvidava de que Carla, tão bondosa
e maternal, soubesse muita coisa a respeito de Morgana, pois o
relacionamento entre Craig e sua madrasta era pouco íntimo. Ele
jamais a tinha encarado como uma substituta de sua mãe. Quando
Howard Clifton desposou Carla, Craig já estava em um internato,
nos arredores de Ontário. Passava a maior parte das férias com sua
mãe, na Inglaterra, e quase não via Carla. Era muito pouco provável
que ela soubesse algo sobre seu relacionamento com Morgana.
Samantha se vestiu e começou a se maquilar. A cor do vestido
lhe valorizava a pele bronzeada e lhe acentuava o brilho dos olhos
verdes.
Jamais poderia competir com a aparência vistosa de Morgana,
mas até que era bem atraente... Tinha a pele boa, os cabelos finos e
brilhantes, e os olhos possuíam uma expressão suave.
Craig, pelo visto, parecia ter sempre apreciado demais sua
aparência. Parecia... Samantha ficou tensa. Aí estava a dificuldade.
Não tinha certeza se ele a amava realmente, pois nunca lhe dissera.
Parecia amá-la, pois a pedira em casamento, mas nunca lhe havia
dito nada. Achava que fazer com ela fosse o suficiente.
No entanto, se Craig passara a infância e boa parte da
adolescência num colégio interno e se viajava com frequência para a
Inglaterra, como era possível que fosse íntimo de Morgana? Era
estranho que ela não tivesse pensado nisso até então. Claro que a
pessoa que ela deveria interrogar era o próprio Craig! Tinha tentado,
porém suas respostas sempre eram evasivas ou indiferentes, quando
ele não caçoava dela por ser ciumenta e possessiva.
Samantha saiu do quarto e foi para a sala de estar. O vendo
soprava, dobrando as folhagens nos vasos e os canários pulavam de
cá para lá em suas gaiolas douradas.
— Como você vê, os canários estão se comportando de um jeito
muito esquisito — comentou Carla. — Acho que mais tarde teremos
chuva. O ar está úmido e as nuvens estão se acumulando no céu.
Acho que vou fazer a sesta. Howard também precisa descansar. Por
favor, não permita que Craig e o jornalista o façam falar durante
muito tempo.
— Farei o que for possível — disse Samantha.
Bateu à porta, quando chegou à suíte de Howard. Não houve
resposta e ela entrou no aposento espaçoso. Como estava situado na
ala leste, ficava mergulhado na sombra a maior parte do dia, mas,
naquele momento, até mesmo lá o ar estava úmido e quente.
Não havia ninguém no quarto e ela o atravessou, indo até o
pátio.
Howard estava sentado numa espreguiçadeira. Usava calça de
algodão, uma camisa branca e um chapéu de palha, que escondia
seus olhos cor de avelã.
— Que bom que você voltou, Samantha! — ele disse, sorrindo.
— Eu também fiquei contente.
Ela sorriu e lhe estendeu a mão, percebendo com surpresa que
estava sendo sincera. Sentia-se feliz por ter voltado. Abandonando-se
a um impulso de afeto, inclinou-se e beijou o rosto de Howard.
— Como está se sentindo?
— Muito melhor, agora que você e Craig estão juntos — ele
disse, apertando-lhe a mão. — Sr. Barry, quero lhe apresentar minha
nora, Samantha. Este é Lyndon Barry, do Diário de Notícia, o Jornal
inglês da Clifton.
Lyndon! A cabeça de Samantha girou e no mesmo instante ela
ficou alagada de suor. Lyndon em Antígua? Ela fez o possível para se
controlar e olhou para o rapaz, que a encarava como se não
conseguisse acreditar no que via.
— Samantha! — ele exclamou, ficando de pé e esbarrando num
gravador. — O que está fazendo aqui?
— Vocês já se conhecem? — perguntou Craig com rispidez. De
braços cruzados, ele estava sentado à mesa, diante de Lyndon.
— Claro que sim! — disse Lyndon, que ainda fitava Samantha
com ar de incrédulo.
Ela forçou um sorriso, desejando ao mesmo tempo que o rapaz
sumisse de lá.
— Olá, Lyndon. Que surpresa, não? Craig, como você deve
saber, a revista em que eu trabalhava e o Diário de Notícias
funcionam no mesmo prédio. Assim Lyndon e eu nos vimos mais de
uma vez.
— Percebo — resmungou Craig, lançando-lhe um olhar glacial.
— Mas não sabia que ela... isto é, que Samantha era sua mulher
— disse Lyndon. — Sabia, e claro, que era casada, mas... — Ele se
interrompeu, confuso e olhou para Samantha com certa mágoa.
— Sempre usei o meu nome de solteira no trabalho e
naturalmente Lyndon não poderia saber o meu nome de casada é
Clifton.
— Naturalmente — disse Craig e ela o encarou, preocupada. Os
lábios dele se contraíram, numa expressão carregada de ironia. —
Acabou de entrevistar meu pai, Barry?
— Por hoje, sim... — respondeu Lyndon, pegando o pequeno
microfone e o gravador — Sr. Clifton, gostaria de voltar amanhã para
fazer algumas fotos.
— Está bem. Venha às dez em ponto. Se chegar tarde terá de se
arrumar com as fotografias que o seu jornal tiver no arquivo. Lá deve
haver uma boa seleção, já que o proprietário sou eu.
— Chegarei às dez. Seria possível eu chamar um táxi? — ele
perguntou. Parecia um tanto afobado e gotas de suor lhe banhavam a
testa.
— Onde está hospedado? — perguntou Craig, levantando-se.
— No Hotel da Laguna. Fica ao lado da estrada.
— Eu levo você. Vamos.
— Oh, obrigado. Até amanhã, sr. Clifton. Até amanhã,
Samantha.
— Ele lhe lançou um olhar um tanto preocupado e seguiu
Craig.
— Sente-se, Samantha — disse Howard, com amabilidade. —
Por que não contou para aquele rapaz que era casada com um
Clifton?
Sentando-se na cadeira de Lyndon, ela afastou os cabelos da
nuca.
A umidade e o calor a faziam sentir-se mal. O vento soprava o
tempo todo, mas não lhe proporcionava o menor alívio. A atmosfera
se tornava cada vez mais opressiva.
— Eu... não sei. Nunca me passou pela cabeça contar. Não
costumávamos falar muito a respeito de nós mesmos.
— Ele nunca lhe fez perguntas em relação ao seu marido?
Nunca quis saber onde você morava e por que estava separada dele?
— Fez, sim, eu lhe contei a verdade, mas sem mencionar o
nome de Craig. Não disse a ninguém que trabalhava comigo no
escritório da Empresa Clifton que eu era sua nora. Poderiam pensar
que eu tinha conseguido o emprego graças à influência de Craig.
— Ah, sei. Foi muito sensato da sua parte. Mas se você nunca
falou ao sr. Barry do seu relacionamento com Craig, onde foi que ele
obteve a informação de que planejava se divorciar de meu filho?
— Eu me lembro de ter dito a Lyndon certa vez que estava para
consultar um advogado e lhe pedir conselhos sobre o divórcio — ela
murmurou.
— E tem certeza de que não lhe disse o nome de seu marido?
— Certeza absoluta — afirmou Samantha, enfrentando o olhar
de Howard.
— Acredito em você. Onde será que o rapaz pode ter ouvido
esse boato?
— Não sei. Ele não lhe fez nenhuma pergunta nesse sentido? —
indagou ela, aborrecida.
— Ele teve a audácia de me perguntar se havia algum fundo de
verdade no boato que corre entre os milionários de Antígua, segundo
o qual a mulher de meu filho mais velho pretende mover um
processo de divórcio. Isso bastou para eu ficar arrependido por ter
concordado com essa entrevista. Durante anos evitei ser entrevistado
pelos meios de comunicação, sabendo que os repórteres têm muito
pouco respeito pela vida particular das pessoas e distorcerem a
verdade. Mas é uma ocasião especial, pois estou me aposentando da
presidência da Clifton. Concordei em deixar todos os meus jornais
publicarem um artigo a meu respeito. Mas estou irritado! Afinal de
contas, esperava que um jornalista que trabalha para mim mostrasse
mais tato e evitasse perguntas pessoais! — Howard se recostou nas
almofadas da espreguiçadeira e fechou os olhos. Subitamente parecia
muito cansado e frágil.
— Craig estava presente quando Lyndon fez a pergunta? —
indagou Samantha e ele abriu os olhos, encarando-a novamente.
— Graças a Deus, não. Ainda pensa em se divorciar de Craig?
Achei que... Bem, pelo menos Carla me disse hoje de manhã que
vocês dois resolveram pôr um ponto final nessa separação.
— É verdade — ela disse, lembrando-se de que deveria manter
as aparências.
— Que bom! Não gostaria que você fizesse o que a mãe dele fez
comigo — disse Howard, e a amargura com que se exprimia chocou
Samantha.
— Mas o que foi que ela lhe fez? — murmurou, pensando na
bela Ashley, que não tinha compreendido seu marido.
— Casou comigo pelo dinheiro e assim pôde se divorciou,
também por dinheiro — ele disse, com frieza. — Isso é coisa que
acontece sempre, mas não pretendo ficar de lado e deixar que ocorra
com Craig. Está me ouvindo? — Howard a encarou, com ar de
desafio. — Não fiquei imaginando que vai se divorciar de meu filho,
acusando de crueldade mental ou qualquer coisa no gênero e
extorquir dele um milhão de dólares. Se houver divórcio, será ele
quem pedirá!
— Não... haverá divórcio — disse Samantha, trêmula.
— Foi o que eu disse ao sr. Barry. Disse a ele também que
desfaça imediatamente esse boato. Gostaria de saber quem começou
essa história toda. Você poderia tentar descobrir, Samantha.
— Vou tentar.
— Agora estou muito cansado. Vem aí uma tempestade. Todo
mundo se sente irritado e nervoso quando se forma um temporal. Se
não quiser brigar com Craig, fique afastada dele até a chuva cair. —
disse Howard com uma risada irônica, que o fazia se assemelhar ao
filho. — Chame Jeremiah, por favor.
Ele fechou os olhos e Samantha se levantou. Gostaria de lhe
perguntar se ele desconfiava de quem havia espalhado o boato, mas
ele estava pálido e exausto, o que a fez mudar de ideia
— Vou dar o seu recado a Jeremiah — ela disse, tocando de leve
o ombro de Howard e entrando em casa.
Encontrou Jeremiah no corredor.
— O sr. Craig telefonou — o criado disse. — Deixou um recado.
Foi até St. John e volta mais tarde.
— Obrigada. O sr. Clifton está muito cansado e pediu que você
fosse vê-lo. Se Craig ou mais alguém telefonar, estou em meu quarto,
Jeremiah.
— Sim, senhora.
CAPÍTULO VI

Samantha estava deitada na cama e, através da janela que dava


para o pátio, observava os jogos de luz e sombra o concreto em volta
da piscina.
Por que Craig tinha ido a St. John? Por acaso fora ao encontro
de Morgana? Teria combinado um encontro com ela na capital,
quando entraram no hotel? Por acaso aquela pequena cena que se
passara no terraço fora apenas uma farsa, executada por Craig e
Morgana com a intenção de levá-la a pensar que não havia entre eles
tanta intimidade assim? A rudeza de Craig com a ruiva, não teria
sido apenas um fingimento intencional, a fim de ocultar a verdade?
Ela se voltou inquieta na cama, desejando poder desligar sua
imaginação, como faria com um aparelho de tevê. Lembrou-se de
que o sofrimento não havia chegado ao fim. Não tinha o menor
direito de imaginar onde ele se encontrava, só porque não estava a
seu lado naquele momento. Craig não precisava ficar grudado nela o
tempo todo.
Fechou os olhos e adormeceu, só acordando ao ouvir alguém
bater de leve à porta do quarto.
Era Jeremiah, que lhe dizia que um certo sr. Barry desejava lhe
falar ao telefone. Ela poderia atender na extensão, na sua sala de
estar.
— Obrigada. — Tonta de sono, Samantha consultou o relógio e
viu com grande surpresa que eram quinze para as cinco. Tinha
dormido mais de duas horas. — O sr. Craig já voltou de St. John? —
Ela perguntou, seguindo Jeremiah até a sala.
— Não, senhora, ainda não — ele disse, retirando-se.
Samantha sentou-se no divã e atendeu o telefone.
— Olá, Lyndon. Ainda bem que telefonou, eu lhe devo
desculpas.
— Sem dúvida, mas não podemos conversar sobre isto pelo
telefone. Não pode vir até o hotel? Tomaremos um drinque,
jantaremos e você poderá se explicar.
— Estarei aí dentro de meia hora.
— Eu a espero na recepção.
Samantha colocou o telefone no gancho e, levantando-se, se
espreguiçou. O sono, embora povoado com imagens de Craig e
Morgana, tinha lhe feito bem. Ver Lyndon e lhe explicar por que
nunca lhe contara que era casada com Craig Clifton seria mais
saudável do que permanecer em casa, tentando imaginar onde ele se
encontrava.
Pôs um vestido de algodão azul-turquesa, estampado com
folhas azul-escuro, adquirindo em uma butique da moda em St. John.
Os ombros e o colo ficavam expostos, a saia era ampla e franzida.
Assim que ficou pronta, David a levou numa espécie de jipe,
sem portas, fabricado na ilha com peças importadas de outros países.
O sol ainda brilhava, mas o céu estava cheio de nuvens
carregadas e as palmeias não se moviam. Não soprava o menor
vento, o que era raro. O ar parado e a umidade criavam uma
atmosfera de intranquilidade, uma calma suspeita antas da
tempestade.
Lyndon estava à sua espera na ampla recepção do hotel. Usava
calça de linho e camisa do mesmo tecido. Cumprimentou-a com certa
distância e não sorria.
Sentaram-se uma mesa no terraço, entre o edifício principal do
hotel e a grande piscina. Muitos dos hóspedes estavam sentados ou
em pé conversando e bebericando. Os garçons passavam por entre as
mesas, com as bandejas cheias de bebidas. Em um lado do pátio
alguns rapazes, vestidos com calças brancas e vistosas camisas de
algodão, colocavam seus instrumentos no lugar.
— É uma orquestra muito conhecida — explicou Lyndon a
Samantha. — O jantar será servido à americana, aqui no pátio. Você
vai ficar, não é?
— Sim, se você quiser. — Samantha tomou um gole da bebida
que ele tinha pedido. — Lyndon, o fato de você ser enviado para cá a
fim de entrevistar Howard Clifton não passa de uma coincidência,
não é mesmo? Quero dizer, você não sabia que eu estava aqui.
— De fato, não sabia. Não sabia nem mesmo que você tinha
saído da revista até alguns dias atrás, quando telefonei para o
escritório à sua procura. Lá ninguém soube me informar onde você
se encontrava e então telefonei para o seu apartamento. Sua amiga
Thea se mostrou muito reservada e disse que não tinha a menor ideia
de onde você estava e de quando regressaria. Ela se recusou a me dar
o endereço de seus pais, mas me lembro de você ter dito certa vez
que eles moravam em Epping. De nada adiantou, pois não sei o
nome deles. Pelo menos, assim me apareceu. Sempre supus que
Lewis fosse o sobrenome do seu marido. Claro que foi uma tolice de
minha parte, pois nos dias de hoje as mulheres não adotam o nome
do marido quando se casam. Não foi o que aconteceu com você —
ele observou, em tom acusador.
— De fato Lyndon, eu tinha minhas razões para não usar o
nome dos Clifton. Não queria que pensassem que eu tinha
conseguido o emprego só porque me casei com Craig. Não suporto
esse tipo de favorecimento.
— Entendo perfeitamente. O que não entendo, porém, é porque
você não me disse nada a respeito do seu marido. Julguei que
fôssemos amigos. Eu jamais teria traído a sua confiança.
— Acontece que eu não tinha tanta certeza assim. Sinto muito
se magoei você.
— Estou mais decepcionado do que propriamente magoado.
Gosto de você, Sam, e começava a pensar que nós dois poderíamos
ser mais do que simples amigos, sobretudo quando você me contou
que tinha consultado um advogado em relação ao divórcio. Agora sei
que você não levará isso adiante. O velho Clifton foi bastante firme a
esse respeito. Você não tem a menor chance de pedir um divórcio e
conseguir três milhões de dólares, a exemplo do que aconteceu com
Ashley Collei, e logo em seguida me fez um sermão, dizendo que
não gosta de jornalista que fazem perguntas pessoais. A única coisa
que fiz foi perguntar se o boato que eu tinha ouvido era verdadeiro.
— Eu sei. Ele me contou — disse Samantha, olhando para o céu,
agora coberto por nuvens escuras e baixas. — Será que vai chover?
— A chuva pode despencar de um momento para outro, mas
vejo que estão começando a servir a comida. Vamos enfrentar a fila e
conseguir uma mesa sob a marquise, do outro lado da piscina —
sugeriu Lyndon, levantando-se.
Eles não conseguiram chegar até o grupo de hóspedes que já se
serviam nas mesas compridas cheias de pratos apetitosos: frango
grelhado, costeletas, presunto com abacaxi, bifes de caçarola, arroz e
pão fresco. Antes que pegassem seus pratos, a tempestade desabou
com violência.
A chuva inundou o pátio, obrigando todo mundo a se abrigar
debaixo da marquise, que, aliás, não oferecia a menor proteção, pois
o vento soprava com força, ensopando todos. Os relâmpagos
cruzavam o céu, imediatamente seguidos pelo estrondo dos trovões.
— Não faz muito sentido ficarmos aqui — disse Lyndon que
conseguira encher dois pratos. — Vamos para um lugar mais
abrigado.
Na companhia de outros hóspedes que tinham tido a mesma
ideia, eles saíram correndo pelo pátio, quase tropeçando nos músicos
da orquestra que procuravam proteger seus instrumentos. Foram
para o bar, que tinha uma sala grande e cheia de mesas e cadeiras. O
gerente veio se desculpar pelo mau tempo e anunciar que o jantar
seria servido no salão ao lado, que a orquestra tocaria na pista de
dança, ao lado da sala de jantar, e que a comida era oferta do hotel.
Gritos e aplausos acolheram esta última novidade.
Não houve a menor possibilidade de Samantha e Lyndon
discutirem assuntos pessoais enquanto comiam, pois um casal inglês,
em lua-de-mel, sentou-se à mesa deles.
Assim que terminaram de almoçar foram para a sala de estar,
que estava vazia naquele momento, e só então foi possível conversar.
— Você disse que ouviu um boato de que Craig iria se
divorciar. Quando isso aconteceu? Você já estava em Antígua? —
perguntou Samantha.
— Exatamente. Foi na noite da minha chegada. Fui com alguns
hóspedes daqui até aquele hotel perto do porto. Conversei com
alguns canadenses que se encontravam lá e lhes disse por que estava
aqui. Eles, pelo jeito, conheciam a família Clifton muito bem e um
deles disse que a mulher de Craig Clifton estava tentando se
divorciar.
— Por acaso foi uma mulher quem lhe disse isso?
— Foi, sim. Isso tem alguma importância?
— Como ela era? Alta e ruiva?
— Sim. Você a conhece?
— É Morgana... Morgana Taylor — murmurou Samantha. — Eu
devia ter imaginado! Ela não tem feito outra coisa, a não ser trazer
problemas para Craig e para mim.
— Como assim?
— Eles se conhecem há muitos anos e houve uma época em que
se murmurava que iriam se casar. Craig, no entanto, casou-se comigo
e Morgana ficou ressentida. Quando estamos juntos Morgana
aparece, ela o monopoliza e me faz sentir… bem, para falar a
verdade, Lyndon, ela me faz sentir uma intrusa.
— Ela a faz sentir como se você fosse a outra e eles, o casal feliz.
Ficaram muito felizes se você sumisse.
— Exatamente. E isso me dá vontade de fugir...
— E agora ela anda espalhando boatos a seu respeito...
Samantha, você deveria saber que um boato é quase sempre
divulgado por alguém que está tentando descobrir a verdade. Nós
jornalistas, agimos assim o tempo todo. Desconfio de que essa tal de
Morgana Taylor gostaria que você se divorciasse de Craig ou vice-
versa. Ela, no entanto, não sabe ou não está segura do que está
acontecendo entre você e ele. Eu também não sei como estão as
coisas entre vocês, apesar do que o velho Clifton disse. Você me
contou que estava pensando em se divorciar, quando estávamos em
Londres.
— Mas isso foi antes que... — Samantha se interrompeu,
mordeu o lábio e evitou o olhar inquisitivo de Lyndon.
— Antes do quê? O que foi que aconteceu? Aquele sujeito fez
algum tipo de pressão para que você continue casada com ele?
— Não, não fez a menor pressão. Nós simplesmente decidimos
pôr um ponto final em nossa separação.
— Para agradar ao velho, de tal modo que a família Clifton dê
ao mundo uma impressão de felicidade, quando ele se aposentar?
— Oh, não, ele não tem nada a ver com isso — apressou-se a
dizer Samantha, mas Lyndon não parecia estar muito convencido. —
Você precisa tomar cuidado, Lyndon. Ser repórter de um jornal está
começando a afetá-lo. Está se tornando cínico.
— Talvez. O fim de sua separação aconteceu com tamanha
rapidez... Não se passou nem um mês desde que almoçamos em
Londres e nessa ocasião você me disse que tinha consultado um
advogado, pedindo orientação sobre a possibilidade de um divórcio.
Agora me diz que a separação chegou ao fim. Tudo isto está me
parecendo fácil demais para não ser o resultado de uma combinação.
— Lyndon encarou Samantha com insistência e, num gesto de quase
irritação, afastou o cabelo da testa. — E como foi que você veio parar
aqui? Seu marido a convidou?
A pergunta surpreendeu Samantha. Ela estava a ponto de negar
e lhe dizer que Howard Clifton a convidara quando percebeu
claramente o que Lyndon deduzira dessa informação. Certamente
pensaria que, pelo fato de ter sido convidada pelo sogro para vir a
Antígua e Craig ter aparecido logo após, Howard Clifton havia
tramado tudo.
A separação tinha chegado ao fim pelo menos por alguns dias
para agradar ao velho e criar uma falsa impressão de harmonia.
— Fui convidada, sim — ela afirmou, consultando o relógio.
Eram quase nove horas. Será que Craig já tinha voltado? — Preciso ir
andando, Lyndon?
— Ele sabe que você veio me ver?
— Não. Ele foi até St. John, mas já deve estar de volta. —
Samantha se levantou. — Vou pegar um táxi na frente do hotel.
Provavelmente o vejo amanhã, quando for fazer as fotos. Vou pedir a
Carla que o convide para almoçar conosco.
— Não haverá nem fotos e nem almoço — ele disse, muito seco.
— É mesmo? E por que não?
— Fui posto de lado por seu marido, quando ele me trouxe para
o hotel. Ele disse para eu me arranjar com as fotos do arquivo do
jornal e que não queria que eu voltasse à casa de seu pai. — Lyndon
riu. — Como ele é mais forte do que eu em mais de um sentido, não
discuti! Ele pode fazer com que eu perca meu emprego. Voltarei para
Londres amanhã à tarde. — Eles tinham chegado à porta do hotel. —
Samantha, por que não volta comigo? Tenho certeza de que todo
mundo vai gostar de vê-la novamente na revista.
— Mas já não trabalho mais lá. Você deve saber que a direção
deu ordens para reduzir o corpo de editores. Eu fui cortada.
— Você foi posta na rua? — exclamou Lyndon, olhando-a sem
acreditar no que acabara de ouvir. — Mas me disseram que você
pediu demissão!
— Não. Fui vítima das medidas de economia.
— Que medidas de economia? Ninguém mais da revista foi
despedido!
— Mas Marilyn Dowell, a editora-chefe, disse o contrário,
comunicando que tinha recebido ordens diretamente de ... —
Samantha arregalou os olhos e entendeu pela vez o significado do
que ia dizer. — Marilyn disse que recebeu ordens superiores para
fazer cortes em sua equipe...
— E agora você sabe quem estava por trás dessas ordens, não é?
Samantha, você foi manipulada e enganada por um velho muito
astuto ou, possivelmente, pelo filho dele. Por que ficar aqui? Volte
comigo para a Inglaterra amanhã.
— Não, não posso. Agora preciso ir. Adeus, Lyndon. Foi tão
bom vê-lo novamente!
Ela se afastou rapidamente e tomou um táxi. Tinha parado de
chover e o céu se limpava. À medida que o táxi subia pelas colinas
ela viu a lua surgir no horizonte.
À porta da casa Jeremiah surgiu diante dela, como que por um
passe de mágica.
— Sabe aonde está o sr. Craig? — ela indagou.
— Ele disse que iria dar um passeio pela praia e talvez nadasse
em seguida. Eu o avisei para tomar cuidado. A tempestade, com toda
certeza, deve ter deixando o mar agitado e...
Samantha se retirou, sem ouvir o que Jeremiah dizia. Deixou a
bolsa em cima de uma cadeira, saiu de casa e se dirigiu aos degraus
que levavam até a praia. Postes colocados a pequenos intervalos
iluminavam o caminho, mas assim que ela pisou na areia macia da
praia ficou confusa com as sombras das palmeiras, que se agitavam
ao vento, e não conseguiu ver ser Craig andava ou não pela beira do
mar.
As águas refletiam as luzes dos postes, bem como a lua que
despontava. Samantha procurou distinguir uma cabeça ou um braço
fendendo as águas. Não conseguiu avistar ninguém. Percorreu
lentamente a praia, olhando à sua volta, com a esperança de ver
Craig, e aos poucos a raiva começou a se atenuar, dando lugar à
ansiedade. E ele tivesse ido nadar e, encontrando dificuldades
inesperadas, tivesse se afogado?
Quando chegou ao final da praia parou de andar, pois não
queria subir pelos rochedos. Voltou apressada para o lugar de onde
viera, sem saber se gritava ou não pelo nome de Craig. Desistiu, pois
ele não conseguiria ouvir sua voz, abafadas pelo barulho surdo das
ondas que morriam na praia. Durante todo esse tempo não tirava os
olhos das ondas e da sombra das árvores. De repente Craig surgiu
diante dela, vindo da cabana pequena onde estavam guardadas as
pranchas de windsurfe.
— Estava à sua procura! — ela exclamou, assustada. — Onde é
que você andou?
— Estava no mar.
— Jeremiah me disse que avisou você de que não seria
prudente nadar hoje à noite. Como não conseguiu encontrá-lo,
cheguei a pensar que ... Oh, não suporto pensar nisso! — ela
murmurou, estremecendo.
— Você ficou muito ansiosa? — Craig parecia bastante
surpreendido.
— Claro que sim. — Só então ela ousou encará-lo. Sua pele e
seus cabelos estavam molhados e refletiam a luz da lua. — Sempre
fico preocupada quando você se entrega a esportes perigosos, como o
mergulho e o esqui aquático.
— Pois você deveria mergulhar e esquiar comigo. Pelo menos
ficaria sabendo de que se trata. Saberia o quanto sou cuidadoso,
como não corro riscos e obedeço a todas as regras de segurança.
— Mas como eu poderia ir com você? Nunca me convidou!
Depois de certo tempo comecei a pensar que você no fundo, não
queria que eu o acompanhasse a nenhum lugar e fiquei imaginando
por que se casou comigo.
Samantha não tinha a menor intenção de dizer aquilo a Craig.
Pretendia acusá-lo de tê-la despedido da revista e declarar que não
iria fingir que tudo estava bem apenas para satisfazer o pai dele.
Comunicaria que, no dia seguinte, tomaria um avião para Londres e
desta vez o deixaria para sempre. A raiva, no entanto, deu lugar à
preocupação e à ansiedade. Só então percebeu o quanto o amava e
como desejava que a separação tivesse realmente terminado.
— Não sabia disso — ele disse baixinho, dando um passo em
direção a ela. Seus olhos brilhavam como as gotas de água que lhe
cobriam o corpo. — Você nunca me disse como se sentia e, passado
algum tempo, comecei a pensar que, no fundo, não se importava
comigo. Casou-se porque eu era um partido, como muitos de meus
amigos e parentes viviam me dizendo. Enfim, você me quis porque
eu sou rico. Até mesmo na cama, você não se abandonava
inteiramente. Estava sempre se contendo, até me dar a impressão de
que não queria fazer amor. — Ele fez pausa para enxugar a água que
escorria dos cabelos para o rosto e prosseguiu, num tom carregado
de aspereza: — Você ainda se recusa a se entregar, a vir ao me
encontro e hoje descobrir por quê. Esteve com Lyndon Barry hoje à
noite, não?
Abalada pela acusação de que se casara com Craig unicamente
pelo dinheiro e de que era uma mulher fria. Samantha o encarou,
decidida a protestar, mas incapaz de fazê-lo. Queria lhe explicar que
sua dificuldade para fazer amor, se prendia ao fato de estar
convencida de que ele amava Morgana.
— Não é verdade? — ele perguntou, como certa brutalidade. —
Você não foi ao hotel para ver Barry?
— Fui... fui, sim — ela gaguejou. — Fui vê-lo. Tinha de explicar
por que não havia contado a ele que eu era casada com você e...
— Não precisa se desculpar. Apenas fico surpreendido por você
ter voltado tão cedo. Julguei que passaria a noite com ele.
— Oh!
Samantha ferveu de indignação. Sentiu ímpetos de esbofeteá-lo
por aquele insulto e chegou a levantar a mão. Subitamente tudo ficou
claro e ela o enxergou como realmente era. Seu corpo estava banhado
pelo clarão da lua e ele a encarava numa evidente atitude de desafio.
Aquele era o homem por quem se apaixonara havia quatros anos; o
homem com que havia se casado e ao lado de quem passara
momentos mágicos. Agora pretendia esbofeteá-lo por ter insinuado
que ela andava dormindo com outro homem? O que estava
acontecendo com eles? Por que brigavam daquele jeito?
— Acho...que você está com ciúme — ela declarou em tom de
caçoada, da mesma forma como Craig costumava caçoar dela, todas
as vezes que se opunha à sua amizade com Morgana.
Em vez de agredi-lo, Samantha estendeu o braço e encostou de
leve em seu peito.
— Pois não ouse duvidar! — Ela estava para retirar a mão, mas
Craig a impediu de fazer o menor gesto, dando um passo adiante. —
Quando Jeremiah me contou que você foi, senti vontade de ir até
hotel, dar um murro em Lyndon Barry e trazê-la de volta!
— Agora sabe como me sinto todas as vezes em que você está
com a Morgana!
— Mas você não tinha o menor motivo para sentir ciúme dela!
— Tinha, sim! — Samantha retrucou, se afastando e tentando,
sem sucesso, livrar-se dele. — Sempre que ela aparece, quando
estamos juntos, tenta monopolizar você e me fazer sentir que não sou
desejada. E pelo que sei, você e ela têm um caso há anos.
— E daí? — Craig apertou-lhe o pulso com toda a força,
puxando-a brutalmente de encontro ao corpo. Samantha tentou se
afastar, mas ele a imobilizou. Seu rosto estava bem junto ao dela e ele
falou baixinho ao seu ouvido, enviando-lhe ondas de sensualidade
por todo o corpo: — Pelo que sei, você tem um caso com Lyndon
Barry há dois anos e vive com ele. Talvez ele seja a razão por que
procurou um advogado, com a intenção de se divorciar de mim.
— Mas como... quem lhe disse que fui consultar um advogado?
— Não importa, eu sei. Por acaso pretende negar?
— Não — murmurou.
Ela tremia e teve de ser apoiar em Craig. Através do leve tecido
de seu vestido sentiu os poderosos músculos das coxas dele
enquanto era amparada. Apoiava a mão contra o peito de Craig e sua
pele estava quente e molhada, incitando-a a acariciá-lo. O fato de
estar tão junto dele despertava desejo. Desesperada, tentou mais uma
vez livrar-se daquela proximidade perturbadora.
— Craig, me solte! — murmurou. — Oh, por favor, me solte!
— Agora não. Só quando eu conseguir o que quero de você —
ele murmurou.
Suas mãos começaram a acariciar as costas de Samantha e ele a
puxou para junto de si. De repente ela sentiu que ele abaixava o zíper
do vestido.
— Você prometeu que não faria isso — protestou, mas sem
grande convicção e não se esforçando para repelir Craig. Aquilo, de
resto, não era possível, pois o desejo circulava por suas veias como
chamas e ela queria unicamente se abandonar àqueles impulsos
selvagens que se apoderavam de todo seu ser. — Por favor! —
suplicou Samantha, erguendo a cabeça para encará-lo.
Seus lábios se abriram e seus olhos se fechavam, num convite
para que Craig a beijasse, embora tivesse a intenção de lhe pedir para
soltá-la.
— Por favor o quê? É isto que você quer que eu faça, não? — Os
lábios viris roçaram os dela, enquanto ele lhe abaixava o vestido, que
caiu a seus pés. — Só prometi não fazer o que você não quiser que eu
faça — ele murmurou com a voz rouca de desejo, contemplando
aquele corpo nu. — Eu te quero Samantha.
A seu toque os seios de Samantha pareceram desabrochar como
um botão de rosa ao calor do sol. A chama escura do desejo
consumiu as frágeis defesas que ele havia levantando contra Craig.
Abraçou-o e cravou as unhas na carne macia de seus ombros,
beijando-o com avidez.
Entregues ao calor da paixão, foram-se deitando na areia e seus
corpos se entrelaçaram. O luar se escoando pelas folhas das
palmeiras, batia naquelas peles nuas. A alguns metros de distância as
ondas se arrebentavam na praia. A areia, que não tinha sido atingida
pelo mar, ainda estava quente e se assemelhava a um leito acolhedor,
que abrigava aqueles corpos.
Craig a acariciou, procurando dominar-se, como se sentisse
dificuldade em controlar o desejo de possuí-la. Ela reagiu com mais
espontaneidade e havia também uma certa violência no modo como
o tocava. A necessidade de possuir e ser possuída era uma loucura
temporária, uma fúria deliciosa e que tudo consumia. Ambos se
beliscavam, se arranhavam, se lambiam e se mordiam, numa
tentativa desesperada de exprimir seus sentimentos. A posse foi uma
súbita explosão de sensações há muito reprimidas.
Soluçando de alívio, com as lágrimas lhe escorrendo pelo rosto,
Samantha ficou abraçada a Craig e, lentamente uma sensação
deliciosa começou a circular por seu corpo. Todas as suas tensões
afrouxaram e ela jamais sentira isso. Queria ficar para sempre com a
cabeça apoiada nos braços de Craig, sentindo os dedos dele lhe
acariciando os cabelos, ouvindo o vento soprar através das árvores.
Tantas vezes ela havia ficado assim, após fazer amor com Craig,
nos primeiros tempos de casamento... Isso fora antes de Morgana
entrar em cena e, com resultado, Samantha começou a reagir mal aos
beijos e aos toques de Craig, fechando-se em si mesma.
Não, sua relação com ele nunca fora tão boa quanto aquela
noite.
Ela jamais se sentira tão completa, como se todas as suas ânsias
tivessem sido completamente satisfeitas. Mas por que se sentia
assim?
Simplesmente pelo fato de ter-se abandonado inteiramente, sem
temer as consequências, por não ter conseguido controlar a paixão,
que pusera abaixo todas as suas barreiras.
Durante alguns momentos Samantha experimentou uma
grande liberdade de corpo e alma, como se o fato de fazer amor com
Craig a tivesse feito abandonar uma prisão à qual se condenara a
viver para sempre, desde que se havia separado dele.
Mas eles estavam juntos apenas para manter as aparências
durante alguns dias, possivelmente uma semana, e em seguida
regressaria a Londres, se quisesse. Craig não a amava como ela
desejava ser amada. Se amasse, teria pedido para ficar ao seu lado
para sempre. Agora mesmo ele a tinha usado, tratando-a como a
mulher a quem amava, mas como a um objeto sexual. Toda a alegria
e o prazer que experimentara se esgotaram, dando lugar à revolta.
Empurrando-o, Samantha sentou-se. Craig fez o mesmo e seu braço
nu encostou no dela. A jovem o repeliu, receosa de voltar a sucumbir
mais uma vez às atrações daquela pele bronzeada, com o cheiro do
mar daquelas coxas musculosas e da magia contida em seus dedos.
— O que há? — ele perguntou.
— Você se aproveitou da situação. E agora, o que vou fazer?
— Eu me apoderei daquilo que me pertence — ele disse com
um toque de arrogância, deslizando a mão pelas coxas dela. — E
também lhe dei algo — acrescentou, em um tom provocador. — Você
não pareceu se importar... E se entregou com uma liberdade de que
eu nunca presenciei. Foi bom, bom demais, e haverá muito mais, se
você quiser, mas não aqui e sim na cama. Poderemos dormir juntos.
— Não, não! — Ela se afastou, pois queria evitar a todo custo a
tentação, e levantou-se. — Não posso suportar que você me toque! —
declarou, à beira da histeria.
Samantha se vestiu às pressas e, num gesto nervoso, tentou
fechar o zíper.
— Samantha, meu amor! — Craig estava de pé e se aproximava.
— Não! — Ela pegou as sandálias e saiu correndo em direção
aos degraus.
— Samantha, volte aqui! — gritou Craig, mas ela não parou.
Estava decidida a fugir dele, temerosa do poder que aquele
homem tinha sobre sua pessoa. Subiu rapidamente os degraus,
entrou na casa e foi correndo para sua suíte. Lá chegando, foi
diretamente até o quarto de vestir, escancarou as portas dos armários
e tirou as malas e os vestidos aos soluços.
— O que você está fazendo? — Craig entrou no quarto e bateu a
porta com toda força. Ele também tinha corrido, estava ofegante.
Seus olhos fuzilavam.
— Não está vendo? — replicou Samantha, arrumando as malas
às pressas. — Vou embora!
— Agora! — ele perguntou, caminhando para perto da cama,
em cima da qual estava a mala.
— Sim, agora. Não posso fazer o que você me pediu. Não posso
ficar e fingir que está tudo bem, sobretudo se você pretende se
aproveitar da situação para fazer amor comigo. Eu me recuso a ser
tratada como um brinquedo.
— E para onde pretende ir a esta hora da noite? Para o hotel?
Naturalmente vai se encontrar com Barry? Pois saiba que não
admito! Você pertence a mim e não a ele!
— Não é verdade! — ela protestou, cometendo o engano de
encará-lo.
Teve a sensação de que suas pernas não a sustentavam ao vê-lo
queimado de sol, praticamente nu, não fosse pelo maiô, exibindo um
corpo atlético e perturbador.
— Você me pertence, sim! — insistiu Craig, avançando em
direção a ela. — Ainda usa a aliança que lhe dei e continua sendo
minha mulher, aos olhos da lei. Isso não mudou e não vai mudar, a
menos que eu decida. Você não irá a lugar nenhum hoje à noite. Vai
ficar aqui.
Movendo-se com uma agilidade que a tomou de surpresa,
Craig agarrou a mala, virou-a e todas as roupas se espalharam pelo
chão. Juntou-as, jogou-as dentro do guarda-roupa e fechou as portas.
— Você não vai sair — ele reafirmou, com arrogância.
— Mas você não pode me obrigar a ficar. Não há como me
obrigar, se eu me recusar. Posso ir sem as minhas roupas. Preciso
apenas da minha bolsa. Oh, onde será que ela está?
Samantha olhou à sua volta, um tanto confusa, e lembrando
subitamente onde tinha deixado a bolsa, abriu a porta do quarto e
saiu correndo pelo corredor.
Dirigiu-se às pressas para o vestíbulo. A bolsa não mais se
encontrava onde havia sido deixada. Sem ela não poderia partir.
Tomada de profundo desânimo, voltou lentamente para o quarto.
Não poderia passar a noite em um hotel de St. John e muitos menos
voar para a Inglaterra sem dinheiro e passaporte.
Teria de esperar até o dia seguinte, na esperança de que
Jeremiah tivesse guardado a bolsa. Agora estava cansada e
emocionalmente exausta para pensar em tomar uma atitude.
Quando ia entrar na suíte cruzou com Craig, que usava uma
elegante calça preta e um suéter cinza. Ele parou, assim que a viu.
— Como? Ainda não foi embora? — indagou, com profunda
ironia.
— E nem vou. Não consigo encontrar minha bolsa. Eu a deixei
sobre uma cadeira no vestíbulo, antes de ir para a praia, e sem ela
não tenho condições de partir. — Samantha endireitou os ombros,
levantou o queijo e o encarou fixamente. — Não tinha a intenção de
passar a noite com Lyndon, conforme você imaginou. Isso jamais
aconteceu entre nós. Nunca tivemos um caso e nem eu quero — ela
concluiu, em atitude de desafio, como se estivesse fazendo uma
declaração de guerra.
Craig, muito tenso, encarou-a com ar de suspeita durante um
momento e, aos poucos, foi relaxando.
— Está bem, acredito em você. Desculpe pelo que disse ainda
há pouco. — Ele fez uma pausa e seus olhos começaram a brilhar
novamente. — Não pedirei desculpas pelo que aconteceu na praia.
Eu a desejei e você também me desejou. Isso vem acontecendo entre
nós desde que nos encontramos no aeroporto.
— Não, não é verdade...
— É verdade, sim. Por que acha que a segui quando você foi
velejar com aqueles seus amigos? Você é minha mulher. Voltei a
encontrá-la, após dois anos de separação, e queria fazer amor com
você. É uma reação natural e primitiva, se quiser, mas não me
envergonho dela. — Craig estendeu a mão, como se quisesse tocá-la,
mas mudou de ideia. — Está bem, está bem! — disse, irritado. —
Você não precisa se afastar desse jeito. Não pretendo tocá-la
novamente. Não pode partir sem a bolsa? Espero que Jeremiah a
tenha guardado num lugar seguro. Quer que eu vá perguntar aonde
está? Creio que ele e Elena já se deitaram, mas posso bater à porta do
quarto deles, se for necessário.
— Oh, não! Por favor, não os incomode. Eu pego a bolsa de
manhã. Conforme você disse, não irei a nenhum lugar à noite, a não
ser para a cama.
— Por que não faz isso? — ele sugeriu. — O quarto será
inteiramente seu. Encontrarei outro lugar para dormir. Boa noite.
Craig se retirou e fechou a porta.
CAPÍTULO VII

Afinal de contas Samantha acabou passando a noite sozinha.


Quase não conseguiu dormir e só conciliou o sono quando o dia
nascia. Ao despertar, o sol estava alto e ela calculou que fossem umas
dez horas.
Percebeu que Craig estivera no quarto antes que ela acordasse,
pois as portas do armário estavam abertas e a calça e o suéter que ele
usava na véspera estavam jogados em cima de uma cadeira. No
banheiro o espelho ainda embaciado, devido ao calor do chuveiro, e
a toalha molhada também denunciavam sua presença.
Após tomar um banho, Samantha vestia uma bermuda branca e
uma camiseta azul-marinho. Pendurou novamente as roupas,
perguntando-se por que não as guardavas nas malas. Ainda estava
um tanto entorpecida, devido à falta de sono. Foi para o pátio e deu a
volta em torno da piscina, em direção à saleta onde era servido o café
da manhã.
O sol brilhava, no céu azul, os pássaros cantavam e a água da
piscina era um verde muito claro. Os hibiscos de cor escarlate e as
primaveras roxas e agressivas tinham sido lavadas pela água da
chuva e pareciam brilhar mais do que nunca.
A mesa estava posta, mas apenas para uma pessoa. Jeremiah
apareceu assim que Samantha entrou na sala, desejou bom dia e lhe
ofereceu bananas com creme, ovos, torradas e café.
— Você por acaso encontrou a minha bolsa, Jeremiah? — ela
indagou.
— Sim, senhora, e entreguei hoje de manhã ao sr. Craig.
— Ah, sei. Onde é que ele está agora?
— Acho que está com o sr. Clifton.
— Obrigada.
Assim que terminou de comer Samantha foi até a suíte de
Howard Clifton e bateu à porta. Carla lhe disse que entrasse.
Ela e Howard estavam sentados à mesa, tomando o café da
manhã.
Os raios do sol banhavam o quarto, mas Craig não estava ali.
— Bom dia, Samantha. Você está com boa aparência! — disse
Carla, amável e acolhedora como sempre. — Já tomou café?
— Sim, obrigada. Estou à procura de Craig. Jeremiah disse que
ele estava aqui com vocês.
— Craig saiu já pouco. Foi até a cidade. Ele não lhe disse nada?
Naturalmente fora ver Morgana, imaginou Samantha,
repelindo imediatamente essa ideia. Não tinha a menor razão para
sentir ciúme daquela mulher. Pelo menos era isso que Craig
afirmava.
— Não, ele não me disse nada. Só conseguir dormir agora de
manhã. Craig deve ter saído antes de eu acordar. Falou quando
volta?
— Na hora do almoço — disse Carla, levantando-se. — Com
licença, Howard. Preciso conversar com Elena a respeito do almoço.
Vou mandar Jeremiah tirar a mesa. — Ela se inclinou, beijou o
marido no rosto e fez menção de se retirar.
— Fique comigo, Samantha — ordenou Howard, vendo que ela
se dispunha a seguir Carla. — Vamos até o pátio. Quero conversar
com você. Descobriu onde começaram aqueles boatos?
— Descobri, sim.
Samantha entregou a bengala em que Howard sempre se
apoiava. Ele estava com melhor aparência do que na véspera e seus
olhos brilhavam. Puseram-se a andar lentamente. O ar perfumado
pelas centenas de rosas que desabrochavam nos canteiros; de longe
vinha o barulho das ondas quebrando de encontro aos rochedos.
— Fui ver Lyndon, o jornalista que o entrevistou. Perguntei
onde ouviu o boato e ele disse que tudo partiu de uma mulher que se
encontrava hospedada no hotel. Pela descrição que ele fez adivinhei
que se tratava de Morgana Taylor.
— Ah! E onde você acha que ela obteve essa informação?
— Não tenho a menor ideia — Samantha interrompeu-se, pois
não gostou do pensamento que acaba de lhe ocorrer. — A menos que
Craig tenha conversado com ela... Ontem à noite ele me disse que
sabe que eu consultei um advogado em Londres, a respeito do
divórcio, mas não tenho a menor ideia de como ele descobriu.
— Fui eu quem lhe contei — disse Howard, com rispidez.
— Quando?
— Assim que recebi a informação de Londres.
— Oh, não entendo! — disse Samantha, bastante perturbada. —
Não disse que a ninguém que iria procurar um advogado, a não ser a
Lyndon Barry. Só ontem é que ele ficou sabendo que sou casada com
Craig. Como foi que o senhor descobriu?
Tinha chegado até a grade, no fim do pátio, e Howard
contemplava a bela vista da baía. A seu lado Samantha estudava
aquele perfil de água. Era, sem dúvida, um homem muito astuto.
— Fui informado por certas pessoas de Londres, que trabalham
para a companhia e que vivem de olho em você, a partir do momento
em que decidiu se separar de Craig.
— Quer dizer que fui espionada? — ela indagou, horrorizada
com aquela declaração. — Como o senhor foi capaz de fazer uma
coisa destas?
— Chame de espionagem, se quiser — ele replicou, sem se
deixar abalar pela acusação. — Agora posso lhe dizer que Craig se
casou com você só para me desafiar. Conrad Taylor e eu há muito
discutíamos a possibilidade de fusão de nossas empresas e
pretendíamos consolidar essa fusão através do casamento de Craig
com Morgana. Conrad chegou mesmo a estabelecer o casamento com
condição essencial para essa fusão. Craig se recusou a cooperar e foi
para a Inglaterra, onde acabou se casando. Como você não é de
família rica eu fiquei desconfiado e cheguei a acreditar que se casou
com ele devido à sua riqueza e posição social. Daí a pouco mais de
um ano você voltou para a Inglaterra e insistiu em arranjar um
emprego. Achei que as minhas suspeitas se confirmavam e mandei
vigiá-la. Como lhe disse ontem, não queria que você fizesse com
Craig o que Ashley fez comigo. Assim que soube que você consultou
um advogado decidi agir.
— Como assim?
— Eu a convidei a vir para cá, após tomar providência para que
você fosse dispensada da revista. Assim não poderia usar o trabalho
como pretexto.
— Quer dizer que foi o senhor quem pressionou Marylyn
Dowell!
— Não costumo pressionar ninguém — declarou Howard
Clifton, com muita frieza. — Simplesmente dou ordens e exijo que
sejam cumpridas.
— Mas eu poderia não ter aceitado o seu convite. O que o
senhor faria, nesse caso?
— Mas você aceitou. Veio até aqui e o mesmo aconteceu com o
Craig, conforme eu esperava. Ontem você mesma disse que a
separação chegou ao fim e que não haverá mais divórcio. Fico
contente por saber que meu pequeno plano deu certo. Tive
igualmente a oportunidade de conhecê-la melhor. Minha cara,
durante sua permanência cheguei à conclusão de que não se casou
com Craig por dinheiro. Casou com ele porque o amava, não é
mesmo?
— E... como foi que o senhor descobriu?
— Ouvindo, observando e também porque, pelo visto, você não
hesitou em aceitar o meu convite. Esperava ouvir notícias de Craig e
até mesmo se encontrar com ele aqui, não?
— Sim... — murmurou Samantha.
— Começava a se ressentir dessa separação, mas não queria dar
o primeiro passo e meu filho não tomava nenhuma atitude nesse
sentido. Foi então que lhe ocorreu procurar um advogado, com a
esperança de que Craig fizesse algo. Quando lhe disse ao telefone
que você tinha ido consultar um advogado, Craig quis tomar o
primeiro avião para a Inglaterra. Sugeri, porém, que vocês se
encontrassem aqui, longe de certas influências na vida dele, sobre as
quais me falou. Meu filho me contou que sua mãe nunca o aprovou.
— Mamãe acha que Craig tem a mentalidade de um playboy no
que se refere às mulheres, e que se casou comigo apenas para...
— Para levá-la para a cama — concluiu Howard, com um brilho
matreiro no olhar. — Não o censuro. Você é uma mulher
extremamente atraente, talvez um tanto confusa, mas inteligente.
Graças a Deus não se trata de uma criatura submissa e é a mulher
ideal para Craig. Ele é um tanto inclinado a dominar as pessoas, a
fim de conseguir o que quer, e você faz muito bem em enfrentá-lo.
Agora você sabe que sou um velho intrigante, Samantha, sempre
manipulando as pessoas. Estou perdoado por espioná-la, mandar
despedi-la e convidá-la para vir até Antígua? Minhas intenções
foram as melhores possíveis.
— Sim, eu o perdoo, mas, já que foi honesto comigo, creio que
devo fazer o mesmo em relação ao senhor. Craig e eu estamos apenas
fingindo que nossa separação chegou ao fim.
— Fingindo?
— Sim. Ele me pediu para agir assim durante alguns dias.
— Por acaso ele disse por quê?
— Não, mas tive a impressão de que era para agradar ao
senhor.
— E você não fez a menor objeção em concordar com esse...
fingimento?
— Não... pelo menos eu... — Samantha interrompeu-se, dando
se conta de que, no fundo, não sabia por que tinha concordado com a
sugestão de Craig.
— Talvez você tenha resolvido que é melhor ficar com os anéis,
quando se perdem os dedos — disse Howard com o ar malicioso de
sempre. — Está absolutamente certa. E durante quanto tempo vai
durar a farsa?
— Não mais de uma semana, como disse Craig.
— E quando a semana chegar ao fim?
— Poderei voltar para Londres, se quiser.
— Se você quiser... Hum... Pelo visto, Craig é bem mais sutil do
que eu poderia imaginar. Talvez tenha aprendido alguma coisa com
o pai... É possível que você não queira voltar para Londres, não é
mesmo?
— É possível sim.
— E se você não voltar, o que acontecerá?
— Oh, não sei... Não sei! Depende do que Craig fizer! — disse
Samantha, um tanto desorientada. — Bem... com licença. Preciso
encontrar algo que não conseguir localizar ontem.
— Claro, mas espero vê-la mais tarde — disse Howard,
autoritário como sempre, enquanto voltavam para a sala. — Há
algum tempo que você não lê para mim e paramos na metade do
romance de Hemingway. Quero saber o fim e, portanto, não vá para
a praia ou para qualquer outro lugar antes de terminar a leitura.
Promete?
— Prometo, sim. Virei hoje à tarde.
Samantha foi diretamente para o quarto, certa de que Craig
devia ter posto a bolsa em algum lugar em que ela pudesse vê-la.
Não conseguiu encontrá-la, porém, e isso significa que não poderia
partir de Antígua naquele dia, ou melhor, não poderia partir
enquanto Craig não voltasse para casa e ela não lhe pedisse a bolsa
de volta.
Mas uma vez estava encurralada. Na verdade, isso não
importava tanto. Sentiu-se estranhamente aliviada, pois aquele
assunto já não lhe pertencia mais. No fundo, não queria partir.
Ficaria até o fim da semana, conforme Craig tinha pedido, e só então
tomaria uma decisão.
“É possível que você não queira voltar, não é mesmo?”, havia
sugerido Howard Clifton.
Como aquele homem era esperto e malicioso! Como a tinha
estudado bem, analisando com precisão seu comportamento! Parecia
conhecê-la melhor do que ela mesma e tinha adivinhado os motivos
que a levaram a consultar um advogado. Quando terminaram os
dois anos estipulados por Craig para a separação, ele não dera o
menor sinal de vida. Samantha, desesperada, pretendia pedir ao
advogado que entrasse em contato com ele sugerindo um divórcio,
na esperança de que ele tomasse alguma atitude. Antes que
conseguisse agir, Howard foi informado e interferiu. Foi despedida
do emprego, de acordo com as instruções dele, e recebeu o convite
para ir a Antígua. Conforme Lyndon dissera, ela havia caído numa
armadinha, aliás com toda facilidade, e voltara a se encontrar com
Craig.
Craig, por sua vez, viera porque sabia que ela estaria presente.
Aliás não fazia o menor segredo em torno do assunto. Seguira-a
através das ilhas quando ela partira com os Wallis porque queria
fazer amor com ela e pedir-lhe para fingir que a separação havia
chegado ao fim.
Samantha mordeu o lábio. Seria possível que o tivesse
entendido mal e que ele, no fundo, desejasse reatar o casamento?
Não era possível, pois Craig havia estipulado um limite de tempo,
talvez não mais do que uma semana. Em seguida ela poderia
regressar a Londres se quisesse. Não teria agido assim se quisesse
que Samantha ficasse com ele.
Mas por que Craig queria que ela fingisse? Seria apenas para
satisfazer seu pai, conforme Lyndon havia sugerido? Ou haveria
alguma outra razão? Ela não tinha como saber. Mas por acaso teria
de saber? Craig não poderia fingir que a separação acabara pelo fato
de amá-la e querê-la de volta?
Samantha vestiu um maiô, pôs uma saída de praia e saiu do
quarto. Tinha a intenção de praticar um pouco de windsurfe. O
tempo estava ótimo, o vento soprava firme e o sol esquentava. Seria
preferível aquilo a ficar sentada em casa, tentando analisar a situação
dela com Craig, imaginando o que ele estaria fazendo na cidade e se
fora ao encontro de Morgana.
Durante meia hora Samantha percorreu a pequena baía em
várias direções, praticando o windsurfe com uma habilidade cada
vez maior. Não caiu na água uma vez sequer. Refrescada pelo
exercício, guiou a prancha até sua praia favorita, pretendendo tomar
um pouco de sol antes de voltar para casa.
Aproveitou a oportunidade de estar sozinha, tirou o maiô e o
colocou sobre uma pedra para secar. Em seguida deitou-se de costa
na areia quente e fechou os olhos. A paz e a tranquilidade eram
fantásticas. O sol não estava excessivamente aquente e acariciava sua
pele, queimando as partes que não costumavam ser expostas. As
ondas batiam de leve, de encontro aos rochedos, e o vento sussurrava
por entre as folhas das palmeiras. Reinava a mais completa paz.
“Você costuma vir aqui com frequência?”
Assustada, Samantha abriu os olhos rapidamente e sentou-se,
cobrindo os seios com os braços. Olhou à sua volta, mas não viu
ninguém. A praia estava deserta e nenhuma outra prancha de
windsurfe tinha se aproximado. A seu lado não havia nenhum
homem alto, bronzeado...
Levantou-se e vestiu o maiô, pois poderia haver alguém entre
os rochedos, espionando. Voltou a deitar-se, desta vez de bruços, e
fechou os olhos, esperando sentir uma vez a paz de espírito que
aquele lugar encantado lhe proporcionava.
Sentia-se, no entanto, intranquila. Diante de si só enxergava
Craig, só ouvia sua voz, calma e profunda, zombando dela.
Descobriu que ansiava por sua presença. Gostaria realmente de ter-
lhe ouvido a voz.
Se pelo menos ele viesse, seguindo-a através da baía... Se
estivesse lá, devorando-a com o olhar, sorrindo com ar de
provocação, acariciando-a, tomando-as nos braços! Como o desejava!
Samantha apertou as mãos e gemeu, tomada por uma súbita
paixão. Não podia ficar mais lá. Tinha de voltar para casa, revê-lo,
dizer-lhe que bastava de fingimento. Queria declarar que o amava e
que deseja viver com ele para sempre. Levantou-se rapidamente e foi
correndo até a prancha. Ajeitou o mastro, empurrou a prancha para
dentro da água, subiu nela e se afastou da ilhota.
Ao chegar à praia, amaldiçoou o tempo que levaria para
carregar o equipamento até o depósito onde eram guardados. Mal
continha o desejo de rever Craig, de lhe falar, de tocá-lo e confessar o
seu amor. Vestiu a saída de praia e as sandálias e subiu os degraus
correndo. Na metade do caminho ficou sem fôlego e sentou-se num
banco de madeira.
Após se recuperar, ia continuar subindo a escada quando ouviu
o barulho de saltos altos. Uma mulher com um vestido de voil azul
vinha a seu encontro. Morgana parou diante de Samantha,
bloqueando o caminho e sorrindo com uma falsidade insuportável.
— Olá! Carla disse que talvez você estivesse na praia e resolvi
vir ao seu encontro. — Olhou para os cabelos encharcados de
Samantha e ficou muito espantada. — Mas o que andou fazendo?
Até parece que se afogou!
— Estava praticando windsurfe.
— Ah! E você é craque nisso?
— Mais ou menos. Você já tentou?
— De modo algum! Desteto esportes aquáticos. Não gosto de
me molhar.
— Exatamente como uma gata — observou Samantha e
Morgana lançou-lhe um olhar desdenhoso. — Bem, com licença.
Tenho de ir tomar um banho e trocar de roupa.
— Ainda não — disse Morgana. — Precisamos conversar e
tenho muito para lhe dizer. Onde foi que aprendeu a praticar
windsurfe?
— Foi Craig quem me ensinou, durante nossa lua-de-mel. Diga
o que precisa e então vou poder me trocar. É importante?
— Para mim, sim. Não sei por que você está insistindo tanto —
ela declarou e em seus olhos surgiu um brilho desagradável.
— Insistindo? O que você quer dizer com isso?
— Não sei por que permanece aqui. Naturalmente acha que,
com isso, Craig vai voltar com você, pois a sua presença o faz
lembrar o tempo todo que são legalmente casados. Estou muito
surpreendida com a sua atitude. Julguei que tivesse mais amor-
próprio e que não concordaria com o comportamento de Craig. Para
dizer a verdade, fiquei muito contente quando soube que você
decidiu se separar. Achei que ganhou um ponto para a causa do
feminismo, ao se recusar a ser dominada por ele. Pensei até que,
divorciando-se dele, fizesse um acordo conveniente.
— Não duvido de que você tivesse agido assim caso se
encontrasse na minha posição.
— Evidentemente! Tinha certeza absoluta de que você faria o
mesmo.
— E estava tão segura que chegou até mesmo a espalhar boatos
nesse sentido!
— De fato, falei com algumas pessoas, amigas minhas e de
Craig. Elas me perguntaram como andava o casamento de Craig,
pois sabiam que nós somos íntimos.
— Pois a sua credibilidade entre os amigos deve ter diminuído
bastante, quando Craig lhe disse que estamos juntos e que não
vamos nos divorciar — replicou Samantha, em atitude de desafio.
Descobriu, porém, que começava a tremer. Estava tão
indignada com aquela mulher que teve de enfiar as mãos nos bolsos
da saída de praia, para não esbofeteá-la.
Imediatamente a atitude de Morgana se modificou. Deu um
suspiro abafado e se aproximou de Samantha.
— Oh, minha cara! Sinto tanta pena de você! É tão ingênua, tão
fácil de conduzir! Saiba que não é páreo para um homem como
Craig. Ele é sofisticado demais para uma criatura como você.
Imagino só os argumentos que deve ter usado para convencê-la a não
se divorciar dele. Naturalmente foi encorajado pelo pai, pois Howard
não querer que você se divorcie e peça uma pensão. Ele detesta
perder dinheiro desse jeito. Não me espantaria se Howard lhe
oferecesse dinheiro para você fingir que a separação terminou. Em
outras palavras, ele não hesitaria em comprá-la.
— Pois você se engana! Ele não me comprou — disse Samantha,
cerrando os punhos com mais força ainda. Estava indignada. — Por
favor, me deixa passar — disse, mas Morgana voltou a barrar o
caminho, sorrindo, mais falsa do que nunca.
— Mas então a coisa é pior que eu pensava... — ela murmurou.
— Os dois conseguiram convencê-la... Você está cometendo um erro
terrível. Esperava que tivesse aprendido com o primeiro erro.
— Como assim?
— Eu me refiro ao fato de ter se casado com Craig. Imagino que
tenha se apaixonado por sua aparente honestidade. Isso não deixa de
ser uma tentação, sobretudo quando combina com a riqueza, com a
capacidade de praticar esportes perigosos e com a reputação de um
verdadeiro gênio das finanças. Imagino que você teve diante de si
um verdadeiro príncipe encantado, que veio resgatá-la da pobreza.
— Não é verdade! Não sou como Cinderela e nunca vivi na
pobreza.
— Mas acredito que viveria feliz para sempre com Craig após
casar-se com ele, não é mesmo? Quanta ingenuidade! Acho
inacreditável que ainda existam mulheres como você. Não sei como
pode continuar a agir assim, em face da realidade. Naturalmente
deve pensar que Craig foi fiel durante os dois anos em que esteve
separada dele. Posso lhe garantir que não e você conseguirá se
divorciar dele com a maior facilidade.
— Não quero ouvir mais uma palavra! Deixe-me passar! —
Samantha chegou a agarrar o braço de Morgana, que a encarou com
ódio e, de repente, tirou o corpo.
Desesperada, ela tentou se equilibrar, mas não conseguiu. Por
trás dela não havia nada, a não ser os degraus que levavam a outro
patamar, alguns metros abaixo. Samantha gritou e tudo girou à sua
volta; as rochas, os arbustos e árvore. Finalmente se chocou contra
alguma coisa e desmaiou.
Demorou muito tempo antes que ela recobrasse a consciência.
Quando acordou estava deitada em sua cama e sentia dores em todo
o corpo. O quarto estava quase na escuridão e ela imaginou como
teria chegado até lá. Pensar era um esforço, pois sua cabeça doía
demais, mas recordou que tinha ido praticar windsurfe e que tivera
pressa súbita de ver Craig, de lhe comunicar algo...Por acaso o teria
encontrado?
O esforço era demais e começava a sentir-se tonta novamente.
Como teria chegado até lá? Não se lembrava de ter entrado na casa.
Lembrava-se apenas de ter voltado à praia, após o que guardara a
prancha e encontrara Morgana.
A ruiva lhe havia barrado a passagem, impedindo-a de ir até a
casa, ao encontro de Craig. Morgana sempre estava entre os dois!
Atormentava-a e a empurrava, quando ela tentava passar, fazendo-a
perder o equilíbrio e cair!
— Oh, não! — Ela deu um gemido abafado e imediatamente
alguém se aproximou.
— Samantha!
Era a voz de Craig. Finalmente o encontrara! E agora, o que lhe
diria? Abriu os olhos e tentou erguer a cabeça. Uma dor aguda se
apoderou de todo o pescoço e ela gritou.
— Não se mexa. — Craig sentou-se na beira da cama, ao lado
dela. — Você não de fazer o menor movimento, até o médico vir
examiná-la. Corri um grande risco, trazendo-a para cá assim que a
encontrei. Você não sabe o que aconteceu? Como foi que caiu?
Tropeçou?
A garganta de Samantha estava seca e era difícil falar.
— Encontrei Morgana... Ela... não queria me deixar passar.
Tentei dar a volta e devo ter pedido o equilíbrio...
— Morgana?! Tem certeza de que a encontrou?
— Sim.
— Mas ela partiu de Antígua hoje de manhã! Foi o pai dela
quem me deu a notícia, quando fui vê-lo. — Craig se inclinou e
colocou a mão em sua testa. Samantha queria contradizê-lo e garantir
que Morgana estivera lá, mas as palavras não vinham. — Acho que
você deve estar com febre. Talvez esteja delirando e imagine que a
viu. O médico deve estar chegando — anunciando, se afastando.
O dr. Williams, que cuidava de Howard Clifton, era um homem
agradável e estudara na Inglaterra. Examinou-a com cuidado e
declarou que ela havia tido muita sorte por não quebrar a perna, a
bacia ou a espinha. Estava com um pulso torcido, muitas equimoses
e tinha passado por um grande choque.
— Se quiser posso providenciar para que ela seja removida para
o hospital e ser tratada lá — ele disse a Craig.
Samantha tentou falar, mas não conseguiu. Olhou para Craig
fixamente, procurando mostrar que não queria ir para o hospital e
ficar entre gente estranha. Desejava permanecer ali. Craig
compreendeu e se voltou para o médico.
— Podemos cuidar dela aqui mesmo, se a senhora disser o que
é que preciso fazer. Não é mesmo, Carla? — ele perguntou, olhando
para sua madrasta, que estava no quarto.
— Claro que sim! Ela receberá todos os cuidados necessários. —
Carla deu um passo adiante, de tal modo que Samantha pudesse vê-
la.
— Vamos tomar conta de você, querida. Não tenha medo.
Dentro de alguns dias estará nova em folha.
Passaram-se, entretanto, alguns dias antes que Samantha
voltasse a sentir-se bem. Demorou uma semana para conseguir se
mover sem muita dor, falar com desembaraço, pensar com coerência
e lembrar-se de tudo o que tinha acontecido no dia da queda.
Certa manhã Samantha acordou sentindo-se muito bem. Seus
pensamentos estavam muito claros e ela queria ver Craig. O tempo
todo, quando as noites e os dias se alternavam e ela estava sob a
influência dos calmantes e outros remédios, percebia a presença de
Craig no quarto. Ele ficava quase sempre sentado numa cadeira, ao
lado da cama. Não lhe dirigia muito a palavra, como se sentisse que
ela não queria falar. Em alguns momentos lia para ela notícia de
revistas ou jornais ou então lhe enviava recados de Howard. Havia
contato como tinha sido encontrada inconsciente nos degraus. Carla
dera por falta dela na hora do almoço e ele fora até a praia, à sua
procura.
Samantha tentou lhe falar mais uma vez a respeito de Morgana
e de como tinha certeza de que ela a empurrava. Craig prestou
atenção, mas Samantha teve a sensação de que ele não acreditava,
pois a interrompeu, insistindo para que ela descansasse e não falasse.
Tratou-a com ternura, mas também com autoridade, como se ela
fosse uma criança. Ao sair do quarto, seu lugar foi tomado pela
enfermeira que ele havia contratado para cuidar dela.
Nesse dia, no entanto, ela sentiu-se suficientemente forte para
discutir com ele e insistir que Morgana estava a seu lado quando
caíra. No momento em que Craig viesse vê-la, ela estaria vestida,
sentada numa cadeira, e provaria que não delirava e nem tinha
alucinações, devido aos remédios. Já não era mais uma inválida.
Convalescia e estava em pleno processo de recuperação. Craig teria
de acreditar no que ela ia dizer a respeito de Morgana. Esperava
igualmente que ele acreditasse nela quando lhe contasse por que
estava à sua procura, quando declarasse que o amava e que queria
pôr um ponto final naquela separação.
A enfermeira relutou em deixá-la se levantar, mas acabou
cedendo aos seus argumentos. Quando Carla entrou no quarto para
ver como ela ia, Samantha estava sentada perto da janela do pátio,
olhando os reflexos do sol sobre a água da piscina.
— Estou tão melhor! — disse a Carla. — Eu tinha de levantar.
Craig está em casa? Gostaria de falar com ele. Tenho tanto o que
dizer, agora que voltei a ficar boa!
A expressão de Carla se modificou e ela passou de alegria que
sentia ao notar a melhora de Samantha a uma declarada tristeza.
— Oh, sinto muito, querida, ele não está. Sei o quanto Craig
queria que você melhorasse! Ele passou tantas horas neste quarto ao
seu lado, quando você dormia, à sua disposição caso você acordasse
e quisesse algo.
— Ele não está? Por acaso foi a St. John? — perguntou
Samantha, tentando disfarçar seu desapontamento.
— Não. Voltou para Toronto.
— Como? O avião de Toronto só parte à noite!
— Ele viajou no voo de ontem, mas tenho certeza de que
comunicou o fato quando estava com você. Almoçaram juntos, não
se lembra?
Samantha já havia notado, aliás com bastante irritação, que
todos duvidavam de sua capacidade de se lembrar das coisas,
achando que ela sofria de amnésia como resultado da queda.
— Lembro, sim, mas ele não disse que iria viajar... — Samantha
interrompeu-se, tentando lembrar com exatidão o que Craig lhe
dissera ao deixá-la na véspera. — Ele disse que não jantaria comigo
porque não estaria presente... — murmurou, falando mais para si do
que para Carla. — Acrescentou que já havia ficado por aqui mais
tempo do que deveria.
— É verdade. Craig veio apenas por alguns dias, enquanto você
estava aqui e, após sua queda, não quis deixá-la. Agora, porém,
precisou voltar, para cuidar de alguns negócios. Ele se preocupa em
excesso. Com Howard costumava acontecer a mesma coisa. Eu nunca
sabia quando ele chegava ou quando partia. Felizmente isso acabou e
para mim é muito melhor. Acontecerá o mesmo com você um dia.
Está vendo? Craig disse que partiria.
— Disse, sim, de certo modo — reconheceu Samantha e seu
olhos se encheram subitamente de lágrimas. — Eu bem que gostaria
que ... — Ela se interrompeu mais uma vez, muito decepcionada.
— Você se levantou cedo demais, Samantha! Acha que ficou
boa da noite para o dia. Deite novamente, descanse um pouco mais e
hoje à noite poderá sair mais uma vez da cama.
Subitamente desanimada, Samantha deixou Carla levá-la para a
cama. Deitou-se obedientemente e fechou os olhos. O Fingimento
tinha chegado ao fim. Craig voltara para Toronto e já era mais
necessário prolongar aquela encenação e tentar enganar os outros. A
situação tinha se prologando um pouco mais porque ela havia caído
e se machucara. Craig achara que era dever ficar ao lado de
Samantha, até se recuperar. Tudo aquilo fazia parte da combinação.
Agora, porém ela partirá como costumava fazer, sem dizer adeus,
sem comunicar para onde ia, deixando-a livre para regressar a
Londres, se assim o desejasse.
CAPÍTULO VIII

Uma semana mais tarde Samantha voou de Antígua para


Londres, sem ter notícias de Craig. Resistiu firmemente à insistência
de Carla e Howard, que queriam a todo custo que ela prolongasse
sua permanência até se recuperar inteiramente.
Não havia ninguém à sua espera no aeroporto, o que não era
nada surpreendente, pois não tinha avisado seus amigos. Do
aeroporto telefonou para Thea Johnson, uma amiga de infância, com
quem dívida um apartamento antes de ir para Antígua. Thea estava
um tanto apressada, pois era muito cedo e se preparava para ir
trabalhar. Disse que poderia voltar para o apartamento, pois suas
coisas estavam lá e ninguém tomara os eu lugar.
— Você está com a chave, não é, Samantha?
— Sim.
— Pois então venha diretamente para cá. Nós nos veremos bem
mais tarde, pois vou sair com um amigo após o trabalho. Então
falaremos sobre a sua viagem. Aposto que está muito bronzeada!
Bem, tenho de sair. Até logo!
Carregando as malas com certa dificuldade, Samantha tomou o
metrô. Uma hora e meia mais tarde, exausta da longa viagem,
chegou ao pequeno apartamento. Estava exatamente como o havia
deixado e parecia que fazia tanto tempo... Tinha a impressão de
aquela viagem se dera há um ano, mas não fazia nem um mês que
havia partido para Antígua.
Não desfez as malas, mas se deitou e dormiu quase o dia
inteiro.
Quando acordou já era noite e, após preparar uma refeição
ligeira, telefonou para seus pais, avisando de sua volta. Não lhes
contou que estivera com Craig, pois não queria discutir com a mãe.
Quanto menos ela soubesse das complicações de seu relacionamento
com ele, melhor.
Também não disse nada a Thea, falando apenas da beleza das
ilhas que tinha percorrido, dos Wallis e de algumas outras pessoas
que conhecera.
— Isso está me parecendo um verdadeiro paraíso! — disse Thea
com um suspiro. — Talvez seja uma boa ideia eu começar a
economizar para ir até lá o ano que vem. O que pretende fazer
agora?
— Procurar um emprego.
— Não vai encontrar com facilidade, ainda mais no seu ramo.
Thea não se enganara. No final de sua primeira semana na
Inglaterra, apesar de ter feito várias entrevistas, não conseguiu
emprego.
Na sexta-feira de manhã, enquanto pensava em ir a Epping
passar o fim de semana com o pais, recebeu um telefonema.
— Aqui quem fala é Marilyn Dowell, Samantha. Como vai?
— Bem, obrigada. E você?
— Mais ou menos. Aproveitou bem a viagem a Antígua?
— Sim, mas como sabe que fui para lá?
— Alguém no escritório deve ter feito um comentário.
Samantha, você está trabalhando no momento?
— Não. Se estivesse você não me encontraria em casa numa
manhã de sexta-feira, não é mesmo?
— Imagino que não. Não gostaria de voltar a revista?
— Exercendo que função? — perguntou Samantha, com certa
cautela.
— A mesma de antes.
— O que aconteceu com os cortes por medidas de economia?
— Ah, descobrimos que não funcionaram. E então, o que me
diz, Samantha? Gostaria de começar segunda?
— Bem...tenho de pensar no assunto. Recebi outras ofertas.
Posso entrar em contato com você?
— Mas é claro! Quando quiser! Foi um prazer falar com você —
disse Marilyn. Pelo jeito não estava nem um pouco ofendida com a
recusa de Samantha e desligou.
A jovem não duvidou sequer por um momento de que Marilyn
tivesse recebido instruções de lhe oferecer um emprego. De quem
teria partido a iniciativa? De Howard ou de Craig? E por quê? Não
queria saber e não queria pensar no assunto, conforme havia dito que
faria.
Passaria o fim de semana fora e pretendia esquecer os
problemas.
Para seu grande alívio, descobriu que seus pais estavam
ocupados demais com os preparativos do batizado do primeiro neto
e não fizeram muitas perguntas sobre a viagem ou sua vida pessoal.
Logo se viu envolvida com a intensa atividade reinante na casa e
ajudou a mãe a preparar a comida que seria servida na festa. Deu um
passeio pela floresta com seu pai e os cães e foi até o supermercado
local fazer compras para sua mãe. O sábado e o domingo passaram
com tamanha rapidez que, quando tomou o metrô de volta a
Londres, lembrou-se de que não tinha contato a sua irmã Jennifer de
seu encontro com Pamela Wallis em Antígua.
Tudo aquilo agora parecia um sonho, constatou, enquanto
percorria a rua em que morava. Era como se aqueles dias
ensolarados, as águas e o céu muito azul, as praias de areias
douradas, cheias de palmeiras, não passassem de fruto de sua
imaginação. Se não tivesse estado em Antígua, velejado até outras
ilhas, se não tivesse sido seguida por Craig, regressando em sua
companhia, numa bela noite de luar, não teria agora aquelas
recordações. E estaria sofrendo pelo fato de desejar ficar com ele para
sempre.
Quando estava para abrir a porta do apartamento ouviu vozes e
som de música. Enfiou a chave na porta, mas ela foi aberta por Thea.
Seus olhos brilhavam e ela sorria para Samantha.
— Você tem uma visita do Canadá! — murmurou.
— Quem é? — Os olhos de Samantha se arregalaram e seu
coração começou a bater com força.
— Não consegue adivinhar?
— Quando foi que ele chegou?
— Hoje à tarde. Não consegui mandá-lo embora. Disse que
esperaria até você voltar.
— Mas como foi que ele descobriu o meu endereço?
— Não sei. Cabe a você decifrar este enigma!
— Não quero vê-lo — declarou Samantha, tomada de um
pânico súbito. — Por favor, diga a ele, Thea!
— Você não deve fazer uma coisa dessa. Ele não viajou
milhares de quilômetros para ouvir semelhante disparate. Veio
especialmente para vê-la e... cá entre nós, é um belo homem, não é
mesmo? Acho você uma boba se não se explicar com ele e chegar a
um entendimento.
— Mas você não entende!
— Entendo, sim! Entendo até muito bem! Vocês se amam, mas
acontece que você é orgulhosa demais para admitir esse fato.
De repente, sem que Samantha pudesse dizer como, ela estava
dentro do apartamento, muito pálida. Craig se levantou e se
aproximou.
Usava uma calça elegante de tweed e suéter marrom e creme,
mas seu modo de ser não tinha se modificado. Cheio de confiança em
si, ele avançou como uma ave de rapina que está para se lançar sobre
sua presa.
Samantha teve a impressão de que seus nervos tinham
alcançado o limite máximo de resistência. Voltou-se para fugir, mas
Thea fechou a porta.
— Thea! Por favor, fique!
— Preciso sair, meu bem. Tenho um encontro. Vou dormir fora.
Até logo!
— Thea!
Samantha quis ir correndo até a porta, mas Craig lhe barrou a
passagem.
— Você vai ficar aqui comigo — ele disse, autoritário como
sempre. — Tem que me explicar muitas coisas.
— Você também tem muitas explicações para me dar — ela
retrucou, erguendo o queixo, numa atitude petulante.
— Está bem. Vamos conversar. — Craig notou o quanto ela
estava pálida e cansada e sua expressão se suavizou. — Você parece
fatigada. Venha sentar aqui.
Ele pegou a mão de Samantha e, embora ela achasse que não
devesse corresponder ao gesto, o calor daqueles dedos era tão
reconfortante que não resistiu, deixando Craig levá-la para o sofá,
onde sentou-se rapidamente, pois suas pernas começavam a tremer.
— Você não quer comer ou beber nada? — ele perguntou.
— Já comi — respondeu Samantha, sem ter coragem de encará-
lo.
— Uma bebida até que iria bem, mas não sei o que temos em
casa.
— Cerveja e um resto de vinho do Porto, segundo me disse sua
amiga. Tenho, porém, uma garrafa de conhaque na minha sacola.
Você sabe que jamais viajo sem ela, mas tomo o conhaque para fins
puramente medicinais — disse Craig, com ar zombeteiro.
— Ou quando quer espantar o frio... — ela murmurou,
encostando-se nas almofadas e fechando os olhos.
— Ou caso precise entreter uma mulher atraente, como está
acontecendo agora.
Samantha abriu os olhos e viu Craig indo para a cozinha.
Poderia partir naquele momento, enquanto ele estava ocupado... No
entanto sentia-se cansada de fugir do amor e de suas exigências.
— Não há copos para conhaque e teremos de nos contentar com
estes — disse Craig, voltando para junto dela.
— Você pôs bebida demais! Desse jeito vou acabar ficando alta.
— E daí? Por que se preocupa tanto? Está em boa companhia!
— ele afirmou, sentando-se ao seu lado. — Se você ficar bêbada eu a
carrego para a cama. Bem, faço um brinde a nós dois. — Após tomar
um gole, Craig colocou o copo sobre a mesa. — Pode começar, se
quiser e me conte por que partiu de Antígua com tamanha pressa.
— Conforme deve estar lembrado, você sugeriu que eu poderia
voltar para Londres depois que a nossa combinação chegasse ao fim.
Como você foi para Toronto, presumi que não desejava prosseguir
com o nosso arranjo. Assim que me senti bem, decidi voltar. Você
poderia ter se manifestado antes de partir da casa de seu pai,
comunicando sua ida. Por que esse silêncio?
Craig mudou de posição, tomou mais um gole de conhaque e,
inclinando-se, apoiou os cotovelos nos joelhos. Nessa posição
Samantha conseguia distinguir-lhe apenas o perfil, o queixo
proeminente, o nariz e os cabelos muito negros, que lhe cobriam a
orelha e a nuca.
— Tive de viajar a Toronto para cuidar de negócios. Do jeito
como você se comportou, depois que fizemos amor na praia, deduzi
que não estava mais disposta a continuar com a nossa combinação.
Imaginei que não se importaria muito se eu partisse sem dizer nada.
Cheguei mesmo a ter a impressão de que você ficaria aliviada, se eu
me afastasse mais uma vez. — Ele esvaziou o copo e o pousou sobre
a mesa. — Pretendia regressar a Antígua assim que pudesse, pois
queria saber se você havia se recuperado da queda. Queria também
acabar com a nossa separação. Achei que você não estaria em
condições de fugir de novo. Pelo visto me enganei.
Fez-se uma breve pausa, durante a qual Samantha percebeu
que Craig não iria dizer mais nada, esperando que ela se
manifestasse.
— Não me senti aliviada com a sua partida. Ao contrário, fiquei
muito preocupada.
— É mesmo? Por quê?
— Porque no dia em que você partiu, comecei a me sentir muito
melhor e me lembrei do que ia lhe dizer, pouco antes de me
encontrar com a Morgana e ela me empurrar. — Samantha sentiu-se
novamente trêmula e tomou mais um pouco de conhaque. — Ah, já
ia esquecendo... Você não acredita que eu vi Morgana naquele dia,
não é mesmo? Acha que eu imaginei que estava lá e me empurrou. É
sua amiga desde os tempos da escola e não pode acreditar que ela
seja capaz de fazer algo tão desprezível.
Craig passou os dedos pelos cabelos.
— Morgana e eu não éramos tão amigos assim em nossa
infância. Na realidade eu a via raramente e só passamos a nos
encontrar com frequência quando saí da universidade e fui trabalhar
para a empresa de meu pai. Ela costumava me seguir, aparecendo
nos lugares onde eu me encontrava! E como falava! O assunto girava
sempre em torno dela mesma, da grande escritora que viria a ser. A
coisa chegou a tal ponto que eu comecei a entrar em pânico todas as
vezes em que me encontrava com ela. Agora sei com certeza que
você não estava delirando ao dizer que ela a empurrou, mas quando
você me contou o fato não pude entender que Morgana estivesse lá.
Acreditei que ela tivesse partido com aquele homem que havia
conhecido. Deve ter dado uma parada em casa, a caminho do
aeroporto. Eu a vi em Toronto, quando voltei para lá.
— Ah, sei... — disse Samantha, tensa.
— Não precisa ficar desse jeito! Não fui procurá-la. Ela é que
me procurou, assim que soube que eu estava de volta. Começou a
querer tirar informações a seu respeito, como sempre, e acabou por
se trair.
— Como assim?
— Não lhe contei exatamente o que aconteceu com você. Disse
apenas que você estava muito bem. Daí ela comentou que você
parecia estar com ótima aparência, na última vez que a viu.
Perguntei quando tinha sido. Ela respondeu que você acabava de
praticar windsurf. Daí eu perguntei como sabia que você tinha
praticado windsurfe naquele dia, já que ela havia partido de
Antígua. Nunca vi Morgana ficar tão vermelha. Aproveitei esse
constrangimento e a acusei de ter empurrado você na escada.
— E o que ela disse?
— Gaguejou, disse que foi um acidente, que você tentou
colocá-la de lado e que ela se limitou a se defender.
— E daí?
— Eu pedi a ela que nunca mais se aproximasse de nós. Se ela
insistisse, não hesitaria em acusá-la publicamente de tentar agredir
você. Ela então partiu.
Craig se levantou e foi até a cozinha, voltando com a garrafa de
conhaque. Serviu-se e voltou a sentar-se ao lado de Samantha.
— Bem, agora que nos livramos de Morgana, que tal você me
dizer o que tinha em mente, quando a encontrou na escada?
Samantha não conseguiu enfrentar o olhar dele e fitou o copo.
Subitamente o sangue começou a ferver em suas veias e ela sabia
perfeitamente que não era a bebida que provocava aquele efeito, mas
o fato de estar tão próxima daquele homem.
— Como foi que você descobriu que eu parti de Antígua? — ela
perguntou, tentando desviar o assunto.
— Meu pai me contou, quando telefonei, esperando falar com
você para dizer que voltaria logo. Ele me perguntou o que eu faria
para impedi-la de ser divorciar de mim. Desde que soube que
consultou um advogado, não pensa em outra coisa. No fundo, acha
que você é capaz de fazer comigo o que mamãe fez com ele. É uma
das razões por que a convidou a ir a Antígua.
— Eu sei. Ele me disse.
— Foi também por isso que persegui você através das ilhas. É a
mesma razão que me levou a lhe pedir para fingir que a nossa
separação tinha chegado ao fim.
— Para agradar o Howard?
— Para que ele se calasse e não pudesse dizer como devo
governar a minha vida. Para que ele não a criticasse mais, dizendo
que você é igual a minha mãe.
— E quais eram as outras razões?
— Uma delas era convencer Morgana de que ela não deveria ter
a menor esperança em desmanchar o nosso casamento. Sabia que ela
pretendia que nos casássemos, tão logo Conrad assumisse a
presidência da Empresa Clifton.
— E isso aconteceu?
— Sim. Ele e eu conseguimos convencer papai a vender suas
ações.
— E quanto à sua parte?
— Vendi antes de papai.
— Por quê?
— Porque me ofereceram um bom preço e eu queria aplicar o
dinheiro em meu negócio.
— Você tem sua própria empresa?
— Tenho, sim.
— Mas nunca me disse nada?
— Você não parecia estar especialmente interessada no que eu
fazia quando saía de casa para trabalhar.
— É que...eu imaginava que fosse para a Clifton. E qual é o seu
negócio?
— Financio produções para televisão, noticiários, filmes... O
futuro está no vídeo e nos jornais ou revista, pois, gostemos ou não,
educamos uma geração que prefere ver e ouvir a ler. O negócio está
crescendo cada vez mais e quis sair da empresa de meu pai para
poder me dedicar inteiramente a essa iniciativa. Esperava também
dispor de mais tempo para minha mulher...
Fez-se uma pausa e Samantha tomou mais um gole de
conhaque, certa de que Craig tinha mais o que dizer.
— A razão mais importante que me levou a pedir-lhe para
fingir que estávamos bem é que achava que isso acabaria
acontecendo. Fui muito otimista. Quando é que você pretende iniciar
o processo de divórcio?
As mãos de Samantha se puseram a tremer e ela derramou a
bebida na saia.
— Não pretendo — disse, perturbada.
— Você disse que não pretende? — ele murmurou, sentando-se
mais perto dela. Aquele perfume tão familiar a envolveu.
— Nunca tive a intenção de me divorciar de você — ela
declarou, cruzando as mãos sobre o joelho, para se impedir de tocar
o rosto de Craig, desmanchar as rugas que tinham surgido
recentemente em sua pele morena, criadas por um autocontrole
exagerado e, possivelmente, pelo sofrimento.
— Mas então por que foi consultar o advogado?
— Fui pedir a ele para lhe escrever, sugerindo que nos
encontrássemos e discutíssemos a possibilidade de um divórcio. Oh,
eu simplesmente não sabia o que fazer! Os dois anos tinham chegado
ao fim e você se manteve silencioso e distante o tempo todo. Eu tinha
de fazer algo para chamar a sua atenção e lembrar que eu ainda
existia, pois você parecia ter esquecido.
— Não esqueci de modo algum! Fiz o possível para que isso
acontecesse, me entregando aos negócios, trabalhando demais,
viajando...
— Saindo com Morgana... — ela interrompeu, num súbito
ataque de ciúme.
— Não, isso nunca.
— Mas saiu com outras mulheres. Ela me contou que você não
foi fiel.
— Ela estava apenas tentando armar confusão, como sempre. E
você, como sempre, acreditou nela.
— Você então nega que existiram outras mulheres?
— Saí com algumas mulheres, sim, mas não foi nada sério. Elas
não eram importantes. Fui fiel a você, à minha maneira. Agora não
venha me dizer que não saiu com outro homem durante esse tempo
todo, porque sei que não é verdade. Conheço, por exemplo, Lyndon
Barry.
— Mas já lhe disse que não o amo e não dormi com ele.
Os lábios de Samantha começavam a tremer. Queria se jogar
nos braços de Craig e lhe dizer que não desejava mais discutir. Algo,
porém, a impedia.
— Eu também não queria nada com outras mulheres — ele
declarou, com uma ponta de cinismo. — Devo reconhecer, porém,
que não foi nada fácil ser fiel...
Samantha, num gesto impulsivo, levantou-se e Craig fez o
mesmo, olhando-a com preocupação.
— Pois então não resta mais nada a dizer — ela declarou,
dando-lhe as costas. — Agora vá embora, por favor, e me deixe
sozinha.
— Não! — Craig agarrou-a pelo pulso, obrigando-a a encará-lo.
— Não vou me retirar e nem deixá-la sozinha. Fiz isso há dois anos.
Cedi aos seus desejos. Deixei você em Londres para fazer o que bem
queria. Concordei com a opinião de sua mãe, quando ela disse que
você era jovem demais para tomar uma decisão madura. Mas
precipitei o casamento.
— Só para desafiar seu pai — declarou Samantha,
interrompendo-o. — No fundo, ele queria que você se casasse com
Morgana. Já tinha combinado tudo com Conrad Taylor. Foi ele
mesmo quem me conto.
Samantha não prosseguiu, subitamente receosa da expressão do
olhar de Craig. Ele a encarava como se quisesse agredi-la.
— Casei com você porque me apaixonei e por nenhuma outra
razão! — ele gritou. — Não importa o que meu pai ou sua mãe
tenham dito a meu respeito.
— Você não precisa gritar!
— Pelo jeito preciso, sim, pois você não quer me ouvir! Ou
então você me ouve, sim, mas não acredita em mim. Prefere acreditar
no que sua mãe diz. Acreditou mais em Morgana do que em mim.
Desconhece o significado profundo do amor ou do casamento, pois
só pensa em si mesma.
Craig pegou o copo, bebeu o que restava e o colocou com
violência sobre a mesa. Reduzida ao mais absoluto silêncio diante
das críticas que lhe fazia, Samantha só conseguia encará-lo, sem
perceber o quanto sua expressão revelava a angústia que ela sentia
naquele momento. Craig a encarou com tristeza e deu um passo em
direção dela.
— Ouça pelo menos uma vez. Eu me apaixonei pela primeira
vez na vida quando conheci você, mas só fui perceber isso ao partir
de Londres e voltar para o Canadá. Regressei logo que pude e pedi
você em casamento.
Craig pegou-lhe os braços como se, ao tocá-la, conseguisse
convencê-la. Samantha suspirou. Finalmente Craig dizia que ela
sempre quisera ouvir, algo que um dia acreditara ser verdade!
Naquele momento ele declarava que havia se casado porque se
apaixonara por ela.
— Você está me ouvindo, Samantha? — ele indagou, puxando-a
para si com muita suavidade.
— Estou ouvindo, sim. Oh, por que você não me disse antes?
— Imaginei que você soubesse. Nunca fui de falar muito a
respeito dos meus sentimentos. Prefiro agir a falar. Quando casei
com você obedeci aos impulsos do meu coração. Fiz aquilo que os
meus instintos diziam ser bom para mim. Acredito que você tenha
feito o mesmo.
— Sim...penso que sim.
— O primeiro ano do nosso casamento foi esplêndido ou pelo
menos me apareceu assim. Então você começou a mudar, a dar
ouvidos ao que as outras pessoas diziam ao meu respeito, em vez de
ouvir seu próprio coração. E ...precisei deixá-la partir. Tive de deixá-
la aqui em Londres, pois você disse que era isso que queria. — Craig
chegou ainda mais perto dela. — Não pretendo repetir o meu
comportamento. Não vou deixá-la nunca mais. Se fizesse isso, você
fugiria, como fugiu de Antígua. Vou ficar e antes que esta noite
chegue ao fim você vai confessar que quer a nossa separação termine,
tanto quanto eu!
Craig a beijou como tanto ardor que Samantha sentiu seus
lábios queimarem. Não tinha a menor defesa. O desejo se apoderou
dela e exigia satisfação.
— Mas por que você não veio antes? — ela murmurou, quase
sem fôlego. — Se queria acabar com nossa separação, por que não
veio quando os dois anos terminaram?
— Porque estava à espera de notícias suas. Achava que o
primeiro passo deveria ser dado por você. E foi o que aconteceu, mas
não exatamente como eu esperava. A inciativa partiu do meu pai. Ele
me contou da sua visita ao advogado. Eu já estava decidido a vir até
aqui quando ele sugeriu um encontro em Antígua. Foi o que fizemos
e eu comecei a perseguir a minha esposa fugitiva. Espero que a
perseguição tenha chegado ao fim. Tenho razão ou não?
Ele acariciou-lhe suavemente o rosto, olhando-a o tempo todo
com uma expressão de desejo.
— Sim — murmurou Samantha. — Eu ia pôr um ponto final na
nossa separação... quando me encontrei com a Morgana nos degraus.
Pretendia falar-lhe assim que melhorei, mas.... você tinha ido embora
e achei que não me amava mais.
— Amava sim, e te amo mais do que tudo — ele declarou com
voz carregada de paixão. — Quer que eu seja novamente seu amante
e seu marido, Samantha?
— Quero, sim!
Todas as dúvidas e suspeitas que a atormentavam se
dissiparam diante daquela declaração de amor e ela agiu obedecendo
a seus instintos. Seguiu os impulsos do coração e o beijou se
abandonando sem a menor reserva nos braços dele.

Bem mais tarde, enquanto estavam deitados na cama de


Samantha, onde haviam feito amor, ela lhe fez uma pergunta:
— Onde iremos morar?
— Onde você quiser — declarou Craig, cheio de generosidade,
entrelaçando as pernas com as dela.
— Na casa perto de Toronto? — ela perguntou, roçando o rosto
de encontro a seu peito peludo.
— Não. Podemos morar aqui em Londres. Vendi a casa.
— Você vendeu aquela casa tão bonita? Por quê?
— Em primeiro lugar, porque você disse que a detestava. Em
segundo lugar, porque recebi por ela uma oferta que não tinha
condições de recusar.
— Ah, é só nisso que você pensa? Comprar, vender e lucrar?
— Não, nem sempre. Com frequência penso em você e no
quanto gosto de fazer amor ou estar juntinho da minha mulher. Não,
não se afaste. Gosto que fique aqui, inclinada sobre mim, porque
posso fazer o que quero. — Beijou-a delicadamente nos seios. — Não
está contente por eu ter vindo?
— Sim — ela gemeu e as sensações mais deliciosa se
apoderaram dela.
— Você me ama? — Ele perguntou e mais uma vez seus lábios
lhe queimaram a pele, como um rastro de fogo.
Samantha voltou a gemer, diante daquela adorável tortura.
— Eu te amo! Eu te amo demais! — Ela suspirou.
— Pois então prove... — ele desafiou.
Foi o que ela fez. Acariciou Craig até que ele, incapaz de resistir
por mais tempo, a possuiu novamente, envolvendo-a numa onda de
ternura.
Na manhã seguinte, enquanto tomavam café, Craig sugeriu que
poderiam passar quatro meses do ano morando em Antígua e
velejando por entre as ilhas; quatro meses no Canadá e quatro na
Inglaterra.
— Mas precisamos ser multimilionários para fazer isso!
— Mas somos ricos. Quando meu pai morrer vou ser ainda
mais rico. O que me diz disto? Inverno no Caribe, primavera na
Inglaterra, verão e começo do outono no Canadá? Minha mãe disse
certa vez que é a melhor maneira de aproveitar o que esses países
têm a oferecer e me sinto inclinado a concordar com ela. Como já
estamos quase na primavera, podemos começar ainda hoje a
procurar um lugar para comprar. O que lhe parece?
— Concordo inteiramente! Eu te amo, Craig!
— Acho que é um amor um tanto esquisito... — ele disse,
provocando-a. — Você só me ama quando faço algo que lhe agrada
ou quando a deixo agir como quer. Ainda deseja prosseguir na sua
carreira?
— Ah, já ia me esquecendo! Devo telefonar para Marilyn
Dowell! — ela exclamou, correndo em direção ao telefone.
— Por quê?
— Ela me procurou na sexta-feira e perguntou se eu gostaria de
voltar a trabalhar na revista.
— Mas você não tem necessidade de lhe telefonar.
— Mas eu me comprometi! Acho que você não está querendo
que eu aceite o emprego — ela o acusou, colando o telefone no
gancho.
— Não há uma oferta de trabalho para você na revista. Marilyn
lançou mão desse truque como desculpa para localizar você neste
endereço.
— Mas por que ela fez isso?
— Fui eu quem pediu. Telefonei de Toronto na sexta-feira e lhe
pedi que verificasse se você se encontrava em Londres. Ela me ligou
assim que falou com você e eu reservei uma passagem
imediatamente. Precisava ter certeza de que você se encontrava aqui
antes de começar a persegui-la novamente... Você se importa muito
se não for possível um emprego na revista? Se quiser de fato voltar
para lá, tenho certeza que posso conseguir alguma coisa, embora ela
já não mais pertença à Clifton.
Samantha estudou o rosto de Craig, imaginando se havia
sinceridade no que ele dizia.
— Você está falando sério? Não fará objeções se eu voltar a
trabalhar?
— Não gostaria, mas também não impediria. Aprendi que a
gente deve viver a vida da maneira que bem entender. Você tem de
resolver por si mesma se ainda quer seguir carreira. Vai aceitar o
emprego?
— Creio que não. Para dizer a verdade, não sei. Estava com
medo de que Howard tivesse feito pressão sobre Marilyn para ela me
aceitar de volta, da mesma forma que a pressionou para me
despedir. Não queria dever nenhuma obrigação a seu pai. E agora...
não quero dever nenhuma obrigação a você. A resposta é não. Não
quero que você tente me arranjar uma colocação na revista. Não
quero que pressione Marilyn Dowell por minha causa. — Samantha
notou um brilho irônico no olhar de Craig. — Oh, você é tão mal
quanto Howard... Vive me espionando!
— Vivo perseguindo você, amando você! Só agi assim porque te
amo, porque me preocupo com você. Cheguei até mesmo a deixá-la
sozinha durante dois anos porque senti que você precisava de um
tempo para poder enxergar o nosso casamento e o nosso afeto sob
uma perspectiva melhor. Sabia que a tinha levado a uma atitude
precipitada. Eu tive de agir assim porque sentia medo de perdê-la. O
que mais posso dizer, a fim de convencê-la de que para mim você é
mais importante do que qualquer pessoa neste mundo? Está
entendendo o que digo, meu amor?
— Estou tentando — ela murmurou, emocionada diante da
profundidade e da força dos sentimentos de Craig. Beijou-o,
sabendo, no fundo do coração, que nunca mais fugiria daquele amor.

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