Samantha Clifton deixou o Cadillac de seu sogro, Howard
Clifton, no estacionamento do aeroporto de Antígua, desceu, fechou a porta e foi em direção à sala de espera. O sol estava mais forte do que nunca e as palmeiras se agitavam ao vento. Carregadores, guias turísticos, choferes e viajantes lotavam o aeroporto e formavam uma pequena multidão colorida e barulhenta. O avião das Linhas Aéreas Canadenses, vindo de Toronto, tinha acabado de chegar trazendo muitos turistas que procuravam fugir do rigoroso inverno, a fim de passar uma ou duas semanas nas praias daquele paraíso tropical. Samantha se aproximou da multidão com certa relutância. Não queria ter vindo ao encontro da pessoa que estava para chegar. Chegara mesmo a permanecer o máximo possível em St. John, a capital da ilha, onde passara a manhã fazendo compras. Após o almoço tivera a ideia de não comparecer ao aeroporto e ir para outro lado da ilha, onde ficaria a tarde inteira em uma das belas praias. Fingiria que havia se esquecido de ir ao aeroporto. Sem conseguir ver a pessoa que tinha ido encontrar, foi até um dos terminais e olhou à sua volta. Lá ainda se encontravam alguns turistas, cobertos de suor pois usavam roupas quentes demais para aquele clima. Todos esperavam sua bagagem, mas ela não conseguiu ver Craig em nenhum lugar. Quem sabe ele houvesse desistido... Talvez negócios urgentes o tivessem impedido de deixar sua sala no Edifício Clifton, em Toronto. Samantha olhou à sua volta, sem pressa, esperando não vê-lo; ao mesmo tempo desejava o contrário. Censurava-se por ter emoções tão contraditórias. Craig, porém, sempre exercia aquele efeito sobre ela. O relacionamento deles era uma estranha mistura de amor e ódio. — Está me procurando? — alguém perguntou atrás dela. Samantha ficou tensa e um arrepio percorreu-lhe a espinha. Voltou-se lentamente e olhou para o homem quem lhe dirigira a palavra. Tinha olhos cinzentos e duros, sobrancelhas espessas e um rosto rígido, queimado do sol. Ela sentiu voltar a velha antipatia de sempre por aquele homem: Craig Clifton, seu marido. Era um sentimento imediatamente superado pelo prazer de vê-lo novamente. Tratava-se de algo perigoso e perturbador, de uma reação puramente sensual à presença dele. — Você está atrasada — ele disse com frieza, sem qualquer demonstração de estar contente ou não em vê-la. — O avião chegou mais cedo do que estava anunciado — ela replicou, sacudindo a cabeça, como se quisesse espantar a sensação de prazer. Seus cabelos ruivos longos batiam pelos ombros muito queimados de sol. — Você tem muita bagagem? Quer que eu traga o carro até a porta? — Não, trouxe apenas esta mala. Posso levá-la até o carro. Samantha entrou no estacionamento e, enquanto Craig acomodava suas coisas no banco de trás do carro, ligou o motor. Ele tirou o paletó e a gravata, coloco-os em cima da mala e sentou-se ao lado dela. Saindo do aeroporto, seguiram por uma estrada cheia de curvas. Num determinado ponto Samantha virou à esquerda, afastando-se da capital da Ilha. Percorreram vários quilômetros e deixaram para trás os pastos verdejantes de uma grande fazenda antes que um deles falassem. De repente os dois abriram a boca ao mesmo tempo, como se não conseguisse mais suportar a tensão que pairava entre eles. — Há quanto tempo você está aqui? — perguntou Craig. — Por que você não veio antes? — ela indagou. Ele riu baixinho, de forma irônica e voltou-se para olhá-la. Samantha o encarou rapidamente e voltou a sentir aquela excitação perigosa. Espera não experimentar a menor emoção, após dois anos de separação. Julgava que tinha superado o amor que sentia por aquele homem. — Ainda estamos agindo da mesma forma — ele murmurou, sentando-se mais perto e apoiando o braço no banco onde Samantha estava. — Como assim? — Ela perguntou, endireitando-se, a fim de evitar qualquer contato. — Pensando as mesmas coisas e falando juntos, mesmo estando distante há algum tempo. Que bom ver você novamente, Samantha... Ela não disse nada porque se aproximavam de uma aldeia. As casas eram de madeira e todas tinham uma acolhedora varanda na frente. As trepadeiras subiam pelas cercas e nos jardins cresciam palmeiras e bananeiras. A rua principal era estreita e cheia de curvas. Samantha diminuiu a marcha, para evitar algumas crianças sorridentes que paravam de propósito no meio da rua. Tinha a pele reluzente e cor de chocolate e pareciam divertir-se muito com a brincadeira. — Estou há quase uma semana — ela disse, respondendo às perguntas de Craig. — É mesmo? Por que veio? Samantha olhou-o, também surpreendida. Aquela reação seria sincera? — Vim porque Carla me escreveu, dizendo que Howard estava muito doente e queria me ver. — E ela não lhe disse que tinha escrito também para mim, contado a mesma coisa? — perguntou Craig. Ele acariciou lentamente os ombros nus de Samantha e enterrou os dedos em seus cabelos. Dominando-se o quanto podia, ela procurou não reagir àquela atitude provocante e manteve o olhar fixo na estrada. — Ignorava o fato até esta manhã, quando Carla me pediu para ir pegá-lo no aeroporto. Só então me contou que tinha solicitado a sua presença por causa de Howard, mas você disse que só viria depois de concluir alguns negócios. É bem característico de você, pôr os negócios em primeiro plano. Nem se importa com os sentimentos de seu pai. Aquele comentário causou o efeito que Samantha pretendia. Ele parou de acariciar-lhe os cabelos e se afastou. Sabia, porém, que Craig ainda olhava para ela. Conseguiu sentir aquele olhar frio e observador, que não perdia o menor detalhe de seu rosto, de seus cabelos, de sua roupa. Eram olhos astutos, acostumados a enfrentar oposições e competição. — E o que você me diz da sua atitude? — ele perguntou, provocando-a. — Por que deixou esse emprego tão absorvente e veio até aqui visitar seu sogro? Não tinha percebido até agora que gostava tanto de Howard. O que espera ganhar com isso? Quer ser beneficiada no testamento dele? “Não posso deixar que ele me descontrole! E me faz ficar zangada!”, pensou Samantha. — Gosto muito de Howard e de Carla — ela disse, como muita calma — Eles têm sido muito bons amigos comigo — Subitamente a emoção surgiu em sua voz. — Vim porque ele está muito doente ... Você não sabia? Seu pai está morrendo! — Sim, eu sei. — Não podia me recusar a vir. Não podia deixar de atender aos desejos de um moribundo, embora você talvez o consiga. O silêncio voltou a reinar entre eles, enquanto passavam pela aldeia de Liberta, deixando para trás a Igreja de São Bernabé. Tinha um século e era construída com um tipo de pedra verde muito comum em Antígua. Era uma atração turística e erguia-se numa curva da rua principal da aldeia. Samantha guiava com muito cuidado. A estrada agora passava por entre colinas verdes, cobertas de vegetação espessa. Vários tipos diferentes de palmeiras se misturavam com quaresmeiras e eucaliptos, bem como diversas qualidades de arbustos. — E o seu emprego? — perguntou Craig, ignorando de propósito a irritação de Samantha. Ela voltou a olhá-lo. Craig se apoiava de encontro à porta do carro, e que não deixava de ser perigoso. — Pedi demissão há algumas semanas... — ela revelou, sempre olhando em frente. — Então, está desempregada? — No momento, sim — ela disse, com a esperança secreta de que Craig não lhe perguntasse por que tinha deixado a seção editorial da revista feminina onde trabalhava. Não queria de modo algum que ele descobrisse que havia mentido. Na verdade, fora solicitada a pedir demissão, quando os proprietários da revista decidiram fazer um corte de pessoal devido à situação econômica. Seu cargo havia sido considerado desnecessário. O silêncio pairou, mas uma vez. O sol batia em cheio no carro e felizmente o ar-condicionado funcionava. A estrada cortava a aldeia de Falmouth e, por trás das casas, via-se a baía de águas azuis e praias douradas. Á esquerda erguia-se a escola, cinzenta e desolada. Samantha diminuiu a marcha, seguindo por uma estrada estreita e um tanto esburacada. Numerosas cabras que pastavam pelos campos pararam, ao ver o automóvel. — Por que não tocou no dinheiro que enviei para o seu banco? — perguntou Craig, com aquela franqueza que era sua marca. — Porque não quis. Prefiro ser independente de você. — Sua voz se alterou um pouco. — Por que continua a me enviar dinheiro? — Porque você ainda é minha mulher. — Você poderia ter se divorciado de mim — ela disse com os lábios trêmulos, embora fizesse o possível para mantê-los firmes. — Por que não se divorciou? — E por que haveria de me divorciar? Você não me deu a menor razão para isso. — Eu o abandonei. Não é uma razão suficiente? — ela perguntou em voz baixa, voltando a agarrar com força a direção. — Segundo meu modo de pensar, não. Creio ter compreendido por que você partiu. Queria se afastar durante algum tempo, ficar sozinha, descobrir o que desejava da vida e a separação não pareceu uma boa ideia. Eu, no entanto, sempre achei que um dia vamos voltar a nos dar bem, quando você se tornar uma mulher adulta e parar de se comportar como uma criança mimada. Samantha viu tudo vermelho pela frente. Craig se mantinha sempre tão calmo e arrogante! Sempre parecia ter razão, dando a impressão de que ela era a culpada de tudo. — Não sou uma criança mimada! — ela retrucou, indignada, lançando-lhe um olhar furioso. — Ei, cuidado! Está indo depressa demais! Diminua a velocidade, senão vamos acabar batendo! Craig agarrou na direção, voltando-a com violência para a direita e o carro quase saiu da estrada. — Tire o pé da embreagem — disse ele, enquanto o carro percorria o acostamento. — Eu disse para tirar o pé e não para acelerar ainda mais, sua idiota! — berrou Craig. Suas palavras penetram finalmente no cérebro de Samantha e só então ela percebeu que o carro descia uma ladeira a toda velocidade. — Breque, breque! — gritou ele, e ela afundou o pedal. Os pneus rangeram e o carro parou a pouquíssima distância do tronco de uma árvore. — Por que você fez isso Craig? Por que virou a direção? — Porque você parecia um morcego e ia cair num dos maiores buracos que já vi. Poderia ter destruído o carro, isso para não falar do que aconteceria conosco. Não estava olhando para onde ia e precisei agir. Você ainda tem um temperamento dos diabos, Samantha! — A culpa foi toda sua. Fiquei zangada, porque eu não sou uma criança mimada. Você sempre me enfureceu. Foi por isso que o abandonei. — A reação diante do que tinha acontecido se manifestou e Samantha começou a tremer. Cobriu o rosto com as mãos e choro. — Por que você veio para cá? Preferia que não viesse! Se soubesse disso, teria partido antes de sua chegada. Seria preferível que Carla tivesse me avisado ontem e eu sairia da sua casa. Gostaria que ela não me pedisse para encontrá-lo. Vai ser horrível estar com você aqui! Não posso suportar estar junto de você. Tenho de ir embora! Samantha falava sem parar, com a maior incoerência, mas acabou parando por falta de ar. O silêncio que se seguiu era interrompido unicamente pelo trinado dos pequenos pássaros amarelos que saltavam de galho em galho, na mata. Samantha cobriu o rosto para disfarçar a violência de suas emoções. No entanto, mantinha-se alerta, à espera de que Craig lhe disse algo. Craig se mexeu, mas agiu ao contrário do que ela esperava. Abriu a porta do carro e desceu. Despeitada pelo fato de ele não ter dado nenhuma resposta a seu protesto, Samantha tirou as mãos do rosto e olhou a sua volta. Com as mãos enfiadas nos bolsos de sua elegante calça cinza, Craig examinava a posição do carro. Não parecia nem um pouco afetado diante de tudo o que ela havia dito. Estava muito mais interessado no carro do que nela. Samantha ficou ainda mais indignada. — Vamos precisar de sua ajuda para sair dessa situação — ele disse com toda calma, encarando-a. — Parece que está vindo um carro, descendo o morro. Peça ao motorista que pare, por favor. — Você que pare o carro! — Vamos, Sam. Sabe muito bem que é mais fácil a pessoa parar vendo você do que um tipo como eu. — E se for uma mulher? — Samantha perguntou, em atitude de desafio. — Ela vai parar para ajudar outra mulher que se encontra numa situação difícil — disse Craig, sorrindo, o que lhe atenuava um pouco a rigidez da expressão. Ele deu a volta e abriu a porta. — Vá para a beira da estrada, antes que o carro passe por nós — acrescentou, ajudando-a a descer. — Está bem — disse ela com má vontade, recusando a mão que ele lhe estendia. Estava decidida a evitar qualquer contato físico com Craig. Percebeu então que não se arriscava nesse sentido. Estava longe dele há muito tempo, sem fazer amor, e não tinha a menor certeza de que conseguiria se comportar de forma racional. Samantha foi até a beira da estrada no exato momento em que o veículo chegava ao fim do morro. Acenando, correu até a estrada e o carro, que, aliás, era um taxi, freou bem junto dela. O chofer olhou para Samantha com uma expressão de surpresa em seus olhos castanhos. — Por favor, pode nos ajudar? — Ela pediu. — Tivemos de sair da estrada para evitar um buraco e agora o carro ficou preso. Será que pode nos ajudar a empurrá-lo para a estrada? — Sem dúvida, senhorita! — o chofer disse, sorrindo. — Não é verdade? — ele acrescentou, voltando-se para o outro rapaz sentado a seu lado. Os dois eram muitos jovens, fortes e deviam trabalhar no hotel do governo, situado na região. Certamente voltavam para casa, depois de cumpridas suas tarefas. — Onde está o carro? Logo o Cadillac estava novamente na estrada e o táxi se afastou rapidamente, deixando para trás de si uma nuvem de poeira. — Daqui por diante quem dirige sou eu — disse Craig. Samantha não discutiu, pois não gostava de dirigir naquela estrada. Era cheia de obstáculo e a deixava muito tensa. Sentou-se ao lado de Craig, fechou a porta e partiram. Não conversaram durante o resto do caminho. Craig se encontrava na direção, procurando evitar os buracos e os veículos que vinham em sentido contrário. Samantha contemplava a paisagem. Os campos verdejantes se estendiam até as colinas distantes. No céu muito azul algumas nuvens passavam, navegando como caravelas. A estrada se desviou para esquerda e lá estava o mar, ainda mais azul do que o céu. As ondas vinham morrer nas praias douradas e a água era de uma transparência incrível. Faltavam poucos quilômetros para chegarem à residência dos Clifton. Howard a construíra nos dez alqueires de terra adquiridos havia trinta anos, quando descobriu a linda ilha de Antígua em meios às águas azuis do Caribe. Aquele lugar se tornava cada vez mais um refúgio de milionários nos trópicos. Howard ainda era riquíssimo, mas não tinha boa saúde e fora viver permanentemente com sua segunda mulher, Carla, no bangalô, construído no rochedo, do qual avistava uma baía muito bonita. Era presidente da companhia e ainda tinha grandes interesses nos negócios que eram feitos em todo o mundo. No entanto, a supervisão de tudo cabia a Craig, seu filho mais velho, o único nascido do primeiro casamento com Ashley Colter, filha de um aristocrata inglês empobrecido, que conhecera ao visitar Antígua pela primeira vez. Fazia alguns anos que divorciara dela, após um processo demorado e cheio de incidentes desagradáveis. Samantha olhou para Craig. Ele não havia mudado muito. Era oito anos mais velho do que ela e tinha agora trinta e três anos. Seu queixo ainda era firme, os cabelos continuavam negros e o corpo permanecia atlético. A pele continuava queimada de sol, embora ele tivesse acabado de chegar do Canadá, mergulhado em pleno inverno. De acordo com a mãe de Craig — a bela e despreocupada Ashley — a cor morena se devia à possibilidade da existência de sangue índio na família Clifton. — O primeiro Clifton a ir para o Canadá era um explorador e aventureiro. Ao que se sabe uniu-se à filha de um chefe índio. E por isso que a pele deles tem essa cor de cobre. Talvez isso explique o fato de serem tão calados e introvertidos — Ashley riu. — Para falar a verdade, Howard é arredio demais para o meu gosto. Jamais conseguir descobrir o que o entusiasmava, a não ser o fato de ganhar milhões de dólares. Espero que você tenha mais sorte com Craig do que eu tive com o pai dele, minha querida. Lembre-se de que meu filho carrega algo de mim nele. Ele gosta de viver, rir e amar. Tinha sido difícil acreditar no que Ashley dissera a respeito de Craig nas primeiras semanas de casamento. A lua-de-mel fora passada num iate pertencente ao pai dele e visitaram as ilhas Bahamas. Craig se mostrou alegre e amoro, gentil e cortês, lhe ensinando muitas coisas; como manejar um barco a vela, como mergulhar no mar à procura de conchas e como fazer amor... De repente Samantha sentiu um aperto no coração. Não queria recordar a lua-de-mel. Sempre sofria ao lembrar os dias luminosos, passados nas ilhas verdejantes e desertas, de praias douradas, e marcados pelo amor que sentia por aquele homem agora sentado ao seu lado. Já se haviam passado quase quatro anos desde que o conhecera, em Londres. Nessa época acabara de completar vinte e um anos e estava muito contente e entusiasmada com seu emprego. Trabalhava numa editora que publicava não apenas jornal, mas várias revistas, inclusive uma dirigida especificadamente ao público feminino. Exercia suas funções no departamento de publicidade da revista feminina, cuidando dos anúncios. Procurava aprender tudo o que podia a respeito da produção de uma revista, pois tinha a ambição de um vir a ser a editora-chefe. Jovem e entusiasmada, cheia de ideias feministas que tinham sido incutidos por sua mãe, uma mulher muito politizada. Samantha era o mesmo tempo um pouco ingênua e ignorante das escusas manobras de bastidores que levavam as grandes companhias a engolir as pequenas. Nunca tinha ouvido falar da Empresa Clifton, uma companhia canadense proprietária de uma cadeia de jornais na Austrália e no Canadá, e que procurava meios de adquirir um jornal inglês. Quando lhe solicitaram para acompanhar um homem chamado Craig Clifton até as salas onde era produzida a revista feminina, Samantha não tinha a menor ideia de que era o herdeiro de uma empresa que faturava milhões. Agora se lembrava de que havia gostado dele assim que o vira. Apreciou o fato de ele tratá-la em pé de igualdade e de lhe fazer perguntas inteligentes a respeito da revista. Craig ouvia suas respostas com atenção, sem deixar de fitá-la sequer por um momento com aqueles olhos cinzentos e observadores. Depois que se despediram, Samantha não pensava em revê-lo e ficou sinceramente surpreendida quando ele voltou no dia seguinte ao departamento de publicidade convidando-a para ir ao teatro naquela mesma noite. Ela aceitou, muito contente, pois se tratava do musical Evita, que desejava muito ver mais para o qual não tinha conseguido entradas até aquele momento. Nas semanas seguintes os dois se encontraram muitas vezes. Descobriram que tinham muitos interesses em comum e apreciavam a companhia um do outro. Em nenhum momento Craig falou de seu relacionamento com Howard Clifton, o milionário dono de jornais ou porque se encontrava na Inglaterra. Disse apenas que era do Canadá, morava e vivia em Toronto e estava na Inglaterra a fim de representar a empresa em que trabalhava. De repente Craig desapareceu de sua vida tão abruptamente como tinha surgido, sem comunicar que ia embora e sem dizer se voltaria. Samantha ficou magoada e surpreendida consigo mesma, pois sempre havia se considerado muito liberada em suas atitudes com o sexo oposto. Não era de seu feitio apaixonar-se por um homem que o conhecesse há pouco tempo. Aquela havia sido a pior primavera de sua vida, pois lutara para esquecê-lo e tinha fracassado. Seus dias e noites eram invadidos pela lembrança de Craig e seus beijos. Então na noite de uma sexta- feira de junho, quando deixava o escritório, ele surgiu diante dela, como se nunca tivesse partido. Ignorando as duas pessoas que a acompanhavam, beijou-a na boca e lhe fez aquela proposta absolutamente inesperada: — Quer se casar comigo, Samantha? Ela sentiu-se tão feliz ao vê-lo que se atirou em seus braços. — Quero, sim, sem dúvida! — declarou. Samantha percebeu que o carro diminuiu a marcha. Deixou as recordações de lado e olhou pela janela. A estrada descia por uma colina e ela viu as águas azuis de uma pequena baía, guardada por dois rochedos. Logo chegaram a um portão aberto, seguindo por uma alameda junto à qual se alinhavam imponentes palmeiras. A alameda terminava no pátio forrado de lajotas de pedra, para a qual davam as arcadas de uma construção baixa e comprida. As paredes muito brancas brilhavam ao sol e as janelas estavam cobertas por toldos azuis e verdes. O carro mal tinha acabado de parar quando um homem desceu os degraus, aproximando-se. Era Jeremiah Smith, o mordomo de Howard Clifton, e estava todo vestido de branco. Era sério e calmo e em seus olhos muito negros havia uma expressão de tristeza. — Seja bem-vindo, sr. Craig — ele disse, com as típicas boas maneiras e a voz macia dos moradores de Antígua. Abriu a porta para Samantha e foi até o bagageiro. — Pode deixar que eu levo as malas, sr. Craig. Acho que o senhor vai querer tomar um banho e mudar de roupa, não é mesmo? Eu o acompanho até seu quarto. — Obrigada, Jeremiah. Como vai? — Perguntou Craig, demostrando interesse e consideração. — Não posso me queixar, senhor, não posso me queixar... — disse Jeremiah de bom humor, pegando as malas e olhando para Samantha. — O sr. Farley perguntou pela senhora. Disse que está à sua espera, na piscina. — Farley?! — exclamou Craig, sem disfarçar uma leve irritação. — Há quanto tempo ele está aqui? — Chegou na semana passada — disse Samantha. — Mas ele deveria estar na universidade. O semestre ainda não terminou. — Parece que não tem passado muito bem e Carla decidiu que ele deveria descansar — informou Samantha, com alguma hesitação. Craig ficou muito aborrecido. Praguejou baixinho e, com ar decidido, entrou em casa. Samantha hesitou durante alguns segundos antes de segui-lo. O vestíbulo estava forrado com Lajotas e a mobília se resumia a alguns divãs muito simples, em cima dos quais se viam almofadões verdes. Havia uma porta de vidro, que dava para a piscina. Samantha foi até lá e sentou-se a uma das mesas cobertas por um guarda-sol. O jovem que nadava na piscina deu algumas braçadas em sua direção e saiu. Era magro e não muito alto. Suas costelas apareciam sob a pele bronzeada. Tinha os cabelos negros, encaracolados e tão compridos que chegavam pelos ombros. Seus olhos, a exemplo dos de sua mãe, Carla Clifton, eram grandes e negros. Farley sentou-se ao lado de Samantha. — Ele chegou? — perguntou. — Sim. — Você lhe contou que estou aqui? — Não. Foi Jeremiah quem contou, ao me dar seu recado, Craig perguntou por que você está aqui. — E... — E disse que você está doente e Carla achou melhor que descansasse alguns dias. — O que ele disse? — Não tenho certeza, mas parece que ficou aborrecido. Samantha sorriu. — Quer dizer então que está zangado — comentou Farley, desanimado — Meu Deus, o que eu faço? Craig vai ficar maluco quando descobrir que saí da universidade. — Eu não sabia disso! — Nem eu, até está manhã, quando decidi não voltar mais. Não importa o que meu pai ou Craig digam, mas o fato é que não posso voltar. Não sou feito de pedra. Se por acaso eu voltar, terei mais uma depressão nervosa. Não aguento mais. — Farley colocou a mão sobre a de Samantha. — Graças a Deus você está aqui, Samantha! Sabe o que é enfrentar Craig e lhe dizer como se sente, não é mesmo? Entende perfeitamente o que é se chocar contra a vontade dele. — Creio que sim... — Você não quer falar com ele a meu favor? — o rapaz pediu em um tom de súplica. — não quer procurar convencê-lo de que não levo o menor jeito para seguir carreira no mundo dos negócios? Diga que o que mais desejo é ser um cantor, divertir as pessoas com minhas músicas, como minha mãe costuma fazer... — Tentarei. — Obrigado, obrigado — ele murmurou, beijando a mão de Samantha. — Gosto muito de você. Sabia disso? Preferia que não tivesse casado com aquele mostro insensível que é meu irmão. Gostaria de poder ir embora com você, para sempre... — Farley, pare com isso! Por favor, comporte-se — ela protestou, tentando retirar a mão. De repente alguém se aproximou e Samantha levantou os olhos. Craig, usando um calção, contemplava as mãos dela, entrelaçadas com as de Farley. CAPÍTULO II
— Craig, não é que você está pensando! — disse Farley,
recolhendo rapidamente a mão e levantando-se, todo ruborizado. — Estava agradecendo a Samantha por sua presença e por se mostrar tão disposta a ajudar... — Sei, sei... — Craig parecia estar se divertindo, mas não era verdade. Havia uma certa aspereza em sua voz e o olhar que ele dirigiu a Samantha deixou-a gelada. — Estou muito surpreendido em encontrar você por aqui — ele disse, dirigindo-se a Farley. — Desde quando o semestre na universidade termina no meio de fevereiro? — Com licença — murmurou Samantha, levantando-se. Não desejava de modo algum testemunhar uma briga entre dois irmãos. —Tenho o que fazer e sei que vocês dois têm muito o que conversar. — Mas, Samantha, você me prometeu.... — disse Farley, desolado. Ignorando o apelo do rapaz, ela passou por Craig, em direção à casa, mas este lhe barrou a passagem e Samantha se viu comtemplando aquele peito largo e musculoso e os pelos negros que o cobriam. Ela cerrou os punhos, numa tentativa de controlar o ímpeto de tocá-lo. — Não se retire com tanta rapidez — disse Craig, como toda calma. — É com você que quero falar, não com Farley. Venha nadar comigo lá na baía. Depois poderemos tomar sol na praia. — Não posso. Tenho o que fazer — ela murmurou, embora desejando aceitar o convite. Como seria bom nadar nas águas transparentes do Caribe e em seguida deitar-se bem junto a Craig, possivelmente até mesmo repousar em seus braços, nas areias douradas, à sombra dos coqueiros... — Não — repetiu Samantha, retirando-se para o interior da casa. Sapatos de salto alto ecoaram nas lajotas e Carla surgiu no corredor que levava à ala da residência onde Howard Clifton tinha sua suíte. Ela usava um vestido de algodão estampado com flores brancas e negras, e seu rosto, de traços marcados e sensuais, estava muito maquilado. Ainda assim eram evidentes as rugas que a ansiedade tinha esculpido, notando-se imediatamente a expressão de angústia em seus olhos negros. — Howard ouviu o barulho do carro. Craig chegou, Samantha? Você foi encontrá-lo no aeroporto? Carla possuía um ligeiro sotaque e sua voz era suave e profunda. Quando ela falava Samantha sempre pensava no melado, espesso, escuro e líquido ... Carla era venezuelana. Tratava-se de uma pessoa generosa, mas muito temperamental, profundamente religiosa e totalmente dedicada a Howard e ao filho deles, Farley. — Sim, Craig chegou. Está lá na piscina com Farley. — Ah, não! — Cara parecia extremamente preocupada. — O que está dizendo a Farley? — Não sei e nem quero ouvir. — Achei que ele fosse ver o pai em primeiro lugar! Será que ele não tem sentimentos? Por acaso seu coração é feito de pedra? — Não sei Carla, gostaria que você tivesse me avisado de que ele chegaria hoje. — Mas como? Só fiquei sabendo hoje de manhã, quando a secretária dele telefonou de Toronto informando que ele acaba de tomar o avião. — Ela deu um passo adiante e encarou Samantha com curiosidade. — O que você teria feito se soubesse do fato? — Teria partido de Antígua. Não quero estar aqui enquanto ele também estiver. Não posso permanecer nessa casa. Tenho de ir embora... — Oh, não, você não pode nos deixar! É preciso que fique aqui. É preciso, Samantha! Howard não quer que você nos deixe. — Gostaria de saber por quê. Até agora ignoro por que ele me convidou para vir. — Mas ele não lhe disse? — Carla parecia ter ficado surpreendido. — Não. Ele fala muito pouco quando vou encontrá-lo, sempre que estamos juntos me limito a ler para ele. — É por isso que você tem de ficar! — disse Carla, com muita ênfase. — Você pode fazer por Howard algo que eu não posso. Pode ler seus autores favoritos, tais como Dickens, Hemingway e outros. Não leio inglês bem e não entendo a literatura inglesa e americana. Howard diz que você lê maravilhosamente bem e sente um grande prazer em ouvi-la. Ah, Samantha, você não pode partir agora! A sua vinda aqui para cá foi ideia dele. Sabia que Craig viria, se você se encontrasse aqui. E pelo visto ele tinha razão, não é mesmo? Assim que eu lhe disse que você estava conosco, ele largou tudo e tomou o primeiro avião — concluiu Carla, com uma expressão de triunfo no olhar. — Mas então quer dizer que ... — disse Samantha, interrompendo-se ao ouvir a voz enfurecida de Farley. — Dios! — exclamou Carla, desolada. — Preciso ir dar um jeito naqueles dois. Ela caminhou apressadamente em direção à piscina e Samantha seguiu pelo corredor, até a pequena suíte que lhe fora destinada. A sala de estar, que tinha uma mobília simples, mas de muito bom gosto, estava exatamente como ela havia deixado naquela manhã. Samantha se dirigiu ao quarto e parou, atônita, ao ver o terno cinza e a camisa jogados sobre o acolchoado vermelho que cobria a enorme cama de casal. A elegante mala de Craig estava no chão, aberta, cheia de roupas. Craig, arrogante como sempre, presumia que Samantha fosse compartilhar o quarto com ele. Tinha invadido a privacidade dela, espalhando roupas pelo aposento e fazendo-a sentir sua presença. No entanto ela estava certa de que Carla havia ordenado a Jeremiah que acomodasse Craig num quarto do outro lado da casa, e bem longe dela... Vozes irritadas chamaram-lhe a atenção e ela foi até a janela que dava para o pátio. Carla, Farley e Craig estavam lá. Carla e o rapaz falavam ao mesmo tempo e gesticulavam sem parar. Craig não fazia gesto sequer e os ouvia, imperturbável, de braços cruzados. Subitamente ele ergueu a cabeça e olhou na direita da janela onde Samantha se encontrava, como se sentisse sua presença. Ela deu um passo para trás e se retirou rapidamente do quarto, percorrendo o corredor que levava ao vestíbulo. Abriu a porta da entrada e saiu quase correndo, diminuindo o passo apenas quando se encontrava numa alameda que atravessava os jardins, em direção aos rochedos à beira da praia. Samantha desceu os degraus e notou que a praia estava deserta, a não ser pela presença de um pelicano, que imediatamente alçou voo. O sol e as sombras se refletiam nas areias amareladas e as ondas, de um verde muito claro, vinham morrer na praia. Sob um jirau de madeira, construído especialmente para abrigá-las, havia duas pranchas de windsurfe. Samantha tirou o longo vestido de algodão. Usava um maiô negro, com listras azuis, muito justo, e que lhe valorizava o corpo bem-feito. Pegou uma das pranchas levando-a até a beira da água. Ajustou então o mastro no centro da prancha e empurrou-a para dentro do mar, até ela flutuar. Em seguida subiu, certificou-se de que lado o vento soprava e desfraldou a vela. A prancha avançou, impelida pelo vento que inflava a grande vela vermelha e amarela. Samantha se equilibrou, dobrou os joelhos contrapondo-se à força do vento, e a prancha deslizou com velocidade ainda maior. À semelhança de uma borboleta provida de uma única asa, a prancha avançou pelas águas rasas da baía. O vento assobiava e Samantha entregou-se totalmente ao prazer de velejar. Seguiu em frente até chegar a uma ponta da areia, nas proximidades de um rochedo. Logo que se viu perto da praia soltou a vela, que pendeu e caiu no mar. Então empurrou a prancha para o raso, tirou o mastro do orifício central e estendeu a vela para secar. Deitou-se em seguida na areia, sabendo que ali ninguém viria perturbá-la, pois a pequena praia era praticamente inacessível. Só se poderia chegar até lá num bote ou numa prancha de windsurf. Era bom estar sozinha por um tempo e sentir o sol aquecer sua pele; estava contente por ter descoberto aquele lugar maravilhoso, não muito distante da residência dos Clifton, Farley não apreciava o windsurfe e jamais a acompanhava em suas expedições, desde que ela havia chegado à ilha. Deitada de bruços, Samantha fecho os olhos. Não poderia expor-se ao sol durante muito tempo e pretendia ficar ali apenas alguns minutos, a fim de queimar um pouco mais os braços, pernas e ombros. Que tranquilidade! Ouvia apenas o barulho suave do mar, o vento assobiando de mansinho entre as folhas das palmeiras e às vezes alguma gaivota. No entanto sua mente não estava nada tranquila. Achava-se mergulhada na mais completa confusão, devido à presença de Craig. Seria verdade o que Carla dissera? Howard a teria convidado para se hospedar naquela casa só por saber que Craig viria, se tivesse certeza da presença dela ali? Abriu os olhos e, tomando um punhado de areia, deixou-o escapar pelos dedos. Se Craig realmente quisesse tê-la encontrado, naqueles dois últimos anos, nada o impediria de vê- la em Londres. Sabia onde ela morava, onde trabalhava, mas nunca a procurava, desde que se separaram, e jamais lhe pedira para voltar a viver com ele em Toronto. Teria concordado caso ele pedisse? Teria partido para uma reconciliação, se ele desse o primeiro passo nesse sentido? No fundo, sabia que sim. Desejava que ele surgisse subitamente, declarando que a amava e que não conseguia viver sem ela. Algumas vezes, quando estava deprimida, tinha ímpetos de se demitir do emprego e tomar um avião para o Canadá. Diria então a Craig que já não suportava mais ficar sozinha e que não desejava outra coisa além de voltar a fazer parte da vida dele. Somente o orgulho e a recordação de Morgana a tinham impedido de ceder a esse impulso. “Morgana...”, ela pensou e fechou os olhos, vindo-lhe à mente a imagem daquela criatura. Morgana Taylor tinha cabelos ruivos e revoltos que lhe molduravam o rosto magro e triangular; seus olhos, muitos escuros, possuíam de vez em quando uma expressão trágica e os lábios eram carnudos e sensuais, sempre pintados de vermelho. Ela era filha de um milionário canadense, mas tinha adquirido uma bela reputação como autora de romances bem escritos sobre a causa feminista. E um dia Craig deveria se casar com essa mulher... Morgana havia surgido subitamente na mesa dos Clifton, num jantar em benefício do Centro dos Escritores, em Toronto. Sua pele muita clara e os cabelos ruivos eram ressaltados pelo vestido negro que usava. Cumprimentara Craig com uma voz macia e aveludada lançando-lhe um olhar provocador; um verdadeiro convite para a cama, como tinha parecido a Samantha. Ele se levantara, muito educado, apresentando Morgana a Samantha. — É sua mulher? Meu querido, não tinha a menor ideia de que você fosse casado! Quando isso aconteceu? E onde? — Há quase um ano em Londres — dissera Craig, sorrindo — Imagine, daqui a pouco vamos comemorar o nosso primeiro aniversário juntos! Morgana sentara-se ao lado de Craig, e a partir desse momento monopolizara a atenção dele, dirigindo-lhe a palavra em voz baixa e ignorando completamente a presença de Samantha, Bill e Judy Felton, além de alguns escritores muito conhecidos que a empresa convidara para jantar. — Quem é ela? — Samantha perguntara a Judy, quando as duas foram até o toalete. — É a mulher com quem Craig iria casar, antes de conhecer você em Londres. — E eles estavam noivos? — Não exatamente. Morgana não se prende a convenções antiquadas como um noivado, mas era ponto pacífico que iriam se casar. Eles se conhecem há anos. Conrad Taylor, o pai de Morgana, presidente de uma grande companhia de investimentos, e Howard Clifton sempre encararam esse casamento com grande interesse. Ele poderia significar também a união de duas fortunas imensas. — E por que não deu certo? — Ninguém sabe. Por que você não pergunta a Craig? Samantha fizera isso ainda naquela noite, quando se preparavam para dormir, na elegante casa situada em um dos bairros da moda, nos arredores de Toronto. — Judy me contou que você e Morgana Taylor estiveram para se casar — ela havia dito de repente, ao se deitar. — É mesmo? — ele respondera com indiferença, vestindo a calça do pijama. — E é verdade ou não? — ela insistiu, um tanto incomodada com o que estava sentido. Samantha estava casada com Craig há quase um ano e tinha acabado de perceber que desconhecia inteiramente a vida do marido antes que ele a tivesse conhecido. Estava apaixonada e fascinada demais pelo lado físico de seu casamento para pensar nas mulheres que ele teria encontrado até então. Pela primeira vez naquela noite soubera o que significava sentir ciúmes, o que a deixava chocada. — Do que você está falando? — perguntou Craig, deitando-se ao lado dela. — Algum dia você pretendeu casar com a Morgana Taylor? Craig apagou o abajur e, depois de puxar Samantha para bem junto de si, passou-lhe um braço em torno da cintura, entrelaçando suas pernas com as dela. Ao sentir o cheiro másculo que se desprendia daquele corpo. Samantha sentiu o desejo se apoderar dela. — A única mulher com quis casar foi você — ele murmurou, beijando-a e pondo um ponto final naquela conversa. Não foi, porém, o fim de Morgana. Ela surgia a todo momento, nas festas dadas pelos amigos de Craig, nos jantares a que ele e Samantha eram convidados, no clube de iatismo, no clube de golfe... Em todos esses lugares procurava monopolizar a atenção de Craig; ela o beijava e abraçava, dizendo muito sorridente a Samantha que seu afeto era o de uma irmã. — Crescemos juntos — dizia. — Nossos pais eram vizinhos. Talvez, se tivesse mais o que fazer e se o tempo não se fizesse sentir com tanta intensidade durante os primeiros dezoitos meses de casamento, Samantha não sentisse tanto ciúmes de Morgana. Se pelo menos tivesse um emprego. Havia feito essa sugestão a Craig, chegando até a solicitar que ele a ajudasse a encontrar uma colocação em alguma editora, o que provocou a primeira briga séria do casal. Ele se recusava categoricamente a permitir que ela trabalhasse. Samantha não tinha aceitado essa atitude e ele se vingou, muito aborrecido, mergulhando num silêncio irritante. Se tivesse ficado grávida, com uma grande responsabilidade, não sentiria tanto ciúme de Craig quando não estava com ela. Ele se ausentava com frequência, pois tinha de viajar a negócios para o exterior. Se acaso fosse mais velha e experiente, senão fosse estrangeira em um país desconhecido, sem poder contar com o apoio de parentes e amigos mais chegados, a suspeita não teria minado o amor e a confiança. O que estava acontecendo era também culpa de Craig. Ele tinha contribuído para torná-la ciumenta e desconfiada, ao se recusar a comentar sua vida pessoal, antes de conhece-la. Não havia por que fazer tanto segredo. Um dia soube que, numa de suas viagens de negócios, ele havia estado com Morgana, chegando a se hospedar com ela no mesmo hotel. Magoada e confusa, Samantha o acusou de ter premeditado aquele encontro, mas ele, evidentemente, recusou. — Pois então ela deve ter sabido para onde você ia e viajou até lá de propósito, para ficar perto de você — ela afirmara, indignada. — E por que ela faria uma coisa dessa? — Porque na certa acha que você ainda lhe pertence. — Eu lhe pertenço? — Pois saiba que não pertenço a ninguém, a não ser a mim mesmo. Acho bom você se convencer disso. Se você tiver mais um ataque de ciúmes, nós nos separaremos. — Ah, é assim? Quer dizer então que devo ficar trancada em casa, sem dizer nada, enquanto você e Morgana têm um caso? E bem debaixo do meu nariz! Pois sabia que está redondamente enganado a meu respeito. Eu me recuso a ser enganada dessa maneira. Vou embora. Vou para casa. — Para casa? Mas sua casa é aqui? — Não é, não. Não me sinto à vontade nesta casa e muito menos neste país. Eu o detesto! Quero voltar para a Inglaterra que é o meu lar! — Então não há outra solução, a não ser voltar — concordara Craig, com a maior calma. Samantha ficou surpreendida e magoada ao ver que ele a deixava partir com tamanha facilidade. Nos primeiros tempos foi maravilhoso voltar para a Inglaterra e se refugiar no afeto da família. Não levou muito tempo para confessar a sua mãe as suspeitas de que havia um envolvimento amoroso entre Craig e Morgana Taylor. — No fundo isso não me surpreende – declarou Brenda. Ambas passeavam por uma floresta, gozando o prenúncio da primavera. — Como assim? — Tentei prevenir você, quando me comunicou que iria se casar com ele. Achei que você não queria enxergar a situação. — Brenda se exprimia com seriedade, num tom vagamente didático. Formada em psicologia educacional, gostava muito de analisar o comportamento das pessoas. — Craig vem de um meio tão diferente... Além do mais, a vida toda se habituou a ter muito dinheiro. Nunca lhe faltou nada e sua atitude em relação às mulheres tende a ser um tanto machista. Você não deveria ter se casado com ele. Seria preferível esperar, antes de assumir um compromisso. Se isso tivesse acontecido provavelmente teria decidido que ser mulher de um rico homem de negócios com a mentalidade de um playboy não era bem o que você queria. Se esperasse, teria descoberto o que está sabendo agora e teria toda liberdade para mudar de ideia. Quer continuar casada com ele? — Não sei... Ainda não me fiz esta pergunta. Eu me sinto tão confusa! No começo fui muito feliz! Eu o amava e gostava de estar em sua companhia. Detesto quando ele viaja e me deixa sozinha. Não sei o que fazer de mim. — Você poderia arranjar um trabalho. Será que não consegue uma colocação em alguma editora de Toronto? — Craig não deixa. — Não deixa? Mas como ele pode fazer isso? — Vive dizendo que não quer que eu trabalhe. Se eu arranjar um emprego, ele vai interferir e me impedirá de ser contratada. Sugeriu que entrasse para algum grupo de mulheres que trabalhasse com assistência social e foi o que fiz, mas não me acostumei. — Não acreditava que minha filha um dia fosse permitir que um homem a dominasse desse jeito! Então não vê que cometeu um erro ao se casar com ele? — Mas eu amo Craig! — Pare de dizer bobagens! O amor romântico é mito e quanto mais cedo você perceber, melhor. Craig Clifton apressou esse casamento antes que você tivesse tempo de pensar. Provavelmente não conseguiria levá-la para a cama sem antes prometer que colocaria uma aliança em seu dedo. Você sempre teve algumas reservas quanto ao sexo antes do casamento. — Não é verdade! Craig jamais me pediu para dormir com ele antes de casarmos. — Mas então por que ele, que afinal de contas vai herdar milhões de dólares, escolheu justamente você? — Eu costumava pensar que ele gostava de mim por aquilo que eu sou... — murmurou Samantha, sentindo-se muito infeliz. — Mas agora não tem tanta certeza assim... — De fato, não. Oh, mamãe, não sei o que fazer! — Fique aqui por mais tempo e deixe Craig dar o primeiro passo. Samantha concordou imediatamente com aquela sugestão e demorou um mês para que Craig se manifestasse. De repente ele apareceu e ela ficou tão feliz ao vê-lo que se esqueceu de todas as suas dúvidas que surgiu uma discussão entre eles. — Prefiro morar perto de Londres – ela declarou. — Por quê? — Porque me ofereceram um emprego. — Onde? — No corpo editorial da revista O Mundo da Mulher. — Ela agora pertence a Clifton. — Eu sei. Lembro que foi por isso que você esteve aqui no ano retrasado. Veio fechar a compra da revista. — Posso exercer pressões e fazer a revista retirar a oferta. — Se você fizer isso, eu o deixarei. Craig, será que você não enxerga que não sirvo para ser sua mulher? Não fui criada para ficar trancada em casa, sem fazer nada. Quero voltar a trabalhar e provar que posso fazer carreira na área editorial! — Samantha fez uma pausa e repetiu as palavras de sua mãe. — Não deveria ter me casado com você, quando me pediu. Era preferível esperar, mas você me apressou. Craig ficou muito pálido, mas não discutiu mais com ela. Também não solicitou que voltasse para o Canadá e ficou a estudá-la friamente durante alguns momentos. — Está bem. Entendi o recado. Você quer se separar e assim será. Talvez nós dois precisemos de algum tempo para descobrir se realmente desejamos ficar casados. — Ele sorriu com ironia. — Acho que apressei você, não é mesmo? Foi preciso ... — Craig se interrompeu e mordeu o lábio, dominando-se logo em seguida. — Graças ao nosso casamento, consegui o que queria em determinado momento e não me queixo. Você concorda com a separação. — Por quanto tempo? Ainda agora Samantha se lembrava de quanto havia ficado perturbada com aquela atitude tão fria. — O tempo necessário para você examinar melhor as coisas e descobrir o que deseja da vida. Dois anos bastam? Dois anos pareciam uma eternidade e era tempo mais do que suficiente para ela saber o que queria. — Sim — ela disse, muito infeliz. — Mas ... nós nos encontraremos de vez em quando, não é? Você virá me ver? Craig a encarou e, ao notar a expressão fria e implacável daqueles olhos, Samantha quase capitulou, com vontade de se jogar nos braços dele. Estava a ponto de dizer que voltaria com ele para o Canadá. Somente a lembrança da vida tediosa que levava por lá, dos dias arrastados e solitários e, acima de tudo, de Morgana Taylor, a impediram de fazer um gesto sequer. — Creio que não virei ver você — declarou Craig. — Acho melhor não nos encontrarmos. Tomarei todas as providências necessárias para que você receba uma pensão. Essa havia sido a decisão a que chegaram e Craig voltou para o Canadá sozinho, convencendo-a, com sua atitude, de que estava aliviado por ter se livrado dela durante algum tempo. Agora poderia retomar os hábitos de solteiro; teria ampla liberdade de movimento e poderia praticar esportes perigosos, tais como pesca submarina e corridas de automóveis. Também estaria livre para sair com Morgana... Mais magoada do que gostaria de admitir, Samantha aceitou o emprego na revista, decidida a dar duro e provar a si mesma o quanto valia. No entanto sentia imensamente a falta de Craig. Escreveu-lhe várias vezes durante o primeiro ano de separação, mas ele nunca respondeu às suas cartas. O orgulho foi mais forte do que tudo e ela parou de escrever. O segundo ano sem ele foi mais fácil. Bem- sucedida no trabalho, Samantha começou a sair, acabando por se envolver com outro homem, Lyndon Barry. Ele escrevia para um jornal que funcionava no mesmo prédio onde era publicada a revista O Mundo da Mulher. Não se esqueceu de Craig e se deu conta, com grande pesar, de que aquilo jamais aconteceria. Uma mulher jamais esquecia o primeiro amor, mas tinha começado a aceitar que, talvez, Craig não tenha sido feito para ela. Chegou a pensar no divórcio e até mesmo consultou um advogado, pedindo que a orientasse nesse sentido. Foi então que aconteceu o pior: a direção da revista solicitou sua demissão, pois se via obrigada a fazer cortes no corpo editorial. Samantha procurava encontrar outro emprego, sem o menor sucesso, quando recebeu a carta de Carla contendo o convite de Howard Clifton. Entediada com o inverno na Inglaterra e com o fato de estar desempregada, ficou intrigada com aquele convite e o aceitou, num gesto impulsivo. Retirou do banco algumas economias, comprou uma passagem de ida e volta para Antígua e roupas apropriadas ao clima tropical. Agora se perguntava por que tinha vindo. Será que, inconscientemente, esperava rever Craig? Já se haviam passado mais de dois anos desde a separação e era tempo de discutirem isso. — Você costuma vir sempre a este lugar? A voz de Craig, ligeiramente irônica, soou bem junto dela. Assustada e percebendo que as pernas e as costas começavam a queimar, Samantha ergueu a cabeça e sentou-se rapidamente. Ele estava de pé, ao lado dela, e gotas de água lhe escorriam pelo corpo bronzeado. Junto a Craig se encontrava a outro prancha de windsurfe, pousada sobre a areia. — Como sabia que estava aqui? — Vi você sair da praia e resolvi segui-la — ele disse, sentando- se ao seu lado. — Como vê, ainda sei manobrar uma prancha de windsurfe... Lembra o quanto nos divertimos, quando você tomou as primeiras lições nas Bahamas? A expressão de Craig era francamente sensual e ele sorriu, como se quisesse dar um outro sentido ao que dizia. Ao falar em diversão, ele se referia implicitamente ao fato de que, naqueles dias, Samantha tinha aprendido a fazer amor. Era uma maneira sutil de tocar na intimidade que havia existido entre eles. Algo de muito perturbador se agitou no íntimo de Samantha, em reação ao modo como ele a encarava e isso lhe despertava o desejo. Lá estava ele, bem perto, irradiando uma forte sensualidade. Bastava Samantha estender um pouco a mão e tocaria aquela coxa peluda e musculosa. Craig se estendeu subitamente na areia, colocando as mãos debaixo da cabeça. — E aqui estamos, tomando sol, embora você alegasse que tinha muito o que fazer ... — ele comentou. — Não será por muito tempo — disse ela, levantando-se. — Vou voltar. Samantha fez menção de pegar a prancha, mas, quando menos esperava, tropeçou e caiu. No mesmo instante Craig procurou ajudá- la. — O que aconteceu? — Ora, você sabe muito bem o que aconteceu — ela disse com irritação, livrando-se dele com um gesto brusco. — Foi você quem estendeu a perna e me fez tropeçar! Samantha se levantou imediatamente, decidida a entrar no mar, mas Craig segurou-a pelo pulso. Ela lhe deu um empurrão, mas tropeçou novamente e perdeu o equilíbrio, caindo no mar. Subitamente ele a agarrou pela perna. Samantha afundou e engoliu um bocado de água. Presa pelos braços musculosos de Craig, foi puxada para a superfície. Ele a obrigou a se levantar e apertou-a de tal forma de encontro ao corpo que ela sentiu a perturbadora prova de sua virilidade bem junto de si. Samantha o encarou. Havia uma ameaça sensual no modo como os lábios de Craig se abriam à medida que se aproximavam dos dela. Lutando o quanto podia contra a paixão que ameaçava dominá-la, ela tentou mais uma vez livrar-se dele. — Não, Craig, não quero, não quero! — Claro que quer, meu amor! Nós dois queremos. Já faz tempo, muito tempo... — ele murmurou com voz rouca de desejo, começando a beijá-la, enquanto com as mãos lhe acariciava todo o corpo. Ela precisou apelar a todos as suas reservas de autocontrole para não corresponder àquele beijo. Quando finalmente Craig se afastou, Samantha partiu para o ataque. — Você não mudou nem um pouco, não é mesmo? Ainda acha que pode aparecer quando bem entende e controlar a situação, mesmo depois de dois anos de separação, e isso sem a menor explicação e sem levar em conta os meus sentimentos. Por favor, me solte. Quero ir embora. Não aguento mais este lugar. Você estragou tudo, vindo para cá. Craig a soltou imediatamente a ela foi fincar o mastro na prancha. Julgou que ele a seguiria, mas quando se voltou para olhá-lo ele corria em direção ao mar. Protegendo os olhos contra os reflexos do sol na água. Samantha o viu mergulhar. Craig surgiu mais adiante, afastando-se rapidamente, por meio de braçadas vigorosas. Com uma expressão de tristeza, ela ajustou o mastro à prancha. Craig sempre tinha sido um amante forte e de poucas palavras indo diretamente ao que desejava. O mesmo acontecia com ela, até surgir Morgana... — Vamos ver quem chega primeiro na praia? — Ele gritou, aparentemente não se importando com o fato de ter sido rejeitado. Samantha sentiu-se um tanto desencorajada. Jamais conseguiria sequer abalar aquele homem. Nunca poderia magoá-lo, a exemplo do que ele lhe fazia. — Está bem, mas você tem que me dar vantagem. Não sou tão boa quanto você numa prancha de windsurfe. As duas pranchas deslizaram sobre o mar e, na ânsia de chegar antes de Craig, Samantha fez algumas manobras ousadas. Por duas vezes o mastro e a vela giraram, jogando-a dentro do mar. Nesses momentos Craig se aproximava, perguntava aos gritos se ela estava bem e esperava até que subisse na prancha e voltasse a velejar. Samantha chegou à praia antes dele, mas não sabia se isso havia acontecido por velejar mais rapidamente do que Craig ou se ele tinha permitido que vencesse. Em seguida levaram as pranchas, velas e mastros para o pequeno abrigo sob as árvores. — Você vai ver seu pai agora? — ela perguntou, julgando que deveria lembrá-lo de seus deveres. — Carla ficou preocupada, pois você não foi vê-lo, quando chegou em casa. —Sim, ela me disse — comentou Craig com certa frieza. — Mas você me conhece muito bem... Há certas coisas que devem vir em primeiro lugar. — O que você quer dizer com isso? — Já fiz você lembrar que ainda é minha mulher e que tenho o direito de beijá-la quando quiser. Agora posso visitar meu pai e tentar descobrir o que tem na cabeça — declarou Craig, dando um passo adiante. E beijou-a com impulsividade, antes que Samantha pudesse dizer qualquer coisa. Ela quase perdeu o equilíbrio, diante daquela inesperada e apaixonada demonstração de amor e dessa vez não conseguiu controlar suas reações. Quis se apoiar nele para não cair no chão, mas Craig se afastou rapidamente em direção à casa. CAPÍTULO III
Samantha seguiu Craig lentamente. Nada havia mudado,
constatou, sentindo-se muito infeliz. Craig ainda tinha plena segurança do que representava para ela, e Samantha estava à sua disposição, pois ele continuava a excitá-la. Ainda conseguia despertar-lhe o desejo, fazendo-o fluir através do seu corpo como lava derretida, destruindo toda a sensatez e toda a tentativa de resistência. No entanto estava muito longe de saber se ele ainda a amava, a exemplo do que acontecia com ela. Como poderia permanecer na residência dos Clifton, quando ele se encontrava lá, e continuar a resistir? Era impossível, acabaria tendo uma crise nervosa. Precisaria partir, por mais convincentes que fossem os argumentos de Carla. Não poderia ficar e ser tratada daquela maneira por Craig, como se fosse apenas um item na agenda de encontros da diretoria da Empresa Clifton. “Item n.º 1.º Lembrar a Samantha que ela ainda é a mulher de Craig Clifton, vice-presidente, e que ele ainda tem o direito de beijá- la e de fazer amor com ela quando tiver vontade”. Não, não admitiria de modo algum ficar lá e ser tratada daquele jeito! Partiria imediatamente! Quando chegou em casa, Craig já tinha entrado. Ao entrar no vestíbulo deu com Farley, que, pelo visto, ia sair. Usava uma calça de algodão e uma camiseta azul-marinho. — Por que você partiu daquele jeito? Por que não ficou e me ajudou, conforme prometeu? — ele se queixou. — Sinto muito... Ela havia esquecido completamente a promessa de ajudá-lo a explicar a Craig por que não queria voltar para a universidade. Quando Craig surgira diante deles, sentira-se confusa como sempre, preocupada unicamente com suas reações. — O que foi que ele disse? — perguntou. — Você foi agredido pelo fato de não querer voltar a estudar? — Não, de modo algum! Ele parecia não estar nem um pouco interessado em mim. Disse que não se importava com o que eu quero fazer com minha vida, pois precisava pensar em coisas mais importantes. Disse mais, que eu poderia fazer o que bem entendesse e até mesmo ir para o inferno, contanto que isso não lhe custasse nada. Em seguida falou para minha mãe calar a boca e se retirou. Imagino que ele tenha ido atrás de você, não? — Sim. Quer dizer que você não voltará para a Universidade de Harvard? — Não. Vou para Toronto, assim que conseguir reservar uma passagem. Mas agora preciso ir até o Hotel Miramar buscar os Taylor, que virão jantar conosco. — Os Taylor? — perguntou Samantha, sentindo um aperto na garganta. — Isso mesmo. Conrad Taylor e sua filha Morgana. Ao que parece, vieram até aqui visitar papai. Até logo. — Farley, me espere — ela disse, correndo atrás dele. — Eu...prometi a Pamela e a Ken Wallis que os encontraria no hotel. Devo jantar com eles, mas primeiro preciso me trocar. Espere, por favor. — Está certo. Aguardo você no carro. Samantha dirigiu-se rapidamente ao quarto. Do banheiro vinha barulho do chuveiro e imaginou que Craig estivesse lá, removendo o sal da pele e dos cabelos. Não teria tempo de fazer o mesmo. Abriu o guarda-roupa, retirando um jeans, uma blusa, um suéter e roupa de baixo. Pôs tudo numa sacola, pegou a bolsa, certificando-se antes que a carteira e o passaporte estavam dentro dela, tirou o vestido e o maiô, pôs outro vestido bem esportivo, de algodão branco estampado com flores coloridas, escovou rapidamente os cabelos e saiu correndo do quarto, pois o chuveiro tinha sido desligado. Farley estava à sua espera no Cadillac, conforme o prometido, e, embora lhe entregasse a sacola para guardar, ele não disse nada. Daí a pouco seguiam pela estrada estreita, em direção a Falmouth. O rapaz estacionou o carro na frente do hotel, um prédio de tijolos aparentes importados da Inglaterra, terminado em 1788 e que fora inicialmente sede da administração do porto. Depois tornou-se um hotel e um dos pontos de encontro favoritos dos iatistas de todo o mundo. Seu terraço era um dos lugares preferidos de Samantha. As belas casuarinas proporcionavam uma sombra deliciosa e dele se enxergavam as águas azuis da baía. Possuía uma atmosfera de serenidade e todas as vezes em que Samantha ia lá, sentia que poderia ficar sentada para sempre numa das confortáveis poltronas, ouvindo as pessoas conversarem em torno dela e tomando de vez em quando um gole de alguma bebida agradável. — Estou aqui! — alguém exclamou de um dos cantos do terraço, acenando. — É Pamela — explicou Samantha a Farley. — Os Taylor devem estar lá dentro. — Imagino que sim. A que horas você quer voltar para casa? — Não se preocupe. Voltarei sozinha, mais tarde. — Está certo. Farley se afastou e entrou por uma das portas que levavam ao bar e à recepção do hotel. Samantha caminhou por entre as mesas, em direção à amiga. — Já estava achando que você não viria mais — disse Pamela Wallis. Era um pouco mais velha do que Samantha e seus cabelos castanho e muitos curtos combinavam com os olhos esverdeados. Estava muito queimada de sol e usava uma camiseta com a palavra “Sílfide” impressa em branco, sobre fundo azul-marinho, e bermudas brancas. Ela havia nascido na mesma cidade que Samantha e fora colega de turma de sua irmã Jennifer. Recentemente Pamela e seu marido Ken Wallis tinha embarcado em seu iate Sílfide, atravessando o Atlântico. De lá prosseguiriam até os Estados Unidos, esperando chegar à costa do Maine pelo mês de julho, quando participariam dos festejos da fundação do Iate Clube dos Estados Unidos, para os quais tinham sido convidados todos os grandes clubes da Inglaterra e da Irlanda. Samantha encontrara Pamela alguns dias antes, quando visitava o Museu Naval e, desde então, encantada por ver uma pessoa conhecida e tão longe da Inglaterra, passou a visitá-la todo os dias. — Tive de ir pegar alguém no aeroporto — ela explicou, sentando-se ao lado de sua nova amiga. — Ken não veio com você? — Não, ele tinha o que fazer no iate. Quem é aquele rapaz acompanhou você? — Farley Clifton. — Não é o seu marido, não? — Oh, não! É irmão de Craig. — Samantha hesitou, sem saber que tipo de confidências poderia fazer a Pamela. — O que foi, Samantha? O que está incomodando você? Parece estar cismada com alguma coisa. Pode me contar que não farei perguntas indiscretas. — Craig chegou hoje. Tive de ir a seu encontro no aeroporto. Ele e eu... bem, estamos separados há dois anos e... não posso ficar na casa dos Clifton enquanto ele estiver lá. Tenho de ir embora. Vocês ainda estão pensando em ir até a ilha de Nevis amanhã? — Sim. E o convite para que você venha conosco ainda está de pé. Pelo que vejo, trouxe uma sacola. Isto quer dizer que virá conosco para o iate, após o jantar, e passará a noite lá, de modo que a gente possa partir amanhã cedinho? — Sem dúvida, se isso não for inconveniente. — Nós não teríamos convidado você, se pensássemos assim. Vamos apreciar demais a sua companhia. Se quiser, pode ir conosco até o Maine, quando terminar a viagem. — Oh, não, é impossível! Tenho de descer em algum porto e tomar um avião para Londres. A única coisa que desejo é partir daqui o mais rápido possível. Obrigada, Pamela. — Não há de quê! Sabe que ainda estou muito surpreendida com o nosso encontro no museu, a milhares de quilômetros da Inglaterra? — Pamela olhou por cima do ombro de Samantha, que estava de costa para a entrada do hotel. — Seu cunhado está vindo para cá e traz alguém em sua companhia. Samantha olhou e viu que Farley se aproximava, seguido por uma mulher alta e ruiva, de pele muito alva, cujos olhos se escondiam por trás de óculos escuros. Era nada mais, nada menos que Morgana Taylor... — Samantha, que prazer em vê-la! — Morgana deu um vasto sorriso, exibindo seus dentes perfeitos, e estendeu a mão. Braceletes de ouro tilintaram em seu pulso magro. — Não imaginava que você também estivesse em Antígua. Samantha apertou rapidamente a mão daquela mulher, sentindo-se mal ao fazê-lo — Onde está hospedada? — perguntou Morgana. — Na casa dos Clifton. Você está de férias? — Não é bem assim. Vim com papai. Ele quer ver Howard para falar de negócios. Eu sabia que Craig estaria aqui e aceitei o convite de papai, que me pediu para acompanhá-lo. Espero fazer também algumas pesquisas para um romance que tenho na cabeça. — Ela olhou para Pamela e sorriu. — Sou escritora — explicou. — Escrevo romances a respeito de mulher moderna, do movimento feminista e de como ele tem afetado nossos estilos de vida. Talvez já tenha lido algum dos meus livros. Meu nome é Morgana Taylor. — Infelizmente não li, não — disse Pamela, levantando-se. — Aí vem Ken, Samantha. Podemos ir para o iate? — Você não vai para a casa dos Clifton? — perguntou Morgana. — Não. Vou passar alguns dias com Pamela e Ken no iate deles. Adeus, Morgana. Espero que aproveite bastante sua estada na ilha. Adeus, Farley. Por favor, diga a Carla que vou escrever. — Ei, espera aí! — disse Farley. — Um momento. Quando vai voltar dessa viagem? — Não voltarei mais. — Mas você não pode partir desse jeito, sem dizer a ninguém para onde vai! — Estou dizendo a você não é mesmo? E por que não posso ir para onde quero e quando quero? Está tudo bem, Farley: Não vou partir com estranhos. Venha conhecer Pamela e Ken. Ela é amiga de minha irmã e eu a conheço há anos. Farley foi apresentado aos Wallis e Pamela lhe garantiu que ficariam muito contentes por ter Samantha a bordo durante alguns dias. — Sabe exatamente que ilhas irão visitar? — indagou Farley. — Em primeiro lugar Nevis e talvez St. Barhelemy e Anguilla. Esperamos chegar até as ilhas Virgens e até mesmo a St. Thomas — informou Ken, com bom humor. — Mas você irá tão longe assim? — perguntou Farley a Samantha. Naquele momento aproximava-se de Morgana um homem alto e grisalho, provavelmente seu pai, Conrad Taylor. — Não tenho certeza. Quando achar que basta, descerei onde houver um aeroporto e tomarei um avião para a Inglaterra ou para Miami. — Quer dizer que não voltará mais para cá? — perguntou Farley, muito intrigado. — Não. — E Craig? — ele disse baixinho, após lançar um olhar preocupado para os Wallis. — O que tem ele? — Craig veio até Antígua para vê-la. Sei que é verdade, pois foi mamãe quem me contou. — Não acredito que ele tenha vindo apenas para me ver — disse Samantha, notando que Morgana se aproximava. — Creio que veio porque sabia que Morgana estaria aqui. — Morgana? Repetiu Farley, parecendo ainda mais intrigado. — Por que haveria de querer vê-la? Pode estar com ela sempre que quiser, em Toronto. Aliás, não entendo exatamente por quê. Ela é uma chata e só sabe falar de seus livros o tempo inteiro. Ao ouvi-la falar, a gente pensa que ela escreveu o maior romance do século XX! — Sempre existiu algo entre Morgana e Craig. É tudo que posso dizer agora. De qualquer modo não se preocupe com isso, Farley. Sei o que faço. Por favor, diga a Carla para não ficar preocupada por eu ter partido com tanta pressa. — Percebendo que os Wallis se afastavam e que Morgana e o pai estavam cada vez mais perto, beijou Farley no rosto. — Adeus, Farley. Boa sorte em sua nova carreira. Samantha seguiu os Wallis através dos cais. O vento quente soprava sobre as folhagens das palmeiras que se erguiam em torno do museu, outrora conhecido como a Casa do Almirante, um elegante edifício de madeira pintado de branco, com janelas cinzentas e uma varanda espaçosa e acolhedora. No ancoradouro, John Wallis, irmão mais novo de Ken, que viera da Inglaterra para participar do cruzeiro através das ilhas, esperava por eles. Subiram no grande bote de borracha, movido a motor, e daí a pouco percorriam as águas tranquilas e cintilantes, passando por vários iates em direção ao Sílfide. O sol se pôs rapidamente e no céu, todo azulado, surgiram as primeiras estrelas. Mais tarde saíram novamente do iate e foram de barco até uma praia próxima, jantar num restaurante ao ar livre. Voltaram para o Sílfide logo depois das dez e todos foram dormir, pois pretendiam levantar-se bem cedo. Até então tudo corria muito bem, Samantha constatou, deitada em seu camarote. Ouvia o assobio do vento, o ruído surdo da corrente da âncora que se chocava contra o iate e contemplava as estrelas através da escotilha. Tinha conseguido escapar. Farley diria a Carla e Craig para onde ela fora. Ficaria claro para ele, de uma vez por todas, que aquele casamento estava acabado. Ela se virou na cama, agitada, recordando o que ele dissera quando deixaram o aeroporto. Esperava que voltassem a ficar juntos, quando ela parasse de se comportar como uma criança mimada. Craig não queria o divórcio. “Divórcio... divórcio..., a palavra detestável parecia martelar o cérebro de Samantha. Divorciar-se de Craig parecera a atitude mais apropriada, quando estava na Inglaterra e não o vira por dois anos. Agora, após revê-lo, após sentir a paixão renascer quando ele a tocava, Samantha tinha dúvidas a respeito de si mesma. Seria possível que ainda estivesse apaixonada por aquele homem? Dormiu atormentada pela dúvida e daí a pouco sonhou que se encontrava ao lado de Craig, nadando com ele. Saíam da água e, de mãos dadas, passeavam por uma praia deserta, numa ilha igualmente deserta, como acontecia com frequência em sua lua-de- mel. Sentia-se feliz por estar com ele, mesmo no sonho. Craig agora era inteiramente dela. As reuniões de negócios e as viagens ao exterior não mais os separariam. Acima de tudo, Morgana Taylor não existia mais. De repente ele a deixou e foi correndo para o mar. Mergulhou e não pareceu mais. Angustiada, Samantha procurou avistar aquele corpo queimado de sol, mas Craig não voltou à tona e ela começou a chorar. — Volte, Craig! Volte para mim! — disse, gemendo. — Samantha! Está na hora de levantar! Vamos partir. A voz de Pamela interrompeu-lhe os sonhos e Samantha acordou com sua amiga olhando para ela, um tanto intrigada. — Você estava tendo um sonho e tanto! Dizia coisas sem nexo e se revirava na cama. — Foi um pesadelo. Ainda bem que você me acordou. — A manhã está linda, O vento sobra a nosso favor e Ken disse que chegaremos a Nevis no final da tarde. Assim que se vestir, venha tomar café. Pamela saiu do camarote e o iate tremeu ligeiramente no momento em que o motor foi ligado. Ouviu passos no convés e imaginou que John estivesse recolhendo a âncora. Ken estava no leme. Baixo e forte, tinha cabelos castanho e a barba vermelhada. Muito atento, alterava a toda hora o rumo do Sílfide, a fim de evitar os outros iates, indo em direção à estreita abertura da baía. — Olhe que belo iate está entrando no porto! — Observou, quando Samantha sentou-se perto do leme. — É quase do mesmo tamanho do nosso, mas a proa é mais elegante. Que beleza! E é muito bem cuidado! Veja só como o verniz brilha! Samantha olhou para o iate. O casco era azul-escuro, tinha dois mastros dourados e velas vermelhas. Reconheceu-o imediatamente. Era o Falcão Azul, o iate de Howard Clifton, no qual havia feito um cruzeiro com Craig através das Bahamas. Ela apertou os lábios e procurou dominar a tristeza que sentia. Tinha passado momentos tão felizes naquele iate! Jamais os esqueceria, constatou, sentindo-se um tanto deprimida. — Sabe quem é o proprietário? Samantha percebeu que Ken lhe dirigia a palavra. — Pertence a Howard Clifton. — Tem algum parentesco com você? — Somente pelo casamento. — Pelo visto Pamela não tinha contato nada ao marido. — É... meu sogro. — Seria o mesmo Howard Clifton, proprietário de uma cadeia de jornais no Canadá e na Inglaterra, um multimilionário? — perguntou John Wallis, com curiosidade. Ele tinha vindo para junto do leme e sentar-se diante de Samantha. — Exatamente. — Samantha sentiu um certo alívio ao ver Pamela surgir com uma bandeja de café. — É presidente da Clifton. — Foi o que pensei. Ainda outro dia, no bar do hotel, ouvi uma conversa de que Conrad Taylor espera adquirir a Empresa Clifton. A pessoa que estava comigo me apontou Taylor. Ele está hospedado no hotel, com sua filha. Aquilo não quis dizer absolutamente nada para mim, mas imagino que signifique muito para você. Naturalmente deve estar a par da transação, não? — Não, só fiquei sabendo agora. Eles... isto é, os Clifton, não conversaram a respeito de negócios comigo. Para grande alívio de Samantha, Pamela abordou outros assuntos e os Clifton e Taylor foram deixados de lado. Quando acabaram de tomar o café o iate já tinha deixado a baía, navegando em direção ao alto-mar. As velas foram içadas, o motor desligado e o vento impulsionou o iate. — Se o vento continuar a soprar desse jeito, a viagem será muito tranquila — observou Ken. — Não teremos muito o que fazer, a não ser tomar banho de sol e dormir. Após ajudar Pamela a lavar a louça do café da manhã, Samantha foi até o convés e sentou-se na frente do mastro, protegida por sua sombra. O iate furava bravamente as ondas e ao longe avistava-se uma ilha. Suas montanhas, envoltas numa neblina avermelhada, contrastavam com o céu incrivelmente azul. Era Montserrat, conhecida como a ilha Jardim. Olhando para o outro lado, Pamela não via o menor sinal de terra, apenas o mar imenso, que se estendia em direção a um horizonte sem fim. Mudou de posição e esticou as pernas, para bronzeá-las. Pamela se aproximou, oferecendo-lhe um copo de suco de frutas misturado com água de coco. — Você encontrou um bom lugar para evitar o calor — observou, sentando-se. — O convés fica muito quente a esta hora. Está gostando do iate? — É muito confortável. — Tão confortável quanto ao iate de Howard Clifton? Imagino que você tenha viajado nele. — Viajei, sim. O Sílftide é mais largo e talvez não tão rápido quanto ao Falcão azul. Fez-se um breve silêncio, enquanto ambas tomavam o suco. A deliciosa mistura de abacaxi, suco de laranja e água de coco acalmou a sede de Samantha. — Detesto fazer perguntas sobre a vida particular dos outros, mas estou intrigada com você, Samantha. Se eu lhe perguntasse por que se separou de seu marido, você diria? — Sim. Não tenho nada a esconder. Decidi que não posso voltar para Toronto e viver o tipo de vida que se espera da mulher de um executivo rico. Quero prosseguir a minha carreira em Londres. Craig não gostou da minha decisão e sugeriu que nos separássemos durante dois anos, a fim de descobrir o que queríamos. Ontem nos encontramos pela primeira vez, durante todo esse tempo. — E... — Ele se comportou como se a separação tivesse chegado ao fim. — Mas não é o que você sente, não? — Nada mudou. Ele não está mais apaixonado por mim do que quando nos casamos. Não passo de uma pausa em sua agenda de negócios, que deve ser encaixada entre outros assuntos mais importantes, tais como organizar a Empresa Clifton, fechar contratos e ganhar dinheiro. Além do mais, existe Morgana Taylor. — Ah, sim, aquela escritora esquisita que conhecemos no hotel. Ela é qualquer coisa, não? É profundamente egoísta, pior do que qualquer homem. O que ela tem a ver com seu marido? — Ele a conhece há anos. Creio que é sua amante. — Meu Deus! Como foi que uma garota como você acabou se envolvendo com esse tipo de gente? Agora começo a entender por que você quis participar deste cruzeiro conosco. Não poderia ficar em Antígua enquanto a tal de Morgana estava lá, sobretudo por saber o que existe entre ela e Craig. Estou certa? — Sim, se bem que eu tenha decidido partir antes de saber que Morgana viria até a ilha. — Tinha medo dele? — Sim, de certo modo. — Meu Deus, ele por acaso não... bateu em você, violentou ou fez qualquer coisa no gênero, não é mesmo? — Oh, não! — Samantha não conseguiu deixar de sorrir ao observar a expressão aterrorizada de sua amiga. — Talvez eu tenha dado a você uma impressão falsa. Não receio o que Craig possa fazer comigo. É que... tenho medo de ficar na mesma casa que ele, ou, melhor dizendo, no mesmo quarto. — Percebo. Sim, agora percebo claramente. Você não tem medo desse homem, mas de como vai reagir na presença dele. Teme experimentar as emoções que a proximidade de Craig possa despertar em você. Tenho a impressão de que ainda está apaixonada por ele e sente raiva de si mesma por isso. Está fugindo de si mesma e não dele, não acha? — Creio que sim... — murmurou Samantha, sentindo-se muito infeliz e encarando a verdade a respeito de si mesma. — Oh, Pamela, achei que tudo ia ser tão diferente quando concordei em casar com ele! Acreditava que estaríamos juntos o tempo todo e dividiríamos tudo. — É, pelo visto você tinha grandes expectativas... E quanto durou esse casamento? Um ano e meio? É muito pouco tempo para se chegar a uma conclusão, Samantha. — Mamãe vive dizendo que eu não deveria ter casado naquele momento, pois, segundo ela, eu era jovem demais, imatura. — Imagino. A sra. Lewis provavelmente tinha razão. Agora isso não tem mais importância, Samantha. Você tomou uma atitude. A próxima cabe a Craig. Naturalmente alguém vai dizer a ele para onde você foi, não? — Sim, Farley vai contar a ele. Não espero, porém, que Craig faça alguma coisa. Para ser sincera, não espero que ele faça absolutamente nada. Pamela não disse nada, mas havia uma expressão de ansiedade em seu olhar, enquanto estudava o rosto de Samantha. — Bem, vamos nos revezar com Ken e John — Ela propôs. — Você fica no leme e eu farei o resto. Puxa, como o iate está indo ligeiro! Mal se percebe Antígua e Montserrat começa a ficar para trás. — Quanto tempo vai demorar para avistarmos Nevis? A ilha surgiu no horizonte no meio da tarde. Ao longe parecia uma enorme montanha, envolta em neblina, e seu pico dava a impressão de estar coberto de neve. À medida que se aproximavam, verificaram que na verdade a neve não passava de uma espessa nuvem, pairando acima de encostas verdejantes, campos amarelados e árvores. Quando o sol começou a se pôr, tingindo o horizonte de púrpura e dourado, o iate ancorou na enseada de Charlestown, a capital de Nevis. Na manhã seguinte foram até a costa no Zodíaco, apresentaram-se na alfândega e tomaram um táxi, a fim de visitar a linda ilha. Primeiro foram até as ruínas do Hotel Bath, uma elegante edificação de pedra, situada junto a uma lagoa de águas medicinais e que datava do século XVIII. Tinha sido construído para receber visitantes não só das ilhas vizinhas, mas também da Inglaterra, que vinham servir-se das águas para curar várias doenças, da gota à lepra. De lá seguiram por uma estrada cheia de curvas, em direção à Igreja de São João, numa pitoresca aldeia. Era muito antiga e parecia ter sido transportada de uma aldeia da Cornualha. As paredes eram pintadas de branco e os pilares de sustentação, de azul. Sobre uma mesa antiga estava um livro de registro de casamentos, muito gasto. Samantha abriu uma das páginas e lá estava escrito, com tinta esmaecida: “11 de março de 1787. Casamento de Horatio Nelson Esquire, capitão do navio Boreas da esquadra de Sua Majestade, com Frances Herbert Nesbit”. — Trata-se do famoso lorde Nelson — explicou Pamela. — A noiva vivia num engenho de açúcar e o casamento foi realizado na fazenda dos Montpelier, que agora é um hotel. Iremos lá em seguida. A chuva caía em toda a ilha quando eles voltaram do passeio e das visitas aos vários engenhos. Todos eles tinham sido transformados em hotéis. O Sílfide balançava, pois, o mar estava agitado, e Ken decidiu levar o iate até uma grande baía em St. Kitts, uma ilha vizinha. No momento em que deixavam a enseada notaram outro iate, que procurava abrigar-se nela. — Será que eles tiveram dificuldades? — perguntou Ken. — John, pegue o binóculo e dê uma espiada. Veja se é alguém que conhecemos. John levou alguns segundos para relatar o que observava. O Sílfide jogava demais e ele demorou para ajustar o binóculo e observar o outro iate. — Está parecendo aquele iate azul que vimos em Antígua, mas talvez eu me engane. É impossível ler o nome a distância. — Está se referindo ao Falcão Azul? — perguntou Ken. — Exatamente. Samantha e Pamela se entreolharam. O iate, a uma grande distância, não parecia maior do que um bote e enfrentava as rajadas de vento que vinham do alto das montanhas, na ilha de Nevis. Seria de fato o Falcão Azul? Samantha sentiu a excitação se apoderar de todo o seu ser. E se fosse o iate de Howard Clifton que se aproximava? Foi preciso um grande esforço para manter a imaginação sob controle e impedi-la de atravessar as águas encrespadas e ir até o iate. Craig estaria ao leme, tentando enxergar através do nevoeiro trazido pela chuva e pelo vento, procurando onde ancorar. Não era difícil imaginar que Morgana estava ao seu lado, partilhando com ele a violência da tempestade. Não deveria, no entanto, entregar-se àqueles pensamentos e supor que Craig estivesse por perto. Fazer isso seria criar expectativas e ela não queria mais nada dele. Assim que o Sílfide ancorou na ampla baía de St. Kitts fez-se a escuridão e a chuva começou a cair. Todos se abrigaram na pequena sala da popa e, durante o jantar, comeram o delicioso peixe e os frutos tropicais que Pamela tinha comprado no mercado de Charlestown. Em seguida jogaram baralho e ouviram as fitas que John tinha trazido da Inglaterra. A noite seguiu na maior tranquilidade e o dia amanheceu belo e calmo. Após o café da manhã a âncora foi levantada, ligou-se o motor e o iate navegou em direção ao estreito que separa St. Kitts de Nevis. As nuvens ainda envolviam as montanhas de Nevis, mas o sol que despontava no céu azul se refletia sobre o mar, pondo manchas de prata nas ondas muito brancas. Assim que deixaram para trás o perigoso estreito, onde as rochas despontavam, John içou as velas. Mais uma vez o vento soprou, não tão forte como na véspera, e Ken previu que chegariam a St. Barthelemy no início da tarde. Velejaram junto à costa de St. Kitts, coberta de luxuriante vegetação. Atrás deles Nevis mudava de cor, envolta na bruma. O Sílfide se afastou cada vez mais, até a ilha parecer um triângulo azul desenhado por uma criança num papel igualmente azul. De repente algo surgiu a distância. Seria outro iate que os seguia? — Acho que estamos sendo seguidos — disse John, bem- humorado, pegando o binóculo. — É o iate de casco azul, aquele que vimos em Charlestown ontem à noite? — perguntou Pamela exprimindo o pensamento que ocorrera a Samantha. — Creio que não — disse John, olhando atentamente. — Está navegando com uma velocidade dos diabos. Acho que é uma catamarã. — É, sim, e na rapidez com que se desloca vai nos ultrapassar logo. Não há menor sinal do iate azul. Samantha sentiu a tensão diminuir um pouco e deu as costas para as ilhas de Nevis e St. Kitts, à procura de outras novidades. Durante o resto do dia não olhou sequer uma vez para trás, embora em alguns momentos tivesse ímpetos de ver se o iate azul os seguia. CAPÍTULO IV
O Sílfide ancorou na ampla baía, na entrada do porto de
Gustavia, capital da ilha francesa de St. Barthelemy, conhecida afetuosamente pelo nome de St. Barts. Os Wallis, juntamente com Samantha, foram até a costa no veloz Zodíaco. Os tetos vermelhos das casas da cidadezinha brilhavam sob o sol quente do meio-dia e contrastavam com as colinas muito verdes que rodeavam o porto. Este estava repleto de iates, barcos e escunas, carregando e descarregando mercadorias. A influência francesa predominava em Gustavia. Todo mundo falava francês. Os carros que se deslocavam pelas ruas estreitas da capital, congestionando-a, eram franceses. Em um cruzamento dois guardas conversavam, vestidos com uniformes franceses; nas lojas viam-se perfumes, cristais e joias de Paris. Após almoçarem em um pequeno restaurante na beira do cais, Samantha e Pamela decidiram que iriam explorar a ilha, enquanto Ken e John fariam algumas compras para o iate. Combinaram encontrar-se em um restaurante muito conhecido, numa colina de onde se avistava o porto, alugaram um carro e partiram. A estrada subia pela colina e passava por belas casas, com jardins floridos. A água do mar parecia mudar de cor, à medida que elas subiam. Uma flotilha de barcos a vela, que tomavam parte numa corrida do clube de iatismo local, deslocava-se pelo mar. Após numerosas curvas, a estrada penetrou a mata. Chegaram a uma encruzilhada, dobraram à esquerda e deixaram para trás cercas feitas de pedras empilhadas, lembranças dos dias em que aquela região tinha sido intensamente cultivada, produzindo açúcar, algodão e tabaco. Ao chegarem à baía de Corossal entraram numa aldeia que parecia ter sido transportada pedra por pedra do litoral da Bretanha. Algumas mulheres, apesar de descalçadas, usavam os toucados tradicionais que seus ancestrais tinham trazido da França, há muitos e muitos anos. Pamela e Samantha observaram um grupo de mulheres tecendo chapéus de palha, ao lado de folhas de palmeiras, que tinham sido postas a secar ao sol durante duas semanas e das quais se faziam também cestas e esteiras. O chão da sala onde trabalhavam era feito de pinho, polido por várias gerações de pés descalços que passaram por lá. Uma cortina florida ocultava a entrada de um quarto. Em um dos cantos estava pendurada uma rede. As galinhas entravam e saíam da sala. Crianças de pele clara e olhos azuis olhavam através das janelas, cheias de curiosidade diante da presença dos turistas. Por detrás de suas cabecinhas loiras surgiam os hibiscos em flor. Após comprar dois chapéus, Samantha e Pamela voltaram até a encruzilhada, seguindo pela estrada da esquerda, que ia dar na baía de la Sainte Jeanne. Encontraram uma praia em forma de meia-lua, toda sombreada por palmeiras, e nadaram um pouco, antes de dar uma espiada nas aldeias vizinhas. O sol se punha quando regressaram a Gustavia, indo diretamente ao hotel aonde tinham combinado encontrar Ken e John. Os dois já estavam no terraço, tomando um drinque. De lá tinha-se uma vista panorâmica do porto e dos vários iates e barcos. O mar estava uma verdadeira piscina e o valor do dia ainda pairava no ar, bem como o perfume das várias flores que enfeitavam os jardins. — Acho que estou conseguindo enxergar o Sílfide daqui — disse Pamela. — Parece que há outro iate ancorado bem perto. — É o iate azul — informou Kent. — Ele estava chegando quando John e eu fomos a bordo, hoje à tarde, levar nossas compras. — Você não viu quem o manobrava? — perguntou Samantha, tentando demostrar pouco interesse, mas tremendo interiormente. — Um sujeito alto, muito bronzeado. Parecia estar sozinho. — Você falou com ele? — indagou Pamela. — Não. Ele também não nos dirigiu a palavra. Estava ocupado demais em ancorar e recolher as velas. O iate é o Falcão Azul. Samantha olhou para a baía, mas era impossível ver o Sílfide, pois o sol quase tinha se posto. Mais tarde, após um delicioso jantar no elegante restaurante do hotel, voltaram para o iate e ela viu o Falcão Azul a pequena distância, ancorado naquelas águas calmas que refletiam a luz da lua. As janelas do camarote estavam iluminadas, mas não havia sinal de quem quer que fosse a bordo. Na manhã seguinte o iate ainda estava lá, tranquilo e aparentemente deserto. Samantha foi com John a bordo do Zodíaco, a fim de comprarem pão fresco. Um sujeito alto, bronzeado... Não tinha a menor dúvida de que Craig se encontrava no iate. Aquela noite ele tinha dormido a apenas alguns metros de distância e o fato de estar tão próximo a atormentou, todas as vezes em que ela acordou durante a noite. Por que ele viera? O que estava fazendo em Gustavia? Por que não tinha ficado em Antígua? Por acaso a estava seguindo? Ou era apenas coincidência o fato de ter ancorado tão próximos ao Sílfide? Naquela hora tão matinal as ruas estreitas da cidade estavam tranquilas e o ar era fresco. Eles sentiram o cheiro gostoso e inconfundível do pão fresco e em breve encontraram uma padaria. Compraram vários pãezinhos e duas dúzias de croissants, recém- saídos do forno. Assim que terminaram as compras, voltaram para os cais, onde tinham amarrado o Zodíaco perto de alguns degraus. De repente surgiu diante deles um sujeito alto, com cabelos lisos e negros. Vestia uma camiseta de mangas curtas, que moldava seu peito amplo e musculoso. Samantha estava para descer os degraus, carregando o pão, mas deu um passo atrás e olhou ansiosamente à sua volta, como se estivesse procurando um lugar para se esconder. — Olá, Samantha — disse Craig com a maior calma, nem um pouco surpreendido, como se tivesse plena certeza de que a encontraria naquele exato lugar e naquele exato momento. — Pelo que vi, você assaltou uma padaria — ele comentou tirando os óculos escuros. — É longe daqui? Esse pão está cheirando bem. Aquele encontro súbito a tirou do sério e Samantha nem sequer sabia como descrever o caminho que levava à padaria. Sua boca e seus lábios estavam secos e através de sua fina camiseta o pão quente, apertado de encontro ao peito, começava a incomodá-la. Não conseguia tirar os olhos de Craig, sem saber o que dizer. Todo o seu corpo tinha profunda consciência da presença poderosa daquele homem, do tom amorenado de sua pele queimada de sol, do brilho de seus olhos, de suas pernas musculosas, pois ele usava uma bermuda. Percebeu vagamente que John indicava o endereço da padaria. — Obrigado — disse Craig, entendendo a mão. — Meu nome é Craig Clifton e sou do iate Falcão Azul. — John Wallis. Vimos seu iate ontem. Você também estava em Charlestown, na ilha de Nevis, não? — Estava, sim. — Craig olhou de soslaio para Samantha, que ainda se mantinha em silêncio e não conseguia descer os degraus em direção ao Zodíaco, pois ele barrava a passagem. — Não vi vocês por lá — acrescentou, olhando para John. — É que fomos passar a noite em outra ilha. O mar estava muito agitado, no porto de Charlestown. — Nem me diga! O Falcão Azul jogou como nunca e não consegui pregar o olho a noite toda. Ainda bem que tudo aqui está mais calmo e consegui descansar um pouco. Pretendem partir hoje? — Sim, após o café da manhã. — Vão para muito longe? — Para o lado francês da ilha de St. Martin, à enseada dos Pinhos. Parece ser um bom lugar para se ancorar. — Sim, já ouvi dizer. Também me contaram que lá é um bom lugar para se nadar e mergulhar. Provavelmente vamos nos encontrar. Craig olhou mais uma vez para Samantha, acenou brevemente para John e se afastou em direção à cidade. — É esse o Clifton com quem você se casou? — perguntou John, descendo os degraus juntamente com Samantha. — Sim. Samantha transpirava e não se sentia à vontade. O suor escorria por sua pele e seu coração batia descompassadamente. — Acha que ele seguiu você até aqui? — Não sei — ela disse, acomodando-se no bote. — Mas então a presença dele é uma coincidência muito grande — observou John, ligando o motor. O barulho e a distância tornavam a conversa difícil. Samantha sentiu um certo alívio quando borrifos de água do mar caíram sobre sua pele, aliviando-a. — Você o viu? — perguntou Pamela, assim que ela subia a bordo do iate. — Ele saiu de seu iate logo após a partida de vocês. — Sim, estivemos com ele. Estávamos voltando quando ele chegou. — Samantha colocou as compras sobre um banco. — E o que foi que ele disse? — indagou Pamela, sem disfarçar a curiosidade que sentia. — Apenas alô. — E você, o que respondeu? — Nada, quer que corte este abacaxi para você? — Sim, por favor. — Pamela abriu uma gaveta e tirou dela uma faca afiada, entregando-a à amiga. — Você não o cumprimentou? — Não...não consegui dizer nada. — Pegando a faca, Samantha começou a descascar a fruta. — Ele disse a John que provavelmente nos veria na baía dos Pinhos. Pamela, será que de lá eu consigo ir até o aeroporto, nas proximidades de Phillipsburg? — Acho que não, a menos que você disponha de um carro. A julgar pelo mapa, a baía dos Pinhos é um lugar muito afastado e a maior parte das pessoas só consegue chegar lá por meio de barco. — Pamela estava pondo a mesa na pequena sala e olhou-a, intrigada. — Por quê? Está pensando em nos deixar? — Creio que sim, se formos para um lugar onde haja um aeroporto. Sabe para onde Ken pretende ir, após deixar a baía dos Pinhos? — Ele falou em ir a Anguilla, onde pretende passar uns dois dias. Lá mora um antigo colega de escola, que tem um hotel. Pamela começou a pôr água fervente na cafeteira e logo em seguida sentou-se. — Você voltou a ficar perturbada, só porque o viu — murmurou. — Não imaginei que Craig fosse me seguir e não sei por que fez isso. — Ora, vamos! É claro que sabe por que ele a seguiu! Quer vê- la e conversar com você. Samantha, você não pode viver fugindo desse homem. Se ele nos seguir até a baía dos Pinhos, pretendo convidá-lo para jantar conosco. — Oh, não! Por favor, Pamela. Será muito constrangedor. — Constrangedor para quem? Por acaso está preocupada com o fato de Ken, John ou eu nos sentirmos constrangidos só porque você e Craig, após dois anos de separação, estão novamente juntos? Pois não precisa se preocupar. Conhecemos muitos casais que não vivem mais juntos mais ainda continuam amigos e apreciam a companhia um do outro. No que nos diz respeito, Craig é uma pessoa interessada em iatismo, que provavelmente tem muitas ideias a trocar conosco e que, talvez, posso nos dar conselhos e informações a respeito da navegação nestas ilhas. Nós certamente não ficaremos incomodados em tê-lo conosco. Samantha não disse nada e começou a cortar o abacaxi em fatias. — Além do mais, gostarei muito de conhecer um homem que manobrou seu iate sozinho, debaixo da maior tempestade, só para alcançar sua mulher... — prosseguiu Pamela. E fez uma pausa, como se quisesse proporcionar a Samantha a oportunidade de dizer algo, mas ela permaneceu num silêncio obstinado. — Se por acaso ficar constrangida com a presença dele, você pode ir para a praia, ou até mesmo a outro iate. Pelo que li, a baía dos Pinhos parece ser um verdadeiro paraíso tropical; belas praias, palmeiras e coqueiros, águas claras e profundas... Com tudo isso deve haver muitos iates por lá. — Ainda assim preferia que você não convidasse Craig. Não quero vê-lo. Não desejo nenhuma aproximação. Foi por isso que vim com você, mas não imaginei que ele me seguiria. Oh, por favor, Pamela, não o chame para vir a bordo hoje à noite. Por favor! — Está bem, mas não posso falar por Ken! Se ele quiser convidar Craig, não posso fazer nada para impedir. Ele é o comandante e, neste iate, a palavra dele é lei, conforme você já deve ter notado. — Notei, sim. Você sempre faz o que ele manda? — perguntou Samantha em tom de brincadeira. — Só quando estamos navegando. Em terra a história muda completamente de figura. O café está pronto. Chame aqueles dois! Meia hora mais tarde, para grande alívio de Samantha, o Sílfide partiu, antes de Craig voltar ao Falcão Azul. Tiveram mais um dia magnífico e, assim que se afastaram da ilha, viram a pouca distância as colinas muito verdes da ilha de St. Martin contrastando com o azul do céu. O clima perfeito, o fato de estar num iate confortável, sem nada a fazer, a não ser bronzear-se e tomar bebidas deliciosas, deveria acarretar paz de espírito em Samantha, mas estava acontecendo justamente o contrário. Tinha voltado a ficar tensa, olhando toda hora para trás, a fim de ver se não eram seguidos por um iate azul. Passavam por alguns rochedos, um deles com a forma de um leão em repouso, quando ela viu finalmente a vela branca próxima à distante ilha de St. Barthelemy. Estremeceu e inclinou-se para frente, como se conseguisse com isso ver melhor. — Tome... — Pamela lhe estendeu o binóculo. — Com isso você conseguirá enxergar o Falcão Azul muito melhor. Samantha a encarou. Havia uma expressão zombeteira no olhar de Pamela e um sorriso no canto dos lábios. John não fazia questão de disfarçar o quanto se divertia. Ken, por sua vez, também olhava para ela, mas não parecia achar graça na situação. — Obrigada — ela murmurou, pegando o binóculo. Não havia dúvida de que o fato de Craig segui-los de uma ilha a outra divertia Pamela e John, mas ela não achava a menor graça. Sentiu-se como se estivesse sendo perseguida por um caçador. Logo mais, quando chegassem à baía dos Pinhos, seria acuada em um canto e não poderia mais escapar. Cairia numa armadilha e seria obrigada a encarar seu inimigo. Samantha levou o binóculo aos olhos e observou atentamente. Havia mais de um iate navegando aquela manhã, mas finalmente ela se fixou naquele que tinha velas brancas. Aumentando várias vezes pela poderosa lente do binóculo, o iate azul deslizava rapidamente pelas águas. Craig a seguia e, pelo visto, não poderia fazer nada para evitar encontrá-lo. Voltando para perto do leme, Samantha guardou o binóculo no estojo. Somente John estava lá. Pamela tinha descido e Ken se encontrava na popa, ocupado com alguma coisa. Após alguns segundos de hesitação, em que pensou cuidadosamente no que lhe diria, Samantha foi para junto dele. — Quando você deixar a baía dos Pinhos, não pode ir para Phillipsburg? — ela perguntou a Ken, um tanto insegura. — Por quê? — ele indagou, com certa rispidez. — Gostaria de tomar um avião no aeroporto que existe lá perto. — Para onde quer ir? — Para qualquer lugar onde exista um voo para a Inglaterra, e o mais breve possível. Pamela disse que você provavelmente vai parar em Phillipsburg, após visitar Anguilla, e estava pensando se você não se incomodaria de ir para lá ainda hoje, de modo que eu possa partir. — Puxa, mas você é de uma audácia! Está pedindo que mude os meus planos só para poder dar o fora em seu marido! Pois saiba que me incomoda profundamente ir para Phillipsburg hoje, só para satisfazê-la. E se soubesse que você só aceitou nosso convite porque queria fugir de seu marido, jamais teria permitido que pusesse os pés neste iate! — Desculpe... — disse Samantha, chocada. — Não sabia que você pensava assim. — Pois agora sabe. Acontece que sou um homem muito antiquado. Acredito no casamento e nos votos pronunciados no altar. Não pretendo ajudar ninguém a rompê-los. Se por acaso seu marido vier para a baía dos Pinhos quando estivermos lá, vou lhe pedir para deixar meu iate. Não pretendo levá-la nem para Anguilla, nem para Phillipsburg. Ficou claro? — Perfeitamente — disse Samantha, dando-lhe as costas e com o rosto pegando fogo. Era a primeira vez que alguém a fazia sentir que sua atitude ao fugir de Craig, era desprezível. — Não se preocupe, Ken. Sabendo como você se sente, não tenho a menor vontade de permanecer em seu iate. — Ótimo! — ele resmungou, indo de volta ao leme. Samantha arrependeu-se de ter se aproximado de Ken, pedindo que ele modificasse seus planos. Daí a pouco ouviu passos que se aproximavam e viu Pamela a seu lado. — Sinto muito, Samantha, Foi minha culpa. Não devia tê-la encorajado a vir conosco quando você me disse que não podia ficar em Antígua, enquanto Craig estava lá. Devia ter percebido que Ken não concordaria com isso. — Ken lhe disse que, se Craig nos seguir até a baía dos Pinhos, ele quer que eu saia do iate? — Disse, sim. Tentei convencê-lo do contrário, mas Ken não quis me ouvir. Acabou por concordar com minha sugestão. Se Craig não for até a baía dos Pinhos ele permitirá que você vá conosco até Anguilla. Lá poderá tomar um avião. — Obrigada. Espero não ter provocado nenhum problema entre você e Ken. — Bem, Ken e eu nem sempre concordamos com tudo. Ele encara a sua atitude de um ponto de vista exclusivamente masculino. Entende que você está sendo desleal e infiel ao homem com quem é casada e para ele isso é imperdoável. Não quer ter nenhuma participação nessa história. Eu, porém, entendo por que você fugiu. Foi para se proteger de uma pessoa que é muito capaz de dominá-la. Desta vez seu instinto a levou a fugir, a fim de mostrar sua independência. Craig precisa entender que não pode dominá-la o tempo todo, se a quiser de volta. Não é o que você está tentando lhe dizer? — Sim, creio que sim. — Samantha suspirou, olhando por cima do ombro. O iate azul agora estava bem mais perto, o suficiente para que se lesse o número impresso no mastro. — Creio porém, que não fui bem-sucedida. Ele está vindo atrás de mim. — Samantha, admita que você o odiaria se ele não viesse. Reconheça que, como a maior parte das mulheres, você gosta de ter um homem no seu encalço. — Pamela começou a rir. — No fundo, acho que tudo isso é muito divertido. Até parece um daqueles filmes antigos e mal posso esperar a próxima cena, que se desenrolará na baía dos Pinhos! Daí a uma hora o Sílfide deitava a âncora nas águas verdes e transparentes de uma ampla baía, protegida do mar por uma península coberta de coqueiros e palmeiras. Ao longo dela se estendia uma praia de areias brancas. Samantha ajudou a dobrar a vela, depois que ela foi arriada, e notou que havia vários iates ancorados lá, cheios de gente. — Provavelmente são turistas que vieram de Phillispsburg passar o dia aqui — observou John. — Não gostaria de pescar comigo assim que tudo estiver em ordem? Poderemos pegar um peixe para o jantar. Samantha concordou, pois aquilo lhe pareceu preferível a ficar à espera de que o Falcão Azul entrasse na baía. Daí a pouco ela estava sob as águas, nadando rapidamente com a ajuda dos pés-de- pato e observando com interesse os caranguejos, que se deslocavam rapidamente na areia do fundo. Quando se cansou daquilo, Samantha nadou até a praia, deixou a máscara e os pés-de-pato na sombra de uma árvore e foi até o extremo da península, onde havia outra praia. Na outra margem de um pequeno curso de água encontrava-se a ilha de St. Martin, coberta de luxuriante vegetação tropical. Uma estrada muito estreita subia por uma colina. Para onde levaria? Não tinha a menor ideia. Arrependeu-se de não ter consultado um mapa. Poderia ver se lá havia uma estrada que levasse a uma cidade onde pudesse conseguir condução para o Aeroporto Internacional, nas proximidades de Phillipsburg. Suspirou e deitou-se de costas na areia. Mesmo que fosse até a ilha, como conseguiria chegar à cidade mais próxima? Provavelmente teria de andar e não tinha a menor ideia da distância. Mas será que ela queria realmente ir? Queria de fato continuar fugindo de Craig? Deitando-se de bruços, ela começou a desenhar letras na areia. Formou-se um nome: Craig... com um gemido Samantha encostou a cabeça na areia, no lugar exato onde tinha escrito aquele nome que tanto a perturbava. O que deveria fazer? Parar de fugir? Não tinha muitas opções, se Ken Wallis não a queria mais a bordo do iate e se Craig viesse até a baía dos Pinhos. Fora uma atitude infantil deixar Antígua às pressas. Por acaso teria fugido, conforme a sugestão de Pamela, para testar Craig e ver se ele a seguiria? Pois bem, isso tinha acontecido. E o que provava? Seria uma demonstração de amor? Não, era apenas um indício de que ele se recusava a ser derrotado, quando duas vontades entravam em combate. Samantha ficou muito tempo na praia, tentando decidir o que faria em seguida. Percebeu aos poucos que queria desistir de fugir e abandonar a Craig, fazer o que ele bem entendesse. Era preciso enfrentar o fato de que, apesar de tudo o que aquele homem tivesse dito ou feito, após dois anos de separação ainda estava apaixonada por ele e queria ficar onde ele estivesse. Se pelo menos pudesse fazer algo em relação a Morgana Taylor! A sombra das palmeiras se tornou mais comprida e Samantha percebeu que o sol se punha por trás das colinas de St. Martin. Tudo estava mergulhando no mais absoluto silêncio. Não se ouvia nenhum barulho, a não ser o das olhas agitadas pelo vento e o eterno murmúrio da água. Um estranho receio de ter sido abandonada naquele lugar tão isolado se apoderou de Samantha e ela se levantou às pressas. As colinas agora estavam escuras e água tinha reflexos dourados e avermelhados. Subiu às pressas o pequeno morro que separava uma praia da outra. Seus pés doíam, pois pisava em conchas afiadas, meio enterradas na areia. Finalmente chegou à outra praia. A baía estava diante dela e ao longe viam-se as colinas envoltas nas brumas. Os iates de Phillipsburg tinham partido, o mesmo acontecendo com o Sílfide. Um único iate estava lá, ancorado, e sua quilha azul refletia os últimos raios do sol... Samantha sentiu a excitação se apoderar de seus nervos. Craig, tão hábil em caçar nas florestas de seu país, estava a sua espera de sua presa. O que aconteceria agora? Soprou uma rajada de vento fresco e Samantha estremeceu. Nadaria até o pequeno barco que se via à beira da praia ou ele viria até ela? Lembrou-se da máscara e dos pés-de-pato, mas não conseguiu encontrá-los. Quando volto à praia percebeu que o barco se aproximava. Craig veio remando e, ao chegar à praia, saltou. — Estava à sua espera — ele disse com a maior calma. — Está pronta para subir a bordo? — Sim — ela murmurou, um tanto desapontada. Por quê? Afinal de contas, o que esperava? Uma recepção mais quente, mais apaixonada? Mas por que Craig deveria agir assim, quando ela havia resistido a suas carícias na praia de Antígua? — Quando foi que o Sílfide partiu? — ela indagou, subindo no barco. — Há uma hora. John me entregou sua bagagem. — Craig empurrou o barco para dentro da água e subiu sentando-se e começando a remar. — Por que você partiu com os Wallis? — Eles me convidaram para fazer este cruzeiro antes de você vir para Antígua. Eu não quis perder essa oportunidade. — Mas você não tinha a intenção de voltar para Antígua. — Não. — Por que não? — Quando você chegou, eu disse que não poderia permanecer na casa de seu pai, enquanto você estivesse lá. E quando descobrir que Morgana também estava lá, precisei partir. Oh, Craig, como pode fazer uma coisa dessa? Como foi convidá-la para se hospedar na ilha quando sabia que eu estaria lá? — Ainda sente ciúmes dela? Samantha não disse nada. Admitir que sentia ciúmes de Morgana seria reconhecer que ainda o amava, seria o mesmo que dizer que Craig ainda lhe pertencia. Ele, então, a acusaria de ser excessivamente possessiva. Samantha permaneceu em silêncio, contemplando os últimos clarões do sol por entre as nuvens escuras. — Não convidei Morgana para vir a Antígua — disse Craig. — Ninguém ficou mais surpreendido do que eu quando ela apareceu com Conrad na casa de papai. Farley me deu o seu recado — ele prosseguiu, mal conseguindo disfarçar a irritação que sentia. — Fiquei furioso ao saber que você tinha ido embora. Tomei um avião para Antígua apenas para vê-la e pôr um ponto final em nossa separação. — Só que presumiu, com muita arrogância, que eu não concordaria. Após dois anos de silêncio, sem me escrever, sem entrar em contato comigo, simplesmente imaginou que eu estaria encantada em prosseguir com o nosso casamento e que receberia você de braços abertos. Não faltava mais nada! — Samantha se interrompeu e seu peito arfava de indignação. Chegou a vez de Craig ficar calado; apenas o ruído das águas, quando os remos penetravam nela. O barco aproximou-se do iate azul e se encostou nele. Craig agarrou a pequena escada de corda que pendia da amurada do iate, a fim de impedir que o barco se afastasse. — Suba — ele ordenou e Samantha obedeceu, pois não lhe restava alternativa. Ele a seguiu, tirou os remos do barco, amarrou na popa do iate e foi para perto de Samantha. Craig estava tão próximo que ela conseguiu sentir o calor que desprendia daquele corpo. Sentiu subitamente vontade de cair em seus braços e encostar a cabeça em se peito. No entanto, em vez de estender a mão e tocá-lo, ela deu um passo para trás. — Prepare algo para nós comermos, enquanto iço as velas. Em seguida partiremos. — Para onde? — Voltaremos para Antígua. Teremos de navegar contra o vento e enfrentar uma corrente marítima, mas faremos o percurso em umas dozes horas, se lançarmos mão da vela e do motor. — Mas está escuro — observou Samantha, olhando o mar, agora escuro. — Não poderíamos partir de manhã? — Poderíamos, sim, mas quanto mais depressa eu voltar com você, melhor — ele respondeu de um jeito enigmático. Craig foi até a caixa de luz e ligou a chave. Imediatamente o camarote se iluminou. — A geladeira está cheia de comida — observou, saindo para o convés. — Você poderia me dar uma explicação — disse Samantha, chamando-lhe a atenção. — Em relação a que? — Poderia explicar por que quer estar comigo em Antígua amanhã de manhã. Ah, é sempre a mesma coisa! Nunca me deu a menor satisfação e, no entanto, sempre esperou que eu entendesse por que você queria fazer determinadas coisas. Eu tinha que concordar com elas. Creio que você esperou demais... Craig não disse nada e Samantha julgou que ele iria até o mastro a fim de içar a vela, sem dar sequer uma resposta à sua observação. Ele, no entanto, hesitou e voltou a olhar para ela. — Talvez eu tenha mesmo esperado muito coisa de você. Está bem, tentarei dar uma explicação. Quero que você volte comigo para Antígua o mais cedo possível. Gostaria que ficasse lá durante alguns dias, possivelmente não mais do que uma semana, mas o suficiente para convencer os eternos curiosos de que a nossa separação chegou ao fim, de que não vamos nos divorciar. É capaz de fazer isso? Ou será que estou esperando demais de você, como de costume? — Você...quer que eu finja que a nossa separação terminou? — Já que você não deseja que ela termine, creio que terá mesmo de fingir. — Quero saber no que isso implica, antes de concordar — ela declarou, olhando para o camarote. Lembranças dos momentos agradáveis que tinha passado com Craig naquele lugar se apoderaram dela de repente e Samantha quase chorou. — Nós poderíamos nos comportar como se ainda fôssemos casados — disse Craig, um tanto vago, — Sairíamos juntos, faríamos tudo como antes. — Como, por exemplo... dormir juntos? Antes de partir da casa de seu pai, notei que você se instalou no meu quarto sem mesmo perguntar se podia. — Então é isso que está incomodando você! Mas se não dividirmos um quarto todo mundo vai supor que a nossa separação não chegou ao fim. Você não pode deixar de concordar com isso. — De fato, não... — Não precisamos fazer amor quando estivermos sozinhos no quarto. Não vou forçar você a fazer nada que não queira. Pode ter certeza disso. A única coisa que peço é um pouco do seu tempo. — E depois? — Poderá voltar para Londres, se quiser — replicou Craig, dando de ombros, como se aquilo pouco lhe importasse. — De qualquer maneira pense no assunto e me comunique a sua decisão antes de chegarmos a Antígua. Agora vou içar as velas. Craig se afastou e Samantha foi para o camarote. Pegou a sacola, tirou o maiô úmido e pôs a calcinha, uma camiseta, um suéter e jeans, além de calçar sandálias de couro. De volta ao camarote principal, abriu a pequena geladeira, tirando um pacote de carne moída. Em breve preparava alguns hambúrgueres e os punha para cozinha na frigideira. Quando os sanduíches ficaram prontos, o motor do Falcão Azul funcionava a todo e o iate deslizava através do oceano. Samantha levou a comida para o convés, colocando-a sobre uma mesinha fixada no chão perto do leme. Craig o manejava e o iate agora deixará para trás a entrada estreita da baía. Voltando ao camarote, Samantha preparou duas grandes xícaras de café e as levou para fora. Sentou-se num canto, encarando Craig e comendo com grande apetite o sanduíche que havia preparado. As estrelas pareciam dançar no céu de um azul profundo, enquanto o iate oscilava. As colinas da ilha de St. Martin não passavam agora de formas negras e o mar apresentava reflexos prateados. — A lua está surgindo — observou Craig e Samantha voltou-se para o Oriente. A lua surgia por entre as palmeiras da baía dos Pinhos, iluminando aos poucos aquela fantástica paisagem. Não era a primeira vez que Samantha velejava com Craig à luz da lua e ela sentiu uma certa alegria de estar na companhia dele naquele momento. Encarou-o e percebeu que ele não tirava o olho dela. — E então? — ele perguntou e Samantha não precisou perguntar o que ele queria. — Está bem — concordou ela. — Permanecerei durante algum tempo a seu lado, na casa de seu pai. — Obrigado. De repente o vento enfunou as velas, quando o iate, deixando a baía, entrou em mar aberto. Craig ficou muito ocupado, ajustando-as, e Samantha recolheu a louça. Não era mais o momento de falar. CAPÍTULO V
O cais do porto de Antígua estava muito movimentado na
manhã seguinte, quando Samantha e Craig desembarcaram. As tripulações dos grandes iates entraram e saíam, carregando caixas e engradados com mantimentos, além de galões de petróleo e óleo diesel, levando-os a bordo ou então descarregando latas vazias e sacos plásticos com lixo. Bandeiras de várias nações flutuavam nos mastros. As quilhas dos iates, muito envernizadas, refletiam a luz do sol e todo mundo se chamava pelo nome. Após trocar algumas palavras com Jonas Smith, o jovem que cuidava do Falcão Azul sempre que ele estava no porto, Craig se retirou e Samantha o seguiu. Já se haviam passado quatro dias desde que ela partira daquele lugar, com a firme intenção de nunca mais voltar. Lá estava novamente, seguindo aquele homem altivo, cuja pele queimada de sol contrastava com a alvura de sua camiseta e de sua bermuda. Apesar de ter dormido apenas algumas horas, ele não parecia estar nem um pouco cansado. Andava apressado e Samantha sentia dificuldade em manter o passo. Ela ainda estava a poucos metros de distância quando ele dobrou à direita, indo diretamente ao terraço do hotel. Nesse exato momento alguém surgiu diante de Craig: uma mulher e cujos cabelos ruivos emolduravam um rosto triangular, semelhante ao de uma bruxa. Morgana Taylor usava naquela manhã um vestido cor-de- rosa, estampado com folhas verdes e flores amarelas, uma combinação de cores que valorizava o tom de sua pele. Ao vê-la, Samantha parou, sentindo o ciúme tomar de si. Tinha vontade de lhe dar as costas e sair correndo, mas se controlou, fingindo não se importar nem um pouco com a presença daquela criatura. — Craig, querido! — exclamou Morgana, estendendo os braços e beijando-o no rosto. — Quando foi que você voltou? Fiquei muito surpresa ao saber que tinha ido velejar sozinho. Não tinha a menor necessidade de partir só. Eu me sentiria muito feliz por ir com você. Foi só então que Morgana notou a presença de Samantha. A expressão de seu rosto se alterou imediatamente. O sorriso com que tinha acolhido Craig morreu e ela apertou os lábios. Em seus olhos surgiu um brilho hostil. — Samantha! — exclamou Morgana e todo vestígio de prazer e gentileza tinha sumido de sua voz, dando lugar a um toque quase hostil: — O que está fazendo aqui? Pensei que tivesse partido com alguns amigos para um cruzeiro através das ilhas. Farley me disse que você não voltaria para cá, mas regressaria à Inglaterra assim que o cruzeiro chegasse ao fim. — Nunca se deve acreditar no que Farley diz — observou Craig, com ironia. Antes que Samantha conseguisse imaginar uma resposta, ele lhe passou o braço em torno dos ombros, puxando-a para si. — Eu não tinha condições de partir quando os amigos de Samantha a convidaram. Ela se foi sem mim e nós nos encontramos mais tarde. Samantha e eu acabamos de chegar e vamos tomar o café da manhã no terraço do hotel, antes de voltar para casa. Vamos sentar aqui, meu bem? — Ele fez a pergunta com grande ternura e lançou um olhar significativo para Samantha. Ela concordou e Craig manteve o braço em torno de seus ombros, enquanto procuravam uma mesa num canto afastado. Sentaram-se um ao lado do outro e uma garçonete veio atendê-los. Quando ela se voltou para entrar no hotel quase se chocou com a Morgana, que os tinha seguido. — Pode trazer café para mim — disse à garçonete com voz autoritária, sentando-se numa cadeira, na extremidade da mesa. — Devo dizer que me alegro com a sua volta, Craig. O sr. Clifton se recusou a ver papai, enquanto você estava ausente. Carla diz que ele não quer discutir negócios sem que você esteja perto. — Com um gesto nervoso, Morgana abriu a bolsa e tirou um maço de cigarros e um isqueiro de ouro. — Como você pode imaginar, papai quase chegou a ficar irritado. Não gosta de esperar, mesmo num lugar tão agradável quanto este. — Morgana, você não precisava ter vindo com ele. Sua presença não era necessária — disse Craig, com frieza. A ruiva ficou muito pálida, e seus olhos lançaram fagulhas. A atmosfera se tornou subitamente muito tensa, enquanto os dois se encaravam. Finalmente ela se pôs a rir, jogando a cabeça para trás. — Oh, querido, eu adoro quando você faz o papel de homem de negócios, duro e mandão — ela disse, inclinando-se e tocando a mão de Craig, que estava pousada sobre a mesa. — Vou contar a papai que você disse, mas não vá pensar que andei perdendo tempo desde que cheguei. Tenho me divertido muito! Conheci um homem fascinante. É oficial aposentado da Marinha e arqueólogo amador. Ele me contou histórias muito interessantes sobre a ilha. Meu bloco de anotações está cheio. Morgana começou a falar sobre tudo o que tinha aprendido em relação ao passado de Antígua. Como sempre se dirigia unicamente a Craig, fixando-lhe os olhos, monopolizando-o completamente e ignorando a presença de Samantha. Nem mesmo quando a garçonete trouxe o café ela se interrompeu, contando sobre o sítio arqueológico que tinha ido visitar na véspera, numa propriedade particular, onde antes havia uma aldeia indígena. — Brendan disse que os testes de carbono indicam que os fragmentos de cerâmica e os ossos de peixe datam de 1100 a.C., mas as camadas mais profundas recuam a mais de sete séculos. Disse também que antes de os caribes chegarem aqui, pouco antes da viagem de Colombo, os aruaques viviam num verdadeiro paraíso. Esta ilha, que era apropriada para acampamentos indígenas, há tantos e tantos séculos, é perfeita para o turismo hoje em dia. Nada tinha mudado. As coisas continuavam como sempre. Morgana falava sem parar, monopolizando a atenção de Craig. Por que Samantha havia concordado em voltar com ele? Deveria saber que tudo seria exatamente assim. Como iria suportar aquela situação? Olhou de relance para Craig. Ele tinha terminado de comer e observar a xícara de café, enquanto Morgana continuava a falar. Por acaso estaria prestando atenção nela? Seria difícil dizer. Subitamente, como se percebesse que Samantha o olhava, ele a encarou. Sorriu ligeiramente, mas com muita ironia, e em seus olhos surgiu um brilho divertido, enquanto fazia com a cabeça um gesto quase imperceptível, em direção a Morgana. Deu uma piscadela maliciosa e Samantha sentiu subitamente uma onda de afeto por ele. A exemplo dela, Craig achava o monólogo de Morgana extremamente tedioso. De repente ele se manifestou: — Cale a boca, Morgana. Ela parou de falar na hora, sem acreditar no que tinha acabado de ouvir, e piscou os olhos muito pintados. — Você disse alguma coisa, querido? — Disse para você calar a boca. Samantha e eu velejamos a noite toda e viemos até aqui na esperança de tomar o café da manhã em paz. Não estamos com vontade de ouvir o enredo do seu próximo livro. Confesso que para mim ele parece bastante chato. Acha que alguém vai querer ler isso? Samantha ficou tensa, à espera de que Morgana explodisse diante da grosseria de Craig e procurou disfarçar, servindo-se de mais café. Morgana, pelo visto, levou algum tempo para observar o que ele tinha dito, pois fez-se um breve silêncio, carregado de eletricidade. Ela então falou com a maior calma: — Algumas vezes eu me entusiasmo demais, não é mesmo? Mas isso só acontece quando estou na sua companhia, querido. — Olhou para Samantha e sorriu. — Sabe, estou tão acostumada a contar a Craig tudo o que me acontece. Sempre fiz confidências, como uma irmã faz com seu irmão... — Seu sorriso se transformou aos poucos numa espécie de careta e em seus olhos havia uma expressão desagradável, enquanto ela continuava a fitar Samantha. — Ou como uma mulher faz com seu marido — ela acrescentou, em tom provocante. — Mas você não é minha irmã, nem minha mulher. Então, não precisa me contar tudo o que lhe acontece, eu não preciso ouvir isso — declarou Craig, fazendo um sinal à garçonete para que lhe trouxesse a conta. Ainda assim Morgana não se retirou. Voltando-se para Craig, inclinou-se sobre a mesa e acariciou-lhe os cabelos. — Como você está irritado hoje de manhã! Imagino que não tenha dormido muito bem ontem à noite. Está certo, vou ficar muda. Samantha pode falar no meu lugar. Se a memória não me engana, ela nunca teve muito o que dizer e a falta de conversa pode ser tão aborrecida quanto o excesso. — Morgana voltou a olhar para Samantha e seu sorriso brilhante mal disfarçava o desprezo e a raiva que sentia naquele momento. — Diga uma coisa, você dois se reconciliaram? Estão juntos novamente? — Estamos, sim — disse Craig, com rispidez. — Meu bem, seria muito bom se você deixasse sua mulher falar de vez em quando. Eu me dirigi a ela. Se você ficar muito dominador, ela vai voltar a fugir. Não é mesmo, querida Samantha? Morgana desafiou-a com o olhar e Samantha precisou lançar mão de todo o autocontrole para não se levantar e dizer tudo o que pensava daquela mulher, antes de se retirar. Percebeu subitamente que era exatamente isso que Morgana queria que ela fizesse. Ficou onde estava e, dominando a raiva que sentia, retribuiu o desafio com um sorriso amável, ao mesmo tempo em que segurava o braço de Craig, acariciando-o. — Não, já cansei de fugir. Craig e eu estamos novamente juntos e pretendemos continuar assim, não é mesmo, meu bem? — Sem dúvida, meu anjo... — ele murmurou, encarando-a. Samantha sentiu-se aliviada, pois Morgana não conseguia ver o brilho irônico no olhar de Craig. — Bem, só resta lhes dar os parabéns e desejar tudo o que há de melhor — disse Morgana, levantando-se. — Devo me apressar. Prometi me encontrar com Brendan no estacionamento às onze e meia e está na hora. Ele vai me levar para dar um passeio pelas colinas e mais tarde iremos até St. John, através da floresta que fica do outro lado da ilha. Vou contar a papai que você está de volta, Craig. — Vou dar uma palavrinha com ele, se ainda estiver no hotel — disse Craig, levantando-se e pegando a conta que a garçonete lhe trouxera. — Não demoro muito, Samantha. Vou telefonar para casa e pedir Jeremiah que mande o Cadillac vir nos buscar. Sozinha à mesa, Samantha viu Craig e Morgana se afastarem em direção à entrada do hotel. Ambos eram altos e tinham muitas coisas em comum; a nacionalidade, a educação, a riqueza... Mais uma vez sentiu aquele horrível ciúme de Morgana tomar conta de si, apesar da atitude um tanto rude que Craig tivera com aquela mulher. Samantha juntou as mãos, tensa, e engoliu em seco. Não tinha sido nada fácil fingir que a separação havia terminado, e que mais uma vez eles eram um casal que se amava. Teria sido convincente? E por acaso Morgana precisaria ser convencida? Ela franziu o cenho, inquieta com aquele pensamento. Mais uma vez, desde que Craig lhe pedira para voltar para Antígua e ficar lá alguns dias, fingindo que a separação chegou ao fim, Morgana imaginou por que ele estaria querendo que todo mundo soubesse dessa reconciliação. Precisaria perguntar as razões, mas o que ele diria? Quando Craig voltou ao terraço e acenou para ela, indicando que viesse ao seu encontro, ele estava acompanhado pelo homem alto e grisalho que se encontrava na companhia de Morgana há quatro dias. — Acho que você ainda não conhece Samantha, não é mesmo? — disse Craig com amabilidade — Samantha, quero lhe apresentar Conrad Taylor. Havia um brilho de inimizade nos olhos negros de Conrad, a exemplo do que tinha acontecido com Morgana, e ele a cumprimentou com muita frieza. — Muito prazer — ele disse secamente, voltando-se para Craig. — Vou pensar no que você acaba de dizer e depois me comunico com você, meu filho. — Deu um tapinha nas costas de Craig e voltou para o hotel. — Bem, pelo visto passamos muito bem pelo primeiro teste! — observou Craig, bem-humorado. — Obrigado por não ter perdido o controle quando Morgana foi agressiva. O carro deve estar à nossa espera no estacionamento. Vamos. David Smith, filho de Jeremiah e chofer e jardineiro de Howard Clifton, estava à espera deles e daí a pouco percorriam a estrada que levava a Falmouth. — Falei com Carla pelo telefone. Ela ficou contente por você voltar comigo — disse Craig. — Segundo ela meu pai sente falta das suas leituras. Aproveitei a oportunidade e contei-lhe que a nossa separação chegou ao fim e que você ficará conosco o tempo que eu ficar. Samantha olhou para ele: o rosto bonito não revelava seus pensamentos e sentimentos; os olhos contrastavam mais do que nunca com a pele bronzeada. Craig a encarou com firmeza, sem o menor traço de ironia no olhar. — Por que você quer que todo mundo acredite que a nossa separação chegou ao fim? Tem algo a ver com seus negócios? — Talvez — ele disse num tom evasivo, olhando pela janela. — John Wallis ouviu dizer que Conrad Taylor espera assumir a presidência da Clifton. Foi por isso que ele veio a Antígua conversar com seu pai? — Onde foi que ele ouviu isso? — No bar do hotel. É verdade? — Talvez. Conrad espera voltar a discutir com o papai a possibilidade de fundir sua empresa com a nossa, possibilidade que ele levantou há dois anos. Até agora não teve muita sorte. — É porque seu pai se recusa a discutir o que quer que seja com Conrad sem que você esteja presente. — De fato. Você é bem esperta, não? Ouviu tudo o que Morgana dizia, embora desse a impressão de que morria de sono. — Craig se aproximou um pouco mais e cruzou as pernas. — Meu pai disse a Conrad que não abordaria o assunto com ele, a menos que eu estivesse lá. Assim sendo, convidou você para vir até aqui, sabendo que eu também viria. — Ainda assim não entendo por que você quer fingir que a nossa separação terminou. — Você não precisa entender. Tudo o que tem a fazer é ser meiga e gentil como sempre e me seguir, como fez até agora. Não será muito difícil e haverá algumas recompensas para nós dois — disse ele, com ternura. Antes que Samantha pudesse tomar alguma atitude ele lhe deu um beijo perturbador. Samantha estremeceu e abriu os lábios, convidando-o involuntariamente a beijá-la e a explorar a doçura de sua boca. Imediatamente Craig ficou excitado. Seguiu-se um momento de grande intensidade, em que ele se limitou a roçar os lábios nos dela, em seguida se afastou. — Por mais que eu quisesse aceitar o seu convite e prolongar a experiência, não temos tempo para isso agora, Samantha... Mais tarde voltaremos a tentar... — E, se fosse você, não contaria muito com isso — ela declarou, fingindo uma calma que estava longe de sentir e procurando se dominar para ele não perceber que seu coração batia descompassadamente e que mal conseguia respirar. O carro agora descia a colina além da qual se via a pequena baía, em frente à residência dos Clifton. — Lembre que você prometeu não me forçar a fazer nada que eu não quiser fazer — ela disse, muito tensa, olhando para as águas da baía. — Esteja certa de que vou manter a minha promessa. Sensível às menores mudanças no estado de espírito de Craig, Samantha percebeu um certo tom de ironia na voz dele e o encarou. Seu rosto parecia esculpido em madeira e estava imóvel. Apenas os olhos exprimiam zombaria. — Tenho a impressão de que você gosta de ser beijada por mim — ele acrescentou com certo cinismo. — Pois está redondamente enganado — ela afirmou, percebendo que o carro tinha parado. David provavelmente morria de curiosidade e ouvia a conversa. — Sei que não estou — replicou Craig, rindo e acariciando a nuca de Samantha. — Por favor, abra a porta, David — disse Samantha, trêmula, sentando-se na beira do banco, numa tentativa de ser livrar daquele contato perturbador. — Quero descer. — Sim, senhora. David apertou o botão no painel e as duas portas de trás se abriram automaticamente. Samantha desceu e saiu rapidamente em direção à casa. Carla estava à espera deles no vestíbulo. Sorriu e deu um abraço apertado em Samantha. — Que bom ver você novamente! Farley procurou me atormentar, dizendo que você não voltaria, mas Craig explicou o que aconteceu. Disse que tinha partido com alguns amigos e que ele iria ao seu encontro e a traria de volta. — Farley foi para Toronto? — perguntou Samantha, tirando sua sacola da mão de Craig. — Sim. Viajou ontem. Vamos até o quarto de Howard? Ele disse que queria ver vocês assim que chegassem. — Gostaria de tomar um banho e trocar de roupa antes de vê- lo. E também de lavar os cabelos. — Pois vá — disse Craig um tanto tenso. — Irei diretamente ao quarto de papai e você nos encontrará assim que estiver pronta. Como é que ele está passando. Carla? — Bem. Neste momento aquele rapaz está com ele — disse Carla, afastando-se com Craig. — Que rapaz? — Esqueci o seu nome. É do jornal de Londres. Howard não lhe contou que esperava um jornalista? Irá resolver com ele aquela questão dos artigos... A voz de Carla se tornou apenas um murmúrio e Samantha não ouviu o resto do que ela ia dizer. Para sua grande surpresa sentiu-se contente por estar de volta à suíte confortável. Estava em casa e, após viver confinada em um iate durante alguns dias, era bom poder gozar de muito espaço, espalhar suas roupas pelo chão enquanto se despia e andar nua de um quarto para o outro. O melhor de tudo, porém, era o conforto proporcionado por uma enorme banheira cheia até a borda, onde poderia deitar-se e relaxar, sabendo que não seria incomodada durante algum tempo. Nem mesmo por Craig... Ora, só faltava essa! Samantha sentou-se, num gesto brusco, e a água se esparramou pelo chão. Estava profundamente irritada consigo, pois tinha deixando a imagem de Craig interferir em seus pensamentos. Pelo visto, ele não precisava estar no quarto para perturbá-la... Afinal de contas, o que ele pretendia? Por que queria que ela ficasse em sua companhia durante alguns dias e fingisse que a separação chegara ao fim? Craig evitava qualquer definição. “Você não precisa entender”, ele dissera quando estavam no carro, beijando-a depois. Não queria pensar naquele beijo e muito menos em suas reações. “Tudo aquilo não passou de um ato reflexo”, ela argumentou para si mesma, ensaboando vigorosamente os cabelos. Seus lábios tinham reagido involuntariamente ao toque dos lábios de Craig, pois já estavam acostumados ao seu calor e à sua sedução. Ela, no fundo, não desejara retribuir aquele beijo, não tivera a intenção de convidar Craig a prolongá-lo, animando-o a desfrutar com ela as delícias do prazer. Ou não seria verdade? Samantha suspirou e voltou a deitar-se na banheira. “Tentaremos de novo mais tarde”, ele dissera. Sabia perfeitamente que Craig cumpriria a promessa e continuaria tentando, até pôr abaixo suas frágeis defesas. Ele não tinha mudado nada! Ainda era o homem por quem se apaixonara havia quatro anos. Continuava sendo dominador, direto, forte... Samantha pôs-se de pé, fechou a cortina e abriu o chuveiro. “Se você ficar muito dominador ela voltara a fugir, não é mesmo, querida Samantha?”, a voz irritante de Morgana lhe soava nos ouvidos. Morgana se enganara. Não tinha fugido de Craig por desaprovar suas atitudes dominadoras, constatou, enquanto saía da banheira e se enxugava com uma toalha felpuda. Tinha escapado unicamente porque não conseguia dividi-lo com Morgana. Era muito feliz até o dia em que ela apareceu, admitiu, enquanto enxugava os cabelos com um secador. Maldita Morgana! Por que estava sempre por perto? O que estava fazendo em Antígua? Por que se interpunha entre Craig e ela? Por quê? Por quê? Seria de fato amante de Craig? Samantha desligou o secador e, indo para o quarto, abriu a porta do armário. Deveria existir um modo de descobrir se eles ainda tinham um caso. Quem poderia dizer? Carla? Samantha sacudiu a cabeça, enquanto escolhia um vestido de algodão verde. Não, duvidava de que Carla, tão bondosa e maternal, soubesse muita coisa a respeito de Morgana, pois o relacionamento entre Craig e sua madrasta era pouco íntimo. Ele jamais a tinha encarado como uma substituta de sua mãe. Quando Howard Clifton desposou Carla, Craig já estava em um internato, nos arredores de Ontário. Passava a maior parte das férias com sua mãe, na Inglaterra, e quase não via Carla. Era muito pouco provável que ela soubesse algo sobre seu relacionamento com Morgana. Samantha se vestiu e começou a se maquilar. A cor do vestido lhe valorizava a pele bronzeada e lhe acentuava o brilho dos olhos verdes. Jamais poderia competir com a aparência vistosa de Morgana, mas até que era bem atraente... Tinha a pele boa, os cabelos finos e brilhantes, e os olhos possuíam uma expressão suave. Craig, pelo visto, parecia ter sempre apreciado demais sua aparência. Parecia... Samantha ficou tensa. Aí estava a dificuldade. Não tinha certeza se ele a amava realmente, pois nunca lhe dissera. Parecia amá-la, pois a pedira em casamento, mas nunca lhe havia dito nada. Achava que fazer com ela fosse o suficiente. No entanto, se Craig passara a infância e boa parte da adolescência num colégio interno e se viajava com frequência para a Inglaterra, como era possível que fosse íntimo de Morgana? Era estranho que ela não tivesse pensado nisso até então. Claro que a pessoa que ela deveria interrogar era o próprio Craig! Tinha tentado, porém suas respostas sempre eram evasivas ou indiferentes, quando ele não caçoava dela por ser ciumenta e possessiva. Samantha saiu do quarto e foi para a sala de estar. O vendo soprava, dobrando as folhagens nos vasos e os canários pulavam de cá para lá em suas gaiolas douradas. — Como você vê, os canários estão se comportando de um jeito muito esquisito — comentou Carla. — Acho que mais tarde teremos chuva. O ar está úmido e as nuvens estão se acumulando no céu. Acho que vou fazer a sesta. Howard também precisa descansar. Por favor, não permita que Craig e o jornalista o façam falar durante muito tempo. — Farei o que for possível — disse Samantha. Bateu à porta, quando chegou à suíte de Howard. Não houve resposta e ela entrou no aposento espaçoso. Como estava situado na ala leste, ficava mergulhado na sombra a maior parte do dia, mas, naquele momento, até mesmo lá o ar estava úmido e quente. Não havia ninguém no quarto e ela o atravessou, indo até o pátio. Howard estava sentado numa espreguiçadeira. Usava calça de algodão, uma camisa branca e um chapéu de palha, que escondia seus olhos cor de avelã. — Que bom que você voltou, Samantha! — ele disse, sorrindo. — Eu também fiquei contente. Ela sorriu e lhe estendeu a mão, percebendo com surpresa que estava sendo sincera. Sentia-se feliz por ter voltado. Abandonando-se a um impulso de afeto, inclinou-se e beijou o rosto de Howard. — Como está se sentindo? — Muito melhor, agora que você e Craig estão juntos — ele disse, apertando-lhe a mão. — Sr. Barry, quero lhe apresentar minha nora, Samantha. Este é Lyndon Barry, do Diário de Notícia, o Jornal inglês da Clifton. Lyndon! A cabeça de Samantha girou e no mesmo instante ela ficou alagada de suor. Lyndon em Antígua? Ela fez o possível para se controlar e olhou para o rapaz, que a encarava como se não conseguisse acreditar no que via. — Samantha! — ele exclamou, ficando de pé e esbarrando num gravador. — O que está fazendo aqui? — Vocês já se conhecem? — perguntou Craig com rispidez. De braços cruzados, ele estava sentado à mesa, diante de Lyndon. — Claro que sim! — disse Lyndon, que ainda fitava Samantha com ar de incrédulo. Ela forçou um sorriso, desejando ao mesmo tempo que o rapaz sumisse de lá. — Olá, Lyndon. Que surpresa, não? Craig, como você deve saber, a revista em que eu trabalhava e o Diário de Notícias funcionam no mesmo prédio. Assim Lyndon e eu nos vimos mais de uma vez. — Percebo — resmungou Craig, lançando-lhe um olhar glacial. — Mas não sabia que ela... isto é, que Samantha era sua mulher — disse Lyndon. — Sabia, e claro, que era casada, mas... — Ele se interrompeu, confuso e olhou para Samantha com certa mágoa. — Sempre usei o meu nome de solteira no trabalho e naturalmente Lyndon não poderia saber o meu nome de casada é Clifton. — Naturalmente — disse Craig e ela o encarou, preocupada. Os lábios dele se contraíram, numa expressão carregada de ironia. — Acabou de entrevistar meu pai, Barry? — Por hoje, sim... — respondeu Lyndon, pegando o pequeno microfone e o gravador — Sr. Clifton, gostaria de voltar amanhã para fazer algumas fotos. — Está bem. Venha às dez em ponto. Se chegar tarde terá de se arrumar com as fotografias que o seu jornal tiver no arquivo. Lá deve haver uma boa seleção, já que o proprietário sou eu. — Chegarei às dez. Seria possível eu chamar um táxi? — ele perguntou. Parecia um tanto afobado e gotas de suor lhe banhavam a testa. — Onde está hospedado? — perguntou Craig, levantando-se. — No Hotel da Laguna. Fica ao lado da estrada. — Eu levo você. Vamos. — Oh, obrigado. Até amanhã, sr. Clifton. Até amanhã, Samantha. — Ele lhe lançou um olhar um tanto preocupado e seguiu Craig. — Sente-se, Samantha — disse Howard, com amabilidade. — Por que não contou para aquele rapaz que era casada com um Clifton? Sentando-se na cadeira de Lyndon, ela afastou os cabelos da nuca. A umidade e o calor a faziam sentir-se mal. O vento soprava o tempo todo, mas não lhe proporcionava o menor alívio. A atmosfera se tornava cada vez mais opressiva. — Eu... não sei. Nunca me passou pela cabeça contar. Não costumávamos falar muito a respeito de nós mesmos. — Ele nunca lhe fez perguntas em relação ao seu marido? Nunca quis saber onde você morava e por que estava separada dele? — Fez, sim, eu lhe contei a verdade, mas sem mencionar o nome de Craig. Não disse a ninguém que trabalhava comigo no escritório da Empresa Clifton que eu era sua nora. Poderiam pensar que eu tinha conseguido o emprego graças à influência de Craig. — Ah, sei. Foi muito sensato da sua parte. Mas se você nunca falou ao sr. Barry do seu relacionamento com Craig, onde foi que ele obteve a informação de que planejava se divorciar de meu filho? — Eu me lembro de ter dito a Lyndon certa vez que estava para consultar um advogado e lhe pedir conselhos sobre o divórcio — ela murmurou. — E tem certeza de que não lhe disse o nome de seu marido? — Certeza absoluta — afirmou Samantha, enfrentando o olhar de Howard. — Acredito em você. Onde será que o rapaz pode ter ouvido esse boato? — Não sei. Ele não lhe fez nenhuma pergunta nesse sentido? — indagou ela, aborrecida. — Ele teve a audácia de me perguntar se havia algum fundo de verdade no boato que corre entre os milionários de Antígua, segundo o qual a mulher de meu filho mais velho pretende mover um processo de divórcio. Isso bastou para eu ficar arrependido por ter concordado com essa entrevista. Durante anos evitei ser entrevistado pelos meios de comunicação, sabendo que os repórteres têm muito pouco respeito pela vida particular das pessoas e distorcerem a verdade. Mas é uma ocasião especial, pois estou me aposentando da presidência da Clifton. Concordei em deixar todos os meus jornais publicarem um artigo a meu respeito. Mas estou irritado! Afinal de contas, esperava que um jornalista que trabalha para mim mostrasse mais tato e evitasse perguntas pessoais! — Howard se recostou nas almofadas da espreguiçadeira e fechou os olhos. Subitamente parecia muito cansado e frágil. — Craig estava presente quando Lyndon fez a pergunta? — indagou Samantha e ele abriu os olhos, encarando-a novamente. — Graças a Deus, não. Ainda pensa em se divorciar de Craig? Achei que... Bem, pelo menos Carla me disse hoje de manhã que vocês dois resolveram pôr um ponto final nessa separação. — É verdade — ela disse, lembrando-se de que deveria manter as aparências. — Que bom! Não gostaria que você fizesse o que a mãe dele fez comigo — disse Howard, e a amargura com que se exprimia chocou Samantha. — Mas o que foi que ela lhe fez? — murmurou, pensando na bela Ashley, que não tinha compreendido seu marido. — Casou comigo pelo dinheiro e assim pôde se divorciou, também por dinheiro — ele disse, com frieza. — Isso é coisa que acontece sempre, mas não pretendo ficar de lado e deixar que ocorra com Craig. Está me ouvindo? — Howard a encarou, com ar de desafio. — Não fiquei imaginando que vai se divorciar de meu filho, acusando de crueldade mental ou qualquer coisa no gênero e extorquir dele um milhão de dólares. Se houver divórcio, será ele quem pedirá! — Não... haverá divórcio — disse Samantha, trêmula. — Foi o que eu disse ao sr. Barry. Disse a ele também que desfaça imediatamente esse boato. Gostaria de saber quem começou essa história toda. Você poderia tentar descobrir, Samantha. — Vou tentar. — Agora estou muito cansado. Vem aí uma tempestade. Todo mundo se sente irritado e nervoso quando se forma um temporal. Se não quiser brigar com Craig, fique afastada dele até a chuva cair. — disse Howard com uma risada irônica, que o fazia se assemelhar ao filho. — Chame Jeremiah, por favor. Ele fechou os olhos e Samantha se levantou. Gostaria de lhe perguntar se ele desconfiava de quem havia espalhado o boato, mas ele estava pálido e exausto, o que a fez mudar de ideia — Vou dar o seu recado a Jeremiah — ela disse, tocando de leve o ombro de Howard e entrando em casa. Encontrou Jeremiah no corredor. — O sr. Craig telefonou — o criado disse. — Deixou um recado. Foi até St. John e volta mais tarde. — Obrigada. O sr. Clifton está muito cansado e pediu que você fosse vê-lo. Se Craig ou mais alguém telefonar, estou em meu quarto, Jeremiah. — Sim, senhora. CAPÍTULO VI
Samantha estava deitada na cama e, através da janela que dava
para o pátio, observava os jogos de luz e sombra o concreto em volta da piscina. Por que Craig tinha ido a St. John? Por acaso fora ao encontro de Morgana? Teria combinado um encontro com ela na capital, quando entraram no hotel? Por acaso aquela pequena cena que se passara no terraço fora apenas uma farsa, executada por Craig e Morgana com a intenção de levá-la a pensar que não havia entre eles tanta intimidade assim? A rudeza de Craig com a ruiva, não teria sido apenas um fingimento intencional, a fim de ocultar a verdade? Ela se voltou inquieta na cama, desejando poder desligar sua imaginação, como faria com um aparelho de tevê. Lembrou-se de que o sofrimento não havia chegado ao fim. Não tinha o menor direito de imaginar onde ele se encontrava, só porque não estava a seu lado naquele momento. Craig não precisava ficar grudado nela o tempo todo. Fechou os olhos e adormeceu, só acordando ao ouvir alguém bater de leve à porta do quarto. Era Jeremiah, que lhe dizia que um certo sr. Barry desejava lhe falar ao telefone. Ela poderia atender na extensão, na sua sala de estar. — Obrigada. — Tonta de sono, Samantha consultou o relógio e viu com grande surpresa que eram quinze para as cinco. Tinha dormido mais de duas horas. — O sr. Craig já voltou de St. John? — Ela perguntou, seguindo Jeremiah até a sala. — Não, senhora, ainda não — ele disse, retirando-se. Samantha sentou-se no divã e atendeu o telefone. — Olá, Lyndon. Ainda bem que telefonou, eu lhe devo desculpas. — Sem dúvida, mas não podemos conversar sobre isto pelo telefone. Não pode vir até o hotel? Tomaremos um drinque, jantaremos e você poderá se explicar. — Estarei aí dentro de meia hora. — Eu a espero na recepção. Samantha colocou o telefone no gancho e, levantando-se, se espreguiçou. O sono, embora povoado com imagens de Craig e Morgana, tinha lhe feito bem. Ver Lyndon e lhe explicar por que nunca lhe contara que era casada com Craig Clifton seria mais saudável do que permanecer em casa, tentando imaginar onde ele se encontrava. Pôs um vestido de algodão azul-turquesa, estampado com folhas azul-escuro, adquirindo em uma butique da moda em St. John. Os ombros e o colo ficavam expostos, a saia era ampla e franzida. Assim que ficou pronta, David a levou numa espécie de jipe, sem portas, fabricado na ilha com peças importadas de outros países. O sol ainda brilhava, mas o céu estava cheio de nuvens carregadas e as palmeias não se moviam. Não soprava o menor vento, o que era raro. O ar parado e a umidade criavam uma atmosfera de intranquilidade, uma calma suspeita antas da tempestade. Lyndon estava à sua espera na ampla recepção do hotel. Usava calça de linho e camisa do mesmo tecido. Cumprimentou-a com certa distância e não sorria. Sentaram-se uma mesa no terraço, entre o edifício principal do hotel e a grande piscina. Muitos dos hóspedes estavam sentados ou em pé conversando e bebericando. Os garçons passavam por entre as mesas, com as bandejas cheias de bebidas. Em um lado do pátio alguns rapazes, vestidos com calças brancas e vistosas camisas de algodão, colocavam seus instrumentos no lugar. — É uma orquestra muito conhecida — explicou Lyndon a Samantha. — O jantar será servido à americana, aqui no pátio. Você vai ficar, não é? — Sim, se você quiser. — Samantha tomou um gole da bebida que ele tinha pedido. — Lyndon, o fato de você ser enviado para cá a fim de entrevistar Howard Clifton não passa de uma coincidência, não é mesmo? Quero dizer, você não sabia que eu estava aqui. — De fato, não sabia. Não sabia nem mesmo que você tinha saído da revista até alguns dias atrás, quando telefonei para o escritório à sua procura. Lá ninguém soube me informar onde você se encontrava e então telefonei para o seu apartamento. Sua amiga Thea se mostrou muito reservada e disse que não tinha a menor ideia de onde você estava e de quando regressaria. Ela se recusou a me dar o endereço de seus pais, mas me lembro de você ter dito certa vez que eles moravam em Epping. De nada adiantou, pois não sei o nome deles. Pelo menos, assim me apareceu. Sempre supus que Lewis fosse o sobrenome do seu marido. Claro que foi uma tolice de minha parte, pois nos dias de hoje as mulheres não adotam o nome do marido quando se casam. Não foi o que aconteceu com você — ele observou, em tom acusador. — De fato Lyndon, eu tinha minhas razões para não usar o nome dos Clifton. Não queria que pensassem que eu tinha conseguido o emprego só porque me casei com Craig. Não suporto esse tipo de favorecimento. — Entendo perfeitamente. O que não entendo, porém, é porque você não me disse nada a respeito do seu marido. Julguei que fôssemos amigos. Eu jamais teria traído a sua confiança. — Acontece que eu não tinha tanta certeza assim. Sinto muito se magoei você. — Estou mais decepcionado do que propriamente magoado. Gosto de você, Sam, e começava a pensar que nós dois poderíamos ser mais do que simples amigos, sobretudo quando você me contou que tinha consultado um advogado em relação ao divórcio. Agora sei que você não levará isso adiante. O velho Clifton foi bastante firme a esse respeito. Você não tem a menor chance de pedir um divórcio e conseguir três milhões de dólares, a exemplo do que aconteceu com Ashley Collei, e logo em seguida me fez um sermão, dizendo que não gosta de jornalista que fazem perguntas pessoais. A única coisa que fiz foi perguntar se o boato que eu tinha ouvido era verdadeiro. — Eu sei. Ele me contou — disse Samantha, olhando para o céu, agora coberto por nuvens escuras e baixas. — Será que vai chover? — A chuva pode despencar de um momento para outro, mas vejo que estão começando a servir a comida. Vamos enfrentar a fila e conseguir uma mesa sob a marquise, do outro lado da piscina — sugeriu Lyndon, levantando-se. Eles não conseguiram chegar até o grupo de hóspedes que já se serviam nas mesas compridas cheias de pratos apetitosos: frango grelhado, costeletas, presunto com abacaxi, bifes de caçarola, arroz e pão fresco. Antes que pegassem seus pratos, a tempestade desabou com violência. A chuva inundou o pátio, obrigando todo mundo a se abrigar debaixo da marquise, que, aliás, não oferecia a menor proteção, pois o vento soprava com força, ensopando todos. Os relâmpagos cruzavam o céu, imediatamente seguidos pelo estrondo dos trovões. — Não faz muito sentido ficarmos aqui — disse Lyndon que conseguira encher dois pratos. — Vamos para um lugar mais abrigado. Na companhia de outros hóspedes que tinham tido a mesma ideia, eles saíram correndo pelo pátio, quase tropeçando nos músicos da orquestra que procuravam proteger seus instrumentos. Foram para o bar, que tinha uma sala grande e cheia de mesas e cadeiras. O gerente veio se desculpar pelo mau tempo e anunciar que o jantar seria servido no salão ao lado, que a orquestra tocaria na pista de dança, ao lado da sala de jantar, e que a comida era oferta do hotel. Gritos e aplausos acolheram esta última novidade. Não houve a menor possibilidade de Samantha e Lyndon discutirem assuntos pessoais enquanto comiam, pois um casal inglês, em lua-de-mel, sentou-se à mesa deles. Assim que terminaram de almoçar foram para a sala de estar, que estava vazia naquele momento, e só então foi possível conversar. — Você disse que ouviu um boato de que Craig iria se divorciar. Quando isso aconteceu? Você já estava em Antígua? — perguntou Samantha. — Exatamente. Foi na noite da minha chegada. Fui com alguns hóspedes daqui até aquele hotel perto do porto. Conversei com alguns canadenses que se encontravam lá e lhes disse por que estava aqui. Eles, pelo jeito, conheciam a família Clifton muito bem e um deles disse que a mulher de Craig Clifton estava tentando se divorciar. — Por acaso foi uma mulher quem lhe disse isso? — Foi, sim. Isso tem alguma importância? — Como ela era? Alta e ruiva? — Sim. Você a conhece? — É Morgana... Morgana Taylor — murmurou Samantha. — Eu devia ter imaginado! Ela não tem feito outra coisa, a não ser trazer problemas para Craig e para mim. — Como assim? — Eles se conhecem há muitos anos e houve uma época em que se murmurava que iriam se casar. Craig, no entanto, casou-se comigo e Morgana ficou ressentida. Quando estamos juntos Morgana aparece, ela o monopoliza e me faz sentir… bem, para falar a verdade, Lyndon, ela me faz sentir uma intrusa. — Ela a faz sentir como se você fosse a outra e eles, o casal feliz. Ficaram muito felizes se você sumisse. — Exatamente. E isso me dá vontade de fugir... — E agora ela anda espalhando boatos a seu respeito... Samantha, você deveria saber que um boato é quase sempre divulgado por alguém que está tentando descobrir a verdade. Nós jornalistas, agimos assim o tempo todo. Desconfio de que essa tal de Morgana Taylor gostaria que você se divorciasse de Craig ou vice- versa. Ela, no entanto, não sabe ou não está segura do que está acontecendo entre você e ele. Eu também não sei como estão as coisas entre vocês, apesar do que o velho Clifton disse. Você me contou que estava pensando em se divorciar, quando estávamos em Londres. — Mas isso foi antes que... — Samantha se interrompeu, mordeu o lábio e evitou o olhar inquisitivo de Lyndon. — Antes do quê? O que foi que aconteceu? Aquele sujeito fez algum tipo de pressão para que você continue casada com ele? — Não, não fez a menor pressão. Nós simplesmente decidimos pôr um ponto final em nossa separação. — Para agradar ao velho, de tal modo que a família Clifton dê ao mundo uma impressão de felicidade, quando ele se aposentar? — Oh, não, ele não tem nada a ver com isso — apressou-se a dizer Samantha, mas Lyndon não parecia estar muito convencido. — Você precisa tomar cuidado, Lyndon. Ser repórter de um jornal está começando a afetá-lo. Está se tornando cínico. — Talvez. O fim de sua separação aconteceu com tamanha rapidez... Não se passou nem um mês desde que almoçamos em Londres e nessa ocasião você me disse que tinha consultado um advogado, pedindo orientação sobre a possibilidade de um divórcio. Agora me diz que a separação chegou ao fim. Tudo isto está me parecendo fácil demais para não ser o resultado de uma combinação. — Lyndon encarou Samantha com insistência e, num gesto de quase irritação, afastou o cabelo da testa. — E como foi que você veio parar aqui? Seu marido a convidou? A pergunta surpreendeu Samantha. Ela estava a ponto de negar e lhe dizer que Howard Clifton a convidara quando percebeu claramente o que Lyndon deduzira dessa informação. Certamente pensaria que, pelo fato de ter sido convidada pelo sogro para vir a Antígua e Craig ter aparecido logo após, Howard Clifton havia tramado tudo. A separação tinha chegado ao fim pelo menos por alguns dias para agradar ao velho e criar uma falsa impressão de harmonia. — Fui convidada, sim — ela afirmou, consultando o relógio. Eram quase nove horas. Será que Craig já tinha voltado? — Preciso ir andando, Lyndon? — Ele sabe que você veio me ver? — Não. Ele foi até St. John, mas já deve estar de volta. — Samantha se levantou. — Vou pegar um táxi na frente do hotel. Provavelmente o vejo amanhã, quando for fazer as fotos. Vou pedir a Carla que o convide para almoçar conosco. — Não haverá nem fotos e nem almoço — ele disse, muito seco. — É mesmo? E por que não? — Fui posto de lado por seu marido, quando ele me trouxe para o hotel. Ele disse para eu me arranjar com as fotos do arquivo do jornal e que não queria que eu voltasse à casa de seu pai. — Lyndon riu. — Como ele é mais forte do que eu em mais de um sentido, não discuti! Ele pode fazer com que eu perca meu emprego. Voltarei para Londres amanhã à tarde. — Eles tinham chegado à porta do hotel. — Samantha, por que não volta comigo? Tenho certeza de que todo mundo vai gostar de vê-la novamente na revista. — Mas já não trabalho mais lá. Você deve saber que a direção deu ordens para reduzir o corpo de editores. Eu fui cortada. — Você foi posta na rua? — exclamou Lyndon, olhando-a sem acreditar no que acabara de ouvir. — Mas me disseram que você pediu demissão! — Não. Fui vítima das medidas de economia. — Que medidas de economia? Ninguém mais da revista foi despedido! — Mas Marilyn Dowell, a editora-chefe, disse o contrário, comunicando que tinha recebido ordens diretamente de ... — Samantha arregalou os olhos e entendeu pela vez o significado do que ia dizer. — Marilyn disse que recebeu ordens superiores para fazer cortes em sua equipe... — E agora você sabe quem estava por trás dessas ordens, não é? Samantha, você foi manipulada e enganada por um velho muito astuto ou, possivelmente, pelo filho dele. Por que ficar aqui? Volte comigo para a Inglaterra amanhã. — Não, não posso. Agora preciso ir. Adeus, Lyndon. Foi tão bom vê-lo novamente! Ela se afastou rapidamente e tomou um táxi. Tinha parado de chover e o céu se limpava. À medida que o táxi subia pelas colinas ela viu a lua surgir no horizonte. À porta da casa Jeremiah surgiu diante dela, como que por um passe de mágica. — Sabe aonde está o sr. Craig? — ela indagou. — Ele disse que iria dar um passeio pela praia e talvez nadasse em seguida. Eu o avisei para tomar cuidado. A tempestade, com toda certeza, deve ter deixando o mar agitado e... Samantha se retirou, sem ouvir o que Jeremiah dizia. Deixou a bolsa em cima de uma cadeira, saiu de casa e se dirigiu aos degraus que levavam até a praia. Postes colocados a pequenos intervalos iluminavam o caminho, mas assim que ela pisou na areia macia da praia ficou confusa com as sombras das palmeiras, que se agitavam ao vento, e não conseguiu ver ser Craig andava ou não pela beira do mar. As águas refletiam as luzes dos postes, bem como a lua que despontava. Samantha procurou distinguir uma cabeça ou um braço fendendo as águas. Não conseguiu avistar ninguém. Percorreu lentamente a praia, olhando à sua volta, com a esperança de ver Craig, e aos poucos a raiva começou a se atenuar, dando lugar à ansiedade. E ele tivesse ido nadar e, encontrando dificuldades inesperadas, tivesse se afogado? Quando chegou ao final da praia parou de andar, pois não queria subir pelos rochedos. Voltou apressada para o lugar de onde viera, sem saber se gritava ou não pelo nome de Craig. Desistiu, pois ele não conseguiria ouvir sua voz, abafadas pelo barulho surdo das ondas que morriam na praia. Durante todo esse tempo não tirava os olhos das ondas e da sombra das árvores. De repente Craig surgiu diante dela, vindo da cabana pequena onde estavam guardadas as pranchas de windsurfe. — Estava à sua procura! — ela exclamou, assustada. — Onde é que você andou? — Estava no mar. — Jeremiah me disse que avisou você de que não seria prudente nadar hoje à noite. Como não conseguiu encontrá-lo, cheguei a pensar que ... Oh, não suporto pensar nisso! — ela murmurou, estremecendo. — Você ficou muito ansiosa? — Craig parecia bastante surpreendido. — Claro que sim. — Só então ela ousou encará-lo. Sua pele e seus cabelos estavam molhados e refletiam a luz da lua. — Sempre fico preocupada quando você se entrega a esportes perigosos, como o mergulho e o esqui aquático. — Pois você deveria mergulhar e esquiar comigo. Pelo menos ficaria sabendo de que se trata. Saberia o quanto sou cuidadoso, como não corro riscos e obedeço a todas as regras de segurança. — Mas como eu poderia ir com você? Nunca me convidou! Depois de certo tempo comecei a pensar que você no fundo, não queria que eu o acompanhasse a nenhum lugar e fiquei imaginando por que se casou comigo. Samantha não tinha a menor intenção de dizer aquilo a Craig. Pretendia acusá-lo de tê-la despedido da revista e declarar que não iria fingir que tudo estava bem apenas para satisfazer o pai dele. Comunicaria que, no dia seguinte, tomaria um avião para Londres e desta vez o deixaria para sempre. A raiva, no entanto, deu lugar à preocupação e à ansiedade. Só então percebeu o quanto o amava e como desejava que a separação tivesse realmente terminado. — Não sabia disso — ele disse baixinho, dando um passo em direção a ela. Seus olhos brilhavam como as gotas de água que lhe cobriam o corpo. — Você nunca me disse como se sentia e, passado algum tempo, comecei a pensar que, no fundo, não se importava comigo. Casou-se porque eu era um partido, como muitos de meus amigos e parentes viviam me dizendo. Enfim, você me quis porque eu sou rico. Até mesmo na cama, você não se abandonava inteiramente. Estava sempre se contendo, até me dar a impressão de que não queria fazer amor. — Ele fez pausa para enxugar a água que escorria dos cabelos para o rosto e prosseguiu, num tom carregado de aspereza: — Você ainda se recusa a se entregar, a vir ao me encontro e hoje descobrir por quê. Esteve com Lyndon Barry hoje à noite, não? Abalada pela acusação de que se casara com Craig unicamente pelo dinheiro e de que era uma mulher fria. Samantha o encarou, decidida a protestar, mas incapaz de fazê-lo. Queria lhe explicar que sua dificuldade para fazer amor, se prendia ao fato de estar convencida de que ele amava Morgana. — Não é verdade? — ele perguntou, como certa brutalidade. — Você não foi ao hotel para ver Barry? — Fui... fui, sim — ela gaguejou. — Fui vê-lo. Tinha de explicar por que não havia contado a ele que eu era casada com você e... — Não precisa se desculpar. Apenas fico surpreendido por você ter voltado tão cedo. Julguei que passaria a noite com ele. — Oh! Samantha ferveu de indignação. Sentiu ímpetos de esbofeteá-lo por aquele insulto e chegou a levantar a mão. Subitamente tudo ficou claro e ela o enxergou como realmente era. Seu corpo estava banhado pelo clarão da lua e ele a encarava numa evidente atitude de desafio. Aquele era o homem por quem se apaixonara havia quatros anos; o homem com que havia se casado e ao lado de quem passara momentos mágicos. Agora pretendia esbofeteá-lo por ter insinuado que ela andava dormindo com outro homem? O que estava acontecendo com eles? Por que brigavam daquele jeito? — Acho...que você está com ciúme — ela declarou em tom de caçoada, da mesma forma como Craig costumava caçoar dela, todas as vezes que se opunha à sua amizade com Morgana. Em vez de agredi-lo, Samantha estendeu o braço e encostou de leve em seu peito. — Pois não ouse duvidar! — Ela estava para retirar a mão, mas Craig a impediu de fazer o menor gesto, dando um passo adiante. — Quando Jeremiah me contou que você foi, senti vontade de ir até hotel, dar um murro em Lyndon Barry e trazê-la de volta! — Agora sabe como me sinto todas as vezes em que você está com a Morgana! — Mas você não tinha o menor motivo para sentir ciúme dela! — Tinha, sim! — Samantha retrucou, se afastando e tentando, sem sucesso, livrar-se dele. — Sempre que ela aparece, quando estamos juntos, tenta monopolizar você e me fazer sentir que não sou desejada. E pelo que sei, você e ela têm um caso há anos. — E daí? — Craig apertou-lhe o pulso com toda a força, puxando-a brutalmente de encontro ao corpo. Samantha tentou se afastar, mas ele a imobilizou. Seu rosto estava bem junto ao dela e ele falou baixinho ao seu ouvido, enviando-lhe ondas de sensualidade por todo o corpo: — Pelo que sei, você tem um caso com Lyndon Barry há dois anos e vive com ele. Talvez ele seja a razão por que procurou um advogado, com a intenção de se divorciar de mim. — Mas como... quem lhe disse que fui consultar um advogado? — Não importa, eu sei. Por acaso pretende negar? — Não — murmurou. Ela tremia e teve de ser apoiar em Craig. Através do leve tecido de seu vestido sentiu os poderosos músculos das coxas dele enquanto era amparada. Apoiava a mão contra o peito de Craig e sua pele estava quente e molhada, incitando-a a acariciá-lo. O fato de estar tão junto dele despertava desejo. Desesperada, tentou mais uma vez livrar-se daquela proximidade perturbadora. — Craig, me solte! — murmurou. — Oh, por favor, me solte! — Agora não. Só quando eu conseguir o que quero de você — ele murmurou. Suas mãos começaram a acariciar as costas de Samantha e ele a puxou para junto de si. De repente ela sentiu que ele abaixava o zíper do vestido. — Você prometeu que não faria isso — protestou, mas sem grande convicção e não se esforçando para repelir Craig. Aquilo, de resto, não era possível, pois o desejo circulava por suas veias como chamas e ela queria unicamente se abandonar àqueles impulsos selvagens que se apoderavam de todo seu ser. — Por favor! — suplicou Samantha, erguendo a cabeça para encará-lo. Seus lábios se abriram e seus olhos se fechavam, num convite para que Craig a beijasse, embora tivesse a intenção de lhe pedir para soltá-la. — Por favor o quê? É isto que você quer que eu faça, não? — Os lábios viris roçaram os dela, enquanto ele lhe abaixava o vestido, que caiu a seus pés. — Só prometi não fazer o que você não quiser que eu faça — ele murmurou com a voz rouca de desejo, contemplando aquele corpo nu. — Eu te quero Samantha. A seu toque os seios de Samantha pareceram desabrochar como um botão de rosa ao calor do sol. A chama escura do desejo consumiu as frágeis defesas que ele havia levantando contra Craig. Abraçou-o e cravou as unhas na carne macia de seus ombros, beijando-o com avidez. Entregues ao calor da paixão, foram-se deitando na areia e seus corpos se entrelaçaram. O luar se escoando pelas folhas das palmeiras, batia naquelas peles nuas. A alguns metros de distância as ondas se arrebentavam na praia. A areia, que não tinha sido atingida pelo mar, ainda estava quente e se assemelhava a um leito acolhedor, que abrigava aqueles corpos. Craig a acariciou, procurando dominar-se, como se sentisse dificuldade em controlar o desejo de possuí-la. Ela reagiu com mais espontaneidade e havia também uma certa violência no modo como o tocava. A necessidade de possuir e ser possuída era uma loucura temporária, uma fúria deliciosa e que tudo consumia. Ambos se beliscavam, se arranhavam, se lambiam e se mordiam, numa tentativa desesperada de exprimir seus sentimentos. A posse foi uma súbita explosão de sensações há muito reprimidas. Soluçando de alívio, com as lágrimas lhe escorrendo pelo rosto, Samantha ficou abraçada a Craig e, lentamente uma sensação deliciosa começou a circular por seu corpo. Todas as suas tensões afrouxaram e ela jamais sentira isso. Queria ficar para sempre com a cabeça apoiada nos braços de Craig, sentindo os dedos dele lhe acariciando os cabelos, ouvindo o vento soprar através das árvores. Tantas vezes ela havia ficado assim, após fazer amor com Craig, nos primeiros tempos de casamento... Isso fora antes de Morgana entrar em cena e, com resultado, Samantha começou a reagir mal aos beijos e aos toques de Craig, fechando-se em si mesma. Não, sua relação com ele nunca fora tão boa quanto aquela noite. Ela jamais se sentira tão completa, como se todas as suas ânsias tivessem sido completamente satisfeitas. Mas por que se sentia assim? Simplesmente pelo fato de ter-se abandonado inteiramente, sem temer as consequências, por não ter conseguido controlar a paixão, que pusera abaixo todas as suas barreiras. Durante alguns momentos Samantha experimentou uma grande liberdade de corpo e alma, como se o fato de fazer amor com Craig a tivesse feito abandonar uma prisão à qual se condenara a viver para sempre, desde que se havia separado dele. Mas eles estavam juntos apenas para manter as aparências durante alguns dias, possivelmente uma semana, e em seguida regressaria a Londres, se quisesse. Craig não a amava como ela desejava ser amada. Se amasse, teria pedido para ficar ao seu lado para sempre. Agora mesmo ele a tinha usado, tratando-a como a mulher a quem amava, mas como a um objeto sexual. Toda a alegria e o prazer que experimentara se esgotaram, dando lugar à revolta. Empurrando-o, Samantha sentou-se. Craig fez o mesmo e seu braço nu encostou no dela. A jovem o repeliu, receosa de voltar a sucumbir mais uma vez às atrações daquela pele bronzeada, com o cheiro do mar daquelas coxas musculosas e da magia contida em seus dedos. — O que há? — ele perguntou. — Você se aproveitou da situação. E agora, o que vou fazer? — Eu me apoderei daquilo que me pertence — ele disse com um toque de arrogância, deslizando a mão pelas coxas dela. — E também lhe dei algo — acrescentou, em um tom provocador. — Você não pareceu se importar... E se entregou com uma liberdade de que eu nunca presenciei. Foi bom, bom demais, e haverá muito mais, se você quiser, mas não aqui e sim na cama. Poderemos dormir juntos. — Não, não! — Ela se afastou, pois queria evitar a todo custo a tentação, e levantou-se. — Não posso suportar que você me toque! — declarou, à beira da histeria. Samantha se vestiu às pressas e, num gesto nervoso, tentou fechar o zíper. — Samantha, meu amor! — Craig estava de pé e se aproximava. — Não! — Ela pegou as sandálias e saiu correndo em direção aos degraus. — Samantha, volte aqui! — gritou Craig, mas ela não parou. Estava decidida a fugir dele, temerosa do poder que aquele homem tinha sobre sua pessoa. Subiu rapidamente os degraus, entrou na casa e foi correndo para sua suíte. Lá chegando, foi diretamente até o quarto de vestir, escancarou as portas dos armários e tirou as malas e os vestidos aos soluços. — O que você está fazendo? — Craig entrou no quarto e bateu a porta com toda força. Ele também tinha corrido, estava ofegante. Seus olhos fuzilavam. — Não está vendo? — replicou Samantha, arrumando as malas às pressas. — Vou embora! — Agora! — ele perguntou, caminhando para perto da cama, em cima da qual estava a mala. — Sim, agora. Não posso fazer o que você me pediu. Não posso ficar e fingir que está tudo bem, sobretudo se você pretende se aproveitar da situação para fazer amor comigo. Eu me recuso a ser tratada como um brinquedo. — E para onde pretende ir a esta hora da noite? Para o hotel? Naturalmente vai se encontrar com Barry? Pois saiba que não admito! Você pertence a mim e não a ele! — Não é verdade! — ela protestou, cometendo o engano de encará-lo. Teve a sensação de que suas pernas não a sustentavam ao vê-lo queimado de sol, praticamente nu, não fosse pelo maiô, exibindo um corpo atlético e perturbador. — Você me pertence, sim! — insistiu Craig, avançando em direção a ela. — Ainda usa a aliança que lhe dei e continua sendo minha mulher, aos olhos da lei. Isso não mudou e não vai mudar, a menos que eu decida. Você não irá a lugar nenhum hoje à noite. Vai ficar aqui. Movendo-se com uma agilidade que a tomou de surpresa, Craig agarrou a mala, virou-a e todas as roupas se espalharam pelo chão. Juntou-as, jogou-as dentro do guarda-roupa e fechou as portas. — Você não vai sair — ele reafirmou, com arrogância. — Mas você não pode me obrigar a ficar. Não há como me obrigar, se eu me recusar. Posso ir sem as minhas roupas. Preciso apenas da minha bolsa. Oh, onde será que ela está? Samantha olhou à sua volta, um tanto confusa, e lembrando subitamente onde tinha deixado a bolsa, abriu a porta do quarto e saiu correndo pelo corredor. Dirigiu-se às pressas para o vestíbulo. A bolsa não mais se encontrava onde havia sido deixada. Sem ela não poderia partir. Tomada de profundo desânimo, voltou lentamente para o quarto. Não poderia passar a noite em um hotel de St. John e muitos menos voar para a Inglaterra sem dinheiro e passaporte. Teria de esperar até o dia seguinte, na esperança de que Jeremiah tivesse guardado a bolsa. Agora estava cansada e emocionalmente exausta para pensar em tomar uma atitude. Quando ia entrar na suíte cruzou com Craig, que usava uma elegante calça preta e um suéter cinza. Ele parou, assim que a viu. — Como? Ainda não foi embora? — indagou, com profunda ironia. — E nem vou. Não consigo encontrar minha bolsa. Eu a deixei sobre uma cadeira no vestíbulo, antes de ir para a praia, e sem ela não tenho condições de partir. — Samantha endireitou os ombros, levantou o queijo e o encarou fixamente. — Não tinha a intenção de passar a noite com Lyndon, conforme você imaginou. Isso jamais aconteceu entre nós. Nunca tivemos um caso e nem eu quero — ela concluiu, em atitude de desafio, como se estivesse fazendo uma declaração de guerra. Craig, muito tenso, encarou-a com ar de suspeita durante um momento e, aos poucos, foi relaxando. — Está bem, acredito em você. Desculpe pelo que disse ainda há pouco. — Ele fez uma pausa e seus olhos começaram a brilhar novamente. — Não pedirei desculpas pelo que aconteceu na praia. Eu a desejei e você também me desejou. Isso vem acontecendo entre nós desde que nos encontramos no aeroporto. — Não, não é verdade... — É verdade, sim. Por que acha que a segui quando você foi velejar com aqueles seus amigos? Você é minha mulher. Voltei a encontrá-la, após dois anos de separação, e queria fazer amor com você. É uma reação natural e primitiva, se quiser, mas não me envergonho dela. — Craig estendeu a mão, como se quisesse tocá-la, mas mudou de ideia. — Está bem, está bem! — disse, irritado. — Você não precisa se afastar desse jeito. Não pretendo tocá-la novamente. Não pode partir sem a bolsa? Espero que Jeremiah a tenha guardado num lugar seguro. Quer que eu vá perguntar aonde está? Creio que ele e Elena já se deitaram, mas posso bater à porta do quarto deles, se for necessário. — Oh, não! Por favor, não os incomode. Eu pego a bolsa de manhã. Conforme você disse, não irei a nenhum lugar à noite, a não ser para a cama. — Por que não faz isso? — ele sugeriu. — O quarto será inteiramente seu. Encontrarei outro lugar para dormir. Boa noite. Craig se retirou e fechou a porta. CAPÍTULO VII
Afinal de contas Samantha acabou passando a noite sozinha.
Quase não conseguiu dormir e só conciliou o sono quando o dia nascia. Ao despertar, o sol estava alto e ela calculou que fossem umas dez horas. Percebeu que Craig estivera no quarto antes que ela acordasse, pois as portas do armário estavam abertas e a calça e o suéter que ele usava na véspera estavam jogados em cima de uma cadeira. No banheiro o espelho ainda embaciado, devido ao calor do chuveiro, e a toalha molhada também denunciavam sua presença. Após tomar um banho, Samantha vestia uma bermuda branca e uma camiseta azul-marinho. Pendurou novamente as roupas, perguntando-se por que não as guardavas nas malas. Ainda estava um tanto entorpecida, devido à falta de sono. Foi para o pátio e deu a volta em torno da piscina, em direção à saleta onde era servido o café da manhã. O sol brilhava, no céu azul, os pássaros cantavam e a água da piscina era um verde muito claro. Os hibiscos de cor escarlate e as primaveras roxas e agressivas tinham sido lavadas pela água da chuva e pareciam brilhar mais do que nunca. A mesa estava posta, mas apenas para uma pessoa. Jeremiah apareceu assim que Samantha entrou na sala, desejou bom dia e lhe ofereceu bananas com creme, ovos, torradas e café. — Você por acaso encontrou a minha bolsa, Jeremiah? — ela indagou. — Sim, senhora, e entreguei hoje de manhã ao sr. Craig. — Ah, sei. Onde é que ele está agora? — Acho que está com o sr. Clifton. — Obrigada. Assim que terminou de comer Samantha foi até a suíte de Howard Clifton e bateu à porta. Carla lhe disse que entrasse. Ela e Howard estavam sentados à mesa, tomando o café da manhã. Os raios do sol banhavam o quarto, mas Craig não estava ali. — Bom dia, Samantha. Você está com boa aparência! — disse Carla, amável e acolhedora como sempre. — Já tomou café? — Sim, obrigada. Estou à procura de Craig. Jeremiah disse que ele estava aqui com vocês. — Craig saiu já pouco. Foi até a cidade. Ele não lhe disse nada? Naturalmente fora ver Morgana, imaginou Samantha, repelindo imediatamente essa ideia. Não tinha a menor razão para sentir ciúme daquela mulher. Pelo menos era isso que Craig afirmava. — Não, ele não me disse nada. Só conseguir dormir agora de manhã. Craig deve ter saído antes de eu acordar. Falou quando volta? — Na hora do almoço — disse Carla, levantando-se. — Com licença, Howard. Preciso conversar com Elena a respeito do almoço. Vou mandar Jeremiah tirar a mesa. — Ela se inclinou, beijou o marido no rosto e fez menção de se retirar. — Fique comigo, Samantha — ordenou Howard, vendo que ela se dispunha a seguir Carla. — Vamos até o pátio. Quero conversar com você. Descobriu onde começaram aqueles boatos? — Descobri, sim. Samantha entregou a bengala em que Howard sempre se apoiava. Ele estava com melhor aparência do que na véspera e seus olhos brilhavam. Puseram-se a andar lentamente. O ar perfumado pelas centenas de rosas que desabrochavam nos canteiros; de longe vinha o barulho das ondas quebrando de encontro aos rochedos. — Fui ver Lyndon, o jornalista que o entrevistou. Perguntei onde ouviu o boato e ele disse que tudo partiu de uma mulher que se encontrava hospedada no hotel. Pela descrição que ele fez adivinhei que se tratava de Morgana Taylor. — Ah! E onde você acha que ela obteve essa informação? — Não tenho a menor ideia — Samantha interrompeu-se, pois não gostou do pensamento que acaba de lhe ocorrer. — A menos que Craig tenha conversado com ela... Ontem à noite ele me disse que sabe que eu consultei um advogado em Londres, a respeito do divórcio, mas não tenho a menor ideia de como ele descobriu. — Fui eu quem lhe contei — disse Howard, com rispidez. — Quando? — Assim que recebi a informação de Londres. — Oh, não entendo! — disse Samantha, bastante perturbada. — Não disse que a ninguém que iria procurar um advogado, a não ser a Lyndon Barry. Só ontem é que ele ficou sabendo que sou casada com Craig. Como foi que o senhor descobriu? Tinha chegado até a grade, no fim do pátio, e Howard contemplava a bela vista da baía. A seu lado Samantha estudava aquele perfil de água. Era, sem dúvida, um homem muito astuto. — Fui informado por certas pessoas de Londres, que trabalham para a companhia e que vivem de olho em você, a partir do momento em que decidiu se separar de Craig. — Quer dizer que fui espionada? — ela indagou, horrorizada com aquela declaração. — Como o senhor foi capaz de fazer uma coisa destas? — Chame de espionagem, se quiser — ele replicou, sem se deixar abalar pela acusação. — Agora posso lhe dizer que Craig se casou com você só para me desafiar. Conrad Taylor e eu há muito discutíamos a possibilidade de fusão de nossas empresas e pretendíamos consolidar essa fusão através do casamento de Craig com Morgana. Conrad chegou mesmo a estabelecer o casamento com condição essencial para essa fusão. Craig se recusou a cooperar e foi para a Inglaterra, onde acabou se casando. Como você não é de família rica eu fiquei desconfiado e cheguei a acreditar que se casou com ele devido à sua riqueza e posição social. Daí a pouco mais de um ano você voltou para a Inglaterra e insistiu em arranjar um emprego. Achei que as minhas suspeitas se confirmavam e mandei vigiá-la. Como lhe disse ontem, não queria que você fizesse com Craig o que Ashley fez comigo. Assim que soube que você consultou um advogado decidi agir. — Como assim? — Eu a convidei a vir para cá, após tomar providência para que você fosse dispensada da revista. Assim não poderia usar o trabalho como pretexto. — Quer dizer que foi o senhor quem pressionou Marylyn Dowell! — Não costumo pressionar ninguém — declarou Howard Clifton, com muita frieza. — Simplesmente dou ordens e exijo que sejam cumpridas. — Mas eu poderia não ter aceitado o seu convite. O que o senhor faria, nesse caso? — Mas você aceitou. Veio até aqui e o mesmo aconteceu com o Craig, conforme eu esperava. Ontem você mesma disse que a separação chegou ao fim e que não haverá mais divórcio. Fico contente por saber que meu pequeno plano deu certo. Tive igualmente a oportunidade de conhecê-la melhor. Minha cara, durante sua permanência cheguei à conclusão de que não se casou com Craig por dinheiro. Casou com ele porque o amava, não é mesmo? — E... como foi que o senhor descobriu? — Ouvindo, observando e também porque, pelo visto, você não hesitou em aceitar o meu convite. Esperava ouvir notícias de Craig e até mesmo se encontrar com ele aqui, não? — Sim... — murmurou Samantha. — Começava a se ressentir dessa separação, mas não queria dar o primeiro passo e meu filho não tomava nenhuma atitude nesse sentido. Foi então que lhe ocorreu procurar um advogado, com a esperança de que Craig fizesse algo. Quando lhe disse ao telefone que você tinha ido consultar um advogado, Craig quis tomar o primeiro avião para a Inglaterra. Sugeri, porém, que vocês se encontrassem aqui, longe de certas influências na vida dele, sobre as quais me falou. Meu filho me contou que sua mãe nunca o aprovou. — Mamãe acha que Craig tem a mentalidade de um playboy no que se refere às mulheres, e que se casou comigo apenas para... — Para levá-la para a cama — concluiu Howard, com um brilho matreiro no olhar. — Não o censuro. Você é uma mulher extremamente atraente, talvez um tanto confusa, mas inteligente. Graças a Deus não se trata de uma criatura submissa e é a mulher ideal para Craig. Ele é um tanto inclinado a dominar as pessoas, a fim de conseguir o que quer, e você faz muito bem em enfrentá-lo. Agora você sabe que sou um velho intrigante, Samantha, sempre manipulando as pessoas. Estou perdoado por espioná-la, mandar despedi-la e convidá-la para vir até Antígua? Minhas intenções foram as melhores possíveis. — Sim, eu o perdoo, mas, já que foi honesto comigo, creio que devo fazer o mesmo em relação ao senhor. Craig e eu estamos apenas fingindo que nossa separação chegou ao fim. — Fingindo? — Sim. Ele me pediu para agir assim durante alguns dias. — Por acaso ele disse por quê? — Não, mas tive a impressão de que era para agradar ao senhor. — E você não fez a menor objeção em concordar com esse... fingimento? — Não... pelo menos eu... — Samantha interrompeu-se, dando se conta de que, no fundo, não sabia por que tinha concordado com a sugestão de Craig. — Talvez você tenha resolvido que é melhor ficar com os anéis, quando se perdem os dedos — disse Howard com o ar malicioso de sempre. — Está absolutamente certa. E durante quanto tempo vai durar a farsa? — Não mais de uma semana, como disse Craig. — E quando a semana chegar ao fim? — Poderei voltar para Londres, se quiser. — Se você quiser... Hum... Pelo visto, Craig é bem mais sutil do que eu poderia imaginar. Talvez tenha aprendido alguma coisa com o pai... É possível que você não queira voltar para Londres, não é mesmo? — É possível sim. — E se você não voltar, o que acontecerá? — Oh, não sei... Não sei! Depende do que Craig fizer! — disse Samantha, um tanto desorientada. — Bem... com licença. Preciso encontrar algo que não conseguir localizar ontem. — Claro, mas espero vê-la mais tarde — disse Howard, autoritário como sempre, enquanto voltavam para a sala. — Há algum tempo que você não lê para mim e paramos na metade do romance de Hemingway. Quero saber o fim e, portanto, não vá para a praia ou para qualquer outro lugar antes de terminar a leitura. Promete? — Prometo, sim. Virei hoje à tarde. Samantha foi diretamente para o quarto, certa de que Craig devia ter posto a bolsa em algum lugar em que ela pudesse vê-la. Não conseguiu encontrá-la, porém, e isso significa que não poderia partir de Antígua naquele dia, ou melhor, não poderia partir enquanto Craig não voltasse para casa e ela não lhe pedisse a bolsa de volta. Mas uma vez estava encurralada. Na verdade, isso não importava tanto. Sentiu-se estranhamente aliviada, pois aquele assunto já não lhe pertencia mais. No fundo, não queria partir. Ficaria até o fim da semana, conforme Craig tinha pedido, e só então tomaria uma decisão. “É possível que você não queira voltar, não é mesmo?”, havia sugerido Howard Clifton. Como aquele homem era esperto e malicioso! Como a tinha estudado bem, analisando com precisão seu comportamento! Parecia conhecê-la melhor do que ela mesma e tinha adivinhado os motivos que a levaram a consultar um advogado. Quando terminaram os dois anos estipulados por Craig para a separação, ele não dera o menor sinal de vida. Samantha, desesperada, pretendia pedir ao advogado que entrasse em contato com ele sugerindo um divórcio, na esperança de que ele tomasse alguma atitude. Antes que conseguisse agir, Howard foi informado e interferiu. Foi despedida do emprego, de acordo com as instruções dele, e recebeu o convite para ir a Antígua. Conforme Lyndon dissera, ela havia caído numa armadinha, aliás com toda facilidade, e voltara a se encontrar com Craig. Craig, por sua vez, viera porque sabia que ela estaria presente. Aliás não fazia o menor segredo em torno do assunto. Seguira-a através das ilhas quando ela partira com os Wallis porque queria fazer amor com ela e pedir-lhe para fingir que a separação havia chegado ao fim. Samantha mordeu o lábio. Seria possível que o tivesse entendido mal e que ele, no fundo, desejasse reatar o casamento? Não era possível, pois Craig havia estipulado um limite de tempo, talvez não mais do que uma semana. Em seguida ela poderia regressar a Londres se quisesse. Não teria agido assim se quisesse que Samantha ficasse com ele. Mas por que Craig queria que ela fingisse? Seria apenas para satisfazer seu pai, conforme Lyndon havia sugerido? Ou haveria alguma outra razão? Ela não tinha como saber. Mas por acaso teria de saber? Craig não poderia fingir que a separação acabara pelo fato de amá-la e querê-la de volta? Samantha vestiu um maiô, pôs uma saída de praia e saiu do quarto. Tinha a intenção de praticar um pouco de windsurfe. O tempo estava ótimo, o vento soprava firme e o sol esquentava. Seria preferível aquilo a ficar sentada em casa, tentando analisar a situação dela com Craig, imaginando o que ele estaria fazendo na cidade e se fora ao encontro de Morgana. Durante meia hora Samantha percorreu a pequena baía em várias direções, praticando o windsurfe com uma habilidade cada vez maior. Não caiu na água uma vez sequer. Refrescada pelo exercício, guiou a prancha até sua praia favorita, pretendendo tomar um pouco de sol antes de voltar para casa. Aproveitou a oportunidade de estar sozinha, tirou o maiô e o colocou sobre uma pedra para secar. Em seguida deitou-se de costa na areia quente e fechou os olhos. A paz e a tranquilidade eram fantásticas. O sol não estava excessivamente aquente e acariciava sua pele, queimando as partes que não costumavam ser expostas. As ondas batiam de leve, de encontro aos rochedos, e o vento sussurrava por entre as folhas das palmeiras. Reinava a mais completa paz. “Você costuma vir aqui com frequência?” Assustada, Samantha abriu os olhos rapidamente e sentou-se, cobrindo os seios com os braços. Olhou à sua volta, mas não viu ninguém. A praia estava deserta e nenhuma outra prancha de windsurfe tinha se aproximado. A seu lado não havia nenhum homem alto, bronzeado... Levantou-se e vestiu o maiô, pois poderia haver alguém entre os rochedos, espionando. Voltou a deitar-se, desta vez de bruços, e fechou os olhos, esperando sentir uma vez a paz de espírito que aquele lugar encantado lhe proporcionava. Sentia-se, no entanto, intranquila. Diante de si só enxergava Craig, só ouvia sua voz, calma e profunda, zombando dela. Descobriu que ansiava por sua presença. Gostaria realmente de ter- lhe ouvido a voz. Se pelo menos ele viesse, seguindo-a através da baía... Se estivesse lá, devorando-a com o olhar, sorrindo com ar de provocação, acariciando-a, tomando-as nos braços! Como o desejava! Samantha apertou as mãos e gemeu, tomada por uma súbita paixão. Não podia ficar mais lá. Tinha de voltar para casa, revê-lo, dizer-lhe que bastava de fingimento. Queria declarar que o amava e que deseja viver com ele para sempre. Levantou-se rapidamente e foi correndo até a prancha. Ajeitou o mastro, empurrou a prancha para dentro da água, subiu nela e se afastou da ilhota. Ao chegar à praia, amaldiçoou o tempo que levaria para carregar o equipamento até o depósito onde eram guardados. Mal continha o desejo de rever Craig, de lhe falar, de tocá-lo e confessar o seu amor. Vestiu a saída de praia e as sandálias e subiu os degraus correndo. Na metade do caminho ficou sem fôlego e sentou-se num banco de madeira. Após se recuperar, ia continuar subindo a escada quando ouviu o barulho de saltos altos. Uma mulher com um vestido de voil azul vinha a seu encontro. Morgana parou diante de Samantha, bloqueando o caminho e sorrindo com uma falsidade insuportável. — Olá! Carla disse que talvez você estivesse na praia e resolvi vir ao seu encontro. — Olhou para os cabelos encharcados de Samantha e ficou muito espantada. — Mas o que andou fazendo? Até parece que se afogou! — Estava praticando windsurfe. — Ah! E você é craque nisso? — Mais ou menos. Você já tentou? — De modo algum! Desteto esportes aquáticos. Não gosto de me molhar. — Exatamente como uma gata — observou Samantha e Morgana lançou-lhe um olhar desdenhoso. — Bem, com licença. Tenho de ir tomar um banho e trocar de roupa. — Ainda não — disse Morgana. — Precisamos conversar e tenho muito para lhe dizer. Onde foi que aprendeu a praticar windsurfe? — Foi Craig quem me ensinou, durante nossa lua-de-mel. Diga o que precisa e então vou poder me trocar. É importante? — Para mim, sim. Não sei por que você está insistindo tanto — ela declarou e em seus olhos surgiu um brilho desagradável. — Insistindo? O que você quer dizer com isso? — Não sei por que permanece aqui. Naturalmente acha que, com isso, Craig vai voltar com você, pois a sua presença o faz lembrar o tempo todo que são legalmente casados. Estou muito surpreendida com a sua atitude. Julguei que tivesse mais amor- próprio e que não concordaria com o comportamento de Craig. Para dizer a verdade, fiquei muito contente quando soube que você decidiu se separar. Achei que ganhou um ponto para a causa do feminismo, ao se recusar a ser dominada por ele. Pensei até que, divorciando-se dele, fizesse um acordo conveniente. — Não duvido de que você tivesse agido assim caso se encontrasse na minha posição. — Evidentemente! Tinha certeza absoluta de que você faria o mesmo. — E estava tão segura que chegou até mesmo a espalhar boatos nesse sentido! — De fato, falei com algumas pessoas, amigas minhas e de Craig. Elas me perguntaram como andava o casamento de Craig, pois sabiam que nós somos íntimos. — Pois a sua credibilidade entre os amigos deve ter diminuído bastante, quando Craig lhe disse que estamos juntos e que não vamos nos divorciar — replicou Samantha, em atitude de desafio. Descobriu, porém, que começava a tremer. Estava tão indignada com aquela mulher que teve de enfiar as mãos nos bolsos da saída de praia, para não esbofeteá-la. Imediatamente a atitude de Morgana se modificou. Deu um suspiro abafado e se aproximou de Samantha. — Oh, minha cara! Sinto tanta pena de você! É tão ingênua, tão fácil de conduzir! Saiba que não é páreo para um homem como Craig. Ele é sofisticado demais para uma criatura como você. Imagino só os argumentos que deve ter usado para convencê-la a não se divorciar dele. Naturalmente foi encorajado pelo pai, pois Howard não querer que você se divorcie e peça uma pensão. Ele detesta perder dinheiro desse jeito. Não me espantaria se Howard lhe oferecesse dinheiro para você fingir que a separação terminou. Em outras palavras, ele não hesitaria em comprá-la. — Pois você se engana! Ele não me comprou — disse Samantha, cerrando os punhos com mais força ainda. Estava indignada. — Por favor, me deixa passar — disse, mas Morgana voltou a barrar o caminho, sorrindo, mais falsa do que nunca. — Mas então a coisa é pior que eu pensava... — ela murmurou. — Os dois conseguiram convencê-la... Você está cometendo um erro terrível. Esperava que tivesse aprendido com o primeiro erro. — Como assim? — Eu me refiro ao fato de ter se casado com Craig. Imagino que tenha se apaixonado por sua aparente honestidade. Isso não deixa de ser uma tentação, sobretudo quando combina com a riqueza, com a capacidade de praticar esportes perigosos e com a reputação de um verdadeiro gênio das finanças. Imagino que você teve diante de si um verdadeiro príncipe encantado, que veio resgatá-la da pobreza. — Não é verdade! Não sou como Cinderela e nunca vivi na pobreza. — Mas acredito que viveria feliz para sempre com Craig após casar-se com ele, não é mesmo? Quanta ingenuidade! Acho inacreditável que ainda existam mulheres como você. Não sei como pode continuar a agir assim, em face da realidade. Naturalmente deve pensar que Craig foi fiel durante os dois anos em que esteve separada dele. Posso lhe garantir que não e você conseguirá se divorciar dele com a maior facilidade. — Não quero ouvir mais uma palavra! Deixe-me passar! — Samantha chegou a agarrar o braço de Morgana, que a encarou com ódio e, de repente, tirou o corpo. Desesperada, ela tentou se equilibrar, mas não conseguiu. Por trás dela não havia nada, a não ser os degraus que levavam a outro patamar, alguns metros abaixo. Samantha gritou e tudo girou à sua volta; as rochas, os arbustos e árvore. Finalmente se chocou contra alguma coisa e desmaiou. Demorou muito tempo antes que ela recobrasse a consciência. Quando acordou estava deitada em sua cama e sentia dores em todo o corpo. O quarto estava quase na escuridão e ela imaginou como teria chegado até lá. Pensar era um esforço, pois sua cabeça doía demais, mas recordou que tinha ido praticar windsurfe e que tivera pressa súbita de ver Craig, de lhe comunicar algo...Por acaso o teria encontrado? O esforço era demais e começava a sentir-se tonta novamente. Como teria chegado até lá? Não se lembrava de ter entrado na casa. Lembrava-se apenas de ter voltado à praia, após o que guardara a prancha e encontrara Morgana. A ruiva lhe havia barrado a passagem, impedindo-a de ir até a casa, ao encontro de Craig. Morgana sempre estava entre os dois! Atormentava-a e a empurrava, quando ela tentava passar, fazendo-a perder o equilíbrio e cair! — Oh, não! — Ela deu um gemido abafado e imediatamente alguém se aproximou. — Samantha! Era a voz de Craig. Finalmente o encontrara! E agora, o que lhe diria? Abriu os olhos e tentou erguer a cabeça. Uma dor aguda se apoderou de todo o pescoço e ela gritou. — Não se mexa. — Craig sentou-se na beira da cama, ao lado dela. — Você não de fazer o menor movimento, até o médico vir examiná-la. Corri um grande risco, trazendo-a para cá assim que a encontrei. Você não sabe o que aconteceu? Como foi que caiu? Tropeçou? A garganta de Samantha estava seca e era difícil falar. — Encontrei Morgana... Ela... não queria me deixar passar. Tentei dar a volta e devo ter pedido o equilíbrio... — Morgana?! Tem certeza de que a encontrou? — Sim. — Mas ela partiu de Antígua hoje de manhã! Foi o pai dela quem me deu a notícia, quando fui vê-lo. — Craig se inclinou e colocou a mão em sua testa. Samantha queria contradizê-lo e garantir que Morgana estivera lá, mas as palavras não vinham. — Acho que você deve estar com febre. Talvez esteja delirando e imagine que a viu. O médico deve estar chegando — anunciando, se afastando. O dr. Williams, que cuidava de Howard Clifton, era um homem agradável e estudara na Inglaterra. Examinou-a com cuidado e declarou que ela havia tido muita sorte por não quebrar a perna, a bacia ou a espinha. Estava com um pulso torcido, muitas equimoses e tinha passado por um grande choque. — Se quiser posso providenciar para que ela seja removida para o hospital e ser tratada lá — ele disse a Craig. Samantha tentou falar, mas não conseguiu. Olhou para Craig fixamente, procurando mostrar que não queria ir para o hospital e ficar entre gente estranha. Desejava permanecer ali. Craig compreendeu e se voltou para o médico. — Podemos cuidar dela aqui mesmo, se a senhora disser o que é que preciso fazer. Não é mesmo, Carla? — ele perguntou, olhando para sua madrasta, que estava no quarto. — Claro que sim! Ela receberá todos os cuidados necessários. — Carla deu um passo adiante, de tal modo que Samantha pudesse vê- la. — Vamos tomar conta de você, querida. Não tenha medo. Dentro de alguns dias estará nova em folha. Passaram-se, entretanto, alguns dias antes que Samantha voltasse a sentir-se bem. Demorou uma semana para conseguir se mover sem muita dor, falar com desembaraço, pensar com coerência e lembrar-se de tudo o que tinha acontecido no dia da queda. Certa manhã Samantha acordou sentindo-se muito bem. Seus pensamentos estavam muito claros e ela queria ver Craig. O tempo todo, quando as noites e os dias se alternavam e ela estava sob a influência dos calmantes e outros remédios, percebia a presença de Craig no quarto. Ele ficava quase sempre sentado numa cadeira, ao lado da cama. Não lhe dirigia muito a palavra, como se sentisse que ela não queria falar. Em alguns momentos lia para ela notícia de revistas ou jornais ou então lhe enviava recados de Howard. Havia contato como tinha sido encontrada inconsciente nos degraus. Carla dera por falta dela na hora do almoço e ele fora até a praia, à sua procura. Samantha tentou lhe falar mais uma vez a respeito de Morgana e de como tinha certeza de que ela a empurrava. Craig prestou atenção, mas Samantha teve a sensação de que ele não acreditava, pois a interrompeu, insistindo para que ela descansasse e não falasse. Tratou-a com ternura, mas também com autoridade, como se ela fosse uma criança. Ao sair do quarto, seu lugar foi tomado pela enfermeira que ele havia contratado para cuidar dela. Nesse dia, no entanto, ela sentiu-se suficientemente forte para discutir com ele e insistir que Morgana estava a seu lado quando caíra. No momento em que Craig viesse vê-la, ela estaria vestida, sentada numa cadeira, e provaria que não delirava e nem tinha alucinações, devido aos remédios. Já não era mais uma inválida. Convalescia e estava em pleno processo de recuperação. Craig teria de acreditar no que ela ia dizer a respeito de Morgana. Esperava igualmente que ele acreditasse nela quando lhe contasse por que estava à sua procura, quando declarasse que o amava e que queria pôr um ponto final naquela separação. A enfermeira relutou em deixá-la se levantar, mas acabou cedendo aos seus argumentos. Quando Carla entrou no quarto para ver como ela ia, Samantha estava sentada perto da janela do pátio, olhando os reflexos do sol sobre a água da piscina. — Estou tão melhor! — disse a Carla. — Eu tinha de levantar. Craig está em casa? Gostaria de falar com ele. Tenho tanto o que dizer, agora que voltei a ficar boa! A expressão de Carla se modificou e ela passou de alegria que sentia ao notar a melhora de Samantha a uma declarada tristeza. — Oh, sinto muito, querida, ele não está. Sei o quanto Craig queria que você melhorasse! Ele passou tantas horas neste quarto ao seu lado, quando você dormia, à sua disposição caso você acordasse e quisesse algo. — Ele não está? Por acaso foi a St. John? — perguntou Samantha, tentando disfarçar seu desapontamento. — Não. Voltou para Toronto. — Como? O avião de Toronto só parte à noite! — Ele viajou no voo de ontem, mas tenho certeza de que comunicou o fato quando estava com você. Almoçaram juntos, não se lembra? Samantha já havia notado, aliás com bastante irritação, que todos duvidavam de sua capacidade de se lembrar das coisas, achando que ela sofria de amnésia como resultado da queda. — Lembro, sim, mas ele não disse que iria viajar... — Samantha interrompeu-se, tentando lembrar com exatidão o que Craig lhe dissera ao deixá-la na véspera. — Ele disse que não jantaria comigo porque não estaria presente... — murmurou, falando mais para si do que para Carla. — Acrescentou que já havia ficado por aqui mais tempo do que deveria. — É verdade. Craig veio apenas por alguns dias, enquanto você estava aqui e, após sua queda, não quis deixá-la. Agora, porém, precisou voltar, para cuidar de alguns negócios. Ele se preocupa em excesso. Com Howard costumava acontecer a mesma coisa. Eu nunca sabia quando ele chegava ou quando partia. Felizmente isso acabou e para mim é muito melhor. Acontecerá o mesmo com você um dia. Está vendo? Craig disse que partiria. — Disse, sim, de certo modo — reconheceu Samantha e seu olhos se encheram subitamente de lágrimas. — Eu bem que gostaria que ... — Ela se interrompeu mais uma vez, muito decepcionada. — Você se levantou cedo demais, Samantha! Acha que ficou boa da noite para o dia. Deite novamente, descanse um pouco mais e hoje à noite poderá sair mais uma vez da cama. Subitamente desanimada, Samantha deixou Carla levá-la para a cama. Deitou-se obedientemente e fechou os olhos. O Fingimento tinha chegado ao fim. Craig voltara para Toronto e já era mais necessário prolongar aquela encenação e tentar enganar os outros. A situação tinha se prologando um pouco mais porque ela havia caído e se machucara. Craig achara que era dever ficar ao lado de Samantha, até se recuperar. Tudo aquilo fazia parte da combinação. Agora, porém ela partirá como costumava fazer, sem dizer adeus, sem comunicar para onde ia, deixando-a livre para regressar a Londres, se assim o desejasse. CAPÍTULO VIII
Uma semana mais tarde Samantha voou de Antígua para
Londres, sem ter notícias de Craig. Resistiu firmemente à insistência de Carla e Howard, que queriam a todo custo que ela prolongasse sua permanência até se recuperar inteiramente. Não havia ninguém à sua espera no aeroporto, o que não era nada surpreendente, pois não tinha avisado seus amigos. Do aeroporto telefonou para Thea Johnson, uma amiga de infância, com quem dívida um apartamento antes de ir para Antígua. Thea estava um tanto apressada, pois era muito cedo e se preparava para ir trabalhar. Disse que poderia voltar para o apartamento, pois suas coisas estavam lá e ninguém tomara os eu lugar. — Você está com a chave, não é, Samantha? — Sim. — Pois então venha diretamente para cá. Nós nos veremos bem mais tarde, pois vou sair com um amigo após o trabalho. Então falaremos sobre a sua viagem. Aposto que está muito bronzeada! Bem, tenho de sair. Até logo! Carregando as malas com certa dificuldade, Samantha tomou o metrô. Uma hora e meia mais tarde, exausta da longa viagem, chegou ao pequeno apartamento. Estava exatamente como o havia deixado e parecia que fazia tanto tempo... Tinha a impressão de aquela viagem se dera há um ano, mas não fazia nem um mês que havia partido para Antígua. Não desfez as malas, mas se deitou e dormiu quase o dia inteiro. Quando acordou já era noite e, após preparar uma refeição ligeira, telefonou para seus pais, avisando de sua volta. Não lhes contou que estivera com Craig, pois não queria discutir com a mãe. Quanto menos ela soubesse das complicações de seu relacionamento com ele, melhor. Também não disse nada a Thea, falando apenas da beleza das ilhas que tinha percorrido, dos Wallis e de algumas outras pessoas que conhecera. — Isso está me parecendo um verdadeiro paraíso! — disse Thea com um suspiro. — Talvez seja uma boa ideia eu começar a economizar para ir até lá o ano que vem. O que pretende fazer agora? — Procurar um emprego. — Não vai encontrar com facilidade, ainda mais no seu ramo. Thea não se enganara. No final de sua primeira semana na Inglaterra, apesar de ter feito várias entrevistas, não conseguiu emprego. Na sexta-feira de manhã, enquanto pensava em ir a Epping passar o fim de semana com o pais, recebeu um telefonema. — Aqui quem fala é Marilyn Dowell, Samantha. Como vai? — Bem, obrigada. E você? — Mais ou menos. Aproveitou bem a viagem a Antígua? — Sim, mas como sabe que fui para lá? — Alguém no escritório deve ter feito um comentário. Samantha, você está trabalhando no momento? — Não. Se estivesse você não me encontraria em casa numa manhã de sexta-feira, não é mesmo? — Imagino que não. Não gostaria de voltar a revista? — Exercendo que função? — perguntou Samantha, com certa cautela. — A mesma de antes. — O que aconteceu com os cortes por medidas de economia? — Ah, descobrimos que não funcionaram. E então, o que me diz, Samantha? Gostaria de começar segunda? — Bem...tenho de pensar no assunto. Recebi outras ofertas. Posso entrar em contato com você? — Mas é claro! Quando quiser! Foi um prazer falar com você — disse Marilyn. Pelo jeito não estava nem um pouco ofendida com a recusa de Samantha e desligou. A jovem não duvidou sequer por um momento de que Marilyn tivesse recebido instruções de lhe oferecer um emprego. De quem teria partido a iniciativa? De Howard ou de Craig? E por quê? Não queria saber e não queria pensar no assunto, conforme havia dito que faria. Passaria o fim de semana fora e pretendia esquecer os problemas. Para seu grande alívio, descobriu que seus pais estavam ocupados demais com os preparativos do batizado do primeiro neto e não fizeram muitas perguntas sobre a viagem ou sua vida pessoal. Logo se viu envolvida com a intensa atividade reinante na casa e ajudou a mãe a preparar a comida que seria servida na festa. Deu um passeio pela floresta com seu pai e os cães e foi até o supermercado local fazer compras para sua mãe. O sábado e o domingo passaram com tamanha rapidez que, quando tomou o metrô de volta a Londres, lembrou-se de que não tinha contato a sua irmã Jennifer de seu encontro com Pamela Wallis em Antígua. Tudo aquilo agora parecia um sonho, constatou, enquanto percorria a rua em que morava. Era como se aqueles dias ensolarados, as águas e o céu muito azul, as praias de areias douradas, cheias de palmeiras, não passassem de fruto de sua imaginação. Se não tivesse estado em Antígua, velejado até outras ilhas, se não tivesse sido seguida por Craig, regressando em sua companhia, numa bela noite de luar, não teria agora aquelas recordações. E estaria sofrendo pelo fato de desejar ficar com ele para sempre. Quando estava para abrir a porta do apartamento ouviu vozes e som de música. Enfiou a chave na porta, mas ela foi aberta por Thea. Seus olhos brilhavam e ela sorria para Samantha. — Você tem uma visita do Canadá! — murmurou. — Quem é? — Os olhos de Samantha se arregalaram e seu coração começou a bater com força. — Não consegue adivinhar? — Quando foi que ele chegou? — Hoje à tarde. Não consegui mandá-lo embora. Disse que esperaria até você voltar. — Mas como foi que ele descobriu o meu endereço? — Não sei. Cabe a você decifrar este enigma! — Não quero vê-lo — declarou Samantha, tomada de um pânico súbito. — Por favor, diga a ele, Thea! — Você não deve fazer uma coisa dessa. Ele não viajou milhares de quilômetros para ouvir semelhante disparate. Veio especialmente para vê-la e... cá entre nós, é um belo homem, não é mesmo? Acho você uma boba se não se explicar com ele e chegar a um entendimento. — Mas você não entende! — Entendo, sim! Entendo até muito bem! Vocês se amam, mas acontece que você é orgulhosa demais para admitir esse fato. De repente, sem que Samantha pudesse dizer como, ela estava dentro do apartamento, muito pálida. Craig se levantou e se aproximou. Usava uma calça elegante de tweed e suéter marrom e creme, mas seu modo de ser não tinha se modificado. Cheio de confiança em si, ele avançou como uma ave de rapina que está para se lançar sobre sua presa. Samantha teve a impressão de que seus nervos tinham alcançado o limite máximo de resistência. Voltou-se para fugir, mas Thea fechou a porta. — Thea! Por favor, fique! — Preciso sair, meu bem. Tenho um encontro. Vou dormir fora. Até logo! — Thea! Samantha quis ir correndo até a porta, mas Craig lhe barrou a passagem. — Você vai ficar aqui comigo — ele disse, autoritário como sempre. — Tem que me explicar muitas coisas. — Você também tem muitas explicações para me dar — ela retrucou, erguendo o queixo, numa atitude petulante. — Está bem. Vamos conversar. — Craig notou o quanto ela estava pálida e cansada e sua expressão se suavizou. — Você parece fatigada. Venha sentar aqui. Ele pegou a mão de Samantha e, embora ela achasse que não devesse corresponder ao gesto, o calor daqueles dedos era tão reconfortante que não resistiu, deixando Craig levá-la para o sofá, onde sentou-se rapidamente, pois suas pernas começavam a tremer. — Você não quer comer ou beber nada? — ele perguntou. — Já comi — respondeu Samantha, sem ter coragem de encará- lo. — Uma bebida até que iria bem, mas não sei o que temos em casa. — Cerveja e um resto de vinho do Porto, segundo me disse sua amiga. Tenho, porém, uma garrafa de conhaque na minha sacola. Você sabe que jamais viajo sem ela, mas tomo o conhaque para fins puramente medicinais — disse Craig, com ar zombeteiro. — Ou quando quer espantar o frio... — ela murmurou, encostando-se nas almofadas e fechando os olhos. — Ou caso precise entreter uma mulher atraente, como está acontecendo agora. Samantha abriu os olhos e viu Craig indo para a cozinha. Poderia partir naquele momento, enquanto ele estava ocupado... No entanto sentia-se cansada de fugir do amor e de suas exigências. — Não há copos para conhaque e teremos de nos contentar com estes — disse Craig, voltando para junto dela. — Você pôs bebida demais! Desse jeito vou acabar ficando alta. — E daí? Por que se preocupa tanto? Está em boa companhia! — ele afirmou, sentando-se ao seu lado. — Se você ficar bêbada eu a carrego para a cama. Bem, faço um brinde a nós dois. — Após tomar um gole, Craig colocou o copo sobre a mesa. — Pode começar, se quiser e me conte por que partiu de Antígua com tamanha pressa. — Conforme deve estar lembrado, você sugeriu que eu poderia voltar para Londres depois que a nossa combinação chegasse ao fim. Como você foi para Toronto, presumi que não desejava prosseguir com o nosso arranjo. Assim que me senti bem, decidi voltar. Você poderia ter se manifestado antes de partir da casa de seu pai, comunicando sua ida. Por que esse silêncio? Craig mudou de posição, tomou mais um gole de conhaque e, inclinando-se, apoiou os cotovelos nos joelhos. Nessa posição Samantha conseguia distinguir-lhe apenas o perfil, o queixo proeminente, o nariz e os cabelos muito negros, que lhe cobriam a orelha e a nuca. — Tive de viajar a Toronto para cuidar de negócios. Do jeito como você se comportou, depois que fizemos amor na praia, deduzi que não estava mais disposta a continuar com a nossa combinação. Imaginei que não se importaria muito se eu partisse sem dizer nada. Cheguei mesmo a ter a impressão de que você ficaria aliviada, se eu me afastasse mais uma vez. — Ele esvaziou o copo e o pousou sobre a mesa. — Pretendia regressar a Antígua assim que pudesse, pois queria saber se você havia se recuperado da queda. Queria também acabar com a nossa separação. Achei que você não estaria em condições de fugir de novo. Pelo visto me enganei. Fez-se uma breve pausa, durante a qual Samantha percebeu que Craig não iria dizer mais nada, esperando que ela se manifestasse. — Não me senti aliviada com a sua partida. Ao contrário, fiquei muito preocupada. — É mesmo? Por quê? — Porque no dia em que você partiu, comecei a me sentir muito melhor e me lembrei do que ia lhe dizer, pouco antes de me encontrar com a Morgana e ela me empurrar. — Samantha sentiu-se novamente trêmula e tomou mais um pouco de conhaque. — Ah, já ia esquecendo... Você não acredita que eu vi Morgana naquele dia, não é mesmo? Acha que eu imaginei que estava lá e me empurrou. É sua amiga desde os tempos da escola e não pode acreditar que ela seja capaz de fazer algo tão desprezível. Craig passou os dedos pelos cabelos. — Morgana e eu não éramos tão amigos assim em nossa infância. Na realidade eu a via raramente e só passamos a nos encontrar com frequência quando saí da universidade e fui trabalhar para a empresa de meu pai. Ela costumava me seguir, aparecendo nos lugares onde eu me encontrava! E como falava! O assunto girava sempre em torno dela mesma, da grande escritora que viria a ser. A coisa chegou a tal ponto que eu comecei a entrar em pânico todas as vezes em que me encontrava com ela. Agora sei com certeza que você não estava delirando ao dizer que ela a empurrou, mas quando você me contou o fato não pude entender que Morgana estivesse lá. Acreditei que ela tivesse partido com aquele homem que havia conhecido. Deve ter dado uma parada em casa, a caminho do aeroporto. Eu a vi em Toronto, quando voltei para lá. — Ah, sei... — disse Samantha, tensa. — Não precisa ficar desse jeito! Não fui procurá-la. Ela é que me procurou, assim que soube que eu estava de volta. Começou a querer tirar informações a seu respeito, como sempre, e acabou por se trair. — Como assim? — Não lhe contei exatamente o que aconteceu com você. Disse apenas que você estava muito bem. Daí ela comentou que você parecia estar com ótima aparência, na última vez que a viu. Perguntei quando tinha sido. Ela respondeu que você acabava de praticar windsurf. Daí eu perguntei como sabia que você tinha praticado windsurfe naquele dia, já que ela havia partido de Antígua. Nunca vi Morgana ficar tão vermelha. Aproveitei esse constrangimento e a acusei de ter empurrado você na escada. — E o que ela disse? — Gaguejou, disse que foi um acidente, que você tentou colocá-la de lado e que ela se limitou a se defender. — E daí? — Eu pedi a ela que nunca mais se aproximasse de nós. Se ela insistisse, não hesitaria em acusá-la publicamente de tentar agredir você. Ela então partiu. Craig se levantou e foi até a cozinha, voltando com a garrafa de conhaque. Serviu-se e voltou a sentar-se ao lado de Samantha. — Bem, agora que nos livramos de Morgana, que tal você me dizer o que tinha em mente, quando a encontrou na escada? Samantha não conseguiu enfrentar o olhar dele e fitou o copo. Subitamente o sangue começou a ferver em suas veias e ela sabia perfeitamente que não era a bebida que provocava aquele efeito, mas o fato de estar tão próxima daquele homem. — Como foi que você descobriu que eu parti de Antígua? — ela perguntou, tentando desviar o assunto. — Meu pai me contou, quando telefonei, esperando falar com você para dizer que voltaria logo. Ele me perguntou o que eu faria para impedi-la de ser divorciar de mim. Desde que soube que consultou um advogado, não pensa em outra coisa. No fundo, acha que você é capaz de fazer comigo o que mamãe fez com ele. É uma das razões por que a convidou a ir a Antígua. — Eu sei. Ele me disse. — Foi também por isso que persegui você através das ilhas. É a mesma razão que me levou a lhe pedir para fingir que a nossa separação tinha chegado ao fim. — Para agradar o Howard? — Para que ele se calasse e não pudesse dizer como devo governar a minha vida. Para que ele não a criticasse mais, dizendo que você é igual a minha mãe. — E quais eram as outras razões? — Uma delas era convencer Morgana de que ela não deveria ter a menor esperança em desmanchar o nosso casamento. Sabia que ela pretendia que nos casássemos, tão logo Conrad assumisse a presidência da Empresa Clifton. — E isso aconteceu? — Sim. Ele e eu conseguimos convencer papai a vender suas ações. — E quanto à sua parte? — Vendi antes de papai. — Por quê? — Porque me ofereceram um bom preço e eu queria aplicar o dinheiro em meu negócio. — Você tem sua própria empresa? — Tenho, sim. — Mas nunca me disse nada? — Você não parecia estar especialmente interessada no que eu fazia quando saía de casa para trabalhar. — É que...eu imaginava que fosse para a Clifton. E qual é o seu negócio? — Financio produções para televisão, noticiários, filmes... O futuro está no vídeo e nos jornais ou revista, pois, gostemos ou não, educamos uma geração que prefere ver e ouvir a ler. O negócio está crescendo cada vez mais e quis sair da empresa de meu pai para poder me dedicar inteiramente a essa iniciativa. Esperava também dispor de mais tempo para minha mulher... Fez-se uma pausa e Samantha tomou mais um gole de conhaque, certa de que Craig tinha mais o que dizer. — A razão mais importante que me levou a pedir-lhe para fingir que estávamos bem é que achava que isso acabaria acontecendo. Fui muito otimista. Quando é que você pretende iniciar o processo de divórcio? As mãos de Samantha se puseram a tremer e ela derramou a bebida na saia. — Não pretendo — disse, perturbada. — Você disse que não pretende? — ele murmurou, sentando-se mais perto dela. Aquele perfume tão familiar a envolveu. — Nunca tive a intenção de me divorciar de você — ela declarou, cruzando as mãos sobre o joelho, para se impedir de tocar o rosto de Craig, desmanchar as rugas que tinham surgido recentemente em sua pele morena, criadas por um autocontrole exagerado e, possivelmente, pelo sofrimento. — Mas então por que foi consultar o advogado? — Fui pedir a ele para lhe escrever, sugerindo que nos encontrássemos e discutíssemos a possibilidade de um divórcio. Oh, eu simplesmente não sabia o que fazer! Os dois anos tinham chegado ao fim e você se manteve silencioso e distante o tempo todo. Eu tinha de fazer algo para chamar a sua atenção e lembrar que eu ainda existia, pois você parecia ter esquecido. — Não esqueci de modo algum! Fiz o possível para que isso acontecesse, me entregando aos negócios, trabalhando demais, viajando... — Saindo com Morgana... — ela interrompeu, num súbito ataque de ciúme. — Não, isso nunca. — Mas saiu com outras mulheres. Ela me contou que você não foi fiel. — Ela estava apenas tentando armar confusão, como sempre. E você, como sempre, acreditou nela. — Você então nega que existiram outras mulheres? — Saí com algumas mulheres, sim, mas não foi nada sério. Elas não eram importantes. Fui fiel a você, à minha maneira. Agora não venha me dizer que não saiu com outro homem durante esse tempo todo, porque sei que não é verdade. Conheço, por exemplo, Lyndon Barry. — Mas já lhe disse que não o amo e não dormi com ele. Os lábios de Samantha começavam a tremer. Queria se jogar nos braços de Craig e lhe dizer que não desejava mais discutir. Algo, porém, a impedia. — Eu também não queria nada com outras mulheres — ele declarou, com uma ponta de cinismo. — Devo reconhecer, porém, que não foi nada fácil ser fiel... Samantha, num gesto impulsivo, levantou-se e Craig fez o mesmo, olhando-a com preocupação. — Pois então não resta mais nada a dizer — ela declarou, dando-lhe as costas. — Agora vá embora, por favor, e me deixe sozinha. — Não! — Craig agarrou-a pelo pulso, obrigando-a a encará-lo. — Não vou me retirar e nem deixá-la sozinha. Fiz isso há dois anos. Cedi aos seus desejos. Deixei você em Londres para fazer o que bem queria. Concordei com a opinião de sua mãe, quando ela disse que você era jovem demais para tomar uma decisão madura. Mas precipitei o casamento. — Só para desafiar seu pai — declarou Samantha, interrompendo-o. — No fundo, ele queria que você se casasse com Morgana. Já tinha combinado tudo com Conrad Taylor. Foi ele mesmo quem me conto. Samantha não prosseguiu, subitamente receosa da expressão do olhar de Craig. Ele a encarava como se quisesse agredi-la. — Casei com você porque me apaixonei e por nenhuma outra razão! — ele gritou. — Não importa o que meu pai ou sua mãe tenham dito a meu respeito. — Você não precisa gritar! — Pelo jeito preciso, sim, pois você não quer me ouvir! Ou então você me ouve, sim, mas não acredita em mim. Prefere acreditar no que sua mãe diz. Acreditou mais em Morgana do que em mim. Desconhece o significado profundo do amor ou do casamento, pois só pensa em si mesma. Craig pegou o copo, bebeu o que restava e o colocou com violência sobre a mesa. Reduzida ao mais absoluto silêncio diante das críticas que lhe fazia, Samantha só conseguia encará-lo, sem perceber o quanto sua expressão revelava a angústia que ela sentia naquele momento. Craig a encarou com tristeza e deu um passo em direção dela. — Ouça pelo menos uma vez. Eu me apaixonei pela primeira vez na vida quando conheci você, mas só fui perceber isso ao partir de Londres e voltar para o Canadá. Regressei logo que pude e pedi você em casamento. Craig pegou-lhe os braços como se, ao tocá-la, conseguisse convencê-la. Samantha suspirou. Finalmente Craig dizia que ela sempre quisera ouvir, algo que um dia acreditara ser verdade! Naquele momento ele declarava que havia se casado porque se apaixonara por ela. — Você está me ouvindo, Samantha? — ele indagou, puxando-a para si com muita suavidade. — Estou ouvindo, sim. Oh, por que você não me disse antes? — Imaginei que você soubesse. Nunca fui de falar muito a respeito dos meus sentimentos. Prefiro agir a falar. Quando casei com você obedeci aos impulsos do meu coração. Fiz aquilo que os meus instintos diziam ser bom para mim. Acredito que você tenha feito o mesmo. — Sim...penso que sim. — O primeiro ano do nosso casamento foi esplêndido ou pelo menos me apareceu assim. Então você começou a mudar, a dar ouvidos ao que as outras pessoas diziam ao meu respeito, em vez de ouvir seu próprio coração. E ...precisei deixá-la partir. Tive de deixá- la aqui em Londres, pois você disse que era isso que queria. — Craig chegou ainda mais perto dela. — Não pretendo repetir o meu comportamento. Não vou deixá-la nunca mais. Se fizesse isso, você fugiria, como fugiu de Antígua. Vou ficar e antes que esta noite chegue ao fim você vai confessar que quer a nossa separação termine, tanto quanto eu! Craig a beijou como tanto ardor que Samantha sentiu seus lábios queimarem. Não tinha a menor defesa. O desejo se apoderou dela e exigia satisfação. — Mas por que você não veio antes? — ela murmurou, quase sem fôlego. — Se queria acabar com nossa separação, por que não veio quando os dois anos terminaram? — Porque estava à espera de notícias suas. Achava que o primeiro passo deveria ser dado por você. E foi o que aconteceu, mas não exatamente como eu esperava. A inciativa partiu do meu pai. Ele me contou da sua visita ao advogado. Eu já estava decidido a vir até aqui quando ele sugeriu um encontro em Antígua. Foi o que fizemos e eu comecei a perseguir a minha esposa fugitiva. Espero que a perseguição tenha chegado ao fim. Tenho razão ou não? Ele acariciou-lhe suavemente o rosto, olhando-a o tempo todo com uma expressão de desejo. — Sim — murmurou Samantha. — Eu ia pôr um ponto final na nossa separação... quando me encontrei com a Morgana nos degraus. Pretendia falar-lhe assim que melhorei, mas.... você tinha ido embora e achei que não me amava mais. — Amava sim, e te amo mais do que tudo — ele declarou com voz carregada de paixão. — Quer que eu seja novamente seu amante e seu marido, Samantha? — Quero, sim! Todas as dúvidas e suspeitas que a atormentavam se dissiparam diante daquela declaração de amor e ela agiu obedecendo a seus instintos. Seguiu os impulsos do coração e o beijou se abandonando sem a menor reserva nos braços dele.
Bem mais tarde, enquanto estavam deitados na cama de
Samantha, onde haviam feito amor, ela lhe fez uma pergunta: — Onde iremos morar? — Onde você quiser — declarou Craig, cheio de generosidade, entrelaçando as pernas com as dela. — Na casa perto de Toronto? — ela perguntou, roçando o rosto de encontro a seu peito peludo. — Não. Podemos morar aqui em Londres. Vendi a casa. — Você vendeu aquela casa tão bonita? Por quê? — Em primeiro lugar, porque você disse que a detestava. Em segundo lugar, porque recebi por ela uma oferta que não tinha condições de recusar. — Ah, é só nisso que você pensa? Comprar, vender e lucrar? — Não, nem sempre. Com frequência penso em você e no quanto gosto de fazer amor ou estar juntinho da minha mulher. Não, não se afaste. Gosto que fique aqui, inclinada sobre mim, porque posso fazer o que quero. — Beijou-a delicadamente nos seios. — Não está contente por eu ter vindo? — Sim — ela gemeu e as sensações mais deliciosa se apoderaram dela. — Você me ama? — Ele perguntou e mais uma vez seus lábios lhe queimaram a pele, como um rastro de fogo. Samantha voltou a gemer, diante daquela adorável tortura. — Eu te amo! Eu te amo demais! — Ela suspirou. — Pois então prove... — ele desafiou. Foi o que ela fez. Acariciou Craig até que ele, incapaz de resistir por mais tempo, a possuiu novamente, envolvendo-a numa onda de ternura. Na manhã seguinte, enquanto tomavam café, Craig sugeriu que poderiam passar quatro meses do ano morando em Antígua e velejando por entre as ilhas; quatro meses no Canadá e quatro na Inglaterra. — Mas precisamos ser multimilionários para fazer isso! — Mas somos ricos. Quando meu pai morrer vou ser ainda mais rico. O que me diz disto? Inverno no Caribe, primavera na Inglaterra, verão e começo do outono no Canadá? Minha mãe disse certa vez que é a melhor maneira de aproveitar o que esses países têm a oferecer e me sinto inclinado a concordar com ela. Como já estamos quase na primavera, podemos começar ainda hoje a procurar um lugar para comprar. O que lhe parece? — Concordo inteiramente! Eu te amo, Craig! — Acho que é um amor um tanto esquisito... — ele disse, provocando-a. — Você só me ama quando faço algo que lhe agrada ou quando a deixo agir como quer. Ainda deseja prosseguir na sua carreira? — Ah, já ia me esquecendo! Devo telefonar para Marilyn Dowell! — ela exclamou, correndo em direção ao telefone. — Por quê? — Ela me procurou na sexta-feira e perguntou se eu gostaria de voltar a trabalhar na revista. — Mas você não tem necessidade de lhe telefonar. — Mas eu me comprometi! Acho que você não está querendo que eu aceite o emprego — ela o acusou, colando o telefone no gancho. — Não há uma oferta de trabalho para você na revista. Marilyn lançou mão desse truque como desculpa para localizar você neste endereço. — Mas por que ela fez isso? — Fui eu quem pediu. Telefonei de Toronto na sexta-feira e lhe pedi que verificasse se você se encontrava em Londres. Ela me ligou assim que falou com você e eu reservei uma passagem imediatamente. Precisava ter certeza de que você se encontrava aqui antes de começar a persegui-la novamente... Você se importa muito se não for possível um emprego na revista? Se quiser de fato voltar para lá, tenho certeza que posso conseguir alguma coisa, embora ela já não mais pertença à Clifton. Samantha estudou o rosto de Craig, imaginando se havia sinceridade no que ele dizia. — Você está falando sério? Não fará objeções se eu voltar a trabalhar? — Não gostaria, mas também não impediria. Aprendi que a gente deve viver a vida da maneira que bem entender. Você tem de resolver por si mesma se ainda quer seguir carreira. Vai aceitar o emprego? — Creio que não. Para dizer a verdade, não sei. Estava com medo de que Howard tivesse feito pressão sobre Marilyn para ela me aceitar de volta, da mesma forma que a pressionou para me despedir. Não queria dever nenhuma obrigação a seu pai. E agora... não quero dever nenhuma obrigação a você. A resposta é não. Não quero que você tente me arranjar uma colocação na revista. Não quero que pressione Marilyn Dowell por minha causa. — Samantha notou um brilho irônico no olhar de Craig. — Oh, você é tão mal quanto Howard... Vive me espionando! — Vivo perseguindo você, amando você! Só agi assim porque te amo, porque me preocupo com você. Cheguei até mesmo a deixá-la sozinha durante dois anos porque senti que você precisava de um tempo para poder enxergar o nosso casamento e o nosso afeto sob uma perspectiva melhor. Sabia que a tinha levado a uma atitude precipitada. Eu tive de agir assim porque sentia medo de perdê-la. O que mais posso dizer, a fim de convencê-la de que para mim você é mais importante do que qualquer pessoa neste mundo? Está entendendo o que digo, meu amor? — Estou tentando — ela murmurou, emocionada diante da profundidade e da força dos sentimentos de Craig. Beijou-o, sabendo, no fundo do coração, que nunca mais fugiria daquele amor.